fale! 10 perguntas para raquel barros

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Entrevista 10 PERGUNTAS PARA Raquel Barros E LA COMEÇOU NA MARK PROPAGANDA, PASSOU PELA ÁGIL PUBLICIDADE E PELA DM9. Hoje é diretora da Dez Comunicação Integrada, que tem muitos cases, como os da farinha de trigo Finna, a TV União, a nova embalagem dos sucos Jandaia e Flamingo, além da fábrica de lingeries Finna Paixão. Em 2007, a agência levou o GP Verdes Mares de Propaganda, na categoria de Planejamento de Comunicação, pela campanha da nova embalagem do Cream Cracker Fortaleza, do grupo M. Dias Branco. A publicitária, que tem um pé no mundo das letras, assina também a coluna “Mkt Max”, no jornal Diário do Nordeste. Polêmica, Raquel Barros critica a proliferação do que chama de “eu-gências”, a visão romântica dos recém-formados em publicidade, a falta de visão da maior parte do empresariado e a concorrência desenfreada que marca o mercado de comunicação no Ceará. Apaixonada pelo trabalho, a publicitária levanta a bandeira do marketing, do conceito de comunicação integrada e da importância do cliente. Hoje, no Ceará, nós temos boas revistas, jornais interessantes, que devem ser utilizados nas empresas, não simplesmente com a função da publicidade em si, mas de uma forma contínua para formação de marca. Fale! Como foi a sua formação profissional? A minha formação na verdade é em literatura. Eu fiz Letras, mas traba- lho com publicidade há mais de 15 anos. Comecei ainda muito jovem, na Mark Propaganda, que era refe- rência aqui no Estado e no Norte- -Nordeste. Eu levei um caderninho de coisas que escrevia para o diretor da agência, o Nazareno Albuquer- que. Ele leu aquilo, olhou com aquele olhar publicitário, que adjetiva tudo. “Ah, isso é muito kafkaniano”, disse. Eu que já tinha lido muito Kafka... não tinha nada a ver (risos). Falei que não entendia nada de publicidade, mas que se ele me ensinasse eu ia ser muito boa nisso, porque eu sempre fui uma pessoa muito determinada. Fale! Como foi a experiência com o pu- blicitário Nizan Guanaes? Depois dessa experiência na Mark eu fui para São Paulo. Estudei, vol- tei para cá, passei quase oito anos sendo diretora de criação da Ágil Publicidade. Quando a gente tinha a conta do governo Tasso, ele fechou uma assessoria com o Nizan Guana- es e eu acabei conhecendo o Nizan e indo para a DM9. Na DM9, uma das lições que eu achei mais válidas foi quando eu estava fazendo uma campanha para o governo federal sobre doação de órgãos. Fiz umas três ou quatro páginas de concei- tos, fui mostrar lá para o Nizan e ele disse: “Tudo bem, quando tiver oito, você volta”. E eu voltei e che- guei lá com as oito páginas. Ele simplesmente rasgou as sete sem ler, ficou com a última página e perguntou: “Aqui que é a últi- ma?” Eu respondi: “É”. Então ele disse: “Aqui deve estar com os melhores conceitos”. E esse era o conceito que ele levava a sério: que propaganda não é inspiração, é transpiração. Fale! Como você enxerga a evo- lução do mercado publicitário ce- arense? Nós fomos educados com a ideia de que se a gente tivesse que dar certo teria de sair do Ceará. E acho que essa realidade está mudan- do. Aqui no Ceará tem grandes talentos, o cearense é criativo por natureza, um povo inventivo, de 18 | Fale! | JANEIRO DE 2009 www.revistafale.com.br

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Fale! — Revista de Informação.

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Page 1: Fale! 10 Perguntas para Raquel Barros

EntrevistaEntrevista

10 PERGUNTAS PARA

Raquel Barros

ELA COMEÇOU NA MARK PROPAGANDA, PASSOU PELA ÁGIL PUBLICIDADE E PELA DM9. Hoje é diretora da Dez Comunicação Integrada, que tem muitos cases, como os da farinha de trigo Finna, a TV União, a nova embalagem dos sucos Jandaia e Flamingo, além da fábrica de lingeries Finna Paixão. Em 2007, a agência levou o GP

Verdes Mares de Propaganda, na categoria de Planejamento de Comunicação, pela campanha da nova embalagem do Cream Cracker Fortaleza, do grupo M. Dias Branco. A publicitária, que tem um pé no mundo das letras, assina também a coluna “Mkt Max”, no jornal Diário do Nordeste. Polêmica, Raquel Barros critica a proliferação do que chama de “eu-gências”, a visão romântica dos recém-formados em publicidade, a falta de visão da maior parte do empresariado e a concorrência desenfreada que marca o mercado de comunicação no Ceará. Apaixonada pelo trabalho, a publicitária levanta a bandeira do marketing, do conceito de comunicação integrada e da importância do cliente.

Hoje, no Ceará, nós temos boas revistas, jornais interessantes, que devem ser utilizados nas empresas, não simplesmente com a função da publicidade em si, mas de uma forma contínua para formação de marca.

Fale! Como foi a sua formação profissional? A minha formação na verdade é em literatura. Eu fiz Letras, mas traba-lho com publicidade há mais de 15 anos. Comecei ainda muito jovem, na Mark Propaganda, que era refe-rência aqui no Estado e no Norte--Nordeste. Eu levei um caderninho de coisas que escrevia para o diretor da agência, o Nazareno Albuquer-que. Ele leu aquilo, olhou com aquele olhar publicitário, que adjetiva tudo. “Ah, isso é muito kafkaniano”, disse. Eu que já tinha lido muito Kafka... não tinha nada a ver (risos). Falei que não entendia nada de publicidade, mas que se ele me ensinasse eu ia ser muito boa nisso, porque eu sempre fui uma pessoa muito determinada.

Fale! Como foi a experiência com o pu-blicitário Nizan Guanaes?Depois dessa experiência na Mark eu fui para São Paulo. Estudei, vol-tei para cá, passei quase oito anos sendo diretora de criação da Ágil Publicidade. Quando a gente tinha a conta do governo Tasso, ele fechou uma assessoria com o Nizan Guana-es e eu acabei conhecendo o Nizan e

indo para a DM9. Na DM9, uma das lições que eu achei mais válidas foi quando eu estava fazendo uma campanha para o governo federal sobre doação de órgãos. Fiz umas três ou quatro páginas de concei-tos, fui mostrar lá para o Nizan e ele disse: “Tudo bem, quando tiver oito, você volta”. E eu voltei e che-guei lá com as oito páginas. Ele simplesmente rasgou as sete sem ler, ficou com a última página e perguntou: “Aqui que é a últi-ma?” Eu respondi: “É”. Então ele disse: “Aqui deve estar com os melhores conceitos”. E esse era o conceito que ele levava a sério: que propaganda não é inspiração, é transpiração.

Fale! Como você enxerga a evo-lução do mercado publicitário ce-arense?Nós fomos educados com a ideia de que se a gente tivesse que dar certo teria de sair do Ceará. E acho que essa realidade está mudan-do. Aqui no Ceará tem grandes talentos, o cearense é criativo por natureza, um povo inventivo, de

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habilidades fantásticas, que pensa e tem raciocínio rápido. Mas acredito que o nosso mercado de publicidade ainda deixa muito a desejar, estamos caindo em termos de conceito cria-tivo. Eu fico vendo os outros mer-cados aí... Em bloco, eles defendem a propaganda do estado, entre si eles concorrem, mas juntos eles sa-bem se defender. Aqui existe muita falta de coesão.

Fale! Por que o empresariado cearense ainda não acordou para a importância do marketing?Os nossos grandes anunciantes são oriundos do comércio, a atividade econômica principal do Ceará, his-toricamente. Então, há essa manei-ra de encarar a propaganda, como um custo e não como um investi-mento. Quando na verdade a gen-te está vivendo uma revolução no mundo globalizado, onde se pode terceirizar completamente o proces-so industrial. Nesse futuro, o ma-rketing vai ocupar uma função mui-to mais importante que o comercial. Quando você tem uma empresa que se comporta do ponto de vista em-brionário, ela lança um produto e deseja que o mercado absorva. En-tão lançam suas campanhas quando precisam se comunicar com o clien-te, para uma promoção, para vender alguma coisa. Não estão preocupa-das com a formação da imagem de marca. Mas hoje a única moeda de barganha que uma empresa tem é a sua marca. Se ela não tem uma marca que o consumidor sinta fal-ta na prateleira é o varejo quem vai dar as cartas.

Fale! Há alguém fazendo diferente por aqui, quem foi mais eficiente nes-se processo de formação de marca no Brasil?A gente vê algumas iniciativas isoladas. Mas isso eu acredito que é uma tendência muito cul-tural do Ceará. Infelizmente, em

geral, as empresas cearenses, que são na maioria familiares, não con-seguem enxergar ainda o valor da marca. Hoje o ativo maior de uma empresa é a sua marca. Eu sempre digo que qualidade não é só o que você coloca dentro do seu produ-to, é o que o consumidor percebe. Quem disse que uma Brastemp é melhor que a Cônsul, se elas são a mesma empresa, se elas têm a mes-

ma tecnologia? Foi a propaganda. Eles passaram 20 anos incutindo essa ideia na nossa cabeça. Então, criar essa percepção de qualidade é, às vezes, muito mais importante do que ir para um laboratório e ten-tar achar diferenciais tecnológicos e colocar no produto. Porque isso vai ser copiado.

Fale! Como está sendo a experiência de articulista do Diário do Nordeste?A Marketing Max, ou MKT MAX é uma experiência super interessan-te. Na verdade quando nós começa-mos, eu e a Cláudia Rebouças, que é a minha companheira de coluna, não imaginávamos que a coluna ia ter um feedback tão interessante da parte de empresários, de estu-dantes de publicidade. É um es-paço que a gente dedica, não para dar respostas ou ensinar ninguém, mas navegar por vários mares do marketing. A gente lê muito, estuda as pautas, vê o que está acontecen-do fora e quais são as tendências do marketing, aborda assuntos de grandes livros do All Riser, Jack Trout, etc, e tenta colocar numa linguagem mais usual, para que as pessoas possam absorver. E as pes-soas dão retorno dizendo: “Olha, é a primeira vez que eu leio sobre marketing e eu entendo”. Escrevem e-mails perguntando: “Como é que eu posso abordar esse conceito no meu negócio com uma verba que eu não tenho?”

Fale! Como o jornalismo e a assesso-ria de imprensa podem ajudar o marke-ting hoje?Eu tenho um conceito de que a comunicação é a comunicação de uma forma integrada. A gente não precisa “departamentalizar”. Eu sempre trabalhei muito com jorna-listas e acredito muito na assesso-ria de imprensa. Não a assessoria de imprensa de fazer auto-elogio à pessoa física, de simplesmente escrever notinhas calorosas. Eu acredito na assessoria de imprensa para a formação de marca. Eu acho um elemento fundamental e pouco utilizado nas empresas. Hoje, no Ceará, nós temos boas revistas, jor-nais, produtos jornalísticos inte-ressantes que devem ser utilizados nas empresas, não simplesmente com a função da publicidade, mas de uma forma contínua para for-

mação de marca.

Fale! O diferencial dos cases da Dez Comunicação Integrada é o Planejamen-to de Comunicação?Mudar a embalagem de um produ-to, tão consolidado como o Cream Cracker Fortaleza, para justamente ela estar antenada às tendências de embalagem e valorizar o produto no ponto de venda foi uma campanha de riscos muito grandes. Então tinha de ter um bom planejamento, e as coi-sas serem feitas de mãos dadas com a empresa, discutindo cada ponto.

Fale! O que falta na formação dos nos-sos publicitários e como melhorar os cursos de publicidade, propaganda e marketing? O grande problema é que existem muitos cursos e há pouca vivência. Os publicitários recém-formados vêm com uma visão muito românti-ca e quando chegam dentro de uma agência muitas vezes vêm para fazer carreira e não para contribuir com os planos de comunicação de um clien-te. É importante que exista a vivência em publicidade e é muito difícil isso dentro de uma universidade. Os pró-prios professores nunca foram publi-citários. O que pode ser melhorado dentro dos cursos é aproximar mais a parte acadêmica da parte funcional do mercado publicitário, porque essa parte laboriosa de esculpir o talento é a maior dificuldade.

Fale! Como você enxerga a regulamen-tação publicitária no Brasil, quais são os principais problemas?As leis da nossa regulamentação são leis sérias. Cada um tem que en-tender um pouco da sua profissão e ser ético. Fortaleza é um dos mer-cados que mais preocupa o CENP – Conselho Executivo das Normas--Padrão de Agências de Publicidade no Brasil. É preciso que as agências entendam que o grande diferencial de uma agência é traçar soluções para os seus clientes. O que a gen-te está vivendo hoje é uma briga acirrada pelo menor custo. Hoje se tem uma explosão do que eu chamo de “eu-gência”, ou seja, a agência do “eu mesmo”. É preciso enten-der qual é o conceito de se ter uma agência de comunicação e não ficar nessa briga acirrada, dando tiro no próprio pé, pois essa falta de coe-são está destruindo o mercado. n

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