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MINISTÉRIO DA SAÚDE MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA ANAIS DA CONFERÊNCIA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM SAÚDE 24 a 28 de outubro de 1994 BRASÍLIA, 1994.

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MINISTÉRIO DA SAÚDE MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

ANAIS DA

CONFERÊNCIA NACIONAL

DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM SAÚDE

24 a 28 de outubro de 1994

BRASÍLIA, 1994.

1994 - Ministério da Saúde É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. Tiragem: 1.000 exemplares Edição, distribuição e informações: Coordenação Geral de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Esplanada dos Ministérios, Bloco “G”, edifício sede, 4º andar, sala 415 70058-900, Brasília-DF. Fones: (061) 315-2848 / 315-2245 / 315-2473 Fax: (061) 315-2307 / 315-2829 Impresso no Brasil / Printed in Brazil Estes Anais foram organizados pela Comissão de Documentação e Relatoria, com a colaboração de: Carlos Rodrigo Lauermann, Edite Damásio, Maria Assunção Lopes e Regina Coeli P. de Mello. Colaboraram na edição da Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde: Maria Carlota de Souza Paula e Rita de Cássia Barradas Barata. Editoração gráfica: Gildásio de Andrade Pires ISBN: 85-334-0093-4

FICHA CATALOGRÁFICA

ÍNDICE

Pág. APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................................... 5 PARTE I A) Programa da I CNCTS ......................................................................................................................................................... 9

B) Documento Básico da I CNCTS ........................................................................................................................................... 15 PARTE II A) Sistemática Adotada: Trabalhos em grupo e Plenária Final ................................................................................................. 47

B) Relatório Final ...................................................................................................................................................................... 53

C) Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde (texto revisado) ................................................................................ 81 PARTE III A) Relatório Consolidado da Etapa Estadual ............................................................................................................................ 103

B) Textos de Apoio ................................................................................................................................................................... 113

Ciência e Tecnologia em Saúde. Tendências Mundiais. Diagnóstico Global e Estado da Arte .......................................... 115 Prioridades Sanitárias, Ciência e Tecnologia ...................................................................................................................... 237 Regulação da Ciência e Tecnologia em Saúde .................................................................................................................. 263 Ciência e Tecnologia Aplicadas à Produção de Bens de Saúde ......................................................................................... 313 Arcabouço Político-Institucional .......................................................................................................................................... 335

C) Sínteses das Exposições dos Debatedores ......................................................................................................................... 375

D) Sínteses das Exposições de Temas Especiais .................................................................................................................... 389 PARTE IV A) Avaliação da I CNCTS, pelos Participantes ......................................................................................................................... 405

B) Moções Aprovadas ............................................................................................................................................................... 411

C) Relação dos Participantes ................................................................................................................................................... 417

D) Reedição do Conteúdo do Livrete Informativo da I CNCTS ................................................................................................. 445

APRESENTAÇÃO

Nestes anais estão contidos os documentos técnicos, informativos e legais que nortearam a organização e o desenvolvimento da I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde - I CNCTS - em seus três grandes momentos: fase pré-conferência; fase conferência, propriamente dita; e fase pós-conferência, as quais são detalhadas na última parte deste trabalho. Cabe adiantar, todavia, que essa última fase compreendeu a elaboração dos anais e a revisão do texto de Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde - PNCTS - aprovado pela plenária e que se encontra aqui, também, incorporado.

A reunião dos documentos referidos tem o objetivo de permitir que todos os envolvidos, direta ou indiretamente, com

ciência e tecnologia em saúde disponham das informações e dos resultados alcançados pela I CNCTS, em uma única publicação. Além de facilitar o entendimento do processo de realização da Conferência, por parte daqueles que não tiveram a oportunidade dela participar, estes anais constituem instrumento importante para a implementação das medidas e ações que compõem o texto revisado de PNCTS, resultante de discussões ocorridas durante a I CNCTS.

Os anais estão organizados em quatro grandes partes, que congregam, cada uma, um conjunto específico de

documentos e informações relacionados entre si. Assim, a primeira parte apresenta o programa de trabalho desenvolvido durante os cinco dias do evento, em sua etapa nacional, bem como o conteúdo do documento básico, elaborado prévia e exclusivamente para a CNCTS, e que contempla a proposta de política nacional para a área de ciência e tecnologia em saúde.

Na parte seguinte, estão o relatório final da I CNCTS, com as alterações propostas pelos grupos de trabalho e

respectivas deliberações da plenária, em relação ao documento básico, bem como o texto revisado da PNCTS. Esse texto é, portanto, a versão final da Política Nacional, decorrente das deliberações da plenária da I CNCTS. Nesse contexto, encontram-se, ainda, as sistemáticas adotadas tanto para os trabalhos em grupo, quanto para a plenária.

A terceira parte compreende todos os documentos que subsidiaram os participantes, sobretudo para os trabalhos de

grupo, representados principalmente pelo consolidado da etapa estadual da I CNCTS e pelos textos de apoio, nos quais são aprofundados determinados componentes fixados para a elaboração da proposta de política, que foram, inclusive, temas de painéis. Nesse conjunto, figuram, ainda, sínteses das exposições dos debatedores dos painéis referidos e de temas especiais.

Finalmente, a última parte compreende o consolidado da avaliação da I CNCTS, sob a óptica de seus participantes,

feita a partir de um instrumento produzido especificamente para tal; as moções aprovadas pela plenária; e a relação dos participantes, com seus respectivos endereços. Consta desse âmbito, também, a reedição do livrete informativo da Conferência, amplamente divulgado na fase pré-conferência, que apresenta desde o cronograma de sua organização e os atos legais a ela inerentes, até a dinâmica do processo de desenvolvimento e orientações metodológicas e administrativas aos participantes.

A Comissão Organizadora julga pertinente manifestar que considera alcançado o objetivo propugnado para a I

CNCTS, visto que dela resultou uma Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, que explicita o caminho a ser percorrido por essa importante área de atuação no contexto dos esforços em busca da melhoria do quadro sanitário brasileiro e, por conseguinte, na elevação da qualidade de vida da população do País. A indiscutível legitimidade dessa Política, oriunda de fórum representativo da comunidade envolvida com a área, induz à forte

crença de que ela será, de fato, rápida e eficientemente implementada, haja vista que a I CNCTS representou, também, um importante avanço para o setor, pelo fato de promover o debate dessa importante temática, deflagrando o processo de articulação entre os agentes envolvidos: gestores, financiadores, produtores e usuários do conhecimento.

Esse não é sentimento exclusivo da Comissão Organizadora, mas também da maioria dos participantes da I CNCTS e de muitos outros interlocutores que dela tomaram conhecimento mais específico. Nesse sentido, é legítima a perspectiva de que as ações de ciência e tecnologia em saúde, no Brasil, inauguraram, a partir da I CNCTS, uma nova fase, que passa a ser norteada pelos balizamentos identificados e acordados e que estão corporificados na mencionada Política.

A Comissão Organizadora Brasília, novembro de 1994.

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Parte I

A) Programa da I CNCTS

B) Documento Básico da I CNCTS

PROGRAMA

Dia 24/10/94 8h às 9h: Credenciamento 9h às 9h30min: Abertura 9h30min às 10h30min: Exposição com debate

“Proposta de Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde” Coordenador: Dr. Eduardo Moacyr Krieger

Presidente da Academia Brasileira de Ciências Expositor: Dr. Carlos Médicis Morel

Presidente da Fundação Oswaldo Cruz 10h30min às 10h50min: Intervalo 10h50min às 11h30min: Exposição com debate

“Relatório Consolidado da Etapa Estadual” Coordenador: Dr. Eduardo Moacyr Krieger

Presidente da Academia Brasileira de Ciências Expositor: Dr. Gerson Oliveira Penna

Relator-Geral da I CNCTS 11h30min às 12h: Debate em Plenário sobre a Proposta de Política e o Relatório Consolidado 12h às 14h: Almoço 14h às 16h: Continuação dos Debates em Plenário 16h às 16h30min: Intervalo 16h30min às 18h30min: PAINEL I

“Ciência e tecnologia em saúde. Tendências mundiais. Diagnóstico global e estado da arte no Brasil “ Coordenador: Dr. Alberto Carvalho da Silva

Professor do Instituto de Estudos Avançados - USP Expositor: Dr. Reinaldo Felipe Nery Guimarães

Professor do Instituto de Medicina Social - UERJ Debatedor: Dr. Roberto Figueira Santos

Professor da Universidade Federal da Bahia - UFBA Dia 25/10/94 8h às 10h: PAINEL II

“Prioridades sanitárias, ciência e tecnologia” Coordenador: Dr. Alberto Pellegrini Filho

Coordenador do Programa de Pesq. e Desenv. Tecnológico da OPAS Expositor: Dra. Cristina de Albuquerque Possas

Consultora do CENEPI/FNS Debatedor: Dr. Adib Domingos Jatene

Diretor da Faculdade de Medicina - USP Debatedor: Dr. José Martins Filho

Reitor da UNICAMP 10h às 10h30min: Intervalo 10h30min às 12h30min: PAINEL III

“Regulação da ciência e tecnologia em saúde” Coordenador: Dra. Marília Bernardes Marques

Professora da ENSP/FIOCRUZ Expositor: Dr. Cezar Luciano Cavalcanti de Oliveira

Coord. Geral de Avaliação Tecnológica - SAS

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Debatedor: Dr. Fernando Steele da Cruz Diretor da Microbiológica

Debatedor: Dr. Ronney B. Panerai Professor do Departamento de Física Médica Universidade de Leicester - Inglaterra

12h30min às 14h: Almoço 14h às 16h: PAINEL IV

“Ciência e tecnologia aplicadas à produção de bens de saúde” Coordenador: Dr. Salvador Perroti

Diretor do Departamento de Tecnologia da FIESP Expositor: Dr. Álvaro Antônio da Silva Ferreira

Diretor da ABIMO Debatedor: Dr. Luciano Galvão Coutinho

Prof. Titular - Departamento de Economia - UNICAMP Debatedor: Dr. Jacob Frenkel

Professor da Fac. Economia, Administração e Ciências Contábeis - UFRJ 16h às 16h30min: Intervalo 16h30min às 18h30min: PAINEL V

“Arcabouço político-institucional” Coordenador: Dr. José Ubyrajara Alves

Diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do CNPq Expositor: Dr. Phactuel Rego

Consultor da CGDCT/MS Debatedor: Dr. Mozart de Abreu e Lima

Consultor da OPAS Debatedor: Dr. Sérgio Piola

Técnico do IPEA Dia 26/10/94 8h às 12h: Trabalhos de grupos sobre o TEMA CENTRAL 12h às 14h: Almoço 14h às 18h: Continuação dos trabalhos de grupos sobre o TEMA CENTRAL Dia 27/10/94 8h às 12h: Continuação dos trabalhos de grupos sobre o TEMA CENTRAL 12h às 14h: Almoço 14h às 15h: Exposição com debate - Tema Especial n° 1

“Integração pesquisa/serviços - uma proposta viável” Coordenador: Dr. Marcos Boulos

Professor da USP, representante da SBMT na Comissão Técnica de Pesquisa Operacional em Malária - FNS.

Expositores: Dra. Lenita Nicolleti Coord. Estudos e Pesquisas/CENEPI/FNS Dra. Maria Luiza Ortiz da Cunha Chefe do Serviço de Epidemiologia da CRS/FNS/MT

15h às 16h: Exposição com debate - Tema Especial nº 2

“Informações em saúde no Brasil: um desafio para a ciência e tecnologia” Coordenador: Dra. Cecília Minayo

Presidente da ABRASCO Expositores: Dra. Ilara Hammerli Sozzi de Moraes

GTISP/ABRASCO/ABEP Dr. Álvaro Escrivão Júnior GTISP/ABRASCO/ABEP

16h às 16h30min - Intervalo

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16h:30min às 17h30min: Exposição com debate - Tema Especial nº 3 “Política de saúde e prioridades temáticas para o SUS: uma agenda de estudos” Coordenador: Dr. Flávio Goulart

Coord. Geral de Desenv. e Avaliação de Serviços - DCAS/SAS/MS Expositores: Dra. Patrícia Tavares Ribeiro

CGAS/DCAS/SAS/MS Dra. Maria Elizabeth Barros CPS/IPEA

Dia 28/10/94 8h às 21h: PLENÁRIA FINAL

APRESENTAÇÃO, DEBATE E VOTAÇÃO DO RELATÓRIO FINAL Coordenador: Dr. João Baptista Risi Junior

Coordenador da Comissão Executiva Expositor: Dr. Gerson Oliveira Penna

Relator-Geral da I CNCTS

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DOCUMENTO BÁSICO

Carlos Médicis Morel e colaboradores

SUMÁRIO I. Saúde, Desenvolvimento e Eqüidade II. Novos Paradigmas e o Papel do Estado III. Pesquisa em Saúde: Componente Fundamental para o Desenvolvimento com Eqüidade IV. Conformação do Sistema Nacional de C&T V. Interação Entre os Sistemas Nacionais de C&T e de Saúde VI. Políticas e Prioridades

A. Matriz institucional e papéis dos órgãos: Situação atual

B. Em busca de um sistema orgânico de C&T em Saúde

C. O estabelecimento de prioridades em C&T para a Saúde

D. A revolução científica e tecnológica e a redefinição de prioridades VII. Diretrizes

(1) Ciências Básicas ou Fundamentais

(2) C&T Aplicadas a Objetivos Econômicos

(3) C&T Aplicadas a Objetivos Estratégicos

(4) Conhecimento e Técnicas Aplicados ao Planejamento, Organização e Gerenciamento de Sistemas e Serviços de Saúde

(5) Infra-Estrutura da C&T

VIII. Estratégias: Matriz Institucional Desejada e Novos Papéis dos Órgãos

A. A Coordenação Inteligente da PNC&T/S

B. As Conferências Nacionais de C&T em Saúde

C. Gestão e Execução da Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde 1. Comando executor da Política Nacional de C&T em Saúde 2. Agências executoras da Política Nacional de C&T em Saúde

a) Agências de outros Ministérios

b) Organismos do próprio Ministério da Saúde

c) Financiamento pelo MS de programas e projetos prioritários em instituições não-pertencentes ao Ministério

IX. Nota sobre a Natureza deste Documento X. Agradecimentos

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POLÍTICA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM SAÚDE 1,2

I. Saúde, Desenvolvimento e Eqüidade 1. Ao terminar o século XX a humanidade se vê diante de imensos desafios. Da pré-história aos dias atuais acumulou uma

enorme soma de conhecimentos e tecnologias: libertou-se dos limites do seu planeta, aventurou-se nos confins do sistema solar, dominou o átomo, inventou o microprocessador, penetrou nos segredos da hereditariedade e inicia agora uma epopéia que visa desvendar todo o conteúdo informacional do seu próprio patrimônio genético, buscando novas fronteiras, ampliando os limites do conhecimento humano.

3. Apesar disto, o panorama que tem diante de si não é dos mais

animadores. Nosso planeta, que parecia fonte inesgotável de recursos, revelou-se finito e dependente de um frágil equilíbrio ecológico. Níveis de riqueza nunca antes alcançados pelo homem são acompanhados de um impressionante aumento das desigualdades sociais.

4. Na área da Saúde as últimas décadas trouxeram à luz mais um fato

extremamente preocupante: o aparecimento de novas doenças, como a AIDS, e o ressurgimento de outras que há muito não mais nos assustavam, como a cólera e a tuberculose. Os recentes avanços tecnológicos nos métodos diagnósticos e epidemiológicos mostraram que este fenômeno é um ameaça constante, ocorrendo mais freqüentemente do que se supunha3.

5. É também na área da Saúde que os contrastes entre os países avançados e os da periferia se fazem sentir cada vez com

maior intensidade. Os avanços da moderna medicina, que tornam possível pela primeira vez o tratamento de doenças moleculares pela terapêutica genética, não têm impacto imediato para os habitantes dos países mais atrasados, dizimados pela desnutrição e pelas doenças infecciosas e parasitárias4. Os países medianamente desenvolvidos enfrentam os desafios da superposição de perfis epidemiológicos, que levam a uma coexistência das doenças da riqueza com as da pobreza, agravado pela redução do uso intensivo de tecnologias de alta complexidade, nem sempre apropriadas ao quadro nosológico destes países e sua infra-estrutura.

6. O grande desafio para estes países é o de formular e implementar um modelo de desenvolvimento capaz de enfrentar as

enormes disparidades que se expressam no aprofundamento das desigualdades econômicas e sociais no seu interior e entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

8. No caso do Brasil, depois de um prolongado ciclo expansionista, no qual a

economia nacional cresceu de forma persistente durante um período de cerca de 50 anos, desde a década de 80 o país vem sofrendo as conseqüências de uma prolongada crise econômica. Esta crise foi caracterizada pelo elevado nível de endividamento, aceleração inflacionária, recessão acentuada pelos efeitos das políticas de ajuste, que levaram à agudização da segmentação social anteriormente existente, alijando parcelas cada vez maiores da população dos frutos do progresso técnico-científico e do desenvolvimento econômico.

9. O esgotamento do modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações e na existência de um Estado

intervencionista e provedor, bem como sua substituição pelas políticas neoliberais, não foram capazes de garantir as bases de um novo projeto de desenvolvimento que dê conta de superar as iniqüidades que se foram sedimentando ao longo deste processo, bem como

______________________________ 1 Responsáveis pela elaboração deste documento: CARLOS M. MOREL, DALTON MÁRIO HAMILTON, SONIA FLEURY, FRANCISCO VIACAVA, JOSÉ

MANOEL BALTAR E CARLOS EDUARDO ROSA MARTINS 2 Para os efeitos deste trabalho, Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde se refere ao componente científico e tecnológico de uma

Política Nacional de Saúde, ou seja, enfatiza-se a visão do Sistema de Saúde como demandante e como captador do Sistema de Ciência e Tecnologia.

3 Centers for Disease Control and Prevention (1994) Addressing emerging infectious disease threats: A prevention strategy for the United

States. Atlanta, Georgia: U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service, pp. 46 4 Para uma discussão mais aprofundada, consultar: TZOTZOS, G.T. (1993) Biotechnology R&D trends: science policy for development. Annals

N.Y. Acad. Sci., volume 700. The New York Academy of Sciences, New York, NY, 260 pp.

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redirecionar as relações entre Estado e sociedade de forma a enfrentar de maneira criativa as demandas colocadas pelo recente processo de reorganização da economia mundial.

11. O papel da ciência e da tecnologia, como base para a evolução do conhecimento e para o desenvolvimento da produção

em uma economia orientada para a competitividade, deve estar a serviço da maior eqüidade social, condição necessária à consecução da própria competitividade.

12. O Setor Saúde contribui para o desenvolvimento

econômico através de produção complexa e articulada a diversos outros setores da sociedade. Exerce efeito multiplicador sobre a economia, com geração de empregos para pessoal altamente qualificado, apresentando produtos voltados à inovação do diagnóstico, prevenção e cura de enfermidades e controle de qualidade de produtos e serviços.

13. No contexto dos condicionantes sociais do processo de reestruturação produtiva, a questão dos recursos humanos tem

tido grande destaque, na medida em que se reconhece a emergência de novos perfis ocupacionais e de profundas transformações na organização do trabalho, que implicam uma maior participação dos trabalhadores nas decisões da empresa, criando condições para o desenvolvimento das capacidades/potencialidades dos indivíduos. A preparação de uma força de trabalho capaz de responder às novas exigências tecnológicas e organizacionais do mundo atual e em particular do Brasil demanda a investigação, a formulação e a intervenção no campo do ensino técnico em saúde.

14. No âmbito do novo modelo de desenvolvimento, a saúde - vista como realização de potencial biopsicossocial de

indivíduos e comunidade - deixa de ser apenas um ideal ético e passa a ser um requisito do desenvolvimento. II. Novos Paradigmas e o Papel do Estado 15. Nos últimos anos assistimos a modificações profundas no processo da produção científica. Em primeiro lugar, a crença

indiscriminada no progresso científico como fonte de bem-estar da humanidade deu lugar a uma visão muito mais crítica e comedida, na qual ficam relativizados tanto o poder normativo oriundo da produção científica, quanto o próprio alcance da racionalidade técnico-instrumental diante da complexidade que impera nos fenômenos físicos e sociais e nos desafios quanto à regulação da ética.

16. Em segundo lugar, identificam-se mudanças substanciais no papel atual da ciência e da tecnologia, que se caracterizam

pelo aumento da escala do avanço científico, pela rapidez com que os descobrimentos são transformados em tecnologias de uso prático e, finalmente, pela relevância econômica do conhecimento científico e tecnológico.

18. A economia internacional passa por profundas

transformações decorrentes da introdução do paradigma técnico-econômico da tecnologia da informação. Sua propagação acarreta mudanças substanciais em amplo espectro da estrutura de produção. São novas as trajetórias tecnológicas que se definem. Estas tendem a perpassar toda a atividade produtiva e a excluir as trajetórias do paradigma anterior, baseado no petróleo barato e na produção massiva de bens e serviços homogêneos, intensivos em energia e materiais. Logo, países e empresas, para se desenvolverem e serem competitivos têm, necessariamente, que se adequar aos novos padrões de produção, inclusive com relação aos métodos de gestão compatíveis com as inovações em processo e produto.

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19. No novo paradigma a inovação assume maior importância estratégica em função da diminuição dos custos das atividades de P&D e da flexibilidade das plantas de produção, ambas em decorrência da automação microeletrônica. A conseqüência é a redução do ciclo de vida dos produtos e o acirramento da competição através da diferenciação dos mesmos, especialmente quanto à sua qualidade, cada vez mais exigida pelos consumidores destes produtos.

21. Surge um novo padrão de competição entre países e

empresas, implicando na redefinição do papel do Estado, segundo novas formas de articulação entre este e o sistema produtivo, em uma nova hierarquização político-econômico e na constituição de grandes blocos econômicos. Nas economias mais competitivas os sistemas nacionais de inovação - a articulação entre governo, empresas e universidades e outras instituições de pesquisa ou de prestação de serviços de tecnologia industrial básica - adequam-se à nova realidade econômica onde se articulam organicamente grandes blocos de capital com pequenas e médias empresas.

22. Uma das principais características da estrutura industrial

brasileira, que a diferencia daquelas das economias mais competitivas, é o pequeno porte de seus grupos empresariais de capital nacional, notadamente os privados, que além de apresentarem uma produção pouco diversificada estão ausentes dos setores tecnologicamente de ponta. O que, compromete, inclusive, a constituição de pequenas e médias empresas, tecnologicamente avançadas, por não criar externalidade nesse sentido. Por outro lado, percebe-se as dificuldades de integração solidária entre as empresas menores.

23. Torna-se necessário à formulação e execução de política

que contemple a constituição de sólido tecido industrial, que, adequada às peculiaridades da economia brasileira, estimule a inovação, a exemplo do que ocorre nos países mais competitivos. Esta política deve contemplar a configuração de sistema nacional de inovação, compatível com o desenvolvimento tecnológico do país.

24. Para tanto o governo deve lançar mão de todos os

instrumentos de política que permitam aumentar sua capacidade de regulação, indução e articulação, tais como: financiamentos em condições favoráveis e ou compartilhamento do risco para empreendimentos tecnologicamente de ponta, estímulos a projetos cooperativos entre empresas e entre essas e universidades e outras instituições de pesquisa, incentivos fiscais, proteção tarifária, legislação sobre propriedade industrial, sobre biossegurança, bioética, proteção de cultivares ou do melhorista, regulamentação de acesso aos recursos genéticos, do uso experimental de animais, direcionamento das compras governamentais visando à capacitação científica e tecnológica dos setores público e privado nacionais.

26. Todos os fatores anteriormente assinalados convergem

para indicar a necessidade de superação do padrão de institucionalização do desenvolvimento de C&T no Brasil, que se consolidou na década de 70, mas que se encontra totalmente defasado face às novas exigências deste final de século.

______________________________ 5 Com base em: GUIMARÃES, R. (1994) Avaliação e fomento de C&T no Brasil: propostas para os anos 90. MCT/CNPq; COUTINHO, L. et al.

(1993) Estudo da competitividade da indústria brasileira. Unicamp (mimeo).

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27. Alguns dos pressupostos que fundamentaram este modelo foram apontados em recente estudo6:

• a fronteira sem fim: o Estado deveria financiar as pesquisas deixando que os cientistas distribuíssem os recursos com critérios próprios, já que se acreditava que a C&T básica nas universidades e a pesquisa militar nos institutos produziriam necessariamente benefícios sociais e econômicos para a sociedade como um todo;

• planejamento: a crença no planejamento abrangente de C&T levou à substituição das burocracias flexíveis originais

por mecanismos mais pesados de planejamento e gestão de C&T, em nível federal;

• substituição de importações: a existência de barreiras à competição externa e outros mecanismos de proteção à indústria reduziriam a necessidade de desenvolvimento e incorporação de novas tecnologias no processo industrial, reduzindo a competitividade do parque industrial nacional;

• elitismo: as políticas educacionais e tecnológicas orientaram-se por um modelo elitista no qual procurou-se elevar as

universidades ao patamar das melhores research universities do mundo. Além de ser um modelo cujos custos e pré-requisitos tornam inviável sua generalização para todo o país, não houve investimento correspondente para resolver os problemas da educação básica e massificação da educação secundária e superior.

29. A política científica adequada a um novo modelo, baseada nos pressupostos de seletividade e competitividade, deverá

orientar-se para a preservação e renovação da base técnico-científica instalada, de forma mais adequada às necessidades do país, ao mesmo tempo em que se incentiva o desenvolvimento de atividades interdisciplinares, a estabilidade do financiamento aos grupos de excelência e o apoio aos grupos emergentes.

30. Não se trata de discutir se há necessidade de uma atuação

estatal no processo de desenvolvimento científico e tecnológico. Tanto a experiência nacional já provou que o Estado, dentro dos seus objetivos, foi altamente eficiente na implantação da política de C&T, quanto a experiência internacional vem demonstrando que as novas condições de produção industrial requerem um papel estratégico para a atuação do Estado.

31. Para alcançar estes objetivos o Estado deverá substituir sua

estrutura pesada e inoperante por uma outra, caracterizada pela flexibilidade e pela busca da qualidade, submetida a critérios de avaliação socialmente construídos.

32. O que é preciso é mudar seus papéis e suas formas de

atuação, tornando-se menos intervencionista e provedor, preservando e ampliando sua capacidade de regulação e indução, estabelecendo relações de parceria com a sociedade e o setor privado7.

33. A reforma do Estado que se faz necessária é no sentido de dotá-lo de mecanismos que assegurem a seletividade de suas

políticas, coerentes com o estabelecimento de prioridades estratégicas para o desenvolvimento nacional. Isto implica o resgate do seu caráter público, desprivatizando-o e reduzindo sua ação patrimonialista, de forma a substituí-la por uma nova relação entre as esferas pública e privada, caracterizada pelo estabelecimento de parcerias com compromissos claramente acordados.

34. A garantia do direito constitucional à saúde reserva ao Estado o papel de assegurar o acesso universal aos bens e

serviços necessários à promoção, manutenção e recuperação da saúde. Para tanto, é imprescindível dotar o Estado das condições de efetivo exercício dos seus papéis de promotor, regulador, produtor e fiscalizador, assim como garantir a participação da sociedade na deliberação sobre diretrizes e recursos para ciência e tecnologia em saúde e na fiscalização de sua execução.

35. A pesquisa básica e o desenvolvimento de produtos necessários à melhoria das condições de saúde da população são

bens públicos e, portanto, devem ser amparados pelos instrumentos de política governamental, que, sem desconhecer as necessidades econômicas e a lógica do mercado, subordina-os aos compromissos éticos e sociais que pautam as políticas de saúde.

______________________________ 6 SCHWARTZMAN et al (1993) Ciência e tecnologia no Brasil: uma nova política para um mundo global. EAESP/FGV, SP 7 COUTINHO, L. et al (1993) Estudo da competitividade da indústria brasileira. Unicamp (mimeo).

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III. Pesquisa em Saúde: Componente Fundamental para o Desenvolvimento com Eqüidade 37. Estudos realizados na última década demonstraram a importância de se investir em ciência e tecnologia em saúde para

se obter desenvolvimento com eqüidade e justiça social. Um desses estudos, conduzido pela “Commission on Health Research for Development”, uma comissão internacional de especialistas de diversos países desenvolvidos e em desenvolvimento demonstrou ainda a imensa dissociação entre os gastos com a pesquisa em saúde (95% deles realizados nos países desenvolvidos) e a taxa de mortalidade prematura (95% nos países em desenvolvimento)8. Este achado indica claramente a necessidade de os países em desenvolvimento investirem mais no desenvolvimento científico e tecnológico voltado para o setor saúde.

38. Internacionalmente têm sido comuns programas de

ajuda, ou de colaboração científica, em que as prioridades são definidas centralmente pelo organismo financiador e adotadas sem maiores discussões pelos diferentes países. Embora algum progresso localizado tenha sido obtido com a ajuda destes programas, alguns dos quais extremamente bem sucedidos 9, uma estratégia mais recente é a que envolve uma definição prévia, pelos próprios países, de sua pauta de prioridades e agenda de trabalho na saúde 10,11. Uma vez discutido e adotado um plano nacional que estabeleça as prioridades de C&T em Saúde aí então são buscados os mecanismos e financiamentos necessários à sua concretização. Em 1990, a 43ª Assembléia Mundial da Saúde endossou formalmente este conceito (Resolução 43.19 de 7 de maio de 1990), já adotado por alguns países.

39. Uma análise inicial deste movimento, que se

convencionou denominar ENHR (do inglês Essential National Health Research, ou “Pesquisa Essencial Nacional em Saúde”), revela que alguns países conseguiram melhorias significativas no planejamento das atividades de C&T em saúde, com evidentes benefícios para a saúde pública de suas populações 12. Por outro lado, interpretações errôneas desta estratégia podem introduzir uma visão imediatista que perde a perspectiva de médio e longo prazos, bem como a profundidade, necessárias no campo da ciência e da tecnologia. Embora a “estratégia ENHR” compreenda dois componentes bem definidos - a pesquisa diretamente voltada para os interesses do país (country-specific research) e a pesquisa de interesse global (global health research) - é comum se observar um desbalanceamento perigoso entre estes componentes, com alguns governos dando uma prioridade excessiva aos objetivos de curto prazo. Uma das conseqüências seria um empobrecimento da ciência dos países do III Mundo, que se dedicaria apenas aos aspectos mais pragmáticos e de aplicação imediata no setor saúde. Esta visão na realidade distancia ainda mais estes países da ciência e da tecnologia, aprofundando seu subdesenvolvimento.

______________________________ 8 Commission on Health Research for Development (1990) Health research: essential link to equity in development. Oxford University Press,

pp. 136 9 Ver por exemplo: Tropical Disease Research: Progress 1991-1992. Eleventh Programme Report. UNDP/World Bank/WHO Special

Programme for Research and Training in Tropical Diseases. Organização Mundial da Saúde, 1993, pp. 134. 10 Task Force on Health Research (1991) Essential National Health Research: a strategy for action in health and human development.

Genebra, pp. 73 11 COHRED - Council on Health Research for Development (1993) International Conference on Health Research for Development. Palais des

Nations, Geneva, Switzerland. 12 Ver por exemplo The Fact Finding Commission, National Epidemiology Board of Tahiland (1987) Review of the health situation in Thailand:

priority ranking of diseases. A report submitted to the National Epidemiology Board members. NEBT, Bangkok, 110 pp.

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41. O desenvolvimento e a incorporação tecnológica devem sempre estar voltados a programas que atendam às prioridades instituídas pela sociedade, de maneira a obter-se o máximo rendimento possível em relação aos problemas sentidos no presente e em perspectiva no futuro. Para tanto, é necessário construir uma agenda potencial de pesquisa em saúde que contemple, em uma perspectiva de complementariedade, aquelas áreas e problemas que são decorrentes da demanda sanitária nacional, ao mesmo tempo que inclua, de acordo a uma visão de seletividade competitiva, pesquisas que possam vir a contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico internacional.

42. De qualquer forma consolida-se internacionalmente o

conceito de que a ciência e a tecnologia muito têm a contribuir, em todos os países, mesmo os mais pobres, para a melhoria das condições de saúde de suas populações. Desde a publicação do Relatório do Banco Mundial de 1993, inteiramente voltado para a Saúde13 , uma série de encontros internacionais tem repisado nesta tecla, e parece haver um movimento dos grandes organismos doadores internacionais no sentido de se reestudar a questão e de endossar os achados da “Commission on Health Research” e da “Task Force on Health Research for Development”14.

43. A globalização da economia, o aumento dos fluxos

migratórios entre continentes, a criação de novos espaços de integração econômica e política - com importantes efeitos diretos e indiretos para a saúde das populações - e o surgimento de novas doenças15,16,17 representam desafios globais e reforçam a noção de que há uma necessidade urgente e prioritária de maiores investimentos em ciência e tecnologia na área da saúde nos diversos países do mundo.

44. Constitui também consenso universal o reconhecimento que o controle da produção científica assim como o acesso

rápido à informação técnico científica atualizada são indispensáveis para o progresso da ciência e tecnologia, o que pode ser constatado no apoio que os países desenvolvidos dão ao fortalecimento de redes de bibliotecas e centros de documentação e informação em saúde.

IV. Conformação do Sistema Nacional de C&T 45. Nos anos 50, as iniciativas estatais nos âmbitos tecnológico e científico marcharam largamente separadas sem integrar

uma direção estatal explícita. Assim, organizava-se uma política científica em torno da criação do CNPq (1951), fortemente marcada por preocupações relativas à questão da energia atômica18.

______________________________ 13 The World Bank (1993) Investing in Health - World Development Indicators. World Development Report 1993. Oxford University Press, pp.

329. 14 Ver por exemplo: Global Infectious Diseases: Strengthening Research and Control. Sumário e Recomendações de uma Conferência

Internacional, 30 Agosto - 3 Setembro 1993, Bellagio, Itália. 15 LEDERBERG, J.; SHOPE, R.E.; OAKS, S.C. (eds) (1992) Emerging Infections - Microbial Threats to Health in the United States. National

Academy Press, Washington, D.C. 16 Centers for Disease Control and Prevention (1994) Addressing emerging infectious disease threats: A prevention strategy for the United

States. CDC, Atlanta, Georgia, USA. 46 pp. 17 LEMONICK, m.d. (1994) The killers all around. Time 144(11):34-41 (12 setembro) 18 MOREL, R.L.M. (1979) Ciência e Estado: a Política Científica no Brasil. T. A. Queiroz Ed. Ltda, São Paulo.

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46. Embora, como definido pela Lei 1310 de sua criação, o CNPq objetivasse o desenvolvimento em qualquer domínio do conhecimento da investigação científica e tecnológica, no seu primeiro ano de atuação, financiava fortemente as ciências físicas concedendo a estas 65,6% de seus auxílios19.

47. Completava o eixo estatal da política científica a criação da CAPES, no mesmo ano, que buscava planejar a expansão do

ensino superior no país, visando assegurar uma oferta de quadros técnicos, científicos e humanísticos necessária ao desenvolvimento econômico e cultural brasileiro.

49. A política de C&T no Brasil somente se torna explícita em

fins da década de 60, com a elaboração do Programa Estratégico de Desenvolvimento - PED - de 1968, a partir da definição de um conjunto de diretrizes declaradas pelo poder estatal, que procurava integrar as atividades de C&T com o sistema produtivo20.

50. A elaboração da política científica e tecnológica teve como

perspectiva estratégica o estabelecimento de uma nova fase de industrialização substitutiva de importações onde praticamente nenhum esforço foi realizado na busca interna de qualidade e competitividade.

51. Tal projeto vinculou-se a setores restritos da burocracia

estatal e à comunidade acadêmica, não mobilizando apoio mais que pontual do setor produtivo, dada sua inserção crescente no processo de internacionalização21.

52. Formalmente, o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (SNDCT) configurou-se através de unidades de execução

descentralizadas, estruturadas em dois agrupamentos hierárquicos: de um lado a organização governamental configurada nos diversos ministérios, com hierarquias próprias, respectivas unidades de ciência e tecnologia e fontes de recursos paralelas; de outro lado o núcleo central do sistema exercido pelo CNPq e FINEP22.

53. Como óbices ao formato organizacional do SNDCT, tal como estabelecido desde seus primórdios no início dos 70,

passando por sua instituição de fato enquanto sistema em 75, até a constituição do Ministério da Ciência e Tecnologia em 85, pode-se apontar a ausência de estatuto ministerial do CNPq, o caráter meramente consultivo do CCT (Conselho Científico e Tecnológico do CNPq) no que se refere à programação plurianual de C&T, e a burocratização das instâncias decisórias da política científica e tecnológica, ainda que a comunidade acadêmica tenha alcançado razoável expressão nos aspectos referentes ao fomento, face à configuração dos comitês assessores, que efetuam a concessão de bolsas e auxílios de pesquisa, através do julgamento pelos pares.

54. Como conseqüência dos aspectos anteriormente mencionados, observa-se o esvaziamento do FNDCT, que de um pico

na participação do orçamento da União de 1,16% em 1976 cai para 0,24% em 198423, a desarticulação da política de C&T como um todo, acarretando ampla anarquia na alocação de recursos e definição de funções das diversas agências e estruturas institucionais pertencentes ao SNDCT, e o crescimento do “gap” entre o aumento da demanda social de atividades de C&T, em razão do incremento da complexidade da base técnica da sociedade e a capacidade de organizar a oferta para atendê-la.

55. O ano de 1985 marca a criação do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e sua apropriação do papel de coordenação

do SNDCT, ao passarem as instituições sob jurisdição da SEPLAN para o âmbito do novo Ministério24. ______________________________ 19 op.cit. 20 JAGUARIBE, A.M. (1987) A Política Tecnológica e sua Articulação com a Política Econômica. Elementos para uma análise da ação do

Estado. UFRJ/IEI Textos para Discussão, No 115; GUIMARÃES, E.A. (1993) A Experiência Brasileira de Política Científica e Tecnológica e o Novo Padrão de Crescimento Industrial. UFRJ/IEI Textos para Discussão, No 296.

21 GUIMARÃES, E.A. (1993) Op. cit. 22 JAGUARIBE, A.M. (1993) Op. cit. 23 ERBER, F. et alli (1985) A Política Científica e Tecnológica. Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro. 24 JAGUARIBE, A.M. (1993) Op. cit.

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57. Frente à tímida reversão nos anos 85-86 da tendência de deterioração dos valores absolutos dos recursos alocados pelo FNDCT, que ascenderam a 107,5 milhões de dólares, observa-se, a partir de 87, nova queda absoluta atingindo-se, em 89, cerca de 77 milhões de dólares.

58. De um ponto de vista mais qualitativo, convém mencionar

que a inserção da coordenação do SNDCT no MCT, não configurou qualquer resultado no sentido da melhoria desta. Pelo contrário, a ausência de formulação de planos globais sobre C&T atesta o estado de desarticulação da área.

59. Por outro lado, o avanço nos mecanismos de democratização da estruturação de políticas de C&T, sob a nova conjuntura

democrática emergente a partir do fim da ditadura militar, tem sido demasiadamente tímido para permitir a conformação de novos atores-suporte que permitam delimitar os marcos de um novo projeto de desenvolvimento em C&T para o país.

60. O resultado mais flagrante da montagem do SNDCT foi a estruturação de expressivo sistema nacional de pós-graduação

e de institutos de pesquisa que estabeleceu ampla expansão qualitativa e quantitativa da base científica do país. Avaliações recentes sobre as características deste sistema indicam:

o embora a ciência brasileira ainda seja muito incipiente desenvolvendo menos que 1% da pesquisa realizada no

mundo, existem áreas e subáreas de relativas consolidação e competitividade, entre as quais se incluem a genética e a biofísica25;

o o caráter fortemente extensivo da estruturação do sistema científico brasileiro que, ao invés de buscar uma inserção

complementar à produção científica internacional, realiza um esforço prioritário interno de geração de ciência; o O conteúdo predominantemente básico do sistema científico em razão da desvinculação do setor produtivo, que por

muito tempo deixou de investir em C&T por excessiva garantia do mercado consumidor;

o a forte concentração regional dos sistemas de pós-graduação e dos institutos de pesquisa;

o forte carência no segmento de infra-estrutura industrial básica ligada à metrologia, normalização, e controle e certificação de qualidade26.

61. Apesar desses problemas, alguns avanços foram realizados no âmbito tecnológico, a partir de políticas industriais e

científico-tecnológicas nos setores industriais básicos, associados às indústrias de bens de capital: informática, química, siderúrgica, metalúrgica e aeronáutica, bem como a pesquisa militar e o programa nuclear. Há que se ressaltar que a ausência de definições para o planejamento científico tende a formar somente incorporadores de tecnologia.

V. Interação Entre os Sistemas Nacionais de C&T e de Saúde 62. A institucionalização das atividades de P&D no setor saúde

sempre foi marcada por um caráter essencialmente público. Um levantamento realizado em 1989 sobre os projetos financiados pela FINEP28, indicou que as atividades de ciência e tecnologia no campo da saúde são desenvolvidas majoritariamente em instituições públicas de ensino e pesquisa, com forte

______________________________ 25 SOBRAL, F.A.F. & TRIGUEIRO, M.G.S. (1994) O colapso da ciência e tecnologia no Brasil. Editora Relume Dumara. 26 GUIMARÃES, E.A. (1993) Op. cit. 27 Dados de Durham & Gusso citados em GUIMARÃES, R. (1994) Avaliação e fomento de C&T no Brasil: propostas para os anos 90. CNPq.

Brasília, p. 85. 28 VIACAVA, F. et allii (1992) La investigación en Salud en Brasil. OPS Publ Cient 543, p.45:68.

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concentração institucional na órbita federal e regional no Sudeste, e uma participação muito discreta do setor privado e de instituições de produção de serviços de saúde.

64. No tocante à formação de recursos humanos para o desenvolvimento de P&D em saúde, identificou-se um perfil

profissional estreitamente vinculado ao desenvolvimento da pós-graduação. 65. O desenvolvimento da pós-graduação consolidou-se no início da década de 80 nas ciências biológicas, enquanto nas

ciências da saúde o maior dinamismo no número de cursos refletiu a maior extensividade e a menor estruturação da área ao longo de toda a década. Corrobora a baixa estruturação da subárea das Ciências da Saúde a timidez observada na participação em atividades de P&D em saúde da pesquisa clínica e da medicina experimental.

66. Essencialmente dirigido ao desenvolvimento científico mais do que ao desenvolvimento tecnológico, o financiamento na

área da Saúde tem sido realizado através das agências federais do SNDCT (FINEP, CNPq e CAPES) e da FAPESP no caso de São Paulo.

68. Além da tradicional forma de atendimento à demanda espontânea dos pesquisadores, essa área foi contemplada com

programas específicos envolvendo uma ou mais das agências governamentais, e também com financiamentos de agências internacionais entre as quais a OMS/OPS, PNUD, OMS/TDR, Kellog's Foundation, Ford Foundation, Banco Mundial.

69. O financiamento de atividades de C&T deverá ter novas

fontes de recursos com a expansão das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs). Em 21 estados da federação já existem normas constitucionais garantindo recursos para C&T, que variam de 0,3% a 3,0% da receita bruta. Além de São Paulo, onde a FAPESP foi criada desde 1962, atualmente outros 8 estados (MG, RJ, PE, RS, AL, MA, MS e SC) têm repassado recursos às respectivas FAPs, constituindo importante estímulo ao desenvolvimento de C&T vinculado às demandas dos subsistemas Estaduais ou Regionais. No entanto, estes valores são em muitos casos insuficientes considerando-se a dotação prevista em lei.

70. Convém apontar que a situação hoje vigente no financiamento às atividades de P&D em saúde deve estar muito aquém

do quadro vislumbrado no final da década passada, em razão da drástica redução de recursos do FNDCT e do desmantelamento do sistema de ensino superior público federal. Dados mais recentes, relativos ao desempenho da FINEP no biênio 92/93, indicam que foram executados 45 convênios na área da saúde, em contraste com os 153 do período 87/88.

71. No âmbito do SNDCT, entre os programas nacionais dirigidos para essa área, cabe destacar o Programa Integrado de

Doenças Endêmicas (PIDE), o Programa Integrado de Genética (PIG), o Programa de Produtos Naturais, Programa de Saúde Coletiva, e o Subprograma de Biotecnologia do PADCT.

72. O PIDE, criado em 1973, na vigência do II PBDCT, destinou recursos do FNDCT para o desenvolvimento de pesquisa em

esquistossomose e doença de Chagas, e mais tarde à malária e leishmanioses. Os recursos eram solicitados pelos pesquisadores sem que houvesse um elenco de prioridades predeterminado. Apesar de dirigido a quatro doenças específicas, as pesquisas eram definidas segundo os interesses dos pesquisadores, sem uma coordenação que apontasse para as carências e necessidades de geração de conhecimento em cada um dos casos. Entretanto, na avaliação dos pesquisadores, o PIDE foi um programa exitoso no que se refere ao desenvolvimento da pesquisa científica em parasitologia, imunologia e bioquímica, disciplinas que tiveram seu desenvolvimento no país fortemente propiciado pelas atividades financiadas pelo PIDE. Os aumentos no número de grupos de pesquisa e de trabalhos publicados demonstram esse desenvolvimento. No caso da doença de Chagas, por exemplo, de cerca de 20 pesquisadores que trabalhavam nesse campo em 1970 passou-se a mais de 400 nos anos 80 e 9029. Essas investigações têm tido um grande impacto na pesquisa básica com avanços no desenvolvimento de técnicas da engenharia genética, de produção de anticorpos monoclonais, e cultivo de tecidos. Atribui-se o sucesso nesse campo à forma como foi concebido o PIDE, caracterizada pelo respeito à dinâmica própria da pesquisa

______________________________ 29 CAMARGO, E. & BARCINSKI, M. (1994) Ciências básicas pertinentes à Saúde: diagnóstico e pespectivas de desenvolvimento. Texto de apoio ao seminário Encontros Setoriais: Contribuições de Ciência e Tecnologia para a Area Social. Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro.

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básica. Nota-se, por outro lado, uma carência de estudos epidemiológicos e sociais sobre essas doenças. A defasagem entre o desenvolvimento dos estudos epidemiológicos e sociais e da pesquisa básica reflete a prioridade que as agências de fomento têm dado às áreas de pesquisa e os critérios de julgamento utilizados. Além disso reflete a falta de uma coordenação no estabelecimento de áreas estratégicas para a geração do conhecimento que impacte diretamente sobre a saúde da população.

73. Essas características são muito semelhantes ao observado para o Programa Integrado de Genética, também a cargo do

CNPq, que destinava recursos a 10 setores estratégicos assim definidos pelos próprios pesquisadores (estrutura e ação gênicas, variabilidade cromossômica, genética médica, epidemiologia genética, melhoramento de plantas, evolução de insetos, genética quantitativa de animais domesticados, genética de microorganismos, significado evolutivo dos polimorfismos, e engenharia genética). Ao longo do período de 5 anos (1978-82), o número anual de artigos publicados passou de 54 para mais de 200. Da mesma forma, houve um substancial aumento no número de grupos de pesquisa que passou de 75 para 132. No PRONAB (Programa Nacional de Biotecnologia), formulado no III PBDCT, apenas o subprograma de Engenharia Genética foi contemplado. A descontinuidade na dotação de recursos tem sido uma constante em Ciência e Tecnologia, levando não só ao êxodo de pesquisadores e interrupção dos trabalhos já em andamento, como ao desperdício dos recursos alocados.

74. A área de saúde coletiva foi fortemente influenciada pela atuação da FINEP que destinou recursos do FNDCT para o

desenvolvimento de pesquisas nesse campo desde 1975. Em 1986, implementou-se o Programa de Saúde Coletiva, que além do financiamento a pesquisas também se caracterizou pela articulação entre estruturas acadêmicas e de produção de serviços. O Programa era coordenado por um comitê com representação dos pesquisadores (ABRASCO), da SCT/MS, da OPS, do INAMPS, e do CNPq dirigindo-se a três áreas de atuação: condições de vida e saúde, políticas de saúde, e organização e tecnologia de serviços. Os projetos foram desenvolvidos principalmente em universidades e institutos de pesquisa, com pouca participação de empresas públicas e das Secretarias de Saúde. As investigações têm um caráter bastante aplicado, caracterizando-se pelo aspecto multidisciplinar. Além dos impactos acadêmicos, as pesquisas nesse campo tiveram reflexos importantes na reorganização institucional do sistema de atenção à saúde, no sentido de sua democratização e descentralização. Uma outra contribuição deste programa foi iniciar a discussão sobre a incorporação de tecnologia aos serviços de saúde e organizar as ações de fomento no campo do desenvolvimento tecnológico de equipamentos médicos e produção de substâncias biológicas.

75. Ainda no que se refere ao SNDCT, outras áreas de atuação mostraram um desenvolvimento científico significativo a partir

da própria demanda dos pesquisadores, destacando-se o desenvolvimento de investigações biomédicas em temas relacionados com mecanismos de ação de drogas, processos fisiológicos básicos, e doenças crônicas e degenerativas.

77. Algumas áreas prioritárias de C&T em Saúde, em campos definidos da

pesquisa estratégica, do desenvolvimento tecnológico, da produção e até mesmo da política industrial, têm sido financiadas diretamente pelo Ministério da Saúde. Um dos melhores exemplos é o do Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos, que financia não só instituições do próprio Ministério (ex: FIOCRUZ) como de outras instâncias governamentais (ex: Instituto Butantan). Poderiam ainda ser citados: i) o financiamento da CEME ao sistema de laboratórios federais e estaduais produtores de medicamentos; ii) a condução pela FIOCRUZ de programas ou projetos de pesquisa estratégica em saúde, como o isolamento, a tipagem e a classificação de cepas virais causadoras de epidemias de dengue e AIDS, bem como a avaliação da vacinação contra o meningococo B no Rio de Janeiro; iii) a realização ou contratação de pesquisas epidemiológicas e/ou operacionais visando uma melhoria da luta antivetorial e o financiamento de programas de formação de recursos humanos em áreas específicas da saúde pública pela Fundação Nacional de Saúde; iv) o financiamento pelo INAN de estudos e pesquisas em nutrição.

78. Na área de informação técnico-científica, o estabelecimento da BIREME, através de um convênio entre a Organização

Pan-Americana da Saúde e o Governo Brasileiro, representado pelos Ministérios da Educação e da Saúde, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e a Escola Paulista de Medicina, representa um exemplo bem sucedido de cooperação inter-institucional, tanto no que se refere a fontes de financiamento quanto na operação do sistema nacional de informação técnico-científica em saúde, que engloba em uma rede descentralizada a grande maioria das bibliotecas e centros de documentação em ciências da saúde.

79. Estas ações se diferenciam bastante daquelas financiadas na órbita do MCT via CNPq ou FINEP, tanto no que se refere à

lógica subjacente de solicitação (prevalência da demanda espontânea/”balcão”

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versus apoio institucional dirigido) quanto pelos modos de operação (apoio individual versus institucional) e avaliação (prestação de contas individuais e/ou avaliação por pares versus relatórios institucionais de produção).

80. O Ministério da Saúde exerce este papel de financiador direto de algumas ações de C&T em Saúde por diversas razões,

como por exemplo:

o necessidade de reduzir os tempos de resposta a problemas sanitários concretos (ex: a caracterização de uma nova cepa de vírus responsável por uma epidemia de dengue não pode esperar a apresentação espontânea e o julgamento de projeto acadêmico de pesquisa);

o inexistência de recursos estáveis, ou de mecanismos apropriados, fora da órbita do MS (o atual esvaziamento

financeiro das agências de financiamento do MCT impediria a realização de estudos indispensáveis a campanhas de saúde pública, como foi o caso recente da cólera);

o necessidade de articulação estreita, sob comando único, de sistemas de produção de imunobiológicos (ex: produção e

distribuição das vacinas necessárias aos Dias Nacionais de Multivacinação);

o necessidade de formação de recursos humanos específicos para a saúde (ex: financiamento pela FNS de cursos e/ou Escolas de Saúde Pública);

o existência de competência específica e ímpar em instituições do próprio Ministério, que lhes repassa recursos próprios

(ex: FIOCRUZ, FNS). 82. Por força do seu mandato, o MS continuará a exercer ações fundamentais

de regulação e controle de incorporação, avaliação, produção e utilização de conhecimentos, tecnologias e bens ou serviços, tais como aquelas desenvolvidas pela Rede Nacional de Controle de Qualidade. No que diz respeito ao financiamento e desenvolvimento de pesquisas, o MS continuará a exercer ações diretas de C&T como as exemplificadas no parágrafo anterior. No entanto, o modo de operação do MS em C&T padece de sérios problemas, como por exemplo:

∗ baixa capacidade de interação com os diversos sistemas de C&T:

estaduais (Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa), nacionais (CNPq, CAPES, FINEP, FBB) e internacionais (TDR, INSERM, NIH, etc);

∗ pouca transparência orçamentária, uma vez que se superpõem recursos operacionais próprios com recursos de

projetos endógenos de C&T;

∗ pouca utilização da capacidade de pesquisa existente nas Universidades e institutos não pertencentes ao MS, que poderiam ser mais estimulados a atuar em áreas de interesse do Ministério;

∗ pouca influência nos projetos nacionais de pesquisa, por inexistirem instrumentos eficazes no MS para indução ou

fomento de programas relevantes ou prioritários para a saúde;

∗ instabilidade das ações de C&T, sempre vulneráveis a mudanças políticas e trocas de comando no MS - é amplamente reconhecido o fato de que a “vida média” dos responsáveis pela área de C&T no MS é ainda menor que a dos Ministros, já calamitosamente pequena;

∗ estrutura insuficiente para lidar com os diferentes aspectos dos processos de invenção (Ciência), inovação

(Tecnologia) e de produção de bens e serviços (Política Industrial). 83. Apesar das deficiências apontadas, de um modo geral a situação brasileira pode até ser considerada boa, se comparada

com a de outros países em desenvolvimento: existe uma multiplicidade de agências e instituições de tradição, existem vários mecanismos de financiamento e há uma razoável massa crítica de profissionais.

VI. Políticas e Prioridades 84. Uma Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde (PNC&T/S) implicará, forçosamente, em uma interação estreita

entre o Sistema de C&T e o Sistema Único de Saúde. Esta Política deve ser encarada na realidade como um dos componentes de uma Política Nacional de Saúde. Em outras

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palavras, a lógica fundamental tem que estar marcada, fortemente, por um claro compromisso ético e social de melhoria, a curto, médio e longo prazos, das condições de saúde da população brasileira.

86. Há então que se migrar da visão clássica do “science-push” - o estímulo à

ciência pela ciência como suficiente para a deflagração das etapas ulteriores de desenvolvimento - para uma abordagem mais complexa e induzida, em que os papéis de um “social pull” e de um “market-pull” estejam também prioritariamente considerados e sejam elementos fundamentais no balizamento da nova Política que se quer construir.

87. É importante frisar que continua sendo necessária a preservação da lógica própria da ciência e da pesquisa de caráter

mais básico como elementos fundamentais em qualquer política de C&T. Na realidade, estes setores têm sido atingidos duramente pela crise de financiamento em que vive atualmente o sistema de C&T no país e devem ser recompostos. O que se deve buscar é a complementariedade de atores e sistemas em um novo contexto. Uma PNC&T/S é necessariamente mais complexa do que uma política de ciência, e deve considerar todos os processos relevantes: pesquisa básica, pesquisa estratégica, pesquisa dirigida, pesquisa aplicada, pesquisa operacional, divulgação dos resultados, desenvolvimento tecnológico, produção em escalas laboratorial, piloto e industrial, controle de qualidade e comercialização. Isto deve se aplicar a todas tecnologias em saúde, tais como, entre outras: produtos para saúde, procedimentos de saúde, infra-estrutura para saúde, organização, direção e gestão em saúde, meio ambiente e informação em saúde.

A. Matriz institucional e papéis dos órgãos: Situação atual 88. Atualmente existe pouca interação entre os Sistemas de Saúde e de C&T. Na maioria dos casos, estes dois sistemas são

independentes e as eventuais interações têm um caráter esporádico, resultam em geral de iniciativas circunscritas, de pouca duração e impacto, e não diretamente relacionadas com a saúde.

89. Enquanto o sistema de C&T atua preferencialmente segundo o mecanismo de “science push”, ou seja, segundo as

prioridades do avanço do conhecimento científico e tecnológico, o Ministério da Saúde se orienta em geral pelo “social pull”, de acordo com as prioridades sanitárias e as políticas sociais de cada governo. Um terceiro mecanismo de estímulo à C&T em saúde, representado pelas forças de mercado (o “market pull”), que deveria ser um ator igualmente importante, só atua em alguns setores localizados e não tem tido a importância de que desfruta em outros países.

90. O quadro a seguir procura resumir este panorama atual de atuação das instituições executoras e agências e órgãos

financiadores:

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92. Uma das razões para esta situação se deve à quase inexistência de vínculos reais entre os problemas de saúde e a pesquisa/produção, configurando um quadro freqüente nos países em desenvolvimento: um setor de P&D relativamente forte30, um setor industrial não desprezível - e as necessidades de saúde não atendidas.

93. As interfaces mais necessárias para uma verdadeira política de C&T em

saúde são as atividades que vão da pesquisa estratégica ao desenvolvimento tecnológico, pontes vitais entre os setores extremos do “ciclo C&T”: a pesquisa básica de um lado, e a produção industrial & comercialização do outro.

94. Este verdadeiro “buraco negro” na passagem pesquisa -> produção (no caso da saúde, também na passagem pesquisa

-> atividades de controle de endemias) é fruto da inexistência de uma política industrial orgânica e prioritária e da incipiente cultura empresarial na área de P&D.

B. Em busca de um sistema orgânico de C&T em Saúde 95. A Política Nacional de C&T em Saúde deverá portanto se ocupar de todos os tipos de atividades inerentes ao sistema, ou

seja, deverá abranger os ciclos de INVENÇÃO (ciência), INOVAÇÃO (tecnologia) e POLÍTICA INDUSTRIAL (produção de bens e/ou serviços) ao trabalhar com o que poderíamos denominar “OS GRANDES TEMAS DE C&T EM SAÚDE”31:

1. políticas e sistemas de atenção à saúde;

2. quadro sanitário e/ou estudos epidemiológicos;

3. tecnologias e insumos básicos em saúde;

4. ciências de apoio;

5. políticas de recursos humanos e de fortalecimento institucional.

97. Deverá considerar todos os atores envolvidos, seja pelo lado da execução

das atividades (Sistema Único de Saúde - SUS -, Universidades, Institutos de Pesquisa, empresas, etc), seja pelo lado do seu financiamento (agências do MCT, organismos privados como o SEBRAE, poder regulador e de compra do Estado, etc).

98. Na sua área de atuação, o Ministério da Saúde preenche parcialmente a

lacuna existente entre pesquisa e produção, quer por dispor de instituições próprias que de destacam nas áreas de pesquisa estratégica, aplicada e operacional em saúde, como a FIOCRUZ e a FNS, quer financiando programas e projetos específicos em outras instituições, como no caso do Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos e no financiamento CEME aos laboratórios oficiais produtores de medicamentos.

99. Apesar de com esta estratégia ter o MS conseguido resultados positivos importantes, este modo de operação está longe

de se constituir em um verdadeiro sistema orgânico de C&T em Saúde. Nosso país deixa de utilizar o enorme potencial existente no universo acadêmico - que poderia ser mobilizado para trabalhar em metas de interesse da saúde através de programas inteligentes de fomento induzido - e também fica distante da potencialidade do setor industrial público e privado - já que não dispõe dos mecanismos adequados de política industrial.

100. Reverter esta situação, criando mecanismos de aproximação entre todos os atores e universos próprios de um sistema de

C&T em saúde - este o desafio que cumpre vencer. C. O estabelecimento de prioridades em C&T para a Saúde 101. Uma política de ciência e tecnologia em saúde implica em discussão e fixação de prioridades em consonância com a

Política Nacional de Saúde e deve estar, necessariamente, subordinada às grandes questões nacionais. Prioridades são definidas política e tecnicamente e necessitam de recursos para sua viabilização. É importante então discutir em que nível as prioridades de C&T em Saúde devem ser definidas e como assegurar o financiamento para sua execução.

______________________________ 30 O World Science Report 1993 da UNESCO mostra bem como o Brasil, apesar das dificuldades, ainda foi na América Latina o país que mais

preservou os investimentos em C&T na última década. 31 Agradecemos a Reynaldo Guimarães a sugestão de classificação por Grandes Temas

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103. Concomitantemente à fixação de prioridades em C&T para a saúde, deve-se promover um sistema de avaliação econômica da incorporação de tecnologia pelo sistema de saúde pública. As decisões de apropriação dos avanços tecnológicos manifestados em novos procedimentos, equipamentos e medicamentos pelo SUS pautar-se-iam em critérios técnicos fornecidos por cálculos de custo-efetividade e custo-oportunidade, acompanhando a eficácia e eficiência econômica das novas tecnologias. A dinâmica da incorporação de tecnologia sem critérios técnicos leva à explosão de custos do sistema, o que justifica o acompanhamento econômico que propiciaria um feed-back para a política de C&T e para o planejamento central do Ministério da Saúde.

104. As prioridades da política de C&T/Saúde estão indissoluvelmente ligadas ao tipo de projeto de desenvolvimento do país.

Sem a criação de uma nova e promissora perspectiva para o futuro do Brasil, sem um projeto de desenvolvimento nacional, a discussão sobre fixação de prioridades continuará a se arrastar em níveis de importância secundária e não se conseguirão as condições para o estabelecimento de uma verdadeira Política de C&T/Saúde, capaz de contribuir decisivamente para a superação dos atuais e graves problemas sanitários do país.

105. É da maior importância que a Política de C&T em Saúde seja estabelecida como uma Política de Estado, e não apenas

como uma tarefa secundária a cargo dos Ministérios da Saúde e da C&T. Para a saúde vir a se constituir numa real prioridade nacional, e para o papel da C&T ser reconhecido como fundamental para a melhoria das condições sanitárias do país, haverá a necessidade de participação das mais altas esferas no nível político e técnico do governo. Assim como para se implantar uma política nacional de informática na década passada se criaram legislações e mecanismos apropriados - como o Planin -, também para o desenvolvimento científico e tecnológico voltado para a saúde há a necessidade de se constituírem instâncias apropriadas de planejamento, discussão, decisão, implementação e avaliação de ações.

106. Configura-se claramente a necessidade de um Sistema Inteligente Coordenador da Política Nacional de C&T em

Saúde, que reúna todos os atores envolvidos:

1. o Sistema Único de Saúde, ator cuja presença deve ser fundamental no Sistema Coordenador, tanto na produção, consumo e regulação quanto no financiamento;

2. os atores relacionados com a “academia”: universidades, institutos de pesquisa, agências e organismos de

financiamento estaduais, nacionais, estrangeiros e internacionais;

3. as agências governamentais relacionadas com os compromissos sociais da política de C&T/Saúde, o que significa avaliação tecnológica, regulação, mecanismos de controle, utilização do poder de compra do governo e do mercado interno;

4. o setor privado em geral e agências governamentais relacionadas com

o desenvolvimento, a produção, o controle de qualidade e a comercialização de bens, produtos e serviços;

5. os representantes de comunidades, da sociedade civil e de

organizações governamentais e não-governamentais que possam atuar como representantes legítimos dos demandantes das ações de saúde.

108. Uma análise dos atores que deveriam participar da política de C&T em saúde no Brasil mostra que, embora nosso país já

disponha de alguns organismos apropriados nos diferentes segmentos acima, existem lacunas sérias que só poderão ser superadas se houver uma firme e clara vontade política que articule Governo e sociedade.

D. A revolução científica e tecnológica e a redefinição de prioridades 110. O processo de fixação de prioridades em C&T/Saúde, além de levar em conta o quadro sanitário de uma determinada

região, deve necessariamente incluir uma etapa de avaliação técnico-científica sobre a factibilidade e viabilidade dos objetivos e metas propostos. Assim, por exemplo, um programa de combate à malária deve incluir estudos epidemiológicos, monitoria de aparecimento de resistência a drogas, comportamento dos insetos vetores incluindo sua eventual resistência a inseticidas, análise de custos dos programas de controle, etc.

(32)

112. É importante frisar o caráter altamente dinâmico que devem ter as avaliações técnicas no processo de fixação de prioridades. Objetivos e metas impossíveis de serem atacados numa determinada época ou região podem se tornar viáveis em outro momento, como nos mostra freqüentemente a história da Medicina. Para dar um exemplo recente, algumas doenças moleculares, além de serem atualmente muito mais facilmente diagnosticáveis por processos derivados da moderna biotecnologia, começam a ser objeto dos primeiros tratamentos baseados em terapia gênica. Com o progredir da revolução contemporânea na biologia e na Medicina, em particular com o avanço do projeto de seqüenciamento do genoma humano32, grandes avanços deverão acontecer em áreas antes inacessíveis à investigação, como por exemplo na obtenção de novas vacinas33, novos métodos diagnósticos, etc.

113. No âmbito da saúde coletiva as mudanças nos processos de

planejamento e gestão, voltados para a democratização, aumento da eficácia-eficiência e melhoria da qualidade, os conhecimentos acerca de formas de articulação e organização dos interesses e da representação social da condição saúde e sobre a oferta de serviços e modalidades de atendimentos do sistema, são exemplos de avanços científicos que condicionam e redefinem as prioridades.

114. Por outro lado, em contrapartida a estes avanços coloca-se então o tema

da complexidade dos desafios éticos quanto à avaliação dos seus riscos e benefícios. Tendo em vista a velocidade com que avançam os conhecimentos científicos e tecnológicos em áreas das ciências biomédicas tão relevantes para a saúde, torna-se imperiosa a existência de mecanismos de reavaliação periódica das prioridades de C&T em saúde, bem como da legislação pertinente. A implementação de legislação em Biossegurança, recém-estabelecida na Comunidade Européia e em atual discussão no Brasil, é um bom exemplo da necessidade de readequação dos mecanismos regulatórios e de controle em face dos novos processos tecnológicos.

115. É interessante notar também que não somente os avanços nas ciências biológicas e médicas podem influenciar as

prioridades nas áreas da saúde. A revolução que vivemos nas áreas da informação (incluindo informática e telecomunicações) estão influindo poderosamente na maneira de se fazer C&T34. Hoje em dia pesquisadores e tecnologistas em todo o mundo, inclusive os que trabalham nos países em desenvolvimento mais avançados como no caso do Brasil, podem ter acesso a sistemas de informação radicalmente novos, impensáveis há poucos anos atrás, disponíveis em redes internacionais como a Internet35,36. Isto torna possível uma participação maior das comunidades de C&T dos países em desenvolvimento no esforço científico global. É importante ressaltar, contudo, que vive-se hoje uma inequidade do acesso à informação com total plenitude, havendo ainda regiões e/ou países sem acesso a estes recursos.

116. Embora alguns países em desenvolvimento possam acessar as informações relativas aos avanços científicos e

tecnológicos através das redes internacionais de comunicação, a sociedade como um todo carece de processos que tornem a informação sobre o tema mais acessível, dinâmica e constante. A percepção pública em países desenvolvidos sobre impactos e avanços tecnológicos é sensivelmente superior àquelas dos países em desenvolvimento. Isto se deve, em grande parte, ao grau, forma e direcionamento do investimento em mecanismos de veiculação da informação científica. A percepção pública dos processos biotecnológicos na Europa, por exemplo, tem sido considerada como o grande

______________________________ 32 Para maiores informações, consultar o boletim “Human Genome News”, publicado pelo National Center for Human Genome Research sob

o patrocínio do National Institutes of Health e do U.S. Department of Energy. 33 Para maiores informações, consultar o número especial “Vacinas: Fronteiras da Medicina” da revista Science de 02 de setembro de 1994

(vol. 265, número 5177). 34 Ver por exemplo FRANKLIN, J. (1993)Bioinformatics changing the face of information. In: Biotechnology R&D Trends - Science Policy for

Development. Annals NY Acad. Sci., volume 700, pp. 145-152. 35 Consultar o número especial sobre “Computadores 94 - Redes e Modelagem” de 12 de agosto de 1994 da revista Science (volume 265,

#5174), em particular o artigo de SCHATZ & HARDIN: “NCSA Mosaic and the World Wide Web: global hypermedia protocols for the Internet” páginas 895-901

36 No caso do Brasil, consultar por exemplo: “Uso da Internet. Serviços Básicos”. Rede Nacional de Pesquisa (RNP), 1993.

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desafio na área de C&T e tratada como prioritária de investimentos tanto de organismos governamentais quanto não governamentais37.

117. A abrangência da produção científica e tecnológica em saúde evidencia a sobreposição de dimensões diversas que

orientam a formulação de políticas e a conseqüente definição de prioridades tais como a dimensão científica, a econômica, a burocrática, a corporativa e a epidemiológica38. Embora a racionalidade epidemiológica seja a fundamental para a definição de prioridades sanitárias, ela deve ser cotejada com as demais dimensões mencionadas, na busca de um mapeamento nacional da demanda sanitária e da correspondente oferta científica e tecnológica.

VII. Diretrizes 118. A necessidade de aumentar a capacidade de seletividade do Estado, criando assim um Estado inteligente, implica na

adoção da diretriz de substituição do modelo extensivo por uma política intensiva, voltada para áreas e temáticas consideradas estratégicas, que venha a ser desenvolvidas em profundidade.

119. A seletividade do Estado dependerá de sua capacidade de hierarquizar e estabelecer prioridades, referidas a objetivos

vinculados ao projeto de desenvolvimento. Além de reconhecer a realidade atual de escassez de recursos e a necessidade de superar a gestão de C&T caracterizada como política de balcão - em função meramente da demanda - passando para uma indução planejada através do investimento direcionado para prioridades, é preciso que se avance na definição clara dos mecanismos que viabilizariam a compatibilização entre definição de prioridades e liberdade de criação. Em outras palavras, conciliar a dinâmica própria da Ciência com a adoção de políticas temáticas para a área da Saúde.

120. A necessária compatibilização entre prioridades e liberdade deve refletir-se em diferentes mecanismos institucionais,

voltados para objetivos distintos. Assim, ao lado de programas e projetos setoriais considerados estratégicos, realizados através de parcerias técnicas e financeiras claramente definidas, devem existir mecanismos que contemplem, com financiamento próprio, as demandas oriundas da dinâmica própria da criação e produção científicas.

121. A adoção de diretrizes que viabilizam o aumento da seletividade do Estado tem como contrapartida o estabelecimento de

um processo permanente e rotineiro de avaliação dos recursos alocados, bem como de um sistema de acompanhamento e avaliação de processo e de resultados em função de objetivos e metas.

122. A indução, através de diferentes modalidades de apoio, à melhoria do desempenho deve favorecer a avaliação e a

articulação dos grupos nacionais com a rede de instituições e cientistas internacionais. Os critérios de avaliação de desempenho devem ser diferenciados quando se aplicarem à ciência básica, ciência aplicada e desenvolvimento de tecnologias.

123. A promoção das condições para o fortalecimento e ampliação do acesso à informação técnico-científica nacional e

internacional é condição essencial para o desenvolvimento da ciência e tecnologia em saúde. 124. O modelo de política de C&T implantado com sucesso nos anos 70 caracterizou-se pelo elevado nível de centralização

das decisões sobre prioridades e alocação de recursos. A crise das principais instituições nacionais na década seguinte deu lugar à emergência de instituições estaduais atuando segundo o modelo inaugurado pela FAPESP em 1962. Estas instituições inauguraram uma forma descentralizada de gestão da política de C&T, caracterizada por uma maior integração com a comunidade científica, uma maior transparência nos critérios de alocação dos recursos e uma maior estabilidade financeira e institucional.

125. A questão principal, neste caso, foi o aprofundamento das disparidades regionais no desenvolvimento de C&T. A

necessidade de alteração do modelo descentralizado não pode desconhecer que a experiência da FAPESP não é necessariamente aplicável a todos os demais Estados. Seria necessário

______________________________ 37 Para maiores informações consultar BORRILLO, D. (1994) Analisis de Ia regulacion comunitaria y española sobre Ia utilización, liberación

intencional y comercialización de organismos. Documento de Trabajo 90-04. Consejo Superior de Investigaciones Cientificas. España 38 POSSAS, C. (1994) Prioridades sanitárias, ciência e tecnologia. Texto de apoio #2 à I Conferência Nacional de C&T em Saúde.

(34)

aprofundar o debate sobre os aspectos positivos e negativos da descentralização, a fim de que se possa pensar em um mecanismo de pesos e contrapesos entre os extremos. O ideal seria que as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, na área da saúde, obedecessem a critérios regionais, atuando em complementação às prioridades da política nacional.

126. A definição de prioridades não deve resultar em apreciações técnico-burocráticas, mas sim em mecanismos colegiados e

transparentes, que garantam que os diferentes atores - comunidade científica, burocracia, empresários, usuários, etc - tenham voz neste processo decisório.

127. Como produto de seminário promovido pela Academia Brasileira de Ciências39, que contou com a participação dos

diferentes atores envolvidos na formulação e execução da Política de C&T em Saúde, foram formuladas macrodiretrizes40 para cada um dos diversos campos analisados:

(1) Ciências Básicas ou Fundamentais

128. A pesquisa básica na área de Saúde deve respeitar a dinâmica própria da Ciência, conciliando-se com a adoção

de políticas temáticas para essa área.

(2) C&T Aplicadas a Objetivos Econômicos

129. Reorganização empresarial visando reestruturar segmentos do parque industrial de produtos (insumos, equipamentos e serviços) para saúde de forma a aumentar a capacidade de inovação.

130. Criar mecanismos que assegurem a qualidade dos produtos (insumos e equipamentos) e serviços de saúde no

país.

131. Criar condições empresariais para o desenvolvimento da indústria de química farmacêutica no Brasil.

132. Criar condições empresariais para o desenvolvimento da Biotecnologia moderna para a saúde.

(3) C&T Aplicadas a Objetivos Estratégicos

133. Criar uma infra-estrutura técnico-científica capacitada a identificar a área considerada estratégica para o aprimoramento das condições de Saúde, por intermédio de ações de C&T.

134. Promover o processo de aprimoramento da intervenção estatal

na implementação de P&D em insumos considerados estratégicos.

135. Fortalecer a atividade regulatória do Estado.

(4) Conhecimento e Técnicas Aplicados ao Planejamento,

Organização e Gerenciamento de Sistemas e Serviços de Saúde

136. Desenvolvimento da ciência e tecnologia necessárias à superação de lacunas de conhecimento e tecnologia na implantação e desenvolvimento do SUS.

(5) Infra-Estrutura da C&T

138. Identificar as áreas relativas à infra-estrutura a serem apoiadas na otimização da C&T em Saúde e desenvolver

as ações necessárias ao seu pleno funcionamento. VIII. Estratégias: Matriz Institucional Desejada e Novos Papéis dos Órgãos A. A Coordenação Inteligente da PNC&T/S 139. Levando-se em consideração que a PNC&T/S deve ser um dos componentes da Política Nacional de Saúda propõe-se

que o Sistema Inteligente Coordenador, qualquer que venha a ser sua natureza, ______________________________ 39 Academia Brasileira de Ciências: Encontros Setoriais: Contribuições de Ciência e Tecnologia para a Área Social em Saúde. Rio de Janeiro,

8-10 de junho de 1994. 40 Complementavam estas macrodiretrizes alguns projetos estratégicos aqui não relacionados.

(35)

esteja sob responsabilidade do Conselho Nacional de Saúde (CNS), colegiado máximo integrante da estrutura do Ministério da Saúde, responsável pela Política Nacional de Saúde. O CNS será então, no Ministério da Saúde, a instância final de deliberação em qualquer assunto da Política Nacional de C&T em Saúde.

141. O Ministério da Saúde deverá se fazer representar nos fóruns colegiados

nos quais são tratados assuntos de seu interesse que transcendam sua esfera de atuação, requerendo uma articulação interministerial, tais como o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia atualmente em fase de reorganização. Nestas instâncias, o Ministério da Saúde deverá atuar de forma a:

o encaminhar propostas de programas induzidos em colaboração com o MCT, com recursos do MS e/ou de outros

setores, naquelas áreas definidas como prioritárias em que a dinâmica própria da ciência e/ou da tecnologia devam ser preponderantes e onde os processos devam ser conduzidos por agências especializadas em C&T como o CNPq, a FINEP e as FAPs;

o implementar, em colaboração com o Ministério da Educação e do Desporto,

um programa de formação de recursos humanos necessários a programas específicos de interesse da Política Nacional de C&T em Saúde, utilizando para isso a estrutura da CAPES e repassando recursos próprios do MS e/ou de outros setores;

o articular com o Ministério da Fazenda e o Ministério da Indústria e Comércio a

introdução de mecanismos e instrumentos apropriados, nas políticas econômica e industrial, relevantes para a Política Nacional de Saúde.

143. Nosso país já tem uma cultura e uma tradição em programas multiagências, como por exemplo o PADCT, que envolveu

agências e instâncias em vários ministérios. O Conselho Nacional de Saúde, devidamente assessorado pela sua Comissão Intersetorial de C&T reformulada e ampliada (ver adiante), poderá exercer este papel fundamental.

B. As Conferências Nacionais de C&T em Saúde 144. A coordenação inteligente da PNC&T/S deve atuar em consonância com um processo altamente participativo,

transparente, consistente e tecnicamente bem fundamentado. Propõe-se para esta finalidade a organização, a cada quatro anos, de Conferências Nacionais de C&T em Saúde após as correspondentes Conferências Nacionais de Saúde. Estas Conferências Nacionais teriam como responsabilidade principal a de propor as diretrizes e prioridades básicas para o próximo quadriênio.

C. Gestão e Execução da Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde 145. Embora a responsabilidade final pela Política Nacional de C&T em Saúde caiba por esta proposta ao Conselho Nacional

de Saúde, a natureza e a constituição deste órgão não o torna o mais adequado e ágil para a condução do dia-a-dia desta Política.

146. O MS deverá contar com um colegiado desenhado para esta finalidade

específica. Propomos que a atual Comissão Intersetorial de C&T (CICT), do Conselho Nacional de Saúde, seja redesenhada e transformada em um colegiado que tenha como missão maior a gestão e o acompanhamento da Política Nacional de C&T em Saúde. A CICT funcionaria nos moldes de um Conselho Deliberativo, com a diferença que suas decisões teriam que ser homologadas pelo CNS, instância máxima decisória da Política Nacional de Saúde.

148. A composição da Comissão deve assegurar uma representatividade ampla e aberta, seguindo a orientação do parágrafo

#106, que descreve os atores relacionados com o Sistema Inteligente Coordenador. Propõe-se que a CICT deva operar com um mínimo de 12 e um máximo de 18 membros com um mandato de 3 (três) anos, renováveis um terço a cada ano (4 a 6 membros), para evitar descontinuidades;

(36)

149. A nova CICT seria presidida por um dos seus membros, eleito pelos pares, e formaria o colegiado condutor da Política Nacional de C&T em Saúde. A CICT atuaria de modo deliberativo e propositivo, exercendo o CNS o papel de órgão homologador das resoluções desta Comissão.

151. Uma das atribuições mais importantes da CICT será a formulação dos

Planos Plurianuais de Objetivos e Metas em C&T em Saúde, em consonância com as proposições das Conferências Nacionais de C&T em Saúde, para aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde.

152. Propõe-se que os Estados organizem Comissões Estaduais de C&T em

Saúde, nos moldes da CICT, subordinadas aos Conselhos Estaduais de Saúde.

153. Por esta proposta a Política Nacional de C&T em Saúde será então coordenada sob a égide do Conselho Nacional de

Saúde. Esta política será formulada, gerenciada e acompanhada pela CICT, do Conselho Nacional de Saúde, usando como subsídio propostas aprovadas nas Conferências Nacionais de C&T em Saúde. Passamos agora a discutir a execução desta Política.

1. Comando executor da Política Nacional de C&T em Saúde

154. Os assuntos relacionados com a ciência e a tecnologia no Ministério da Saúde são atualmente tratados na órbita

da Coordenação Geral de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Secretaria Executiva (CGDCT).

155. Propõe-se a criação de uma SECRETARIA NACIONAL DE C&T EM SAÚDE na estrutura do Ministério da Saúde, em substituição à atual CGDCT. A existência de uma Secretaria Nacional específica para os assuntos de C&T, dotada de um corpo de técnicos altamente qualificados e assessorada por consultores ad-hoc escolhidos entre nomes de peso da comunidade de C&T em Saúde, será fundamental para a correta e ágil implementação da Política Nacional de C&T em Saúde.

156. Propõe-se que o Secretário Nacional de C&T em Saúde, que

deve ter um perfil de gestor e acumular conhecimentos técnicos da área, seja o Secretário Executivo da CICT.

158. Uma das atribuições importantes da Conferência é a de

buscar o consenso quanto ao Secretário Nacional de C&T em Saúde. A I CONFERÊNCIA deve discutir: alternativas que tomem este posto chave imune às flutuações políticas; critérios para sua indicação, uma vez que deverá ter trânsito livre não somente na área da saúde mas também em outros ministérios e organismos nacionais e internacionais; suas funções como Secretário Executivo da CICT.

2. Agências executoras da Política Nacional de C&T em Saúde

159. Quando se considera especificamente o setor de C&T em Saúde fica patente que existe uma certa dose de

irracionalidade, desorganização e desperdício de recursos humanos, materiais e financeiros. A presente proposta cria um Sistema Inteligente Coordenador - localizado ao nível do Conselho Nacional de Saúde no espaço federal e no nível dos Conselhos Estaduais para os espaços dos Estados -, prevê Conferências Nacionais periódicas e a criação de uma Secretaria Nacional de C&T em Saúde e de estruturas semelhantes nos níveis Estaduais. Com isto, procura racionalizar o processo ao nível decisório e de planejamento.

161. Igualmente importante, entretanto, é a questão de se organizar o

“braço executor” do sistema. Dividimos este ponto em dois grandes itens: as agências de financiamento em C&T localizadas em Ministérios que não o da Saúde e os mecanismos e organismos do próprio Ministério da Saúde. São dois sistemas indispensáveis e complementares, que necessitam ser melhor conhecidos, trabalhados, apoiados e articulados, para se executar a Política Nacional de C&T em Saúde.

a) Agências de outros Ministérios

(37)

162. Como colocado acima, várias das ações da Política Nacional de C&T em Saúde deverão ficar sob a responsabilidade de agências já existentes no Ministério da Ciência e Tecnologia e no da Educação e do Desporto, como o CNPq, a FINEP e a CAPES. Nestes casos a Secretaria Nacional de C&T em Saúde estabeleceria convênios de cooperação técnica com as diferentes agências visando a implementação de programas e projetos mutuamente acordados. O acompanhamento e a avaliação destes programas seriam co-responsabilidade da Secretaria Nacional de C&T em Saúde e da CICT, na órbita do Ministério da Saúde, e nas respectivas agências nos demais ministérios. Da mesma forma deverão acontecer processos semelhantes nos níveis estaduais.

164. Por este mecanismo poderiam ser implementados, por

exemplo:

• programas de investigação similares a alguns previamente existentes e que se constituíram em claro sucesso segundo avaliação unânime de especialistas e da comunidade de C&T, como foi o caso do PIDE (Programa Integrado de Doenças Endêmicas), do PIG (Programa Integrado de Genética), do Programa de Saúde Coletiva, etc;

• programas de articulação ciência-tecnologia industrial, tais como organização de parques industriais, etc,

áreas em que a FINEP tem reconhecida experiência. b) Organismos do próprio Ministério da Saúde

165. O Ministério da Saúde deve reformular profundamente o seu “braço executor” da PNC&T em Saúde.

167. Em primeiro lugar, o Ministério deve reorganizar seu

orçamento para que os investimentos em C&T estejam claramente discriminados e separados dos recursos orçamentários das outras instâncias e organismos no MS. Os recursos definidos como de C&T em Saúde ficarão então sob a responsabilidade da Secretaria Nacional de C&T em Saúde, mediante aprovação da CICT.

168. O desenho de uma nova política de aplicação de recursos do

MS, em instituições não pertencentes ao Ministério, é um dos pontos fundamentais da proposta de PNC&T/S objeto deste documento e será a seguir examinada em mais detalhes.

c) Financiamento pelo MS de programas e projetos prioritários em

instituições não-pertencentes ao Ministério

170. Da mesma forma que se utiliza o “poder de compra” como instrumento poderoso de política industrial, não se pode menosprezar o “poder de indução” como instrumento de fomento numa verdadeira Política de C&T em Saúde.

171. O MS deve procurar utilizar o imenso manancial de recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis em

instituições afins que estariam dispostas a participar em programas prioritários para a saúde. O Brasil, ao contrário da maioria dos países em desenvolvimento, possui um universo acadêmico e um universo industrial de portes, competências e capacidades apreciáveis e subutilizadas. Além disso, o sucateamento de setores de ponta em C&T é visivelmente flagrante devido à exigüidade de recursos alocados atualmente ao sistema de C&T, e uma política de fomento pelo MS que incluísse alguns destes setores, além de ser mutuamente benéfica, teria chances ainda maiores de ser bem sucedida.

172. O Ministério da Saúde deve, portanto, financiar programas e projetos definidos em instituições que não lhe

pertence, mas precisa adotar uma política que seja orgânica, racional, contínua e de longo prazo. 173. Em áreas como a de pesquisa básica (e pesquisa básica induzida), formação de recursos humanos e produção

industrial, onde existem agências de financiamento especializadas, como o CNPq, a CAPES, a FINEP e as FAPs, o Ministério deve procurar operar articuladamente com estas agências, já que reúnem a competência e experiência necessárias.

(38)

175. A Secretaria Nacional de C&T em Saúde atuaria com estas agências através de duas modalidades:

• estabelecendo convênio ou protocolo de colaboração com uma

agência determinada (ex: CAPES para formação de recursos humanos em áreas definidas), repassando os recursos necessários acordados e acompanhando a implementação do programa pela agência conveniada;

• estabelecendo programas multiagências tipo PADCT (onde

participam CNPq, FINEP, CAPES e STI), participando a Secretaria Nacional e a CICT ativamente em todas as etapas do programa.

176. Existem, contudo, áreas em que simplesmente inexistem agências

especializadas, ou organismos com experiência igual àquela encontrada no próprio Ministério da Saúde, tais como a Fundação Nacional de Saúde (incluindo seu Instituto Evandro Chagas em Belém), a Fundação Oswaldo Cruz (incluindo os seus Centros Regionais em Belo Horizonte, Recife e Salvador): são aquelas áreas tradicionalmente carentes no Brasil, as “internas” do ciclo de C&T, que se situam entre os extremos da pesquisa básica e da produção comercial: as áreas da pesquisa estratégica41, da pesquisa aplicada, da pesquisa operacional e do desenvolvimento tecnológico e produção em saúde42.

178. Por que estas áreas se desenvolveram tanto no âmbito do próprio Ministério e em instituições especializadas?

Aparentemente por serem prioritárias demais para serem deixadas unicamente à mercê do “science-push”. De fato, estudos históricos mostram que foram sucessivas e graves crises sanitárias que obrigaram os Governos do Brasil e os de alguns Estados da Federação a criarem algumas de suas mais bem sucedidas instituições de pesquisa estratégica e operacional em saúde43, numa das mais interessantes demonstrações da força que pode vir a ter, em momentos de crise, o “social-pull”.

179. Estas instituições do Ministério da Saúde foram, ao longo de sua história, se especializando e se destacando

em áreas relevantes, passando a assumir um papel fundamental não só na execução de atividades finalísticas diversas (pesquisa, produção), mas também no assessoramento técnico e financiamento de programas e projetos prioritários. De fato, algumas destas instituições do MS na realidade já operam em C&T como se fossem agências de financiamento especializadas, injetando recursos vultosos em programas ou projetos relevantes para suas áreas de atuação:

• como agências de financiamento externo, como a FNS e a CEME na área de produção de imunobiológicos e

fármacos44; ______________________________ 41 Para uma análise mais aprofundada da “pesquisa estratégica”, ver o artigo de D. G. COLLEY (1994) “Targeted research”: an oxymoron that

needs; to be discussed. Am. J. Trop. M. 50(1):1-12 42 Para uma análise recente da pesquisa em saúde no Brasil consultar GUIMARÃES & SAYD (1994) A pesquisa em saúde na década de 80.

In: Guimarães & Tavares, orgs., Saúde e Sociedade no Brasil - Anos 80. ABRASCO/IMS-UERJ, pp. 253-280. 43 Ver por exemplo:

FONSECA F°, O. (1973) A Escola de Manguinhos. Contribuição para o estudo do desenvolvimento da medicina experimental no Brasil. Brasiliensia Documenta, Vol. VI: Oswaldo Cruz Monumenta Histórica, tomo II.

STEPAN, N. (1976) Gênese e evolução da Ciência Brasileira (Beginnings of Brazilian Science). Artenova, 188 pp.

BENCHIMOL, J.L. (Coord.) (1990) Manguinhos do sonho à vida. A Ciência na Belle Époque. Casa de Oswaldo Cruz FIOCRUZ. Rio de

Janeiro, 248 pp.

BENCHIMOL, J.L. & TEIXEIRA, L.A. (1993) Cobras, Lagartos & Outros Bichos. Uma história comparada dos institutos Oswaldo Cruz e Butantan. Editora UFRJ, 225 pp.

44 A FNS financia o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (via convênios de cooperação técnica) e também projetos na

área de epidemiologia (via CENEPI/FNS). A CEME financia a Rede de Laboratórios Oficiais para a produção de fármacos para a população de baixa renda do país.

(39)

• como agências de financiamento interno, como a FIOCRUZ na área da pesquisa estratégica em saúde45.

180. Não há, no entanto, uma organicidade nesta atuação de financiamento de atividades de C&T por parte do Ministério da Saúde. Por isto estas ações, embora tenham resultado em alguns sucessos incontestáveis46, apresentam também diversas falhas, entre as quais:

• descontinuidade de programas devido a

flutuações políticas e trocas de comando freqüentes ao nível do Ministério da Saúde47;

• descontinuidade de programas devido aos

fluxos irregulares dos recursos de C&T, que não são destacados especificamente nos orçamentos do MS48;

• inexistência de mecanismos claros de

priorização e avaliação de projetos, de distribuição de recursos e de calendários e agendas amplamente divulgados;

• não aproveitamento de toda a capacidade técnico-científica existente no país para a avaliação, execução e

supervisão dos projetos;

• inexistência de veículos permanentes de informação sobre as atividades de C&T do MS, que possam atuar na divulgação de editais, resultados de julgamentos, prazos de apresentação de propostas, etc.

183. O balanço final, no entanto, é favorável e o nosso

país é reconhecido e citado em foros internacionais na área da saúde como dispondo de uma capacidade técnico-científica ímpar para um país em desenvolvimento.

184. A nova forma de organização proposta para a área de C&T em Saúde no Ministério - que envolve o CNS, a

Secretaria Nacional e a CICT, bem como recursos específicos garantidos orçamentariamente - deverá prover a organicidade que faltava para o MS atuar eficaz e velozmente em C&T/Saúde.

______________________________ 45 Recentemente a FIOCRUZ iniciou um programa interno de financiamento de projetos de pesquisa estratégica, o PAPES (Programa de

Apoio à Pesquisa Estratégica em Saúde). O PAPES-I investiu recursos de 1,8 milhões de reais em 87 projetos de pesquisa no período 1993-1994. Os projetos foram julgados competitivamente, segundo critérios de i) mérito científico e ii) relevância para a saúde pública, por um colegiado formado exclusivamente por membros de fora da FIOCRUZ (ver o livro PAPES - Programa de Apoio à Pesquisa Estratégica em Saúde. Fundação Oswaldo Cruz, 1994, Rio de Janeiro, 138 pp.),

46 Graças ao Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (PASNI, Ministério da Saúde), o Brasil conseguiu atingir uma posição

de destaque na produção, no controle de qualidade e na utilização de vacinas: é auto-suficiente e exporta vacina contra febre amarela (produz 80% da vacina utilizada no mundo), é auto-suficiente nas vacinas contra o sarampo, a raiva, meningite A/C e domina parte do ciclo produtivo da vacina contra a poliomielite. Em breve deverá estar também produzindo vacina recombinante contra hepatite B e meningococo B. Graças à ação continuada através de campanhas de multivacinação, deve em breve conseguir da Organização Mundial da Saúde o certificado de erradicação da poliomielite, concedido após a constatação de cinco anos sem novos casos.

47 A rotatividade dos Ministros de Saúde nos países em desenvolvimento é bem conhecida. No Brasil não é diferente: no período de 1985 a

1994 passaram pelo MS nove ministros efetivos, uma média de um ministro por ano. 48 Durante o Governo Collor de Mello a CEME foi praticamente destruída, e os laboratórios oficiais chegaram a operar a apenas 5-10% de sua

capacidade.

(40)

185. Nesta nova organização, os recursos da Secretaria Nacional de C&T em Saúde poderão ser aplicados:

1. em programas e instituições do próprio MS;

2. em instituições não pertencentes ao MS:

→ através de mecanismos do próprio MS;

→ através de convênios e contratos com agências de C&T de outros ministérios (CNPq, CAPES, FINEP);

→ através de convênios e contratos com outros organismos públicos ou privados (Academias, Sociedades Científicas, Institutos e Fundações Estaduais de Pesquisa, Parques Tecnológicos, SEBRAE, etc).

186. Esta proposta, por exigir formalmente apenas a criação de uma Secretaria Nacional e uma reformulação da

CICT, deve ser de fácil e rápida implementação.

187. Estaria constituído, desta forma, um Sistema de C&T em Saúde em que o MS adotaria uma estratégia política onde os atores das diversas instituições envolvidas seriam co-partícipes de um sistema inteligente e colaborativo, atuando cada um nas áreas em que têm maior vocação, como por exemplo:

• a CAPES na formação de recursos humanos em nível de

pós-graduação;

• o CNPq em pesquisa básica, básica induzida e formação de recursos humanos;

• a FINEP em desenvolvimento tecnológico e apoio

institucional;

• o BNDES na produção industrial;

• o MS naquelas áreas em que historicamente tem mais tradição, tais como pesquisa estratégica, pesquisa aplicada, pesquisa operacional e desenvolvimento tecnológico em saúde;

• a iniciativa privada no financiamento de projetos de C&T em saúde de maior interesse industrial.

189. Uma certa redundância entre os papéis de todos estes diversos atores, além de inevitável, é hoje em dia

considerada saudável e até mesmo indispensável49 para que possa haver um diálogo entre estes organismos nas discussões mais abrangentes, como se deseja para a Política Nacional de C&T em Saúde.

190. O Sistema de C&T em Saúde ficaria então assim organizado:

______________________________ 49 Para uma discussão mais aprofundada sobre áreas de atuação de diferentes agências de financiamento no campo da saúde, bem como da

conveniência de ser mantida uma dose adequada de redundância de ações entre elas, aconselhamos a leitura do artigo de D. G. COLLEY (1994), anteriormente citado (“Targeted research”: an oxymoron that needs to be discussed. Am. J. Trop. M. 50(1):1-12 )

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191. Esta proposta leva em conta que o Brasil não é um país subdesenvolvido, desprovido de instituições de C&T, como os classificados pelas Nações Unidas como LDCs (“Least Developed Countries”50). Ao contrário, dispõe de considerável massa crítica de instituições, cientistas, tecnólogos e gestores internacionalmente respeitados, que nos garantem uma posição de destaque na América Latina51. Possui agências financiadoras de tradição e com uma imensa folha de serviços prestadas à comunidade de C&T e ao país. Sabe utilizar mecanismos democráticos de gestão, como Conselhos Deliberativos, e de discussão de políticas, como Conferências Nacionais de Saúde.

192. Esta multiplicidade de atores torna maior a responsabilidade desta I CONFERÊNCIA NACIONAL, que deve procurar

encontrar a melhor forma de entrosar o SUS e o Sistema de C&T, moldando uma estrutura orgânica e interfaces de trabalho que mobilizem todos estes atores para um novo projeto nacional de ciência e tecnologia em saúde. Um projeto nacional que tenha como objetivos finais uma política social com eqüidade e um desenvolvimento da ciência e da tecnologia em saúde para o país.

IX. Nota sobre a Natureza deste Documento

As idéias e propostas contidas neste documento, originadas como um texto preliminar elaborado em julho de 1994, foram enriquecidas com as contribuições geradas nas diversas Discussões Institucionais e nas Conferências Estaduais de C&T em Saúde realizadas no período agosto-setembro de 1944. Estas ______________________________ 50 75% destes países se concentram na África. Na América Latina só o Haiti integra este grupo de países, os mais desfavorecidos do planeta,

com renda per capita inferior a US$ 200. 51 Ver o World Science Report 1993 publicado pela UNESCO para uma análise mais detalhada e única sobre a C&T na América Latina e o

papel do Brasil neste contexto.

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idéias e propostas devem ser consideradas como subsídios para a I CONFERÊNCIA NACIONAL DE C&T EM SAÚDE, não representando portanto posições oficiais do Ministério da Saúde ou de suas instituições. X. Agradecimentos

Agradecemos as discussões que tivemos com colegas e companheiros de trabalho na FIOCRUZ e nos demais setores do Ministério da Saúde e em outras instituições, em particular com os participantes das reuniões de trabalho realizadas na OPAS em Brasília em abril, na FIOCRUZ em maio e no encontro de Itaipava, RJ, em junho de 1994, onde foram acordadas as linhas mestras deste documento.

Agradecemos ao Dr. David Tejada-de-Rivero pelo apoio em realizarmos a reunião na sede da OPAS em Brasília e pela sua participação nas discussões que então se travaram. Somos particularmente gratos aos colegas João Baptista Risi Junior, Celina Roitman, Reynaldo Guimarães, Moysés Goldbaum, Amaro Luiz Alves, Aristel Gomes Bordini Fagundes, Fernando lsaac Szklo, Phactuel Rego Monteiro e Maria Carlota de Paula, bem como aos integrantes do Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI) do Ministério da Saúde (Gerson Oliveira Penna e equipe) pelas discussões e comentários.

Agradecemos ainda a todos os participantes das Discussões Institucionais e Conferências Estaduais de C&T/Saúde pelas inúmeras e valiosas contribuições recebidas.

Rio de Janeiro, setembro de 1994

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