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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARIANA DA COSTA LUCAS FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA NAS DÉCADAS DE 1960/70: ENTRE TRADIÇÕES E INOVAÇÕES CURRICULARES Rio de Janeiro, RJ 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARIANA DA COSTA LUCAS

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E

BIOLOGIA NAS DÉCADAS DE 1960/70: ENTRE

TRADIÇÕES E INOVAÇÕES CURRICULARES

Rio de Janeiro, RJ

2014

MARIANA DA COSTA LUCAS

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E

BIOLOGIA NAS DÉCADAS DE 1960/70: ENTRE

TRADIÇÕES E INOVAÇÕES CURRICULARES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação e Educação da Universidade Federal do

Rio de Janeiro.

Orientador: Profª. Drª. Marcia Serra Ferreira

Rio de Janeiro, RJ

2014

Agradecimentos

A minha orientadora Marcia Serra Ferreira por todo o

companheirismo desde a iniciação cientifica, pela dedicação, pelos

incentivos, pela orientação sempre clara, pela paciência com as

minhas dificuldades e principalmente pelo carinho. Esse trabalho

é totalmente dedicado a você.

Aos amigos queridos do curso de Ciências Biológicas da

UFRJ, em especial a Camila, Gabriela, Leandro, Evelin e Florence.

Pelo companheirismo, diversão, conselhos, conhecimentos, dúvidas

e angustias compartilhadas. Vocês foram essenciais nessa minha

caminhada acadêmica.

A equipe do Projeto Fundão Biologia e do CAp UFRJ, em

especial a Maria Margarida Gomes, Isabel Lima, Maria Matos e

Mariana Cassab por me mostrarem que a educação pública é

possível e por me inspirar como professora.

Aos companheiros de mestrado e do grupo de pesquisa

Daniela, Silvia, Letícia, André, Verônica, Carolina, Bianca, Ana

Maria, Elga, Adriana e Érika. Por compartilharem seus

conhecimentos, anseios metodológicos e inquietações.

As minhas entrevistadas por compartilharem suas histórias

e recordações. Ao PROEDES-UFRJ e a Marilene Santos, da

Divisão de Ensino da PR1/UFRJ, por me ajudarem na busca dos

documentos curriculares. Sem a ajuda de vocês essa dissertação

não seria possível.

A minha amada mãe Vera, por sempre acreditar em mim e

me apoiar nas minhas decisões. E por fim ao meu marido Igor pelo

seu amor e por ser esse grande companheiro e minha inspiração

como biólogo e professor. Você é parte essencial da minha

trajetória na Biologia.

Pergunto coisas ao buriti; e o que ele responde é a coragem minha.

Buriti quer todo o azul, e não se aparta de sua água - carece de

espelho. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente

aprende.

João Guimarães Rosa / Grande Sertão: Veredas

RESUMO

Este estudo tem como objetivo investigar os sentidos de conhecimento

produzidos no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em meio à reforma curricular ocorrida no

final dos anos 1960, quando deixa de ser oferecido pela Faculdade Nacional de

Filosofia (FNFi) como curso de História Natural e passa a fazer parte do

Instituto de Biologia (IB) como curso de Ciências Biológicas. Entendendo o

referido processo como uma disputa no âmbito do discurso, onde podem ser

negociadas significações que geram regularidades discursivas, assumo como

principais referências às abordagens teóricas relacionadas à História do

Currículo, em especial as produções de Goodson (1995, 1997, 2001, 2007),

Popkewitz (1997, 2001, 2008) e Ferreira (2005, 2013, 2014) e a Teorização do

Discurso de Foucault (2010 e 2012), onde busco uma inicial reflexão acerca do

seu método arqueológico. Ao focalizar um currículo específico em uma

determinada instituição, busco uma reconstrução que é, simultaneamente,

individual e coletiva. Meu interesse está em uma instituição que, devido à

posição que ocupa, está autorizada a construir ‘regimes de verdade’,

assumindo assim um lugar de sujeito. No âmbito dessa perspectiva que utilizo

como fontes a legislação do período, bem como documentos históricos e

curriculares, produzidos em meio à reforma do curso, além de três entrevistas

semiestruturadas. Na análise do ‘novo’ currículo de formação de professores

em Ciências Biológicas, constato que práticas naturalistas, tais como dissecção

e formação de coleções zoológicas aparecem mescladas a disciplinas que

exploravam conteúdos estatísticos, da experimentação e da aprendizagem do

mundo ‘micro’, característicos do discurso de modernização e unificação das

Ciências Biológicas. Neste contexto, percebo o caráter prático como uma

regularidade presente na formação de professores na área nas décadas de

1960/70 e que foi indicando a melhor forma de ensinar o conhecimento

biológico. Nessa perspectiva compreendo esse ‘novo’ currículo como uma

combinação de enunciados que ressignificam lógicas tradicionais, no diálogo

com as ‘novidades’.

Palavras-chave: História do Currículo; Formação de Professores; História

Natural; Ciências Biológicas; Abordagem Discursiva.

ABSTRACT

This study aims to investigate the meanings of knowledge produced at the

teachers traning degree course of Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ) during the curriculum change period ocurred in the late1960’s, when it

ceased to be held by Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) as a Natural

History course to become part of the Instituto de Biologia (IB) as a Biological

Sciences course. Understanding this process as a competition at the speech

level, where meanings can be negotiated that generate discursive regularities, I

take as main references to the theorethical approach related to History of

Curriculum, specially the Works of Goodson (1995, 1997, 2001, 2007),

Popkewitz (1997, 2001, 2008) and Ferreira (2005, 2013, 2014) as much as the

theorization of Foucault’s speech (2010 and 2012), where I seek a primary

reflection about his archaeological method. Focusing a specifical curriculum in a

certain institution, I look for a reconstruction that is both individual and

collective. My interests lies on an institution that, due to it’s position, is

authorized to build “truth-bearing statements”, taking, thus, a main role of

subject. Regarding this perspective I utilize as sources the given period

legislation, as well as curricular and historical documents produced during the

course re-shaping, besides from three half-structured interviews. In the analisis

of the “new” curriculum of Biological Science teachers traning, I perceive that

naturalist practices, as dissections and gathering of biological collections are

found blended to subjects that regarded statistical contents, experimentation

and learning about the “micro” universe, representatives of the updating and

unificating speech of the biological sciences. In such context, I notice the

practical approach as a regularity of the teachers training course of this area

during 1960/70 decades, that went pointing out the best way to teach biological

knowledge. From this perspective I understand this “new” curriculum as a

combination of statements that re-significate traditional logics when in a

dialogue with the “novelties”.

Keywords: Curriculum History; Teachers Training; Natural History; Biological

Sciences; Discoursive Approach.

Sumário

Introdução ..................................................................................... 1

Entre mudanças na ciência de referência e no ensino ............................................................. 5

O contexto educacional brasileiro ............................................................................................. 8

Objetivos da Pesquisa ............................................................................................................ 10

Capítulo I. Referencial Teórico-Metodológico ......................... 15

Análise das fontes de pesquisa ........................................................................................... 29

Capítulo II. Entre velhas e novas tradições curriculares ....... 35

O curso de História Natural/Ciências Biológicas e a formação de professores .............. 37

Sentidos de conhecimento no curso de História Natural ................................................... 45

Sentidos de conhecimento entre ‘velhas’ e ‘novas’ tradições no curso de Ciências

Biológicas ............................................................................................................................... 51

Capítulo III. Investigando a produção do ‘bom’ professor em

Ciências e Biologia ...................................................................... 62

O discurso do ‘bom’ professor na contemporaneidade .......................................................... 64

O discurso do ‘bom’ professor nas décadas de 1960/70 ........................................................ 70

Considerações Finais ................................................................. 78

Referências Bibliográficas .......................................................... 84

Anexos ......................................................................................... 91

1

Introdução

2

esse estudo, investigo os sentidos de conhecimento

produzidos na formação de professores em Ciências

Biológicas. Interessa-me, especialmente, compreender como

foram se transformando tais sentidos em meio às mudanças

ocorridas na principal ‘ciência de referência’ desse curso – a História Natural –

e, consequentemente, no currículo da formação de professores nessa área.

Para realizar essa tarefa, focalizo a reforma curricular ocorrida, no final dos

anos de 1960, na referida Licenciatura da Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ), quando o mesmo deixa de ser oferecido pela Faculdade

Nacional de Filosofia (FNFi) como um curso de História Natural e passa a fazer

parte do Instituto de Biologia (IB) como um curso de Ciências Biológicas.

A escolha do período investigado se justifica por ele ter sido marcado

por processos sociais mais amplos que ocorreram tanto no Ensino Superior e

na Educação Básica (ROMANELLI, 1978) quanto nas Ciências Biológicas

(MARANDINO, SELLES & FERREIRA, 2009). Afinal, em 1968 é promulgada a

Lei nº 5.540/681 que, entre outras mudanças, desmembra a FNFi em diversos

Institutos. Nesse contexto, o IB/UFRJ é criado a partir do Departamento de

História Natural da FNFi e o curso passa a ser uma Unidade Acadêmica sob a

responsabilidade, inicialmente, do Centro de Ciências Matemática e da

Natureza (CCMN), sendo posteriormente transferido para Centro de Ciências

da Saúde (CCS) da instituição. A estrutura inicial apresenta três departamentos

– Botânica, Genética e Zoologia –, sendo acrescidos, logo após a criação do

IB, os departamentos de Ecologia e Biologia Marinha.

O novo curso de Ciências Biológicas emerge, então, em meio a esse

conjunto de mudanças mais amplas, tendo sido também impactado pelo

processo de unificação das Ciências Biológicas ocorrido ao longo do século XX

(MARANDINO, SELLES & FERREIRA, 2009). Tal processo produziu reflexos

tanto no ensino de Ciências quanto na formação de professores, o que ocorreu

em meio a um movimento de renovação do ensino de Ciências ocorrido no

pós-guerra (KRASILCHIK, 1995; RUDOLPH, 2006).

O interesse pelo tema surgiu no ano de 2009, durante o quarto período

1 BRASIL. Lei nº 5,540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e

funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências.

N

3

de Licenciatura em Ciências Biológicas, quando iniciei um trabalho como

bolsista de Iniciação Científica do CNPq no ´Grupo de Estudos em História do

Currículo´, no âmbito do ‘Núcleo de Estudos de Currículo’ da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (NEC/UFRJ), sob a orientação da Profª. Drª. Marcia

Serra Ferreira2. Nesse período ingressei no projeto de pesquisa Currículo de

Ciências: iniciativas inovadoras nas décadas de 1950/60/70, que foi finalizado

em 2010. No início, ele buscou compreender como seu deu a criação do

Centro de Ciências da Guanabara (CECIGUA) no contexto do surgimento dos

demais Centros de Ciências brasileiros3, reconstruindo algumas das ações

iniciais da instituição a partir de entrevistas com seus primeiros protagonistas,

além do uso de livros e textos escritos por esses atores sociais como fontes de

estudo (VALLA & FERREIRA, 2007a, 2007b e 2007c, VALLA, 2009). Entre

2009 e 2010, quando eu já estava inserida no projeto, investigamos a produção

e a adaptação de materiais didáticos no CECIGUA, além de refletirmos sobre a

constituição, a partir dos anos de 1960, de uma comunidade disciplinar

especificamente voltada para o ensino das disciplinas escolares em ciências

(VALLA, LUCAS & FERREIRA, 2009; LUCAS, VALLA & FERREIRA, 2010).

Nessa primeira experiência acadêmica, pude abandonar uma percepção

‘naturalizada’ dos currículos escolares em favor de uma visão construcionista

dos mesmos (GOODSON, 1995, 1997 e 2001), entendendo-os em meio à

relações de poder mais amplas.

No projeto que se iniciou em 2010 – Currículo de Ciências: entre

histórias e políticas para a formação de professores –, pude, ao lado da Profa.

Dra. Marcia Serra Ferreira, minha orientadora, aprofundar aspectos da

formação continuada de professores na mesma instituição – o CECIGUA –,

focando nas transformações que se processaram nas ações produzidas em

meio às mudanças ocorridas nas Ciências Biológicas, dentro do subprojeto

Investigando a formação continuada de professores de Ciências e Biologia nos

anos de 1960/70 no âmbito do CECIGUA. A partir de documentos escritos e de

depoimentos de formadores que atuaram na instituição, coletados entre 2006 e

2 A Prof

a. Dr

a. Marcia Serra Ferreira coordena, desde 2005, no âmbito do ‘Núcleo de Estudos

de Currículo’ (NEC/UFRJ), o ‘Grupo de Estudos em História do Currículo’. 3 Estou me referindo ao Centro de Ciências do Nordeste/CECINE, ao Centro de Ciências do

Rio Grande do Sul/CECIRS, ao Centro de Ciências de Minas Gerais/CECIMIG, ao Centro de Ciências de São Paulo/CECISP e ao Centro de Ciências da Bahia/CECIBA.

4

2008, buscamos compreender: as especificidades das ações produzidas frente

aos demais Centros de Ciências e, particularmente, o Centro de Ciências de

São Paulo (CECISP); as decisões curriculares de seus atores sociais, tomando

como particular referência o ensino experimental; as influências da instituição

na produção de políticas de currículo para a área, assim como na constituição

de uma comunidade disciplinar específica, que passou a produzir retóricas

próprias acerca da formação de professores (VALLA, 2009; VALLA, LUCAS &

FERREIRA, 2009; LUCAS, VALLA & FERREIRA, 2010, LUCAS, VALLA &

FERREIRA, 2011; LUCAS, SOUSA & FERREIRA, 2012; SOUSA, LUCAS &

FERREIRA, 2012; LUCAS, VALLA & FERREIRA, 2014).

O trabalho em ambos os projetos de pesquisa envolveu a organização

de um acervo de materiais didáticos produzidos no CECIGUA, os quais foram

produzidos e/ou adaptados em meio a um movimento de renovação mais

amplo voltado para o ensino de Ciências (KRASILCHIK, 1995; RUDOLPH,

2006). Este material é composto por roteiros de aulas práticas, diversos

esquemas de organismos, exercícios e textos informativos sobre diferentes

temáticas relacionadas ao ensino de Ciências, e foram usados em atividades

de formação continuada de professores na instituição. Tais documentos me

forneceram indícios interessantes tanto para compreender o ensino quanto a

formação continuada de professores em Ciências e Biologia, tendo sido

‘cruzados’ com as entrevistas semiestruturadas realizadas com profissionais

ligados ao CECIGUA que atuaram no contexto descrito (VALLA, LUCAS &

FERREIRA, 2009; LUCAS, VALLA & FERREIRA, 2010, LUCAS, VALLA &

FERREIRA, 2011; LUCAS, VALLA & FERREIRA, 2014).

Investigando as fontes de estudos anteriormente citadas, evidenciamos

a presença de certas tradições da História Natural predominando,

especialmente, nas atividades de caráter prático, na seleção de conteúdos que

valorizassem a aquisição de objetivos formativos e a participação ativa dos

alunos, colocando a experimentação didática no centro das ações do que era

considerado como ser um ‘bom’ professor dessa área na época (VALLA,

LUCAS & FERREIRA, 2009). Realizando uma análise que pôde desconfiar de

uma pretensa “objetividade dos fatos históricos”, problematizando tanto as

fontes quanto as histórias do ensino de ciências hegemonicamente

posicionadas no país (FERREIRA, 2005, p. 61), fomos percebendo o quanto a

5

experimentação didática foi disseminada em meio às ações do CECIGUA

voltadas para a formação continuada de professores. Nesse processo,

acreditamos que tal noção qualificou gerações de profissionais que passaram a

reconhecer a importância dessa metodologia na constituição de formas

inovadoras de ensinar e de aprender no antigo secundário (LUCAS, VALLA &

FERREIRA, 2011).

Toda essa experiência na Iniciação Científica despertou o meu interesse

pela temática da formação de professores e, em especial, nas Ciências

Biológicas. Aliando tal interesse com os meus estudos mais recentes, nos

quais me voltei para uma abordagem discursiva dos currículos, entendendo-os

“como construções sócio-históricas que produzem e hegemonizam significados

sobre quem somos e sobre aquilo que sabemos” (FERREIRA, 2014, p. 187),

busco investigar os sentidos de conhecimento acadêmico que foram sendo

produzidos na formação de professores em Ciências Biológicas, em meio às

mudanças que ocorreram, nos anos de 1960, na principal ‘ciência de

referência’ desse curso.

Entre mudanças na ciência de referência e no ensino

Como anteriormente explicitado, investigo, nesse estudo, os sentidos de

conhecimento que foram produzidos em meio a mudanças mais amplas no

ensino superior e no ensino das Ciências, que mesclaram ‘velhas’ e ‘novas’

tradições curriculares, as quais possuíam maiores vínculos, respectivamente,

com a História Natural ou com uma Biologia recém ‘unificada’. Tais tradições

envolviam distintos modos de pensar a ciência e seu ensino, uma vez que, de

acordo com Gomes, Selles & Lopes (2009, p. 5), enquanto a História Natural

possuía uma abordagem mais fortemente “caracterizada por descrições

detalhadas, coleções e classificações do mundo natural (vivo e não vivo)”, as

Ciências Biológicas apresentavam-se como uma ciência moderna e ‘unificada’

cuja lógica de organização se apoiava na teoria da Evolução.

Segundo Marandino, Selles & Ferreira (2009), as Ciências Biológicas, no

final da década de 1960, ainda lutavam contra a hegemonia de dois campos

científicos – a Física e da Química – que tiveram papel de destaque nos

6

acontecimentos bélicos da primeira metade do século XX. Nesse momento, a

despeito dos primeiros movimentos de ‘unificação’ ocorridos no início do século

XX, no interior da comunidade disciplinar prosseguiam os muitos conflitos de

ideias e de disputas acerca da hegemonia de determinadas áreas do

conhecimento. Assim, as tradições da História Natural – particularmente

aquelas voltadas para os estudos em Zoologia e Botânica – foram perdendo

força no campo científico e sendo mescladas a uma Biologia moderna e

‘unificada’. Esta só ampliou de fato o seu prestígio com o avanço das

pesquisas biomoleculares que ressignificaram a Teoria da Evolução proposta

por Charles Darwin em 1859, ganhando maior visibilidade a partir da

determinação do modelo de DNA, no ano de 1953, pelos cientistas James

Watson e Francis Crick, assim como com o desenvolvimento dos modelos

matemáticos ambientados na filosofia do positivismo lógico, de grande

significado para todas as ciências (MARANDINO, SELLES & FERREIRA,

2009). De acordo com Smocovitis (1996), nesse momento, são os

procedimentos experimentais capazes de produzir dados matemáticos que

passam a assegurar o caráter científico dessa ciência ‘unificada’.

Todo esse movimento de ‘unificação’ das Ciências Biológicas teve

significativas influências no ensino e na formação de professores. Um exemplo

dessa questão refere-se à materiais didáticos estrangeiros e brasileiros que

foram produzidos no contexto do movimento renovador e adotaram uma

retórica modernizante e ‘unificada’ das Ciências Biológicas, agregando

prestígio à disciplina escolar Biologia frente às demais disciplinas escolares. No

caso dos materiais didáticos estrangeiros, Ferreira & Selles (2008) destacam a

importância que a ‘versão azul’ do material didático estadunidense Biological

Sciences Curriculum Study (‘BSCS’)4 teve na divulgação dessa ciência como

moderna e ‘unificada’ por meio de uma retórica evolucionista. No caso

materiais didáticos nacionais, Roquette (2011) identifica processo semelhante

ao analisar a coleção didática brasileira intitulada Biologia na Escola

Secundária, de autoria de Oswaldo Frota-Pessoa e publicada, pela primeira

4 O ‘BSCS’ foi estruturado em três versões – ‘azul’, ‘amarela’ e ‘verde’ – e organizado em

temas centrais, respectivamente: a Biologia Molecular, a Citologia e a Ecologia. Nos Estados Unidos, os livros foram publicados em volume único. No Brasil, a versão azul foi publicada em dois volumes, e a versão verde em três. A versão amarela não foi traduzida em nosso país.

7

vez, em agosto de 1960.5

Como já mencionado, essa modernização das Ciências Biológicas se

deu em meio a um movimento de renovação do ensino de Ciências

historicamente vinculado ao final da Segunda Guerra Mundial, quando entrou

em evidência o adversarismo entre Estados Unidos e União Soviética. Nesse

contexto, a produção de tecnologias de guerra e, especialmente, da bomba

atômica, por cientistas e engenheiros estadunidenses, fez com que esse país

‘acreditasse’ na sua capacidade de dominação científica e tecnológica do

mundo. Tal convicção, no entanto, foi fortemente abalada pelo lançamento dos

satélites soviéticos Sputnik I e II, o que produziu efeitos no ensino das

disciplinas escolares em ciências (KRASILCHIK, 1995; WANG, 2008). Nesse

momento, os Estados Unidos investiram uma quantidade de recursos humanos

e financeiros no bloco capitalista nunca vista anteriormente. Como parte da

estratégia de dominação adotada por esse país, os investimentos se deram por

meio de uma série de acordos de cooperação financeira e de assistência

técnica com agências estrangeiras.

A efetiva organização de ações em torno da melhoria do ensino de

Ciências no país teve início com a fundação, em 1946, do Instituto Brasileiro de

Educação, Ciência e Cultura (IBECC), instituição que era considerada,

segundo Barra & Lorenz (1986, p. 1971), a “Comissão Nacional da Unesco no

Brasil”. Nesse momento, os livros didáticos utilizados nas disciplinas escolares

em ciências eram, em grande parte, de autoria de cientistas e educadores

europeus e a maioria dos professores não possuía formação e treinamento

específicos para lecionar (KRASILCHIK, 1995). De acordo com Krasilchik

(1995, p. 177), o trabalho desenvolvido na Subcomissão Ciência do IBECC/SP

inaugurou o movimento de renovação do ensino de Ciências no país, uma vez

que já era voltado para “atualizar os conteúdos então ensinados nas escolas

secundárias, e tornar o ensino prático”. As ideias de reforma curricular que se

estenderam aos países envolvidos, tais como o Brasil, baseavam-se na

convicção de que o ensino experimental no laboratório impulsionaria os alunos

para as vocações científicas, permitindo que internalizassem modos de

5 Em sua dissertação de mestrado, Roquette (2011) analisou a edição de 1975. FROTA-

PESSOA, O. Biologia na Escola Secundária. Volumes 1 e 2. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 4.a ed. (reimpressão) 1975. 1.a ed. Ag. 1960. Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – CBPE, 714 p.

8

pensamento e habilidades do contexto científico (LEACH & PAULSEN, 1999

apud SELLES, 2008). É em meio a esse cenário que, nos anos de 1960,

cursos de Licenciatura em História Natural – como o da UFRJ – se

transformaram em cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas.

O contexto educacional brasileiro

A criação do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFRJ

ocorreu em meio a um período de intensa efervescência cultural e política no

mundo, com reflexos no Brasil. Nesse contexto, o aumento das organizações

sindicais e de estudantes que reivindicavam Reformas de Bases, o que pôde

repercutir de forma intensa no campo da cultura e da educação, convivia com a

contradição de uma crise econômica decorrente da diminuição da entrada de

capital externo, da redução dos índices de investimento e do crescimento da

inflação devido ao período pós-guerra (SHIROMA, MORAES &

EVANGELISTA, 2007, p. 26).

Com a ascensão do regime militar na década de 1960, o processo pelas

Reformas de Base foi interrompido e um poder executivo repressor passou a

controlar sindicatos, meios de comunicação e as universidades. Nas reformas

de ensino que ocorreram no governo militar, era possível enxergar alguns

elementos das reivindicações de sindicatos e estudantes, mas elas foram

fortemente marcadas por recomendações vindas tanto de algumas

organizações nacionais que possuíam afinidades com as do governo militar –

como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e Instituto Brasileiro de Ação

Democrática (IPES/IBAD) e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL) –, quanto de

agências internacionais, principalmente aquelas vinculadas ao governo

estadunidense. Esse é o contexto dos acordos entre o MEC e a AID (Agency

for International Development), que ficaram conhecidos como Acordos MEC-

USAID (SHIROMA, MORAES & EVANGELISTA, 2007) e foram muito

significativos, por exemplo, no fomento ao movimento de renovação do ensino

de Ciências.

Essas agências e organizações atuaram na formulação de diretrizes

políticas e educacionais no país que tinham como principais objetivos a

9

formação de “capital humano”, de modo a acelerar o processo de

desenvolvimento econômico, uma forte relação entre educação e mercado de

trabalho, propagar novos hábitos de consumo, planos de defesa do Estado e

controle político-ideológico do país (SHIROMA, MORAES & EVANGELISTA,

2007, p. 29). Nesse contexto, podemos perceber o ano de 1968 marcando

mudanças econômicas e sociais profundas no Brasil, tendo produzido uma fase

de retomada de expansão econômica com acentuado desenvolvimento de

setor industrial. O crescimento econômico gerou uma demanda social de

educação que agravou a crise do sistema educacional brasileiro (ROMANELLI,

1997, p. 196), o que serviu de justificativa para uma série de acordos de

cooperação financeira e de assistência técnica entre o MEC e a AID.

Na legislação educacional do período, específica para o ensino superior

no país, além da Lei nº 5.540/686, encontram-se Decretos7 que reestruturam as

universidades federais e modificam a representação estudantil. O Decreto-Lei

252/67, por exemplo, foi o responsável pelo desmembramento da FNFi/UFRJ

que, até o período, era organizada em quatro “seções fundamentais: Seção de

Filosofia, Seção de Ciências, Seção de Letras e Seção de Pedagogia”8. Havia

ainda uma seção especial de Didática9. Ela tinha, até então, como objetivos: “a)

preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades

culturais de ordem desinteressada ou técnica; b) preparar candidatos ao

magistério do ensino secundário e normal; c) realizar pesquisas nos vários

domínios da cultura, que constituíam objeto de seu ensino”10.

6 BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e

funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. 7 BRASIL. Decreto nº 53, de 18 de novembro de 1966. Fixa princípios e normas de organização

para as universidades federais e dá outras providências. BRASIL. Decreto nº 252, de 28 de fevereiro de 1967. Estabelece normas complementares ao Decreto-Lei nº 53, de 18 de novembro de 1966, e dá outras providências (Art. 2º). 8 BRASIL. Decreto-Lei nº 1.190, de 4 de Abril de 1939. Dá organização à Faculdade Nacional

de Filosofia (Art. 2º). 9 A seção de Didática constituía-se como um segmento especial, a ser cursado em um ano

após a formação de três anos com disciplinas específicas do bacharelado da ciência de referência. Habilitando-se, dessa forma, o professor do ensino secundário. A partir desse momento, foi sendo produzido o modelo formativo que ficou conhecido como ‘3+1’. Tal modelo tinha como característica a racionalidade técnica, que se baseava na ideia de que ao se apoderar dos conteúdos da ciência de referência, o indivíduo teria maiores condições de apreender as técnicas de lecionar. Com esse pressuposto, acreditava-se que eram formados professores “suficientemente ‘instrumentalizados’ para resolver os problemas que enfrentariam no exercício da docência” (WOLSKI, SOARES & BRANDT, 2012, p. 9, grifos dos autores). 10

BRASIL. Decreto-Lei nº 1.190, de 4 de Abril de 1939. Dá organização à Faculdade Nacional de Filosofia (Art. 1º).

10

A partir dos interesses políticos do governo militar, e do esgotamento de

uma concepção educacional que englobava em uma única instituição todos os

ramos do saber e cujos fundamentos metafísicos e epistemológicos

repousavam na ideia da Filosofia como a “ciência primeira” (CORTÊS, 2009. p.

3), a FNFi/UFRJ foi desmembrada em diversos Institutos especializados, que

hoje fazem parte dos quadros da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Nesse mesmo contexto, no qual a Lei nº 5.540/6811 fixou as normas de

organização e funcionamento do ensino superior, houve a extinção das

cátedras (Art. 33º §3º), vistas como representando o conservadorismo da

universidade brasileira, criando-se a estrutura departamental (Art. 11º b; Art.

12º §3º). Foram também implementados: o regime de tempo integral e a

dedicação exclusiva dos docentes (Art. 34º); a relação indissociável entre

ensino, pesquisa e extensão (Art. 2º), em meio a uma crença na ciência e na

tecnologia para o desenvolvimento econômico do país; o curso de graduação

dividido em ciclo básico e ciclo profissional (Art. 23 §2º) e o vestibular

classificatório com exames unificados (Art. 21º) (SHIROMA, MORAES &

EVANGELISTA, p. 32). Foi em meio a essas mudanças que foi criado, a partir

do Departamento de História Natural da FNFi, o IB/UFRJ.

Objetivos da Pesquisa

Como já apresentado, o objetivo dessa pesquisa é analisar, sócio

historicamente, os sentidos de conhecimento produzidos, nos anos de 1960/70,

na formação inicial de professores em Ciências Biológicas da UFRJ. Tomando

como fontes de estudo a legislação do período, assim como documentos

curriculares produzidos em meio à reforma e entrevistas com professores e/ou

estudantes que vivenciaram a mesma, parto das seguintes questões:

(1) Quais enunciados passaram a ser mais fortemente selecionados

e valorizados na composição do ‘novo’ currículo, que se assume

como Licenciatura em ‘Ciências Biológicas’, em substituição à

denominação ‘História Natural’? Quais foram perdendo força?

11

BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências.

11

(2) Que sentidos de conhecimento foram sendo produzidos em meio

às ‘antigas’ e ‘novas’ tradições em disputa no campo científico, no

ensino e na formação de professores?

(3) Quais discursos presentes no respectivo curso de formação inicial

foram produzindo o “bom” professor de Ciências e Biologia do

período estudado?

Tomando como referência essas questões, organizei a dissertação em

três capítulos. No capítulo I – cujo título é ‘Referencial Teórico-Metodológico’ –,

explicito a minha metodologia e apresento os referenciais teóricos que utilizo

para compreender os sentidos de conhecimentos que foram produzidos no

processo de transição do currículo em questão e que regulam o ensino e a

formação de professores, produzindo o ‘bom’ professor de Ciências e Biologia.

Colocando em diálogo autores do campo do Currículo – tais como Goodson

(1995, 1997, 2001, 2007), Popkewitz (1997, 2001, 2008) e Ferreira (2005,

2013, 2014) – com Foucault (2010 e 2012), assumo uma abordagem discursiva

para a História do Currículo e das Disciplinas (FERREIRA, 2013). Início a

análise, então, compreendendo os currículos de modo não essencializado, mas

como elaborados em meio a disputas em torno da produção e da reprodução

de valores e normas que significam o social, percebendo a estabilidade e a

mudança curricular como processos não excludentes (FERREIRA, 2005).

No capítulo II – intitulado ‘Entre velhas e novas tradições curriculares’ –,

analiso os sentidos de conhecimento que foram sendo produzidos em meio às

‘antigas’ e ‘novas’ tradições em disputa no campo científico e no ensino que

impactaram a formação de professores em Ciências e Biologia em meio à

transição da Licenciatura em Historia Natural para as Ciências Biológicas. Ao

analisar documentos históricos, grades curriculares e depoimentos de alunos e

de uma professora que viveram o período, procuro destacar quais enunciados

passaram a ser mais valorizados na composição desse novo currículo da

Licenciatura em Ciências Biológicas e quais foram perdendo força. Buscando

compreender o que passou a estar na ordem do discurso na formação de

professores de Ciências e Biologia no Instituto de Biologia da UFRJ nas

décadas de 1960/70.

12

Faço a minha análise entendo o currículo de Licenciatura em Ciências

Biológicas da UFRJ como um sujeito possível de recebimento de enunciados

que determinam uma regularidade discursiva. Minha aproximação com uma

abordagem discursiva, dentro de um contexto institucional específico, me

possibilitou entender os ‘novos’ conhecimentos oriundos da unificação das

Ciências Biológicas mesclados a tradições naturalistas – que permanecem

fortes no currículo – como ‘inventores’ das atuais tradições que nos têm

constituído como profissionais da área. Percebo o discurso da prática

naturalista ressignificado no discurso da prática científica modernizada pela

especialização e por novos recursos.

No capítulo III – cujo título é ‘Investigando a produção do ‘bom’ professor

em Ciências e Biologia’ –, busco quais enunciados presentes neste curso de

formação inicial foram produzindo o “bom” professor de Ciências e Biologia do

período estudado. Tomando como ponto de partida o tempo presente, com

vistas a perceber indícios desse ‘bom’ professor do passado como

permanências que regulam a formação inicial de professores, inicio esse

capítulo analisando artigos recentes, publicados em periódicos nacionais

qualificados no período entre 2000 e 2010, com vistas a perceber sentidos de

docência e de currículo presentes na produção acadêmica. Pude constatar que

as definições de ‘bom’ professor que são enunciadas na área estão fortemente

relacionadas com argumentos sobre que tipo de prática e conhecimento forma

esse ‘bom’ professor – assim como o ‘mal’ professor –, sobre os métodos de

ensino que formam esses dois tipos de professores e sobre o papel do

professor na atualidade. A capacidade reflexiva da prática docente e a forma

como o professor conduz seus alunos, levando-os para o envolvimento e a

aprendizagem autônoma do conhecimento científico são argumentos que se

destacam na concepção do ‘bom’ professor de Ciências e Biologia na

contemporaneidade.

Ao fazer a análise dos artigos encontrados, foi possível perceber que a

formação inicial de professores de Ciências e Biologia nos dias atuais estão

permeados de sentidos presentes no ensino dessas disciplinas escolares e na

formação dos professores, nas décadas de 1960/70. A lógica do modelo 3+1

dos currículos estudados, pautada na valorização do conteúdo específico da

ciência de referência, era uma formação discursiva que se mantinha forte frente

13

aos conteúdos pedagógicos e que permanece como uma preocupação na

formação desses professores até hoje. Ao estudar a transição curricular do

curso de História Natural para Ciências Biológicas na instituição UFRJ, é

possível perceber a influência dessa organização ao ver que o caráter prático –

que regulava a formação de professores na área – estava mais fortemente

relacionado à aprendizagem das ciências de referência do que a concepção do

aprender e ensinar a prática didática.

Por fim, nas considerações finais abordo as dificuldades de assumir uma

perspectiva discursiva na metodologia da pesquisa e levanto algumas questões

a serem investigadas no futuro. Retomo dados dos capítulos II e III que me

permitem pensar os sentidos de conhecimento que foram sendo produzidos

desde a criação do curso de História Natural da antiga FNFi e que vieram

regulando a formação de professores a partir da década de 1950. Como

recente ex-aluna do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, aqui

investigado, pude perceber indícios dessa história em minha própria

experiência, assim como, nas produções atuais sobre a formação de

professores da área. O surgimento do ‘novo’ curso, no final da década de 1960,

é marcado por uma ‘mescla’ de enunciados naturalistas em meio a um ‘novo’

discurso de modernização e unificação das Ciências Biológicas, ambientado na

filosofia do positivismo lógico, cuja lógica era baseada na experimentação

científica e nos modelos matemáticos, de grande significado para todas as

ciências (MARANDINO, SELLES & FERREIRA, 2009).

Buscando compreender os mecanismos de estabilidade e de mudança

do currículo estudado, aponto para as relações de poder interferindo na

organização do ‘novo’ currículo, conferindo aos conhecimentos e práticas

naturalistas estabilidade e status na nova grade curricular. Assim como,

apresento elementos externos, como a ação do Centro de Ciências da

Guanabara (CECIGUA), que levaram inovações curriculares ao ‘novo’ curso,

principalmente aquelas relacionadas aos métodos experimentais e que

ajudaram a produzir um discurso das Ciências Biológicas como ciência

moderna e ‘unificada’ na formação de professores de Ciências Biológicas no

âmbito do IB/UFRJ. Nesse contexto, percebo o caráter prático – mesclado por

concepções naturalistas, tais como dissecção e formação de coleções

zoológicas com conteúdos que exploravam conteúdos da matemática, da

14

experimentação e a aprendizagem do mundo ‘micro’ –, como uma regularidade

presente na formação de professores na área nas décadas de 1960/70 e que

foi indicando a melhor forma de ensinar o conhecimento biológico. Nessa

perspectiva compreendo o ‘novo’ currículo de formação de professores em

Ciências Biológicas como uma combinação de enunciados que ressignificam

lógicas tradicionais, no diálogo com as ‘novidades’.

15

Capítulo I.

Referencial Teórico-

Metodológico

16

esse estudo, como já explicitado, pretendo avançar na

compreensão dos sentidos de conhecimentos produzidos no

processo de transição do currículo do curso de História Natural

para o currículo do curso de Ciências Biológicas em uma instituição específica:

a UFRJ. Entendendo o referido processo como uma disputa do âmbito do

discurso, onde podem ser negociadas significações que geram regularidades

discursivas, assumo como principais referências às abordagens teóricas

relacionadas à História do Currículo, em especial as produções de Ivor

Goodson (1995, 1997, 2001, 2007), Thomas Popkewitz (1997, 2001, 2008) e

Marcia Serra Ferreira (2005, 2013, 2014).

É importante destacar que tal opção se dá em meio a um movimento

coletivo do grupo de pesquisa do qual participo desde 2009 – o ‘Grupo de

Estudos em História do Currículo’ –, que vêm produzindo investigações sócio-

históricas no diálogo com as teorizações do discurso, com vistas a produzir

uma abordagem discursiva para a História do Currículo e das Disciplinas

(FERREIRA, 2013). Nesse processo, temos operado com noções de

“discurso”, “enunciado”, “formação discursiva” e “regularidade do discurso”

produzidas por Michel Foucault (2010 e 2012), colocando-as para conversar

com curriculistas como Ivor Goodson (1995, 1997, 2001, 2007), Thomas

Popkewitz (1997, 2001 e 2008) e Marcia Serra Ferreira (2005, 2007, 2013,

2014), além das próprias produções do NEC/UFRJ e, mais especificamente, do

‘Grupo de Estudos em História do Currículo’ (veja, por exemplo, JAEHN &

FERREIRA, 2012; MATOS, 2013; VILELA, 2013; FONSECA, 2014).

Como já destacado, meu envolvimento com os estudos sócio-históricos

no campo do Currículo teve início ainda na Iniciação Científica, ocasião na qual

produzi trabalhos voltados para a produção de iniciativas para o ensino e a

formação de professores em uma instituição específica: o Centro de Ciências

da Guanabara (VALLA, LUCAS & FERREIRA, 2009; LUCAS, VALLA &

FERREIRA, 2011 LUCAS, SOUSA & FERREIRA, 2012; SOUSA, LUCAS &

FERREIRA, 2012). Neles, inspiro-me em Ferreira (2005, p. 7) ao compreender

“que os processos vivenciados em uma determinada instituição reinterpretam

processos sócio-históricos e educacionais mais amplos”, questionando análises

dicotômicas ao perceber as 'inovações' curriculares sempre dialogando com

'tradições' já existentes. Destaco a contribuição da autora ao buscar relativizar

N

17

posições teórico-metodológicas que ora investem na força das estruturas, não

observando mudanças fora dos processos ‘revolucionários’, ora superestimam

o papel dos sujeitos, desconsiderando que as ‘inovações’ curriculares ocorrem

em meio a complexos processos sociais (FERREIRA, 2005).

Goodson (2001) considera, por exemplo, nos estudos curriculares, os

aspectos relacionados à estabilidade e mudança oriundos dos conflitos sociais

que se desenrolam no âmbito das disciplinas. Segundo o autor, para

entendermos melhor tais aspectos é necessário analisar as condições

macroestruturais externas junto aos assuntos internos à instituição estudada.

Afinal, a manutenção de “formas hegemônicas de conhecimento não é um

processo simples e lógico” (GOODSON, 1995 apud FERREIRA, 2005, p. 66), e

somente a análise de estruturas macrossociais não consegue explicar o

mecanismo que mantêm a estabilidade curricular, uma vez que o mesmo

envolve a participação e o envolvimento de uma comunidade disciplinar

conflituosa e heterogênea. O funcionamento dessa comunidade, no entanto,

também não é suficiente para explicar o mecanismo em questão, uma vez que

Goodson (2007, p. 121) trata o currículo como “um processo político e social e

que não é possível entendê-lo como puro conhecimento descontextualizado,

conhecimento social. Trata-se de um conhecimento politicamente estruturado”.

Ferreira (2005, p. 160) destaca que Goodson (1996 e 1997), utilizando o

trabalho de Meyer & Rowan (1983), aponta os sistemas educacionais como

fornecedores de padrões “socialmente legítimos de atores – professores e

alunos – e de processo – temas e atividades – educativos”. Esses padrões

podem fornecer, por exemplo, concepções de sobre o ‘bom’ ou o ‘mau’ ensino

de Ciências, sobre o ‘bom’ ou o ‘mau’ professor de Ciências ou sobre o que é

ou não valorizado nos diferentes temas e atividades dentro do ensino nessa

área. Nesse movimento, as concepções produzidas com base nesses padrões

acabam tendo “valor como moeda no ‘mercado da identidade social’”

(GOODSON, 1997, p. 27). Para o autor, todo esse processo envolve a seleção

e a naturalização de determinados métodos e conteúdos de ensino em

detrimento de outros, com vistas a obtenção de apoio e de recursos que atuam

como produtores de estabilidade nos currículos escolares (GOODSON, 1996 e

1997). Assim, ainda que Goodson (1996 e 1997) aborde a estabilidade e a

mudança curricular como processos que se relacionam e se influenciam

18

mutuamente, o peso maior de sua análise se situa na estabilidade, que

constitui uma tendência em meio à divergência de posicionamentos no âmbito

das comunidades disciplinares.

Em diálogo com Goodson (1995, 1997 e 2001), mas assumindo que

estabilidade e mudança são processos que se constituem mutuamente

(FERREIRA, 2005), dissertações e teses produzidas no ‘Grupo de Estudos em

História do Currículo’, como parte das produções do NEC/UFRJ, têm focado na

história de diferentes currículos e disciplinas científicas (JAEHN, 2011),

acadêmicas (FERNANDES, 2012; FONSECA, 2008 e 2014; MATOS, 2013;

TERRERI, 2008; TORRES, 2009) e escolares (ARARUNA, 2009; OLIVEIRA,

2009; ROQUETTE, 2011; SANTOS, 2010; SOBREIRA, 2012; VALLA, 2011;

VILELA, 2013). Em texto no qual analisa tal produção, Ferreira (2013, p. 75)

reflete sobre os desafios que o grupo tem enfrentado “na articulação de

referenciais teóricos do campo do Currículo com a Historiografia

contemporânea e, mais recentemente, com as teorizações sociais do

Discurso”. O presente trabalho caminha nessa mesma direção, buscando

contribuir com a busca de ‘soluções’, ainda que provisórias, para o

enfrentamento desses desafios que têm sido propostos coletivamente.

Ferreira (2005, p. 16) destaca que Goodson (1994, 1995 e 2001)

entende os estudos em História das Disciplinas como “elucidativos dos

mecanismos curriculares de criação e de manutenção de padrões socialmente

legítimos de estudantes e professores”. Para o autor, “é justamente o

estabelecimento de transformações de caráter mais amplo, com um conjunto

de práticas a elas associadas, que ‘acarreta as sementes de novos padrões de

tradição e inércia’, o que significa entender que, ‘em suma, a mudança

fundamental exige a invenção de (novas) tradições’ (GOODSON, 1997, p. 31)”

(FERREIRA, 2005, p. 193). Afinal, de acordo com ele, “as formas hegemônicas

de conhecimento não são simplesmente mantidas por estruturas

macrossociais, mas fazem parte de um sofisticado mecanismo que combina a

busca por recursos e status social” (FERREIRA, 2005, p. 16). Nesse

movimento, alio-me à Ferreira (2005, p. 192) ao perceber o currículo

investigado:

Em meio a movimentos que ora se aproximam e ora se afastam das iniciativas inovadoras, e não como uma ‘entidade

19

monolítica’ – para usar uma expressão de Goodson (1995a12, p. 120) – que somente pode ser percebida de forma dicotômica, ou seja, como tradicional/antiga ou como moderna/renovada.

Compreender o currículo da formação de professores em Ciências

Biológicas da UFRJ na perspectiva aqui adotada significa percebê-lo como

uma “tradição inventada”13, elaborado em um processo que legitima

determinadas intenções educativas e gera recursos específicos para a sua

implementação (GOODSON, 1995 e 1997). Vejo os currículos, portanto, como

espaços conflituosos de produção e de reprodução de valores e normas que

significam o social, percebendo a estabilidade e a mudança curricular como

processos não excludentes, nos quais “são exatamente as mudanças trazidas

pela incorporação de certas inovações que colaboram para a estabilidade

curricular” (FERREIRA, 2005, p. 192). No caso desse estudo, como já

explicitado na Introdução do mesmo, tudo se deu em meio a transformações

mais amplas que ocorreram, ao longo do século XX, nas Ciências Biológicas e

no ensino das disciplinas escolares em ciências, produzindo outros modos de

pensar o ensino e a formação de professores.

Pensando as tradições inventadas como discursos que nos inventam

como professores de Ciências e Biologia, tenho acompanhado o movimento do

‘Grupo de Estudos em História do Currículo’ ao me deslocar de uma noção de

currículo como construção social, elaborado por sujeitos situados

historicamente, em direção a um entendimento do currículo dentro de um

“campo discursivo” (FOUCAULT, 2012). Nesse movimento, ao investir em uma

“abordagem discursiva da História do Currículo e das Disciplinas”, passo a me

concentrar nas “formas normalizadoras de constituição da realidade definindo

quem ‘pode’ e quem ‘não pode’ dizê-los [os discursos] em determinadas

posições, tempos e contextos” (FERREIRA, 2013, p. 83). Ao analisar os

sentidos de conhecimento historicamente produzidos na formação de

12

GOODSON, I. F. Currículo: Teoria e História. Petrópolis: Vozes, 1995a. 13

Ivor Goodson (1995) toma a expressão “tradição inventada” do trabalho de Eric Hobsbawm (2002). Segundo o historiador, essa expressão refere-se a “um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado” (HOBSBAWM, 2002, p. 09).

20

professores em Ciências Biológicas, busco compreender relações históricas,

de práticas concretas que estão vivas nesse discurso. Entendo, portanto, ao

lado de Ferreira (2013, p. 84, grifo da autora), que, ao assumir a perspectiva

discursiva, “são os padrões discursivos – e não as ações dos sujeitos – que

passam a ser entendidos como regimes de verdade a serem

‘desnaturalizados’”.

Como já anteriormente explicitado, nas produções recentes do ‘Grupo de

Estudos em História do Currículo’, temos buscado produzir uma abordagem

discursiva para a História do Currículo e das Disciplinas, interessando-nos, em

particular, pela relação entre conhecimento e poder. Em um dos primeiros

passos do grupo nessa perspectiva, Matos (2013) investigou, em sua

dissertação de mestrado, os sentidos de Educação Física produzidos e fixados

em disciplinas acadêmicas oferecidas no curso de Pedagogia da Universidade

Federal do Rio de Janeiro. O autor busca articular a História do Currículo e das

Disciplinas Escolares – com destaque para Ivor Goodson e Thomas Popkewitz,

assim como para Marcia Serra Ferreira e Elisabeth Macedo – com as

teorizações sociais do Discurso, “expondo suas relações e os debates

disseminados atualmente por esta hibridização” (MATOS, 2013, p. 8). Para

realizar essa tarefa, ele dialoga com a fase arqueológica de Michel Foucault

(2010 e 2012) e com alguns de seus interlocutores (FISCHER, 2001;

SOMMER, 2007; MACHADO, 2009), entendendo:

Os currículos como espaços discursivos nos quais múltiplas articulações vieram sendo sócio historicamente produzidas, em processos de significação permanentes, visando a hegemonização de certos sentidos em detrimento de outros (MATOS, 2013, p. 7).

Nesse sentido, o autor se esforça para elaborar uma espécie de

pesquisa “híbrida” (LOPES & MACEDO, 2002; JAEHN & FERREIRA, 2012)

entre a abordagem discursiva e as investigações curriculares de cunho

histórico, possibilitando a produção de um ‘olhar’ diferente para um ‘velho’

objeto. Em direção semelhante, outro estudo realizado no âmbito do ‘Grupo de

Estudos em História do Currículo’ que contribui para essa hibridização entre a

História do Currículo e das Disciplinas e a teorização social do Discurso, com

destaque para o diálogo que vimos estabelecendo com Foucault (2010 e 2012),

é a tese de doutorado de Vilela (2013, p. 1), que tem como objetivo

21

compreender a “condição epistemológica do conhecimento escolar em

Geografia”. Ela analisa livros didáticos recentes do Ensino Fundamental em

busca de enunciados que constituem esse discurso e que, nesse processo, são

‘entrelaçados’ a outros discursos. Partindo da hipótese de que a abordagem

regional constitui uma permanência no currículo dessa disciplina escolar, Vilela

(2013) também coloca em diálogo autores como Goodson (1995 e 1997),

Popkewitz (1994 e 2001) e Ferreira (2005, 2007 e 2014) com a fase

arqueológica de Foucault (1977, 1996 e 2010). Com base em Popkewitz (2001)

e Ferreira (2014), ela se contrapõe aos estudos que percebem o mundo de

forma dicotômica, produzindo categorias que se excluem mutuamente, ao

destacar que:

Os enunciados nos discursos se afirmam em meio à produção de “duplos” ou binários que colocam em polos distintos certas ‘verdades’, mas cujas estruturas “não parece[m] constituída[s] de separações, mas de um contínuo de valores” (POPKEWITZ, 2001, p. 48). (VILELA, 2013, p. 175)

Nesse mesmo movimento, Ferreira (2014) analisa como as disciplinas

escolares Ciências e Biologia vêm colocando as suas tradições curriculares em

diálogo com as questões da cultura. Optando por investigar produções

acadêmicas que, de forma explícita, se autodeclaram interessadas nessa

conversa, a autora se inspira em Popkewitz (2001) ao destacar que as relações

entre currículo e cultura têm sido elaboradas “em meio à construção de um par

binário que, ao mesmo tempo em que assume a ciência como uma produção

cultural, define e diferencia a cultura como o outro dessa relação” (FERREIRA,

2014, p. 199-200, grifo da autora). Esse tipo de análise, assim como aquela

realizada por Vilela (2013), fornece-me interessantes indícios para pensar as

relações entre o ‘tradicional’ e o ‘novo’ de forma complementar, relacional e

não dicotômica.

Em sintonia com Ferreira (2005 e 2007), Vilela (2013) esteve atenta aos

aspectos ligados à relação entre estabilidade e mudança curricular, buscando

compreendê-la em meio à noção de “regularidade discursiva” que, de acordo

com Foucault (2010, p. 163 apud VILELA, 2013, p. 27), “não se opõe à

irregularidade [...]; designa [...] o conjunto das condições nas quais se exerce a

função enunciativa que assegura e define sua existência”. Deve-se, então,

considerar que:

22

Todo enunciado é portador de uma certa regularidade e não pode dela ser dissociado. Não se deve, portanto, opor a regularidade de um enunciado à irregularidade de outro (que seria menos esperado, mais singular, mais rico em inovações), mas sim a outras regularidades que caracterizam outros enunciados (FOUCAULT, 2010, p. 163 apud VILELA, 2013, p. 27).

A autora destaca a potencialidade do referencial teórico adotado para

pensar o conhecimento escolar como discurso. No caso específico do

conhecimento escolar em Geografia, as análises empreendidas pela autora

permitiram afirmar que, “no jogo das relações discursivas, as inovações críticas

vão sendo combinadas com enunciados que ‘dizem’ lógicas tradicionais”

(VILELA, 2013, p. 176), possibilitando reconhecer essas lógicas tradicionais

como parte da regularidade do discurso. Dentro dessa perspectiva, a análise

“permitiu perceber que o novo nos discursos nada mais é do que o

deslocamento sutil de valores atribuídos entre os significados” (VILELA, 2013,

p. 177). Além disso, ela produziu um afastamento de perspectivas que

enxergam a mudança como uma ação de “sujeitos conscientes e autônomos”,

aproximando-se daquelas que compreendem “as produções discursivas como

possibilidades de afirmação de verdades relativas e contingentes, que se

constroem por meio de relações em que o poder está sempre colocado”

(VILELA, 2013, p. 178, grifo da autora).

Destaco, por fim, ainda em meio aos estudos elaborados no âmbito do

‘Grupo de Estudos em História do Currículo’, as contribuições da tese de

doutorado de Fonseca (2014), na qual a autora focaliza a história da disciplina

acadêmica Didática Geral na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da

Universidade do Brasil, atual UFRJ, no período entre 1939 e 1968. Tendo como

objetivo entender a prática discursiva construída e que tem “objetivado a

referida disciplina como central na formação inicial de professores, em nível

superior, no Brasil, produzindo uma tradição da mesma como o espaço

integrador dos estudos pedagógicos” (FONSECA, 2014, p. 2), a pesquisa trilha

caminho semelhante ao de Ferreira (2013), Matos (2013) e Vilela (2013) ao

articular as contribuições teóricas do campo do Currículo e, mais

especificamente, dos estudos em História do Currículo e das Disciplinas

formuladas por Goodson (1997, 2001, 2005, 2007a e 2007b), Popkewitz (1997,

23

2001 e 2010), Chervel (1990), Ferreira (2005, 2007, 2008 e 2013), Lopes

(2000, 2006, 2008 e 2009) e Moreira (2004, 2005 e 2006) com a fase

arqueológica de Foucault (2009 e 2012). Em sua análise, Fonseca (2014)

aponta enunciados presentes no discurso pedagógico dos anos de 1920/30

que possibilitaram a emergência da disciplina acadêmica Didática em um certo

tempo histórico e em uma instituição específica. Para a autora, a perspectiva

foucaultiana da análise do discurso possibilitou:

Entender como foi possível emergir no discurso pedagógico brasileiro a disciplina Didática Geral e compreender como se deu a sua objetivação, como foi possível construir uma cadeia enunciativa que possibilitou ser dito tudo o que se diz dela hoje, identificando as regularidades que se fazem presentes em seu discurso (FONSECA, 2014, p. 153).

Com o objetivo de ressignificar a noção de comunidade disciplinar

formulada por Goodson (1997) em perspectiva discursiva, Fonseca (2014)

utiliza a mesma com vistas a definir “os sujeitos falantes que ministram e

produzem conhecimentos autorizados a circular” (FONSECA, 2014, p. 76). Isso

significa entender a comunidade disciplinar não como o local de disputas entre

indivíduos e grupos, mas “como o lugar de sujeito ocupado na constituição dos

discursos disciplinares a serem produzidos e disseminados, em meio a regimes

de verdade presentes nas contingências históricas” (FONSECA, 2014, p.153).

Nesse movimento, a autora busca compreender o “processo de seleção de

conteúdos que vem objetivando a disciplina acadêmica investigada”

(FONSECA, 2014, p. 154).

Em busca de contribuir para a produção de uma abordagem discursiva

para a História do Currículo e das Disciplinas por meio do presente estudo,

associo-me a todos esses autores (FERREIRA, 2013 e 2014; FONSECA, 2014;

MATOS, 2013; VILELA, 2013) em um empreendimento coletivo que vem sendo

elaborado no ‘Grupo de Estudos em História do Currículo’ com vistas a assumir

“os currículos e as disciplinas acadêmicas e escolares como produções

discursivas” (FERREIRA, 2013, p. 82). Concordo com eles quando, nesse

movimento, colocam em diálogo as ideias de Ivor Goodson e Thomas

Popkewitz para se pensar os currículos e as disciplinas, apesar das

perspectivas teóricas diferenciadas de ambos os autores. Afinal, de acordo

com Jaehn & Ferreira (2012), Goodson utiliza a noção de currículo associada

24

ao controle social, enquanto Popkewitz articula currículo e regulação social:

Para o primeiro, a “forma curricular” é a expressão das relações entre conhecimento e poder que produz controle social a partir de uma noção global de controle; para o segundo, o currículo constitui regulação social porque mobiliza os elementos ativos de poder presentes em cada um/a, que são disciplinados e produzidos social e historicamente (JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 269).

Ressalto, no entanto, ao lado de Jaehn & Ferreira (2012), que tanto Ivor

Goodson quanto Thomas Popkewitz estão interessados na relação entre

conhecimento e poder. Elas também destacam que o conceito de história de

ambos os autores tem um aspecto central e convergente que se relaciona “ao

aspecto contingente da escolarização e que os aproxima no modo como

compreendem a mudança curricular” (JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 261).

Afinal, para eles, a reforma curricular não é um sinônimo de avanço em relação

ao passado; ela frequentemente inclui aspectos progressivos e regressivos, de

acordo com o contexto histórico nas quais emerge (GOODSON, 1999;

POPKEWITZ, 1997 apud JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 261).

Assim, a partir das reflexões propostas por Ferreira (2013 e 2014),

Fonseca (2014), Jaehn & Ferreira (2012), Matos (2013) e Vilela (2013),

permaneço interessada em utilizar elementos importantes das perspectivas de

ambos os autores – Ivor Goodson e Thomas Popkewitz – para uma melhor

compreensão da trajetória do currículo do curso de formação de professores

em História Natural/Ciências Biológicas da UFRJ, “ampliando, dessa forma, o

leque de possibilidades da análise histórica do currículo” (JAEHN &

FERREIRA, 2012, p. 269). Concordo com Vilela (2013) quando destaca que as

contribuições do Goodson (1995 e 1997) nos auxiliam a pensar sobre a

atuação de grupos externos dentro das comunidades acadêmicas na

construção curricular, “vendo o currículo como um artefato social e como arena

política” (VILELA, 2013, p. 38), enquanto Popkewitz (1994 e 2001) me ajuda a

compreender a lutas políticas no nível do discurso, entendendo o currículo

como “efeitos de poder”. Afinal, quando se faz história de um currículo, devem-

se compreender as regras que levam a que:

Determinadas coisas sejam consideradas verdadeiras, enquanto outras são desautorizadas e denominadas falsas, compreendendo tal processo como permeado por relações de poder e não como resultado de uma dada realidade

25

(FONSECA, 2014, p. 51, grifos da autora).

No diálogo com Popkewitz (1997, 2001, 2008) – autor que assume a

“virada linguística” a partir de interlocuções, principalmente, com Michel

Foucault –, me volto para os processos de regulação social e de normalização

do professor de Ciências e Biologia no período estudado. Afinal, para ele, os

currículos incorporam “formas particulares de agir, sentir, falar e 'ver' o mundo”,

e tais formas não pertencem a um único sujeito, mas são o resultado de

“espaços discursivos” (POPKEWITZ, 2008, p. 174). Nesta perspectiva, “o

sujeito é deslocado do centro – como categoria de ator e agência, elemento

ativo da ação humana e, portanto, o sujeito constituidor do mundo”, e o foco se

volta para a “linguagem e suas formas normalizadoras de constituição da

realidade” e da formação do ‘eu’ em um “processo de autodisciplina e não mais

a partir de um poder soberano” (JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 262). Em tal

investigação, interessa-me, portanto, o quanto as regras e os padrões

discursivos ‘produzem’ os professores de Ciências e Biologia, no período

investigado, em uma visão de “poder que, [se] na modernidade, era visível,

passa a ser exercido de modo disciplinar, invisível e internalizado, através das

tecnologias normalizadoras do ‘eu’” (JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 263).

De acordo com Popkewitz (2008), o currículo cria uma regulação ao

impor regras e padrões, através do conhecimento presente neles, produzindo

concepções do eu e formas de interagir com o mundo. No caso desse estudo,

entendo a formação inicial de professores criando normas e padrões

discursivos de “como” ensinar ciências, sendo o currículo constituidor de

identidades. Nesse contexto, as tecnologias do “autoconhecimento”, da “auto

realização” e da “autovalorização” envolvem técnicas nas quais professores e

alunos são supervisionados, ao mesmo tempo em que se tornam supervisores

(POPKEWITZ, 2001, p. 135). Ou seja, “qualquer processo de formação de

professores se estrutura, portanto, como uma relação de poder; isso significa

que ele é da ordem do governo, da condução de condutas e o qualifica a

conduzir outras condutas” (COUTINHO & SOMMER, 2011, p. 98). Nele, o

professor se apropria de práticas e de saberes que fazem a mediação com ele

mesmo, de modo a direcionar a sua conduta como um ‘bom’ profissional na

sua área de atuação.

26

Em meu diálogo com Foucault, considerando a complexidade de sua

obra, o interesse do ‘Grupo de Estudos em História do Currículo’ e a minha

identidade de pesquisadora iniciante, busco suas reflexões acerca do método

arqueológico especialmente no livro ‘A Arqueologia do saber’ (2012). De

acordo com Machado (2007, p. 143), um importante estudioso da obra de

Foucault, essa obra apresenta um caminho metodológico para compreender as

regras que possibilitam a construção discursiva de um determinado saber. Ou

seja, ela possibilita compreender a constituição de um discurso, apontando

“porque não poderia ser outro, como exclui qualquer outro, como ocupa, no

meio dos outros e relacionado a eles, um lugar que nenhum outro poderia

ocupar” (FOUCAULT, 2012, p. 31). Nesse sentido, podemos entender que:

O uso da palavra arqueologia indica que se trata de um procedimento de escavar verticalmente as camadas descontínuas de discursos já pronunciados, muitas vezes de discursos do passado, a fim de trazer à luz fragmentos de ideias, conceitos, discursos já esquecidos. A partir desses fragmentos – muitas vezes aparentemente desprezíveis – pode-se compreender as epistemes antigas ou mesmo a nossa própria epistemologia e entender como [e logo em seguida porque] os saberes apareciam e se transformavam (VEIGA-NETO, 2007, p. 45-46 apud FONSECA, 2014, p. 66).

Segundo Fonseca (2014), o próprio Foucault se questiona sobre o que o

seu método arqueológico oferece de diferente em relação a outras

metodologias. Buscando responder a esse questionamento, o autor recusa

definições ‘prontas’ e apresenta alguns indícios do que seria a sua análise

arqueológica, tais como: “os discursos como práticas que obedecem a regras”;

a dificuldade de “definir os discursos em sua especificidade, mostrando o jogo

das regras que são utilizadas e realizando uma análise diferencial das

modalidades de discurso”; a definição de “tipos e regras de práticas discursivas

que atravessam obras individuais”; e a arqueologia como uma “descrição

sistemática de um discurso objeto” (FONSECA, 2014, p. 67).

Compreendendo a arqueologia de Foucault como um estudo de práticas

discursivas, vejo o discurso não só como algo “que se traduz em lutas ou os

sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual

nós queremos apoderar” (FOUCAULT, 2010, p. 10). Nesse sentido, busco

entender como sentidos de conhecimento foram sendo produzidos no curso

investigado. Afinal, em meio a um novo currículo, diferentes enunciados foram

27

“produzindo e hegemonizando sentidos de ensinar e aprender” (FERREIRA,

2014, p. 191) no âmbito de uma comunidade científica heterogênea, informada

pelos seguintes discursos: o de uma Biologia moderna e unificada, com o viés

da Evolução; o de renovação do ensino de Ciências, tendo o método

experimental como a “nova forma” de ensinar e aprender; o de renovação da

Educação tanto no ensino superior quanto na Educação Básica no país, com

fortes influencias de agências estrangeiras. Nesse processo, certos sentidos de

conhecimento acadêmico “adquiriram valor de verdade [em detrimento de

outros] e passaram a nos constituir como professores de Ciências e Biologia,

regulando as nossas formas de ver o mundo, a educação e a nós próprios”

(FERREIRA, 2014, p. 191, grifo da autora).

Segundo Foucault (2012), dentro de um mesmo campo discursivo – no

caso desse estudo, o ensino de Ciências e Biologia – há um conjunto de regras

que determinam o que o autor chama de ‘formação discursiva’. Essas regras

“disciplinam objetos, tipos enunciativos, conceitos e temas, caracteriza o

discurso como regularidade e delimita a ‘formação discursiva’” (MACHADO,

2012, p. 146). Machado (2012, p. 150), analisando a obra de Foucault com

ênfase na fase arqueológica, destaca que “a análise das formações discursivas

é uma descrição de enunciados”. Segundo ele, o autor em questão define

“enunciado como uma função vazia onde diferentes sujeitos podem vir a tomar

posição” (MACHADO, 2012, p. 151). Assim:

Se uma proposição, uma frase, um conjunto de signos podem ser ditos ‘enunciados’ não é portanto na medida em houve, um dia, alguém para proferi-los ou para depositar em algum lugar seu traço provisório; é na medida em que pode ser assinalada a posição do sujeito (FOUCAULT, 2012, p. 116).

Inspirada nesse debate, não busco no currículo de formação de

professores aqui investigado focalizar as ações particulares de determinados

sujeitos no contexto da reforma; diferentemente, foco nos resultados das

formações discursivas articuladas com o político, o social e o econômico que

construíram esse currículo. Para realizar tal tarefa, apoiando-me na fase

arqueológica de Foucault, entendendo que a instituição constitui a

materialidade do que é dito, ou seja, que a materialidade de um enunciado é da

ordem do institucional (MACHADO, 2012). Nesse movimento, o enunciado

possibilita que “um conjunto de signos [...] se relacione com um domínio de

28

objetos e, receba um sujeito possível, coordene-se com outros enunciados e

apareça como um objeto, isto é, como materialidade repetível” (MACHADO,

2012, p. 152). Ao analisar um currículo, enxergo nele a materialidade de

determinados enunciados se relacionando e regulando os sujeitos em

formação no período investigado.

De acordo com Foucault (2012), um enunciado não pode existir

isoladamente, mas, para ele se constituir, é necessário que esteja integrado a

um conjunto de enunciados, ou seja, dentro de um campo onde esse

enunciado é possível e que, dessa forma, caracteriza um determinado tipo de

discurso. Logo, o discurso é um conjunto de regras marcado por um sistema de

relações, que o constituem como prática. Considerar o discurso como prática

discursiva significa defini-lo, então:

Como um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, em uma dada época e para uma determinada área social econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 2012, p. 143-144).

Rosa Fischer (2001) entende que os discursos nos constituem, nos

subjetivam e nos dizem ‘o que dizer’ e tudo isso envolve relações de poder. Os

enunciados proclamados por sujeitos estão imbricados de relações de poder

que constituem um regime de verdade. Além disso, “o discurso, de modo geral,

(re)produz e (re)introduz enunciados provenientes de diferentes instâncias

sociais e culturais” (ANDRADE, 2012, p. 177). Ou seja, ninguém entrará na

ordem do discurso se não satisfizer a certas “regras” ou se não for qualificado

para fazê-lo. Assim, ao estudar o currículo em questão, pretendo construir uma

História do Currículo que faça “uma descrição dos acontecimentos discursivos

como horizonte para a busca das unidades que aí se formam” (FOUCAULT,

2010, p. 30 apud FERREIRA, 2013, p. 9) e que são produtoras de

regularidades discursivas. O autor defende a ideia de que entre os discursos há

relações e dependências que possibilitam “transformações conceituais,

emergências de noções inéditas, atualização de técnicas” (FOUCAULT, 2012,

p. 166), possibilitando a identificação de inovações, homogeneidades e

regularidades que podem ser identificados no discurso sobre a formação de

professores de Ciências Biológicas, nos diferentes momentos históricos do seu

currículo de formação da UFRJ.

29

Afinal, ainda que problematizando a constituição de relações causais

e/ou deterministas, percebo que “a História permanece interessada na

descrição de distintos tipos de acontecimentos em séries definidas que se

sucedem, se sobrepõem e, simultaneamente, se entrecruzam” (FOUCAULT,

2010 apud FERREIRA, 2013, p. 9). É em meio a essa perspectiva que

apresento o modo como analiso as fontes de pesquisa desse estudo.

Análise das fontes de pesquisa

Em diálogo com os referenciais anteriormente explicitados e

investigando variadas fontes de estudo, identifico-me como uma pesquisadora

bricoleur, ou seja, como uma espécie de “organizadora” de diferentes

perspectivas, com o objetivo de situar os ‘sujeitos’ de minha pesquisa em meio

a textos reflexivos. Nesse sentido e para alcançar os objetivos deste estudo,

utilizo uma variedade de estratégias, de métodos e de materiais empíricos, de

forma que seja possível “encaixar” a pesquisa em uma situação específica e

complexa e podendo, desse modo, criar algo ‘novo’.

Nesse movimento, não busco uma ‘verdade’ dos fatos, assim como o

meu objetivo não é identificar e nem valorizar um determinado sujeito ou

instituição, mas sim focar nos discursos que circulavam no período estudado,

buscando compreender como sentidos de conhecimentos foram sendo

produzidos no âmbito do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas recém

criado. Como já destacado, utilizo Foucault (2010, p. 10) para entender

discurso não só como algo “que se traduz em lutas ou os sistemas de

dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos

queremos apoderar”. Nessa perspectiva, a verdade é uma criação. Não existe

verdade, portanto, mas sim ‘regimes de verdades’, que sugerem visões de

‘verdade’, usadas de forma a controlar e regular quem somos e o que

sabemos, estando presentes em determinados períodos em nossa sociedade.

Jennifer Gore (1994), apoiada em Foucault, desenvolve essa questão

argumentando que cada sociedade tem o seu ‘regime de verdade’.

Objetivamente, isso significa que determinados discursos são aceitos e, por

isso, ditos como verdadeiros, possuindo “mecanismos e instâncias” que

30

diferenciam sentenças verdadeiras de falsas, “os meios pelos quais cada um

deles é sancionado”, além de “técnicas e procedimentos” que são valorizados

na “aquisição da verdade” e o status dos que estão encarregados de dizer

essas ‘verdades’ (FOUCAULT, 1980 apud GORE, 1994, p. 10). A autora

destaca que não é apenas para os discursos dominantes nas diferentes

sociedades que é possível falar de ‘regimes de verdade’. Se o poder e a

verdade estão “‘ligados numa relação circular’, se a verdade existe numa

relação de poder e o poder opera em conexão com a verdade, então todos os

discursos podem ser vistos funcionando como regimes de verdade” (GORE,

1994, p. 10).

Assim, ao focalizar um currículo específico, em uma determinada

instituição, busco uma reconstrução que é, simultaneamente, individual e

coletiva. Meu interesse está em uma instituição, que devido à posição que

ocupa, está autorizada a construir ‘regimes de verdade’, assumindo assim, um

lugar de sujeito. De acordo com a análise de Gore (1994, p. 13, grifo da

autora), os estudos de Foucault abordam “‘mecanismos’ que constroem

instituições e experiências institucionais e não sobre as pessoas no interior

dessas instituições”. Afinal, o autor focou nas instituições para investigar suas

doutrinas, enumerando e catalogando suas práticas, mostrando suas

tecnologias (BARRET-KRIEGEL, 1992, p. 193-194 apud GORE, 1994, p. 13).

Nessa pesquisa, não busco, portanto, no currículo da formação de

professores nas Ciências Biológicas, formas particulares de determinados

sujeitos que estiveram no centro de uma reforma. Diferentemente, apoio-me

em Paraíso (2012, p. 29) para compreender esses sujeitos como “efeito das

linguagens, dos discursos, dos textos, das representações, das enunciações,

dos modos de subjetivação, dos modos de endereçamentos, das relações de

poder-saber”. Ainda de acordo com a autora, o sujeito centro do pensamento e

ação não cabe mais nas pesquisas pós-críticas. Foucault, ao longo de sua

obra, questiona essa posição do sujeito dado, pronto, e passa a entender esse

sujeito como “aquilo que dele se diz” (PARAÍSO, 2012, p. 29).

Logo, o que pretendo com esse estudo é acionar os resultados das

formações discursivas articuladas com o político, o social e o econômico que

construíram esse currículo, resultado da uma subjetividade produzida por

diferentes experiências, textos, linguagens e vivências de diferentes sujeitos.

31

Apoio-me em Popkewitz (2008, p. 195) quando ele não abandona

completamente o papel humano na abordagem histórica, mas, agora, esse

‘sujeito’ não mais ocupa o papel central da interpretação. Para o autor, de

acordo com Fonseca (2014, p. 51), esse tipo de investigação fundamenta-se na

ideia de “compreender como, ao longo de diferentes períodos da história,

distintas práticas sociais e institucionais tecem a constituição dos sujeitos”.

Afinal, a emergência desse novo currículo do curso de formação de

professores em questão ocorreu entrelaçada por diferentes discursos, dentre

os quais destaco: o de uma Biologia moderna e unificada, com o viés da

evolução; o de renovação do ensino de Ciências, tendo o método experimental

como a “nova forma” de ensinar; o de renovação da educação brasileira tanto

no ensino superior quanto na educação básica, com fortes influencias de

agências estrangeiras. Todos esses discursos foram produzindo e

hegemonizando sentidos de ensinar e aprender que adquiriram valores de

verdade, em detrimentos de outros significados, que foram perdendo força.

Esses sentidos passaram a constituir o professor de Ciências e Biologia,

regulando a forma de ver o mundo e a educação desses professores.

É no âmbito dessa perspectiva que escolho as seguintes fontes de

estudo, entendendo-as como superfícies textuais que me permitem investigar

os sentidos de conhecimento produzidos na formação de professores em

Ciências Biológicas, em meio a reforma curricular ocorrida, no final dos anos de

1960, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ):

a. Atas dos Concursos de Acesso ao Curso de História Natural (1955 até 1962).

b. Lei nº 4.024 (1961);

c. Documenta 10 do Conselho Federal de Educação (1962);

d. Documenta 34 do Conselho Federal de Educação (1965);

e. Lei nº 5.540 (1968);

f. Currículo Mínimo dos cursos superiores, produzido pelo Conselho

Federal de Educação (1968/69);

g. Documenta 111 do Ministério de Educação e Cultura (1970);

h. Estatuto do Conselho Federal de Educação aprovado pelo Decreto nº

66.536 (1970);

i. Regimento do Instituto de Biologia aprovado pelo Conselho Universitário

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1971);

32

j. Discurso da Diretora na festa de comemoração dos 40 anos do Instituto

de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2008).

Além desses documentos, produzi três entrevistas semiestruturadas com

professores e estudantes que vivenciaram o curso no período investigado. Ao

lado de Ferreira (2005), penso que a inclusão das entrevistas me permite o

acesso a uma memória oral não arquivada, como também a busca por

superfícies textuais guardadas em arquivos pessoais dos profissionais com

quem conversei. Investi na busca de sujeitos que ocuparam diferentes

posições, no período em questão, na instituição já mencionada:

a. Uma professora formada no curso de História Natural da antiga FNFi,

tendo concluído a graduação em 1952. Posteriormente, atuou como

professora da Instituição, fazendo parte do quadro de docentes da

universidade no período de transição do currículo investigado;

b. Uma aluna do curso de História Natural da FNFI, turma de 1965;

c. Uma aluna da primeira turma do curso de Ciências Biológicas, já no

recém criado Instituto de Biologia da universidade (1969).

A análise de tais fontes de estudo – tanto as escritas quanto as orais –

foi conduzida buscando problematizá-las, compreendendo-as como superfícies

textuais que foram produzidas em meio a relações de poder. Afinal, em ambos

os casos, houve ‘seleções’ que permitiram o arquivamento de alguns

documentos ou de algumas memórias em detrimento de outros/as. Além disso,

no que se refere às entrevistas, para Andrade (2012, p. 174, grifos do autor),

“narrar um fato não é apenas recordar ou retomar o passado; a recordação

‘implica um certo sentido do que somos’”. A autora concorda com Larrosa

Bondía (1994, p. 68 apud ANDRADE, 2012, p. 174) quando destaca que:

A recordação não é apenas a presença do passado. Não é uma pista ou um rastro, que podemos olhar e ordenar como se observa e se ordena um álbum de fotos. A recordação implica imaginação, implica um certo sentido do que somos, implica habilidade narrativa.

É por meio das narrativas dos meus entrevistados e da documentação

investigada que reconstruo, portanto, as significações que produzem o

currículo da formação inicial de professores em uma área específica – as

Ciências Biológicas –, na instituição e no período investigado. Na perspectiva

33

aqui adotada, como já explicitado, não busco elaborar uma reconstituição

‘verdadeira’ dos fatos, mas produzir uma interpretação das mudanças ocorridas

esse currículo em meio a novos discursos científicos e educacionais. Na

análise das fontes, é possível observar a confluência dos múltiplos discursos

que agem sobre os sujeitos, em meio às relações de saber-poder. No caso

específico das entrevistas, Andrade (2012, p. 176) destaca que:

As histórias narradas nas entrevistas não são dados prontos ou acabados, mas documentos produzidos na cultura por meio da linguagem, no encontro entre pesquisadora e sujeitos da pesquisa; documentos que adquirem diferentes significados ao serem analisados no contexto de determinado referencial teórico, época e circunstância social e cultural.

Minha opção por fontes diversificadas tem como objetivo, então, ampliar

as possibilidades de investigação dos discursos que vieram produzindo,

historicamente, o ensino e o professor de Ciências e Biologia no ‘novo’ curso

da UFRJ, em um movimento no quais documentos e entrevistas não

representam uma realidade essencializada e exterior ao processo de

investigação, mas permitem significá-la de maneira multifacetada e complexa.

Essa triangulação configura-se como um diálogo, uma articulação entre as

diferentes fontes. Entendo que todos esses textos selecionados me

possibilitam acessar uma diversidade de sentidos de conhecimento que

produziu a (e foi produzido pela) comunidade disciplinar que informa o curso

investigado, em um movimento no qual, de acordo com Foucault (2010), as

falas dos sujeitos e os textos são produções discursivas que devem ser

compreendidos “como monumentos, isto é, em sua espessura própria, na

materialidade que os caracteriza” (MACHADO, 2009, p. 154). Nessa

perspectiva, o que me interessa é menos a obra e a autoria, e mais o que

Foucault (2010) define como a “positividade dos discursos, operando sobre os

ditos, a superfície dos textos, descrevendo os enunciados a partir de seus

acúmulos e suas exterioridades, e não a partir de qualquer fundamento

transcendental e/ou lógica interna” (FERREIRA, 2013, p. 11). Nessa

perspectiva, as disputas no campo do Currículo não se dão somente entre

sujeitos que ‘falam’, mas estão sendo disputadas na materialidade dos textos,

no âmbito do discurso. De acordo com Jaehn (2011, p. 179), no diálogo com

34

Thomas Popkewitz, esse é um modo instigante de investigar os currículos

focalizando as relações entre saber-poder. Afinal,

Popkewitz (1997, 2001, 2008) sugere que ao estudar a forma como o poder se relaciona ao conhecimento podemos considerar as regras e os padrões dos textos como uma prática social, material e política, se ocupando, ao mesmo tempo, com as condições históricas dentro das quais predominam determinados discursos. Este modo de estudar o conhecimento e o poder se vincula a uma visão de epistemologia social, concepção que enfatiza a implicação relacional e social do conhecimento (JAEHN, 2011, p. 179).

Com tal perspectiva, interessa-me compreender as relações entre as

enunciações de diferentes tempos e lugares, a subjetivação desse discurso,

quem está nesse discurso autorizado e as relações de poder que o movem.

Procurando analisar os enunciados que criam regras, que são produtores de

‘regularidades discursivas’, busco perceber o que estava na ordem do discurso

da formação de professores de Ciências e Biologia, na década de 1960/70, por

meio da análise do curso da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

35

Capitulo II.

Entre velhas e novas

tradições curriculares

36

ste capítulo tem como objetivo analisar quais sentidos de

conhecimento foram sendo produzidos em meio às ‘antigas’ e

‘novas’ tradições em disputa no campo científico, no ensino e

na formação de professores no currículo do curso da formação de professores

nas Ciências Biológicas, na década de 1960/70, na UFRJ. Interessa-me,

especialmente, compreender quais enunciados passaram a ser mais

fortemente ‘selecionados’ na composição do currículo do ‘novo’ curso, assim

como os que perderam força na substituição da História Natural pelas Ciências

Biológicas. Ao fazer uma analise dos enunciados, busco produzir uma

descrição de acontecimentos discursivos que formam unidades (FOUCAULT,

2010, p. 30) e que foram produzindo e hegemonizando sentidos de

conhecimento. A ideia é entender o que passou a estar na ordem do discurso

desse ‘novo’ curso, possibilitando a constituição do currículo em questão de

uma certa forma e não de outras.

Para realizar essa tarefa, analiso a legislação do período e os seguintes

documentos históricos e curriculares, produzidos em meio à reforma do curso:

Documento Órgão Gerador Ano

Atas dos Concursos de Acesso ao Curso de História Natural: de 1955 até 1962.

Faculdade Nacional de Filosofia

1955-1962

Lei nº 4.024 - Diretrizes e Bases da Educação Poder Legislativo 1961

Documenta 10: Parecer nº 315/6214 – Currículo Mínimo da História Natural

Conselho Federal de Educação

1962

Documenta 34: Parecer nº 81/65 – Licenciatura de Ciências para o 1º Ciclo

Conselho Federal de Educação

1965

Currículo do Curso de História Natural: Bacharelado e Licenciatura – Aprovado pelo Parecer nº 280/65 do CFE

Faculdade Nacional de Filosofia

1965

Lei nº 5.540 Poder Legislativo 1968

Currículo Mínimo dos Cursos Superiores – Parecer nº 107/69

Conselho Federal de Educação

1968/69

Documenta 11: Parecer nº 107/69-70 – Currículo Mínimo dos Cursos de História Natural e de Ciências Biológicas

Ministério de Educação e Cultura

1969/70

Estatuto do Conselho Federal de Educação – Decreto nº 66.536, aprovados pelos Pareceres: 913/69, 914/69 e 525/69

Poder Executivo 1970

Regimento do Instituto de Biologia – Aprovado pelo Conselho Universitário

Instituto de Biologia da UFRJ

1971

14

Ao longo dos documentos analisados há uma divergência quanto ao número do Parecer. No ‘Documenta 10’ de dezembro de 1962, que institui o currículo mínimo da História Natural, o número do Parecer é 315. Em outros documentos investigados do Conselho Federal de Educação, esse mesmo Parecer aparece com o número 325.

E

37

Discurso da Direção do Instituto de Biologia na festa de comemoração dos 40º aniversário do Instituto15.

Instituto de Biologia da UFRJ

2008

Tabela 1

Além dos documentos citados, utilizo como fontes de estudo a

transcrição de três entrevistas semiestruturadas realizadas com os seguintes

professores e estudantes, que ocuparam diferentes posições de sujeito16:

Posição Ocupada Trajetória Pessoal

Professora

Formada no curso de História Natural da antiga FNFi, concluiu a graduação em 1952. Posteriormente, atuou como professora da Instituição, fazendo parte do quadro de docentes da universidade no período de transição do currículo investigado.

Aluna 1 Aluna do curso de História Natural da FNFi, turma de 1965. Depois se afastou da área, cursando uma nova graduação.

Aluna 2

Aluna da primeira turma do curso de Ciências Biológicas, já no recém criado Instituto de Biologia da UFRJ, turma de 1969. Trancou a matrícula ainda no ano de 1969, retornando ao curso em 1971. Ingressou como professora na instituição no ano de 1977, onde permanece até os dias atuais.

Tabela 2

Inicio a análise focalizando a história do curso de História Natural da

universidade em questão até a sua transição para o curso de Ciências

Biológicas. Interessa-me, nesse momento, olhar para os enunciados que

deixaram de fazer parte do ‘novo’ curso, assim como aqueles que tiveram

‘força’ para permanecer, regulando essa formação inicial de professores. Para

realizar essa tarefa, utilizo a legislação do período relacionada à educação

superior e básica, além dos Pareceres do Conselho Federal de Educação que

determinaram os currículos mínimos dos cursos e suas atribuições.

O curso de História Natural/Ciências Biológicas e a formação de professores

O curso de História Natural da UFRJ tem suas origens na antiga

Universidade do Distrito Federal (UDF), criada em 1935 por Anísio Teixeira,

quando Secretário de Educação do governo de Getúlio Vargas. Influenciado

15

Disponível no endereço: http://www.biologia.ufrj.br/40anos_ib/DISCURSO.DIRETORA.DO.IB.DA.UFRJ.pdf 16

Ao fazer uma investigação que não prioriza o ‘sujeito’ humano e sim as formações discursivas articuladas com o político, o social e o econômico que construíram esse currículo, opto por tratar as minhas entrevistadas não pelo nome, mas pelas posições que ocuparam.

38

pela Escola Norte-Americana de Pedagogia, liderada pelo filósofo norte-

americano John Dewey, Anísio Teixeira cria a UDF com uma estrutura

considerada arrojada para a época, seguindo o lema de Dewey ‘escola

imitando a vida’ e com um olhar social, segundo Oswaldo Frota-Pessoa, aluno

da primeira turma do referido curso, em entrevista ao Museu da Vida/Fiocruz17.

Os dezoitos formados dessa turma foram nomeados, pela prefeitura do Distrito

Federal, professores. Porém, essa universidade tem uma curta duração, sendo

incorporada à Universidade do Brasil, atual UFRJ, em 1939 (ROMANELLI,

1997, p. 133). O curso passa a fazer parte da recém-criada FNFi, integrando a

“seção de ciências” que compreendia “seis cursos ordinários: a) curso de

matemática; b) curso de física; c) curso de química; d) curso de história

natural; e) curso de geografia e história; f) curso de ciências sociais”18.

A área das Ciências Biológicas foi regularizada no país somente em

1962, quando o Conselho Federal de Educação (CFE) fixou o Currículo Mínimo

de História Natural e a sua duração, através do Parecer nº 315/6219. A duração

do curso foi fixada em quatro anos letivos, sendo o currículo mínimo

estabelecido em:

1. Biologia (Citologia, Histologia, Embriologia e Genética);

2. Botânica (Morfologia, Fisiologia e Sistemática);

3. Zoologia (Morfologia, Fisiologia e Sistemática);

4. Mineralogia e Petrologia;

5. Geologia e Paleontologia;

6. Matérias Pedagógicas (de acordo com o Parecer nº 292/62)20.

De acordo com o Parecer nº 315/62, o curso destinava-se,

principalmente, a formação de professores para as escolas grau médios, que

eram subdivididas em dois ciclos: o ginasial de quatro anos e o colegial de três

anos, ambos por sua vez compreendendo o ensino secundário e o ensino

técnico (ROMANELLI, 1997, p. 181). O Parecer CFE nº 292/62 estabeleceu a 17

Entrevista concedida em duas etapas – a primeira feita por Bernardo Esteves, Ildeu de Castro Moreira e Luisa Massarani, em agosto de 2002, e a segunda por Bernardo Esteves e Carla Almeida, em junho de 2004. Disponível no endereço: http://www.museudavida.fiocruz.br/brasiliana/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=93&sid=31 18

BRASIL. Decreto-Lei nº 1.190, de 4 de abril de 1939. Dá organização à Faculdade Nacional de Filosofia (Art. 5º). 19

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 315, de 14 de novembro de 1962. Fixa o Currículo Mínimo e estabelece a duração do curso para a Licenciatura em História Natural. 20

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 292 de 14 de novembro de 1962. Informação acessada no endereço: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/028.pdf

39

carga horária das matérias de formação pedagógica, a qual deveria ser

acrescida aos que quisessem ir além do bacharelado. Esta duração deveria ser

de, no mínimo, 1/8 do tempo dos respectivos cursos e que, neste momento,

eram escalonados em oito semestres letivos e seriados. O Parecer também

definiu, pela primeira vez, a Prática de Ensino sob a forma de Estágio

Supervisionado como componente mínimo curricular obrigatório a ser cumprido

por todos os cursos de formação de professores da época21.

A origem do Parecer nº 315/62 está na atribuição ao CFE, através da

Lei nº 4.024/61 – Diretrizes e Bases da Educação22 –, Art. 9º (letra e), de

estabelecer a duração e o currículo mínimo dos cursos de ensino superior,

conforme o disposto no Art. 70º. O mesmo Art. 9º (letra e) também confere ao

CEF indicar disciplinas obrigatórias para os sistemas de ensino médio (Art. 35º,

parágrafo 1º). Essa medida ampliou a participação das ciências no currículo

escolar, que passaram a estar presentes desde o primeiro ano do curso

ginasial (FERREIRA, 2005). No curso colegial, houve também o aumento da

carga horária de Física, Química e Biologia. De acordo com Ferreira (2005, p.

119), o forte espírito liberal dessa legislação “se traduz tanto na divisão de

responsabilidades entre instituições públicas e privadas quanto na grande

flexibilidade curricular”, aspecto que possibilitou a nossa participação, de modo

mais efetivo, no movimento de renovação do ensino de Ciências. É nesse

contexto que, segundo Krasilchik (2000, p. 86), as disciplinas escolares em

ciências passam a assumir, mais centralmente, um discurso mais cientificista,

baseado no método científico, que estaria a serviço do desenvolvimento do

espírito crítico: “o cidadão seria preparado para pensar lógica e criticamente e

assim capaz de tomar decisões com base em informações e dados”.

Em 1965, com o aumento do número de disciplinas obrigatórias no curso

ginasial e a escassez de professores no Brasil, especialmente de Ciências, o

CEF, através de Parecer nº 81/6523, aprova a criação de três Licenciaturas,

conhecidas como ‘licenciaturas curtas’, destinadas à formação de professores

para o ciclo ginasial correspondente as seguintes áreas: Línguas; História e

21

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 292 de 14 de novembro de 1962. Informação acessada no endereço: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/028.pdf 22

BRASIL. Lei nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 23

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 81 de 12 de fevereiro de 1965. Fixa o currículo mínimo para a Licenciatura de Ciências.

40

Geografia e Organização Política e Social; e Ciências Fisicobiológicas e

Matemática. Cria-se, dessa forma, um professor polivalente que se justifica

devido a três aspectos: o professor do ginasial não deve ser um especialista; o

curso deve ser formativo, do ponto de vista pedagógico; devido ao problema da

falta de professores. Essas Licenciaturas tinham duração de três anos e

destinavam-se ao primeiro ciclo do grau médio e, na ausência de professores

com quatro anos de curso, aqueles formados nas licenciaturas curtas poderiam

atuar também no segundo ciclo, nas disciplinas estudadas no currículo. Os

seus licenciados poderiam, posteriormente, obter os créditos necessários à

Licenciatura que os habilitassem ao ciclo colegial ou superior.

A justificativa teórica do Parecer nº 81/6524 para a criação dessa

Licenciatura em Ciências deve-se ao fato de a disciplina Ciências Físicas e

Biológicas do ciclo ginasial abranger os campos da Física, Química e Biologia,

enquanto a formação estaria se dando apenas em uma das três áreas,

correspondente a formação inicial do professor. Afinal, desde a criação dessa

disciplina, na década de 1930, no texto da Reforma Francisco Campos, a sua

lógica era “iniciar os estudantes no estudo das ciências por meio de um ensino

integrado” (MARANDINO, SELLES & FERREIRA, 2009, p. 69). O CFE admite,

ainda, no mesmo Parecer, que esse não seria o regime ideal de formação, e

sim a criação de uma equipe de professores, cada qual encarregado da sua

parte do conteúdo curricular, o que se assemelharia a experiências existentes

em algumas escolas-modelo nos Estados Unidos. Tal funcionamento, no

entanto, não seria possível em nosso país devido a uma alarmante falta de

professores25.

A justificativa para a criação de uma Licenciatura em Ciências também

levou em conta aspectos pedagógicos, uma vez que, para levar ao aluno uma

“primeira visão científica do mundo”, seria importante a existência de um

“professor com formação global”26. É com esse tipo de consideração que o

Conselho Federal de Educação propõe o seguinte currículo mínimo:

1. Matemática;

24

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 81 de 12 de fevereiro de 1965. Fixa o currículo mínimo para a Licenciatura de Ciências. 25

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 81 de 12 de fevereiro de 1965. Fixa o currículo mínimo para a Licenciatura de Ciências. 26

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 81 de 12 de fevereiro de 1965. Fixa o currículo mínimo para a Licenciatura de Ciências.

41

2. Física (experimental e geral);

3. Química (geral, inorgânica e analítica, orgânica);

4. Ciências Biológicas (Biologia geral, Zoologia, Botânica);

5. Elementos de Geologia;

6. Desenho Geométrico;

7. Matérias pedagógicas (de acordo com o Parecer nº 292/62)27.

Assim, assumindo um discurso generalista para a disciplina escolar

Ciências, além da falta de professores para a área, a partir de 1965, o país

passou a contar com dois profissionais com formações diferentes para atender

a mesma demanda, qual seja, o ensino de Ciências no ciclo ginasial. O curso

de Licenciatura curta em Ciências e Matemática foi visto por alguns

profissionais ligados ao ensino de Ciências como um potencial espaço

formativo onde “poderiam defender as suas ideias de ciência integrada”

(AYRES et al., 2012, p. 54). Foi em meio a esses embates que o curso de

História Natural, no âmbito de disputas na própria ciência de referência, foi

dando lugar ao de Ciências Biológicas.

Contudo, o Parecer nº 81/6528 não encerra a legislação referente à

criação da Licenciatura curta em Ciências e Matemática. Na década seguinte,

de acordo com Lima-Tavares (2006), este curso de formação passa por uma

reconfiguração através da Resolução nº 30/7429, que determina o caráter

obrigatório único da Licenciatura curta em Ciências, implantado

progressivamente a partir de 1978. O curso tem como objetivo “o ensino da

respectiva área de estudo, predominante na escola de 1º grau, e habilitações

específicas em Matemática, Física, Química e Biologia, para o ensino das

correspondentes disciplinas, predominantes na escola de 2º grau” (CFE, 14 de

fevereiro de 1975 apud LIMA-TAVARES, 2006, p. 61). Com o objetivo de ter

uma ação mais efetiva para diminuir a carência de professores, que ainda se

mantinha significativa, esta resolução define a licenciatura curta como exclusiva

para aqueles que fossem ministrar aulas no ensino de 1º ciclo, diferente do

27

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 81 de 12 de fevereiro de 1965. Fixa o currículo mínimo para a Licenciatura de Ciências. 28

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÂO. Resolução nº 30 de 11 de Julho de 1974. Institui a Grade Curricular Mínima para as Licenciaturas em Ciências. 29

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÂO. Resolução nº 30 de 11 de Julho de 1974. Institui a Grade Curricular Mínima para as Licenciaturas em Ciências.

42

Parecer nº 81/6530, que disponibilizava uma opção de formação mais rápida.

Outra característica da Licenciatura curta definida na década de 1970 é a

fragmentação das áreas de conhecimento específicos na formação desse

professor. A formação organizada em habilitações (Física, Química, Biologia e

Matemática) permitia ao professor ministrar, nas áreas, os conhecimentos

referentes àquele campo do saber, produzindo uma outra identidade

profissional e, nesse contexto, outros modos de pensar o conhecimento.

A obrigatoriedade aumentou o debate em torno da criação da

Licenciatura curta em Ciências e Matemática e movimentou a comunidade

acadêmica, com alguns grupos defendendo e outros recusando o projeto

(AYRES et al., 2012, p. 63). A criação do curso em plena ditadura militar levou

a críticas impregnadas de discursos ideológicos, que percebiam esse projeto

como uma resposta “às exigências da industrialização do país, com o aumento

da escolarização da população trabalhadora, sem aumentar consideravelmente

os gastos com o setor” (AYRES et al., 2012 p. 56). No grupo que reconhecia a

identidade pedagógica da licenciatura curta estava o professor Oswaldo Frota-

Pessoa, que apesar de algumas críticas ao currículo da década de 1970,

afirma em um dos seus textos que “a doutrina do Parecer 30 é inatacável”

(FROTA-PESSOA, 1978, p. 118 apud AYRES et al., 2012, p. 63), no qual

afirma que essa formação prepararia melhor o professor para lidar com as

características do ensino do então primeiro grau. Tais enunciados foram

informando a formação de professores na área, colocando no centro dos

debates uma noção de integração que se afinava com discursos científicos

modernos, mais fortemente antenados com as Ciências Biológicas.

O primeiro currículo mínimo aprovado pelo Conselho Federal de

Educação para o ‘novo’ curso pleno de Ciências Biológicas foi no ano de 1964,

através do Parecer nº 30/64, a partir de uma solicitação da Universidade de

São Paulo31. O currículo teria como proposta adequar o ‘antigo’ curso de

História Natural às exigências da especialização e da demanda referente à

separação das áreas biológica e geológica32. A ideia foi conferir um destaque

30

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 81 de 12 de fevereiro de 1965. Fixa o currículo mínimo para a Licenciatura de Ciências. 31

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 30 de 11 de abril de 1964. Fixa o currículo mínimo de Ciências Biológicas para a formação em Bacharelado ou Licenciatura. 32

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO - SECRETARIA DE ENSINO SUPERIOR.

43

menor às Geociências, dando maior ênfase ao estudo das bases físicas e

químicas dos fenômenos biológicos, aspecto que o tornaria mais adequado à

formação de professores para o nível médio (ginasial e colegial).

Cinco anos mais tarde – isto é, em 1969 –, o Conselho Federal de

Educação cria uma comissão para revisar os currículos mínimos dos cursos

superiores no Brasil e, a partir do Parecer nº 107/69-7033, fixa o currículo

mínimo para o bacharelado e a licenciatura em Ciências Biológicas. O parecer

questiona a insistência de algumas faculdades em manter o curso de História

Natural, visto que ele não supre as demandas de ensino das Ciências Físicas e

Biológicas e da Iniciação às Ciências no primeiro ciclo. Afinal, tais disciplinas

exigiriam conhecimentos de Física, Química e Matemática, que estariam pouco

presentes nos cursos de História Natural, os quais estariam

“desnecessariamente’ sobrecarregados com o estudo das Geociências”34. A

crítica ao curso de História Natural vai além, portanto, da não formação

apropriada de professores; ela se estende ao próprio caráter de uma ‘nova’

formação científica, matematizada e com maior nível de especialização.

Observe o que é dito no Parecer nº 107/69-70:

O prestígio dos cursos de História Natural, tanto de licenciatura como de bacharelado, é ainda o reflexo do papel de indiscutível importância desempenhado no passado pelos “naturalistas” polivalentes, dedicados sobretudo à descrição dos fenômenos naturais, quando ainda não eram bem conhecidos os respectivos mecanismos físicos e químicos, nem se vinha aplicando tão amplamente quanto agora a análise matemática ao seu estudo. É a verdade que as fronteiras entre os vários ramos da ciência se estão apagando cada vez mais, o que coloca em maior voga os chamados “estudos interdisciplinares”. Mas, é também verdade que a rapidez como se vêm acumulando a informações de cunho científico, obriga a maior especialização. O próprio estudo interdisciplinar em cada área fronteiriça do conhecimento constitui-se em novas especialidades. Ora, as técnicas aplicadas ao estudo da grande maioria dos fenômenos biológicos diferem

Descrição da área e padrões de qualidade dos cursos de graduação em Ciências Biológicas.

Coordenação das comissões de especialistas de ensino: comissão de especialistas de ensino em Ciências Biológicas, 1997. Pode ser acessado em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/bio_pad.pdf 33

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 107 de 4 de fevereiro de 1970. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização de cursos de Ciências Biológicas. 34

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 107 de 4 de fevereiro de 1970. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização de cursos de Ciências Biológicas.

44

acentuadamente das que se adaptam ao estudo das geociências. Para a formação da maioria dos pesquisadores em biologia, de um lado, e em geociências, de outro já não cabe a conjugação das matérias oferecidas no bacharelado de História Natural. Nem será justo contra argumentar-se com base na orientação dos trabalhos da maioria de cientistas especializados, onde se encontram e até fundem os interesses da biologia com o das geociências.35

O parecer nº107/69-70 deixa clara a intenção do Conselho Federal de

Educação de separar, em cursos diferentes, as áreas Biológicas e das

Geociências, pautada em um discurso que afirma a não necessidade da

formação de naturalistas mediante um bacharelado em História Natural. Além

disso, defende o caminho da especialização ao orientar que ao menos uma

quarta parte da duração total dos cursos de bacharelado seja dedicada a um

dos grandes ramos das Ciências Biológicas – “Zoologia, Botânica, Genética,

Ecologia, Fisiologia Geral, Embriologia”, entre outras –, em consonância com

as exigências do mercado de trabalho. O documento reafirma, por fim, a

licenciatura em Ciências (licenciatura curta) como a que melhor atende ao

ensino das matérias do primeiro ciclo (ginasial), enquanto a licenciatura em

Ciências Biológicas viria a atender melhor as exigências de ensino da Biologia

no segundo ciclo (colegial).36 É nesse contexto que se sugere uma duração

mínima de 2.500 horas para a licenciatura em Ciências Biológicas, com o

seguinte currículo mínimo:

(a) Tronco comum à licenciatura e do bacharelado, modalidade médica,

com as matérias – Biologia Geral (incluindo Citologia, Genética,

Embriologia, Evolução, Ecologia); Matemática Aplicada; Química e

Bioquímica; Física e Biofísica; Elementos de Fisiologia Geral e de

Anatomia e Fisiologia Humana;

(b) Para a licenciatura em Ciências Biológicas – As matérias do tronco

comum e mais: Zoologia (incluindo Morfologia, Morfogênese, Fisiologia,

Sistemática e Ecologia dos animais vertebrados e invertebrados);

Botânica (incluindo Morfologia, Fisiologia, Sistemática e Ecologia das

35

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 107 de 4 de fevereiro de 1970. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização de cursos de Ciências Biológicas. (ITEM B, grifos do documento). 36

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 107 de 4 de fevereiro de 1970. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização de cursos de Ciências Biológicas.

45

plantas e Botânica Econômica); Geologia (incluindo Paleontologia);

Matérias Pedagógicas, na forma do Parecer nº 107/69-70.37

Na próxima seção abordo características específicas do curso de

História Natural da UFRJ, entendendo o referido currículo como uma disputa do

âmbito do discurso, onde podem ser negociadas significações que geram

regularidades discursivas.

Sentidos de conhecimento no curso de História Natural

Para que a história natural aparecesse, não foi preciso que a natureza se adensasse, se obscurecesse e multiplicasse seus mecanismos, até adquirir o peso opaco de uma história que apenas se pode delinear e descrever, sem se poder medir, calcular nem explicar: foi preciso — e muito ao contrário — que a História se tornasse Natural (FOUCAULT, 2000, p. 175).

Os currículos de formação de professores, assim como os currículos

escolares, podem ser compreendidos como resultados de “lutas por

hegemonização de certos significados sobre 'o que' ensinar e 'como' fazê-lo na

escola e na universidade” (FERREIRA & GOMES, 2011, p. 7). Analisando os

currículos como espaços conflituosos de produção e de reprodução de valores

e normas, não é mais possível conceber o conhecimento como algo

‘naturalizado’ ou como formas ‘essenciais’ de ensinar ou aprender (FERREIRA

& GOMES, 2011, p. 7). A elaboração de currículo passa a ser visto como um

processo que legitima determinadas intenções educativas e gera recursos

específicos para a sua implementação (GOODSON, 1995 e 1997). É nessa

perspectiva que percebo as disputas em torno da significação de conhecimento

que vieram sendo historicamente travadas no curso de História Natural.

A epistemologia do termo ‘História Natural’, segundo Foucault em ‘As

Palavras e as Coisas’ (2000), remete-nos aos séculos XVI e XVII, quando o

que existia eram histórias sobre seres vivos, dos mais variados, contadas

individualmente e por autores diversos. De acordo com o autor, fazer História

era, nesse momento, criar um plano único de tudo aquilo que “se vê das coisas

37

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 107 de 4 de fevereiro de 1970. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização de cursos de Ciências Biológicas.

46

e de todos os signos que foram nelas descobertos ou nelas depositados”

(FOUCAULT, 2000, p. 176). Nesse contexto, fazer a história de um ser vivo,

seja ele uma planta ou um animal, era:

Dizer quais são seus elementos ou seus órgãos, quanto às semelhanças que se lhe podem encontrar, as virtudes que se lhe atribuem, as lendas e as histórias com que se misturou, os brasões onde figura, os medicamentos que se fabricam com sua substância, os alimentos que ele fornece, o que os antigos relatam dele, o que os viajantes dele podem dizer. A história de um ser vivo era esse ser mesmo, no interior de toda a rede semântica que o ligava ao mundo. A divisão, para nós evidente, entre o que vemos, o que os outros observaram e transmitiram, o que os outros enfim imaginam ou em que creem ingenuamente, a grande tripartição, aparentemente tão simples e tão imediata, entre a Observação, o Documento e a Fábula não existia (FOUCAULT, 2000, p. 176, grifos do autor).

Foucault (2000, p. 177), ao citar que “a história de um ser vivo era esse

ser mesmo”, aponta “que os signos faziam parte das coisas”, destacando que é

justamente na História Natural que “eles se tornam modos da representação”.

É nessa nova forma de produzir História que se separam as coisas – nesse

caso, os seres vivos – das palavras, e “as palavras que eram entrelaçadas ao

animal foram desligadas e subtraídas: e o ser vivo, em sua anatomia, em sua

forma, em seus costumes, em seu nascimento e em sua morte, aparece como

que nu” (FOUCAULT, 2000, p. 176-177). De acordo com esse autor:

A história natural encontra seu lugar nessa distância agora aberta entre as coisas e as palavras — distância silenciosa, isenta de toda sedimentação verbal e, contudo, articulada segundo os elementos da representação, aqueles mesmos que, de pleno direito, poderão ser nomeados. As coisas beiram as margens do discurso, porque aparecem no âmago da representação. Portanto, não é no momento em que se renuncia a calcular que se começa enfim a observar. Na constituição da história natural, com o clima empírico em que se desenvolve, não se deve ver a experiência forçando, bem ou mal, o acesso de um conhecimento que espreitava alhures a verdade da natureza; a história natural — eis por que ela apareceu precisamente nesse momento — é o espaço aberto na representação por uma análise que se antecipa à possibilidade de nomear; é a possibilidade de ver o que se poderá dizer, mas que não se poderia dizer depois, nem ver, a distância, se as coisas e as palavras, distintas umas das outras, não se comunicassem, desde o início, numa representação (FOUCAULT, 2000, p. 177).

47

Os cursos de História Natural foram produzidos em meio a essas

mudanças no discurso científico, em um entendimento de que as coisas

deveriam ser observadas para, então, serem nomeadas. Esse “clima empírico”

de que nos fala Foucault (2000, p. 177) pode ser evidenciado, portanto, no

currículo da formação de professores em História Natural da UFRJ, indicando-

nos caminhos para pensar os sentidos de conhecimento que vieram sendo

produzidos, desde a criação do mesmo em 1939, e que regulavam a formação

inicial de professores nas décadas de 1950/60. Ele se traduz, por exemplo, em

um caráter prático que pode ser observado no próprio concurso de acesso, que

era caracterizado por provas práticas/oral de História Natural, além da prova

teórica. Sem a exigência de disciplinas científicas consideras mais ‘exatas’ ou

‘duras’ como Física, Química e Matemática, no concurso também estavam

presentes, ao longo da década de 1950 e meados da década de 1960, as

disciplinas Português, Inglês e Francês, todas com provas escritas e orais.38

A valorização de áreas como Botânica e Zoologia, caracterizadas por

descrições detalhadas, coleções e classificações do mundo natural, também

nos fornece indícios da origem naturalista desse curso, como demostrado no

currículo de 196539. A sua organização se baseava em um bacharelado de três

anos, mais um ano de disciplinas pedagógicas, com as seguintes disciplinas:

38

UFRJ. Atas dos concursos de acesso ao curso de História Natural: de 1955 até 1962. Disponível a consulta em: Acervo do Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade (PROEDES), UFRJ. 39

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 280 de 10 de junho de 1965. Currículo do Curso de História Natural da Faculdade Nacional de Filosofia: Bacharelado e Licenciatura.

Currículo do Curso de História Natural da Faculdade Nacional de Filosofia: Bacharelado e Licenciatura – Aprovado pelo Parecer nº 280/65 do CFE.

1ª Série (1º ano)

1. Biologia Geral I: Fundamentos de Biologia Geral (dois períodos); 2. Botânica I: Morfologia, Fisiologia e Sistemática geral dos Vegetais I

(dois períodos); 3. Zoologia I: Morfologia, Fisiologia e Sistemática geral dos Animais I

(dois períodos); 4. Matemática I: Matemática para naturalistas (dois períodos); 5. Física I: Física para naturalistas (dois períodos); 6. Química I: Química para naturalistas (dois períodos); 7. Inglês Técnico I: optativa (dois períodos).

2ª Série (2º ano)

1. Biologia Geral II: Genética e Evolução I (dois períodos) 2. Botânica Geral II: Anatomia, Histologia e Fisiologia dos Vegetais

(dois períodos) 3. Zoologia Geral II: Morfologia e Sistemática gerais dos animais (dois

períodos) 4. Inglês Técnico II: optativa

3ª Série a) Disciplinas Permanentes:

48

Tabela 3

Esse “clima empírico” de observação dos seres vivos também se

explicita na fala da ‘professora’ entrevistada, assim como de uma das ex-

alunas do curso (a ‘aluna 1’). De acordo com ambas, nas disciplinas

relacionadas a áreas de Zoologia, Botânica, Genética, Geologia e Mineralogia,

as atividades práticas e de campo eram componentes curriculares importantes.

Com aulas que remetiam as raízes naturalistas europeias, especialmente a

francesa, o curso tinha “muita pratica e teoria”40 e era fortemente baseado em

descrições, uma vez que a linha francesa colocava, lado a lado, “o desenho, o

esquema, a elaboração desse desenho, inteiramente paralelo à informação”41.

O empenho dos professores em preparar essas aulas também está presente

nas falas das entrevistadas. Para elas, o curso tinha uma explícita preocupação

com a formação de cientistas ‘naturalistas’, já que nas aulas práticas não eram

utilizados somente materiais já colhidos e prontos; nelas, cada aluno aprendia

a “colher o material, incluir em parafina, usar o micrótomo [...] fazia a lâmina,

corava, fixava e ia olhar no microscópio”42. Era também bastante usual a

montagem de coleções, aspecto que marca a História Natural e estava

fortemente presente em disciplinas como Zoologia, Botânica e Mineralogia.

Apesar de uma preocupação com a formação do aluno para o mundo

científico, a pesquisa ainda estava em uma fase inicial – acompanhando a

situação da pesquisa científica no país –, participando dos processos que a

significavam naquele tempo histórico. Afinal, além de mudanças no próprio

entendimento do fazer científico, a primeira organização governamental para

40

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013. 41

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013. 42

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013.

(3º ano) 1. Anatomia e Fisiologia; 2. Inglês Técnico III: optativa.

b) Três ou mais disciplinas eletivas a escolha do estudante dentre as oferecidas anualmente pelos Departamentos de História Natural e de Educação.

4ª Série (4º ano)

1. Mineralogia (um período); 2. Petrologia (um período); 3. Geologia (um período); 4. Paleontologia (um período); 5. Inglês Técnico IV: optativa.

Observação: para a licenciatura se acrescem: a) Matérias Pedagógicas; b) Prática de Ensino.

49

fomentar esse tipo de atividade no Brasil só foi criada em 1951, com a lei de

criação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), que tinha como missão:

Promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica, mediante a concessão de recursos para a pesquisa, formação de pesquisadores e técnicos, cooperação com as universidades brasileiras e intercâmbio com instituições estrangeiras.43

No que se refere ao Departamento de História Natural da FNFi, assim

como diversas outras instâncias acadêmicas da universidade, este não oferecia

qualquer curso de pós-graduação e muitos dos seus professores possuíam

somente a graduação. O núcleo de Genética, coordenado pelo catedrático

Antônio Geraldo Lagden Cavalcanti, era o mais desenvolvido em relação à

pesquisa, aspecto que se relaciona à experiência que esse profissional adquiriu

com o pioneiro cientista russo Theodosius Dobzhansky em um curso oferecido

pela Universidade de São Paulo. Os conhecimentos e experiência adquiridos

fortaleceram a área da Genética Médica da FNFi, assim como a sua estrutura

de pesquisa.44 Na fala das entrevistadas, a força do núcleo de Genética e de

sua organização estrutural, tanto na área de ensino quanto na de pesquisa, é

recorrente, sendo atribuído a ele a responsabilidade por ter aberto o “primeiro

caminho da modernização biológica em termos de laboratório”45 no

departamento de Historia Natural. No que se refere ao ensino, a cadeira de

Genética também era marcada pelo alto nível de exigência e dificuldade, além

de suas aulas práticas, na qual os estudantes, segundo a ‘aluna 1’, tinham a

“obrigação de fazer aqueles cruzamentos das moscas, contar aquelas mosca

todas e fazer a estatística daquelas características e depois apresentar, fazer o

relatório. A gente tinha que fazer o relatório das coisas que fazia”.46

Se o discurso da Genética predominava na pesquisa e no ensino, isso

não ocorria com outros campos científicos. Nessa direção, um dos

questionamentos do Conselho Federal de Educação ao curso de História

Natural era o fato de os conteúdos de Física, Química e Matemática estarem

poucos presentes no mesmo. No caso da UFRJ, a observação da matriz

curricular permite-nos notar a presença de disciplinas dessas áreas do

43

A história de criação do CNPq. Disponível em: http://www.cnpq.br/web/guest/a-criacao 44

Discurso da Diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário da unidade, ocorrido em 2008. 45

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013. 46

Entrevista com a ‘aluna 1’, realizada em 21 de fevereiro de 2014.

50

conhecimento ao longo do primeiro ano da referida graduação. A importância

das mesmas é destacada nas entrevistas pelo fato de o curso de História

Natural atrair muitas mulheres que vinham do curso Normal, sem formação nas

áreas já mencionadas. Apesar de um discurso compartilhado por todas as

entrevistadas sobre a natureza ‘tediosa’ dessas disciplinas, elas são vistas

como ‘essenciais’ para a compreensão dos fenômenos biológicos. É o que

destaca a ‘professora’ entrevistada sobre a respiração na série animal: “é uma

das coisas mais lindas que existe, você trabalha osmose, trabalha toda a

química que você estudou, toda a física que você estudou”.47 A sua fala

explicita o quanto essas áreas serviam de base para a descrição de fenômenos

naturais, muito embora tivessem pouco prestígio e espaço na grade curricular.

Como já explicitado nesse estudo, outra área do conhecimento que era

alvo de críticas no currículo da História Natural é a das Geociências. Com

quatro disciplinas no curso da UFRJ – Mineralogia, Petrologia, Geologia e

Paleontologia –, a área contribuiria, segundo a ‘professora’ entrevistada, para a

integração dos diversos conteúdos que compunham o currículo por meio da

adoção de uma noção geográfica. De acordo com ela, os alunos saiam com

uma formação completa nessa área do conhecimento, tantos que muitos

alunos formados em História Natural foram, posteriormente, atuar como

professores em cursos ligados às Geociências48.

Assim, com um currículo no qual predominavam conhecimentos de

Zoologia, Botânica, Genética, Mineralogia e Geologia, integrados por essa

última área e impactado por uma perspectiva de pesquisa produzida no âmbito

da Genética Médica, a FNFi vai produzindo, historicamente, a formação de um

bacharel ‘naturalista’ que, após um ano de formação pedagógica, se tornava

professor. Tal formação, de acordo com a ‘professora’ entrevistada, presava

pela noção de conjunto dos fenômenos biológicos, apesar da estrutura em

cátedras e das complexas relações de poder entre esses docentes. Nesse

contexto, as relações entre os conteúdos eram vistas como um aspecto central

de uma boa formação, como demostra a fala dessa mesma ‘professora’:

“quando você ia para uma excursão de Geologia, o professor Tomaz Coelho

era incapaz de passar por nós um inseto e não classificá-lo, não dizer o que

47

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013. 48

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013.

51

era. Todos tinham muita cultura, era época dos catedráticos com cultura geral”.

É em meio a essa noção de conhecimento que o curso de História Natural se

extingue, em 1968, dando lugar ao curso de Ciências Biológicas no recém-

criado IB/UFRJ. Na próxima seção, apresento os sentidos de conhecimento

que foram produzidos nesse ‘novo’ curso no diálogo com as tradições da

História Natural que, em meio a complexas relações de poder, permaneceram

disputando “espaço, recursos e território” (GOODSON, 1995, p. 120).

Sentidos de conhecimento entre ‘velhas’ e ‘novas’ tradições no curso de Ciências Biológicas

A criação do curso de bacharelado e licenciatura em Ciências Biológicas

da UFRJ ocorreu, em 1969, em meio a um período de intensa efervescência

cultural e política no mundo, com reflexos no Brasil. O país vivia um período de

crise econômica pós-guerra, decorrente da diminuição da entrada de capital

externo, da redução dos índices de investimento e do crescimento da inflação.

Nesse contexto, o aumento das organizações sindicais e de estudantes que

reivindicavam reformas de base pôde repercutir de forma intensa no campo da

cultura e da educação (SHIROMA, MORAES & EVANGELISTA, 2007). Com a

ascensão do regime militar ocorrida na década de 1960, o processo em favor

dessas reformas foi interrompido e um poder executivo repressor passou a

controlar os sindicatos, os meios de comunicação e as universidades. Nesse

momento, uma das medidas tomadas por esse governo foi, por exemplo, o

desmembramento da FNFi, instituição que era considerada por muitos como

“um centro de resistência estudantil contra o regime militar”49.

A criação do IB/UFRJ se dá, então, em meio a esse contexto – isto é, a

partir do desmembramento da FNFi –, com base no Decreto nº 252/67 e na Lei

nº 5.540/68, medidas que reestruturam as Universidades federais e

determinam que a estrutura orgânica das mesmas se dê “com base em

departamentos reunidos ou não em unidades mais amplas”50. Esse instituto é

49

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 50

BRASIL. Decreto nº 252, de 28 de fevereiro de 1967. Estabelece normas complementares ao Decreto-Lei nº 53, de 18 de novembro de 1966, e dá outras providências (Art. 2º). BRASIL. Lei nº 5,540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras

52

inicialmente dividido em três departamentos, correspondentes as Cátedras do

Departamento de História Natural da FNFi: Zoologia, Genética e Botânica.51

Logo após a sua criação, ocorre à constituição de mais dois departamentos:

Ecologia e Biologia Marinha.52 O IB/UFRJ se estabelece no campus da Praia

Vermelha, mas algumas disciplinas ainda eram ministradas no campus da Av.

Antônio Carlos, no centro do Rio de Janeiro, onde funcionava a FNFi.53 A ida

para a Ilha do Fundão só ocorre no verão de 1972/73.54

A organização do novo curso em Ciências Biológicas é liderada pelo

professor Antônio Geraldo Lagden Cavalcanti, catedrático de Biologia Geral e

geneticista de grande reputação, que ajuda a consolidar a área de Genética na

Universidade. Na congregação da FNFi, realizada em 11 de julho de 1968,

Cavalcanti é nomeado diretor pro tempore do IB/UFRJ, ficando responsável por

sua criação e organização.55 De acordo com a ‘professora’ entrevistada, tal

nomeação esteve relacionada com a posição politica do referido professor, que

apoiava o governo militar do período. Com a ajuda da professora Deyse

Falcão, também da área de Genética, os currículos são elaborados sem a

constituição de uma comissão56.

O curso de Ciências Biológicas se inicia em 1969 com entrada anual,

ocorrendo o primeiro vestibular no final do ano de 1968. Mantendo suas raízes

naturalistas, as provas práticas de Zoologia e de Botânica permaneceram ainda

muito baseadas na descrição das espécies, como descreve a ‘aluna 2’:

Na prova de Zoologia, duas coisas me foram postas: um caranguejo ou um siri, um articulado desses, para eu dizer se era caranguejo ou siri, se era macho ou fêmea e porque era. Depois eu fui para uma caixa de insetos completa para dizer, não lembro mais, sete ou oito ordens. E a prova de Zoologia foi isso. A prova de Botânica foi muito voltada para tipos de folhas. Tinha uma série de vasinhos, folha simples, folha composta, folha crenada. Aquelas coisas que a gente decorava no vestibular. E aí eu fui para Briófitas e Pteridófitas e a diferença básica entre esses dois grupos. Tudo em vasinhos.

providências. (Art. 11º b) 51

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 52

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 53

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 54

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 55

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 56

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013.

53

Além das provas práticas de Zoologia e de Botânica, no novo curso de

Ciências Biológicas também se mantém a prova oral de Biologia Geral, sendo

novidade, no entanto, as provas de múltipla escola de Física e de Química.57

O bacharelado em Genética possuía uma entrada distinta aos demais

cursos – Licenciatura, Zoologia, Ecologia, Biologia Marinha.58 A partir do

vestibular de 1971, a entrada passa a não ter uma definição a priori de curso, e

os estudantes passam a ingressar todos juntos em um ciclo básico de dois

anos para, depois, cursarem mais dois anos em uma das seguintes

modalidades: Licenciatura, Zoologia, Genética, Biologia Marinha e Ecologia.59

Essa organização do curso corresponde às exigências do Conselho Federal de

Educação para uma formação apropriada de professores de Biologia e de

profissionais para às áreas de pesquisa e indústria, com uma carga curricular

maior de disciplinas relacionadas aos campos científicos da Física, Química e

Matemática. Em um período em que o país buscava a industrialização e que as

ciências vinham acumulando maiores informações, a especialização em áreas

foi se tornando ‘inevitável’.

Inicialmente, o IB/UFRJ fazia parte do Centro de Ciências Matemáticas e

da Natureza (CCMN), junto com o Instituto de Matemática, o Instituto de

Estatística, o Instituto de Física, o Instituto de Química e o Instituto de

Geociências, conforme o Estatuto aprovado pelos Pareceres nº 913/69, 914/69

e 524/70 do Conselho Federal de Educação. Posteriormente, em uma sessão

especial do Conselho Universitário no dia 13 de novembro de 1975, ele foi

transferido para o Centro de Ciências da Saúde (CCS). Para a ‘professora’

entrevistada, essa foi uma mudança política provocada por interesses de

membros do IB/UFRJ que tinham relações com a área da saúde60.

O regimento do Instituto de Biologia foi aprovado pelo Conselho

Universitário em 12 de agosto de 1971. Nele consta o currículo dos

bacharelados e da licenciatura em duas modalidades – Licenciatura em

Ciências e Licenciatura em Ciências Biológicas –, já organizados no regime de

créditos e com as cargas horárias teórica e prática explicitadas, assim como o

57

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 58

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 59

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008; Regimento do Instituto de Biologia, aprovado pelo conselho universitário em 12/081971. 60

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013.

54

número de créditos de cada disciplina acadêmica dos cursos. Na tabela a

seguir, é possível verificar informações relativas aos currículos do ciclo básico

e do curso de licenciatura do IB/UFRJ nos diferentes ciclos profissionais,

extraídas do Regimento de Instituto aprovado em 1971.

Currículo presente no Regimento do Instituto de Biologia, aprovado pelo Conselho Universitário da UFRJ em 12/08/71.

Disciplinas do Ciclo

Básico (comum a todas as modalidades)

Disciplinas do Ciclo Profissional do curso de Licenciado em Ciências

Disciplinas de ciclo profissional do Curso de Licenciado em Ciências

Biológicas

- Complementos de Matemática (4,2,5) - Elementos de Física (4,2,5) - Física Experimental I (0,2,1) - Complementos de Química I (3,2,4) - Zoologia I (2,3,3) - Estatística (2,2,3) - Biofísica (4,2,5) - Elementos de Ecologia (2,0,1) - Complementos de Química II (3,2,4) - Zoologia II (2,3,3) - Estudos Brasileiros (1,1,1) - Biologia Geral I – Citologia (2,3,3) - Botânica I (2,3,3) - Zoologia III (2,3,3) - Bioquímica II (3,2,4) - Biologia Geral II – Biologia da Reprodução, Embriologia e Histologia (2,3,3) - Botânica II (2,3,3) - Zoologia IV (2,3,3) - Bioquímica II (2,3,3)

- Genética Básica (2,3,3) - Botânica III (2,3,3) - Zoologia V (2,3,3) - Ecologia Básica (2,3,3) - Evolução I (2,3,3) - Botânica IV (2,3,3) - Zoologia VI (2,3,3) - Estudos Brasileiros II (1,1,1) - Física para Professor de Ciências I (2,2,3)

- Todas as disciplinas do ciclo profissional do curso de Licenciado em Ciências - Geologia e Paleontologia (2,2,3) - Elementos de Fisiologia e Anatomia e Fisiologia Humana I (2,2,3) - Elementos de Fisiologia e Anatomia e Fisiologia Humana II (2,2,3)

Tabela 4

Obs1.: Nos parênteses, o primeiro número determina a carga horária semanal de aula prática, o segundo a carga horária semanal de aulas práticas, de laboratórios, exercícios, debates em classe, etc., e o último o número de créditos que a aprovação em cada disciplina confere. Obs2.: Terá concluído a parte específica do curso de Licenciado em Ciências, o aluno que obtiver 95 créditos. Obs3.: Terá concluído a parte especificado curso de Licenciado em Ciências Biológicas, o aluno que obtiver 134 créditos.

55

Ao analisar esse novo currículo61 é possível observar mesclas entre

‘velhas’ e ‘novas’ tradições curriculares, que ora se aproximavam mais das

iniciativas inovadoras das Ciências Biológicas recém ‘unificada’ e ora se

afastavam delas, possuindo maiores vínculos com a História Natural.

Compreendendo que a estabilidade e a mudança nos currículos “não são

processos excludentes, mas que, ao contrário, em certos casos são

exatamente as modificações geradas pela incorporação de certas inovações

que colaboram para a estabilidade” (FERREIRA, 2005, p. 6), percebo essas

mesclas como indícios do quanto o discurso da História Natural veio, sócio-

historicamente, regulando a formação de professores nas Ciências Biológicas.

Essas ‘velhas’ e ‘novas’ tradições curriculares envolviam distintos modos

de pensar a ciência e seu ensino, uma vez que, de acordo com Gomes, Selles

& Lopes (2009, p. 5), enquanto a História Natural possuía uma abordagem

mais fortemente “caracterizada por descrições detalhadas, coleções e

classificações do mundo natural (vivo e não vivo)”, as Ciências Biológicas

apresentavam-se como uma ciência moderna e ‘unificada’ cuja lógica de

organização se apoiava na teoria da Evolução. Nesse momento, prosseguiam

os muitos conflitos de ideias e de disputas acerca da hegemonia de

determinadas áreas do conhecimento. Assim, as tradições da História Natural –

particularmente aquelas voltadas para os estudos em Zoologia, Botânica e

Geologia – foram perdendo força no campo científico e sendo mescladas a

uma Biologia moderna e ‘unificada’. Para Smocovitis (1996 apud MARANDINO,

SELLES & FERREIRA, 2009), nesse momento, são os procedimentos

experimentais capazes de produzir dados matemáticos, ambientados na

filosofia do positivismo lógico, de grande significado para todas as ciências, que

passam a assegurar o caráter científico das Ciências Biológicas.

No curso investigado, a estabilidade curricular é garantida por certas

áreas do conhecimento cujos catedráticos ainda permaneceram como

professores na Instituição. Esse é o caso da Zoologia, cuja tradição naturalista

permanece forte no currículo do curso de 1971, possuindo seis disciplinas

obrigatórias da área – Zoologia I, Zoologia II, Zoologia III, Zoologia IV, Zoologia

V e Zoologia VI. O Departamento de Zoologia foi criado sob a supervisão do

61

O Instituto de Biologia produziu um currículo de transição que vigorou nos anos de 1969/70 (Entrevista ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014)

56

professor Aloysio Calheiros da Graça Mello Leitão, catedrático do Centro de

Estudos Zoológicos (CEZ) do antigo Departamento de História Natural.62 O

CEZ possuía uma grande tradição na Zoologia Marinha e nos estudos dos

Invertebrados63. Os discursos dessas áreas constituem o professor formado no

‘novo’ currículo, que conta com a presença do departamento de Biologia

Marinha recém-criado e uma significativa quantidade de créditos destinados

aos estudos dos Invertebrados, que contavam com cinco disciplinas

acadêmicas obrigatórias, da Zoologia I até a Zoologia V.64

Na época, como a contratação de professores para os Departamentos

tomava como referência as disciplinas65, a manutenção de um grande número

das mesmas – como era o caso da Biologia Geral, da Botânica e,

principalmente, da Zoologia – foi importante para a obtenção de poder no

Instituto, aspecto que garantia a manutenção do status para a obtenção de

recursos (GOODSON, 1995, 2001) como, por exemplo, um maior espaço

físico. Observe na tabela 4 que os recém-criados Departamentos de Ecologia e

de Biologia Marinha, que eram mais ‘frágeis’, possuíam pouca ou nenhuma

carga horária no Ciclo Básico. Essa assimetria de poder entre os

Departamentos também se evidencia quando ocorre, em 1978, a transferência

do curso de Farmácia para o mesmo bloco do IB/UFRJ no CCS.66 Na ocasião,

os Departamentos de Ecologia e Biologia Marinha são fragmentados e perdem

espaço para a instalação dos laboratórios da Faculdade de Farmácia67.

‘Indícios’ da História Natural podem ser percebidos em atividades

práticas baseadas na coleta, descrição e observação de animais, que ainda

permanecem de modo significativamente importante nas disciplinas voltadas

para o ensino da Zoologia. Eram comuns práticas que envolviam vertebrados

como “rã, rato, pombo e frango. [A gente] tirava a tripa do frango para fazer

nematódeo”68. Posteriormente, muitas dessas práticas foram abolidas do curso

pela dificuldade na obtenção de materiais ou por campanha dos alunos, já que

as mesmas envolviam a vivissecção, como relata uma das alunas

62

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 63

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 64

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 65

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 66

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 67

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 68

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014.

57

entrevistadas (a ‘aluna 2’): “a prática de rã era horrível, porque você que tinha

que matar o bicho. A gente segurava o bicho de ponta cabeça, enterrava um

alfinete e destruía o sistema central e abria o bicho vivo”.69 Ainda sim, as

atividades práticas permaneceram sendo significadas por ações ligadas à

História Natural – tais como a coleta, a descrição e a observação, associadas

ao campo e ao laboratório –, que foram se mesclando àquelas mais

diretamente relacionadas ao ‘modo de pensar’ das Ciências Biológicas.

Esse discurso da prática, como uma importante forma de aprender o

conhecimento biológico, não permanece somente nas aulas de Zoologia. O

campo da Botânica e o da Biologia Geral mantêm tradições do tempo da

História Natural que exploravam uma visão de ‘conjunto’, com aulas que

valorizavam a observação e a descrição, como relata a ‘aluna 2’: “o professor

mesmo era um, o Jesus, mas subiu com a gente o professor de botânica

naquela aula bem naturalista. Eu me considero de uma época de formação

privilegiada nas práticas de campo e laboratório”70. Em relação à área da

Biologia Geral, ela destaca a grande quantidade de práticas divididas em dois

conjuntos: “práticas de laboratório e estudos dirigidos”71. Esse tipo de aula e de

produção de conhecimento era extremamente valorizado por alunos e

professores que consideravam a prática naturalista uma forma privilegiada de

aprendizado, como pode ser observado no relato da ‘aluna 2’:

E eu acho que essa herança é uma herança positiva que eu não sei ainda se perdura até hoje. Mesmo sabendo que você não leva tudo para a prática da sala de aula. Mas eu avalio como um grande ganho você ter a noção do todo, a noção de conjunto, pra depois olhar o particular. Eu acho que isso a gente deve ao curso de história natural e claro, as pessoas que vieram, que compraram o projeto também72.

Embora a vertente da prática científica fosse explorada nesse currículo,

em consonância com os objetivos do CNPq e do Conselho Federal de

Educação, para o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica no

país, o estimulo a publicação ainda permanecia muito baixo. A pós-graduação,

que dá início efetivamente à pesquisa, só começa no IB/UFRJ no ano de 1976,

com a Genética, área que possuía, na época, uma estrutura de pesquisa mais

69

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 70

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 71

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 72

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014.

58

consolidada. Até então, os cursos de pós-graduação (Zoologia, Botânica e

Genética) faziam parte da Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em

Biologia da UFRJ, que era sediada no Museu Nacional.73

Como já explicitado, a perda de status das disciplinas das Geociências é

uma mudança marcante nesse novo currículo. A área passa a ter somente uma

disciplina acadêmica (Geologia e Paleontologia) dentro do currículo da

Licenciatura e some por completo do currículo dos bacharelados74. A perda da

formação em Geologia e Mineralogia é sentida pelos professores entrevistados,

que se constituíram em meio aos impactos da formação de professores da

História Natural e se ressentem das consequências de uma falta do

aprofundamento dos alunos nessas áreas. Ela é sentida, especialmente, pelo

reconhecimento de sua importância como uma área de integração dos

conteúdos do curso75. Tal espaço integrador parece ter sido ocupado, no

entanto, por outra área do conhecimento, que se ocupa do estudo do ambiente

físico: a Ecologia.

O Departamento de Ecologia é fundado pelo professor Fernando

Segadas-Vianna, que é oriundo do Museu Nacional, com o cargo de

Pesquisador da Parte Permanente e é considerado um dos pioneiros da

Ecologia no país, sendo esse Departamento o primeiro da área no Brasil76. As

pesquisas realizadas no Museu Nacional por Segadas-Vianna, voltadas para o

estudo das restingas, influencia diretamente o currículo das disciplinas de

Ecologia. Todas as práticas de campo eram realizadas em restingas e o

material curricular produzido pelo Departamento em forma de apostilas, tinha

uma forte presença da Geomorfologia, em especial a parte de formação de

restingas traduzidas dos livros principais, dos livros de Geomorfologia77.

O campo da Ecologia aparece, então, ‘mesclando’ conhecimentos da

sua própria área com aqueles da Geomorfologia que, de certo modo,

preservam elementos das tradições anteriores. Nesse contexto, o discurso de

integração dos conteúdos passa a ser ocupado pela Ecologia, que se posiciona

no espaço deixado pela saída das Geociências. Afinal, o enunciado da

73

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 74

UFRJ. Regimento do Instituto de Biologia, aprovado pelo conselho universitário em 12/08/1971. 75

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013. 76

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 77

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014.

59

integração já estava presente desde o curso de História Natural que, apesar de

não ter uma representação disciplinar do campo ecológico, possui alguns de

seus conceitos disseminados em disciplinas referentes à Zoologia e Botânica78.

Ele se fortalece, no entanto, com a saída das Geociências do currículo.

De acordo com Goodson (1995), para entendermos melhor os aspectos

relacionados à estabilidade e à mudança nos currículos, é necessário analisar

as condições macroestruturais externas junto aos assuntos internos. Afinal,

para esse autor:

A manutenção de formas hegemônicas de conhecimento não é um processo simples e lógico; na verdade, constitui um sofisticado mecanismo que combina a busca das diferentes comunidades disciplinares por recursos e status social, não podendo ser compreendido, portanto, como o resultado direto de estruturas macrossociais (FERREIRA, 2005, p. 66).

Minha aproximação com uma abordagem discursiva para investigar a

formação de professores nas Ciências Biológicas, em um contexto institucional

específico no qual ocorriam mudanças nos conhecimentos de referência, me

possibilitou entender os ‘novos’ conhecimentos como ‘inventores’ de atuais

tradições, que tem nos constituído como profissionais da área. É nessa

perspectiva que vejo a Ecologia assumindo um papel integrador no ‘novo’

currículo, em um movimento no qual o Departamento responsável pelas

disciplinas dessa área de conhecimento – o Departamento de Ecologia –

cresce em importância e vai assumindo posições de liderança na significação

do conhecimento nas Ciências Biológicas. Afinal, no IB/UFRJ, é nesse

Departamento que se percebe mais claramente a ação de convênios do

Ministério de Educação e Cultura (MEC) com agências internacionais para o

desenvolvimento da educação no país79.

Nas reformas de ensino que ocorreram no governo militar, era possível

enxergar algumas recomendações vindas tanto de organizações nacionais

quanto de agências internacionais, principalmente aquelas vinculadas ao

governo estadunidense. Esse é o contexto dos acordos entre o MEC e o BID

(Banco Interamericano de Desenvolvimento) e com a AID (‘Agency for

International Development’), que ficaram conhecidos como Acordos

78

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013. 79

Entrevista com a ‘aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014.

60

MEC/USAID e foram muito significativos, por exemplo, no fomento ao

movimento de renovação do ensino de Ciências. Essas agências e

organizações atuaram na formulação de diretrizes políticas e educacionais em

nosso país, que tinham como principais objetivos: a formação de “capital

humano”, de modo a acelerar o processo de desenvolvimento econômico; uma

forte relação entre educação e mercado de trabalho; a propagação de novos

hábitos de consumo, de planos de defesa do Estado e de um controle político-

ideológico do país (SHIROMA, MORAES & EVANGELISTA, 2007, p. 29).

Com a ida do IB/UFRJ para a Ilha do Fundão, entre 1972 e 1973, um

acordo entre o MEC e o BID (MEC/BID) foi firmado, o que contribui para a

montagem de laboratórios para o desenvolvimento de pesquisas80. O

Departamento de Ecologia foi um dos que mais recebeu financiamento para

investir em projetos e equipamentos. Outros departamentos também

receberam recursos, mas, de acordo com uma das alunas entrevistadas, eles

fizeram projetos “menos ousados” do que o do Departamento de Ecologia.81

Esse Departamento, com um projeto mais elaborado, tenta a contratação de

novos professores para uma futura pós-graduação, que acaba não saindo do

papel no período82. Mesmo assim, com uma escassez de professores mais

bem qualificados, os equipamentos adquiridos fomentam “as práticas de

laboratório em todos os cursos e em especial, na Ecologia, [com] as práticas de

campo”83. Além disso, uma linha estadunidense para a formação e o ensino de

Ciências no Brasil, que estava presente no movimento renovador, também

aparece na própria ciência de referência, uma vez que os livros dos naturalistas

franceses, presentes no curso de História Natural, começam a ser substituídos

por obras produzidas nos Estados Unidos, traduzidas ou não, quando o curso

passa a ser denominado de Ciências Biológicas84.

Faço essa minha análise compreendendo o currículo de Licenciatura em

Ciências Biológicas da UFRJ como um sujeito possível de recebimento de

enunciados que constitui a materialidade do que é dito, ou seja, a materialidade

de enunciados que determinam uma regularidade discursiva. Pensando os

80

Discurso da diretora do IB/UFRJ na festa de 40º aniversário do Instituto, 2008. 81

Entrevista com a ‘Aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 82

Entrevista com a ‘Aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 83

Entrevista com a ‘Aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 84

Entrevista com a ‘professora’, realizada em 19 de novembro de 2013.

61

conhecimentos produzidos no curso como discurso, as inovações curriculares

desse novo currículo “vão sendo combinadas com enunciados que ‘dizem’

lógicas tradicionais” (VILELA, 2013, p. 176), possibilitando reconhecê-las como

parte da regularidade do discurso. Nesse sentido, percebo o discurso da

prática científica modernizada pela especialização e por novos recursos como

uma espécie de deslocamento do significado da prática naturalista. Afinal, os

enunciados proclamados por sujeitos que determinam os conhecimentos

valorizados nesse currículo estão imbricados de relações de poder que

constituem um regime de verdade. É nessa perspectiva que, para ampliar a

compreensão dos sentidos de conhecimentos produzidos no curso de

Licenciatura, busco no próximo capítulo identificar quais enunciados presentes

na formação desses professores compõem uma regularidade discursiva,

produzindo o “bom” professor de Ciências e Biologia, nas décadas de 1960/70,

que ainda estão presentes no discurso contemporâneo.

62

Capítulo III.

Investigando a produção do ‘bom’ professor em

Ciências e Biologia

63

ste capítulo tem como objetivo identificar quais enunciados

compõem uma regularidade discursiva na formação de

professores nas Ciências Biológicas, produzindo o “bom”

professor de Ciências e Biologia a partir da década de 1960/70 e que ainda

pode estar regulando a formação desses professores na atualidade.

Para tal objetivo, procuro em artigos de revistas científicas nacionais

qualificadas na área da educação em ciências, no período entre 2000 e 2010,

sentidos que informam o ‘bom’ professor na contemporaneidade e que podem

ser identificados no curso de Licenciatura do IB/UFRJ no período estudado. Ao

investigar essas superfícies textuais, busco enunciados que apontam o papel

do ‘bom’ professor de Ciências e Biologia em meio a noções de como deve ser

sua formação inicial e sua prática em sala de aula. Tal concepção muitas vezes

aparece em discursos de como não deve ser esse professor.

Ao fazer uma relação dos discursos do ‘bom’ de Ciências e Biologia em

momentos históricos distintos, pretendo buscar enunciados da atual formação

inicial dentro dos currículos dos cursos de licenciatura aqui investigados. Para

tanto, utilizo os documentos históricos já apresentados ao longo desse estudo,

em especial as grades curriculares do curso de História Natural do ano de

196585 e do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas de 197186, além das

entrevistas já citadas no capítulo anterior.

Tal investigação dialoga com produções (LUCAS, VALLA & FERREIRA,

2011; LUCAS, VALLA & FERREIRA, 2014) realizadas no âmbito do projeto de

pesquisa Currículo de Ciências: entre histórias e políticas para a formação de

professores87, que investiga ações do Centro de Ciências da Guanabara

(CECIGUA) para exemplificar as produções curriculares das décadas de

1960/70 e a influência dessas na formação continuada de professores de

Ciências e Biologia no período.

Na próxima seção apresento os artigos investigados, apontando quais

concepções de ‘bom’ professor em Ciências Biológicas estão na ordem do

discurso contemporâneo.

85

CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 280 de 10 de junho de 1965. Currículo do Curso de História Natural da Faculdade Nacional de Filosofia: Bacharelado e Licenciatura 86

UFRJ. Regimento do Instituto de Biologia, aprovado pelo conselho universitário em

12/08/1971. 87

Projeto coordenado pela Prof.ª Dr.ª Marcia Serra Ferreira, no âmbito do Núcleo de Estudos

do Currículo (UFRJ), no período entre 2010/2012.

E

64

O discurso do ‘bom’ professor na contemporaneidade

Almejando compreender o quanto esse “bom” professor ainda está na

ordem do discurso contemporâneo, busco em artigos recentes os sentidos de

docência e de currículo presentes em textos que focam na formação inicial

desses sujeitos.

Para essa análise, utilizo um mapa já realizado da recente produção

brasileira sobre o tema da ‘formação inicial e continuada de professores’ no

ensino das disciplinas escolares em ciências88, no período entre 2000 e 2010

(CASARIEGO, LUCAS & FERREIRA, 2011)89. No caso dessa pesquisa feita

anteriormente, optamos pelo levantamento de artigos em quatro periódicos

nacionais voltados para a Educação em Ciências, tendo sido selecionados pela

qualificação que possuem junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES). Foram eles: (1) ‘Ciência & Educação’,

periódico editado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação para a

Ciência da Faculdade de Ciências, UNESP/Campus de Bauru, desde 1995; (2)

‘Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências’, periódico editado pelo Centro de

Ensino de Ciências e Matemática (CECIMIG) e pelo Programa de Pós-

Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas

Gerais (FAE/UFMG) desde 1999; (3) ‘Investigações em Ensino de Ciências’,

periódico editado pela Instituto de Física da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (IF/UFRGS) desde 1996; (4) 'Revista Brasileira de Pesquisa em

Educação em Ciências' (RBPEC), periódico editado pela Associação Brasileira

de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC) desde 2001.

A seleção dos artigos envolveu a investigação de seus títulos e palavras-

chaves, tomando como referência as expressões ‘formação de professores’,

‘formação inicial’, ‘formação continuada’, ‘formação de professores de ciências’,

‘formação inicial de professores de ciências’ e ‘formação continuada de

professores de ciências’, tendo sido encontrados, nesse primeiro momento,

sessenta (60) artigos explicitamente voltados para essas temáticas

88

Estou me referindo às disciplinas escolares Biologia, Ciências, Física e Química. 89

O levantamento está inserido em um estudo mais amplo financiado pelo CNPq e pela FAPERJ, coordenado pela Profa. Dra. Marcia Serra Ferreira. A pesquisa tem como objetivo investigar as reformas curriculares ocorridas, na década de 2000, em cursos de formação inicial de professores em Ciências Biológicas no país.

65

(CASARIEGO, LUCAS & FERREIRA, 2011). No estudo aqui realizado, delimitei

a investigação aos artigos relacionados, exclusivamente, à formação inicial de

professores para o ensino das disciplinas escolares Ciências e Biologia.90 Após

essa nova seleção, quinze (15)91 artigos foram encontrados, sendo cinco (05)

voltados para a formação de professores para a disciplina escolar Biologia, três

(03) para a formação de professores para a disciplina escolar Ciências e sete

(07) para a formação de professores em ambas as disciplinas escolares.

Em uma primeira etapa de análise dessas quinze (15) produções, pude

evidenciar que, do total de textos encontrados, dez (10) abordam

exclusivamente a formação inicial de professores, com as seguintes temáticas

sendo as mais recorrentes: os contextos da ‘Prática de Ensino’ e/ou ‘Estágio

Supervisionado’ (3); uma disciplina acadêmica específica (1); e os que tomam

os registros escritos e as experiências formativas dos licenciandos como objeto

de estudo (6). Os outros cinco (05) textos abordam tanto a formação inicial

quanto a formação continuada de professores, sendo possível observar uma

variedade de temáticas: a ‘História da Ciência’; a implementação de teorias nas

práticas dos professores; investigações de ações formativas; análise de

recursos para o ensino; investigação de dissertações e teses sobre a formação

de professores para uma temática específica.

Em uma segunda etapa da análise, busquei enunciados que formam

uma regularidade discursiva sobre o “bom” professor de Ciências e Biologia.

Para isso, busquei compreender o foco de cada artigo individualmente, criando

um panorama geral das discussões realizadas, para depois buscar,

particularmente, as definições de ‘bom’ professor que são enunciadas na área,

as quais estão fortemente imbricadas com argumentos sobre que tipo de

prática e conhecimento definem esse ‘bom’ professor (assim como o ‘mal’

professor), sobre os métodos de ensino que formam esses dois tipos de

professor e sobre o papel do professor na atualidade. 90

Em Casariego, Lucas e Ferreira (2011) os artigos foram divididos em quatro categorias: ‘formação inicial’, ‘formação continuada’, ‘formação inicial e continuada ‘e uma quarta categoria onde não foi possível identificar de forma explicita, olhando somente os resumos, se o artigo abordava formação inicial ou formação continuada, sendo essa categoria denominada de ‘formação de professores’. Na seleção dos artigos para a dissertação, exclui a categoria ‘formação continuada de professores’. 91

Incialmente foram dezenove artigos encontrados nas categorias citadas, mas quatro desses artigos abordavam a formação de professores em outros países. Como nessa investigação, meu interesse de pesquisa é somente na formação de professores do Brasil, descartei esses artigos do meu levantamento.

66

Os principais argumentos utilizados nas superfícies textuais investigadas

para produzir o papel do professor na atualidade giram em torno da sua

capacidade reflexiva e como ele deve conduzir seus alunos, levando-os para o

envolvimento e a aprendizagem autônoma do conhecimento científico. Em

Villani & Franzoni (2000, p.2), por exemplo, os autores abordam que o

professor necessita ter uma “competência dialógica”, que seja reflexivo em

relação ao conhecimento científico e pedagógico, “tentando interpretar e

trabalhar as visões do alunos”, pois, com o desenvolvimento da competência

dialógica do professor, “os alunos se tornaram pessoas mais próximas e

interessadas”, o que os leva a serem “sujeitos reflexivos e originais com os

quais é possível ter uma troca efetiva” (VILLANI & FRANZONI, 2000, p.13). De

acordo com Barolli et al (2001), enunciados que valorizam o professor reflexivo

já estão presentes na literatura há bastante tempo. Os autores citam Schön

(1983; 1992)92 para definir esse professor como alguém que se desenvolve na

ação, na complexidade da sala de aula. Nesse contexto, o saber pedagógico

se dá pela reflexão da ação, podendo assim ser reestruturado e produzir novos

conhecimentos, que diferem do conhecimento teórico cientificamente

produzido.

O conceito de professor reflexivo dentro do campo discursivo do ensino

de Ciências e Biologia representa uma regularidade discursiva que ajuda a

definir o ‘bom’ professor na atualidade, compondo uma formação discursiva

nos textos analisados (VILLANI & FRANZONI, 2000; BAROLLI et al 2001;

ROSA, MEDEIROS & SHIMABUKURO, 2001; FREITAS & VILLANI, 2002).

Mas os questionamentos acerca do fato se os licenciandos de Ciências

Biológicas estariam tendo de fato uma formação reflexiva também está

presente. Segundo Teixeira (2003), pouca coisa mudou no processo formativo

dos professores, nos últimos quarenta anos, se aproximando muito do modelo

da década de 1960/70. O autor afirma que isso pode ser visualizado na prática

diária dos professores do ensino básico, como uma espécie de reflexo da

formação inicial recebida, na qual o ensino é muitas vezes visto como uma

simples transmissão de conhecimentos. Nesse contexto:

92

SCHON, D. The Reflective Practitioner. New York, Basic Books, 1983. SCHÖN, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa (org) Os professores e a sua formação, Lisboa, Dom Quixote, 1992.

67

A função docente é esvaziada ao sofrer uma desqualificação, posto que o professor é transformado em mero executor daquilo que os “especialistas” pensam e não exerce a elaboração da ação, isto é, a investigação e a decisão sobre questões de natureza pedagógica (TEIXEIRA, 2003. p. 3).

Os autores Silva & Schnetzler (2001) também levantam a questão da

deficiência na formação do professor. A primeira questão levantada pelos

autores está relacionada com a dicotomia teoria-prática, decorrente do modelo

de formação ‘3+1’93, pautado na racionalidade técnica, que ainda hoje está

presente na grade curricular de muitos cursos de formação de professores. O

modelo traz como principal problema a longa dedicação ao conhecimento

disciplinar específico dissociado da formação pedagógica de um professor da

escola básica. Outros autores (ROSA, MEDEIROS & SHIMABUKURO, 2001;

FREITAS & VILLANI, 2002; BAPTISTA, 2003; MENDES & MUNFORD, 2005;

TEIXEIRA & OLIVEIRA, 2005) também abordam a problemática desse modelo,

pautado na racionalidade técnica. Em Rosa, Medeiros & Shimabukuro (2001),

por exemplo, as autoras citam Schön (1992 e 1998)94 para enunciar que os

cursos de formação de professores se limitam a ensinar a “tomar decisões que

visam à aplicação técnica de conhecimentos científicos, como se assim fosse

possível solucionar problemas da vida real” (ROSA, MEDEIROS &

SHIMABUKURO, 2001, p. 2). Ainda de acordo com os autores, essa visão de

professor que domina conhecimentos técnicos hierarquizou o trabalho em dois

níveis: um superior, ocupado pelos teóricos; e outro inferior, ocupado por quem

aplicava essas teorias na vida cotidiana. Esse movimento teve início na

primeira metade do século passado, mas continua presente nos cursos de

formações atuais, como, por exemplo, na dissociação entre disciplinas

específicas e pedagógicas.

Ainda sobre a racionalidade técnica, Baptista (2003) destaca que,

durante muito tempo, esse foi o modelo vigente na ordem do discurso do

cenário escolar brasileiro: a preocupação em apenas transmitir os

conhecimentos produzidos pela Ciência, que era visto como neutro e

93

O aluno cursa três anos de matérias específicas da área de sua formação, mais um ano de matérias pedagógicas e estágio supervisionado. 94

SCHÖN, Donald. El profesional reflexivo – cómo piensan los profesionales cuando actúan. Barcelona : Ediciones Paidós, 1998. SCHÖN, D. La formación de profesionales reflexivos - hacia um nuevo diseño de lanseñanza y el aprendizage en las profesiones. Barcelona: Ediciones Paidós, 1992.

68

verdadeiro e aos alunos cabia à memorização e a repetição de conteúdos. O

professor assumia “uma postura passiva diante dos modelos curriculares

elaborados por especialistas e dos conteúdos apresentados nos livros”

(BAPTISTA, 2003, p. 2). Baptista (2003) cita Nunes (2003)95 ao afirmar que foi

somente na década de 1970 que essa ideia do professor:

Com uma linguagem científica e cultural, que assegurasse o conhecimento de um conteúdo a ser ensinado, bem como dotá-lo de alguns componentes psicopedagógicos, para aprender a atuar em sala de aula, já não oferecia instrumentos teóricos necessários para responder aos desafios do cotidiano escolar. [...] Foi a partir da década de 1980 que o conhecimento escolar deixa de ser entendido como inquestionável passando a ser encarado como um processo (BAPTISTA, 2003, p. 2).

Assim como em Teixeira (2003), o autor constrói uma argumentação na

qual aponta evidências de que se continua ensinando ciências como no início

do século passado, apesar do planejamento educacional do país ter sido

bastante modificado para a escola passar a “conceber o aluno como um ser

responsável pela construção dos seus conhecimentos, abrindo espaço para

que este possa estabelecer relações com o mundo ao seu redor” (BAPTISTA,

2003, p. 3). Em direção semelhante, Silva & Schnetzler (2001) destacam a

concepção ‘empiricista-positivista’ de Ciência como um ratificador do binômio

‘transmissão-recepção’ e da ‘dicotomia teoria-pratica’. Ao enxergar a ciência

como neutra, verdadeira e inquestionável, o ensino gerado a partir dela

consiste em uma aprendizagem também neutra, que reproduz de forma

passiva o que lhe é apresentado. Para Mendes & Munford (2005), a

racionalidade técnica ainda é uma questão preocupante no ensino de Ciências

porque o futuro professor é formado tendo em mente o ideal de formação de

pesquisadores em Ciências Naturais. Os currículos dos cursos são produzidos

a partir de uma demanda relacionada ao bacharelado, deixando em segundo

plano a vivência da docência e seus saberes específicos. Nesse contexto, os

“saberes envolvidos na formação de biólogos pesquisadores são colocados

como suficientes para a formação do biólogo professor” (MENDES &

MUNFORD, 2005, p. 6, grifos das autoras).

95

NUNES, C. Memórias e Práticas na Construção Docente. In: SELLES, S. E. & FERREIRA, M. S. Formação Docente em Ciências: Memórias e Práticas. Niterói: Eduff, p. 11-27, 2003.

69

Frente às problemáticas apresentadas, Silva & Schnetzler (2001)

apontam que a literatura da área de Educação em Ciências indica que os

futuros professores, como uma espécie de regra geral:

Dominem os conteúdos científicos a serem ensinados em seus aspectos epistemológicos e históricos, explorando suas relações com o contexto social, econômico e político; questionem as visões simplistas do processo pedagógico de ensino das Ciências usualmente centradas no modelo transmissão-recepção e na concepção empirista-positivista de Ciência; saibam planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a construção-reconstrução de ideias dos alunos; concebam a prática pedagógica cotidiana como objeto de investigação, como ponto de partida e de chegada de reflexões e ações pautadas na articulação teoria prática (CARVALHO & GIL-PÉREZ, 1993; MENEZES, 1996; PORLÁN E TOSCANO, 2000 apud SCHNETZLER 200096, p. 20 apud SILVA & SCHNETZLER, 2001, p. 3).

Outra questão abordada por Silva & Schnetzler (2001, p. 2) é o ensino

de conceitos como uma mera “transmissão de informações

compartimentalizadas e descontextualizadas em termos históricos e sociais”.

Encontra-se essa preocupação também em Vianna & Carvalho (2001), quando

as autoras destacam lacunas no que se refere tanto aos conteúdos quanto às

concepções sobre a ‘natureza da ciência’ que circulam na formação dos

professores. Como argumento para explicar essa deficiência, elas citam a

ausência de disciplinas acadêmicas que incluam discussões filosóficas e

epistemológicas, com o intuito de superar uma visão tradicional da Ciência. Em

Delizoicov, Carneiro & Delizoicov (2004), a questão da ausência de disciplinas

relacionadas à História da Ciência também é debatida. Para os autores, “a

inclusão da História e da Filosofia da Ciência, sua necessária aliada, poderia,

ainda, auxiliar o futuro docente para uma compreensão contextualizada do

conhecimento, com possíveis reflexos no ensino” (DELIZOICOV, CARNEIRO &

DELIZOICOV, 2004, p. 2). Assumindo tal perspectiva, seria possível disseminar

conceitos e estabelecer relações analógicas com as questões levantadas pelos

alunos utilizando aspectos históricos e diferentes visões de mundo

(DELIZOICOV, CARNEIRO & DELIZOICOV, 2004, p.2).

96

SCHNETZLER, R. P. O professor d Ciências: problemas e tendências de sua formação. In: SCHNETZLER, R. P. e ARAGÃO, R. M. R. (orgs.). Ensino de Ciências: fundamentos e abordagens. CAPES/PROIN/UNIMEP, Piracicaba, p. 12-41, 2000.

70

Na próxima seção faço uma relação dos discursos do ‘bom’ professor de

Ciências e Biologia, nos dias de hoje, com os sentidos que permeavam o

ensino de Ciência e Biologia e a formação dos professores dessas disciplinas

nas décadas de 1960/70.

O discurso do ‘bom’ professor nas décadas de 1960/70

Ao fazer a análise dos artigos encontrados, pude perceber que os

sentidos que permeavam o ensino de Ciências e Biologia e a formação dos

professores para o ensino dessas disciplinas escolares na educação básica,

nas décadas de 1960/70, ainda estão, de certo modo, informando a formação

inicial de professores nos dias de hoje. Afinal, segundo Popkewitz (2008), o

currículo cria regulação ao impor regras e padrões, por meio do conhecimento,

produzindo concepções ‘do eu’ e formas de interagir com o mundo.

Em Lucas, Valla e Ferreira (2011), utilizamos as produções do Centro

de Ciências da Guanabara (CECIGUA) para exemplificar as produções

curriculares das décadas de 1960/70. Esse acervo envolve materiais didáticos

compostos por chaves de classificação biológica, exercícios, quadros

comparativos, roteiros de atividades práticas, esquemas de organismos e guias

de estudo. Essas atividades abordam, por exemplo, aspectos relacionados à

dissecção de organismos diversos; à observação de exemplares vivos;

acompanhamento do desenvolvimento de indivíduos à diafanização de

vertebrados; à aprendizagem de técnicas de coleta e de fixação de diferentes

animais; montagem de coleções escolares, como a de um mini museu

entomológico; roteiros e chaves para a observação e a identificação de plantas

dicotiledôneas e de peças florais; uma espécie de 'curso' sobre anatomia

vegetal; e roteiros de atividades voltados para o uso correto de microscópios

em atividades práticas, com a descrição de partes desses equipamentos e de

suas funções e aplicações, tais como a preparação de lâminas e de culturas.

Apesar de possuir uma abordagem pedagógica, fica claro na observação

desses materiais o quanto elas enunciam uma linguagem cientifica que busca

71

“promover a educação científica do povo” como afirma o professor Ayrton

Gonçalves da Silva97.

Assim como as críticas a racionalidade técnica na contemporaneidade, o

movimento de renovação do ensino de Ciências também visava combater as

aulas meramente expositivas e propunha que as aulas fossem dadas a partir

da experimentação didática, com a utilização do método científico. A utilização

de um método único para o ensino das ciências é um influência da filosofia

positivista ou empirismo lógico na ciência moderna, que daria conta de explicar

diferentes sistemas científicos e a forma de pensamento sobre estes

(FONSECA, 2005, p. 70; LIMA-TAVARES, 2006, p. 6). A lógica positivista que

sustenta a ideia de uma biologia unificada adotava uma linguagem “destituída

de juízos de valor e de qualquer subjetividade” (MARANDINO, SELLES &

FERREIRA, 2009, p. 38). Os métodos experimentais eram capazes de produzir

dados, que eram interpretados matematicamente, dando o caráter científico as

Ciências Biológicas (MARANDINO, SELLES & FERREIRA, 2009, p. 38).

Contudo, a valorização do conteúdo específico da ciência de referência

era uma formação discursiva que se mantinha forte frente aos conteúdos

pedagógicos. Em Lucas, Valla & Ferreira (2011), compreendemos que a

formação discursiva que abrange esses conteúdos específicos, mais

descritivos e classificatórios estava obviamente relacionada com a formação

em História Natural de muitos dos sujeitos do período. Como por exemplo, no

caso relatado pelo professor Ayrton Gonçalves da Silva sobre as aulas de

dissecção de animais dado aos professores que frequentavam os cursos de

formação continuada do CECIGUA. Para realizá-las, de acordo com o

professor, um “naturalista do Museu Nacional [...] arranjava um professor que

era especializado naquele bicho e aquele professor dava aula daquele bicho

para os outros professores”98. A racionalidade técnica e a linguagem

extremamente científica presente na formação inicial desses profissionais se

mantiveram presentes nas suas aulas e eram vistas como um dos aspectos

97

Entrevista com Ayrton Gonçalves da Silva, fundador e primeiro presidente do CECIGUA, em depoimento coletado em janeiro de 2007. No âmbito da pesquisa Currículo de Ciências: iniciativas inovadoras nas décadas de 1950/60/70, coordenada pela Dra. Marcia Serra Ferreira (NEC/UFRJ) e finalizada em 2010. 98

Entrevista com Ayrton Gonçalves da Silva, fundador e primeiro presidente do CECIGUA, em depoimento coletado em janeiro de 2007. No âmbito da pesquisa Currículo de Ciências: iniciativas inovadoras nas décadas de 1950/60/70, coordenada pela Dra. Marcia Serra Ferreira (NEC/UFRJ) e finalizada em 2010.

72

que dificultava a adoção e o uso dos materiais curriculares que veiculavam a

Biologia como uma ciência moderna e ‘unificada’ (LUCAS, VALLA &

FERREIRA, 2011, p. 9).

No curso aqui investigado, tanto a formação de professores em História

Natural quanto a ‘nova’ formação, pautada em uma ‘nova’ ciência de referência

– as Ciências Biológicas –, foram informadas pelo modelo 3+1, com uma longa

dedicação ao conhecimento disciplinar específico que era complementar e

estava, em grande parte, dissociada das disciplinas de formação pedagógica.

O extenso currículo de disciplinas específicas sofre mudanças

significativas na transição do curso, como pode ser observado nas tabelas 3 e

4 do capítulo anterior. A ausência de uma formação mais aprofundada na área

da Geologia e Mineralogia, que passa a ter somente uma disciplina (Geologia e

Mineralogia) no currículo de 197199, marca a separação das áreas das Ciências

Biológicas e das Geociências. O estudo do ambiente físico passa a ser

conteúdo de disciplinas relacionadas à Ecologia (Elementos de Ecologia e

Ecologia Básica). Os procedimentos experimentais, característicos dessa nova

ciência de referência, exigiam disciplinas que explorassem a Matemática, a

Física, a Química e o mundo ‘micro’. A partir dessa demanda, a presença de

conteúdos dessas áreas na grade curricular100 ganham mais destaques e as

disciplinas – Estatística, Física Experimental I, Biofísica, Bioquímica I e II –,

passam a fazer parte desse novo currículo. Indicando que esse curso recém-

criado, já apresentava um discurso que veiculava as novas concepções

presentes na renovação da ciência de referência e no ensino de Ciências. No

entanto, a permanência de uma grande quantidade de disciplinas de certas

áreas do conhecimento, como a Botânica (quatro disciplinas) e a Zoologia (seis

disciplinas), indicam a estabilidade da prática naturalista na formação desse

professor em Ciências Biológicas, mesclada com as novas concepções de

ensinar Ciências, baseadas em métodos experimentais disseminados por um

movimento internacional de renovação do ensino de Ciências (VALLA, LUCAS

& FERREIRA, 2009).

99

Currículo da Licenciatura presente no Regimento do Instituto de Biologia, aprovado pelo Conselho Universitário da UFRJ em 12/08/1971. 100

Currículo da Licenciatura presente no Regimento do Instituto de Biologia, aprovado pelo Conselho Universitário da UFRJ em 12/08/1971.

73

Embora ocorram mudanças nos conteúdos específicos, após a transição

do curso de História Natural para as Ciências Biológicas, a distribuição das

disciplinas pedagógicas ao longo do currículo não sofre mudanças

significativas. Na grade curricular do curso de História Natural do ano de 1965,

apresentada na tabela 3 do capítulo anterior, é possível observar a organização

das disciplinas no modelo 3+1. As disciplinas pedagógicas somente aparecem

no currículo no último ano, assim como a Prática de Ensino. A partir da criação

do curso de Ciências Biológicas e da Lei nº 5.540, a organização do currículo

deixa de ser anual e passar a obedecer ao regime de créditos, que permite

uma maior flexibilidade de inscrição em disciplinas. Sua organização passar a

contar com um ciclo básico comum a todas as modalidades de bacharelados e

Licenciatura. Nota-se que as materiais pedagógicas não são citadas na grade

curricular da Licenciatura – ciclos profissionais: Ciências e Ciências Biológicas

–, presente no Regimento do IB/UFRJ do ano de 1971, apresentado na tabela

4 do capitulo anterior. Mas de acordo com o depoimento da ‘aluna 2’, as

matérias pedagógicas e a Prática de Ensino se mantem concentradas na fase

final do curso.

Como pudemos evidenciar, ainda que a grade do ‘novo’ curso de

Licenciatura em Ciências Biológicas traga significativas mudanças em relação

ao curso de Licenciatura em História Natural, ambos foram produzidos em meio

a um modelo formativo que vem regulando a formação de professores no país.

Nesse contexto, as disciplinas pedagógicas permanecem separadas dos

componentes curriculares voltados para o ensino de conteúdos específicos, em

uma lógica que caracteriza, ainda que de modo diverso, o modelo 3 + 1. Essa

falta de conexão com a fase anterior do curso já era alvo de críticas no curso

de Licenciatura em História Natural, conforme destaca a ‘Professora’

entrevistada:

Era o descompasso, a gente que tinha que compassar. Na verdade, tudo que era dado aqui, na Genética, na Didática, não havia uma preocupação de integrar. Embora fosse [uma] preocupação [e] estivesse no currículo a ser dado pela professora101.

Por essa falta de integração entre o específico e o pedagógico, as

disciplinas da formação pedagógica eram vistas como algo “desestimulante” 101

Entrevista com a ‘Professora’, realizada em 19 de novembro de 2013.

74

102. Mesmo com a criação do curso de Ciências Biológicas e a consequente

separação do bacharelado e da licenciatura, a noção de que o licenciado era

um pouco esquecido permaneceu presente na fala de nossas entrevistadas.

Isso ocorria, em parte, pela dificuldade adicional de acesso a Faculdade de

Educação, que surge pelo desmembramento da FNFi e passa a ocupar um

espaço geográfico distinto do IB/UFRJ103. Outro fator que dificultava a

integração do currículo era o distanciamento da Universidade com a educação

básica104. Seguindo o modelo 3+1, o contato do licenciando com a educação

básica ocorria somente na Prática de Ensino que acontecia, principalmente, no

Colégio de Aplicação da Instituição (CAp/UFRJ).

Como já explicitado, o movimento internacional de renovação do ensino

de Ciências estimulava a experimentação didática e o método científico como

uma forma de ensino nas aulas de Ciências e Biologia. Ainda que tais

características estivessem presentes em ambos os currículos, por meio de

aulas práticas e de trabalhos de campo, elas não eram explicitamente

relacionadas ao ensino, e sim às suas respectivas ciências de referência: a

História Natural e, posteriormente, as Ciências Biológicas105. Em ambos os

cursos, esperava-se que uma intensa carga prática não só permitisse o

aprendizado dos conhecimentos de referência como estimulasse a prática em

sala de aula na educação básica. Nesse contexto, o caráter prático do ‘novo’

currículo mesclava disciplinas que exploravam conteúdos da matemática, da

experimentação e a aprendizagem do mundo ‘micro’ com aspectos já

fortemente presentes na formação em História Natural, tais como a dissecção,

a construção de aparelhos e a formação de coleções zoológicas e botânicas. A

realização de tais atividades, no âmbito acadêmico, era vista como formativa

para as práticas escolares, como no exemplo da ‘Aluna 2’ ao falar de sua

atuação como professora na educação básica: “eu fiz dissecação de rato, eu fiz

criação de casulo e era mariposa”. Ela também aparece na fala da ‘Professora’

entrevistada, significando essa formação prática como aquela que, em ambos

os cursos, produzia o ‘bom’ professor de Ciências e Biologia, uma vez que o

102

Entrevista com a ‘Aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 103

Entrevista com a ‘Aluna 2’, realizada em 13 de fevereiro de 2014. 104

Entrevista com a ‘Professora’, realizada em 19 de novembro de 2013. 105

No ‘novo’ currículo, a disciplina ‘Física para Professor de Ciências I’ é a única que, no título, evidencia uma explícita preocupação com a formação de professores.

75

seu objetivo era despertar o “interesse dos jovens para tudo aquilo que ele

pode aproveitar para fazer”106, buscando uma educação científica dos alunos.

Assumindo tanto a separação entre conhecimento específico e

conhecimento pedagógico quanto à relação entre teoria e prática como

enunciados que permanecem regulando a formação de professores no curso

de Licenciatura em Ciências Biológicas do IB/UFRJ, no período investigado, a

despeito das mudanças já explicitadas, destaco o quanto tais noções ainda

permanecem sendo vistas como problemáticas nas produções atuais como

visto na seção anterior. No qual o processo formativo atual dos professores,

ainda está, em muitos cursos, pautadas na dicotomia teoria-prática do modelo

3+1 (SILVA & SCHNETZLER, 2001, p.1). Sendo visto como uma deficiência na

formação inicial desses professores e que gera reflexos na educação básica.

Onde se percebe influências da racionalidade técnica, presente nesse modelo

dicotômico, na prática diária do professor (TEIXEIRA, 2003, p.3).

Nesse contexto, podemos afirmar que o ‘bom’ professor de Ciências e

Biologia tem sido pensado por meio de noções de como ele não deve ser, com

críticas a uma formação inicial de professores que, desde a História Natural,

permanece enraizada no modelo 3 + 1 e separa a formação específica de uma

formação pedagógica complementar e pouco relacionada à Educação Básica.

Em outro movimento, o caráter prático dessa formação, ‘mesclando’ tradições

da História Natural com técnicas estatísticas e do mundo microscópico, tem

sido visto, historicamente, como um modo de combater a usual dicotomia entre

teoria e prática e formar um ‘bom’ professor nessa área. Parece-me, no

entanto, que esse combate se dá, no período investigado, mais pelo

aprendizado de práticas científicas do que pelo estabelecimento de relações

entre os conhecimentos a serem ensinados e as finalidades da escolarização.

Podemos afirmar que, no final dos anos de 1960, a influência do

movimento renovador já estava mais presente no imaginário desses

licenciados, assim como na formação de professores. A atuação dos Centros

de Ciências e, no caso desse estudo, do CECIGUA, e o lançamento de

materiais didáticos estrangeiros e nacionais como os livros ‘BSCS’ e o

‘Iniciação a Ciências I e II’, foram importantes na formação desse discurso.

Muitos professores oriundos da Universidade fizeram cursos de formação 106

Entrevista com a ‘Professora’, realizada em 19 de novembro de 2013.

76

continuada no CECIGUA, que desenvolvia um trabalho de aprofundamento no

ensino de Ciências107, com os materiais didáticos citados ou produzidos na

própria instituição. Tais práticas, no entanto, como vimos em Lucas, Valla &

Ferreira (2014), continuaram sendo informadas por tradições da História

Natural (...) ‘hibridizadas’ a uma perspectiva de ensino experimental voltada

para o ensino do ‘método científico’. Nesse contexto, ainda que as atividades

propostas buscassem a construção de ideias e a reflexão, a estabilidade de

uma concepção empírico-positivista da Ciência ainda estava fortemente

presente no discurso do ‘bom’ professor de Ciências e Biologia do período.

Assim:

Produzindo kits e outros materiais didáticos voltados para o ensino experimental, além de ações de formação continuada que tinham como referência os projetos curriculares já anteriormente mencionados, os Centros de Ciências foram disseminando retóricas que promoviam a experimentação didática no interior das disciplinas escolares em ciências, tornando essa metodologia de ensino um verdadeiro slogan a definir o ‘bom’ ensino nessa área, conferindo prestígio ao professor que aderisse ao movimento renovador (LUCAS, VALLA & FERREIRA, 2014).

No âmbito desse movimento, o ‘novo’ curso vai buscar produzir um ‘bom’

professor de Ciências e Biologia antenado com uma nova ciência de referência

– as Ciências Biológicas –, porém informado pelas antigas tradições da História

Natural que, entre outros aspectos, produz atividades de caráter prático que

dialogam como a dicotomia teoria-prática do modelo 3+1, que permanece

organizando, em linhas gerais, a formação inicial aqui investigada. Uma

reflexão sobre essa relação entre teoria e prática já era explicitamente

fomentada, de acordo com uma das alunas entrevistadas, na Prática de Ensino

realizada no Colégio de Aplicação da instituição (CAp/UFRJ). Tal componente

curricular veio constituindo, historicamente, uma vivência importante para a

preparação dos futuros professores, por meio de atividades que envolviam o

cotidiano da escola, como o acompanhamento das aulas dos professores

regentes, dos apoios as aulas práticas e as regências de aulas108. Nesse

contexto, ainda que informado em parte por uma visão de método científico

amparada em uma concepção empírico-positivista da Ciência, o futuro

107

Entrevista com a ‘Professora’, realizada em 19 de novembro de 2013. 108

Entrevista com a ‘Aluna 1’, realizada em 21 de fevereiro de 2014.

77

professor era estimulado a pensar sua prática docente109 e não era visto como

um mero reprodutor do conhecimento específico. Como visto na seção anterior,

o papel do ‘bom’ professor na atualidade gira em torno de sua capacidade

reflexiva em relação a sua prática e os saberes produzidos por ela. Sendo

assim, o professor formado pelo IB/UFRJ possui na Prática de Ensino no

CAp/UFRJ, um espaço em que ele pode produzir um conhecimento

pedagógico que difere daquele baseado nas disciplinas específicas e que são

predominantes ao longo do curso.

Posso afirmar, então, que os discursos da atividade prática de caráter

didático foram produzindo o ‘bom’ professor de Ciências e Biologia, em meio a

enunciados de cunho mais empirista, baseados em um método científico que

foi o “traço identificador da modernidade e legitimidade das Ciências

Biológicas” a partir de meados do século XX (MARANDINO, SELLES &

FERREIRA, 2009, p. 97), e enunciados de cunho naturalista. A prática como

forma de ensinar o conhecimento biológico permanece regulando a formação

de professores em Ciências e Biologia, em um movimento no qual as praticas

científicas auxiliam no combate da dicotomia entre teoria e prática. Tais

discursos foram produzindo e hegemonizando sentidos de conhecimento que

adquiriram valor de verdade e passaram a constituir o professor dessa área,

regulando a sua forma de ver o mundo e a sua prática profissional.

109

Entrevista com a ‘Aluna 1’, realizada em 21 de fevereiro de 2014.

78

Considerações Finais

79

inalizar um trabalho de pesquisa não é um processo fácil. Como

terminar algo que ainda permanece? A formação de professores

em Ciências Biológicas no IB/UFRJ continua a sua trajetória,

formando gerações de professores de Ciências e Biologia – dentre os quais me

incluo – e ainda há muito que se escrever sobre a sua história. Termino esse

estudo com a certeza que essa história de formação e dos sentidos de

conhecimento podem gerar novos escritos por todos/as aqueles/as que se

interessam pela temática. Algumas perguntas que surgiram ao longo do

processo da escrita e que não puderam ser respondidas nessa dissertação,

apontam caminhos para futuros estudos. Observando a organização atual do

curso de Ciências Biológicas no IB/UFRJ lanço questões que me inquietam em

relação à permanência da divisão por bacharelados referentes às grandes

áreas de ensino em Ciências Biológicas110, após terem passado mais de

quarenta anos da extinção do curso de História Natural e das suas cátedras.

Distinguindo o curso da UFRJ dos demais cursos da área no estado do Rio de

Janeiro, que possuem a divisão apenas em Bacharelado em Ciências

Biológicas e Licenciatura em Ciências Biológicas. Quais relações levaram a

essa divisão em bacharelados? E quais mantem essa divisão até os dias de

hoje? Questões envolvendo a distribuição de créditos, da criação de

disciplinas, da contratação de professores e da ocupação do espaço físico

dentro do IB/UFRJ desde a década de 1960 até a atualidade podem ser

pensadas a partir desse estudo. Essas são perguntas que me estimulam a

novas pesquisas futuras.

Compreendo o quão arriscado foi assumir uma perspectiva discursiva

como metodologia de pesquisa, mas acredito que isso possibilitou uma

produção que, ao lado de um movimento que tem sido feito no ‘Grupo de

Estudos em História do Currículo’, no âmbito do NEC/UFRJ, revisitou as

tradições de produzir conhecimento na História do Currículo. Afinal, o estudo

histórico sobre a formação de professores e sobre o ensino de Ciências e

Biologia, nas décadas de 1960/70, me acompanham desde a Iniciação

110

O atual curso de Ciências Biológicas do IB/UFRJ é organizado em um ciclo básico de dois anos e mais dois anos de um dos bacharelados oferecidos – Biologia Marinha, Zoologia, Botânica, Ecologia e Genética – ou mais dois anos do curso de Licenciatura.

F

80

Científica. Nesse processo, uma inquietação por saber mais sobre o período

histórico aqui investigado e sobre as ‘origens’ da minha própria formação como

professora nesse curso me levaram a elaborar a problemática do presente

estudo. Assim, com um interesse particular em compreender as ‘heranças’ da

História Natural na formação discursiva do curso de Ciências Biológicas, pude

compartilhar dos interesses metodológicos do grupo que é coordenado pela

Profa. Dra. Marcia Serra Ferreira, orientadora dessa dissertação.

Na busca dos sentidos de conhecimentos produzidos na transição do

currículo do curso de História Natural para o currículo do curso de Ciências

Biológicas, compreendo o referido processo como uma disputa do âmbito do

discurso, onde acontecimentos enunciativos produzem regularidades

discursivas (FOUCAULT, 2010, p. 30). Nessa perspectiva, busquei produzir

relações entre os autores da História do Currículo, em especial, Goodson

(1995, 1997, 2001, 2007), Popkewitz (1997, 2001, 2008) e Ferreira (2005,

2013, 2014) com a teorização do discurso de Foucault (2010 e 2012). Nesse

movimento, pude perceber as inúmeras possibilidades que se abrem aos

estudos sócio-históricos no campo do Currículo, um verdadeiro programa de

pesquisa, assim como as limitações do que pude produzir no tempo de uma

dissertação e como uma pesquisadora que se percebe como iniciante na área.

A escrita da dissertação foi, portanto, um rico aprendizado e um pontapé inicial

na produção de outros estudos no campo que se apropriam de uma

abordagem discursiva para a História do Currículo e das Disciplinas

(FERREIRA, 2013).

Nesse movimento, o meu objetivo não foi valorizar e nem foi identificar

um determinado sujeito, assim como não busquei uma verdade dos fatos.

Diferentemente, meu foco foram os discursos que circulavam no período

estudado, buscando compreender como sentidos de conhecimentos foram

sendo produzidos no âmbito do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas

recém-criado. Analisando o currículo de formação de professores como um

espaço não essencializado, onde ocorrem conflitos e disputas em torno da

produção e reprodução de valores e normas que constituem o ensinar e

aprender (FERREIRA, 2005; FERREIRA & GOMES, 2011). Nessa perspectiva

percebo as disputas em torno da significação de conhecimento que vieram

sendo historicamente travadas na transição do currículo como um processo

81

que legitima determinadas intenções educativas e gera recursos específicos

para a sua implementação (GOODSON, 1995 e 1997).

Os cursos de História Natural foram produzidos em meio a um discurso

de que as coisas deveriam ser observadas para, então, serem nomeadas

(FOUCAULT, 2000, p. 177). Essa perspectiva pode ser evidenciada no

currículo da formação de professores em História Natural que era ministrado na

FNFi por meio, por exemplo, na valorização de áreas como Botânica e

Zoologia, caracterizadas por descrições detalhadas, pelo uso de coleções e por

uma ‘necessidade’ de classificação do mundo natural. O contato com esse

currículo, assim como com uma professora e duas alunas que pude entrevistar,

me forneceu interessantes ‘pistas’ para pensar os sentidos de conhecimento

que vieram sendo produzidos, desde a criação do mesmo em 1939, e que

vieram regulando a formação de professores nas décadas de 1950/60/70.

A emergência do ‘novo’ curso, em 1968, foi marcada por uma ‘mescla’

de enunciados naturalistas em meio a um ‘novo’ discurso de modernização e

unificação das Ciências Biológicas, que buscava no método experimental o

status científico de ciências mais consolidadas, como a Física e a Química

(MARANDINO, SELLES & FERREIRA, 2009, p. 37). A estabilidade de

conhecimentos e práticas naturalistas foi alimentada, no ‘novo’ curso, por

professores que, ocupando posições de catedráticos, a despeito da Lei nº

5.540, ainda permaneciam exercendo poder na organização departamental, na

criação de disciplinas e dos créditos atribuídos a elas, na contratação de

professores e na elaboração das práticas curriculares. Enunciados naturalistas

podem ser percebidos na manutenção de disciplinas de certas áreas do

conhecimento – como a Botânica e a Zoologia –, assim como nas atividades

práticas que ‘mesclavam’ aspectos da História Natural – tais como a dissecção,

a produção de coleções e a construção de aparelhos – com disciplinas que

exploram conteúdos da matemática, da experimentação e a aprendizagem do

mundo ‘micro’. Percebemos indícios dessa história tanto nas produçoes atuais

sobre a formação de professores da área quanto em minha própria experiência

recente como aluna do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas aqui

investigado.

Buscando compreender os mecanismos de estabilidade e de mudança

do currículo estudado, aponto para elementos externos que ajudaram a

82

produzir um discurso das Ciências Biológicas como ciência moderna e

‘unificada’ na formação de professores de Ciências e Biologia no âmbito do

IB/UFRJ. As inovações curriculares, principalmente aquelas relacionados aos

métodos experimentais, foram sendo disseminadas em ações do CECIGUA e

demais Centros de Ciências111 localizados em algumas capitais do Brasil, além

do ‘Instituto Brasileiro de Educação, Ciência Cultura’ (IBECC)112. Para

Marandino, Selles & Ferreira (2009, p. 57), essas instituições estiveram

voltadas para a produção e a disseminação de “propostas de cunho

experimental para o ensino de Ciências”, apoiadas pelo Ministério da Educação

e de organismos estrangeiros como as Fundações Ford e Rockfeller e a União

Panamericana (KRASILCHIK, 2000, p. 91 apud LUCAS, VALLA & FERREIRA,

2011, p. 5). A participação de licenciandos e de professores recém-formados

da Universidade em treinamentos e cursos organizados, principalmente pelo

CECIGUA, além da relação social e profissional de alguns professores do

IB/UFRJ com essas instituições, foram aos poucos produzindo discursos

inovadores em cursos de Licenciatura como o aqui investigado.

Nesse contexto, percebo o caráter prático como uma regularidade que

tem informado a formação de professores na área, por meio de ações que não

estavam mais fortemente relacionadas à aprendizagem das ciências de

referência – a História Natural e, posteriormente, as Ciências Biológicas – do

que ao aprender a ensinar. Nos anos de 1960/70, a prática como a melhor

forma de ensinar o conhecimento biológico estava presente na ordem do

discurso no curso de formação de professores em Ciências e Biologia do

IB/UFRJ. Entendendo a formação inicial de professores aqui investigada

criando normas e padrões discursivos de “como” ensinar Ciências e Biologia,

vejo o currículo como constituidor de identidades. Nesse movimento, o

processo de formação de professores se estrutura, portanto, como uma relação

de poder (COUTINHO & SOMMER, 2011) na qual o professor se apropria de

práticas e de saberes que fazem a mediação com ele mesmo, de modo a

direcionar a sua conduta como um ‘bom’ profissional na sua área de atuação.

111

Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo. 112

Órgão responsável pelos projetos da UNESCO no país e pela busca de financiamento para projetos de educação, ciência e cultura (ABRANTES, 2008; MARANDINO, SELLES & FERREIRA, 2009 apud LUCAS, VALLA & FERREIRA, 2011, p. 50).

83

Destacando a separação entre conhecimento específico e pedagógico,

assim como a relação entre teoria e prática como enunciados que permanecem

regulando a formação de professores no curso investigado, percebo que o

‘bom’ professor de Ciências e Biologia tem sido definido, simultaneamente, por

meio de noções de como ele deve e não deve ser. Compreendendo que uma

reforma curricular frequentemente inclui aspectos progressivos e regressivos,

de acordo com o contexto histórico nas quais emerge (GOODSON, 1999;

POPKEWITZ, 1997 apud JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 261), entendo que a

produção de novos sentidos de conhecimento que direcionam a formação do

‘bom’ professor de Ciências Biológicas no curso de Licenciatura da UFRJ nas

décadas de 1960/70, não é um sinônimo de avanço em relação ao passado.

Ele é, na perspectiva aqui adotada, uma combinação de enunciados que

ressignificam lógicas tradicionais, no diálogo com as ‘novidades’.

84

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90

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91

Anexos

92

Roteiro de Entrevista - Professora

1º Bloco: história pessoal no curso.

1. Onde e qual foi sua formação inicial?

2. Em qual ano você começou a lecionar no curso de História Natural da

UFRJ?

2º Bloco: o curso de História Natural

3. Como era organizado o curso?

3. O que você destaca como características marcantes do curso?

4. Em relação ao conhecimento, o que era hegemônico no curso?

5. Em relação à forma de ensinar, o que era hegemônico no curso?

6. O modelo da racionalidade técnica estava presenta na formação dos

professores?

7. Sobre os materiais didáticos, quais eram suas origens?

8. Quem eram os autores principais desses materiais?

9. As atividade práticas faziam parte das disciplinas?

10. Os trabalhos de campo estavam presente no curso?

3º Bloco: A transição da História Natural para as Ciências Biológicas

11. Como foi a “aceitação” do corpo docente na transição do curso de História

Natural para Ciências Biológicas?

12. Houve disputas no corpo docente por hegemonia nesse novo curso?

13. Como ocorreu a estruturação do Instituto em departamentos? Que disputas

você percebeu nesse momento?

14. Como ocorreu a elaboração do novo currículo? Existia uma comissão?

Você fez parte dessa elaboração?

15. Quais foram os maiores obstáculos na criação do novo currículo?

16. Você percebeu alguma interferência dos acordos internacionais do MEC

nesse novo currículo?

17. Existia um intercâmbio entre os docentes da UFRJ e cientistas e

93

professores estrangeiros?

14. O que e como chegavam a UFRJ as ideias sobre a Biologia Unificada com

o viés da Evolução?

18. Quais foram as principais mudanças em relação à grade curricular?

19. E a forma de ensinar o conteúdo, sofre mudanças?

20. Algum conteúdo que era ensinado antes da reforma, passou a não ser mais

ensinado?

4º Bloco: A formação de professores e a nova grade curricular

21. Em relação à formação dos professores, quais foram as principais

mudanças que ocorreram no curso com a transição da História Natural para as

Ciências Biológicas?

22. A experimentação didática estava presente no discurso da formação de

professores?

23. A experimentação didática era vista como uma experimentação científica?

94

Roteiro de Entrevista - Estudantes

1º Bloco: história pessoal no curso.

1. Em qual ano você iniciou o curso?

2º Bloco: o curso de História Natural / Ciências Biológicas

2. Como era organizado o curso?

3. O que você destaca como características marcantes do curso?

4. Em relação ao conhecimento, o que era hegemônico no curso?

5. Em relação à forma de ensinar, o que era hegemônico no curso?

6. Sobre os materiais didáticos, quais eram suas origens?

7. Quem eram os autores principais desses materiais?

8. As atividades práticas faziam parte das disciplinas?

9. Os trabalhos de campo estavam presentes no curso?

3º Bloco: A transição da História Natural para as Ciências Biológicas

10. Como foi a “aceitação” do corpo docente na transição do curso de História

Natural para Ciências Biológicas?

11. Houve disputas no corpo docente por hegemonia nesse novo curso?

12. O que mais mudou nessa transição da História Natural para as Ciências

Biológicas, em relação a criação de novas disciplinas e organização da grade

curricular?

13. O que lhe pareceu ter inalterado nessa transição? E o que você acha que

explica isso?

14. Como ocorreu a estruturação do Instituto em departamentos? Que disputas

você percebeu nesse momento?

15. Como ocorreu a elaboração do novo currículo? Existia uma comissão?

16. Quais foram os maiores obstáculos na criação do novo currículo?

17. Você percebeu alguma interferência dos acordos internacionais do MEC

nesse novo currículo?

18. Existia um intercâmbio entre os docentes da UFRJ e cientistas e

professores estrangeiros?

19. O que e como chegavam a UFRJ as ideias sobre a Biologia Unificada com

o viés da Evolução?

95

4º Bloco: A formação de professores

20. Você se formou em licenciatura?

21. Como era organizado o currículo da licenciatura?

22. Alguma característica marcante no curso de licenciatura?

23. A experimentação didática estava presente no discurso da formação de

professores?

96

Ministério da Educação e Cultura: Documenta 10, dezembro de

1962.

97

98

99

Currículos da Faculdade Nacional de Filosofia: aprovados pelo

Parecer nº 280/65, em 10/06/1965.

100

101

Ministério da Educação e Cultura: Documenta 34, fevereiro de

1965.

102

103

104

105

Ministério da Educação e Cultura: Currículos Mínimos dos

Cursos Superiores, 1968-1969.

106

107

108

109

110

111

112

113

Ministério da Educação e Cultura: Documenta 111, fevereiro de

1970.

114

115

116

117

118

119

120

121

122

Estatuto do Conselho Federal de Educação – Decreto nº 66.536,

aprovados pelos Pareceres: 913/69, 914/69 e 525/69, em

12/05/1970.

123

124

125

Regimento do Instituto de Biologia, aprovado pelo Conselho

Universitário em 12/08/1971.

126

127

128

129