geomorfologia ambiental

24
CLIMEP – Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index Rio Claro (SP) – Vol.7 – n.1-2 – janeiro/dezembro/2012, p. 22 A CARTOGRAFIA GEOMORFOLÓGICA DE DETALHE: UMA PROPOSTA VISANDO À MULTIDISCIPLINARIDADE Cenira Maria Lupinacci da Cunha 1 Débora Silva Queiroz 2 Introdução Nos dias atuais, em que a questão ambiental se tornou premente, constata-se que o planejamento e a gestão dos recursos naturais constituem uma necessidade para seu sucesso. Assim, para que o referido planejamento seja possível, faz-se necessário um inventário do substrato físico-natural do território a ser gerenciado. Dessa forma, considerando-se que o relevo é um dos elementos que compõem este substrato, o levantamento e a análise de suas características têm relevância para os processos de planejamento e gestão ambiental. Nesse contexto, a cartografia das feições de relevo é instrumento importante por possibilitar identificar o contexto espacial em que tais feições se estruturam. Griffits e Abraham (2008) afirmam que os mapas geomorfológicos têm especial importância para os estudos de planejamento ambiental, pois permitem compreender a distribuição espacial dos processos atuais e pretéritos, responsáveis pelas formas de relevo das paisagens contemporâneas. Assim, a representação cartográfica do relevo pode fornecer dados sobre as condições locais para ocupação ou, ainda, em caso de ocupação já efetiva, pode auxiliar na identificação de áreas potencialmente problemáticas no futuro. Contudo, convém lembrar que existem dificuldades para a realização dos mapeamentos geomorfológicos que derivam da própria natureza do objeto relevo. Assim, mapear esse objeto, o qual, por definição, é tridimensional, utilizando duas dimensões, cria dificuldades as quais refletem na grande variedade de sugestões, no que se refere aos símbolos e tramas para a realização dessa tarefa.

Upload: sirius-lindo

Post on 17-Sep-2015

272 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Geomorfologia Ambiental -

TRANSCRIPT

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 22

    A CARTOGRAFIA GEOMORFOLGICA DE DETALHE: UMA PROPOSTA VISANDO MULTIDISCIPLINARIDADE

    Cenira Maria Lupinacci da Cunha1

    Dbora Silva Queiroz2

    Introduo

    Nos dias atuais, em que a questo ambiental se tornou premente, constata-se

    que o planejamento e a gesto dos recursos naturais constituem uma necessidade

    para seu sucesso. Assim, para que o referido planejamento seja possvel, faz-se

    necessrio um inventrio do substrato fsico-natural do territrio a ser gerenciado.

    Dessa forma, considerando-se que o relevo um dos elementos que compem este

    substrato, o levantamento e a anlise de suas caractersticas tm relevncia para os

    processos de planejamento e gesto ambiental.

    Nesse contexto, a cartografia das feies de relevo instrumento importante

    por possibilitar identificar o contexto espacial em que tais feies se estruturam.

    Griffits e Abraham (2008) afirmam que os mapas geomorfolgicos tm especial

    importncia para os estudos de planejamento ambiental, pois permitem

    compreender a distribuio espacial dos processos atuais e pretritos, responsveis

    pelas formas de relevo das paisagens contemporneas. Assim, a representao

    cartogrfica do relevo pode fornecer dados sobre as condies locais para ocupao

    ou, ainda, em caso de ocupao j efetiva, pode auxiliar na identificao de reas

    potencialmente problemticas no futuro.

    Contudo, convm lembrar que existem dificuldades para a realizao dos

    mapeamentos geomorfolgicos que derivam da prpria natureza do objeto relevo.

    Assim, mapear esse objeto, o qual, por definio, tridimensional, utilizando duas

    dimenses, cria dificuldades as quais refletem na grande variedade de sugestes,

    no que se refere aos smbolos e tramas para a realizao dessa tarefa.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 23

    Griffits e Abraham (2008), analisando a produo inglesa, afirmam que os

    mapas geomorfolgicos criados pelos geomorflogos acadmicos so documentos

    complexos que, geralmente, requerem a interpretao de um especialista o que

    dificulta seu uso por outros profissionais. Os autores sugerem que tais mapas devem

    ser repensados, tanto em termos de escala como em termos de contedo, para

    facilitar o atendimento ao usurio.

    Considerando essas questes, o objetivo deste artigo avaliar as

    possibilidades e limitaes do uso de ortofotocartas digitais como base para a

    apresentao de mapeamentos geomorfolgicos de detalhe para leitores no

    especialistas, associando tais ortofotos a esquemas de representao em bancos de

    dados em SIG.

    Compreende-se que a leitura dos mapeamentos geomorfolgicos por

    profissionais de outras reas ainda questo a ser resolvida nas propostas

    metodolgicas de cartografia do relevo. As cartas geomorfolgicas contm grande

    nmero de informaes, essenciais para a compreenso da dinmica do relevo, que

    so representadas por smbolos e tramas, o que, frequentemente, compromete sua

    leitura por outros profissionais. Considerando a importncia da informao

    geomorfolgica para o planejamento, geralmente realizado por equipes pluri-

    disciplinares, busca-se aqui discutir alternativas para a apresentao de uma forma

    mais eficaz destes mapeamentos. Assim, considerando a viso de Fookes, Lee e

    Griffiths (2007), sobre a importncia do uso de ortofotos como base para o

    mapeamento geomorfolgico, buscam-se novas alternativas para facilitar a sua

    leitura.

    Como rea de estudo, foi selecionado um setor do municpio de Mongagu.

    Essa escolha deve-se tanto disponibilidade de material para essa rea, como

    possibilidade de avaliar a questo da cartografia geomorfolgica em ambiente

    litorneo. Considera-se importante avaliar essa questo para as reas litorneas,

    visto seu carter azonal constituir um desafio para a universalizao dos smbolos e

    procedimentos. Alm disso, os setores litorneos no Brasil so de ocupao antiga,

    e isso se reflete na necessidade premente de planejamento da expanso urbana e

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 24

    de resoluo de problemas urbanos. Para isso, os estudos tm que ser de detalhe e

    elaborados por equipes multidisciplinares. Acredita-se que um mapeamento

    geomorfolgico de qualidade possa fornecer informaes sobre as fragilidades

    potenciais do relevo em relao ao uso e ocupao, sendo instrumento auxiliar para

    o planejamento urbano. Assim, inicialmente, apresenta-se uma breve reviso terica

    sobre a questo da cartografia geomorfolgica.

    A Cartografia Geomorfolgica

    A representao cartogrfica do relevo pode fornecer dados sobre as

    condies locais para ocupao ou, ainda, em caso de ocupao j efetiva, pode

    auxiliar na identificao de reas potencialmente problemticas no futuro. Assim,

    trata-se de assunto pertinente diante do quadro atual de intenso uso da terra.

    Nesse sentido, Bocco, Mendoza e Velzquez (2001) destacam a importncia

    da cartografia geomorfolgica para pases em desenvolvimento ao apresentarem

    proposta de mapeamento do relevo para a regio centro-oeste mexicana. Os

    autores afirmam que mapeamentos em escala de reconhecimento (1: 250.000) so

    importantes para orientar a avaliao e o planejamento de grandes territrios.

    J Nygaard e Kolstrup (2008), estudando reas periglaciais, destacam a

    importncia do mapeamento geomorfolgico em relao escolha de locais para a

    amostragem das formaes superficiais e para o monitoramento dos processos

    erosivos-deposicionais, em ambientes dominados por aquelas condies climticas,

    as quais propiciam fluxos significativos de sedimentos em determinados perodos do

    ano.

    Dessa forma, a cartografia geomorfolgica constitui um tipo de mapeamento

    cuja complexidade inerente ao prprio objeto de representao. O relevo

    apresenta, tambm, uma diversidade de formas e de gnese, geradas por

    complicados mecanismos que atuam no presente e que atuaram no passado. Dessa

    forma, segundo Ross (1991, p. 17):

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 25

    interpretar o relevo no simplesmente saber identificar padres de formas ou tipos de vertentes e vales, no simplesmente saber descrever o comportamento geomtrico das formas, mas saber identific-las e correlacion-las com os processos atuais e pretritos, responsveis por tais modelados, e com isso estabelecer no s a gnese mas tambm sua cronologia, ainda que relativa.

    Portanto, uma cartografia geomorfolgica eficiente deve indicar todos esses

    elementos, considerados como essenciais para o entendimento do relevo. Assim,

    uma classificao gentica e cronolgica do relevo em estudo permite identificar

    formas ativas e processos operantes, possibilitando avaliar as consequncias da

    interferncia antrpica sobre tais reas.

    Desse modo, interessante notar que autores da cartografia temtica, como

    Cuff e Mattson (1982), entendem que a representao cartogrfica das formas de

    relevo constitui uma categoria nica, pois envolve tanto dados qualitativos (forma)

    como quantitativos (altitudes, declividade, etc.). preciso lembrar que, alm dos

    citados, comum, nas cartas geomorfolgicas, a presena de dados sobre a

    cronologia.

    Assim, constata-se que os mapas geomorfolgicos so, realmente, produtos

    diferenciados no mbito da cartografia temtica, no s por abarcarem dados

    qualitativos e quantitativos, mas tambm por utilizarem para isso os trs modos de

    implantao da informao, isto , utilizam-se os modos linear, pontual e zonal em

    um mesmo mapa. (MARTINELLI, 1991).

    Dessa forma, representar todas as informaes necessrias ao entendimento

    do relevo em um nico documento cartogrfico torna-se uma tarefa difcil de ser

    executada, levando diversidade de procedimentos tcnicos os quais variam de

    acordo com as caractersticas da rea pesquisada, a escala de trabalho e o objetivo

    do pesquisador. Assim, Argento (1995, p. 366) defende que no contexto

    operacional, os mapeamentos geomorfolgicos no seguem um padro predefinido,

    tanto em nvel de escalas adotadas, como quanto adoo de bases taxonmicas a

    elas aferidas.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 26

    Theler et al. (2010) afirmam que o contedo dos mapas geomorfolgicos

    tradicionais nem sempre respondem s necessidades dos pesquisadores. Alm

    disso, os autores chamam a ateno para a possvel subjetividade que o material

    pode conter, devido s inmeras propostas metodolgicas existentes para sua

    realizao. Sobre essa questo, Panizza (1978) j enfatizava o problema da

    quantidade e diversidade de dados, os quais, na viso desse autor, apesar do rigor

    cientfico, podem comprometer o uso prtico desse tipo de mapeamento.

    Nesse contexto, importante compreender ainda a questo da escala de

    trabalho a qual condiciona os fatos geomorfolgicos com possibilidade de serem

    mapeados. Ser de acordo com a escala do mapeamento que se poder

    representar determinada unidade taxonmica do relevo.

    Castiglioni et al. (1999), ao relatarem uma experincia, na Itlia, de

    mapeamento geomorfolgico na escala de 1:250.000 registram a dificuldade de

    aliar tal escala questo da evoluo temporal das formas de relevo. Apesar disso,

    os autores destacam a possibilidade de diagnosticar cenrios complexos,

    principalmente litorneos, que necessitam de estudos de mais detalhe, a partir

    dessa escala mais generalizada.

    Ainda sobre a questo da escala, Minr e Evans (2008) tambm chamam a

    ateno para a necessidade de se reconhecerem as limitaes impostas. Assim, na

    pesquisa desenvolvida pelos autores, esses exemplificam tal limitao, apontando

    que descontinuidades, mapeadas como limites entre formas elementares em uma

    escala de anlise, podem ser mapeadas como outras formas elementares em outras

    escalas e isso precisa ainda ser avaliado. importante considerar que a questo

    apontada pelos autores se refere complexidade da escala tmporo-espacial

    discutida por Cailleux e Tricart (1956, citado por Tricart, 1965) na dcada de 1950.

    Assim, naquela ocasio, os autores j apontavam que a dimenso das feies

    geomorfolgicas e a forma de sua cartografia passam, necessariamente, pela

    limitao imposta pela escala.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 27

    Sobre a questo da escala, a viso de Gustavsson e Kolstrup (2009) diverge

    daquela colocada por Minr e Evans (2008). Os autores testaram uma proposta de

    legenda para a regio central da Sucia e concluram ser possvel manter a mesma

    legenda e, portanto, o mesmo nvel de informao para escalas diferentes (1:5.000,

    1:25.000 e 1:50.000), utilizando Sistemas de Informao Geogrfica. Os autores

    chamam a ateno para a necessidade de testar tal sistema de legenda para outros

    terrenos e para a inviabilidade do procedimento para material impresso, pois a

    leitura dos mapas de menor detalhe fica comprometida nessa situao. Quando

    lidos em meio digital, o recurso de zoom, disponvel nos sistemas, possibilita uma

    boa leitura dos mapas de escala mais generalizada.

    J com relao ao contedo, Gustavsson, Kolstrup e Seijmonsbergen (2006)

    apresentam uma compilao interessante sobre quais so esses e suas formas de

    representao nas principais escolas europeias.

    Ainda, sobre as escolas europeias, destaca-se a anlise realizada por

    Pavlopoulos, Evelpidou e Vassilopoulos (2009) sobre a evoluo da cartografia

    geomorfolgica. Para os autores citados, a introduo da ideia da evoluo constante

    da superfcie terrestre atravs da teoria davisiana, em 1899, caracteriza um marco

    importante para a cartografia geomorfolgica. At esse perodo, as descries

    fisiogrficas e os blocos diagramas eram as tcnicas principais de estudo da

    geomorfologia. A partir da idia de dinmica constante da superfcie introduzida pelo

    ciclo geogrfico davisiano, o uso de apenas esses instrumentos passou a no ser mais

    satisfatrios; identificava-se a necessidade de novas tcnicas que possibilitassem uma

    anlise integrada de diversas variveis do relevo. Contudo, para Pavlopoulos,

    Evelpidou e Vassilopoulos (2009), foi somente aps a Segunda Guerra Mundial, com a

    disseminao do uso das fotografias areas, amplamente utilizadas durante aquele

    conflito, que a cartografia geomorfolgica evoluiu o suficiente para estabelecer seu

    contedo bsico e iniciar a busca por padres de legenda e simbologia.

    Sobre esse perodo, Gustavsson (2006) destaca a importncia da criao da

    subcomisso de mapeamento geomorfolgico ocorrida durante o 18 Congresso da

    Unio Geogrfica Internacional, no Rio de Janeiro, em 1956. Segundo o autor, essa

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 28

    Comisso reuniu-se regularmente durante a dcada de 60, culminando com a

    publicao de uma legenda unificada em 1968, e a obra de Demek, em 1967. O autor

    ainda destaca os esforos do International Institute for Aerial Surveu and Earth

    Sciences (ITC) na Holanda, atravs do trabalho de Verstappen e Zuidan o qual se

    inicia em 1965 e dela, no Brasil, tem-se acesso terceira edio, datada de 1975.

    Esse trabalho do ITC, na viso de Gustavsson (2006), tambm busca a padronizao

    de legendas e procedimentos.

    Assim, apesar dessa preocupao antiga com a padronizao, Pavlopoulos,

    Evelpidou e Vassilopoulos (2009) afirmam que, mesmo entre os europeus,

    considerada de difcil concepo, devido aos diversificados interesses dos

    pesquisadores e a variedade de terrenos investigados. Assim, os autores afirmam que

    os pesquisadores franceses e hngaros enfatizam o papel da estrutura na definio

    das unidades geomorfolgicas, enquanto os alemes, poloneses, russos e romenos

    do grande importncia forma. J os pesquisadores da Gr-Bretanha desenvolveram

    um sistema emprico, tambm utilizado pelos belgas e canadenses, que valoriza as

    vertentes e planos e possibilita a quantificao de diversos parmetros, incluindo idade

    e aspectos da gnese. Ainda, os autores destacam a noo de land system

    desenvolvido na Austrlia e utilizado em diversas outras partes do mundo, inclusive no

    Brasil, como pode ser constatado no mapeamento geomorfolgico do Estado de So

    Paulo produzido pelo IPT (1981b).

    Na viso de Gustavsson (2006), nas ltimas dcadas, a cartografia

    geomorfolgica pode ser compreendida a partir de duas abordagens distintas: a

    abordagem analtica que considera aspectos morfolgicos, morfogenticos e

    morfocronolgicos, podendo apresent-los conjuntamente ou de forma separada; e a

    abordagem sinttica, que avalia um ou mais aspectos geomorfolgicos em conjunto

    com outros dados como solos e vegetao. Na interpretao de Florenzano (2008)

    sobre essas abordagens, a analtica pode ser exemplificada por cartas morfomtricas

    ou morfodinmicas, enquanto a sinttica se faria por documentos produzidos atravs

    da metodologia australiana baseada na noo de land system. Florenzano (2008)

    ainda destaca a importncia das cartas morfomtricas como possveis sistemas de

    mapeamento do relevo de carter universal. A autora coloca que as cartas

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 29

    morfomtricas podem vir a constituir : um caminho para uma linguagem universal

    (FLORENZANO, 2008, p. 111) j que se trata de documentos que realizam anlises

    quantitativas do relevo e, portanto, o grau de subjetividade na interpretao dos dados

    menor.

    Sobre essa questo, destaca-se o trabalho de Minr e Evans (2008) sobre

    modelagem matemtica de formas elementares do relevo como base para o

    mapeamento geomorfolgico. A concepo desses autores aproxima-se da ideia de

    Florenzano (2008) ao proporem que as superfcies sejam classificadas de acordo com

    sua forma, atravs da anlise geomtrica do terreno. Assim, os autores concebem que

    a homogeneidade gentica refletida pela homogeneidade morfomtrica e mudanas

    genticas esto ligadas a descontinuidades morfomtricas. Assim, ao identificar

    atravs de modelos geomtricos as mudanas de forma, utilizando bases topogrficas

    em Sistemas de Informao Geogrfica, ser possvel definir de forma matemtica as

    unidades homogneas de formas elementares.

    Essa questo importante, atualmente, devido potencialidade do uso dos

    Sistemas de Informao Geogrfica para a anlise integrada da paisagem. Estes

    sistemas no comportam os mapeamentos geomorfolgicos tradicionais, nos quais o

    uso de smbolos e linhas constante. Para a integrao e tratamento dos dados

    geomorfolgicos, os mapeamentos devem apresentar unidades espaciais (polgonos)

    fechadas que apresentem determinados atributos que as caracterizem. Neste sentido,

    Minr e Evans (2008) buscam apontar caminhos para tal tipo de anlise e consideram

    que, atravs do critrio geomtrico e dos modelos matemticos, os resultados

    produzidos podem ser comparados e a linguagem utilizada precisa.

    Buscando unidades de relevo na forma de polgonos fechados, destaca-se o

    trabalho de Pasuto e Soldati (1999), na Itlia. Os autores afirmam que em alguns casos

    os mapeamentos geomorfolgicos tradicionais so sobrecarregados por informaes

    que no respondem diretamente ao interesse da pesquisa. Assim, quando tratam de

    reas submetidas a intensos processos gravitacionais, como as estudadas pelos

    autores, esses sugerem o uso de landslides units como elemento norteador dos

    mapeamentos. Tais unidades so definidas de acordo com os depsitos avaliados em

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 30

    campo, e as formas de relevo registradas em produtos cartogrficos ou de sensores

    remoto. Para isso, os estudos devem ser em escala de detalhe e contar com o auxlio

    de anlises laboratoriais dos depsitos, para identificar a origem e perodo de

    deposio.

    Gustavsson, Kolstrup e Seijmonsbergen (2006) atentam para outra questo

    importante relacionada aos Sistemas de Informao Geogrfica. Os autores afirmam

    que, muitas vezes, as informaes geomorfolgicas que integram os bancos de dados

    so introduzidas por especialistas em Sistemas de Informao Geogrfica e no por

    especialistas em geomorfologia. Os autores entendem, portanto, que este desafio deve

    ser enfrentado pelos geomorflogos nas prximas dcadas, enfatizando a importncia

    de se manter o uso de smbolos lineares e pontuais como fonte de informao

    essencial para o entendimento da dinmica do relevo. Assim, acredita-se que essa

    viso seja pertinente, quando se trata de ambientes quentes e midos, nos quais, em

    cenrio natural, a morfognese tende a ser mais lenta do que em outros ambientes e,

    para ser identificada, necessita da representao de feies geomorfolgicas de

    detalhe, as quais, muitas vezes, so os indicativos da atividade morfogentica.

    Diante do exposto, convm enfatizar que, em funo do problema especfico de

    legibilidade, constata-se que, de acordo com o objetivo de cada autor, existem

    diferenciaes quanto aos elementos representados e a maneira de represent-los.

    Alm disso, deve-se considerar que a orientao terico-metodolgica, a escala de

    trabalho e as especificidades das reas estudadas constituem outro fator a ser

    analisado, para que se possam compreender as diferenciaes nos mapeamentos

    geomorfolgicos. Dessa maneira, neste artigo discutem-se alternativas para a

    apresentao dos mapeamentos geomorfolgicos de forma eficiente a leitores no

    especialistas. Para tanto, apresentam-se a seguir as tcnicas utilizadas para a

    confeco do mapeamento sobre a ortofotocarta digital.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 31

    Tcnica Cartogrfica

    O mapeamento em escala de detalhe do setor do municpio de Mongagu foi

    realizado sobre ortofotocarta digital de escala 1:10.000, sendo que tal setor

    corresponde aos terrenos mapeados na Folha Mongagu II (SG-23-V-A-III-2-NO-F),

    elaborada pelo Instituto Geogrfico e Cartogrfico, em 1987 (IGC, 1987). As

    ortofotocartas digitais so resultado da ortorretificao de fotografias areas obtidas

    em um aerolevantamento datado de abril/maio de 2002, realizado pelo consrcio

    Base S.A., Engefoto e Aerocarta para a Agncia Metropolitana da Baixada Santista

    (AGEM) e cedidas pela Prefeitura Municipal de Mongagu para uso em trabalhos

    acadmicos.

    A tcnica de mapeamento geomorfolgico utilizada foi aquela proposta por

    Nunes et al. (1994), que se baseia nos procedimentos tcnicos dos mapas

    geomorfolgicos do Projeto RADAMBRASIL. Considerou-se que essa tcnica supria

    os objetivos da pesquisa devido sua ampla adaptao ao cenrio brasileiro;

    admite-se, contudo, que outras propostas metodolgicas devem ser testadas.

    Nessa tcnica os fatos geomorfolgicos so divididos em domnios

    morfoestruturais, regies geomorfolgicas, unidades geomorfolgicas e tipos de

    modelados. Ao utilizar a ortofotocarta digital com escala 1:10.000, referente ao setor

    do Municpio de Mongagu, como base para o mapeamento geomorfolgico, foi

    possvel identificar at o nvel dos tipos de modelados.

    Desse modo, foi realizada uma delimitao das reas cristalinas e das reas

    de domnio deposicional, atravs da visualizao das formas de relevo

    representadas na ortofotocarta digital. Por meio da interpretao visual das feies,

    foi possvel identificar as linhas de cumeada e subdividir o setor cristalino em

    unidades menores; unidades essas que correspondem ao modelado de dissecao

    proposto por Nunes et al. (1994). Tal subdiviso ocorreu de acordo com a

    visualizao da textura do relevo, das drenagens e das diferentes tonalidades de

    cinza.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 32

    Aps a delimitao das unidades, fez-se o clculo da dimenso interfluvial

    mdia. Para realizar tal clculo, foi quantificada a distncia entre os talvegues e

    calculada essa mdia para cada unidade de modelado de dissecao. O prximo

    passo consistiu em calcular o aprofundamento da drenagem de cada subunidade do

    cristalino. Para a realizao desse clculo, foi necessrio utilizar a carta topogrfica

    Folha Mongagu SG-23-V-A-III-2 (Instituto Geogrfico e Geolgico do Estado de

    So Paulo, 1971), com escala 1:50.000. O clculo foi realizado subtraindo o valor da

    curva de nvel mais elevada pelo valor da curva de nvel de menor altitude presente

    em cada unidade.

    Aps o clculo desses valores, procedeu-se sua classificao e

    hierarquizao, atravs da anlise de grfico de frequncia, os quais so

    apresentados na Figura 1, que aponta as classes de textura do relevo estabelecidas

    para a rea de estudo.

    Figura 1: Classes de dimenso interfluvial mdia e do aprofundamento da drenagem para cada unidade de dissecao do setor cristalino.

    Intensidade do

    aprofundamento da drenagem

    Dimenso Interfluvial Mdia

    Muito fina

    0-100 m

    Fina

    101-200 m

    Mdia

    201- 300 m

    Grosseira 301-

    400 m

    Muito

    grosseira

    400

    Muito fraca

    0-50 m

    5.1 4.1 3.1 2.1 1.1

    Fraca

    51-100 m

    5.2 4.2 3.2 2.2 1.2

    Mediana

    101-150 m

    5.3 4.3 3.3 2.3 1.3

    Forte

    151-200 m

    5.4 4.4 3.4 2.4 1.4

    Muito forte

    200 m

    5.5 4.5 3.5 2.5 1.5

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 33

    Na figura 1, o primeiro algarismo refere-se dimenso interfluvial mdia, a

    qual varia de 1 a 5, indicando que, quanto maior o valor, menor a distncia entre as

    drenagens inseridas em cada unidade. J o segundo algarismo refere-se

    intensidade de aprofundamento da drenagem, que varia entre 1 e 5, apontando que,

    quanto maior o valor, maior a diferena altimtrica entre os vales e os topos de cada

    unidade.

    As unidades do setor cristalino tambm foram classificadas de acordo com o

    formato do topo, agrupando-se as unidades em duas categorias de dissecao:

    dissecao com topos em colinas (Dc) e dissecao com topo aguado (Da). As

    unidades dissecadas com topos em colinas so um conjunto de formas de relevo de

    topos convexos. As demais caractersticas descritas pelo autor para esse tipo de

    modelado (vertentes e vales) no so adequados para a rea desta pesquisa;

    assim, utiliza-se somente a caracterizao dos topos por compreender que as

    vertentes e vales no so necessariamente vinculados ao termo colinas. J as

    unidades de dissecao com topo aguado so um conjunto de formas de relevo

    com topos estreitos e alongados, vales encaixados e, geralmente, vertentes com

    declividade acentuada, como proposto pelo autor.

    A interpretao visual da ortofotocarta digital no setor deposicional possibilitou

    a identificao dos modelados de acumulao. Assim, foram identificados os

    seguintes modelados de acumulao: acumulao coluvial (Ac), acumulao de

    terrao marinho (Atm I e Atm II), acumulao marinha (Am), acumulao de terrao

    fluvial (Atf) e acumulao de plancie fluvial (Apf).

    No setor cristalino, foi possvel verificar ainda a atividade mineradora que

    ocorre no setor mapeado e as concavidades pronunciadas nas vertentes que

    indicam drenagens. J no setor de acumulao da rea estudada foram encontradas

    diversas feies mapeadas atravs de simbologias: no modelado de acumulao de

    terrao fluvial foram identificadas marcas de paleodrenagens e na rea urbanizada

    identificou-se uma rodovia. Ainda, na rea deposicional foi possvel verificar a

    existncia de cursos dgua, percebidos devido colorao mais escura que o

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 34

    entorno. Na rea litornea, foram identificadas drenagens que desguam no oceano

    atravs de sua foz, a qual ntida na rea de acumulao marinha.

    Nunes et al. (1994) apresentam os smbolos a serem utilizados nos

    mapeamentos geomorfolgicos (Figura 2). Assim, foram inseridos smbolos na borda

    de terrao fluvial e na borda de terrao marinho; smbolo esse composto de retas

    paralelas, perpendiculares ao contorno do terrao fluvial e do terrao marinho.

    As marcas de paleodrenagens receberam um smbolo formado por retas

    separadas por pontos. J o smbolo de linha de cumeada uma linha contnua. O

    smbolo de linha de cumeada diferencia-se do smbolo do limite de modelado devido

    espessura da linha. A linha de cumeada tem maior espessura em relao linha

    de limite de modelado.

    As drenagens so representadas no mapa por linhas contnuas na cor azul; a

    linha de costa por uma linha contnua em outra tonalidade de azul. A linha de costa

    tem uma tonalidade mais escura em relao s linhas que demarcam as drenagens.

    A rodovia representada por uma linha contnua preta, tendo sido ainda inserido o

    smbolo da minerao.

    A proposta de Nunes et al. (1994) aponta para o uso de cores para diferenciar

    os modelados de dissecao e os modelados de acumulao. As cores utilizadas

    foram extradas da Folha SD 24 Salvador do Projeto RADAMBRASIL (BRASIL,

    1981). Nessa folha, os modelados de dissecao recebem cores em tonalidades de

    vermelho e os modelados de acumulao recebem cores em tonalidades de

    amarelo, tambm utilizadas nesta pesquisa. As cores foram inseridas com o uso do

    recurso de transparncia, a fim de propiciar condies para que o leitor possa

    observar a ortofotocarta digital adjacente.

    Para finalizar, foi elaborada a legenda de acordo com aquelas dos mapas

    geomorfolgicos do Projeto RADAMBRASIL. Assim, na legenda constam as cores e

    as letras utilizadas nos modelados de dissecao e nos modelados de acumulao,

    bem como a descrio de cada modelado e os smbolos utilizados.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 35

    Figura 2 Simbologia e cores utilizadas no mapeamento geomorfolgico de acordo com a proposta de Nunes et al. (1994). Apresentam-se essas sem estarem sobrepostas imagem e com a sobreposio.

    Tipos de Modelados Simbologia Feio Geomorfolgica

    Simbologia

    Cristalino

    Linha de Cumeada

    Colvio

    Paleodrenagem

    Terrao Marinho Primeiro nvel

    (Atm I)

    Borda de terrao fluvial

    Terrao Marinho

    Segundo nvel (Atm II)

    Borda de terrao marinho

    Terrao Fluvial

    Plancie Fluvial

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 36

    Resultados

    Para realizar a anlise do mapeamento apresenta-se, na figura 2, um trecho

    dele com a sobreposio da ortofotocarta digital (Fig. 3) e o mapa geomorfolgico

    sem a sobreposio da ortofotocarta digital (Fig. 4).

    Fig. 3 e 4 - Mapeamento geomorfolgico sobreposto a ortofotocarta digital e sem a presena dessa. A legenda encontra-se na fig. 2.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 37

    Esta forma de representar o relevo busca proporcionar uma melhor

    legibilidade aos leitores que no esto acostumados com os mapeamentos

    geomorfolgicos. Busca-se tal legibilidade com a utilizao da ortofotocarta digital,

    pois, ao visualizar a sobreposio de simbologias com o produto de sensor remoto

    possvel fazer uma associao do smbolo com as feies do relevo que

    representado.

    Outro ponto importante a visualizao das concavidades no terreno e da

    diferena altimtrica entre o terrao marinho, o colvio e o setor cristalino,

    possibilitando a percepo da tridimensionalidade do relevo atravs da textura

    impressa na imagem da ortofotocarta digital. Acredita-se que isso melhora a

    legibilidade do produto, se comparado com a visualizao bidimensional

    proporcionada pelo mapeamento geomorfolgico tradicional, contendo apenas cores

    e smbolos. Convm lembrar ainda que, com o uso da ortofoto, torna-se possvel

    verificar as intervenes antrpicas no modelado, o que facilita a leitura e

    interpretao do mapa por outros profissionais que trabalham com a anlise

    ambiental.

    Na figura 3, possvel verificar a abertura de vias, na rea de terrao marinho

    (Atm II), cortando a cobertura de restinga tpica desse ambiente. Alm disso, a rea

    urbana, no extremo sul-sudeste da fig. 3, aproxima-se de reas de colvio (Ac),

    terreno reconhecido por seu carter de instabilidade eminente devido grande

    mobilizao de materiais vindos do setor serrano, pelos processos pluviais e

    gravitacionais relacionados ao escoamento superficial.

    Ainda, considerando o procedimento proposto por Nunes et al. (1994),

    verificou-se que o uso de cores associadas transparncia, como realizado, em

    conjunto com os smbolos de ressalto topogrfico, possibilitaram uma boa

    diferenciao entre os compartimentos. Considerando que esse tipo de mapeamento

    possa vir a se constituir como um plano de informao dentro de um banco de dados

    utilizado para o planejamento urbano e, portanto, lido em meio digital, no qual

    possvel organizar camadas de informaes (Fig. 5) que podem ser visualizadas, de

    acordo com a necessidade do usurio, o mapeamento realizado em cores, com o

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 38

    uso de transparncias, bastante eficiente na identificao dos diferentes terrenos

    que compem a rea estudada.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 39

    Figura 5 Fragmento da carta geomorfolgica do setor litorneo, elaborada segundo Nunes et al. (1994), e as possibilidades de sua leitura em meio

    digital. A legenda encontra-se na fig. 2.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 40

    Na figura 5, apresentam-se algumas possibilidades de visualizao das

    informaes em meio digital. Assim, na figura 5-A apresenta-se o mapeamento

    finalizado, com todas as informaes representadas. No fragmento B tem-se

    somente a imagem do terreno e no fragmento C o mapeamento geomorfolgico

    desse. Em meio digital, o usurio pode retornar ao terreno, como no fragmento D,

    sobrepondo os limites das reas de acumulao e as simbologias lineares. Assim,

    seria possvel uma leitura mais direta do que tais feies geomorfolgicas significam

    no terreno. As possibilidades de leitura em meio digital dos mapeamentos

    geomorfolgicos no devem ser desconsideradas no contexto atual, no qual os

    estudos ambientais e de planejamento frequentemente se utilizam de bancos de

    dados complexos para atingir seus objetivos.

    Alm disso, a morfometria das reas cristalinas permite a identificao de

    nveis de fragilidade potencial do relevo que constituem dado importante para a

    definio da potencialidade de uso de cada terreno. Na figura 5, por exemplo,

    ocorrem vrios nveis diferenciados de dissecao, representados pelas expresses

    alfanumricas Dc 1.3 a Dc 4.5, na qual o primeiro dgito identifica a dimenso

    interfluvial e o segundo dgito discrimina a intensidade do aprofundamento da

    drenagem, cujo significado pode ser mais facilmente observado no fragmento D.

    Ao suprimir o preenchimento dos polgonos, cria-se a possibilidade de o leitor

    observar os diferentes nveis de dimenso interfluvial e, atravs da textura,

    compreender o significado dos diferentes valores de aprofundamento da drenagem.

    Assim, no esporo serrano localizado no setor direito da figura 5 tem-se, na vertente

    orientada a oeste, maior dissecao no que se refere dimenso interfluvial do que

    naquela voltada para leste. J com relao ao aprofundamento da drenagem, os

    valores so semelhantes, visto que o nvel de base local refere-se prpria plancie

    quaternria.

    Contudo, a identificao das unidades de dissecao, a partir das quais se

    mapeia a morfometria, bastante comprometida na ortofotocarta digital, podendo o

    foto intrprete ser facilmente confundido pelo ngulo de luminosidade que incide

    sobre o terreno no momento da tomada da fotografia area. Terrenos intensamente

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 41

    iluminados apresentam, aparentemente, textura diferente do que aqueles, muitas

    vezes contguos, orientados para a sombra. Esse fato tambm compromete a

    identificao das drenagens visto que essas, na rea cristalina, so mapeadas

    utilizando, principalmente, o sombreamento produzido pelas concavidades do relevo.

    Nas vertentes voltadas diretamente para a luz, quando da tomada da fotografia,

    esse sombreamento no eficientemente produzido, sendo pouco pronunciado.

    Dessa forma, importante analisar a ortofocarta digital em conjunto com mapas

    topogrficos de escala de detalhe.

    Considera-se, ainda, em ambientes litorneos, essencial a identificao e o

    mapeamento das bordas dos terraos, caracterizadas por ressaltos topogrficos,

    para a identificao dos compartimentos geomorfolgicos vinculados aos diversos

    agentes deposicionais e suas fases de atuao, principalmente no caso especfico

    dos diferentes nveis de terrao marinho. No caso desta pesquisa, diferenciaram-se

    apenas dois nveis de rebordo de terrao; h propostas metodolgicas, contudo, que

    apresentam uma gama significativa de simbologias, permitindo avaliar metricamente

    tais desnveis. Para utilizar tal nvel de detalhe, seriam necessrias cartas

    topogrficas de escala de maior detalhe, mas no se pde obt-las nesta pesquisa.

    Alm disso, a ausncia de estereoscopia das ortofotocartas digitais compromete,

    significativamente, o procedimento e a preciso de tais limites.

    Consideraes Finais

    importante ressaltar que, de acordo com os objetivos desta pesquisa, o

    mapeamento gerado deveria ser representado sobreposto a uma imagem do

    terreno, visando facilitar a leitura aos no especialistas da rea. Assim, acredita-se

    que os exemplos mostrados podem comprovar que a presena de uma imagem do

    terreno, que possa ser diretamente associada ao mapeamento, constitui um

    facilitador para a leitura dos mapeamentos geomorfolgicos. Tais mapas so

    diferenciados devido prpria natureza do objeto a ser mapeado, como por

    implantarem a informao, utilizando tanto polgonos como pontos e linhas.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 42

    Considera-se, por fim, que outras propostas tcnicas para a execuo dos

    mapeamentos devem ser avaliadas, assim como outros produtos do sensoriamento

    remoto podem ser analisados como informao de fundo a compor os mapeamentos

    geomorfolgicos.

    Referncias

    ARGENTO, M.S.F. Mapeamento Geomorfolgico. In: GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. da (Org). Geomorfologia: uma atualizao de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p.365-391. BOCCO, G.; MENDOZA, M. VELZQUEZ, A. Remote sensing and GIS-based regional geomorphological mapping a tool for land use planning in developing countries. Geomorphology, n. 39, p. 211-219, 2001. BRASIL. Departamento Nacional de Produo Mineral. Projeto RADAMBRASIL. Folhas SD 24 Salvador: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetao e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Projeto RADAMBRASIL, 1981. CASTIGLIONI, G. B.; BIANCOTTI, A.; BONDESAN, M.; CORTEMIGLIA, G. C.; ELMI, C.; FAVERO, V.; GASPERI, G.; MARCHETTI, G. Geomorphological map of the Po plain, Italy. Earth Surface Processes and Landforms, n.24, p.1115-1120, 1999. CUFF, D.J.; MATTSON, M.T. Thematic maps. New York: Methuen & Co., 1982. DEMEK, J. (Ed). Progress made in geomorphological mapping. BRNO: IGU Comission on Applied Geomorphology, 1967. FLORENZANO, T. G. Cartografia. In: ____________ Geomorfologia: Conceitos e tecnologias atuais. So Paulo: Oficina de textos, 2008. p. 105-128. FOOKES, P.G.; LEE, E. M.; GRIFFITHS, J. S. Engineering geomorphology: Theory and practice. Boca Raton: CRC Press, 2007. GRIFFITHS, J. S.; ABRAHAM, J. K. Factors affecting the use of applied geomorphology maps to communicate with different end-user. Journal of maps, p. 201-210, 2008. GUSTAVSSON, M. Development of a detailed geomorphological mapping system and GIS Geodatabase in Sweden.Digital comprehensive summaries Uppsala dissertation from de Faculty from Science and Technology, n. 236. 2006. GUSTAVSSON, M.; KOLSTRUP, E.; SEIJMONSBERGEN, A. C. A new symbol-and-GIS based detailed geomorphological mapping system: Renewal of a scientific

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 43

    discipline for understanding landscape development. Geomorphology, n. 77, p. 90-111, 2006. GUSTAVSSON, M.; KOLSTRUP, E. New geomorphological mapping system used at different scales in a Swedish glaciated area. Geomorphology, n. 110, p.37-49, 2009. INSTITUTO GEOGRFICO E CARTOGRFICO DO ESTADO DE SO PAULO. Folha topogrfica Mongagu II. So Paulo: Governo do Estado, 1987. 1 mapa. Escala 1:10.000. INSTITUTO GEOGRFICO E GEOLGICO DO ESTADO DE SO PAULO. Folha topogrfica de Mongagu. So Paulo: Governo do Estado, 1971. 1 mapa. Escala 1:50.000. INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLGICAS DO ESTADO DE SO PAULO. Mapa geomorfolgico do estado de So Paulo. So Paulo: IPT, 1981b. 2v. MARTINELLI, M. Curso de cartografia temtica. So Paulo: Contexto, 1991. MINR, J.; EVANS, I. S. Elementary forms for land surface segmentation: The theoretical basis of terrain analysis and geomorphological mapping. Geomorphology, n. 95, p. 236259, 2008. NUNES, B. A.; RIBEIRO, M. I de C.; ALMEIDA, V. J.; NATALI FILHO, T. Manual tcnico de geomorfologia. Rio de Janeiro: IBGE, 1994. 113p. (Srie Manuais Tcnicos em Geocincias, n.5). NYGAARD, N.; KOLSTRUP, E. Detailed geomorphological mapping: A potential basis for sediment flux assessment. Z. Geomorph. N. F, Berlin, n. 52, Suppl.1, p. 199-210, jan. 2008. PANIZZA, M. Analysis and mapping of geomorphological processes in environmental management. Geoforum, v. 9, n. 1, pp. l-15, 1978. PASUTO, A.; SOLDATI, M. The use of landslide units in geomorphological mapping: an example in the Italian Dolomites. Geomorphology, n. 30, p. 53-64, 1999. PAVLOPOULOS, K; EVELPIDOU, N.; VASSILOPOULOS, A. Mapping geomorphological environments. Berlin: Springer, 2009. ROSS, J. L. S. Geomorfologia: Ambiente e planejamento. So Paulo: Contexto, 1991. THELER, D.; REYNARD, E.; LAMBIEL, C.; BARDOU, E. The contribution of geomorphological mapping to sediment transfer evaluation in small alpine catchments. Geomorphology, n. 124, p. 113-123, 2010.

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 44

    TRICART, J. Principes et mthodes de la gomorphologie. Paris: Masson et Cie, 1965.

    Agradecimentos FAPESP pelo financiamento atravs dos processos n. 2008/10965-5 e 2009/16903-4.

    RESUMO Considera-se que a leitura dos mapeamentos geomorfolgicos por profissionais de outras reas ainda questo a ser resolvida nas propostas metodolgicas de cartografia do relevo. Nesse contexto, o objetivo deste artigo avaliar as possibilidades e limitaes do uso de ortofotocartas digitais como base para a apresentao de mapeamentos geomorfolgicos de detalhe para leitores no especialistas, associando tais ortofotos a esquemas de representao em bancos de dados em SIG. As cartas geomorfolgicas contm grande nmero de informaes, essenciais para a compreenso da dinmica do relevo, que so representadas por smbolos e tramas, o que, frequentemente, compromete sua leitura por outros profissionais. Assim, foi realizado o referido mapeamento de um setor do municpio de Mongagu (SP), ambiente litorneo, cujo planejamento da expanso urbana faz--se necessria. Os resultados obtidos demonstram que a associao entre a imagem do terreno, impressa na ortofotocarta digital, com planos de informao de modelados e feies geomorfolgicas, podem auxiliar na leitura e interpretao do significado ambiental das feies de relevo mapeadas. Palavras-chave: Geomorfologia. Litoral. Cartografia geomorfolgica. Morfometria. Fragilidade Potencial. Legibilidade.

    ABSTRACT It is considered that the reading of geomorphological mappings by professionals of other areas is still an issue that has to be discussed in methodological proposals of relief cartography. In this sense, this paper aims to evaluate the possibilities and limitations of using digital ortophoto maps as basis for the presentation of detailed geomorphological cartography for non-specialists readers, associating these orthophotos to representation schemes in GIS databases. The geomorphological mappings contain a large number of essential information for understanding the dynamics of the relief, which are represented by symbols and plots that often undermines their reading by other professionals. Thus, a sector of the city of Mongagu in the state of So Paulo was mapped. This is a coastal environment in which the planning of urban sprawl is necessary. The results show that the association between the image of the terrain, printed in digital ortophoto map, and information plans of modeling and geomorphological features, can assist in reading and interpreting the environmental significance of the mapped relief features. Keywords: Geomorphology. Coastline. Geomorphological cartography. Morphometry. Potential Fragility. Readability. RESUMEN

    Se considera que la lectura de la cartografa geomorfolgica hecha por profesionales de

    otras reas an queda por resolverse en las propuestas metodolgicas de cartografa del

    relieve. En este contexto, el objetivo de este trabajo es evaluar las posibilidades y

    limitaciones del uso de ortofotocartas digitales como base para la presentacin de la

    cartografa geomorfolgica de detalle para lectores no expertos, asociando estas ortofotos a

    esquemas de representacin en las bases de datos en SIG. Las cartas geomorfolgicas

  • CLIMEP Climatologia e Estudos da Paisagem http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/climatologia/index

    Rio Claro (SP) Vol.7 n.1-2 janeiro/dezembro/2012, p. 45

    contienen un gran nmero de informacin, esencial para comprender la dinmica del relieve,

    las cuales estn representadas por smbolos y grficos, lo que a menudo compromete su

    lectura por otros profesionales. As se lleva a cabo la representacin cartogrfica de un

    sector del municipio de Mongagu (SP) ambiente costero que se hace necesario planear la

    expansin urbana. Los resultados obtenidos demuestran que la asociacin entre el imagen

    del terreno, impreso en ortofotocarta digital, con planes de informacin de modelados y

    caractersticas geomorfolgicas pueden ayudar en la lectura e interpretacin del significado

    ambiental de las caractersticas del relieve mapeado.

    Palabras-clave: Geomorfologa. Litoral. Cartografa Geomorfolgica. Morfometra. Debilidad

    Potencial. La Legibilidad.

    Informaes sobre os autores: 1Cenira Maria Lupinacci da Cunha - http://lattes.cnpq.br/2689821323942199 Gegrafa, Mestre em Geografia e Doutora em Geocincias e Meio Ambiente. Docente do curso de graduao e ps-graduao em Geografia do Instituto de Geocincias e Cincias Exatas , UNESP, Universidade Estadual Paulista, Campus de Rio Claro, Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento, Laboratrio de Geomorfologia. Contato: [email protected] 2Debora Silva Queiroz - http://lattes.cnpq.br/5854222234849486 Estudante de graduao em Geografia, bolsista de iniciao cientfica da FAPESP, Instituto de Geocincias e Cincias Exatas, UNESP, Universidade Estadual Paulista, Campus de Rio Claro, Laboratrio de Geomorfologia. Contato: [email protected]