golan farmacologia capitulo 24

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Farmacologia Cardiovascular Integrativa: Hipertensão, Cardiopatia Isquêmica e Insuficiência Cardíaca 24 April W. Armstrong, Ehrin J. Armstrong e Thomas P. Rocco Introdução Caso, Parte I: Hipertensão Fisiopatologia da Hipertensão Função Cardíaca Função Vascular Função Renal Função Neuroendócrina Manejo Clínico da Hipertensão Redução do Volume Intravascular Diuréticos Infra-Regulação do Tônus Simpático Antagonistas dos Receptores -Adrenérgicos Antagonistas dos Receptores -Adrenérgicos Simpaticolíticos Centrais Modulação do Tônus do Músculo Liso Vascular Bloqueadores dos Canais de Ca 2+ Ativadores dos Canais de K + Modulação do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina Antagonistas AT 1 (Bloqueadores do Receptor de Angiotensina) Monoterapia e Cuidados por Etapas Possíveis Fatores Demográficos Crise Hipertensiva Caso, Parte II: Cardiopatia Isquêmica Fisiopatologia da Cardiopatia Isquêmica Coronariopatia Crônica Redução do Fluxo Coronariano Disfunção Endotelial Síndromes Coronarianas Agudas Manejo Clínico da Cardiopatia Isquêmica Coronariopatia Crônica Antagonistas dos Receptores -Adrenérgicos Bloqueadores dos Canais de Ca 2+ Nitratos Aspirina Agentes Hipolipêmicos Angina Instável e Infarto do Miocárdio sem Elevação do Segmento ST Agentes Antianginosos Heparina e Aspirina Antagonistas da Glicoproteína IIb-IIIa Antagonistas do Receptor de ADP das Plaquetas Infarto do Miocárdio com Elevação do Segmento ST Trombolíticos Intervenção Percutânea Primária Manejo Pós-Infarto do Miocárdio Caso, Parte III: Insuficiência Cardíaca Fisiopatologia da Insuficiência Cardíaca Etiologias da Disfunção Contrátil Compensação Cardíaca Mecanismo de Frank-Starling Remodelagem e Hipertrofia Cardíacas Ativação Neuro-Humoral Manejo Clínico da Insuficiência Cardíaca Redução da Pré-Carga Diuréticos Antagonistas dos Receptores de Aldosterona Venodilatadores Redução da Pós-Carga Inibidores da ECA Antagonistas dos Receptores -Adrenérgicos Vasodilatadores Agentes Inotrópicos Glicosídios Cardíacos Aminas Simpaticomiméticas Inibidores da Fosfodiesterase Terapia de Combinação Conclusão e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas

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  • Farmacologia CardiovascularIntegrativa: Hipertenso, CardiopatiaIsqumica e Insuficincia Cardaca

    24

    April W. Armstrong, Ehrin J. Armstrong e Thomas P. Rocco

    IntroduoCaso, Parte I: HipertensoFisiopatologia da Hipertenso

    Funo CardacaFuno VascularFuno RenalFuno Neuroendcrina

    Manejo Clnico da HipertensoReduo do Volume Intravascular

    DiurticosInfra-Regulao do Tnus Simptico

    Antagonistas dos Receptores -AdrenrgicosAntagonistas dos Receptores -AdrenrgicosSimpaticolticos Centrais

    Modulao do Tnus do Msculo Liso VascularBloqueadores dos Canais de Ca2+

    Ativadores dos Canais de K+

    Modulao do Sistema Renina-Angiotensina-AldosteronaInibidores da Enzima Conversora de AngiotensinaAntagonistas AT1 (Bloqueadores do Receptor de Angiotensina)

    Monoterapia e Cuidados por EtapasPossveis Fatores DemogrficosCrise Hipertensiva

    Caso, Parte II: Cardiopatia IsqumicaFisiopatologia da Cardiopatia Isqumica

    Coronariopatia CrnicaReduo do Fluxo CoronarianoDisfuno Endotelial

    Sndromes Coronarianas AgudasManejo Clnico da Cardiopatia Isqumica

    Coronariopatia CrnicaAntagonistas dos Receptores -AdrenrgicosBloqueadores dos Canais de Ca2+

    NitratosAspirina

    Agentes HipolipmicosAngina Instvel e Infarto do Miocrdio sem Elevao do

    Segmento STAgentes AntianginososHeparina e AspirinaAntagonistas da Glicoprotena IIb-IIIaAntagonistas do Receptor de ADP das Plaquetas

    Infarto do Miocrdio com Elevao do Segmento STTrombolticosInterveno Percutnea Primria

    Manejo Ps-Infarto do MiocrdioCaso, Parte III: Insuficincia CardacaFisiopatologia da Insuficincia Cardaca

    Etiologias da Disfuno ContrtilCompensao Cardaca

    Mecanismo de Frank-StarlingRemodelagem e Hipertrofia CardacasAtivao Neuro-Humoral

    Manejo Clnico da Insuficincia CardacaReduo da Pr-Carga

    DiurticosAntagonistas dos Receptores de AldosteronaVenodilatadores

    Reduo da Ps-CargaInibidores da ECAAntagonistas dos Receptores -AdrenrgicosVasodilatadores

    Agentes InotrpicosGlicosdios CardacosAminas SimpaticomimticasInibidores da Fosfodiesterase

    Terapia de CombinaoConcluso e Perspectivas FuturasLeituras Sugeridas

  • Farmacologia Cardiovascular Integrativa: Hipertenso, Cardiopatia Isqumica e Insuficincia Cardaca | 407

    INTRODUO

    Nos Caps. 18-23, a farmacologia do sistema cardiovascular con-siderada dentro do contexto de cada sistema fisiolgico. Assim, por exemplo, os diurticos so discutidos no contexto da regula-o de volume, enquanto os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) so discutidos no contexto do tnus vascular. A manifestao clnica das doenas cardiovasculares freqente-mente envolve interaes entre esses sistemas individuais. Em conseqncia, o manejo farmacolgico muitas vezes precisa recorrer ao uso de agentes de diversas classes farmacolgicas. Este captulo trata de trs estados comuns de doenas cardio-vasculares hipertenso, cardiopatia isqumica e insuficincia cardaca no contexto de um nico caso clnico longitudinal. Para cada uma dessas doenas, o conhecimento da fisiopatologia da doena fornece a base para o fundamento racional de cada interveno farmacolgica e tambm pode ressaltar o potencial de efeitos colaterais, como interaes medicamentosas graves. Este captulo visa integrar a fisiopatologia com a farmacologia para proporcionar uma compreenso abrangente e mecanista do manejo atual das doenas cardiovasculares comuns.

    nn Caso, Parte I: Hipertenso

    Thomas N, 45 anos de idade, gerente de uma empresa de telecomu-nicaes, procura a clnica de cardiologia para avaliao de dispnia aos esforos. O Sr. N sempre teve o cuidado de manter seu condiciona-mento aerbico; entretanto, aproximadamente 6 meses antes de sua visita clnica de cardiologia, comeou a notar uma intensa falta de ar medida que se aproximava o trmino de sua corrida diria, finalizada com uma inclinao suave, porm longa, na esteira. No transcorrer desses 6 meses, o paciente relata uma progresso dos sintomas de tal maneira que, agora, ele raramente consegue completar a primeira metade de sua corrida diria sem descansar. Nega qualquer descon-forto torcico em repouso ou com atividade fsica. Sua histria familiar notvel pela ocorrncia de hipertenso e aterosclerose prematura. O Sr. N nunca utilizou produtos base de tabaco.

    Ao exame, o paciente apresenta-se hipertenso (presso arterial de 160/102 mm Hg), e pode-se ouvir uma quarta bulha pr-sistlica proeminente no pice ventricular esquerdo. O exame inespecfico sob os demais aspectos. A radiografia de trax considerada nor-mal. O eletrocardiograma (ECG) revela um ritmo sinusal normal com critrios de voltagem para hipertrofia ventricular esquerda. O Sr. N encaminhado para avaliao cardaca no-invasiva, incluindo uma prova de esforo e um ecocardiograma transtorcico. A freqncia cardaca mxima atinge 170 batimentos/min durante o exerccio, e o Sr. N precisa interromper o teste, devido ao aparecimento de dispnia intensa numa carga de 7 METS. (METS so equivalentes metablicos, uma medida do consumo de energia; um valor de 7 METS est abaixo do normal para a idade deste paciente.) No h evidncias de isquemia do miocrdio com base nos critrios ECG. O ecocardiograma bidimensional revela hipertrofia ventricular esquerda de padro concn-trico, aumento do trio esquerdo e valvas artica e mitral normais. O enchimento diastlico ventricular esquerdo est anormal, com reduo da taxa de enchimento rpido precoce e aumento significativo no grau de enchimento durante a sstole atrial.

    QUESTESn 1. Tendo em vista a gravidade da hipertenso desse caso, o Sr.

    N provavelmente ir necessitar de pelo menos dois frmacos

    para obter um controle adequado da presso arterial. Quais so as recomendaes atuais para iniciar a terapia farmacol-gica anti-hipertensiva e quais as metas teraputicas? Quando h necessidade de tratamento com mltiplos frmacos?

    n 2. Os diurticos tiazdicos vm sendo utilizados durante mui-tos anos como terapia de primeira linha em pacientes com hipertenso. Por que os diurticos devem ser utilizados com cautela nesse paciente? Em que situaes clnicas os tiazdi-cos constituem agentes de primeira linha apropriados? Em que contexto se recomenda o uso de agentes alternativos?

    FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSO

    A hipertenso uma doena amplamente prevalente, que repre-senta um importante fator de risco para eventos cardiovascula-res adversos, como acidente vascular cerebral, coronariopatia, doena vascular perifrica, insuficincia cardaca e doena renal crnica. Nos estudos de preveno primria conduzidos, observa-se uma relao contnua entre a presso arterial e os desfechos cardiovasculares adversos, incluindo morte. Essa relao se mantm at mesmo com o nvel de presso arte-rial previamente definido como normal. O reconhecimento cada vez maior da importncia da hipertenso at mesmo leve contribuiu para revises peridicas da abordagem clnica dessa doena, incluindo critrios para o diagnstico de hipertenso, estratificao da gravidade da hipertenso e indicaes para tratamento. Por exemplo, embora a elevao da presso sistlica fosse a principal indicao para a instituio do tratamento anti-hipertensivo, percebe-se, atualmente, que a presso sistlica elevada por si s (hipertenso sistlica isolada) constitui uma indicao suficiente para o tratamento, sobretudo em pacientes idosos. Os critrios atuais, que esto listados no Quadro 24.1, provm do relatrio de consenso mais recente.

    Um dos principais obstculos no tratamento da hipertenso consiste na natureza em grande parte assintomtica da doena, mesmo com elevao pronunciada da presso arterial sistmi-ca. Essa separao entre sintomas e conseqncias adversas a longo prazo fez com que a hipertenso recebesse a designao de assassino silencioso. Por exemplo, o Sr. N comeou a apresentar sintomas somente depois de praticar atividade fsica por um longo perodo de tempo. Entretanto, a gravidade de sua hipertenso faz com que corra risco significativo de desenvol-ver coronariopatia, acidente vascular cerebral e insuficincia cardaca. Por conseguinte, as estratgias efetivas para a detec-o e o manejo da hipertenso representam elementos crticos na preveno primria e secundria da doena cardiovascular.

    Felizmente, o nmero e o espectro de agentes disponveis para tratar pacientes com hipertenso ampliaram-se notavel-mente no decorrer dessas ltimas duas dcadas. Esses frmacos podem ser inicialmente administrados como agentes isolados (monoterapia). Entretanto, a natureza progressiva da hiperten-so tipicamente leva ao uso de um esquema de mltiplos fr-macos. Embora os alvos clnicos finais do tratamento possam variar ligeiramente de um paciente para outro, o principal obje-tivo do tratamento consiste em reduzir a presso arterial medida para nveis na faixa de 120 mm Hg para a presso sistlica e abaixo de 80 mm Hg para a presso diastlica.

    Tipicamente, a hipertenso classificada em hipertenso pri-mria (essencial) ou secundria. A hipertenso essencial, cuja causa responsvel pela elevao da presso arterial permanece desconhecida, afeta 90 a 95% da populao hipertensa. A etio-logia da hipertenso essencial , provavelmente, multifatorial,

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    e vasoconstritivos (por exemplo, endotelina) locais. Alm dis-so, a presena de defeitos nos canais inicos no msculo liso vascular pode causar elevaes anormais do tnus vasomotor basal, resultando em aumento da resistncia vascular sistmi-ca. Tipicamente, a hipertenso baseada na resistncia vascular manifesta-se como elevao predominante da presso arterial sistlica. Os estudos realizados demonstraram a eficincia dos diurticos tiazdicos nessa populao de pacientes, de modo que esses frmacos constituem o tratamento inicial preferido.

    FUNO RENALAs anormalidades da funo renal tambm podem contribuir para o desenvolvimento de hipertenso sistmica. A reteno excessiva de Na+ e de H2O pelos rins responsvel pela hiper-tenso baseada no volume. A doena parenquimatosa renal, causada por leso glomerular com reduo da massa de nfrons funcionais e/ou secreo excessiva de renina, pode levar a um aumento anormal do volume intravascular. Alternativamente, a ocorrncia de mutaes nos canais inicos pode comprometer a excreo normal de Na+. A doena renovascular (por exemplo, estenose da artria renal causada por placas aterosclerticas, displasia fibromuscular, mbolos, vasculite ou compresso externa) pode resultar em diminuio do fluxo sangneo renal. Em resposta a essa reduo na presso de perfuso, as clu-las justaglomerulares aumentam a secreo de renina, o que, por sua vez, leva produo aumentada de angiotensina II e aldosterona. Esses ltimos mediadores aumentam tanto o tnus vasomotor quanto a reteno de Na+/H2O, levando a um perfil hemodinmico caracterizado por elevao do DC e da RVS.

    FUNO NEUROENDCRINAA disfuno do sistema neuroendcrino incluindo regulao central anormal do tnus simptico basal, respostas atpicas ao estresse e respostas anormais a sinais provenientes de baror-receptores e receptores de volume intravasculares pode alterar a funo cardaca, vascular e/ou renal, com conseqente elevao da presso arterial sistmica. Entre os exemplos de anormalidades endcrinas associadas hipertenso sistmica, destacam-se a secreo excessiva de catecolaminas (feocro-mocitoma), a secreo excessiva de aldosterona pelo crtex da supra-renal (aldosteronismo primrio) e a produo excessiva de hormnios tireoidianos (hipertireoidismo).

    MANEJO CLNICO DA HIPERTENSO

    Conforme discutido anteriormente, a hipertenso representa um complexo desafio clnico, visto que a elevao da presso

    incluindo fatores tanto genticos quanto ambientais, como consu-mo de lcool, obesidade e ingesto de sal. A compreenso mais pormenorizada da fisiopatologia da hipertenso primria deve aguardar a elucidao de predisposies genticas e/ou mecanis-mos moleculares subjacentes. A hipertenso secundria refere-se a pacientes cuja elevao da presso arterial pode ser atribuda a uma causa definida. Alguns exemplos de hipertenso secund-ria incluem hiperaldosteronismo primrio, uso de anticoncepcio-nais orais, doena renal primria e doena renovascular.

    Os principais determinantes da presso arterial so discutidos no Cap. 21. Em resumo, a presso arterial determinada pelo produto da freqncia cardaca, volume sistlico e resistncia vas-cular sistmica (Fig. 24.1). A freqncia cardaca determinada, em grande parte, pela atividade simptica. O volume sistlico depende da carga (pr-carga e ps-carga) e da contratilidade. A resistncia vascular sistmica reflete o tnus vascular agregado das subdivises arteriolares da circulao sistmica. A abordagem far-macolgica racional no tratamento da hipertenso tanto primria quanto secundria exige uma compreenso da fisiologia da regu-lao da presso arterial normal e dos mecanismos possivelmente responsveis pela hipertenso nesses pacientes.

    FUNO CARDACA Um mecanismo potencial para a elevao persistente da presso arterial consiste em elevao primria no dbito cardaco (hiper-tenso de alto dbito). A ocorrncia de uma circulao hiper-cintica pode resultar de atividade simpaticoadrenal excessiva e/ou sensibilidade aumentada do corao a nveis basais de reguladores neuro-humorais. O padro hemodinmico de hip-ertenso baseada na bomba (isto , aumento do dbito carda-co [DC] com resistncia vascular sistmica [RVS] normal) mais freqentemente observado em pacientes mais jovens com hipertenso essencial. Com o decorrer do tempo, esse padro pode evoluir para um perfil hemodinmico, em que o principal foco da doena parece deslocar-se para a vasculatura perifrica (ver adiante). Devido ao mecanismo subjacente da hipertenso de alto dbito, o tratamento com antagonistas atraente nessa populao de pacientes.

    FUNO VASCULARA hipertenso baseada na resistncia vascular (isto , DC normal com aumento da RVS) um mecanismo comum subja-cente observado na hipertenso do idoso. Nos indivduos que apresentam essa forma de hipertenso, acredita-se que a vas-culatura seja anormalmente sensvel estimulao simptica, a fatores circulantes ou a reguladores locais do tnus vascu-lar. Isso pode ser mediado, em parte, por leso ou disfuno endotelial, que rompe comprovadamente o equilbrio normal entre os fatores vasodilatadores (por exemplo, xido ntrico)

    QUADRO 24.1 Classificao da Hipertenso em Adultos de Acordo com o JNC-VII

    PRESSO ARTERIAL SISTLICA (mm Hg) PRESSO ARTERIAL DIASTLICA (mm Hg)

    Normal < 120 e < 80

    Pr-hipertenso 120-139 ou 80-89

    Hipertenso de estgio 1 (moderada) 140-159 ou 90-99

    Hipertenso de estgio 2 (grave) 160 ou 100

    (Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure; 2003.)

  • Farmacologia Cardiovascular Integrativa: Hipertenso, Cardiopatia Isqumica e Insuficincia Cardaca | 409

    arterial pode permanecer assintomtica durante muitos anos, mesmo quando ocorre leso considervel dos rgos-alvo. Em conseqncia, o tratamento efetivo da hipertenso deve recorrer a estratgias para a identificao de pacientes assintomticos, particularmente aqueles que correm alto risco de apresentar os efeitos adversos da doena nos rgos-alvo. Como o uso de agentes anti-hipertensivos pode ser inconveniente para a vida de um paciente assintomtico, o tratamento a longo prazo do paciente hipertenso exige o uso de esquemas farmacolgicos, que devem ser individualizados para obter uma aderncia tima do paciente ao tratamento e eficcia dos frmacos. Por conseguinte, necessrio considerar o perfil de segurana, o esquema de dosagem e o custo desses agentes.

    A primeira conduta no tratamento da hipertenso o acon-selhamento relativo importncia de efetuar modificaes no estilo de vida. As modificaes no estilo de vida que esto associadas a resultados favorveis em pacientes hipertensos incluem perda de peso, aumento da atividade fsica, abandono do tabagismo e dieta com baixo teor de gordura e de sdio. A reduo ou eliminao dos agentes exgenos passveis de induzir hipertenso como etanol, anticoncepcionais orais, glicocorticides e drogas estimulantes tambm podem ter um benefcio clnico demonstrvel. Embora as terapias no-farmacolgicas por si ss possam no produzir uma reduo suficiente da presso arterial, constituem adjuvantes essenciais para o tratamento farmacolgico.

    Utiliza-se um extenso arsenal de frmacos para tratar a hipertenso sistmica. Todavia, todos esses agentes exercem, em ltima anlise, seus efeitos sobre a presso arterial atravs de uma reduo no dbito cardaco e/ou na resistncia vascular sistmica. As estratgias atualmente empregadas no tratamento da hipertenso (Quadro 24.2 e Fig. 24.2) consistem na reduo do volume intravascular com vasodilatao concomitante (diu-rticos); infra-regulao do tnus simptico (antagonistas , antagonistas 1, simpaticolticos centrais); modulao do tnus do msculo liso vascular (bloqueadores dos canais de clcio, ativadores dos canais de K+); e inibio dos reguladores neuro-humorais da circulao (inibidores da ECA, antagonistas da AT1 [antagonistas do receptor de angiotensina II]). A reduo da presso arterial produzida por esses frmacos percebida pelos barorreceptores e pelas clulas justaglomerulares renais, que podem ativar respostas contra-reguladoras que atenuam a magnitude da reduo da presso arterial. Essas respostas com-pensatrias podem ser considerveis, exigindo um ajuste da dose e/ou o uso de mais de um agente para obter um controle da presso a longo prazo (Fig. 24.3).

    REDUO DO VOLUME INTRAVASCULAR

    Diurticos Embora os diurticos tenham sido, h muito tempo, um dos pilares da terapia anti-hipertensiva, o mecanismo de ao dos diurticos na hipertenso ainda no est totalmente elucidado. Conforme discutido no Cap. 20, os diurticos diminuem o volu-me intravascular atravs de um aumento na excreo renal de Na+ e H2O. Entretanto, a depleo de volume por si s provavel-mente no pode explicar por completo o efeito anti-hipertensivo dos diurticos.

    Os diurticos tiazdicos (por exemplo, hidroclorotiazida) constituem os frmacos natriurticos mais comumente prescri-tos para o tratamento da hipertenso (Quadro 24.3). Em virtude de suas caractersticas farmacocinticas e farmacodinmicas, os tiazdicos so agentes particularmente teis no tratamento da hipertenso crnica. Os tiazdicos possuem alta disponibilidade oral e longa durao de ao. O efeito anti-hipertensivo inicial parece ser mediado pela diminuio do volume intravascular. Por conseguinte, os tiazdicos mostram-se particularmente efetivos em pacientes com hipertenso baseada no volume, como os que apresentam doena renal primria e pacientes afro-americanos. Os tiazdicos induzem uma diminuio inicial do volume intra-vascular que tem por efeito reduzir a presso arterial ao diminuir o dbito cardaco. Todavia, a diminuio do dbito cardaco esti-mula o sistema renina-angiotensina, levando a uma reteno de volume e atenuao dos efeitos dos tiazdicos sobre o estado do volume. Foi aventada a hiptese de que os tiazdicos exercem um efeito vasodilatador que potencializa a depleo de volume

    PA

    DC

    FC

    SNPSSNSCatecolaminas

    SNSAldosteronaADHPeptdios natriurticos

    SNSCatecolaminas

    SNSCatecolaminas

    Sede

    CatecolaminasATII

    NOProstaciclinaEndotelina ATIIO2H+Adenosina

    VS Inervao direta

    Contratilidade Pr-carga

    Tnus venoso Volume intravascular

    Reteno de Na+/H2O

    Reguladores circulantes

    Reguladores locais

    RVS

    Fig. 24.1 Determinantes da presso arterial sistmica. A presso arterial o produto do dbito cardaco (DC) pela resistncia vascular sistmica (RVS), e o DC o produto da freqncia cardaca (FC) pelo volume sistlico (VS). Esses determinantes so alterados por diversos mecanismos homeostticos. A freqncia cardaca aumentada pelo sistema nervoso simptico (SNS) e pelas catecolaminas, enquanto reduzida pelo sistema nervoso parassimptico (SNPS). O volume sistlico aumentado pela contratilidade e pr-carga e diminudo pela ps-carga (no indicada); todos esses determinantes constituem parmetros importantes da funo cardaca. A pr-carga alterada por mudanas no tnus venoso e no volume intravascular. O SNS e os hormnios, incluindo a aldosterona, o hormnio antidiurtico (ADH) e os peptdios natriurticos, constituem os principais fatores que afetam o volume intravascular. A resistncia vascular sistmica uma funo da inervao direta, dos reguladores circulantes e dos reguladores locais. A inervao direta inclui os receptores 1-adrenrgicos (1-AR), que aumentam a RVS. Os reguladores circulantes incluem as catecolaminas e a angiotensina II (AT II), que aumentam a RVS. Diversos reguladores locais tambm alteram a RVS. Esses reguladores incluem molculas de sinalizao derivadas do endotlio, como xido ntrico (NO), prostaciclina, endotelina e AT II; e reguladores metablicos locais, como O2, H+ e adenosina. A RVS constitui o principal componente da ps-carga, que est inversamente relacionada com o volume sistlico. A combinao do efeito direto da RVS sobre a presso arterial e o efeito inverso da ps-carga sobre o volume sistlico ilustra a complexidade do sistema. indica um efeito estimulador; indica um efeito inibitrio sobre a varivel dentro do boxe.

  • 410 | Captulo Vinte e Quatro

    QUADRO 24.2 Principais Classes de Agentes Anti-Hipertensivos

    DIURTICOS SIMPATICOLTICOS VASODILATADORESBLOQUEADORES DO SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA

    Diurticos tiazdicos Bloqueadores do efluxo simptico do SNC

    Bloqueadores dos canais de clcio

    Inibidores da ECA

    Diurticos de ala Bloqueadores ganglionares Minoxidil Antagonistas AT1Diurticos poupadores de K+ Antagonistas das terminaes

    nervosas adrenrgicas ps-ganglionares

    Hidralazina

    Nitroprussiato de sdio

    Antagonistas 1-adrenrgicos

    Antagonistas 1-adrenrgicos

    Antagonistas -adrenrgicos/-adrenrgicos mistos

    PABCCVasodilatadores arteriais diretos

    DC

    FC

    DiurticosInibidores da ECAAntagonistas AT1

    Antagonistas da endotelina Nitroprussiato de sdioInibidores da ECAAntagonistas AT1

    VS Inervao direta

    Contratilidade Pr-carga

    Tnus venoso Volume intravascular

    Reteno de Na+/H2O

    Reguladores circulantes

    Reguladores locais

    RVS

    Antagonistas

    Antagonistas

    BCC

    BCC

    Antagonistas 1 Antagonistas 1Agonistas 2

    centraisAgonistas 2

    centraisInibidores da ECAAntagonistas AT1

    Antagonistas 1Nitroprussiato de sdioInibidores da ECAAntagonistas AT1

    Fig. 24.2 Efeitos farmacolgicos dos agentes anti-hipertensivos comumente utilizados. Os agentes anti-hipertensivos modulam a presso arterial ao interferir nos determinantes da presso arterial. Muitos desses agentes anti-hipertensivos possuem mltiplas aes. Por exemplo, os bloqueadores do sistema renina-angiotensina, como os inibidores da ECA e os antagonistas AT1, alteram os nveis dos reguladores locais e reguladores circulantes e tambm afetam a reteno renal de Na+ e o tnus venoso. PA, presso arterial; DC, dbito cardaco; RVS, resistncia vascular sistmica; FC, freqncia cardaca; VS, volume sistlico; BCC, bloqueadores dos canais de Ca2+; ECA, enzima conversora de angiotensina.

    Hipertenso

    PA

    PA

    Reflexo barorreceptor

    Efluxo simptico

    Taquicardia,contratilidade

    Vasoconstrio

    Perfuso renal

    Liberao de renina

    Reteno de Na+/H2O

    Interveno farmacolgica

    Diurticos Inibidores da ECAAntagonistas AT1

    Antagonistas 1

    Simpaticolticos (antagonistas )

    Fig. 24.3 Respostas homeostticas compensatrias ao tratamento anti-hipertensivo. Quando a presso arterial reduzida atravs de interveno farmacolgica, ocorre ativao das respostas homeostticas elevao da presso arterial. Essas respostas homeostticas podem ser amplamente divididas em reflexos barorreceptores e reflexos de perfuso renal. Os reflexos barorreceptores, que se originam no arco artico e no seio carotdeo, aumentam o efluxo simptico, resultando em taquicardia, aumento da contratilidade e vasoconstrio; todos esses efeitos aumentam a presso arterial. Os simpaticolticos, como os antagonistas , atenuam as respostas de taquicardia e contratilidade, interrompendo o sistema nervoso simptico. Os antagonistas 1 inibem a vasoconstrio, porm exercem efeitos mnimos sobre a taquicardia ou a contratilidade. A diminuio da perfuso renal induz a liberao aumentada de renina pelas clulas justaglomerulares do rim. A seguir, a renina cliva o angiotensinognio em angiotensina I que, por sua vez, ativada no potente vasoconstritor angiotensina II (no indicada). A angiotensina II aumenta a secreo supra-renal de aldosterona, que atua sobre as clulas principais do ducto coletor, aumentando a reabsoro de Na+ (e, conseqentemente, de gua). A reabsoro aumentada de Na+ aumenta o volume intravascular, resultando, portanto, em elevao da presso arterial. Os diurticos interrompem essa resposta homeosttica ao diminuir a reabsoro de Na+ do nfron; os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) interrompem a formao de angiotensina II; e os antagonistas AT1 impedem a sinalizao da angiotensina II nos rgos-alvo.

    compensada, levando a uma reduo sustentada da presso arte-rial. Essa hiptese corroborada pela observao de que o efeito anti-hipertensivo mximo dos tiazdicos freqentemente obtido em doses mais baixas do que as necessrias para produzir um efeito diurtico mximo. Por conseguinte, os tiazdicos exercem seus efeitos sobre a presso arterial ao influenciar tanto o dbito cardaco quanto a resistncia vascular sistmica.

    O algoritmo de cuidados por etapas da Joint National Commission sugere o uso de diurticos tiazdicos como fr-

    macos de escolha de primeira linha para a maioria dos pacien-tes, a no ser que haja alguma indicao especfica para outro agente anti-hipertensivo (como inibidor da ECA no paciente com diabetes). Essa recomendao provm dos resultados de um estudo clnico em grande escala que observou desfechos

  • Farmacologia Cardiovascular Integrativa: Hipertenso, Cardiopatia Isqumica e Insuficincia Cardaca | 411

    favorveis e uma reduo do custo em associao terapia com tiazdicos.

    Os diurticos de ala (por exemplo, furosemida) so raramente prescritos para o tratamento da hipertenso leve ou moderada. Tipicamente, esses frmacos possuem durao de ao relativamente curta (4-6 h), e, a despeito da acentua-da diurese que ocorre aps a sua administrao, sua eficcia anti-hipertensiva , com freqncia, modesta. Acredita-se que esse impacto modesto sobre a presso arterial seja devido ativao de respostas compensatrias envolvendo os regulado-res neuro-humorais do volume intravascular e da resistncia vascular sistmica. Todavia, existem vrias situaes clnicas bem conhecidas em que os diurticos de ala so preferveis aos tiazdicos, incluindo hipertenso maligna (ver adiante) e hipertenso baseada no volume em pacientes com doena renal crnica avanada.

    Os diurticos poupadores de K+ (por exemplo, espirono-lactona, triantereno, amilorida) so menos eficazes do que os diurticos tiazdicos e diurticos de ala e so utilizados primariamente em associao com outros diurticos, com a finalidade de atenuar ou de corrigir a caliurese (excreo de K+) induzida por frmaco e o conseqente desenvolvimento de hipocalemia. A espironolactona um antagonista dos recep-tores de aldosterona particularmente efetivo no tratamento da hipertenso secundria causada por hiperaldosteronismo. A hipocalemia constitui um efeito colateral metablico comum dos diurticos tiazdicos e diurticos de ala, que inibem a reabsoro de Na+ nos segmentos mais proximais do nfron e aumentam, conseqentemente, o aporte de Na+ e de gua aos segmentos distais do nfron. O aporte distal aumentado de Na+ resulta em aumento compensatrio da reabsoro de Na+ no tbulo distal, que est acoplado a um aumento da excreo de K+. Como este ltimo efeito mediado pela aldosterona (ver Cap. 20), os diurticos poupadores de K+ atenuam esse efeito e, portanto, ajudam a manter os nveis sricos normais de pots-

    sio. preciso ressaltar que tanto os inibidores da ECA (que diminuem a atividade da aldosterona e a excreo de K+) quanto os suplementos de K+ devem ser diminudos ou eliminados nos pacientes em uso de diurticos poupadores de K+, visto que foi relatada a ocorrncia de hipercalemia potencialmente fatal em associao ao uso clnico dos agentes poupadores de K+.

    INFRA-REGULAO DO TNUS SIMPTICOOs frmacos que modulam a atividade adrenrgica so discuti-dos de modo detalhado no Cap. 9, de modo que convm consul-tar esse captulo para uma descrio detalhada da distribuio tecidual dos receptores e e dos efeitos cardiovasculares mediados por esses receptores. Os agentes simpaticolticos uti-lizados no tratamento da hipertenso possuem dois mecanis-mos principais: reduo da resistncia vascular sistmica e/ou reduo do dbito cardaco. Do ponto de vista clnico, esses agentes so amplamente divididos em antagonistas dos recep-tores -adrenrgicos, antagonistas dos receptores -adrenr-gicos e simpaticolticos centrais.

    Antagonistas dos Receptores -Adrenrgicos Os antagonistas dos receptores -adrenrgicos (por exemplo, propranolol, metoprolol, atenolol) constituem agentes de pri-meira linha comumente prescritos no tratamento da hiperten-so. Os efeitos cronotrpicos e inotrpicos negativos desses frmacos (e a conseqente reduo que ocorre na freqncia cardaca, no volume sistlico e no dbito cardaco) so respon-sveis pelo efeito anti-hipertensivo inicial dos antagonistas . Foi tambm relatada uma diminuio do tnus vasomotor, com conseqente reduo da resistncia vascular sistmica, com o uso de tratamento mais prolongado.

    A reduo do tnus vasomotor induzida pelos antagonistas parece ser paradoxal, visto que os receptores 2-adrenrgicos na vasculatura perifrica medeiam a vasodilatao. Todavia, o antagonismo dos receptores 1-adrenrgicos no rim diminui a secreo de renina e, portanto, reduz a produo do vasoconstri-tor potente, a angiotensina II. Este ltimo efeito provavelmente predomina, mesmo quando so administrados antagonistas no-seletivos dos receptores . Embora os antagonistas reduzam efetivamente a presso arterial em pacientes hipertensos, esses frmacos tipicamente no produzem hipotenso em indivduos com presso arterial normal. O aumento da atividade simptica basal nos pacientes hipertensos pode explicar, em parte, a efi-ccia dos antagonistas na reduo da presso arterial nesses indivduos. Em contrapartida, a ativao basal dos receptores em indivduos normais pode ser suficientemente baixa para que os antagonistas do receptor exeram pouco efeito hemodi-nmico. O tratamento com antagonistas tem sido associado a uma elevao dos nveis sricos de triglicerdios e reduo dos nveis de lipoprotenas de alta densidade (HDL); a importncia clnica desses efeitos metablicos potencialmente prejudiciais ainda no foi esclarecida. Os efeitos colaterais no-cardacos do tratamento com antagonistas podem incluir exacerbao da intolerncia glicose (hiperglicemia), sedao, impotncia, depresso e broncoconstrio.

    Dispe-se de antagonistas - mistos (por exemplo, labetalol) em formulaes tanto orais quanto parenterais. A administrao intravenosa de labetalol provoca uma reduo considervel da presso arterial e tem ampla aplicao no tra-tamento de emergncias hipertensivas. O labetalol oral tambm utilizado no tratamento a longo prazo da hipertenso. Uma vantagem potencial desse frmaco reside no fato de a reduo

    QUADRO 24.3 Diurticos Utilizados no Tratamento da Hipertenso

    FRMACO DURAO DE AO (HORAS)

    Diurticos Tiazdicos

    Clorotiazida 6-12

    Clortalidona 48-72

    Hidroclorotiazida 16-24

    Indapamida 24

    Metolazona 24

    Diurticos de Ala

    cido etacrnico 4-5

    Bumetanida 4-5

    Furosemida 4-5

    Torsemida 6-8

    Diurticos Poupadores de Potssio

    Amilorida 6-24

    Eplerenona 24

    Espironolactona 72-96

    Triantereno 8-12

  • 412 | Captulo Vinte e Quatro

    da presso arterial obtida pela diminuio da resistncia vas-cular sistmica (atravs de antagonismo dos receptores 1) no estar associada ao aumento reflexo da freqncia cardaca ou do dbito cardaco (visto que os receptores 1 cardacos tam-bm so antagonizados) que pode ocorrer quando se utilizam agentes vasodilatadores puros como monoterapia.

    Antagonistas dos Receptores -AdrenrgicosOs antagonistas 1-adrenrgicos (por exemplo, prazosin, tera-zosin, doxazosin) so tambm utilizados no tratamento da presso arterial elevada. Os antagonistas 1-adrenrgicos ini-bem o tnus vasomotor perifrico, reduzindo a vasoconstrio e diminuindo a resistncia vascular sistmica. A ausncia de efeitos adversos sobre o perfil dos lipdios sricos durante o tratamento a longo prazo com antagonistas 1-adrenrgicos freqentemente citada como uma notvel vantagem desses frmacos em relao a outras medicaes anti-hipertensivas. Todavia, o benefcio a longo prazo dessa vantagem, se houver, ainda no foi estabelecido em estudos clnicos randomizados. Alm disso, em um estudo clnico de grande porte compa-rando os diferentes agentes anti-hipertensivos, foi constatada uma incidncia aumentada de insuficincia cardaca no grupo randomizado para o doxazosin.

    Os antagonistas -adrenrgicos no-seletivos (por exemplo, fenoxibenzamina, fentolamina) no so utilizados no trata-mento a longo prazo da hipertenso, visto que o seu uso pro-longado pode resultar em respostas compensatrias excessivas. Por exemplo, o antagonismo dos receptores 2-adrenrgicos centrais desinibe o efluxo simptico, resultando em taquicar-dia reflexa no-oposta. Todavia, esses agentes esto indicados para o tratamento do feocromocitoma.

    Simpaticolticos CentraisOs agonistas 2-adrenrgicos metildopa, clonidina e guana-benzo reduzem o efluxo simptico da medula oblonga, com conseqente reduo da freqncia cardaca, contratilidade e tnus vasomotor. Esses frmacos, que esto disponveis em for-mulaes orais (a clonidina tambm est disponvel na forma de disco transdrmico), eram amplamente utilizados no passado, a despeito de seu perfil de efeitos adversos desfavorvel. A disponibilidade de mltiplos agentes alternativos, bem como a atual tendncia a utilizar esquemas de mltiplos frmacos em doses submximas, diminuiu consideravelmente o papel clnico dos agonistas 2 no tratamento da hipertenso.

    Os bloqueadores ganglionares (por exemplo, trimetafan, hexametnio) inibem a atividade nicotnica colinrgica nos gnglios simpticos. Esses agentes mostram-se extremamente efetivos para reduzir a presso arterial. Todavia os bloqueado-res ganglionares s possuem interesse histrico em virtude dos efeitos adversos graves do bloqueio parassimptico e simpti-co (por exemplo, constipao, viso turva, disfuno sexual e hipotenso ortosttica).

    Alguns agentes simpaticolticos (por exemplo, reserpina, guanetidina) so captados nas terminaes dos neurnios adre-nrgicos ps-ganglionares, onde induzem uma depleo a longo prazo do neurotransmissor das vesculas sinpticas contendo nore-pinefrina (ver Cap. 9). Esses agentes reduzem a presso arterial ao diminuir a atividade do sistema nervoso simptico. Todavia, a reserpina e a guanetidina desempenham apenas um pequeno papel no tratamento atual da hipertenso, devido a seu perfil de efeitos adversos significativos, que incluem depresso grave (reserpina), hipotenso ortosttica e disfuno sexual (guanetidina).

    MODULAO DO TNUS DO MSCULO LISO VASCULARConforme discutido no Cap. 21, o tnus vascular depende do grau de contrao do msculo liso vascular. Os vasodilatadores reduzem a resistncia vascular sistmica, uma vez que atuam sobre o msculo liso arteriolar e/ou o endotlio vascular. Os principais mecanismos de ao dos vasodilatadores arteriais consistem em bloqueio dos canais de Ca2+ e abertura dos canais de K+ metabotrpicos.

    Bloqueadores dos Canais de Ca2+

    Os bloqueadores dos canais de Ca2+ (por exemplo, verapamil, diltiazem, nifedipina, anlodipina) so agentes orais ampla-mente utilizados no tratamento a longo prazo da hipertenso. Os bloqueadores dos canais de clcio (BCC) possuem uma variedade de efeitos hemodinmicos, refletindo os mltiplos locais em que o clcio est envolvido nos eventos eltricos e mecnicos do ciclo cardaco e na regulao vascular. Esses frmacos podem atuar como vasodilatadores arteriais, agen-tes inotrpicos negativos e/ou agentes cronotrpicos negati-vos. Os agentes da diidropiridina, a nifedipina e a anlodipina, atuam primariamente como vasodilatadores. Por outro lado, os agentes no-diidropiridina, o verapamil e o diltiazem, atuam principalmente como agentes inotrpicos e cronotrpicos nega-tivos, com conseqente reduo da contratilidade do miocrdio, da freqncia cardaca e da conduo de impulsos. Por con-seguinte, os BCC podem reduzir a presso arterial atravs de uma diminuio da resistncia vascular sistmica e do dbito cardaco. Com freqncia, os BCC so utilizados em associa-o com outros frmacos cardioativos, seja como componen-tes de um esquema anti-hipertensivo de mltiplos frmacos ou para tratamento anti-hipertensivo e antianginoso combinado em pacientes com cardiopatia isqumica (CI).

    Em virtude dos efeitos farmacodinmicos distintos dos dife-rentes BCC, os efeitos adversos potenciais da terapia com BCC (incluindo interaes adversas com outros tratamentos cardio-vasculares) so especficos de cada agente. Os agentes no-dii-dropiridina devem ser utilizados com cautela em pacientes que apresentam comprometimento da funo sistlica VE, visto que esses frmacos podem exacerbar a insuficincia cardaca sist-lica (ver adiante). Esses frmacos tambm devem ser utilizados com cautela em pacientes com doena do sistema de conduo, visto que podem potencializar anormalidades funcionais do n sinoatrial (SA) e do n atrioventricular (AV). A cautela em ambas as situaes particularmente relevante para pacientes submetidos a tratamento concomitante com antagonistas .

    Ativadores dos Canais de K+

    O minoxidil e a hidralazina so vasodilatadores arteriais dis-ponveis por via oral utilizados no tratamento a longo prazo da hipertenso. O minoxidil um ativador do canal de K+

    metabotrpico que hiperpolariza as clulas musculares lisas vasculares, atenuando, assim, a resposta celular a estmu-los despolarizantes. A hidralazina um vasodilatador menos poderoso, cujo mecanismo de ao permanece incerto. Tanto o minoxidil quanto a hidralazina podem causar reteno com-pensatria de Na+ e H2O, bem como taquicardia reflexa; esses efeitos adversos so mais freqentes e mais graves com o minoxidil do que com a hidralazina. O uso concomitante de um antagonista e de um diurtico pode atenuar esses efeitos adversos compensatrios. O uso da hidralazina limitado pela

  • Farmacologia Cardiovascular Integrativa: Hipertenso, Cardiopatia Isqumica e Insuficincia Cardaca | 413

    ocorrncia freqente de tolerncia e taquifilaxia ao frmaco. Alm disso, aumentos na dose diria total de hidralazina podem estar associados a uma sndrome de lpus induzida por fr-maco. Em virtude do perfil de segurana mais favorvel dos bloqueadores dos canais de Ca2+, o uso do minoxidil , hoje em dia, em grande parte restrito a pacientes com hipertenso grave refratria a outros tratamentos farmacolgicos. interes-sante assinalar que a hidralazina (em associao com dinitrato de isossorbida) surgiu atualmente como terapia adjuvante (isto , em pacientes que j esto sendo tratados com um inibidor da ECA e um antagonista ) no tratamento da insuficincia cardaca sistlica em pacientes afro-americanos.

    MODULAO DO SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA-ALDOSTERONAOs bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona incluem os inibidores da ECA (por exemplo, captopril, enala-pril, lisinopril) e os antagonistas do receptor de angiotensina (AT1) (por exemplo, losartan, valsartana). Esses frmacos esto sendo cada vez mais utilizados no tratamento da hiper-tenso.

    Inibidores da Enzima Conversora de AngiotensinaOs inibidores da ECA impedem a converso da angiotensina I em angiotensina II mediada pela ECA, resultando em diminui-o dos nveis circulantes de angiotensina II e de aldosterona. Ao diminuir os nveis de angiotensina II, os inibidores da ECA reduzem a resistncia vascular sistmica e, portanto, diminuem a impedncia ejeo VE. Ao diminuir os nveis de aldoste-rona, esses agentes tambm promovem a natriurese e, conse-qentemente, reduzem o volume intravascular. Os inibidores da ECA tambm diminuem a degradao de bradicinina, e o conseqente aumento nos nveis circulantes de bradicinina pro-voca vasodilatao. Os inibidores da ECA mostram-se efetivos em pacientes com hipertenso hiper-reninmica; todavia, esses agentes tambm reduzem a presso arterial em pacientes com nveis circulantes baixos a normais de renina. A eficincia dos inibidores da ECA como agentes anti-hipertensivos em pacientes com atividade baixa a normal da renina plasmtica pode ser devida potencializao dos efeitos vasodilatadores da bradicinina, embora essa hiptese ainda no tenha sido com-provada.

    O tratamento com inibidores da ECA to efetivo quanto o uso de diurticos tiazdicos ou de antagonistas no trata-mento da hipertenso. Os inibidores da ECA so agentes anti-hipertensivos interessantes, visto que parecem ter benefcios exclusivos (por exemplo, diminuio da perda da funo renal em pacientes com doena renal crnica) e relativamente poucos efeitos adversos (os inibidores da ECA no aumentam o risco de hipocalemia nem provocam elevao dos nveis sricos de glicose ou lipdios). Apesar dessas caractersticas atraentes, preciso ressaltar que, pelo menos em um grande estudo clnico de comparao, os diurticos tiazdicos foram mais cardiopro-tetores do que os inibidores da ECA.

    Os inibidores da ECA devem ser administrados com cau-tela a pacientes com depleo do volume intravascular. Esses pacientes podem apresentar reduo da perfuso renal em con-dies basais, levando a um aumento compensatrio da renina e angiotensina II. Esse aumento da angiotensina II constitui um dos mecanismos fisiolgicos pelos quais a taxa de filtra-o glomerular (TFG) mantida na presena de hipoperfuso

    renal relativa. A administrao de inibidores da ECA a esses pacientes pode romper esse mecanismo auto-regulador, levando ao desenvolvimento de insuficincia renal. Esse mesmo meca-nismo auto-regulador constitui a base para a contra-indicao dos inibidores da ECA para pacientes com estenose bilateral da artria renal (ou estenose unilateral em pacientes com um nico rim). Apesar dessas cautelas, convm salientar que os inibidores da ECA so considerados como agentes preferidos no tratamento do paciente diabtico hipertenso, visto que foi constatado que eles retardam o incio e a evoluo da doen-a glomerular diabtica, atravs de efeitos favorveis sobre a presso intraglomerular.

    Antagonistas AT1 (Bloqueadores do Receptor de Angiotensina)Os antagonistas do receptor de angiotensina II (AT1) (tambm conhecidos como bloqueadores do receptor de angiotensina ou BRA) so agentes anti-hipertensivos orais que antagonizam competitivamente a ligao da angiotensina II a seus receptores AT1 cognatos. Alm de seu efeito anti-hipertensivo, esses fr-macos tambm podem diminuir a proliferao reativa da ntima arteriolar. semelhana dos inibidores da ECA, os antagonistas AT1 mostram-se efetivos na reduo da presso arterial e, algu-mas vezes, substituem os inibidores da ECA em pacientes com tosse induzida por inibidores da ECA. A tosse, que constitui um efeito colateral comum do tratamento com inibidores da ECA, resulta de um aumento dos nveis de bradicinina induzido por esses frmacos; com freqncia, esse efeito colateral leva no-aderncia do paciente ao tratamento ou sua interrupo. Como os antagonistas AT1 no afetam a atividade da enzima conversora responsvel pela degradao da bradicinina, a tosse no constitui um efeito colateral do tratamento com BRA.

    MONOTERAPIA E CUIDADOS POR ETAPAS A monoterapia (tratamento com um nico frmaco) freqentemente suficiente para normalizar a presso arterial em pacientes com hipertenso leve. Essa abordagem pode me lhorar a aderncia do paciente ao tratamento e evitar o risco de interaes medicamentosas potenciais. Existe controvrsia quanto aos agentes anti-hipertensivos preferidos para trata-mento inicial. Foi constatado que os diurticos tiazdicos, os inibidores da ECA, os antagonistas AT1, os antagonistas e os bloqueadores dos canais de clcio (BCC) assemelham-se quanto sua eficcia em reduzir a presso arterial (cada um deles reduz efetivamente a presso arterial em 30 a 50% dos pacientes). Basicamente, o agente ideal aquele que reduz a presso arterial do paciente para a faixa tima, com o menor nmero de efeitos adversos. Com freqncia, a toxicidade dos frmacos est relacionada com a sua dose, e, por conseguinte, o mdico deve considerar cuidadosamente o uso de agentes sinrgicos em doses mais baixas, particularmente se o con-trole da presso arterial for marginal ou inadequado. Um bom exemplo do uso de agentes sinrgicos a combinao de um diurtico tiazdico com um inibidor da ECA. Ao induzir um ligeiro grau de depleo de volume, os diurticos tiazdicos ativam o sistema renina-angiotensina. Se essa resposta for bloqueada por um inibidor da ECA, o efeito anti-hipertensivo do tiazdico ento potencializado. Alm disso, a inibio do sistema renina-angiotensina por si s promove a natriurese. Por fim, a combinao de um tiazdico com um inibidor da ECA diminui a resistncia vascular sistmica.

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    POSSVEIS FATORES DEMOGRFICOS Foi relatado que certas classes de agentes anti-hipertensivos so mais efetivas do que outras em populaes especiais. Alguns dados tambm sugerem que as diversas etiologias distintas da hipertenso podem ser mais ou menos prevalentes em diferen-tes populaes.

    Os pacientes idosos tendem a responder mais favoravel-mente a diurticos e a bloqueadores dos canais de Ca2+ dii-dropiridnicos do que a outros agentes anti-hipertensivos. Os antagonistas tm mais tendncia a causar disfuno do n SA ou do n AV ou a comprometer a funo do miocrdio nos pacientes idosos; esses efeitos provavelmente esto relaciona-dos com a maior prevalncia de doena do sistema de condu-o e de disfuno sistlica VE nesses pacientes. Os pacientes idosos tambm tm tendncia a apresentar nveis circulantes diminudos de renina, e h relatos que eles so menos respon-sivos aos inibidores da ECA.

    Foi constatado que a hipertenso em pacientes de descen-dncia africana mais responsiva a diurticos e a bloqueadores dos canais de Ca2+ do que a antagonistas e inibidores da ECA. (Uma notvel exceo a resposta favorvel observa-da em indivduos afro-americanos jovens ao tratamento com antagonistas .) Os relatos indicam que alguns indivduos afro-americanos apresentam nveis circulantes mais baixos de renina, o que pode explicar a observao de que os inibi-dores da ECA so menos efetivos nesses pacientes. Relatos recentes demonstraram que a prevalncia de sensibilidade ao Na+ est consideravelmente aumentada em alguns indivduos afro-americanos, incluindo tanto a coorte hipertensa quanto a normotensa. Embora tenha sido bem menos estudada, h algu-mas evidncias de uma responsividade diferencial s diversas classes de agentes anti-hipertensivos em coortes asiticas e hispnicas com hipertenso.

    Apesar dessas observaes demogrficas, o benefcio clnico da escolha de frmacos com base na responsividade diferencial a classes especficas ainda no foi avaliado de modo sistemtico. Por exemplo, embora se tenha constatado que os pacientes ido-sos so menos responsivos aos antagonistas , os resultados do Systolic Hypertension in the Elderly Project (SHEP Trial) indicam

    Todavia, certas circunstncias clnicas favorecem o uso inicial de uma classe especfica de agentes anti-hipertensivos (Quadro 24.4). Assim, os antagonistas constituem os fr-macos de escolha para pacientes com histria de infarto do miocrdio (IM). Os inibidores da ECA so recomendados para pacientes com disfuno ventricular esquerda, diabetes e/ou doena renal crnica. A hipertenso associada reteno de volume na sndrome nefrtica responde de modo satisfatrio aos diurticos. Os inibidores da ECA tambm so utilizados na sndrome nefrtica para atenuar o grau de proteinria.

    Os cuidados por etapas no tratamento da hipertenso referem-se ao acrscimo gradual e progressivo de frmacos ao esquema teraputico. A terapia de combinao baseia-se no uso de agentes com mecanismos distintos de ao; alm disso, res-salta o uso de doses submximas dos frmacos na tentativa de minimizar os efeitos adversos potenciais e toxicidades. Embora as primeiras interaes na abordagem dos cuidados por etapas tenham sido um tanto rgidas, os algoritmos mais recentes for-necem uma latitude muito mais vasta na seleo da seqncia de acrscimo das vrias classes de frmacos. Os algoritmos atuais para tratamento reconhecem que qualquer frmaco em particular provavelmente ter efeitos sobre mais de um dos sistemas inter-relacionados que regulam a funo circulatria. Por exemplo, a reduo inicial da presso arterial mdia indu-zida por vasodilatadores arteriais de ao curta, como a hidra-lazina ou a nifedipina, ativa mecanismos compensatrios, que podem resultar em taquicardia significativa e reteno de Na+ e H2O. A adio de um agente simpaticoltico (por exemplo, metoprolol) e/ou de um diurtico (por exemplo, hidroclorotia-zida) pode atenuar essas respostas compensatrias. Alm disso, os avanos farmacuticos propiciaram o desenvolvimento de novas formulaes de frmacos capazes de alterar a cintica do metabolismo e da eliminao dos frmacos. Por exemplo, o problema da taquicardia compensatria em resposta ao uso de BCC de ao curta da classe das diidropiridinas foi, em gran-de parte, solucionado com o desenvolvimento de formulaes de liberao prolongada e de frmacos alternativos com perfis farmacocinticos mais favorveis (ver Cap. 21).

    QUADRO 24.4 Indicaes e Contra-Indicaes Relativas dos Agentes Anti-Hipertensivos

    CLASSE DE FRMACOS INDICAES CONTRA-INDICAES

    Diurticos Insuficincia cardaca Hipertenso sistlica

    Gota

    Antagonistas Coronariopatia Insuficincia cardaca EnxaquecaTaquiarritmias

    Asma Bloqueio cardaco

    Antagonistas Hipertrofia prosttica Insuficincia cardaca

    Bloqueadores dos canais de clcio

    Hipertenso sistlica Bloqueio cardaco

    Inibidores da ECA Nefropatia diabtica ou outra nefropatia Insuficincia cardaca Infarto do miocrdio anterior

    Estenose bilateral da artria renalHipercalemiaGravidez

    Antagonistas AT1 Tosse associada a inibidores da ECANefropatia diabtica ou outra nefropatiaInsuficincia cardaca

    Estenose bilateral da artria renalHipercalemiaGravidez

  • Farmacologia Cardiovascular Integrativa: Hipertenso, Cardiopatia Isqumica e Insuficincia Cardaca | 415

    que os antagonistas e os diurticos esto, de fato, associados a uma reduo da taxa de mortalidade, e esse efeito favorvel do tratamento pode ser demonstrado dentro de vrios anos aps a sua instituio. De forma semelhante, embora alguns relatos tenham sugerido que os indivduos afro-americanos so menos responsivos aos antagonistas e aos inibidores da ECA, seria difcil aplicar essas observaes ao tratamento de um paciente afro-americano diabtico e hipertenso com doena renal crnica, ou recomendar o uso de um diurtico tiazdico a um paciente afro-americano hipertenso com histria pregressa de IM. Por fim, deve-se ressaltar mais uma vez que o risco de efeitos adversos relacionados com a hipertenso no pode ser explicado apenas pelo grau de elevao da presso arterial. Por outro lado, o espectro dos benefcios do tratamento no pode ser explicado to-somente pelo grau de reduo da presso arterial. Por esses motivos, a observao emprica de que alguns agentes anti-hipertensivos no reduzem to efetivamente a presso arterial em alguns pacientes no significa necessariamente que esses mesmos frmacos sero menos efetivos na preveno de futura morbidade e mortalidade da doena cardiovascular nesses pacientes. Definitivamente, exis-te a necessidade de realizar mais pesquisas.

    CRISE HIPERTENSIVAO termo crise hipertensiva refere-se s sndromes clnicas caracterizadas por elevaes intensas (tipicamente agudas) da presso arterial. Essa elevao abrupta da presso arterial pode causar leso vascular aguda e leso dos rgos-alvo. Embora a maioria dos casos de hipertenso grave tenha sido, no passado, designada como crise hipertensiva ou hipertenso maligna, a prtica atual procura diferenciar os pacientes em que a eleva-o da presso arterial e a leso vascular so agudas (emergn-cia hipertensiva) da coorte de pacientes nos quais a evoluo temporal da elevao da presso arterial mais gradual e a leso dos rgos-alvo crnica e lentamente progressiva.

    Uma emergncia hipertensiva verdadeira uma afeco potencialmente fatal em que a elevao intensa e aguda da presso arterial est associada a leso vascular aguda. Clinica-mente, a leso vascular pode manifestar-se na forma de hemor-ragias da retina, papiledema, encefalopatia e insuficincia renal aguda (ou aguda superposta insuficincia renal crnica); com freqncia, essa sndrome est associada a insuficincia ventri-cular esquerda aguda. A patogenia da hipertenso maligna ainda no foi esclarecida. Todavia, provvel que a necrose arterio-lar fibrinide possa contribuir para os sinais e sintomas dessa sndrome. A necrose arteriolar fibrinide de leitos vasculares especficos pode resultar em leso vascular aguda e hipoperfu-so dos rgos-alvo (por exemplo, insuficincia renal, acidente vascular cerebral). A necrose arteriolar fibrinide tambm pode resultar em anemia hemoltica microangioptica.

    O tratamento de pacientes com emergncia hipertensiva exi-ge uma rpida reduo da presso arterial para evitar a leso dos rgos-alvo. As classes de frmacos utilizadas no tratamen-to dessa emergncia incluem vasodilatadores parenterais (por exemplo, nitroprussiato), diurticos (por exemplo, furosemida) e/ou antagonistas (por exemplo, labetalol). Devido ao carter agudo da sndrome e necessidade de titular cuidadosamente esses poderosos agentes anti-hipertensivos, os pacientes so hospitalizados para receber tratamento. Uma vez controlado o episdio agudo, a reduo subseqente da presso arterial para a faixa normal do paciente ento empreendida com mais cautela, no decorrer de um maior perodo de tempo (12 a 24 horas), num esforo de diminuir o risco de hipoperfuso dos rgos crticos, bem como a extenso da leso vascular.

    Embora a hipertenso maligna seja uma emergncia mdica potencialmente fatal, trata-se de uma expresso incomum da doena hipertensiva, que ocorre em bem menos de 1% dos pacientes hipertensos. Os casos de urgncia hipertensiva so mais comuns; nessa situao, a elevao da presso arterial menos aguda, e a doena dos rgos-alvo j se encontra pre-sente h algum tempo. As afeces que ilustram a urgncia hipertensiva incluem o acidente vascular cerebral ou o IM acompanhado de acentuada elevao da presso arterial ou a insuficincia cardaca esquerda aguda com hipertenso grave.

    nn Caso, Parte II: Cardiopatia Isqumica

    A hipertenso do Sr. N tratada com um antagonista e um inibidor da ECA. O paciente retorna para visitas de acompanha-mento depois de 1 ms e de 6 meses e declara que est pas-sando bem. Obedece rigorosamente ao esquema clnico prescrito e verifica uma melhora definida na sua capacidade de atividade fsica. Nesse momento, as medidas regulares da presso arterial so de 130 a 150/86 a 90 mm Hg. O perfil dos lipdios sricos notvel pelo aumento do colesterol total, com elevao moderada das LDL. Acrescenta-se aspirina em baixas doses ao esquema. O tratamento com um agente para reduo dos lipdios tambm recomendado, porm o Sr. N no aceita e solicita que o perfil de lipdios seja novamente avaliado depois de um perodo de dieta e mudanas no seu estilo de vida.

    Uma prova de esforo realizada 1 ano aps a primeira visita do paciente notvel pela melhora da capacidade de exerccio (carga de 10 MET), com atenuao da freqncia cardaca e da presso arterial no pico do exerccio (120/min e 190/90 mm Hg, respectivamente); no h evidncias de isquemia do miocrdio com base nos critrios do ECG. A determinao repetida do coles-terol LDL encontra-se dentro da faixa normal. Os medicamentos do Sr. N (aspirina, antagonista e inibidor da ECA) so mantidos, e estabelece-se um acompanhamento de rotina.

    Uma semana depois, o Sr. N apresenta uma intensa presso torcica retroesternal de incio repentino. O paciente est visivelmente diafortico e dispnico. levado at o departamento de emergncia local, onde o ECG revela taquicardia sinusal e elevao do segmento ST nas derivaes inferiores. Efetua-se um cateterismo cardaco de emergncia, que confirma a ocluso total de uma artria coronria direita dominante, e efetua-se uma angioplastia coronariana translu-minal percutnea (ACTP) com colocao de stent. O procedimento bem-sucedido, e o paciente permanece hemodinamicamente estvel e sem dor torcica. O ECG e as alteraes das enzimas sricas (creatinocinase [CK] mxima, 2.400 UI/L [normal, 60 a 400 UI/L]; frao da isoforma cardaca [MB] positiva) so compatveis com um IM em evoluo. Um novo ecocardiograma realizado imediatamente antes da alta do paciente revela hipertrofia ventricular esquerda con-cntrica com frao de ejeo ventricular esquerda de 35% (normal, >55%); a parede inferior da base at o pice est assimtrica, com adelgaamento do miocrdio nessa regio acintica.

    QUESTESn 1. Qual o tipo apropriado de agente regulador de lipdios para

    esse paciente?n 2. Quais as intervenes farmacolgicas apropriadas durante

    um intervalo entre a avaliao do paciente no departamento de emergncia e a realizao do cateterismo cardaco?

    n 3. Quais os componentes farmacolgicos crticos do esquema de tratamento ps-infarto do miocrdio na presena de dis-funo ventricular esquerda?

  • 416 | Captulo Vinte e Quatro

    Reduo do Fluxo CoronarianoA vasculatura coronariana composta de dois tipos de vasos: vasos epicrdicos proximais de grande calibre e vasos endocrdi-cos distais de pequeno calibre. Os vasos epicrdicos constituem o local mais freqente de formao de ateroma; na presena de doena, o fluxo sangneo total na artria coronria limitado pela extenso da estenose dos vasos epicrdicos. Por outro lado, os vasos endocrdicos regulam a resistncia vascular coronariana intrnseca em resposta a alteraes metablicas locais. Quando a demanda de oxignio do miocrdio aumenta, os vasos endocrdi-cos sofrem dilatao em resposta a fatores metablicos locais, resultando em aumento regional do fluxo sangneo do miocr-dio, fornecendo, assim, uma quantidade aumentada de oxignio a esses tecidos metabolicamente ativos.

    A angina de peito (Fig. 24.5) constitui a principal mani-festao clnica da CP crnica. Esse sintoma caracteriza-se por desconforto semelhante a uma presso pr-cordial em decor-rncia da isquemia do miocrdio. A maioria dos pacientes com CP crnica apresenta angina estvel, uma sndrome clnica em que ocorre dor torcica isqumica com cargas de trabalho caractersticas e reproduzveis (por exemplo, subir um lano de escadas). Do ponto de vista patolgico, a CP crnica est associada ao depsito de ateroma na subntima das artrias coronrias epicrdicas. Em geral, as placas aterosclerticas em pacientes com angina estvel crnica caracterizam-se por um revestimento fibroso sobrejacente, que espesso e resistente ruptura.

    A causa imediata da angina de peito consiste em um dese-quilbrio entre o suprimento e a demanda de oxignio do mio-crdio. Em condies fisiolgicas normais, o fluxo sangneo coronariano cuidadosamente modulado para assegurar uma perfuso tecidual adequada em resposta a nveis variveis de demanda de oxignio do miocrdio. Essa capacidade de modu-lao do fluxo sangneo conhecida como reserva do fluxo coronariano:

    RFC = FSC mximo/FSC em repouso

    onde RFC a reserva do fluxo coronariano e FSC o fluxo sangneo coronariano. Nos indivduos sadios, o FSC mximo aproximadamente cinco vezes maior do que o FSC em repou-so. A diminuio global da RFC est diretamente relacionada com a gravidade da estenose arterial epicrdica. Devido a essa ampla margem de segurana, o FSC em repouso no diminui at que uma estenose epicrdica exceda 80% do dimetro arte-rial original. As alteraes do FSC mximo podem ser mais facilmente observadas com a atividade fsica, visto que o FSC mximo comea a diminuir durante o exerccio, quando a este-nose epicrdica ultrapassa 50% do dimetro arterial original. Nos pacientes com CP epicrdica crnica, a reserva vasodi-latadora coronariana pode estar ainda mais comprometida em decorrncia da disfuno endotelial (discutida adiante), resul-tando em maior reduo do FSC. Durante os perodos em que a demanda de oxignio do miocrdio excede a RFC, ocorre isquemia relacionada com a demanda, e o paciente apresenta angina de peito.

    O grau de estenose das artrias epicrdicas e o grau de dila-tao compensatria das artrias endocrdicas determinam a conseqncia hemodinmica de uma placa aterosclertica (Fig. 24.6). Se as artrias endocrdicas estiverem normais, a ocor-rncia de estenose epicrdica com estreitamento do dimetro da luz arterial inferior a 50% no ir reduzir significativamente o fluxo sangneo coronariano mximo. Entretanto, se a estenose

    FISIOPATOLOGIA DA CARDIOPATIA ISQUMICA

    A cardiopatia isqumica (CI), que constitui a principal causa de mortalidade nos Estados Unidos, responsvel por mais de 500.000 mortes por ano. Desde o advento das unidades de tera-pia intensiva cardacas no incio da dcada de 1960, a melhor compreenso da biologia da CI levou a um espectro de avan-os diagnsticos e teraputicos. Esses progressos, somados a uma maior conscientizao da populao, estilos de vida mais saudveis e esforos contnuos visando melhorar as estratgias de preveno tanto primria quanto secundria, levaram a uma reduo significativa da taxa de mortalidade dos pacientes que apresentam CI.

    Quanto farmacoterapia, a CI pode ser dividida em duas amplas categorias: a coronariopatia (CP) crnica e as sndromes coro-narianas agudas (SCA). Cada uma dessas apresentaes clnicas da CI possui uma patogenia distinta, e, por conseguinte, as estra-tgias farmacolgicas empregadas no tratamento dessas entidades clnicas distintas diferem na sua nfase. O objetivo teraputico nos pacientes com CP crnica consiste em manter o equilbrio entre o suprimento e a demanda de oxignio do miocrdio; nos pacientes com SCA, a meta restaurar e/ou manter a desobstruo da luz vascular coronariana (Fig. 24.4).

    CORONARIOPATIA CRNICACP crnica caracteriza-se por uma reduo da reserva vaso-dilatadora coronariana. Em condies de estresse hipermico (isto , estresse que exige um aumento do fluxo sangneo), isso pode resultar em desequilbrio entre o suprimento e a demanda de oxignio do miocrdio, resultando em anormalidades carda-cas funcionais (contrao deficiente da poro isqumica do miocrdio), bem como em sintomas clnicos de CP. A fisiologia bsica do suprimento e da demanda de oxignio do miocrdio discutida no Cap. 21. Ocorre desequilbrio entre o suprimento e a demanda de oxignio do miocrdio principalmente em conseqncia de reduo do fluxo coronariano e disfuno endotelial.

    Cardiopatia isqumica

    Coronariopatia crnica

    (angina estvel)Sndromes

    coronarianas agudas

    Angin

    a ins

    tvel

    Infar

    to do

    mioc

    rdio

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    STInf

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    elev

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    segm

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    ST

    Fig. 24.4 Classificao da cardiopatia isqumica. A cardiopatia isqumica dividida em duas amplas categorias: a coronariopatia crnica e as sndromes coronarianas agudas. A angina estvel constitui o prottipo da manifestao da coronariopatia crnica. As sndromes coronarianas agudas abrangem uma srie (no necessariamente em progresso linear) de apresentaes clnicas, incluindo angina instvel, infarto do miocrdio sem elevao do segmento ST e infarto do miocrdio com elevao do segmento ST.

  • Farmacologia Cardiovascular Integrativa: Hipertenso, Cardiopatia Isqumica e Insuficincia Cardaca | 417

    disfuno endotelial manifesta-se por um tnus vascular e pro-priedades protrombticas anormais.

    O tnus vascular anormal resulta da desregulao do con-trole endotelial da contrao do msculo liso: os leitos arteriais com disfuno endotelial so incapazes de sofrer dilatao em resposta a estmulos hipermicos. Por exemplo, quando um estresse mental ou um esforo fsico desencadeiam a ativao do sistema nervoso simptico (SNS), duas foras opostas atu-am sobre o endotlio vascular coronariano: a vasoconstrio mediada pelas catecolaminas e a vasodilatao mediada pelo xido ntrico (NO). Normalmente, a liberao endotelial de NO estimulada pelo estresse de cisalhamento sobre o endotlio vascular coronariano, que resulta do aumento do fluxo sang-neo. Por fim, os efeitos vasodilatadores do NO predominam sobre os efeitos vasoconstritores da ativao do SNS, e o efei-to global consiste em vasodilatao coronariana. Entretanto, quando o endotlio vascular est lesado, a produo de vaso-dilatadores endoteliais encontra-se diminuda, e predomina a vasoconstrio mediada pelas catecolaminas.

    Como o endotlio tambm desempenha um papel crucial na regulao da ativao das plaquetas e na cascata da coagulao, a disfuno endotelial pode promover a coagulao sangnea (trombose) no local de leso endotelial. O NO e a prostaciclina derivados do endotlio exercem efeitos antiplaquetrios signifi-cativos, e as molculas sobre a superfcie das clulas endoteliais sadias possuem propriedades anticoagulantes notveis (ver Cap. 22). A leso endotelial diminui esses mecanismos antiplaque-trios e anticoagulantes endgenos, levando a um predomnio local de fatores pr-coagulantes e aumentando a probabilidade de ativao das plaquetas e da cascata da coagulao.

    SNDROMES CORONARIANAS AGUDASAs sndromes coronarianas agudas (SCA) so mais freqente-mente causadas por fissura ou ruptura de placas aterosclerticas. Essas denominadas placas instveis ou vulnerveis caracteri-zam-se por revestimentos fibrosos finos sujeitos a ruptura. A ruptura da placa resulta na exposio de fatores pr-coagulan-tes, como o colgeno subendotelial (Fig. 24.7), que ativam as plaquetas e a cascata da coagulao. Em condies fisiolgi-cas, a hemostasia no local de leso vascular autolimitada por mecanismos anticoagulantes endgenos (ver Cap. 22). Todavia, o endotlio disfuncional que recobre a placa aterosclertica incapaz de elaborar fatores anticoagulantes suficientes para controlar a extenso da formao de cogulo. A coagulao descontrolada pode levar formao intraluminal de trombos, resultando em isquemia miocrdica e, potencialmente, em leso irreversvel do miocrdio.

    Os trs subtipos de sndromes coronarianas agudas so a angina instvel, o IM sem elevao do segmento ST e o IM com elevao do segmento ST. Na angina instvel, o paciente apresenta uma acelerao na freqncia ou na intensidade da dor torcica, dor anginosa de incio recente ou dor torcica anginosa caracterstica que surge subitamente em repouso. No h evidncias enzimticas de infarto tecidual (por exemplo, elevao dos nveis de troponina) na angina instvel, porm os pacientes correm alto risco de IM, devido presena de uma superfcie pr-trombtica ativa no local de ruptura da placa.

    Ocorre infarto do miocrdio sem elevao do segmento ST quando uma placa instvel sofre ruptura sbita e comprome-te significativamente (mas no oclui por completo) a luz de uma artria coronria epicrdica. Como a artria est parcialmente ocluda, e existe uma superfcie pr-trombtica persistente no local de ruptura da placa, os pacientes com IM sem elevao

    A Normal

    B Angina estvel

    C Angina instvel

    D Angina variante

    Luz

    Clula endotelial

    Luz desobstruda Funo endotelial normalInibio da agregao plaquetria

    Estreitamento da luz pela placaVasoconstrio inapropriada

    Ruptura da placaAgregao plaquetriaFormao de tromboVasoconstrio no-oposta

    Ausncia de placasVasoespasmo intenso

    Placa

    Ruptura da placa

    Plaqueta

    Trombo

    Fig. 24.5 Fisiopatologia das sndromes de angina. A. As artrias coronrias normais esto amplamente desobstrudas, o endotlio funciona normalmente, e a agregao plaquetria inibida. B. Na angina estvel, a placa aterosclertica e a vasoconstrio inapropriada (causada por leso endotelial) reduzem o dimetro da luz do vaso e, por conseguinte, diminuem o fluxo sangneo coronariano. C. Na angina instvel, a ruptura da placa desencadeia a agregao das plaquetas, a formao de trombo e a vasoconstrio. Dependendo do local anatmico de ruptura da placa, esse processo pode progredir para o infarto do miocrdio sem onda Q (sem elevao do segmento ST) ou com onda Q (com elevao do segmento ST). D. Na angina variante, no h placas aterosclerticas, e a isquemia provocada por vasoespasmo intenso.

    produzir um estreitamento de mais de 80% no dimetro da luz arterial, o vaso endocrdico ir sofrer dilatao para proporcio-nar uma perfuso adequada ao miocrdio, mesmo em repouso. Pode-se deduzir que a necessidade de dilatao dos vasos endo-crdicos em repouso atenua a reserva do fluxo coronariano, visto que esses vasos endocrdicos no podero sofrer maior dilatao durante o exerccio. Essa reduo na reserva do fluxo coronariano leva a um fluxo sangneo inadequado para o mio-crdio durante o estresse hipermico. Pode ocorrer isquemia do miocrdio em repouso, quando a estenose das artrias epicr-dicas ultrapassa 90% do dimetro luminal: nessas condies, os vasos endocrdicos so incapazes de manter uma perfuso adequada do miocrdio, mesmo com dilatao mxima.

    Disfuno EndotelialA disfuno endotelial um termo geral para referir-se a uma regulao patolgica das clulas endoteliais. Clinicamente, a

  • 418 | Captulo Vinte e Quatro

    Porcentagem de ocluso da artria coronria

    Flux

    o sa

    ng

    neo

    coro

    naria

    no re

    lativ

    o

    1

    0200 40 60 80 100

    2

    3

    4Fluxo coronariano mximo

    Fluxo coronariano em repouso

    5

    Fig. 24.6 Efeito da ocluso da artria coronria sobre o fluxo sangneo coronariano mximo e em repouso. A linha tracejada ilustra o fluxo sangneo coronariano em repouso, enquanto a linha slida representa o fluxo sangneo mximo quando ocorre dilatao total das artrias coronrias distais. A comparao dessas duas linhas mostra que o fluxo sangneo coronariano mximo est comprometido quando a leso causa ocluso de mais de cerca de 50% da luz arterial, enquanto o fluxo sangneo coronariano em repouso no relativamente afetado at que a leso ultrapasse cerca de 80% do dimetro arterial. O eixo y representa o fluxo sangneo arterial coronariano em relao ao fluxo numa artria coronria em repouso com 0% de ocluso.

    do segmento ST correm alto risco de recidiva da isquemia. A fisiopatologia e o manejo clnico da angina instvel e do IM sem elevao do segmento ST so muito semelhantes, e, com freqncia, essas duas sndromes so designadas pelo acrni-mo combinado de angina instvel/infarto do miocrdio sem elevao do segmento ST (AI/IMSEST).

    Quando o trombo intraluminal provoca ocluso completa da artria coronria epicrdica no local de ruptura da placa, o fluxo sangneo cessa alm do ponto de obstruo. A ocluso total e persistente das artrias epicrdicas proporciona o substrato para a ocorrncia de leso miocrdica aguda (infarto do miocr-dio com elevao do segmento ST; IMCEST), que ir evoluir inexoravelmente para o infarto transmural, a no ser que a per-fuso seja restabelecida. Essa sndrome clnica tambm pode ocorrer na forma de morte cardaca sbita fora do hospital (~30% dos pacientes); nesses casos, a morte habitualmente causada por instabilidade eltrica do miocrdio induzida pela isquemia. Na ausncia de instabilidade eltrica fatal, o IM com elevao do segmento ST manifesta-se tipicamente na forma de dor torcica ininterrupta, freqentemente acompanhada de dispnia e insuficincia cardaca isqumica esquerda. A taxa de mortalidade do IMCEST significativamente reduzida com alvio imediato da obstruo epicrdica completa. Por conse-guinte, a principal meta de tratamento no IMCEST consiste na reperfuso imediata da artria ocluda.

    A extenso da necrose do miocrdio aps leso isqumica depende da massa do miocrdio suprida pela artria ocluda, do tempo decorrido com ocluso total da artria e do grau de circulao colateral. As regies do miocrdio que so supridas

    direta e exclusivamente pela artria ocluda sofrem extensa leso isqumica. A morte celular ocorre em uma frente de onda, que progride tanto no espao quanto no tempo a partir da regio subendocrdica em direo superfcie epicrdica do miocrdio. Em conseqncia, a extenso da transmurali-dade de um IM exibe uma relao direta com a durao da ocluso das artrias coronrias. Uma zona marginal do miocr-dio, adjacente regio da necrose transmural, recebe nutrientes e oxignio dos vasos colaterais; essa perfuso colateral pode manter a viabilidade das clulas da zona marginal por algum tempo. Todavia, na ausncia de reperfuso da artria ocluda (causadora de infarto), acaba ocorrendo tambm leso letal dos cardiomicitos nessas zonas marginais.

    MANEJO CLNICO DA CARDIOPATIA ISQUMICA

    Conforme assinalado anteriormente, tanto a fisiopatologia quanto a abordagem clnica da cardiopatia isqumica em paci-entes com coronariopatia crnica diferem daquelas de pacien-tes com sndromes coronarianas agudas. Como a CP crnica resulta de um desequilbrio entre o suprimento e a demanda de oxignio do miocrdio, o tratamento da CP crnica visa modular esse equilbrio, habitualmente atravs de uma reduo na demanda de oxignio. Por outro lado, o tratamento das SCA consiste em restabelecer o mais rpido possvel e em manter a desobstruo da artria coronria epicrdica. Todos os paci-entes com CP, independentemente do quadro clnico, tambm necessitam de modificaes nos fatores de risco subjacentes, incluindo tratamento agressivo para reduzir os lipdios e con-trole da presso arterial.

    CORONARIOPATIA CRNICAO objetivo do tratamento na CP crnica consiste em restaurar o equilbrio entre o suprimento de oxignio do miocrdio (fluxo sangneo nas artrias coronrias) e a sua demanda (consumo de oxignio do miocrdio). Os tratamentos farmacolgicos visam reduzir a demanda de oxignio do miocrdio, que determinada pela freqncia cardaca, contratilidade e tenso da parede ventricular (ver Cap. 21). Os agentes antianginosos podem ser classificados com base no seu impacto sobre esses parmetros.

    Antagonistas dos Receptores -AdrenrgicosA ativao dos receptores 1-adrenrgicos pelo sistema sim-paticoadrenal leva a um aumento da freqncia cardaca, contratilidade e conduo atravs do n AV. Pode-se deduzir que os antagonistas que atuam nos receptores 1-adrenrgicos diminuem a freqncia sinusal, reduzem o estado inotrpico e diminuem a velocidade de conduo do n AV.

    Os antagonistas dos receptores 1-adrenrgicos (tambm denominados -bloqueadores) constituem a base do esquema de tratamento clnico de pacientes com angina estvel crnica. Os antagonistas b reduzem a demanda de oxignio e do mio-crdio ao diminuir a freqncia e a contratilidade cardacas, e a reduo da freqncia cardaca induzida por esses frmacos tambm pode aumentar a perfuso do miocrdio atravs de um prolongamento do tempo de enchimento diastlico. Quan-do utilizados no tratamento da angina crnica, os antagonistas diminuem a freqncia cardaca mxima alcanada durante o exerccio e retardam o momento de incio da angina. Os

  • Farmacologia Cardiovascular Integrativa: Hipertenso, Cardiopatia Isqumica e Insuficincia Cardaca | 419

    A B C D E

    Fig. 24.7 Patogenia das sndromes coronarianas agudas. A. A artria coronria normal possui um endotlio intacto circundado por clulas musculares lisas. B. A ativao das clulas endoteliais ou a ocorrncia de leso recruta moncitos e linfcitos T para o local de leso, resultando na formao de uma faixa gordurosa. C. O estresse oxidativo contnuo na faixa gordurosa leva ao desenvolvimento de uma placa aterosclertica. D. A apoptose dos macrfagos e a deposio contnua de colesterol produzem maior organizao da placa e podem induzir a expresso de protenas inflamatrias adicionais e metaloproteinases da matriz. Nesse estgio, o revestimento do fibroateroma permanece intacto. E. A inflamao contnua dentro da placa aterosclertica leva ao adelgaamento do revestimento fibroso e, por fim, eroso e ruptura da placa. A exposio dos constituintes da placa corrente sangnea ativa as plaquetas e a cascata da coagulao, resultando em ocluso da artria coronria.

    esquemas de dosagem dos antagonistas so especficos de cada frmaco, refletindo a farmacocintica caracterstica de cada agente. Como regra geral, a dose calibrada para manter a freqncia cardaca em repouso em cerca de 50 batimen-tos/minuto e manter a freqncia cardaca mxima durante o esforo em cerca de 110 a 120 batimentos/minuto.

    Com freqncia, os antagonistas so co-administrados com nitratos orgnicos a pacientes com angina estvel. Essa combinao freqentemente mais efetiva do que cada um dos agentes utilizados isoladamente. Os antagonistas tam-bm costumam ser combinados com BCC tipicamente, com agentes da classe da diidropiridina (ver adiante). (Nos estudos clnicos preliminares, as formulaes de ao curta da nifedipina, um BCC diidropiridnico, foram associadas taquicardia reflexa quando utilizadas como monoterapia; essa taquicardia foi atenuada quando a nifedipina foi administrada com um antagonista . Na prtica atual, a disponibilidade de agentes diidropiridnicos de ao longa diminuiu efetivamente esse efeito colateral.)

    Embora os antagonistas sejam, em geral, bem tolerados em pacientes com angina estvel, algumas situaes clnicas exigem cautela. A associao de antagonistas com BCC da classe no-diidropiridnica (por exemplo, diltiazem ou verapa-

    mil) pode resultar em supresso sinrgica da automaticidade do n SA (resultando em bradicardia sinusal extrema) e/ou con-duo do n AV (resultando em bloqueio de conduo AV de alto grau). De forma semelhante, em virtude de seus efeitos depressores sobre os tecidos nodais, os antagonistas podem exacerbar a bradicardia preexistente e/ou o bloqueio AV de alto grau. Todavia, em vista do benefcio claro e consistente associado aos antagonistas em termos de taxa de mortali-dade em estudos clnicos de preveno secundria, a prtica clnica padro atual consiste em implantar um dispositivo de marca-passo transvenoso permanente se essas anormalidades de ritmo constiturem as principais contra-indicaes para o uso de antagonistas . (Os estudos clnicos de preveno secun-dria avaliam a eficcia das intervenes farmacolgicas para reduzir os eventos cardiovasculares adversos em pacientes com CP conhecida.)

    Hoje em dia, os antagonistas tambm esto sendo utiliza-dos em pacientes com insuficincia cardaca clinicamente est-vel (ver adiante). preciso salientar que o benefcio em termos de sobrevida, demonstrado em estudos clnicos de tratamento da IC, foi observado quando esses frmacos foram iniciados durante perodos de estabilidade clnica. Os antagonistas b no devem ser administrados a pacientes com IC descompensada.

  • 420 | Captulo Vinte e Quatro

    Quando utilizados na tentativa de tratar o raro paciente com angina vasoespstica pura ou angina variante (isto , a que ocorre na ausncia de obstruo das artrias epicrdicas; ver Fig. 24.5), os antagonistas podem induzir vasoespasmo coronariano em conseqncia da vasoconstrio mediada pelos receptores sem oposio. Os antagonistas tambm podem exacerbar o broncoespasmo em pacientes que apresentam asma ou obstruo crnica das vias respiratrias. Todavia, nos pacien-tes com obstruo crnica das vias respiratrias, a deciso em excluir o uso de antagonistas deve basear-se na documentao objetiva de exacerbao da obstruo ao fluxo de ar durante o tratamento com antagonistas . A doena vascular perifrica constitui outra contra-indicao relativa para o tratamento com antagonistas ; nesta situao, a preocupao a possibilidade de antagonismo dos receptores 2-adrenrgicos que medeiam a dilatao dos vasos perifricos. Todavia, na prtica clnica, essa preocupao raramente se justifica. Alm disso, os pacientes com doena arterial perifrica correm risco extremamente alto de CP concomitante e, portanto, tendem a se beneficiar signi-ficativamente do tratamento com antagonistas .

    Os efeitos colaterais de ocorrncia comum dos antagonistas consistem em fadiga, letargia, insnia e impotncia. Embora o mecanismo envolvido na fadiga no esteja bem esclarecido, a diminuio da capacidade de atividade fsica est diretamen-te relacionada com a atenuao da taquicardia fisiolgica do exerccio induzida pelo frmaco. A impotncia relatada por 1% dos pacientes tratados com antagonistas deve-se inibio da vasodilatao perifrica mediada pelos receptores 2-adre-nrgicos.

    Bloqueadores dos Canais de Ca2+

    Os bloqueadores dos canais de clcio (BCC) diminuem o influxo de clcio atravs dos canais de clcio de tipo L regu-lados por voltagem na membrana plasmtica. A conseqente diminuio na concentrao intracelular de clcio leva a uma reduo da contrao dos micitos cardacos e das clulas mus-culares lisas vasculares (ver Cap. 21).

    Os bloqueadores dos canais de clcio diminuem a demanda de oxignio do miocrdio e tambm podem aumentar o supri-mento de oxignio do miocrdio. Os bloqueadores dos canais de clcio diminuem a demanda de oxignio do miocrdio ao diminuir a resistncia vascular sistmica e a contratilidade cardaca. Na periferia, necessria a entrada de clcio nas clulas musculares lisas vasculares para a contrao das clu-las, constituindo, portanto, um determinante central do tnus vasomotor em repouso. Os BCC, atravs do bloqueio da entrada de clcio, produzem relaxamento do msculo liso vascular e, portanto, reduzem a resistncia vascular sistmica. Teorica-mente, os bloqueadores dos canais de clcio podem aumentar o suprimento de oxignio do miocrdio ao bloquear aumen-tos do tnus vasomotor coronariano mediados pelo clcio; a conseqente dilatao dos vasos epicrdicos e dos vasos de resistncia arteriolares pode, teoricamente, aumentar o fluxo sangneo coronariano. Todavia, a contribuio desse meca-nismo vasodilatador coronariano para os efeitos clnicos dos BCC controvertida, visto que as anormalidades metablicas regionais que resultam da isquemia do miocrdio deveriam produzir uma resposta vasodilatadora mxima na ausncia de modulao farmacolgica.

    As diferentes classes de bloqueadores dos canais de clcio exercem efeitos inotrpicos distintos sobre os micitos carda-cos. Em comparao com o verapamil e o diltiazem, as diidropi-ridinas (como a nifedipina) so mais seletivas para os canais de

    clcio na vasculatura perifrica. Todavia, todos os BCC tm o potencial de comprometer a funo contrtil, visto que reduzem os nveis intracelulares de clcio nos micitos cardacos. Por conseguinte, a insuficincia cardaca descompensada constitui uma contra-indicao para o uso de certos BCC, em virtude de seus efeitos inotrpicos negativos. Todavia, as diidropiridinas vasosseletivas de geraes mais novas, como a anlodipina e a felodipina, so tipicamente toleradas por pacientes com reduo da frao de ejeo VE e, portanto, podem ser administradas a pacientes com disfuno VE e angina refratria.

    Foi constatado que os bloqueadores dos canais de clcio so to efetivos quanto os antagonistas no tratamento da angina estvel crnica. Se o tratamento inicial da angina com antago-nistas isoladamente no tiver sucesso, podem-se utilizar BCC em associao com antagonistas ou como monoterapia. Os bloqueadores dos canais de clcio parecem produzir um maior efeito antianginoso quando co-administrados com antagonistas do que quando utilizados na forma de monoterapia, embora a terapia de combinao possa induzir bradiarritmias (ver ante-riormente). Apesar de sua eficcia comprovada na reduo de sintomas em pacientes com CP crnica, no se dispe de dados para sustentar o benefcio associado ao tratamento com BCC em termos de taxa de mortalidade na preveno primria ou secundria de pacientes com CP.

    Ao contrrio dos antagonistas , os BCC mostram-se efeti-vos no tratamento da angina vasoespstica. Os bloqueadores dos canais de clcio aliviam o vasoespasmo dos vasos coron-rios atravs da dilatao das artrias coronrias epicrdicas e dos vasos de resistncia arteriolares.

    Nitratos Os nitratos orgnicos exercem seu efeito teraputico principal atravs de dilatao das veias de capacitncia perifricas, dimi-nuindo, assim, a pr-carga e reduzindo a demanda de oxignio do miocrdio (ver Cap. 21). Alguns pesquisadores argumentam que os nitratos tambm aumentam o fluxo sangneo do miocr-dio atravs de uma reduo do tnus vasomotor coronariano, embora a magnitude do efeito vasodilatador adicional seja con-trovertida em pacientes com isquemia do miocrdio regional. Os nitratos exercem um efeito vasodilatador coronariano em pacientes com angina vasoespstica. Os nitratos tambm pos-suem efeitos antiagregantes sobre as plaquetas.

    Em pacientes com angina de esforo estvel, os nitratos melhoram a tolerncia ao exerccio quando utilizados como monoterapia e atuam de modo sinrgico com antagonistas ou com BCC. Os comprimidos de nitroglicerina sublinguais ou os sprays de nitroglicerina mostram-se efetivos para alvio imediato da angina de esforo. Contanto que se estabeleam intervalos de tempo suficientes sem nitratos (para atenuar o desenvolvimento de tolerncia), os nitratos de ao longa (por exemplo, dinitrato e mononitrato de isossorbida) tambm so efetivos para profilaxia e tratamento da angina de esforo.

    Os nitratos tambm so efetivos no tratamento da insufi-cincia VE aguda e crnica. Esse efeito est relacionado com a poderosa ao venodilatadora dos nitratos, que produz uma redistribuio perifrica do volume intravascular e acentuada reduo da pr-carga. O efeito antiisqumico dos nitratos pode ser particularmente valioso para pacientes com disfuno diast-lica relacionada com isquemia. Nesta situao clnica, os nitratos podem produzir uma reduo da pr-carga e restaurao da com-placncia e enchimento normais da cmara diastlica.

    O desenvolvimento de tolerncia constitui o principal obst-culo ao uso prolongado dos nitratos. Atravs de mecanismos que

  • Farmacologia Cardiovascular Integrativa: Hipertenso, Cardiopatia Isqumica e Insuficincia Cardaca | 421

    permanecem incertos (ver Cap. 21), ocorre tolerncia aos efeitos vasodilatadores e antiplaquetrios desses frmacos. Os esquemas de dosagem que apresentam intervalos suficientemente longos sem nitratos (8 a 12 horas) podem evitar o desenvolvimento de tolerncia a esses frmacos. A cefalia, que o efeito colateral mais comum do tratamento com nitratos, pode desenvolver-se em conseqncia de dilatao dos vasos cerebrais.

    Aspirina Como a ativao das plaquetas possui importncia crtica no processo de formao do trombo (ver Cap. 22), os agentes anti-plaquetrios desempenham um papel central no tratamento de pacientes com CP. A aspirina inibe irreversivelmente a ciclo-oxigenase plaquetria, uma enzima necessria para a gerao do composto pr-agregante, o tromboxano A2 (TxA2). Por con-seguinte, a inibio plaquetria que ocorre aps a administrao de aspirina persiste durante o tempo de sobrevida das plaquetas (cerca de 10 dias).

    A no ser que haja contra-indicaes especficas, a aspirina constitui um tratamento essencial para pacientes com CP cr-nica. A aspirina utilizada para prevenir a trombose arterial que resulta em acidente vascular cerebral e ataque isqumi-co transitrio, bem como IM. A aspirina mais efetiva como agente antiplaquetrio seletivo quando administrada em bai-xas doses e/ou a intervalos infreqentes (ver Cap. 22). Os dados clnicos disponveis demonstraram um benefcio significativo do tratamento com aspirina em pacientes com angina instvel (reduo de ~50% do IM fatal e no-fatal). A aspirina est con-tra-indicada para pacientes com alergia conhecida ao frmaco; nesta situao, indica-se o clopidogrel como agente alternativo. A aspirina e outros frmacos antiplaquetrios devem ser uti-lizados com cautela em pacientes com comprometimento da funo heptica, visto que esses indivduos podem apresentar ditese hemorrgica, devido aos nveis circulantes diminudos dos fatores da coagulao sintetizados pelo fgado. O uso da aspirina tambm predispe a efeitos gastrintestinais, como gas-trite e doena ulcerosa pptica; com freqncia, esses efeitos adversos podem ser aliviados pela co-administrao de agentes que diminuem a produo de cido gstrico (ver Cap. 45).

    Agentes HipolipmicosOs estudos clnicos realizados indicam que, em pacientes com CP conhecida, a administrao de frmacos que reduzem os nveis sricos de colesterol LDL diminui o risco de eventos cardiovasculares isqumicos. (Consultar o Cap. 23, para uma discusso detalhada dos agentes hipolipmicos.) A seleo de um agente hipolipmico especfico baseia-se tanto em dados provenientes de estudos clnicos quanto do fentipo lipdico do paciente.

    Os inibidores da HMG CoA redutase (estatinas) constituem os agentes hipolipmicos utilizados com mais freqncia e mais bem estudados. Como a HMG CoA redutase medeia a primeira etapa condicionada na biossntese de esteris, os inibidores da HMG CoA redutase diminuem acentuadamente o grau de snte-se heptica de colesterol. Essa reduo na sntese de colesterol resulta em aumento da expresso heptica dos receptores de LDL e, portanto, aumenta a depurao das partculas de lipo-protena contendo colesterol da corrente sangnea. Os estudos clnicos realizados (por exemplo, o Scandinavian Simvastatin Survival Study e o Cholesterol and Recurrent Events Study) demonstraram que o tratamento com agentes hipolipmicos reduz a taxa de eventos cardiovasculares em pacientes com

    CP. As modificaes dietticas e outras modificaes no esti-lo de vida t