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Clínica Universitária de Medicina I
Hipereosinofilia idiopática com infiltração multiorgânica e complicações tromboembólicas: um caso clínico e breve revisão da literatura Henrique José Atalaia Barbacena
FEVEREIRO’18
Clínica Universitária de Medicina I
Hipereosinofilia idiopática com infiltração multiorgânica e complicações tromboembólicas: um caso clínico e breve revisão da literatura
Henrique José Atalaia Barbacena
Orientado por: Dr. Diogo Cruz
FEVEREIRO’18
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Resumo
A eosinofilia expressa-se como um aumento do número de eosinófilos em
circulação, um achado muitas vezes ocasional em exames de rotina e que pode ter
inúmeros significados. Existem múltiplas causas para a eosinofilia, nomeadamente causas
primárias e secundárias. Centrando-nos apenas nas causas primárias, encontramos as
síndromes hipereosinofílicas. Estas patologias, raras por natureza e cuja incidência se
pensa rondar os 0.036/100,000 indivíduos, caracterizam-se por uma eosinofilia periférica
e infiltração de órgãos alvo e, consequentemente, sua lesão e falência.
Neste trabalho final de mestrado, é apresentado um caso idiopático de síndrome
hipereosinofílica inicialmente detectado por uma eosinofilia ocasional. Com o decorrer
da doença, começou a haver infiltração e consequente lesão de órgãos, nomeadamente do
fígado, do pulmão e do miocárdio, surgindo também complicações tromboembólicas
típicas apesar da correcta anti-coagulação.
É descrita toda a abordagem diagnóstica do doente, que passou pela exclusão de causas
secundárias para a eosinofilia, nomeadamente medicamentosas, parasitárias e
autoimunes, exclusão de neoplasias mieloproliferativas primárias que se acompanham de
alterações genéticas típicas e, ainda, exclusão de uma variante linfocítica da síndrome
hipereosinofílica, chegando-se, portanto, ao diagnóstico final de síndrome
hipereosinofílica idiopática.
Os objectivos deste trabalho passaram pela descrição e compreensão
pormenorizada da marcha diagnóstica feita, sendo de salientar o facto de se tratar de um
caso com múltiplos órgãos afectados, possivelmente o fígado, uma situação bastante rara,
e complicado com episódios tromboembólicos que ocorreram mesmo na presença de anti-
coagulação adequada. Por este motivo, insere-se no final uma breve revisão bibliográfica.
Palavras-chave: eosinofilia; síndrome hipereosinofílica idiopática; infiltração miocárdica; infiltração hepática; infiltração pulmonar
Este trabalho reflete a opinião do autor e não da FML
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Abstract
Eosinophilia is expressed as the increase in the number of circulating eosinophils,
a find most of the times occasional that can have multiple meanings. There are
innumerous causes for eosinophilia, particularly primary and secondary causes. Focusing
solely in the primary causes, we found the hypereosinophilic syndromes. These rare
syndromes, with an incidence estimated at about 0.036/100,000 individuals, are
characterized by increase in circulating eosinophil numbers, as well as infiltration, and
consequently lesion and failure, of organs.
In this work, it is presented a case of idiopathic hypereosinophilic syndrome
initially noted as occasionally eosinophilia. As the disease progressed involvement and
consequent failure of liver, lung and heart developed, as well as thromboembolic
complications despite adequate anti coagulation therapy.
It is described the whole diagnostic march, which involved the exclusion of secondary
causes for eosinophilia, such as medications, parasitic infections and auto immune
diseases, exclusion of primary myeloproliferative neoplasms associated with typical
genetic changes, and exclusion of the lymphocytic variant of the hypereosinophilic
syndrome. Therefore, leading to the final diagnosis of idiopathic hypereosinophilic
syndrome.
The goals of this work were describing meticulously and comprehend the whole
diagnostic march, stating that this is a case with multiple organs affected, with particular
concern of the liver, a quite rare involvement, and thromboembolic episodes which
occurred despite adequate anti coagulation therapy. Thus, a brief review of the literature
is presented in the end of this work.
Key-words: eosinophilia; idiopatic hypereosinophilic syndrome; myocardial
involvement; hepatic involvement; lung involvement;
This work reflects the author personal opinion, not FML’s
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Índice Introdução..........................................................................................................................6 Caso Clínico.......................................................................................................................7 Discussão do Caso Clínico ................................................................................................9 Breve Revisão da Literatura Eosinofilia e síndrome hipereosinofílica: classificações, causas e critérios de diagnóstico...........................................................................................12 Complicações de órgãos alvo...............................................................................15 Diagnóstico..........................................................................................................17 Tratamento...........................................................................................................18 Prognóstico..........................................................................................................20 Agradecimentos...............................................................................................................21 Bibliografia......................................................................................................................21
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Introdução
As síndromes hipereosinofílicas são doenças raras, difíceis de diagnosticar e de
classificar. Caracterizam-se pela presença de eosinofilia periférica persistente e
infiltração de órgãos alvo com consequente lesão. Etiologicamente, podem ser
classificadas em síndrome hipereosinofílica de sobreposição, de associação, familiar,
variante linfoide e idiopática. Esta última consiste num diagnóstico de exclusão e, por
isso, difícil de fazer.
A marcha diagnóstica perante uma suspeita de síndrome hipereosinofílica é
extensa e obriga à exclusão de causas secundárias para a hipereosinofilia, muito mais
frequentes, como reações medicamentosas, infeções parasitárias, doenças atópicas ou
autoimunes e neoplasias mieloides que se acompanham com eosinofilia, como a leucemia
mieloide crónica ou aguda, a mastocitose sistémica e as neoplasias mieloproliferativas
com rearranjos nos genes PDGFRA, PDGFRB e FGFR1. A infiltração de órgãos tem
igualmente de ser comprovada por exames complementares, só podendo ser
definitivamente diagnosticada mediante biópsia do órgão afetado.
As principais manifestações clínicas aquando do diagnóstico são cutâneas e
neurológicas. No entanto, com o decorrer da doença, as principais preocupações surgem
com as complicações cardiovasculares e tromboembólicas.
O tratamento baseia-se na imunossupressão e, assim, diminuição da síntese
medular de eosinófilos, à excepção de algumas entidades bem definidas que respondem
particularmente bem a terapêuticas específicas, como é o caso das neoplasias
mieloproliferativas com rearranjos do PDGFRA e o imatinib.
Neste trabalho final de mestrado, é apresentado um caso de síndrome
hipereosinofílica idiopática, inicialmente apenas descrito e posteriormente discutido,
onde se destaca a ocasionalidade do achado laboratorial, a infiltração consequente de
múltiplos órgãos e as complicações tromboembólicas recidivantes.
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Caso Clínico
Doente, sexo masculino, nascido a 30 de maio de 1973, actualmente com 43 anos, casado,
natural e residente em Lisboa, ajudante de farmácia.
Como antecedentes relevantes, destaca-se epilepsia de ausência desde os dezoito anos,
altura em que inicia carbamazepina em monoterapia e seguimento regular em consulta da
especialidade.
Nesse contexto, em 1996 surge uma eosinofilia de 1.9x106/L e uma trombocitopénia de
137 000/L. Posteriormente, surgem alterações nas provas de função hepática,
nomeadamente na alanina transferase (ALT) (100 U/L), na aspartato transferase (AST)
(41 U/L) e na gama glutamil transferase (GGT) (51 U/L). Nessa altura é pedida citometria
de fluxo que confirma um desvio para a esquerda da curva de citometria e uma
percentagem de cinquenta e sete eosinófilos (57%). Sem alterações nas restantes
linhagens.
Como primeira abordagem são pedidos:
- Serologias para a equinococose, toxoplasmose e Strongyloides stercoralis, que se
mostraram negativas;
- Coproculturas e pesquisa de ovos, quistos e parasitas nas fezes, que se mostraram
também negativas;
- Pesquisa de T. saginata, A. suum, T. canis, F. hepatica e T. spiralis em amostras
de fezes no Instituto de Medicina Tropical, todas negativas.
Além das alterações analíticas já descritas, surge uma elevação da enzima lactato
desidrogenase (LDH) (688 U/L).
Progressivamente, o doente desenvolve um quadro de dispneia para esforços que culmina
num internamento em 2004 por insuficiência respiratória parcial secundária a hemorragia
alveolar no contexto de infecção por adenovírus. Durante o internamento realizou
ecocardiografia que mostrou, além de hipertensão pulmonar moderada e miocardiopatia
restritiva com fracção de ejecção preservada, uma massa intraventricular apical esquerda
que foi entendida como secundária à infiltração miocárdica. Iniciou anti-coagulação com
heparina endovenosa e foi feita a avaliação seriada da massa, tendo sido removida
cirurgicamente e colocada prótese mitral mecânica por insuficiência secundária. Durante
a cirurgia foram colhidas amostras de miocárdio, cujo exame anátomo-patológico revelou
necrose focal com infiltrado inflamatório e fibrose; e amostras de pulmão, cujo exame
anátomo-patológico mostrou infiltração eosinofílica.
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Ainda durante o internamento, realiza os seguintes exames complementares de
diagnóstico para esclarecimento da etiologia da eosinofilia:
- Mielograma e biópsia óssea, que mostraram uma infiltração da medula por
elevado número de eosinófilos sem granulações tóxicas e sem células atípicas,
constituindo sessenta porcento da celularidade total (60%);
- Estudo do cariótipo e microdelecção 4 (rearranjo FLIP1-PDGFRA), que se
mostrou negativo;
- Doseamento da IgE, normal;
- Anticorpos anticoagulante lupídico, anticorpos anti citoplasma de neutrófilos,
anticorpos antinucleares contra a partícula Jo-1 e anticorpos anti-toporisomerase
1 (anti-Scl-70), tendo-se mostrado todos negativos;
- TC toraco-abdominal que mostrou alterações difusas da densidade pulmonar em
vidro despolido e hepatoesplenomegália;
- Provas de função respiratória que mostraram um padrão restritivo acentuado, sem
interferência nas trocas gasosas;
- É também ponderada como causa para a eosinofilia uma possível reação
medicamentosa aos antiepiléticos, tendo sido descartada.
É, portanto, assumida uma etiologia idiopática e o doente inicia terapêutica com
corticóides sistémicos em doses imunossupressoras (40mg/dia) com boa resposta clínica
e laboratorial, tendo-se notado uma redução substancial do número de eosinófilos no
sangue periférico.
O doente passou a ser seguido em consulta externa de Medicina, onde é pedido estudo
imunológico complementar, nomeadamente anticorpos antinucleares dirigidos contra as
partículas Ro e La (anti-Ro e anti-La), anticorpos anti-músculo liso, anticorpos anti-
centrómero e anti-RNP, todos negativos.
Seis anos mais tarde sofre um tromboembolismo pulmonar onde, na investigação
subsequente, são encontrados sinais de cronicidade na TC torácica: atelectasia da base
pulmonar direita. É também re-intervencionado por disfunção da prótese valvular mitral,
com colocação de nova prótese.
Desde essa altura mantém o seguimento em consulta externa de Medicina Interna com o
Professor Doutor J. L. Ducla Soares. Últimos dados consultados referem-se a 2013, com
normalização da eosinofilia, mas manutenção das alterações já descritas nas provas de
função hepática, plaquetas e LDH.
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Discussão do Caso Clínico
O caso apresentado começa desde logo de uma forma característica relativamente
às síndromes hipereosinofílicas: identificação de uma eosinofilia num exame de rotina,
em doente previamente assintomático. Essa eosinofilia persistiu e, seguindo a história
natural da doença, alguns anos depois surgem alterações nas provas de função hepática
(AST, ALT e GGT) e plaquetas, sugerindo infiltração de órgãos. Como já referido, a
infiltração hepática nestes casos é um tanto ou quanto rara, havendo poucos casos
descritos na literatura. Aqui, cria-se a dúvida entre infiltração hepática e possível
toxicidade medicamentosa provocada pelos antiepiléticos, fármacos com evidências de
toxicidade hepática bem documentadas e passíveis também de provocar eosinofilia. Além
disso, o aparecimento destas alterações precocemente no decorrer da doença é atípico
para infiltração orgânica, situação que só acontece anos depois do início da doença,
embora seja de realçar a não correlação entre o nível e tempo de eosinofilia e a infiltração
e lesão de órgão. Posteriormente, excluíram-se os antiepiléticos como causadores do
quadro hepático e eosinofílico. Realçar também que não foi confirmada a infiltração
eosinofílica do fígado, já que não foi realizada biópsia, o único meio para diagnosticar
com certeza infiltração.
A trombocitopénia, por sua vez, poderá ser explicada pelo facto de haver ocupação da
medula por percursores eosinofílicos, com diminuição do “espaço” para as restantes
linhagens proliferarem. Este achado é sugestivo de uma causa mieloide para a eosinofilia.
É pedido uma citometria de fluxo, confirmando a existência de eosinofilia e permitindo
excluir alterações nas outras linhagens celulares, nomeadamente aumento das populações
de células T, por exemplo.
Consequentemente, tendo em conta esta eosinofilia persistente, a primeira
hipótese colocada consistiu na exclusão de causas secundárias, mais frequentes.
Assumiu-se uma infecção parasitária, pelo que foi pedido pesquisa de ovos, quistos e
parasitas nas fezes e serologias parasitárias, tudo negativo, excluindo a etiologia
assumida.
Nesta altura, o doente surge com aumento da LDH, o que pode ser explicado pelo facto
de esta enzima intracelular ser um marcador de turn-over celular, podendo evidenciar um
aumento da renovação e metabolismo celulares na medula, em consequência do aumento
da eosinofilopoiese.
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Com o passar dos anos, o doente começou a apresentar sintomas dispneicos
progressivos, que culminaram num internamento por hemorragia alveolar no contexto de
infecção por adenovírus. O surgimento destes sintomas poderá correlacionar-se, como se
comprovará mais adiante, com infiltração pulmonar por parte dos eosinófilos, pontuado
depois por uma infecção.
É durante esse internamento que o doente é minuciosamente estudado. Por complicações
secundárias ao quadro clínico, efectua ecocardiograma que demonstra sinais de
infiltração tanto pulmonar como cardíaca: hipertensão pulmonar e miocardiopatia
restritiva; posteriormente confirmadas por biópsias. São achados comuns na doença
avançada, o que vai de encontro ao facto de a eosinofilia se manter persistente durante
oito anos (1996-2004).
Simultaneamente, é igualmente detectada uma massa intraventricular apical esquerda que
foi entendida, e posteriormente confirmada por biópsia, como sendo um trombo cardíaco
secundário à infiltração miocárdica. É uma complicação frequente nos doentes
hipereosinofílicos, e enquadra-se nas evidências existentes na literatura dos únicos
episódios tromboembólicos directamente relacionados com a hipereosinofilia.
Como a infiltração miocárdica envolvia o aparelho subvalvular, provocando uma
disfunção valvular mitral, o doente foi submetido a cirurgia com colocação de válvula
mecânica, tendo sido iniciada anti-coagulação endovenosa com heparina durante o
internamento, passando posteriormente a varfarina oral. Neste ponto, a literatura
recomenda a utilização de válvulas biológicas, independentemente da faixa etária do
doente, pelo facto de haver maior incidência de eventos trombóticos nas válvulas
mecânicas e estes serem doentes com aumento do risco trombótico no geral. Desencoraja
ainda a utilização de anti-coagulantes, pelo facto de estes não conseguirem prevenir novos
eventos trombóticos.
Adicionalmente, a hipereosinofilia, agora já com infiltração comprovada de órgãos, é
assumida como síndrome hipereosinofílica e estudada em pormenor. Pensando-se
inicialmente numa causa neoplásica mieloproliferativa primária, tendo em conta a
trombocitopénia, foi pedido mielograma e biópsia óssea, que não mostraram a existência
de blastos ou células atípicas, apenas um aumento da celularidade eosinofílica que
dominava o padrão medular. Simultaneamente, o estudo para os rearranjos do gene
PDGFRA foi realizado, mostrando-se negativo e, assim, excluindo a hipótese, embora
não tenham sido pesquisados os rearranjos em genes menos comuns, como o PDGFRB e
o FGFR1.
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Pensando na variante linfocítica da síndrome hipereosinofílica, e tendo em conta a
exclusão da existência de aumentos populacionais das células T, foram pedidas as IgE,
tipicamente aumentadas nesta variante, mas que se mostraram negativas, o que está de
acordo com a clínica do doente: ausência de sintomas cutâneos típicos desta variante.
Ponderando-se, por fim, uma etiologia auto-imune/reumatológica para a
hipereosinofilia, são pedidos os auto-anticorpos já descritos, cujo resultado foi negativo.
Para se confirmar a infiltração pulmonar, foi ainda realizada TC toraco-abdominal, que
mostrou um padrão em vidro despolido típico das patologias que provocam infiltração
pulmonar intersticial, e provas de função respiratória, que indicaram um padrão restritivo,
o que, mais uma vez, vai ao encontro da hipótese de infiltração pulmonar. Adicionalmente
foi detetada uma hepatoesplenomegália, típica de síndromes mieloides, mas que tinham
sido excluídas anteriormente.
Concluindo, tendo em conta que se excluíram as principais causas secundárias de
eosinofilia e as principais variantes da síndrome hipereosinofílica, o doente foi
diagnosticado com síndrome hipereosinofílica idiopática, tendo sido iniciada
imunossupressão com corticóides, o comum neste tipo específico de síndrome.
Seguindo o doente posteriormente, destaca-se a necessidade de nova intervenção
por falência da prótese mitral seis anos depois, incomum tendo em conta a longevidade
deste tipo de material, mas expectável no contexto da síndrome idiopática, e
desenvolvimento de um quadro clínico, seguidamente confirmado, de tromboembolismo
pulmonar crónico. Mais uma vez, existem evidências na literatura de que as complicações
tromboembólicas, nomeadamente os trombos pulmonares secundários e cardíacos, são
diretamente provocados pela hipereosinofilia, por mecanismos ainda não esclarecidos, e
que podem recidivar mesmo sob anti-coagulação eficaz, neste caso, com varfarina.
Como nota de resumo, trata-se de um caso detectado ocasionalmente que evoluiu
progressivamente e se apresentou no momento do diagnóstico com infiltração de
múltiplos órgãos e complicações tromboembólicas. Pauta pelo incomum provável
envolvimento hepático, não confirmado, e é ainda um excelente exemplo das
complicações tromboembólicas crónicas que podem surgir nestes doentes.
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Breve Revisão da Literatura
Eosinofilia e síndrome hipereosinofílica: classificações, causas e critérios de
diagnóstico
As doenças eosinofílicas manifestam-se por um aumento dos eosinófilos em
circulação, definido como eosinofilia (EO). Esta surge quando o valor absoluto de
eosinófilos (VAE) em circulação se encontra acima dos 0.5x109/L, podendo-se subdividir
a EO tendo em conta o grau desse aumento em: ligeira, VAE entre os 0.5x109/L e os
1.5x109/L; moderada, entre os 1.5x109/L e os 5.0x109/L; e grave, quando o VAE se
encontra acima dos 5.0x109/L. Quando o VAE está acima de 1.5x109/L, utiliza-se o termo
hipereosinofilia (HE).[1, 2, 3]
A EO pode ser etiologicamente classificada como primária ou clonal, quando a
população de eosinófilos surge a partir de um único clone; ou secundária ou reativa,
quando ocorre proliferação de eosinófilos secundariamente a um aumento das
interleucinas (IL) eosinofilopoiéticas, como a IL-5, IL-3 e granulocyte-macrophage
colony-stimulating factor (GM-CSF), reflectindo uma proliferação policlonal.[4, 5]
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), existem três principais causas
de EO primária: (1) neoplasias mieloproliferativas associadas a rearranjos nos genes
platelet-derived growth factor receptor A (PDGFRA), platelet-derived growth factor
receptor B (PDGFRB) e fibroblast growth factor receptor 1 (FGFR1), entre outros menos
frequentes; (2) leucemia eosinofílica crónica sem outra especificação (LEC-soe); e (3)
síndrome hipereosinofílica (SHE) idiopática.[1, 4, 5, 7, 8]
Relativamente às neoplasias associadas aos rearranjos supracitados, as mais
frequentes são aquelas que envolvem o gene PDGFRA. Nestas, ocorre uma delecção na
região 4q12 responsável pela fusão dos genes Fip 1-like 1 (FIPL1) e PDGFRA (fusão
F/P), permitindo a expressão de uma tirosina cinase constitutivamente activa e a
consequente expansão da população eosinofílica. Este rearranjo, mais frequente na
população masculina, associa-se fortemente a esplenomegália, úlceras mucosas,
complicações tromboembólicas e aumento dos níveis de triptase e vitamina B12, estando
presente em dez a vinte porcento dos doentes com SHE. O conhecimento desta deleção
tem, principalmente, implicações terapêuticas, já que estes doentes são preferencialmente
tratados com imatinib.[3, 4, 5, 7, 8]
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Os restantes rearranjos são relativamente mais raros. Os que envolvem o gene PDGFRB
afectam também, predominantemente, homens, apresentando-se como uma mistura de
monocitose e EO, embora também se possam apresentar como uma leucemia mielóide
aguda ou crónica atípica, mastocitose sistémica ou mielofibrose primária. Já os rearranjos
sobre o gene FGFR1, os mais raros de todos, surgem com a tríade de linfoma linfoblástico
nodular de células T, EO e hiperplasia mielóide na medula óssea. A principal
característica deste rearranjo é que não responde ao imatinib.[4, 7]
Quando existe EO primária por neoplasia mieloproliferativa, mas as células são
negativas para todos os rearranjos acima descritos, entramos no domínio da LEC-soe.
Para se diagnosticar esta entidade, a OMS, na sua compilação de 2015 sobre o
diagnóstico, estratificação do risco e tratamento das doenças eosinofílicas, obriga a que
se excluam todas as neoplasias mieloproliferativas acima enunciadas, e que haja EO
persistente superior a 1.5x109/L e presença ou de uma anormalidade molecular, genética
ou citogenética clonal, ou a contagem de blastos ser superior a 2% no sangue ou 5% na
medula.[4, 5, 7, 8]
Por fim, como última causa para a EO primária, entra-se no domínio das SHE,
definidas pela primeira vez por Cushid et al, em 1975, como: (1) EO >1.5x109/L,
persistente por mais de seis meses; (2) ausência de evidência de causas secundárias para
a EO; e, mais importante, (3) sinais e sintomas presuntivos de envolvimento e infiltração
de órgãos alvo.[1-7]. Actualmente, o período temporal de seis meses é menos rígido, já que
muitos doentes podem desenvolver rapidamente sequelas graves secundárias à lesão
tecidular por infiltração de órgão sem tratamento adequado. Desta forma, actualmente
diagnostica-se uma SHE quando se tem (1) HE durante pelo menos seis meses ou em
duas medições espaçadas quatro semanas; (2) evidência de lesão de órgãos alvo
secundária a infiltração eosinofílica; e (3) ausência de uma explicação alternativa para a
lesão de órgão.[1, 2, 7].
Etiologicamente, as SHE podem ser classificadas em: (1) idiopáticas; (2) de sobreposição,
quando apenas um órgão é afetado; (3) familiar, uma situação rara, normalmente
assintomática e cujo mecanismo ainda é desconhecido; (4) de associação, quando existe
EO periférica no contexto de situações que se sabe causarem EO; e, ainda, (5)
dependentes de uma população anormal de células T que sintetiza IL eosinofilipoiéticas,
a chamada de variante linfoide da SHE (L-SHE). Esta variante surge na presença de uma
população anormal de células T activadas que possuem padrões de marcadores de
superfície atípicos, na maioria CD3- CD4+, e que podem ser identificadas recorrendo à
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citometria de fluxo ou a testes de rearranjo dos recetores da célula T. Uma característica
típica é o aumento das imunoglobulinas (Ig) E e da thymus activation-regulated
chemokine (TARC). Clinicamente há predomínio por sintomas cutâneos, pulmonares e
gastrointestinais, não havendo prevalência sobre o género.[1, 2, 5]
Para terminar, caso não se encontre nenhuma justificação para a EO, não se
enquadrando em qualquer entidade, assume-se uma etiologia idiopática. Segundo a OMS,
para se diagnosticar uma SHE idiopática é necessário excluir-se: (1) EO reativa; (2) L-
SHE; (3) LEC-soe; (4) neoplasias mieloides associadas a eosinofilia, nomeadamente as
com rearranjos dos genes PDGFRA, PDGFRB e FGFR1; e é necessário que haja EO
persistente associada a lesão tecidular. Caso não haja lesão tecidular, mas os restantes
critérios estejam presentes, o termo de hipereosinofilia idiopática é o mais correcto.[1, 2, 4, 5]
Além das causas primárias para a EO, existem causas secundárias, ou reactivas,
nomeadamente fármacos, neoplasias sólidas e linfoproliferativas, infecções e doenças
alérgicas, atópicas ou auto-imunes.[1-7]
Quanto aos fármacos, a EO é mais frequente com antibióticos, antiepiléticos, anti-
inflamatórios, anti-gotosos e antirretrovirais, embora qualquer fármaco a possa
provocar.[6] Na maioria das vezes, representa uma reacção adversa que se assume ser
mediada pela IL-5, não estando os mecanismos fisiopatológicos ainda bem
esclarecidos.[2] É essencial a colheita de uma boa história medicamentosa, já que a EO
pode persistir assintomática durante anos, não sendo estritamente necessário a introdução
de um novo fármaco para que esta surja. Além disso, o fármaco pode não ter de ser
descontinuado, dependendo do grau de EO e das consequências ou complicações que daí
advêm.[3]
Sobre as neoplasias sólidas e linfoproliferativas, estas conseguem provocar EO
através da síntese de IL eosinofilipoiéticas, constituindo uma síndrome paraneoplásica na
maioria casos. De destacar os tumores da cabeça e do pescoço, do rim, do pulmão, da
vesícula biliar, da tiroide e do ovário. Quanto às neoplasias linfoproliferativas, são as de
células T as mais frequentemente associadas a EO.[2, 3, 7]
Já sobre as infecções como causadores de EO, são as infeções parasitárias aquelas
mais frequentemente envolvidas, principalmente nos países em desenvolvimento. De
realçar a infeção por Strongyloides stercoralis, o parasita helmíntico que mais
frequentemente se associa a EO e cuja infecção pode permanecer assintomática por anos.
O mais importante, é que o tratamento com corticóides, frequentemente utilizado no
tratamento das EO, pode provocar disseminação do parasita, sendo imperativo a exclusão
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desta infecção em todos os doentes eosinofílicos antes de se iniciar qualquer tipo de
terapêutica.[2, 6]
Para terminar, qualquer doença alérgica ou atópica, como a asma, a rinite alérgica,
a dermatite atópica ou a sinusite crónica, se pode associar a um aumento ligeiro do VAE.
Quando a EO se torna mais marcada, ter-se-á de considerar outras etiologias, como a
síndrome de Churg-Strauss, ou granulomatose eosinofílica com poliangeíte (GEPA); a
aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA); ou a pneumonia eosinofílica crónica
(PEC).[2, 6]
Da mesma forma, praticamente todas as doenças auto-imunes ou reumatológicas que
envolvam o tecido conjuntivo se podem associar a EO secundária. Crê-se que seja o
aumento generalizado das IL inflamatórias o que provoca o aumento da síntese medular
de eosinófilos, mesmo que estes não sejam as principais células envolvidas no processo
auto-imune propriamente dito.[2, 6, 5]
Complicações de órgãos alvo
Os principais órgãos e sistemas afectados nas SHE são: o sistema cardiovascular,
a pele, o pulmão, o sistema neurológico e o sistema gastrointestinal (GI).[3, 6, 9, 10]
Relativamente ao sistema cardiovascular, apesar de os sintomas deste sistema
estarem presentes em menos de 5% dos doentes aquando do diagnóstico, ao longo do
curso da doença cerca de 20% apresentarão complicações cardiovasculares, sendo as
principais a infiltração miocárdica e as complicações trombóticas. Sobre a primeira, a
infiltração do miocárdio pelos eosinófilos evolui por três fases. Numa primeira fase, a
desgranulação e consequente libertação das proteases eosinofílicas (eosinophil cationic
protein, eosinophil-derived neurotoxin, major basic protein e eosinophil peroxidase)
necrotiza o miocárdio – fase necrótica aguda. Numa segunda fase, a lesão endotelial
provocada na fase anterior, permite a exposição do factor de Von Willebrand e do factor
tecidual, activando-se plaquetas e a cascata de coagulação e culminando com a formação
de um trombo – fase trombótica. Por fim, numa última fase que pode surgir ao fim de um
período médio de dois anos, ocorre fibrose do miocárdio por activação dos fibroblastos
por parte dos eosinófilos, culminando numa miocardiopatia restritiva ou dilatada que se
pode associar a regurgitações valvulares – fase fibrótica.[3, 6, 8, 10, 11]
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Clinicamente, a infiltração cardíaca manifesta-se por sintomas e sinais de insuficiência
cardíaca e de regurgitação mitral e/ou tricúspide.[8]
Para o seu diagnóstico, a ecocardiografia transtorácica e a biópsia miocárdica são os
exames basilares, existindo actualmente investigação relativamente ao papel da
ressonância magnética cardíaca na detecção precoce das lesões ainda assintomáticas e,
assim, a possibilidade de se prevenir a sua evolução.[3, 6, 8]
Quanto às complicações trombóticas, que afetam até cerca de ¼ dos doentes, os únicos
eventos desta natureza diretamente relacionados, na literatura, com a EO são os trombos
cardíacos, os trombos pulmonares secundários e os êmbolos arteriais. Os mecanismos a
eles associados ainda não estão bem esclarecidos e a anti-coagulação profiláctica não está
recomendada. Além disso, a maioria das recidivas surgem em doentes já anti-coagulados
por um episódio anterior.[3, 8]
As complicações cutâneas são das mais frequentes, chegando a afectar cerca de
50% dos doentes, principalmente aqueles com a variante L-SHE. Surgem sob a forma de
urticária, angioedema e pápulas e nódulos eritematosos, existindo ainda entidades clínicas
específicas, como a dermatite atópica e a fasceíte eosinofílica, por exemplo.[3, 6]
Por sua vez, o pulmão é também um órgão em que a infiltração eosinofílica se
pode associar a entidades clínicas individualizadas, como a asma, a PEC, a ABPA e ainda
a GEPA. Adicionalmente, as complicações cardiovasculares podem ser responsáveis por
lesão pulmonar, nomeadamente no contexto de tromboembolia. Clinicamente, a lesão
pulmonar no contexto de infiltração eosinofílica manifesta-se por dispneia e tosse, sendo
o diagnóstico feito pelos níveis de eosinófilos no lavado bronco-alveolar.[3, 6, 10]
Sobre o sistema neurológico, também frequentemente envolvido aquando do
diagnóstico, a infiltração pode ocorrer tanto no sistema nervoso periférico, provocando
uma neuropatia periférica com componente sensitivo e/ou motor que se manifesta por
parestesias, alterações da força muscular ou atrofia muscular; como no sistema nervoso
central e nos pares cranianos, associando-se a encefalopatia e alterações
comportamentais. Mais uma vez, as complicações cardiovasculares também aqui podem
contribuir para a lesão neurológica, nomeadamente por intermédio de acidentes
vasculares cerebrais.[3, 6]
Para terminar, quanto ao sistema GI, a infiltração eosinofílica pode ocorrer a
qualquer nível, associando-se frequentemente a entidades clínicas individualizadas, como
a esofagite eosinofílica e a gastroenterite eosinofílica. Clinicamente, as principais
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manifestações dependem do local afectado e podem ser emagrecimento, disfagia,
impactação e défices nutricionais.[3, 6]
A infiltração do fígado é rara em contexto de SHE, embora nalguns casos esteja descrito
a sua afecção em até um terço dos doentes, sendo mais frequente a sua associação a
reacções sistémicas, como a síndrome DRESS (Drug Reaction with Eosinophilia and
Systemic Symptoms). Quando em contexto de SHE, a infiltração hepática manifesta-se
sob a forma de hepatomegália ou anormalidades das transaminases e GGT sem tradução
clínica. Nestes casos, a biópsia poderá revelar a presença de agregados granulomatosos
ricos em eosinófilos ou infiltração lobular dispersa.[6, 13, 14]
Diagnóstico
Perante um doente com EO, os principais diagnósticos diferenciais a ter em conta
passam por: (1) reações medicamentosas; (2) infecções parasitárias; (3) asma ou outras
doenças atópicas; (4) doenças auto-imunes ou reumatológicas, com destaque para a
GEPA; (5) neoplasias mieloides que se acompanham com EO, como a leucemia mielóide
crónica ou aguda, a mastocitose sistémica e as neoplasias mieloproliferativas com
rearranjos nos genes PDGFRA, PDGFRB e FGFR1; e, por fim, (6) doenças
linfoproliferativas e outras neoplasias sólidas.[2, 4, 7]
A avaliação do doente baseia-se na colheita da história clínica, exame objectivo
pormenorizado e testes laboratoriais mais específicos.
Quanto à história clínica, é importante questionar-se quanto à existência de:
emagrecimento, febre, suores nocturnos ou outros sintomas constitucionais, permitindo
avaliar a existência de uma neoplasia ou doença linfoproliferativa; sintomas cutâneos
como prurido ou urticária, sugestivos de uma variante L-SHE; tosse, dispneia, sibilância,
cansaço fácil ou palpitações, sintomas de envolvimento cardiopulmonar; diarreia, dor
abdominal ou outros sintomas GI; e sintomas sugestivos de envolvimento neurológico,
como parestesias ou alterações da força muscular.[2, 7, 16, 17]
Adicionalmente, é importante perceber-se quais são as doenças anteriores que possam
existir e se possam associar a EO e traçar uma história epidemiológica precisa. Por fim,
devem ser detalhadamente descritos todos os fármacos, passados e actuais, suplementos
e produtos de ervanária que o doente esteja, ou esteve, a tomar.[2, 3, 16]
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Seguidamente, o exame objectivo permite avaliar a existência de infiltração de
órgão. Dever-se-á então avaliar a pele, procurando pápulas ou nódulos eritematosos ou
linfadenomegálias; e os sistemas cardiovascular, respiratório, neurológico e GI, com
destaque para a pesquisa de esplenomegália.[16]
Laboratorialmente, a maioria dos autores admite como exames de primeira linha
os seguintes: hemograma completo com contagens diferenciais das linhagens
leucocitárias; níveis sérios de vitamina B12 e triptase, aumentados nos casos de
neoplasias mieloproliferativas com rearranjos, principalmente envolvendo o PDGFRA;
níveis séricos de IgE, aumentados predominantemente nas causas secundárias de EO e na
L-SHE; ANCAs, positivos em cerca de dois terços dos casos de GEPA; pesquisa de ovos,
quistos e parasitas nas fezes; serologia para Strongyloides spp., já que o exame anterior
não é útil nestas infecções; citometria de fluxo, para se avaliar a existência de clonalidade,
malignidade hematológica ou imunodeficiência; esfregaço de sangue periférico,
considerando-se a morfologia das células, a existência ou não de blastos ou basofilia; e,
para terminar, mielograma, onde se avalia a existência de blastos, células aberrantes,
fibrose, cariótipo, citometria e, por fim, pesquisa dos rearranjos supracitados.[3, 5, 7, 16, 17, 18]
Como testes para se avaliar a infiltração de órgãos tem-se: troponina que, se
positiva, obriga à realização de electrocardiograma e ecocardiograma; transminases, para
envolvimento hepático; creatinina e análise sumária da urina, para envolvimento renal; e
radiografia do tórax e testes de função pulmonar, para o caso de infiltração pulmonar. Em
qualquer das situações, o diagnóstico definitivo de infiltração só é feito com biópsia.[3, 17]
Tratamento
A escolha do tratamento adequado para uma SHE depende do grau de EO, do
estado de infiltração de órgãos e das características específicas da doença.
Caso se esteja na presença de uma SHE com rearranjos no gene PDGFRA, o
tratamento de primeira linha consiste no imatinib, um inibidor tirosina cinase que se liga
à cinase expressa pela fusão F/P já descrita. Este fármaco consegue, entre uma a duas
semanas, provocar a remissão clínica, molecular e genética da doença. Caso haja
infiltração de órgãos, consegue também impedir a evolução da lesão, não conseguindo,
no entanto, reverte-la.
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O importante aquando da sua utilização é o facto de puder provocar miocardite
necrotizante em doentes com infiltração miocárdica prévia, pensa-se que devido à
libertação de grandes quantidades de proteases eosinofílicas, pelo que nesses doentes, a
administração de imatinib deve ser complementada nas primeiras semanas com
corticóides (1-2mg/kg/dia).
Existem casos documentados de resistência à terapêutica com imatinib em doentes com
SHE F/P positiva. Esta resistência surge na presença de uma mutação (T674I) que altera
o local de ligação ao fármaco. Quando presente, a abordagem terapêutica passa pela
utilização de outros inibidores tirosina cinase, como o dasatinib e o nilotinib, ou a
transplantação.[3, 4, 5, 18, 19]
Para a grande maioria dos restantes doentes com SHE, o tratamento de primeira
linha consiste em corticóides (prednisolona 1mg/kg/dia). Uma vez que se atinja a
remissão clínica e laboratorial, uma a duas semanas depois do início da terapêutica, as
doses são diminuídas até uma média de 10mg/dia. O mecanismo de acção é desconhecido,
no entanto, foi descoberto um tipo de receptor nuclear para os corticóides (GRA), cuja
expressão é substancial na população eosinofílica, e cuja ativação induz a apoptose.
Existem casos de falência terapêutica, podendo-se nesses casos optar por cursos de altas
doses de corticóides, embora a sua utilização a longo prazo não seja possível pela elevada
incidência de efeitos adversos. Assim, em situações de falência terapêutica ou como
forma de poupar os corticóides, recorrem-se a fármacos de segunda linha, nomeadamente
hidroxiureia e interferão alfa (INF-alfa).
A hidroxiureia é um fármaco que consegue bloquear a síntese medular de
eosinófilos, entre outras linhagens hematopoiéticas. Está associada a toxicidade medular,
GI e teratogenicidade.
Já o INF-alfa é a terapêutica de segunda linha preferencial para os casos de L-
SHE. O seu mecanismo de ação ainda não é completamente compreendido, mas pensa-
se que actue impedido a síntese e diferenciação eosinofílicas, actuando ainda sobre as
células T, impedindo a diferenciação Th2. Está associado, entre outros, a mielosupressão,
elevação das transaminases, formação de auto-anticorpos e depressão.[3, 19]
Existem ainda agentes quimioterápicos, nomeadamente ciclosporina,
metrotrexato e clorambucil, que podem ser utilizados como terapêutica de segunda linha,
mas cujos resultados são menos eficazes, mesmo quando associados aos corticóides.[19]
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Actualmente, encontram-se em desenvolvimento novas terapias, nomeadamente
anticorpos anti-IL5, como o mepolizumab, e anti-CD52, como o alentuzumab, embora
ainda só estejam disponíveis para ensaios clínicos.[3, 4, 19, 20]
Para terminar, existe ainda a possibilidade de transplante de células
hematopoiéticas, associado a uma maior morbilidade que a terapêutica farmacológica,
mas indicado, principalmente, nas SHE F/P positivas resistentes ao imatinib e na L-SHE
complicada com linfoma de células T.[3, 4, 18, 19]
Prognóstico
Anteriormente, o prognóstico das SHE era bastante reservado. Os doentes eram
diagnosticados já com doença evoluída e extensa lesão de órgãos alvo, falecendo
principalmente por insuficiência cardíaca.[4, 19] Actualmente, a classificação etiológica
melhorou e, desta forma, melhorou-se o prognóstico. Um estudo francês de 1989 concluiu
uma sobrevivência média aos cinco anos de 80% e de 42% aos quinze anos, após as
melhorias no diagnóstico e terapêutica.[21] Um outro estudo retrospetivo de 2013 mostrou
que as principais causas de morte nos doentes com SHE são: disfunção cardíaca (33%),
infeções (20%), neoplasias não relacionadas com a doença (20%), fenómenos
tromboembólicos (13%) e doença vascular (13%).[22]
O prognóstico dos doentes com neoplasias mieloproliferativas com rearranjos nos
genes PDGFRA, PDGFRB e FGFR1, melhorou drasticamente desde o advento da
terapêutica com imatinib. Um estudo prospectivo italiano acompanhou doentes com SHE,
alguns dos quais com rearranjos no PDGFRA. Destes, a totalidade conseguiu remissão
completa sob terapêutica com imatinib.[23] De forma semelhante a este estudo, existem
múltiplos outros na literatura que comprovam os achados.
Já relativamente à L-SHE, o seu curso clínico parece ser indolente. No entanto,
existe a possibilidade de transformação maligna para um linfoma de células T,
principalmente por acumulação de anormalidade citogenéticas, como delecções 6q e 10p
ou trissomia do cromossoma 7. É então recomendado o seguimento destes doentes
laboratorialmente a cada 3-4 meses para identificar precocemente linfocitose.
Bianualmente deverão efetuar citometria de fluxo para se avaliar uma possível expansão
da população de células T, e, anualmente, dever-se-á pedir o cariótipo medular.[4, 19]
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Agradecimentos
Aos meus pais, que sempre me apoiaram e estiveram do meu lado, e por todos os
desafios que superaremos em conjunto.
Aos meus avós, pelo papel importantíssimo que têm na minha vida.
Ao Pedro, por suportar os meus humores e dramatizações nos últimos cinco anos,
por estar sempre comigo independentemente da tempestade. Que seja para sempre.
À Joana, pela amizade incondicional, por ser quem é.
À Simona e à Patrícia, porque estão comigo desde sempre.
E, por fim, ao Dr. Diogo Cruz, pelo apoio, orientação, conhecimento e amizade.
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