isabel alarcÃo- entrevista

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  • 8/2/2019 ISABEL ALARCO- entrevista

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    ISABELALARCO Por DenisePellegrini

    A educadora portuguesa diz que oquestionamento deve ser a base do trabalho detodos os professores

    izer que o professor precisa refletirsobre seu trabalho no mais

    novidade. possvel at afirmar quevirou moda, como outras que volta emeia se espalham no meio educacional.Justamente por isso, um perigo, naopinio da educadora portuguesa IsabelAlarco. Muito comentada mas poucocompreendida, essa idia pode, segundoela, se transformar num discurso vazio."Ser reflexivo muito mais do quedescrever o que foi feito em sala deaula", alerta. O tema chama a ateno

    de Isabel desde o incio da dcada de1990, quando conheceu os estudos doamericano Donald Schn. Ele defendeque os profissionais faam oquestionamento sobre situaes prticascomo base de sua formao. "S assimnos tornamos capazes de enfrentarsituaes novas e de tomar decisesapropriadas." Doutora em Educao

    pela Universidade de Liverpool, naInglaterra, e vice-reitora da

    Universidade de Aveiro, em Portugal,ela se dedica formao docente desde1974. A seguir, os principais trechos daentrevista que concedeu a NOVAESCOLA em So Paulo.

    "A escola precisapensarcontinuamenteem si prpria, nasua misso social

    e na suaorganizao"

    NOVA ESCOLA> Quem o professor reflexivo?

    Isabel Alarco< aquele que pensa no que faz, que comprometido com a profisso e se sente autnomo, capaz de

    tomar decises e ter opinies. Ele , sobretudo, uma pessoa queatende aos contextos em que trabalha, os interpreta e adapta aprpria atuao a eles. Os contextos educacionais so

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    extremamente complexos e no h um igual a outro. Eu posso serobrigado a, numa mesma escola e at numa mesma turma, utilizar

    prticas diferentes de acordo com o grupo. Portanto, se eu no tiver

    capacidade de analisar, vou me tornar um tecnocrata.

    NE> O que conta mais no dia-a-dia: teoria ou prtica?

    Isabel< Existe a uma associao complexa entre cincia, tcnica earte. aquilo que Donald Schn, um estudioso das questes

    profissionais, defendeu: quem age em situaes instveis eindeterminadas, como o caso de quem leciona, tem de ter muitaflexibilidade e um saber fazer inteligente, uma mistura disso tudo.A experincia conta muito, mas tem de ser amadurecida.

    NE> Como se caracteriza o trabalho desse tipo de educador?

    Isabel< Pelo questionamento. Ele deve ser capaz de levantardvidas sobre seu trabalho. No apenas ensinar bem a fazeralgumas contas de Matemtica ou a ler um conto. preciso ir maisfundo, saber o que acontece com o estudante que no aprende alio. Por que ele no aprende? Por que est com ar de sono? Quaisso as questes sociais que o enredam? E mais: Os currculos esto

    bem feitos? Deveriam ser diferentes? A escola est funcionandobem? H vrios nveis de questes e tudo tem de partir de umesprito de interrogao.

    NE> Por que a senhora diz, no prefcio de um de seus livros, que

    essa idia pode estar se transformando num slogan alienador?Isabel< Todos sabemos que questionar extraordinariamentedifcil. preciso ter muita vontade de aprender a fazer. No entanto,rapidamente todos comearam a falar sobre isso, sem saber muito

    bem do que se tratava. Muitos acham que basta algum descrevercomo tinha acontecido algo em sua aula para ser tratado comoreflexivo e esse processo muito mais que descrever.

    NE> possvel perceber efeitos de uma prtica questionadora nosestudantes?

    Isabel< Sim. Quando o professor faz isso corretamente, o aluno

    aprende a gerir seu estudo. Dificilmente ele ser algum que sdecora, porque o mestre incute nele estratgias de interrogao ebusca form-lo como um indivduo autnomo.

    NE> Como deve ser a avaliao?

    Isabel< Quem quer um aluno reflexivo tem de avaliar essacompetncia. Se a classe obteve maus resultados, cabe perguntar-se: Por qu? De quem a culpa? Eu ensinei mal? As crianas tm

    problemas? H inmeras questes a se fazer.

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    NE> Como se d a relao entre esse profissional e o livrodidtico?

    " difcil refletir noBrasil por causa dossalrios baixos, que

    obrigam os docentes ater mais de umemprego"

    Isabel< Ele deve ter uma base detrabalho, que pode muito bem sero livro. E o aluno tambm precisater livros. Mas h muitas maneirasde usar esse material. Uma delas seguir tudo o que est ali e noquestionar. Quem age assim tecnocrata. O oposto aquele que,embora siga o livro, levantaquestes com base no que est l e

    no segue nada risca.NE> O professor pode se tornarreflexivo sozinho?

    Isabel< Podemos distinguir vriosmomentos. Quem est emformao precisa de algum que oajude. Como? Levando-o aresponder perguntas que, a

    princpio, ele no capaz de sefazer. Ao aprofundar o nvel das

    questes, ele aprofunda o prpriopensamento. Outra estratgia queutilizo pedir que o colega vregistrando as coisas queaconteceram, o que sentiu, asdificuldades que tem. Numcaderno, ele pode at prfotografias que tirou das situaesde sala de aula. Quando essematerial chega s minhas mos,fao perguntas e ele tem de

    raciocinar para responder.

    NE> Mas nem sempre haver algum ao lado para ajudar...

    Isabel< evidente! Por isso, o objetivo fazer com que todossejamos capazes de fazer isso sozinhos. Um professor,individualmente, tem influncia apenas sobre suas turmas. Masquando pensamos no coletivo desses educadores, chegamos a umametfora, a da escola reflexiva. Quando falamos sobre a escola,

    pensamos num edifcio, mas ela um conjunto de pessoas.

    NE> Como uma escola nesse modelo?

    Isabel< Ela pensa continuamente em si prpria, na sua missosocial e na sua organizao. Est sempre em desenvolvimento.

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    aprendente e ensinante.

    NE> Qual a importncia do projeto pedaggico para essainstituio?

    Isabel< O projeto um instrumento de desenvolvimento que devenascer do dilogo. Eu posso lhe dar como exemplo minhaexperincia na reitoria. Ns produzimos documentos estratgicossobre o que queramos que a universidade fosse e definimos a visoque temos dela. Para fazer aquilo que desejamos, precisamos deum projeto, discutido com as pessoas, que defina os objetivos daescola e as estratgias para atend-los.

    NE> Para que o projeto tenha xito, ento, todos precisamparticipar?

    Isabel< Se ficarem uns poucos, no me preocupo. Mas se s dois,trs ou quatro quiserem mudar, no tero sucesso. Esse umgrande problema: a dificuldade de pr o corpo docente para pensarem conjunto. Tudo depende da grade horria. Nos intervalos,alguns se encontram por alguns minutos, mas no suficiente.Acabou a aula, vo embora. No Brasil, h um agravante. Ossalrios baixos obrigam os docentes a ter mais de um emprego.Eles no chegam a conhecer profundamente os colegas e a criaruma identidade com a instituio em que lecionam.

    NE> Mas discutir o projeto no tarefa s dos professores...

    Isabel< Sem dvida. tambm dos estudantes, da comunidade. E

    preciso haver um lder. No uma pessoa que faa tudo, masalgum capaz de desafiar, sem ser autocrtico. A princpio, maisfcil que seja o diretor, desde que um grupo o apie. Sonecessrios outros lderes como os coordenadores. A lideranatem vrios nveis porque s assim possvel envolver a escolatoda.

    NE> Em Portugal os docentes j esto sendo formados para serreflexivos?

    Isabel< No quero generalizar, mas em muitas universidades hessa preocupao. A idia espalhou-se pelo pas. E algumas

    instituies sabem melhor como fazer isso.NE> Os cursos de formao de seu pas esto em sintonia com oque acontece na escola?

    Isabel< Quando a formao comeou a ser feita nas universidades,nos anos 1970, j tnhamos essa preocupao. Mas a escola mudato rapidamente que corremos o risco de perder o p. Eu estive umtempo afastada da escola e agora, quando voltei, j no a conhecia.Esse um problema.

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    NE> Que mudanas so essas?

    Isabel< Tudo est mudando,a sociedade, os alunos. Oefeito das novas tecnologiasde comunicao est sendoenorme nos estudantes. E os

    problemas de indisciplinatambm tornam os contextosde aprendizagem muitodifceis.

    NE> Esse contato entre auniversidade e a escola sistemtico?

    Isabel< O que nos ajuda amanter um certo contatocom a realidade da sala deaula a superviso, oacompanhamento dos

    formandos que fazemos paraajud-los a se desenvolver.

    NE> Como funciona isso?

    Isabel< Durante o ltimoano na universidade, ofuturo colega tem o estgio

    pedaggico, em que vaificar frente de uma turma,sob a responsabilidade deum supervisor, um docenteuniversitrio. O estagirio,alm de dar aulas para suaclasse, tambm lecionaalgumas vezes para a turmaque o supervisor tem namesma escola. O supervisorobserva, critica e contribui

    para a classificao doaluno, com uma nota. Oestgio difcil, exigente. a que a gente d um salto,se torna professor deverdade.

    "O aluno reflexivo gerenciaseu estudo porque oprofessor tenta form-locomo indivduo autnomo"

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