judiciária identificou 80 novas drogas em seis...

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Judiciária identificou 80 novas drogas em seis anos Toxicologia. O Laboratório de Polícia Científica tem, por ano, dez mil pedidos de análise de estupefacientes. As novas drogas são o desafio RUTE COELHO Por ano, chegam ao departamen- to de Toxicologia do Laboratório de Polícia Científica (LPC ou os "CSI portugueses") dez mil pedi- dos de estudo e caracterização de estupefacientes. Na maioria dos casos comprova-se que são, sobre- tudo, canábis, haxixe, cocaína e heroína, como revelou ontem Car- los Farinha, diretor do LPC, duran- te uma visita às instalações feita pela bastonária da Ordem dos Far- macêuticos, Paula Martins (ver texto secundário) . Mas os maiores desafios dos pe- ritos em toxicologia, atualmente, são as novas drogas. "Nos últimos seis anos identificámos 80 novas substâncias psicoativas (NSP) pela primeira vez", adiantou a chefe do departamento, Maria João Caldei- ra. Na parte analítica da Toxicolo- gia está "uma zona apenas dedica- da às NSP, às drogas sintéticas que não são novas mas estão abrangi- das, a 98% de substâncias que es- tão fora das drogas de abuso ea outras, tóxicas, que podem estar envolvidas em homicídios e tenta- tivas de homicídio". No ano passado, a Toxicologia teve de dar resposta a 70 proces- sos-crime que envolveram NSP, numa média superior a cinco ca- sos por mês. Foram identificadas 40 substâncias psicoativas mas nem todas o eram pela primeira vez, como referiu Maria João Cal- deira. este ano, no primeiro semestre, apareceram mais quatro substâncias psicoativas. O ritmo a que estão a aparecer impressiona. È como se identificam as NSP? "Fizemos protocolos com a Facul- dade de Ciências da Universidade de Lisboa e recorremos às análises por ressonância magnética de pró- ton e carbono. Com este método, isolam-se substâncias ativas de amostras reais para termos padrões de referência. Isto para que as aná- lises a seguir possam ser por com- paração com material padrão", ex- plicou Maria João Caldeira. Identificação demora 4 a 6 meses O problema dos exames que se destinam a identificar as novas drogas é o tempo em que é possível aToxicologia do LPC ter resultados. "Estamos a dar resposta de quatro a seis meses neste tipo de exames. Somos obrigados a dar prioridade aos os processos-crime sumários, em que tem de se dar resposta em cinco dias úteis ou em oito dias se- guidos". Nos mais normais ou roti- neiros, a resposta é dada entre 30 e 90 dias, no máximo. O problema é que os dez mil pe- didos de análise de alegados estu- pefacientes por ano extravasam o que se fazia há uma ou duas déca- das. "Agora não é apenas dizer se é cocaína, heroína, droga sintética ou haxixe. É também calcular o princípio ativo, tal como o número de doses. E, com as novas substân- cias psicoativas, é também anali- sar outras substâncias que até pouco tempo não eram incluídas, não estavam nalista das proibidas", salienta Carlos Farinha. Em junho de 20 1 5 foi notícia a descoberta de uma equipa de cien- tistas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, liderada por Helena Gaspar, investigadora do Centro de Química e Bioquími- ca, que, em colaboração com o LPC da Polícia Judiciária, identifi- cou uma nova substância psicoati- va - a 4F-PBP -, em pós brancos apreendidos em Portugal. A4F-PBP é umanova droga, não listada nas Convenções das Nações Unidas sobre Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, mas que constitui igual perigo para a saúde pública. Trata-se de uma droga sin- tética, pertencente à família das ca- tinonas e encontrava-se misturada com o hidrato de carbono mio-ino- sitol, uma substância usada no fa- brico de medicamentos e ante- riormente encontrada em misturas com cocaína. "As novas substâncias trouxe- ram uma exigência e uma dificul- dade que nos obrigou a encontrar soluções, como as de fazer contac- tos com academias e faculdades onde conhecimento científico". O LPC tem 50 mil pedidos de pe- rícias por ano nas várias áreas, a que tenta dar resposta em 90 dias, no máximo, adiantou o diretor. Carlos Farinha mostrou ainda o departamento de Biologia à bas- tonária dos Farmacêuticos, Paula Martins. Cristina Costa, respon- sável pelo setor de Biologia, con- duziu a visita por uma sala onde se encontram vestígios biológicos recolhidos. "Aqui são feitos testes para pesquisa de sangue humano,

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Judiciária identificou80 novas drogasem seis anos

Toxicologia. O Laboratório de Polícia Científica tem, por ano, dez milpedidos de análise de estupefacientes. As novas drogas são o desafio

RUTE COELHO

Por ano, chegam ao departamen-to de Toxicologia do Laboratóriode Polícia Científica (LPC ou os"CSI portugueses") dez mil pedi-dos de estudo e caracterização deestupefacientes. Na maioria doscasos comprova-se que são, sobre-tudo, canábis, haxixe, cocaína e

heroína, como revelou ontem Car-los Farinha, diretor do LPC, duran-te uma visita às instalações feitapela bastonária da Ordem dos Far-macêuticos, Paula Martins (vertexto secundário) .

Mas os maiores desafios dos pe-ritos em toxicologia, atualmente,são as novas drogas. "Nos últimosseis anos identificámos 80 novassubstâncias psicoativas (NSP) pelaprimeira vez", adiantou a chefe do

departamento, Maria João Caldei-ra. Na parte analítica da Toxicolo-gia está "uma zona apenas dedica-da às NSP, às drogas sintéticas quenão são novas mas estão abrangi-das, a 98% de substâncias que es-tão fora das drogas de abuso e aoutras, tóxicas, que podem estarenvolvidas em homicídios e tenta-tivas de homicídio".

No ano passado, a Toxicologiateve de dar resposta a 70 proces-sos-crime que envolveram NSP,numa média superior a cinco ca-sos por mês. Foram identificadas40 substâncias psicoativas masnem todas o eram pela primeiravez, como referiu Maria João Cal-deira. Só este ano, no primeirosemestre, já apareceram maisquatro substâncias psicoativas.O ritmo a que estão a aparecer

impressiona.È como se identificam as NSP?

"Fizemos protocolos com a Facul-dade de Ciências da Universidadede Lisboa e recorremos às análises

por ressonância magnética de pró-ton e carbono. Com este método,isolam-se substâncias ativas deamostras reais para termos padrõesde referência. Isto para que as aná-lises a seguir possam ser por com-

paração com material padrão", ex-plicou Maria João Caldeira.

Identificação demora 4 a 6 mesesO problema dos exames que sedestinam a identificar as novasdrogas é o tempo em que é possívelaToxicologia do LPC ter resultados."Estamos a dar resposta de quatroa seis meses neste tipo de exames.Somos obrigados a dar prioridadeaos os processos-crime sumários,em que tem de se dar resposta emcinco dias úteis ou em oito dias se-guidos". Nos mais normais ou roti-neiros, a resposta é dada entre 30 e90 dias, no máximo.

O problema é que os dez mil pe-didos de análise de alegados estu-pefacientes por ano extravasam o

que se fazia há uma ou duas déca-das. "Agora já não é apenas dizer seé cocaína, heroína, droga sintéticaou haxixe. É também calcular oprincípio ativo, tal como o númerode doses. E, com as novas substân-cias psicoativas, é também anali-sar outras substâncias que até hápouco tempo não eram incluídas,não estavam nalista das proibidas",salienta Carlos Farinha.

Em junho de 20 1 5 foi notícia a

descoberta de uma equipa de cien-tistas da Faculdade de Ciências daUniversidade de Lisboa, lideradapor Helena Gaspar, investigadorado Centro de Química e Bioquími-ca, que, em colaboração com oLPC da Polícia Judiciária, identifi-cou uma nova substância psicoati-va - a 4F-PBP -, em pós brancosapreendidos em Portugal.

A4F-PBP é umanova droga, nãolistada nas Convenções das NaçõesUnidas sobre Estupefacientes eSubstâncias Psicotrópicas, mas queconstitui igual perigo para a saúdepública. Trata-se de uma droga sin-tética, pertencente à família das ca-tinonas e encontrava-se misturadacom o hidrato de carbono mio-ino-sitol, uma substância usada no fa-brico de medicamentos e já ante-riormente encontrada em misturascom cocaína.

"As novas substâncias trouxe-ram uma exigência e uma dificul-dade que nos obrigou a encontrarsoluções, como as de fazer contac-tos com academias e faculdadesonde há conhecimento científico".

O LPC tem 50 mil pedidos de pe-rícias por ano nas várias áreas, a

que tenta dar resposta em 90 dias,no máximo, adiantou o diretor.

Carlos Farinha mostrou ainda o

departamento de Biologia à bas-

tonária dos Farmacêuticos, PaulaMartins. Cristina Costa, respon-sável pelo setor de Biologia, con-duziu a visita por uma sala onde seencontram vestígios biológicos járecolhidos. "Aqui são feitos testes

para pesquisa de sangue humano,

sémen , cabelos". No departamen-to de Biologia a maior parte dasanálises feitas dão resposta a pro-cessos-crime por violação, abusosexual, homicídio e tentativa dehomicídio, ofensas à integridadefísica. "Mas também fazemos emprocessos de carjackingem queseja recuperável a roupa, explo-sões de ATM em que, com base naanálise de fotogramas de videovi-gilância, seja recuperável a roupaou até análise de um assalto a resi-dência em que use um pouco depapel higiénico e saliva para taparo óculo também se pode analisar,ou pastilha elástica. Uma ameaçacom carta anónima: se a pessoafor da velha guarda e resolveulamber o selo, também se podeanalisar".

Os peritos em Biologia do Labo-ratório de Polícia Científica utili-zam ainda a Genética para identi-ficar suspeitos através do ADN em

situações de crime. E também fa-zem investigações de paternidadese essa for essencial para a provanum crime, por exemplo, de abusosexual.

240> peritos no LPC160 especiaListas estão na sede do

Laboratório, em Lisboa. Mas a nível

nacional, contando com as delega-ções, são 240, referiu Carlos Farinha.

60> anos de história0 Laboratório de Polícia Científicafoi criado em 1957. Em outubrodeste ano vai completar 50 anos

de existência.

90 COO> pedidos de perícias por ano0 LPC dá resposta a 50 000 períciaspor ano, tentando não exceder o

prazo máximo de 90 dias para daros resultados.

3~> grandes áreas0 LPC está organizado em três áreascentrais: Biotoxicologia, Criminalística

e Físico-DocumentaL, que se subdivi-dem em outras áreas específicas.

A visita da bastonária dos Farmacêuticos passou pelaBalística, Toxicologia e Biologia forenses. Nas salasos técnicos trabalham na análise de amostras paraidentificar substâncias (Toxicologia) ou para testarvestígios biológicos (Biologia)

ESPECIALIDADESOs "CSI portugueses" são uma mais--valia nos processos-crime porqueencontram provas científicas

Balística. 0 bilhete deidentidade das armas

> Integrada na grande área da

CriminaLística, a BaLística conta com

peritos que conseguem, por exemplo,reavivar os números de série de

armas que foram rasurados. Por

causa desta especiaLidade, um ar-meiro, vendedor de pistolas e revól-veres a criminosos do país, foi encar-cerado, juntamente com aLguns só-

cios, já há uns anos. 0 reavivamentode um número de série pode demorarde 10 minutos a duas horas. Depoisde recuperado, vão ao ficheiro de

armas da PSP e ficam a saber de

quem é a arma.

Biologia: a ciênciado ADN não engana> Para além da análise de vestígiosbiológicos, como sangue, sémen ou

cabelos, o departamento de Biologiaconta ainda com as máquinas de

processamento de ADN para identifi-car possíveis suspeitos. Os testesgenéticos são também de grandeimportância para o reconhecimentode vítimas em catástrofes naturais.

Aquando do tsunami no SudoesteAsiático, peritos de genética portu-gueses foram chamados a fazer tes-tes de ADN para ajudar no reconhe-cimento de vítimas.

Química Forense:peritos em atentados

> Foram os peritos em QuímicaForense do LPC que determinaram a

que distância foi acionada a bombacontra o dono do bar 0 Avião, na ma-drugada de 2 de dezembro de 2007, e

que tipo de explosivo se usou. Os téc-nicos tiveram de reconstruir o enge-nho explosivo para melhor o analisar.Como estava fragmentado, analisa-ram muitas amostras. Também são

preciosos na determinação das cau-sas dos fogos. É uma área que repre-senta 9% dos pedidos do LPC.

Toxicologia: não hásubstância que escape

> Identificar e quantificar estupefa-cientes como canábis, haxixe e co-caína é uma das principais missõesdos peritos em toxicologia. Paraalém disso, agora também têm deestudar os princípios ativos e estão

lançados na tarefa cada vez mais

gigantesca de identificar novassubstâncias psicoativas, por vezescom a colaboração da Faculdade deCiências. São das perícias mais pe-didas ao LPC.

Bastonária quer maisfarmacêuticos peritosintercâmbio. O Laboratório,que faz 60 anos, nasceu daFarmácia e foi dirigido porpessoas da área. Agora só

tem uma estagiária do setor

Nos Roteiros Farmacêuticos que abastonária Paula Martins anda arealizar, escolheu visitar ontem oLaboratório de Polícia Científica daPolícia Judiciária, em Lisboa, por-que considera "estas áreas da peri-tagem, partilhadas por profissio-nais com distintas competênciastécnico-académicas, como clustersmuito importantes para o país".A bastonária dos Farmacêuticostransmitiu ao diretor do LPC, Car-los Farinha, que "podemos e gosta-ríamos de ter mais estagiários nes-tas áreas". Atualmente, o LPC con-ta apenas com uma estagiáriavinda do curso de Farmácia, queestá a realizar o estágio no departa-mento de Toxicologia.

Na reunião entre os dois respon-sáveis lembrou-se que o Laborató-rio, que completa 60 anos em ou-tubro, já foi dirigido por pessoas daárea farmacêutica, como AlbertoRalha (1921-2010). E que áreascomo a Toxicologia ou a Biologiasão indicadas para transformar far-

Bastonária Paula Martins,da Ordem dos Farmacêuticos

macêuticos em peritos. Até porqueCarlos Farinha prefere académicosde outras áreas a jovens formadosem Ciências Forenses.

"Temos a plataforma ensino--profissão, criada há um ano e diri-gida pela professora catedrática deCoimbra Margarida Carmona. Estaestrutura coloca em diálogo osnove mestrados integrados deCiências Farmacêuticas, públicose privados. E cabe perfeitamente aío lançamento do repto para hipó-tese de estágios e trabalhos acadé-micos nestas áreas forenses", sa-lientou Paula Martins. A estagiáriade Toxicologia estava "a adorar" ejáse vê como perita forense. R.C.