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ii
Edil Pedroso da Silva
O Cotidiano dos Viajantes nos Caminhos
Fluviais de Mato Grosso 1870 - 1930
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação / Mestrado em História, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em História, área de pesquisa: fronteiras, identidades e transculturação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Costa
Cuiabá
Fevereiro, 2002
iii
Capa: Vapores no Porto de Cuiabá, foto de Lázaro Papazian.
FICHA CATALOGRÁFICA
S586c Silva, Edil Pedroso da O cotidiano dos viajantes nos caminhos fluviais de Mato Grosso
1870-1930 / Edil Pedroso da Silva. - Cuiabá: Instituto de Ciências Humanas e Sociais, 2002.
107p. il.: color. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em
História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais - ICHS, da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em História, área de pesquisa: fronteiras, identidades e transculturação.
Bibliografia: p.92-107.
C D U - 910.4(091):656.614.2(817.2) Índice para Catálogo Sistemático 1. Mato Grosso - História - Viagens fluviais - 1870-1930. 2. Viagens fluviais - Relatos históricos - Mato Grosso - 1870-1930. 3. Descrições de viagens - Caminhos fluviais - Mato Grosso - 1870-1930.
iv
Termo de aprovação
O Cotidiano dos Viajantes nos Caminhos
Fluviais de Mato Grosso
1870 - 1930
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre,
no Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e
Sociais - ICHS, da Universidade Federal de Mato Grosso, pela Banca
Examinadora composta pelas professoras:
Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Costa, UFMT - MT (orientadora)
______________________________________
Prof.ª Dr.ª Mary Del Priore, PUC - RJ - Arquivo Nacional - RJ
______________________________________
Prof.ª Dr.ª Marinete Covezzi, UFMT - MT
______________________________________
v
A meus pais, Domingos e Maria; a meus sogros, Leôncio e Escolástica, por
ribeirinhos que foram e que, na simplicidade de suas vidas, souberam encaminhar os filhos.
Obrigada pelas histórias contadas.
vi
Algumas palavras iniciais
Este trabalho é decorrência de minha afinidade com os rios; talvez por ter
nascido às margens de um deles, o Cuiabá, e nele ter vivido um pouco de minha
infância. Nasci em uma comunidade ribeirinha denominada Miguel Velho, mais
tarde, seguindo o caminho das águas, meus pais se mudaram para uma outra
localidade de nome Vereda, também próxima ao mesmo rio. Essa comunidade
era formada, em sua maioria, de pessoas da mesma família, na qual a
solidariedade era uma prática constante. Era uma vida dura, sem dúvida, mas
feliz, diziam os mais antigos.
Todos viviam da farta pesca de piraputangas, pintados, pacus, dourados,
jaús, curimbatás e lambaris - este último, além de servir diretamente como
alimento, também era transformado em óleo para ser usado no preparo das
refeições e nas candeias, destinadas à iluminação -, e do cultivo de uma pequena
horta familiar, onde se plantava feijão, arroz, milho, cana-de-açúcar, mandioca,
fumo, que era seco e enrolado em corda; ali também se fabricava, em engenhos,
farinha e rapadura. O excedente de tudo isso era vendido para adquirir produtos
que não se podia produzir, como calçados, tecidos, sal, querosene.
Para realizar este comércio, eles acordavam muito cedo e viajavam “rio
acima” em suas canoas, para que ao amanhecer chegassem ao porto da cidade de
vii
Cuiabá, onde encontravam com aqueles que vinham “rio abaixo”, também com
suas mercadorias. E ali, de pé ou sentados na popa das canoas, reuniam-se junto à
rampa do Mercado do Peixe e vendiam seus produtos. Essa rotina era quebrada
apenas pelo apito das sirenas que anunciavam a chegada ou a saída de algum
barco.
Anos depois, meus pais mudaram-se para outra localidade, também
próxima a um rio, dessa vez o Vermelho, e lá ancoraram o seu barco. Cresci
ouvindo as histórias contadas por eles, por meus avós e tios, sobre as
embarcações que ora desciam, ora subiam as águas do Cuiabá. Ao rememorar
esses momentos de minha infância, as cenas retornam muito vivas, e ainda hoje
volto a ver os barcos e lanchas que subiam e desciam o rio, ao ouvir o apito da
sirene, ainda distante, e tenho novamente a vontade de correr até as margens e
junto com as outras crianças ganhar dos tripulantes dos barcos as gostosas
bolachas, que tanto nos traziam alegria. Essas talvez sejam as imagens mais
presentes que guardo de minha infância.
Passados alguns anos, já adulta, fui possuída da vontade de saber mais
sobre aquelas embarcações, e com o tempo foi crescendo em mim o desejo de um
dia escrever algo sobre aqueles barcos e, principalmente, sobre as pessoas que
neles viajavam. Ao ingressar no Mestrado, em março de 2000, senti que estava
próxima a realização de uma parte deste sonho. Foi assim que nasceu “O
cotidiano dos viajantes nos caminhos fluviais de Mato Grosso”. Afinal, como
disse Certeau, estamos ligados a este lugar pelas lembranças .
Para realizar este intento, contei com o apoio de muitas pessoas.
viii
Registro minha gratidão, em primeiro lugar, à professora doutora Maria
de Fátima Costa, minha orientadora, professora e amiga a quem aprendi a
admirar, pela convicção, carinho e sobretudo pela competência com que me
orientou durante todo o tempo. Suas interlocuções claras e seguras permitiram a
organização coerente do material colhido, que resultou nesta dissertação.
À professora doutora Regina Beatriz Guimarães Neto, coordenadora do
Programa de Pós-Graduação/Mestrado em História, da Universidade Federal de
Mato Grosso, pelo respeito e contribuições. Através dela estendo meus
agradecimentos a todos os professores do nosso Programa, pela solidariedade e
contribuições bibliográficas, que muito ajudaram no meu crescimento intelectual.
Ao professor doutor Pablo Diener, pelas contribuições no exame de
qualificação e sugestões na parte iconográfica, as quais me foram de grande
valia.
Agradeço imensamente às pessoas entrevistadas, pela receptividade e
carinho com que me receberam em seus lares, demonstrando sempre boa
vontade. Os dados por eles fornecidos foram de muita importância e serviram,
indubitavelmente, para enriquecer este trabalho.
Ao Sr. Jorge Henrique do Couto, representante da SOAMAR em Cuiabá,
pelas valiosas informações cedidas.
Agradeço ao Sr. Luciano Boabaid pela permissão de fotografar a coleção
de louças utilizadas nas embarcações da empresa e que fazem parte do acervo de
sua família.
ix
Ao Sr. Pedro Rocha Jucá e sua esposa Lelinha, pelo carinho com que me
receberam em sua residência e também por intermediarem, gentilmente, a
realização da entrevista com o Sr. Antônio Arruda.
Um agradecimento especial à professora doutora Elizabeth Madureira
Siqueira pelos ensinamentos nos primeiros passos da pesquisa.
Agradeço à professora e amiga Odila de Azevedo Watzel, da Dominus -
Centro de Línguas Estrangeiras, pela correção do resumo.
Sou muito grata ao colega, já mestre, Clementino Nogueira de Sousa,
coordenador do Arquivo Público de Mato Grosso, que muito contribuiu com suas
indicações no momento certo. Estendo também meu muito obrigada a todos os
funcionários desse órgão pela atenção carinhosa e gentil no atendimento de
minhas solicitações.
À amiga Ana Lúcia Bigio, pelas leituras e correções do texto, sempre
sugerindo uma palavra aqui outra acolá, de modo que eu pudesse melhor
esclarecer as minhas idéias. Sua solidariedade e paciência foram muito
importantes na estruturação do texto. De fato, ela é uma verdadeira arquiteta das
letras.
A Lizziane, minha sobrinha, pela grande ajuda na digitação das centenas
de documentos.
Aos colegas do mestrado, em especial à amiga Marli, pelas horas de
desabafo, descontração, incentivo e troca de informações nos momentos de
angústia e alegria.
x
Ao meu marido Leôncio, pelo incentivo, estímulo, paciência e inúmeras
sugestões, inclusive na escolha do tema - afinal, somos parte das mesmas raízes -
; ao meu filho Leonardo, pelos socorros prestados na briga com o computador -
sua interferência foi essencial -; e aos demais membros da família, por terem
compreendido a minha ausência nos momentos de encontro familiar.
Finalmente, agradeço à CAPES pela bolsa concedida durante este último
ano.
xi
RESUMO
Este estudo tem como proposta
reconstruir o cotidiano dos passageiros e
tripulantes das embarcações que durante
o período de 1870-1930 realizavam
viagens no percurso marítimo fluvial
entre o Rio de Janeiro e as cidades de
Cuiabá e Cáceres, em Mato Grosso. Para
tanto, foram utilizados como suporte
documental: relatórios de Presidentes de
Províncias, jornais editados em
Corumbá, Cáceres, Cuiabá e Campo
Grande, guias de importação e
exportação, manifestos de bordo, leis,
decretos e regulamentos sobre a
navegação, e descrições de cronistas e
viajantes, brasileiros e estrangeiros.
Também se fez uso da história oral e de
fontes iconográficas. Com esta base
documental, foi possível conhecer e
adentrar nos barcos e de dentro deles
conhecer estes viajantes, tendo como
temas: os tipos de embarcação, a
viagem, a vida dos tripulantes e
passageiros, o lazer, as cenas pitorescas
e os acidentes, a alimentação e a saúde.
Buscou-se alcançar o dia -a-dia dos que
viajaram nestas embarcações, com base
na história do cotidiano.
ABSTRACT
This study aims to reconstruct
the daily life of the passengers and the
crew of the vessels that during the period
of 1870-1930 travelled in the sea and
river route between Rio de Janeiro,
Cuiabá and Cáceres, in Mato Grosso.
For this study, the documents used were:
reports from the Presidents of the
Province, newspapers edited in
Corumbá, Cáceres, Cuiabá and Campo
Grande, import and export guides, log
books, laws, decreets and regulations
about navigation and descriptions of the
chroniclers and travellers, Brazilians and
foreigners. We also made use of oral
history and iconography sources.
Through all these documents it was
possible to know and go inside the boats
and from them get to know the
travellers, having as themes: the kind of
vessel, the trip, the passengers and the
crew's lives, leisure, the picturesque
scenes and the accidents, food and helth.
Based on the history of the daily
activities of those who travelled in those
vessels we sought to discover what
happened at that time.
xii
SUMÁRIO
xiii
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES.......................................................................................... .1
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 2 Capítulo I
O CAMINHO DAS ÁGUAS ................................................................. 17 Capítulo II
O LUGAR DO COTIDIANO............................................................... 28 Tipos de Embarcação.......................................................................................................31
A Viagem.........................................................................................................................41
Capítulo III
O DIA-A-DIA NAS EMBARCAÇÕES ................................................ 54 A vida dos Tripulantes e Passageiros ..............................................................................56
O Lazer ............................................................................................................................ 62
Cenas Pitorescas e Incidentes ..........................................................................................68
Alimentação e Saúde .......................................................................................................75
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 84
FONTES E BIBLIOGRAFIA ................................................................ 92
1
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
MAPAS *
Mapa 1 - Trajeto marítimo fluvial entre o Rio de Janeiro
e as cidades de Corumbá, Cuiabá e Cáceres ...................................................16 Mapa 2 - Trajeto fluvial da Foz do Prata às cidades
de Corumbá, Cuiabá e Cáceres .....................................................................26
FOTOS Figura 1. Barco Etrúria ...................................................................................................33 Figura 2. Vapor Fernandes Vieira ..................................................................................35 Figura 3. Chalana ............................................................................................................ 38 Figura 4. Porto de Corumbá ............................................................................................ 42 Figura 5. Cuiabá, o Porto ................................................................................................ 51 Figura 6. Baile a bordo do Vapor Diamantino ...............................................................66 Figura 7. Louças .............................................................................................................81
* A capa e os mapas inclusos nesta Dissertação foram confeccionados por Naomi Onga, sob a orientação da autora.
2
INTRODUÇÃO
3
A ocupação das terras hoje denominadas genericamente de Mato Grosso
ocorreu através dos rios. Foi a via fluvial oferecida pela bacia hidrográfica do
Alto Rio Paraguai que permitiu que os bandeirantes paulistas, no início do século
XVIII, adentrassem ao então território Bororo, formando aí os núcleos
populacionais que deram início à ocupação não índia nesta parte do centro-sul
americano.
Também foram os caminhos aquáticos que serviram como rota para as
expedições comerciais conhecidas como “monções”. E mesmo depois que se
abriu caminho por terra, em 1737, por Goiás, e se estabeleceu em 1748 a rota
fluvial entre a então capital da Capitania de Mato Grosso, Vila Bela, e o porto de
Belém do Pará, os rios alto-paraguaios continuaram sendo a via natural de
comunicação e comércio entre Mato Grosso e São Paulo, e daí para outras
localidades.
Este caminho, contudo, apesar de ter o Paraguai no percurso, não tinha
este rio como principal rota. Para os monçoeiros, eram as acidentadas águas do
Tietê, Paraná e Pardo, além das do Taquari, São Lourenço e Cuiabá, que deviam
ser transpostas, como bem demonstraram as páginas de Sérgio Buarque de
Holanda e Visconde de Taunay. O rio Paraguai, apesar de não oferecer acidentes
4
significativos, não foi usado como rota no período colonial porque grande parte
de seu curso inferior pertencia à América Espanhola, portanto vedado aos seus
inimigos lusitanos. Depois, a recém-implantada República do Paraguai não
permitiu seu livre trânsito ao Império Brasileiro.
Somente na segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1856,
depois de contornadas questões diplomáticas com a república vizinha, uma nova
rota fluvial possibilitou a comunicação entre Mato Grosso e o Atlântico, através
da bacia do Prata, sendo a região colocada em contato não só com o litoral
brasileiro, mas, através dele, com o exterior. A Guerra da Tríplice Aliança (1864-
1870), porém, interrompeu temporariamente esta via, que foi definitivamente
reaberta em 1870.
Assim, desde a década de 1870 até meados dos anos de 1950, a regular
navegação pelo rio Paraguai fez com que o trânsito de embarcações brasileiras e
estrangeiras se tornasse freqüente, passando a ser o principal caminho
periodicamente usado pelos que queriam sair ou entrar em Mato Grosso.
Passageiros brasileiros e de várias outras nacionalidades transitavam por essa
região, possibilitando que diferentes grupos sociais interagissem, quebrando,
algumas vezes, as rígidas regras sociais então impostas, o que transformava a
vida a bordo dos navios em dias cheios de dinamismo.
Neste estudo buscou-se conhecer o dia-a-dia vivido por passageiros e
tripulantes das embarcações que durante o período de 1870-1930 realizavam a
longa travessia fluvial entre a foz do Prata e as cidades de Cuiabá e Cáceres, em
Mato Grosso. Nesta busca, especial atenção foi dada ao espaço, o barco, no qual
5
diferentes grupos sociais, representados pelos passageiros e tripulantes,
construíam o seu dia-a-dia.
Estando em contato diário, no decorrer da viagem, homens, mulheres,
crianças, jovens ou velhos, livres ou escravos, desenvolveram formas de convívio
específicas, criando hábitos próprios, entre amizades, “fofocas” e solidariedade,
decorrentes da convivência de longos dias no interior das embarcações. Tentou-
se, então, trazer de volta o rico cotidiano vivido pelas pessoas que transitaram por
esses caminhos.
Geralmente, essas viagens iniciavam ou continuavam em navios
oceânicos, que levavam ou traziam os passageiros e tripulantes entre Cuiabá,
Cáceres, Montevidéu/Buenos Aires ao Rio de Janeiro. Mas, aqui, analisar-se-á
apenas o trajeto fluvial percorrido entre as cidades mato-grossenses e a foz do
Prata.
Vale lembrar que o roteiro fluvial em foco tinha em Mato Grosso os rios
Paraguai e Cuiabá como os principais caminhos; saindo pelo Cuiabá, alcançava-
se o São Lourenço e daí o Paraguai; deste ao Paraná, Prata e depois ao Atlântico,
até a capital do Brasil. Saindo de Cáceres, o trajeto era realizado integralmente
pelo rio Paraguai, depois pelo Paraná, Prata, e daí ao oceano, até o Rio de
Janeiro, tal como se demonstra no Mapa 1, ao final desta Introdução. Dessa
forma, as embarcações que faziam o trajeto entre o Rio de Janeiro e a foz do
Prata eram grandes, oceânicas; enquanto as que navegavam do Prata a Corumbá
eram de porte médio, mas bem confortáveis, e as que dessa cidade seguiam ao
interior de Mato Grosso eram vapores bem menores e menos confortáveis.
6
As embarcações que continuavam para Cuiabá, via São Lourenço e
Cuiabá, eram de pequeno porte, por serem estes rios mais estreitos e menos
caudalosos; já as que seguiam rumo a Cáceres eram maiores, por ser o rio
Paraguai bem mais fundo e caudaloso.
Para a delimitação temporal da pesquisa, levou-se em conta o
estabelecimento regular da navegação pelo rio Paraguai em 1870, fato que
propiciou o livre trânsito das embarcações brasileiras e estrangeiras em águas
mato-grossenses, tr azendo um grande fluxo de viajantes à região. A cidade de
Corumbá (hoje Mato Grosso do Sul), situada às margens do rio Paraguai, foi
então transformada em principal porto, por ser passagem obrigatória e a mais
importante via de acesso para o interior de Mato Grosso, canalizando todo o
fluxo de mercadorias exportadas e importadas e o transbordo de passageiros na
região mato-grossense1. Ali aportavam os navios de médio calado procedentes
de Buenos Aires, Montevidéu e Assunção.
Em função disso, logo instalaram-se em Corumbá casas comerciais que
aos poucos foram se estruturando e se transformando em estabelecimentos
econômicos de grande porte, responsáveis pelo comércio da Província de Mato
Grosso. Dentre elas a firma Migueis & Cia. Ltda., fundada em 1910, que contava
com cerca de quarenta embarcações de diversos tipos e tamanhos; a Loyd
Brasileiro, que também passou a ter uma linha de paquetes entre o Rio de Janeiro
e Cuiabá; além de empresas menores, que mantinham linhas bimensais de
1 Lúcia Corrêa Salsa, 1985: 39.
7
passageiros e cargas entre Montevidéu e Corumbá, com escala em Assunção,
Concepcíon, Porto Murtinho, Coimbra e Porto Esperança2.
Esta movimentação foi mantida regularmente até as primeiras décadas do
século XX. Contudo, a partir de 1914, a implantação da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil - NOB, passando a ligar o sul de Mato Grosso (hoje Mato
Grosso do Sul) ao Sudeste do país, mais especificamente a Bauru – SP, fez com
que Mato Grosso, antes voltado para a América do Sul, via estuário do rio da
Prata, se direcionasse para o leste, via Sudeste do Brasil. A ferrovia passou a ser,
naquele momento, um meio de transporte complementar à via fluvial.
Os anos de 1930, por sua vez, vão trazer mudanças, marcando outros
rumos na política brasileira, com reflexos também em Mato Grosso. O sonho de
trazer caminhos de ferro até Cuiabá provocou um impasse para a região, como
bem evidenciou o Presidente do Estado, Annibal de Toledo: a dúvida colocada
era se se deveria renunciar, ou não, ao aproveitamento da navegação fluvial de
Corumbá a Cuiabá, como caminho único para o progresso que vinha do Sul, ou
construir uma linha férrea. Conforme Toledo, este problema estaria resolvido por
completo se a opção fosse o caminho de ferro ligando Campo Grande, Coxim e
Cuiabá, pois o trilho traria o colono espontaneamente, a higiene, a instrução, o
comércio, a indústria, enfim o progresso sob todas as suas modalidades, porque
a estrada de ferro é o mais poderoso instrumento de civilização que se conhece3 .
Contudo, isto não ocorreu.
2 Jesus da Silva Brandão, 1991: 119. 3 Mensagem do Presidente do Estado de Mato Grosso Annibal de Toledo à Assembléia Legislativa , 1930.
8
O novo governo implantado no Brasil na década de 1930 procurou impor
uma política de vias de comunicação por estradas terrestres. Com a abertura de
rodovias, Getúlio Vargas deu continuidade à política de Washington Luís,
transformando a Comissão de Estradas de Rodagem, criada por este governo em
1926, em Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Ao abrir estradas,
criaram-se novos rumos e direções e, no caso particular de Mato Grosso, o
caminho das águas, aos poucos, foi perdendo importância, dando lugar a linhas
de terra que levavam os automóveis aos lugares mais distantes do Estado.
Vale lembrar que foi também na década de 1930 que Mato Grosso
passou a contar com transporte aéreo. Os hidroaviões da Cia. Condor faziam
vôos regulares, ligando esta região aos demais Estados. No entanto, este novo
meio de transporte, muito mais rápido que os barcos, não constituiu uma
concorrência relevante às linhas comerciais de vapores, por serem os aviões tão
pequenos que transportavam apenas quatro passageiros, além do piloto e do
telegrafista, resultando um transporte mais caro. Mesmo assim, fornece uma
outra velocidade ao tempo da Província4. As malas do correio passaram a ser
transportadas por essa via, fazendo com que as correspondências chegassem
muito mais rápido.
Estas inovações fizeram com que, a partir de meados dos anos de 1930, o
movimento das embarcações se tornasse cada vez mais tímido, praticamente
desaparecendo na década de 1950.
4 Maria de Fátima Costa e Pablo Diener, 2000: 23.
9
Assim, o marco temporal foi definido entre 1870-1930, abarcando o
período em que os rios pantaneiros serviram como principal via de acesso a Mato
Grosso, visando demonstrar o dia-a-dia das pessoas que faziam este trajeto em
embarcações vindas do Rio de Janeiro até as cidades de Cuiabá e Cáceres. Para
tanto, trabalhou-se na perspectiva da história do cotidiano.
A expressão “vida cotidiana” não é nova. Nova é a importância dada a
ela nos escritos contemporâneos, principalmente a partir da publicação do estudo
de Braudel, Civilização Material, Economia e Capitalismo, entre 1967 e 1979,
que contribuiu de forma decisiva, ao tratar dos códigos alimentares, do vestuário
e dos demais temas que até então passavam despercebidos, dando- lhes
importância na vida dos grupos sociais, inclusive dedicando uma parte de sua
obra, A Longa Duração, a analisar as estruturas do cotidiano5.
O estudo do cotidiano leva a estabelecer uma distinção entre o público e
o privado. Esta oposição ocorre mais nitidamente com os avanços das relações
tipicamente capitalistas e o conseqüente aprimoramento do universo cultural
imposto pela burguesia, porque é no movimento de uma transformação profunda
das relações sociais que a vida cotidiana vai se redefinindo e tomando as formas
e o conteúdo atuais6. A esse respeito, assim define Duby: o privado é a zona de
imunidade oferecida ao recolhimento, onde relaxamos e nos colocamos à
vontade, livres da carapaça de ostentação que assegura proteção externa. É o
lugar de fam iliaridade. Doméstico. Íntimo7. E é este dia-a-dia, íntimo ou não, que
5 Cf. Mary Del Priore, 1997: 262. 6 Idem: 260. 7 Georges Duby, 1997: 10.
10
se busca alcançar com este trabalho. Assim, podem ser identificados espaços
coletivos, que são muito mais visíveis nas embarcações, havendo poucos refúgios
de intimidade; apesar disso, no interior do barco pode-se identificar a ocorrência
de namoros em cantos solitários, ou momentos de leitura, ou até a escrita de uma
carta, além da existência de suítes e banheiros.
Ao estudar as relações que se estabeleceram no interior das embarcações
que desciam e subiam as tranqüilas águas do Paraguai e seus afluentes, levando e
trazendo passageiros, algumas questões se colocaram: a convivência das pessoas
nas embarcações era conflituosa ou amistosa; como se relacionavam pessoas de
segmentos sociais diferentes; se houve momentos de lazer, de tristeza, de
ansiedade, de medo; como se estabelecia a diferenciação de gênero; como era a
alimentação e a saúde. Enfim, de que forma se desenvolviam as relações entre
passageiros e tripulantes no espaço interno de uma embarcação durante uma
viagem. Com estes e outros questionamentos buscou-se entender as concepções
dos viajantes sobre a região, os ritos que se procediam nos momentos de saída e
chegada, a relação com as populações das regiões percorridas, e de que forma
essas pessoas preenchiam seus dias durante a longa viagem que faziam entre a
foz do rio da Prata até chegar aos portos de Cuiabá ou de Cáceres.
Trabalhar o cotidiano das pessoas que viajaram pelas águas mato-
grossenses, ocupando o estreito espaço de uma embarcação por longos dias,
permite compreender a relação entre indivíduo e sociedade, e entre pessoas de
diferentes classes sociais; o que, aliás, se constituiu em uma das questões centrais
da pesquisa, pois, como já observou Agnes Heller, a vida cotidiana não está
11
fora da história, mas no centro do acontecer histórico: é a verdadeira essência
da substância social 8.
Em sua obra A invenção do cotidiano: artes de fazer , Michel de Certeau
mostra que é no interior do cotidiano e da vida privada que inventa-se o
cotidiano graças às artes de fazer. Ou seja, é no momento em que o indivíduo se
apropria do espaço, criando e invertendo objetos e códigos, adaptando-os ao seu
jeito, e fazendo uso deles a sua maneira, que ele cria um lugar próprio, um
cotidiano específico9.
Para a visualização das embarcações e das relações desenvolvidas em seu
interior, objeto deste percurso, trabalhou-se com um suporte basicamente
documental, realizando-se levantamentos em relatórios de Presidentes de
Províncias, em jornais editados em Corumbá, Cáceres, Cuiabá e Campo Grande,
em guias de importação e exportação, em manifestos de bordo, em leis, decretos
e regulamentos sobre a navegação. Estas fontes foram pesquisadas no Arquivo
Público do Estado do Mato Grosso - APMT e no Núcleo de Documentação e
Informação Histórico Regional - NDIHR. Foram pesquisados relatos publicados
por cronistas e viajantes, brasileiros e estrangeiros, que visitaram Mato Grosso e
que deixaram registros sobre o tema em estudo.
No que se refere aos relatórios de Presidentes de Províncias encontrados
no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso, eles foram transcritos e
analisados, buscando-se principalmente referências sobre a navegação.
8 Agnes Heller, 2000: 20. 9 Michel de Certeau, 1998: 110.
12
Apenas dois diários de bordo foram encontrados, um deles pertence a
esse mesmo arquivo, o Registro de Bordo do Vapor Araguaia, correspondente
aos anos de 1868 a 1869; o outro, Diário de Navegação do Navio Mercante
Cidade de Corumbá , da década de 1970, pertence ao arquivo particular da
Empresa de Navegação Miguéis Sociedade Anônima da cidade de Corumbá.
Ademais, vários outros papéis foram estudados nas dezenas de latas
existentes também no Arquivo Público do Estado, na tentativa de recuperar
dados sobre a vida cotidiana das pessoas que viajaram pelos rios mato-
grossenses. A leitura dos documentos trouxe à tona o dia-a-dia das pessoas que
faziam essas viagens.
Além dessas fontes escritas, também se fez uso da técnica de história
oral, através de entrevistas com pessoas que realizaram o trajeto ou trabalharam
nas vias de navegação.
Nesse sentido, foram coletados vários depoimentos que evidenciaram ser
a memória um elemento essencial no processo de construção e reconstrução da
história, do qual as temporalidades - presente, passado e futuro - são
componentes. Como bem preleciona Lucila de Almeida Neves: a memória
contém inúmeras potencialidades, que podem, em muito, enriquecer o processo
de reconstrução e análise das inúmeras variáveis constitutivas da dinâmica da
História10.
Procurou-se, nas entrevistas, explorar esta potencialidade, lembrando, no
entanto, como bem observou Michele Perrot em entrevista a Denise Bernuzzi de
10 Lucila de Almeida Neves, 2000: 112.
13
Sant’Anna, em 1977, que a história oral não pode ser suficiente para tudo. A
maior parte da história deve, necessariamente, recorrer às fontes escritas, aos
objetos e à arqueologia do cotidiano11. Ciente disso, procurou-se neste estudo
recorrer aos arquivos, às fontes escritas e também às orais.
Foram também utilizadas fontes iconográficas, que, após ana lisadas e
interpretadas, serviram para complementar as reflexões referentes ao trabalho e
oferecer uma idéia mais clara do cotidiano dos passageiros e tripulantes nos rios
de Mato Grosso. Como lembra Mirian Moreira Leite: quando nem tudo pode ser
dito ou descrito por palavras, a imagem transmite e desafia palavras12. Assim,
as imagens fotográficas foram utilizadas com o intuito de complementar as
palavras.
Lembrando, porém, como ensina Ana Maria Muaud, que ao selecionar
um recorte espaço-temporal preciso, a fotografia compõe, constrói e filtra
determinados aspectos de uma realidade múltipla, cuja imagem final é retirada
de um conjunto de escolhas possíveis. Da mesma forma que, ao permanecer no
tempo, a fotografia transmite mensagens compostas por sistemas de signos não
verbais, cuja análise é uma das chaves para a compreensão do passado13.
Assim, com esta base documental, tanto escrita quanto oral e
iconográfica, foram percorridos, nesta Dissertação, os caminhos fluviais mato-
grossenses, em busca de alcançar a história do cotidiano vivido nas embarcações.
Os diversos documentos narram, com bastante emoção, os acontecimentos,
11 Michelle Perrot, 1998: 358. 12 Miriam Moreira Leite, 1997: 221. 13 Ana Maria Muaud de Sousa Andrade, 1993: 27
14
permitindo reconstruir personagens anônimos, antes adormecidos nas latas,
pastas, páginas de arquivos e bibliotecas, ou guardados na memória, que
renascem, dando vida à história. É reunindo esses cacos espalhados, como em um
quebra-cabeça, que se tentou visitar o cotidiano dos rios pantaneiros nos anos
1870-1930.
Para tanto, foram definidos corpos de temas que possibilitaram entender
as relações desenvolvidas durante os percursos das viagens. No tema "tipos de
embarcação", por exemplo, observou-se a arquitetura dos barcos, suas divisões
em primeira, segunda e terceira classes; no tema "a viagem", as análises deram
ênfase ao trajeto fluvial e ao tempo percorrido, o transbordo dos passageiros para
navios de maior ou menor calado e os momentos de saída e chegada dessas
embarcações; no tema "vida a bordo dos passageiros e tripulantes", verificou-se a
estrutura hierárquica e a função de cada tripulante, e no que se refere aos
passageiros, observou-se como eram essas pessoas, sua origem social e poder
econômico; no tema "lazer", percebeu-se a ocorrência de bailes, música, jogos e
namoro; no tema "incidentes e cenas pitorescas", detectou-se a presença de
animais peçonhentos, a ocorrência de tempestades, afogamentos e assassinatos;
no tema "alimentação e saúde", encontrou-se o tipo de comida e horários das
refeições, e, no que tange à saúde, foram observados a higiene, o aparecimento
de doenças e a presença de médico a bordo.
Para dar forma a este estudo, seu conteúdo foi dividido em três capítulos.
No primeiro, “O caminho das águas”, se faz uma retrospectiva histórica da
navegação em Mato Grosso, com ênfase no período compreendido entre a
15
segunda metade do século XIX até o início do XX, quando a navegação tornou-
se regular e teve início o livre trânsito de embarcações via rio Paraguai. No
seguinte, “O lugar do cotidiano” , analisa-se o espaço no qual se desenrola o
cotidiano dos passageiros e tripulantes no percurso da longa travessia,
procurando-se descrever como era esse espaço, os tipos de embarcação, suas
divisões e arquitetura, e a viagem. Já no terceiro e último capítulo, “O dia-a-dia
nas embarcações”, procura-se recriar o dia-a-dia dos passageiros e tripulantes
que via jaram por águas fluviais durante os trinta dias do percurso desde a foz do
Prata, para chegar de Mato Grosso à capital brasileira, ou em seu retorno.
Finalizando a dissertação, buscou-se relacionar os conteúdos
apresentados nos capítulos, de maneira a demonstrar as formas de convívio
estabelecidas ao longo das viagens.
Assim, a partir dessas reflexões é que foram percorridos os caminhos
fluviais de Mato Grosso, no intuito de atender aos objetivos propostos em cada
capítulo, e poder reconstituir o cotidiano dos passageiros e tripulantes nessa
longa travessia. Refazer essas viagens foi um desafio fascinante. O assunto é
imenso, mas se tentou lançar um pouco de luz sobre um vasto conjunto de
questões que, espera-se, seja um começo.
16
Capítulo I
O Caminho das Águas
18
A conquista e ocupação das terras mato-grossenses, como já se observou,
ocorreram através da via fluvial, quando os bandeirantes adentraram à região,
tendo sido levados em suas embarcações pelo caminho das águas até o interior do
sertão. Dentre os vários rios que participaram desse processo histórico estão o
São Lourenço, o Cuiabá e o Paraguai. O último forma uma das principais bacias
hidrográficas da América do Sul, tendo como limite o rio da Prata, onde
desemboca o rio Paraná, que é formado pela junção dos rios “Grande” e
“Paranaíba”.
Lucien Febvre, ao escrever a história do Reno, disse que todos os rios têm
não uma, mas várias histórias, e cada uma delas pode ser contada de diversas
maneiras, dependendo do lugar de quem os observa, que pode ser do meio do rio,
em suas margens, ou na medida em que seus mitos e lendas forem acompanhados
de dentro ou de fora, em que o ponto de partida sejam as crônicas das cidades ou
da imprensa. De cada lugar se faria uma diferente história daquele rio14. Aqui, as
águas de três rios - Paraguai, Cuiabá e São Lourenço - são convertidas em
caminho para contar a história das pessoas que transitavam sobre elas em
embarcações, indo ou voltando, em longas viagens.
14 Lucien Febvre, 2000: 9-10.
19
O rio Paraguai tem sua nascente no Estado de Mato Grosso, no brejal das
Sete Lagoas, a cerca de dezoito quilômetros da cidade de Diamantino, e 1.200
quilômetros a Norte de Cuiabá. Desde o seu nascedouro corre livremente em
direção ao Paraná, até juntar-se ao Prata e daí ao Oceano Atlântico. No dizer de
Hércules Florence, é o mais belo canal que a natureza formou para permitir ao
homem devassar desertos tão dilatados, para povoá-los e dar-lhe as regalias de
ativa navegação e imenso comércio15 . Esse rio está geograficamente dividido em
três partes: Alto Paraguai, parte do rio que, desde o seu nascedouro até
encontrar-se com o rio Apa, percorre uma distância de 1.873km, e atravessa o
Brasil, a Bolívia e o Paraguai; Médio Paraguai, trecho que segue do rio Apa em
diante, até confluir-se com o rio Tebicuary, a uma distância de 797km, e
atravessa o Paraguai e a Argentina; e Baixo Paraguai, que por sua vez atravessa o
Paraguai e a Argentina, partindo do rio Tebicuary até juntar-se ao rio Paraná16.
Das três divisões, a do Alto Paraguai é à montante do rio Paraguai. Nesse trecho
estão localizados o Pantanal Mato-grossense e as cabeceiras dos seus rios
formadores, totalmente inseridos em território brasileiro, compreendendo uma
área de aproximadamente 136.700km² 17.
Os rios Cuiabá e São Lourenço, tributários do Paraguai, foram a porta de entrada
dos luso-brasileiros, que no final do século XVII chegaram ao interior sul-
americano, através da bacia paraguaia, movidos pelo desejo de encontrar metais
preciosos e índios na região. Augusto Leverger, o Barão de Melgaço, que
15 Hércules Florence, 1977: 99 16 Victor Miguel Ponce, 1995: 4 17 Ibidem: 6.
20
realizou, no século XIX, estudos dos rios mato-grossenses, no seu Vias de
Comunicação de Mato Grosso informa que o São Lourenço é um rio com mais
de oitocentos e cinqüenta quilômetros de comprimento, dos quais cerca de
seiscentos são navegáveis. Seus maiores afluentes são: Água Branca, Paranaíba,
Roncador, Itiquira e Cuiabá, que é o seu principal tributário. Sobre o Cuiabá,
registra que o mesmo vem desde a montanha Tombador e forma uma cascata de
cerca de trinta metros de altura, tendo como principais tributários os rios: Triste,
Quiebó (Diamantino), Manso (Chapada), os Coxipós Assu e Mirim, Cocaes, os
dois Aricás e o Cuiabá Mirim18. De acordo com o Álbum Gráfico De Mato
Grosso, o nome Cuiabá tem duas explicações. A primeira é que a palavra Cuiabá
origina-se da existência, nas margens desse rio, de árvores que produzem frutos
de que se faz a cuia. Esta versão está de acordo com a etimologia da palavra cuia
= vasilha, e aba = criador, isto é, rio criador de vasilhas. A segunda versão é a
seguinte: cuia-abá, que na linguagem bororo que dizer gente caída19 .
Embora a região da bacia do Alto Rio Paraguai tenha sido visitada e
disputada por espanhóis desde o século XVI, na busca de um lugar de sonhos e
de riquezas fabulosas, foi somente no início do século XVIII que os luso-
brasileiros, fazendo uso de embarcações indígenas, adentraram o espaço situado a
oeste da linha de Tordesilhas e ali fizeram núcleos de povoamento20.
Quando a bandeira de Pascoal Moreira Cabral, em 1719, encontrou ouro
às margens do rio Coxipó - afluente do Cuiabá -, foi desencadeado o processo
18 Augusto Leverger, 1859. In: Maria de Fátima Costa e Pablo Diener, 2000: 70 19 Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso, 1914: 52. 20 Maria de Fátima Costa, 1999: 31.
21
migratório, e aventureiros passaram a chegar à região do Cuiabá. Foram estas
expedições que adentraram as terras mato-grossenses e trouxeram os paulistas
para o interior sul-americano. Logo depois se estabeleceu um fluxo comercial
entre São Paulo e Cuiabá, com as anuais expedições monçoeiras. As prime iras
monções destinadas à região constituíram verdadeiros saltos no escuro e as
embarcações utilizadas não eram mais cômodas e nem mais seguras que as
pirogas utilizadas pelos índios 21.
Para superar os vários problemas no decorrer das viagens e estabelecer
condições capazes de garantir um mínimo de segurança à navegação fluvial,
escolheram-se as rotas mais adequadas dentre as muitas que podiam levar ao
extremo Oeste, surgindo, assim, os chamados “roteiros monçoeiros”. O primeiro
deles vigorou entre 1719 e 1724 e obedeceu ao seguinte itinerário: rios Tietê,
Grande (Paraná), Anhanduí, Pardo, travessia por terra pelos Campos das
Vacarias, Mboteteu – hoje, Miranda –, Paraguai e Cuiabá. Por essa via,
gastavam-se de seis a oito meses para completar o caminho percorrido22.
Com a abertura de uma fazenda em Camapuã (1720), que funcionou
como pouso monçoeiro, o primeiro roteiro foi abandonado. A partir de 1725, o
caminho utilizado tinha como roteiro os rios Tietê, Paraná, Pardo, Miranda,
Sanguessuga – travessia por terra pelo Varadouro de Camapuã, quando as canoas
eram levadas às costas -, e depois seguia -se pelos rios Coxim, Taquari, Paraguai,
São Lourenço e Cuiabá. Esse segundo trajeto trouxe uma série de problemas,
21 Sérgio Buarque de Holanda, 1976: 49. 22 Sobre as rotas monçoeiras, consultar, entre outros, Sérgio Buarque de Holanda (1976), Visconde de Taunay (1891), Elizabeth Madureira Siqueira (1990) e Maria de Fátima Costa (1999).
22
uma vez que impunha uma maior duração ao percurso e atravessava terras
Cayapó, Payaguá e Guaikurú, povos indígenas que ofereceram tenaz resistência à
travessia de seus territórios.
Por outro lado, é interessante observar que foi o saber indígena que
possibilitou a entrada dos bandeirantes paulistas e a navegação monçoeira na
bacia do Alto Rio Paraguai. Os habitantes dessas terras foram norteadores e guias
dos mamelucos paulistas, por serem exímios conhecedores dos acidentes
geográficos, das técnicas e instrumentos utilizados na fabricação de canoas e
remos, assim como dos frutos comestíveis e da fauna da região.
Além disso, os indígenas auxiliaram bandeirantes e monçoeiros no
tocante à tarefa de “farejar” ouro e no apresamento dos outros grupos, como já
demonstrou Sérgio Buarque de Holanda na obra Caminhos e Fronteiras, ao
analisar a importância do saber indígena na expansão territorial luso-brasileira no
sentido Oeste23. Em 1737, abre-se o caminho por terra entre Cuiabá e Goiás e,
logo depois, em 1748, um outro caminho fluvial passou a ligar Vila Bela –
capital da Capitania de Mato Grosso - ao porto do Grão-Pará, pelo transcurso dos
rios Guaporé, Mamoré e Madeira – rios amazônicos. Estes novos roteiros,
contudo, não suplantaram a rota monçoeira, que até início do século XIX
continua a ser a principal via de comunicação para as terras mato-grossenses.
Porém, os anos oitocentos trazem a necessidade urgente de alargar o
espaço econômico. Países com um alto desenvolvimento industrial, como a
Inglaterra, França e Alemanha, buscam novos mercados para expandir o seu
23 Sérgio Buarque de Holanda, 1995: 19.
23
capital. Desenvolvimento e progresso eram a tônica dos discursos modernizantes
da época. Estes anseios traziam em si um leque de transformações estruturais
vivenciadas principalmente na Europa.
O Brasil, para acompanhar o processo, teria que se adequar às regras de
modernização exigidas por esses países, especialmente pela Inglaterra.
Acreditava-se que as transformações trariam a estabilidade política, o aumento da
produção agrícola, o desenvolvimento do comércio e a atualização técnica para a
população em geral. Pensava-se também que a regulamentação da navegação, a
modernização dos portos, a instalação da iluminação a gás e a implantação de
estradas de ferro, bondes urbanos e obras de saneamento básico nas principais
capitais do Império eram a visível manifestação da modernidade.
Mato Grosso, situado no espaço interior da América do Sul, e longe dos
principais centros, pe rmanecia sem a mínima infra-estrutura. No caso específico
das formas de transporte, estas continuavam extremamente precárias. Em
decorrência disso, as viagens prosseguiam obedecendo às rotas fluviais do então
sistema monçoeiro.
Um trajeto fluvial pelo rio Paraguai, que não oferecia acidentes no seu
curso, passou a ser visto como o roteiro mais fácil e seguro para se estabelecer a
comunicação rápida entre Mato Grosso e o litoral, e daí com o resto do mundo.
Entretanto, a questão da abertura da navegação pelo rio Paraguai e o livre acesso
à Província de Mato Grosso eram dificultadas por questões mais complexas, que
caracterizaram as relações diplomáticas entre o já império brasileiro e a jovem
república do Paraguai, desde o governo de Gaspar de Francia (1811-1840) até o
24
governo de Francisco Solano Lopes (1862-1870), no que diz respeito à
demarcação da linha de fronteira entre os dois países. Foram várias as tentativas
por parte do governo brasileiro para obter a livre navegação, porém, o governo
paraguaio impô s inúmeras dificuldades e, por vezes, o total bloqueio à
penetração fluvial até Mato Grosso, no intuito de fazer o Brasil ceder a suas
reivindicações territoriais e limítrofes 24.
Hércules Florence, geógrafo e desenhista da expedição naturalista
chefiada por G. I. Langsdorff, que visitou as terras de Mato Grosso entre 1827-
1829, com bastante objetividade registrou essa situação: Não fora o singular
sistema do ditador Francia, e os habitantes da república do Paraguai, assim
como os de Mato Grosso, estariam já no gozo das mais francas relações
comerciais25.
Em meados do século XIX, finalmente abre-se a navegação pelo rio
Paraguai, fato que facilitará sobremaneira os transportes e a comunicação para a
Província de Mato Grosso. O novo trajeto fluvial, como já destacado, tinha o
Cuiabá e o Paraguai como os principais rios.
Esta via de comunicação só foi possível após a assinatura do Tratado de
Amizade, Navegação e Comércio, estabelecido com a República do Paraguai e o
Império do Brasil, em 1856. Essa iniciativa, segundo Augusto de Leverger, então
Presidente da Província de Mato Grosso, abriria a porta de um futuro de
prosperidade e riquezas26.
24 Lúcia Corrêa Salsa, op. cit.: 37. 25 Hercules Florance, 1987: 100. 26 Augusto Leverger, 1905: 31.
25
Contudo, com a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), esta rota fluvial
teve de ser interrompida, só sendo retomada em 1870, depois de finalizado o
conflito. Durante a conflagração, teve lugar o retorno do transporte terrestre, feito
em tropas de mulas, cujo itinerário era o seguinte: Rio de Janeiro, Minas Gerais -
até o local denominado Farinha Podre, hoje Triângulo Mineiro -, Goiás e
Cuiabá27. Com o fim do conflito, em 1870, o caminho fluvial foi reaberto,
possibilitando que passageiros e produtos tornassem a sair ou chegar a Mato
Grosso, em centenas de embarcações que passaram a fazer parte da paisagem dos
rios pantaneiros.
Dessa forma, os longos e demorados trajetos feitos através da rota das
monções foram substituídos, finalmente, por uma nova via fluvial, muito mais
rápida, através das bacias Paraguai e Prata, que compreendia também os
territórios da Argentina, Paraguai e Uruguai.
Foram os rios transformados em caminhos que proporcionavam o ir e vir
a todos aqueles que, em busca de riquezas ou mesmo de construir um lar, durante
muitos anos usaram dessa via de comunicação entre esta Província e a capital do
Império.
27 Rubens de Mendonça, 1983: 88.
26
Capítulo II
O Lugar do Cotidiano
28
Milton Santos, grande geógrafo brasileiro recém-falecido, considerou o
espaço geográfico como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e
sistemas de ações, sua definição varia com as épocas, isto é, com a natureza dos
objetos e a natureza das ações presentes em cada momento histórico55. Para
Certeau, o espaço é um lugar praticado, que se especifica pelas ações de sujeitos
históricos 56. De maneira diversa, Santos e Certeau fornecem uma forma
semelhante para entender o espaço.
Partindo dessa compreensão, considerou-se como espaço o barco - lugar
onde se desenrola o cotidiano dos passageiros e tripulantes. Dessa forma,
podemos dizer que o barco é também um lugar definido por uma geografia e que
se transforma em espaço produzido pelas ações dos passageiros e tripulantes,
através dos relatos, no jogo das relações mutáveis que uns mantêm com os
outros. Assim, neste estudo o barco será o lugar do cotidiano. É esse o espaço
onde se encontram os personagens da história a ser narrada.
O barco, portanto, apresenta-se como um espaço de experiências, em que
os passageiros constituem uma população das mais variadas nacionalidades e de
natureza diversa, que se entrecruzam construindo uma sociedade heterogênea e
55 Milton Santos, 1999: 267. 56 Michel de Certeau, op.cit: 202.
29
móvel, na qual reina, ao mesmo tempo, proximidade e distância, em face do
tempo em que permanecem juntos. Com a ajuda de narrativas de viajantes,
regulamentos, leis e decretos, procurar-se-á, neste capítulo, num primeiro
momento conhecer os diferentes tipos de embarcação, suas divisões e arquitetura,
e depois adentrá- las com a vontade de conhecer o dia-a-dia desenvolvido em seus
interiores.
As embarcações que faziam os trajetos Rio de Janeiro-Cuiabá/Rio de
Janeiro-Cáceres possuíam desenho e tamanho distintos, variando conforme a
profundeza das águas que cruzavam e a largura dos rios. Eram paquetes, vapores,
lanchas, chatas, escumas, sumacas, palhabotes e goletas. Sem contar as canoas,
batelões e igaretés, de origem indígena 57. As embarcações movidas a vapor
utilizavam em suas fornalhas o combustível extraído nas próprias margens dos
rios, pois, segundo Florence, em qualquer ponto do rio Paraguai achariam os
barcos a vapor florestas para abastecê-los de combustível abundante e fácil58.
Internamente, quase todas eram divididas em primeira, segunda e terceira classes;
algumas tinham camarotes e suítes.
Os barcos, geralmente, pertenciam a empresas comerciais que logo
procuravam explorar esta via de comunicação. Constatou-se, por exemplo,
através do relatório do Presidente da Província de Mato Grosso Francisco José
Cardoso Júnior, que já em 1872 duas empresas de navegação a vapor
proporcionavam viagens pela Província, a Companhia de Navegação a Vapor do 57 O Álbum Gráfico de Mato Grosso (1914) e Jesus Brandão (1991) definem algumas diferenças nessas embarcações que navegavam em Mato Grosso: escumas eram navios de vela de dois mastros e um só mastaréu; sumacas, navios de vela com apenas um mastaréu no mastro da proa; palhabotes, navios latinos com dois mastros em cada mastaréu; goletas, pequena escuna espanhola de gávea à pro a. 58 Hércules Florence, op. cit.: 99
30
Alto Paraguai, com sede em Montevidéu, e a empresa Leocadia, sediada em
Cuiabá. Esta última fazia a linha Corumbá/Cuiabá e possuía apenas um vapor
que levava o nome da empresa, enquanto a Alto Paraguai possuía sete vapores e
fazia a linha de Montevidéu a Cuiabá, com escala em Corumbá e em diversos
portos do Paraguai e da Argentina, dispondo, segundo o mesmo relatório, de boas
acomodações para passageiros e cargas.
Os passageiros que faziam esses trajetos pagavam 300$000 réis a ré -
espaço compreendido entre o mastro grande e a popa do navio -, e 150$000 réis a
proa - parte dianteira de um navio. O vapor Leocadia dispunha de boas
acomodações para dezesseis passageiros à ré, rebocava uma chata de cinqüenta
toneladas, dava seguro transporte às mercadorias e gastava de dezessete a vinte
dias de viagem de Corumbá a Cuiabá. Cada passageiro pagava o valor
correspondente a 76$000 réis em primeira classe e 38$000 réis em segunda. Para
transporte de carga eram cobrados 14$000 réis por arroba e 500$000 réis por
palmo cúbico59.
Considerando os valores das passagens, viajar nessas embarcações era
um tanto caro, o que tornava esse meio de transporte não acessível a todos. Cada
passageiro ocupava um lugar de acordo com o que ele podia pagar. Tal como
hoje, quem podia mais se acomodava nos melhores lugares 60.
59 Relatório do Presidente de Província do Estado de Mato Grosso, 1872. 60 Aqui lembramos as palavras de Milton Santos (1999), que o espaço se dá ao conjunto dos homens que nele exercem como um conjunto de virtualidades de valor desigual, cujo uso tem de ser disputado a cada instante, em função da força de cada qual.
31
Tipos de Embarcação
Uma década depois do fim da guerra da Tríplice Aliança já operavam em
Mato Grosso a Companhia Lloyd Brasileiro, que mantinha uma linha de
paquetes que fazia o itinerário Rio de Janeiro-Montevidéu-Corumbá-Cuiabá.
Durante o trajeto oceânico as escalas eram feitas nos portos de Santos,
Paranaguá, Antonina, São Francisco, Itajaí, Florianópolis, Rio Grande e
Montevidéu. Os navios do Lloyd que realizavam esse percurso eram: Júpiter,
Saturno, Syrius, Orion e Vênus, embarcações que possuíam em média cento e
cinqüenta acomodações para passageiros de primeira e segunda classes. De
Montevidéu a Corumbá, a viagem era feita nos navios Diamantino, Humaitá,
Ladário, Rápido, Vênus, Murtinho, Cáceres, Miranda, e nos paquetes Oyapoc e
Javary. De Corumbá a Cuiabá, o trajeto era feito nas embarcações Coxipó, Rio
Verde, Nioac e Orvalho, todos pertencentes, também, ao Lloyd Brasileiro.
Com o desenvolvimento da navegação, foram surgindo em Mato Grosso
novas empresas interessadas em investir nesse setor. Em 1910 foi fundada a
Miguéis e Companhia Ltda., pelos irmãos João Luís Miguéis e Serafim Miguéis
e por Zeferino Augusto de Matos, possuidora de várias embarcações de diversos
tipos e tamanhos, como os vapores: Cidade de Corumbá, Guaporé, Rio Taquari,
Licúria e Argos. Já a empresa de navegação a vapor Vierchinos possuía nove
vapores e dezesseis chatas com capacidade para três mil toneladas, com serviço
misto de passageiros e cargas, e proporcionava viagens rápidas e confortáveis no
trajeto Corumbá/Cuiabá, com os vapores: Leda, G.B. Vierci, Adela e Neembucu .
32
O alemão Karl von den Steinen, que chegou a Cuiabá a bordo do vapor
Coxipó, em 1884, narra suas impressões sobre o interior desse barco: Embaixo
existe um salão e um camarote para senhoras, o local das máquinas, a cozinha,
a entre cobertas (terceira Classe). Em cima, no sentido inverso, há um
galinheiro, o leme, uma parte livre onde se fazem as refeições, o camarote do
capitão, outro para quatro passageiros e atrás da privada um lavatório e um
espelho61.
O também naturalista Herbert Smith, que fez excursões científicas no
Brasil em 1871-1873, 1877 e 1881-1886, traz em seus relatos de viagens
informações sobre a arquitetura naval dos barcos nos quais esteve. O vapor Rio
Verde, por exemplo, que fazia o trajeto de Corumbá a Cuiabá, possuía em média
vinte e cinco metros de comprimento por seis ou sete metros de largura. Na parte
inferior do barco havia uma cozinha, um espaço para os passageiros de segunda
classe e um salão. Na parte superior localizavam-se o camarote de senhoras, com
dois quartos e duas camas cada um, e ainda dois quartos pertencentes aos
oficiais. Havia nesse barco, em média, noventa passageiros, sendo quarenta de
primeira classe, vinte de segunda e os trinta restantes se acomodavam como
podiam62.
Gabriel Pinto de Arruda, nascido às margens do rio Paraguai, ao escrever
sobre a história de Cáceres, sua cidade natal, trouxe dados minuciosos sobre o
vapor Etrúria (Figura 1), no que diz respeito a sua estrutura física.
61 Karl von den Steinen, 1942: 55. 62 Herbert H. Smith, 1922: 266.
33
Esse vapor era considerado pela sociedade mato-grossense como o meio
de transporte mais luxuoso, sofisticado, elegante, rápido e cômodo da região.
Media 24,70 metros de comprimento, 4,70 metros de boca e l,60 metros de
pontal. Possuía dois camarotes com quatro camas e cinco com duas camas, um
camarote espaçoso para as refeições e corredores amplos. No primeiro piso
estava a cozinha, o espaço dos oficiais de bordo e da tripulação, a casa das
máquinas, quatro camarotes, banheiro e aparelho sanitário, alojando de forma
diferenciada os passage iros em primeira, segunda e terceira classes.
Esse vapor foi adquirido em Gênova, Itália, daí a origem do seu nome,
por Gicazone Rebuá, no ano de 1890, e em 1898 passou a pertencer a Dulce &
Cia. José Dulce, proprietário da Companhia, era natural de Gênova, naturalizou-
se brasileiro e em 1871 chegou a São Luiz de Cáceres, onde fixou residência,
tornando-se um comerciante de participação ativa na vida social e política do
Estado63.
Segundo as narrativas e alguns depoimentos dos que viajaram a bordo
dessa embarcação, dormia-se muito cedo e se acordava ao nascer do dia ao som
do canto dos pássaros. A sua história está intimamente ligada à população mato-
grossense, especialmente a da cidade de Cáceres. Suas chegadas e partidas eram
acontecimentos especiais para eles durante os mais de cinqüenta anos em que
esse vapor navegou pelas águas do rio Paraguai.
O professor Natalino Ferreira Mendes, que viajou nesta embarcação,
registrou:
63 Gabriel Pinto de Arruda, op. cit.: 183.
34
Um longo apito ecoa sonoroso
- Etrúria! . . . diz o povo emocionado.
Já o porto de gente está apinhado:
- Eis na volta do rio, o barco airoso.
Anos mais de cinqüenta, no passado,
Ligaste o Corumbá, vapor famoso,
A urbe de Albuquerque (nome honroso!)
- Único meio de transporte usado.
Assim, tanto te uniste à nossa vida
No abraço da chegada e da partida,
Que símbolo já eras da cidade.
Etrúria! . . . o Paraguai está vazio...
Fecharam-te o cais. . . mas tua navio,
Continua vivendo na saudade.64
64 Natalino Ferreira Mendes, 1993: 59.
35
.
Figura 1 Barco Etrúria, ca. 1920 Fonte: Gabriel Pinto de Arruda, 1938 : 183.
Outro vapor sempre lembrado pelo luxo e popularidade foi o Fernandes
Vieira (Figura 2), que transitou pelas águas do rio Paraguai levando e trazendo
passageiros de Corumbá a Assunção, e vice-versa. Esse navio pertenceu à
empresa M. Cavassa Filhos & Companhia, com sede na cidade de Corumbá,
fundada no ano de 1858, por Manuel Cavassa, desativada por ocasião da Guerra
do Paraguai (1864-1870) e retomada em 1870, logo após o final do conflito. A
construção do Fernandes Vieira foi realizada em Corumbá, no estaleiro do
senhor C. G. Preza, no ano de 1911, tendo sido projetado para suportar trezentas
toneladas e com capacidade para acomodar até cem passageiros de primeira
classe. Possuía iluminação elétrica e instalação de ventiladores; dois mastros, um
36
com duas antenas la terais e um na popa, com a bandeira nacional; três pisos e
várias portas que davam acesso aos camarotes65.
Testemunhos de época certificam que este navio partia do porto da cidade
de Corumbá todos os domingos às dezessete horas e que a viagem era agradável
e confortável. O seu interior era bem iluminado, com confortáveis cabines para
dois ou quatro passageiros, com cama de casal - era destinado principalmente
para casais em lua de mel -, e em uma das extremidades da mesa de jantar havia
um piano. A empresa não dispunha de pianista, mas durante as viagens sempre
havia um ou outro passageiro que sabia tocar esse instrumento musical, fazendo
com que a música estivesse sempre presente. Segundo eles, o Fernandes Vieira
foi marcante na vida de muitas pessoas que viveram à sua época 66.
65 Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso, 1914: 67. 66 Informações colhidas em entrevistas concedidas por Maria de Arruda Müller, Antônio de Arruda, Maria Benedita Rodrigues e Lenine Campos Póvoas. Na década de 1990, o grupo musical “Acaba”, de Mato Grosso do Sul, que há quase trinta anos dedica-se à música, pesquisando a cultura do universo pantaneiro, homenageou esse vapor através da música “Fernando Vieira”, cantando: Porto Esperança, porto de Manga, Piúva, Corumbá e Cuiabá (...) Lá vai Fernando Vieira subindo o rio Paraguai (...).
37
Figura 2 Vapor Fernandes Vieira, ca. 1911 Fonte: Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso, 1914: 67. Nota-se que o vapor é bastante amplo, confortável e de boa visibilidade, encontrando-se fundeado no porto da cidade de Corumbá. Observa-se a presença de vários passageiros, e na parte superior ou no primeiro piso do navio alojam-se os passageiros de primeira classe. A figura que se vê em forma de leque é o que chamamos de “esteira propulsora”, cuja finalidade era ajudar a impulsionar o navio, estando localizada em ambos os lados da embarcação.
Nem todos os barcos, entretanto, eram como o Etrúria ou o Fernandes
Vieira. Manuel Cavalcante Proença, que nasceu em Cuiabá e nessa cidade cursou
seus primeiros estudos, indo depois estudar no Colégio Militar do Rio de Janeiro,
assim descreveu o barco no qual viajou de Corumbá a Cuiabá, em meados de
1940: Uma lanchinha miúda, com rodas laterais de propulsão, carregando de
cada lado duas enormes chatas, tem alguns cubículos muito quentes, que são os
camarotes; a sala de jantar, depois de dez horas da noite, serve de dormitório,
38
com redes cruzando em todas as direções, dependuradas pelas colunas que
sustêm o teto da embarcação67.
Dentre os tipos de embarcação utilizados nos rios de Mato Grosso, não se
poderia deixar de falar um pouco a respeito das chalanas. Costa e Diener (2000)
nos dizem que: segundo testemunhos de época, em Cuiabá, quando as pequenas
embarcações chegavam à cidade, a rigor, não aportavam e tanto o embarque
como o desembarque eram feitos em pequenas chalanas que transportavam
malas, objetos e passageiros até a terra firme. Isto acontecia uma vez ao mês e
tornava-se o grande acontecimento da capital de Mato Grosso68. Com relação a
esses testemunhos de época podemos citar alguns, como os de Karl von den
Stainen, Herbert Smith e Manuel Cavalcante Proença, que, além de descreverem
vários aspectos da região, também deixaram registrados os momentos das saídas
e chegadas das embarcações no porto de Cuiabá.
A utilização das chalanas para embarque e desembarque ocorreu apenas
enquanto durou a navegação na região, pois elas eram necessárias para o
transporte dos passageiros e bagagens já que as embarcações maiores ficavam
um pouco distantes das margens do rio.
Assim, faziam o trajeto da foz do Prata, passando por Corumbá, Cuiabá e
Cáceres, diferentes tipos de embarcação, que variavam em tamanho e conforto,
na medida em que se aproximavam ou se afastavam da região mato-grossense.
As comodidades oferecidas dependiam das condições econômicas dos
passageiros. As embarcações que se dirigiam a Cuiabá, via rio Cuiabá, eram 67 M. Cavalcante Proença, 1958: 18. 68 Maria de Fátima Costa e Pablo Diener, 2000: 19.
39
menores que as demais em função da navegabilidade do rio, mesmo assim, as
empresas de navegação procuravam garantir o bem-estar dos passageiros. No
primeiro piso encontravam-se os camarotes com suítes, o setor de lazer e a sala
de refeições; no segundo estavam os camarotes sem suítes; e no terceiro havia
apenas redes e colchões espalhados pelo chão, não se dispondo de camas. Essa
distribuição pode ser notada nas fotos números 1 e 2, às páginas 34 e 36, que
demonstram a existência de três pisos, tanto no vapor Etrúria quanto no navio
Fernandes Vieira.
Figura 3 Chalana, 1924 Fonte: Acervo Particular de Maria de Lourdes da S. Ramos. Pode-se observar um barco ao fundo, à espera dos passageiros, e uma outra chalana acabando de ser descarregada.
40
A chalana da foto é do tipo original, fabricada de tábua cerrada para diferenciar da canoa, feita de um pau só. Hoje chamam de chalana qualquer embarcação de madeira, mesmo as de motor utilizadas por pescadores e para vários tipos de transportes. As embarcações possibilitavam a entrada de todos os tipos de mercadorias, exportadas ou não, fazendo com que a última moda chegasse à Província. Vale observar, nesta foto, a vestimenta dos passageir os. Os de primeira classe viajavam à moda européia, uma vez que somente os mais abastados financeiramente davam-se a esse luxo. Os homens portavam terno completo e chapéu, e as mulheres vestidos abaixo do joelho - algumas usavam chapéu.
O engenheiro mor Luiz D’Alincourt, quando realizou estudos sobre a Província de Mato Grosso, entre 1822 e 1824, registrou informações sobre como a população da Província se vestia. Segundo ele, os abastados usavam se vestir luxuosamente como na Corte: as senhoras com muita seda nos vestidos e blusas ricamente bordadas e com tiras de rendas; os pobres vestiam-se de panos de algodão grosso ou fino, segundo suas possibilidades, usavam vestidos de chita e calças de ganga nos dias festivos, especialmente nos dias santos e feria dos. Por sua vez, os comerciantes eram os encarregados da divulgação e venda de todos os produtos, como podemos conferir através desta propaganda publicada no jornal “A Província de Mato Grosso”, em 1887: “encontram-se à venda chapéus de pelo de seda, recém chegados pelo vapor Coxipó – última moda em Paris” (Jornal A Província de Mato Grosso – 1887).
Observa-se que até o funcionário que dirige a embarcação está vestido a caráter. Segundo informações obtidas na Sociedade de Amigos da Marinha (SOAMAR), os passageiros de primeira classe não se misturavam nem mesmo nas pequenas chalanas.
41
A Viagem
O tema a viagem é um ponto fundamental deste trabalho, porque é no
decorrer dela que o dia-a-dia dos passageiros e tripulantes aflora, dando vida e
sustentação a toda a trama da narrativa a ser construída. Dar-se-á, então, início à
reconstrução do cotidiano dos viajantes nos caminhos fluviais de Mato Grosso,
no embalo das águas que vão e vêm.
As condições das viagens marítimas e fluviais, bem como o tipo de
acomodação encontrada, variavam, segundo as narrativas, dependendo do tipo de
embarcação. Passageiros e produtos que chegavam a Corumbá seguiam em
navios de menor calado, rumo aos portos de Cáceres e Cuiabá. Esses barcos
rebocavam duas enormes chatas, uma de cada lado, para transporte de bagagens e
mercadorias, que também serviam para manter o equilíbrio do barco na passagem
das curvas dos rios. As embarcações que faziam as viagens de Corumbá a
Cáceres eram maiores do que as que realizavam o trajeto de Corumbá a Cuiabá,
porém ambas eram menos confortáveis, se comparadas aos grandes navios que
realizavam o percurso do Rio de Janeiro à foz do Prata, ou os vapores que
seguiam do Prata a Corumbá.
Uma viagem entre Cuiabá, ou Cáceres, e o Rio de Janeiro, que envolvia
embarcações diferenciadas, durava em média trinta dias, tanto na ida como na
volta. Assim, na medida em que se afastavam de Cuiabá, Corumbá, Assunção,
Buenos Aires, os navios aumentavam de tamanho, potência e conforto, até
42
alcançar seu destino final. Se a viagem era de volta, o conforto diminuía no
sentido inverso. As senhoras Maria de Arruda Müller e Maria Benedita
Rodrigues (Dunga), que viajaram de Cuiabá até o Rio de Janeiro entre os anos
1914 e 1920, atestaram que para fazer esse trajeto percorria-se, em média, seis
mil seiscentos e cinqüenta e quatro quilômetros42.
O porto de Corumbá está localizado às margens do rio Paraguai, na
cidade de Corumbá, hoje Mato Grosso do Sul (Figura 4). Quando, no ano de
1856, efetivou-se o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre o Brasil e
o Paraguai, esse porto passou a ser o coração do município e pólo canalizador de
toda a Província de Mato Grosso, recebendo barcos de diferentes calados e
possibilitando o embarque e desembarque de mercadorias e passageiros de toda a
costa do Brasil e do exterior. Estava ali também centralizada a navegação interna
ou de cabotagem, além de ser ponto de partida dos vapores de pequeno calado,
conforme as condições de navegabilidade dos diferentes rios.
No ano de 1861 instalou-se a Alfândega do porto de Corumbá. Porém,
com a Guerra do Paraguai (1864-1870), a cidade foi invadida, e após o conflito,
em 1872, a Alfândega foi reinstalada e tornou a ser o entreposto comercial por
onde circulava todo o fluxo de mercadorias para Cuiabá e demais regiões da
província, passando a ser o mais movimentado do interior brasileiro, funcionando
como o centro canalizador de tudo que entrava e saía da região 43.
42 Entrevistas concedidas à autora nos dias 22 e 26 de outubro, respectivamente. Maria de Arruda Müller nasceu na cidade de Cuiabá (MT), em 9 de dezembro de 1898, contando atualmente com 103 anos de idade, ainda está forte e bastante lúcida. Maria Benedita Rodrigues nasceu em 15 de julho de 1908, também na cidade de Cuiabá (MT), tendo falecido em 6 de janeiro de 2002, aos 93 anos de idade, na cidade de Santos (SP). 43 Lúcia Salsa Corrêa, 1985: 34.
43
Ali chegavam vapores de outras regiões do Brasil e do exterior. Eram
paquetes luxuosos e cargueiros de diversos tamanhos. As mercadorias e os
passageiros que vinham da Europa e das cidades platinas até Corumbá, cujo
destino era o interior da Província, eram ali transportados em embarcações
menores, até o seu destino. É bom lembrar que só era permitida a livre navegação
de navios de qualquer nacionalidade até Corumbá, daí para o interior somente os
barcos nacionais tinham autorização para navegar.
Figura 4
Vista do Porto de Corumbá, ca. 1910 Fonte: Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso ,1914: 110. Em frente ao porto, do lado esquerdo, encontra-se a Alfândega, que foi recuperada em 1872, além de várias outras casas comerciais e residenciais. Estes edifícios foram sendo construídos, juntamente com o cais, na rua do Porto, às margens do rio Paraguai, para tornar mais eficiente e racional a distribuição das mercadorias, facilitar o movimento de embarque e desembarque, tanto dos produtos quanto dos passageiros. As construções que estamos vendo em frente ao Porto aos poucos foram assumindo diversas fin alidades, como armazéns de estoque de gêneros e mercadorias importadas, comércio atacadista e varejista, depósitos de mercadorias para exportação, residências e até funções bancárias.
44
Paralelamente ao Porto, a cidade de Corumbá foi crescendo e se
desenvolvendo, e graças ao poderio econômico dessa época áurea, proporcionado
pela navegação, recebeu no início do século XX o título de A Princesa do Rio
Paraguai. Entretanto, na medida em que diminuía o dinamismo da navegação na
bacia do Prata, o movimento das casas comerciais foi regredindo, vários
estabelecimentos fecharam e outros ficaram abandonados, à mercê da sorte,
sendo deteriorados pela ação do tempo. Hoje, o Porto de Corumbá apenas guarda
as características de seu dinâmico passado.
Joaquim Ferreira Moutinho, um português nascido na cidade do Porto,
que chegou a Mato Grosso por volta de 1850 e fixou residência em Cuiabá,
vivendo nesta cidade por dezoito anos, ao deixar a Província escreveu o livro
denominado Notícia sobre a Província de Mato Grosso. Nesta obra, registrou
suas memórias sobre os anos vividos em Mato Grosso, assim como a viagem que
fez de Montevidéu a Cuiabá. Conta, por exemplo, dos portos por onde passou,
abordando também os usos e costumes não só da cidade de Cuiabá como de toda
a Provínc ia. Pelas suas páginas, sabe-se que saindo de Montevidéu chegava-se,
ao amanhecer do dia seguinte, na cidade de Buenos Aires. Ali o vapor demorava
quatro horas, em seguida, e depois de horas de viagem, chegava-se à ilha de
Martim Garcia, situada na conexão dos rios Paraná e Uruguai, formando o rio da
Prata. Daí em diante a navegação ficava mais serena e tranqüila. De Humaitá,
forte paraguaio que foi cenário de uma batalha por ocasião da Guerra do
Paraguai, seguia-se para Assunção, onde o vapor demorava quarenta e oito horas
45
para depois continuar a viagem em direção a Corumbá. Dessa cidade para cima a
viagem era menos agradável, pelo fato de os vapores serem menores e mais
estreitos. Seguia-se o rio São Lourenço, depois o Cuiabá, para finalmente chegar
ao porto da cidade de mesmo nome, onde se viam centenas de jacarés nas praias,
que nem se moviam ao barulho do vapor, conforme atesta Moutinho44.
No livro Estrela de uma Vida Inteira, Martha Baptista narra a vida de
Stella Rodrigues, carinhosamente chamada de Vó Stella. Nele a autora descreve o
trajeto que o casal Stella e Leopoldo percorreu, em 1926, entre o Rio de Janeiro e
Cáceres, em lua de mel, após terem se casado no Rio de Janeiro, vindo morar na
cidade de Cáceres. Nesta viagem foram passageiros do barco Etrúria. Esse vapor,
desde 1898, realizava o transporte bimensal de passage iros e mercadorias,
fazendo o percurso Cáceres/Corumbá e Corumbá/Cáceres. O jovem casal
acomodou-se na primeira classe e, pelo que se depreende das palavras de Stella,
o conforto nesta classe deixava muito a desejar.
Não havia banheiro nos camarotes, apenas um quarto de banho comum,
porém com uma ducha que proporcionava um ótimo banho. As refeições eram
um momento de requinte, exigindo que os passageiros se vestissem
adequadamente – os homens, então, colocavam terno e gravata e as mulheres
seus melhores vestidos. A comida era servida à francesa - numa grande mesa,
onde todos se sentavam, muito bem trajados, tendo à cabeceira o comandante do
navio 45.
44 Joaquim Ferreira Moutinho, 1868: 235. 45 Martha Baptista, 1998: 32.
46
O jornal A Razão, no dia 25 de abril de 1925, publicou um artigo com o
título Página d’um Desocupado, no qual o autor, com pseudônimo de
“Cuiabaninho”, nos permite conhecer um pouco o interior de um outro barco, o
vapor Linda Haydée. Cuiabaninho conta a despedida dos amigos no porto de
Cáceres e a grande emoção quando de longe podia-se observar os lenços
agitados, ao som do apito do vapor. Fala também das constantes paradas para
abastecer -se de lenha, quando era possível ver a grande movimentação das
embarcações. Numa dessas paradas, o barco em que viajava cruzou com o
Etrúria; todos, então, saíram para cumprimentar os amigos que ta mbém estavam
em viagem.
Este artigo retrata ainda momentos de temor durante a viagem.
“Cuiabaninho” conta como fora surpreendido por uma tempestade causada pelo
vento sul, que fez com que o Linda Haydée dançasse sobre as ondas com tal fúria
que, para evitar maiores problemas, o comandante estacionou a embarcação às
margens do rio Paraguai, numa comunidade denominada Amolar, e ali ficou por
mais ou menos dezoito horas, permitindo que a viagem fosse completada depois
que as águas acalmassem46.
46 Jornal A Razão, Cáceres - 1925. Também, o naturalista Herbert Smith (1922: 166-169), quando viajava do Rio de Janeiro a Cuiabá, em 1886, acordou no meio da noite com uma tremenda tempestade em pleno mar. Quando abriu os olhos encontrava -se caído no soalho do navio. Com grande dificuldade, agarrou-se à beira do leito para não ser arrastado de um lado para outro, depois ouviu o bramido de uma longa onda por fora, seguida de outras. O vapor balançava muito, acompanhado pelo ranger de madeiras e pelo vai e vem de bagagens que escorregavam pelo soalho umedecido pela água da chuva, que respingava pelos bordos. Assim como no mar ocorrem grandes tempestades, como a registrada por esse viajante, elas também ocorrem nos rios, não com a mesma intensidade, mas um tanto quanto assustadora, como observou o “Cuiabaninho”.
47
Segundo a documentação consultada, parte significativa da viagem
ocorria nas saídas e chegadas. O embarque e desembarque de passageiros nos
portos das cidades de Cuiabá, Corumbá ou Cáceres era sempre um acontecimento
importante e especial.
O oficial de marinha belga Ferdnand Nijs registrou, por volta de 1900,
que um dos eventos sensacionais que se produz em Cuiabá é a chegada e a
partida dos barcos, colocando a cidade em contato com o resto do mundo. Daí a
maioria da população vir se postar às margens para assistir à sua chegada,
exibindo suas mais belas toaletes47.
Uma impressão próxima a esta pode ser encontrada nas páginas de Karl
von den Steinen, quando o etnólogo relata sua passagem por Cuiabá, dizendo
acreditar que a vida pacata da cidade somente era abalada pela chegada dos
navios, o que ocorria uma vez a cada mês. Apenas um acontecimento perturba
essa serenidade, informa Steinen. É que todo mês a voz do século XIX ressoa no
rio Cuiabá... Um tiro de canhão e a corneta do quartel anunciam a presença do
vapor, ancorado no porto. Todos correm para o correio e em pouco tempo os
que conhecem a leitura e a escrita se acham reunidos para a chamada48.
O professor Lenine Póvoas, testemunha ocular desses acontecimentos,
autor de vários livros sobre a história de Mato Grosso, e que gentilmente também
contou suas memórias à autora deste trabalho, tem registrado no seu Cuiabá de
Outrora um relato emocionado dos momentos de partida: Lenços brancos
agitavam-se no tombadilho do navio, respondendo aos acenos do cais, que
47 Ferdinand Nijs, 1901: 34. 48 Karl von den Steinen, op. cit.: 68.
48
lentamente ia se distanciando... Corações que batiam, aqui e lá, mais
fortemente; peitos que arfavam, contendo a respiração; apertados na garganta;
lágrimas que rolavam em algumas faces; esperanças que iam e que ficavam... e
daí a pouco Cuiabá sumia da vista, na primeira curva do rio49.
Cavalcante M. Proença, ao regressar à cidade natal, assim descreveu sua
chegada a Cuiabá: Bonito dia da chegada a Cuiabá! Duas horas antes, já se
avista a cidade, manchas avermelhadas de telhado, traços claros de paredes
caiadas, entre o verde escuro das mangueiras e o verde mais claro das outras
árvores. Lá está a igreja de São Gonçalo, com o santo em cima da torre, sobre
um globo dourado; o cais de pedra-canga feito por Leverger, muito alto, dando
idéia da altura a que podem chegar as águas da enchente; uma figueira enorme
nascida entre as pedras do cais, dando sombra às lavadeiras e aos garotos que
se preparam para pescar piraputanga no po rto50.
Na segunda década do século XVIII, quando foi fundada a Vila Real do
Senhor Bom Jesus de Cuiabá, pelo então governador e Capitão General de São
Paulo Rodrigues César de Meneses, Cuiabá possuía dois portos, um era chamado
de Borralho, e servia aos que vinham de “rio acima”, e o Porto Geral do rio
Cuiabá , distante mais ou menos três quilômetros do centro da cidade51. Esses
espaços foram definidos pelos aventureiros que aqui chegaram, ávidos por
encontrarem as riquezas tão sonhadas, e era nas barrancas do rio o ponto de
repouso da tão difícil e longa viagem para chegarem à região.
49 Lenine de Campos Póvoas, 1983: 14 50 M. Cavalcante Proença, op. cit.: 34. 51 Cf. Maria de Fátima Costa e Pablo Diener, 2000: 13.
49
Das duas localidades, o Porto Geral do rio Cuiabá foi a que se efetivou,
na medida em que passou a ser divulgada pelos monçoeiros que entravam e
saíam da região, e também porque era ali o ponto de encontro preferido das
grandes expedições, principalmente daquelas que se organizavam no combate aos
índios da região do pantanal, os quais representavam uma ameaça para os que
desejavam alcançar as minas do Cuiabá.
A imagem do lugar toma forma a partir da descrição de Luís
D’Alincourt, em 1826, que, como Sargento e Engenheiro da expedição que
percorreu Mato Grosso no período de 1822-1830, soube traçar como ninguém,
através de palavras, o porto e a cidade de Cuiabá, dizendo da sua localização e
caracterizando a região portuária, descrevendo-a da seguinte forma: O Porto
Geral da cidade de Cuiabá está na margem esquerda do rio Cuiabá, distante da
cidade uma milha, e fica ao S. S. O. dela estabelecido há 70 e 80 anos. Junto a
este porto acha-se um largo retangular ornado de casas, e vizinho ao barranco,
da parte direita, olhando para o rio, um armazém pertencente à fazenda pública,
que serve de depósito geral de víveres, dali se fornecerem a legião de linha,
pedestres, hospitais e presídios da fronteira do Paraguai; à testa dele existe um
almoxarife, subordinado ao intendente dos armazéns, vedor geral da gente de
guerra, e escrivão deputado da junta da fazenda pública. . . Além do porto, na
50
margem direita do rio, estão algumas casas, e daí segue a estrada para Vila
Maria, S. Pedro del Rei e Mato Grosso52 .
No ano seguinte, em janeiro de 1827, depois de uma longa e tumultuada
viagem, chegou a Cuiabá a expedição naturalista chefiada por G. H. Langsdorff e
Hércules Florence, que registrou: Aproamos ao troar das salvas de mosquetaria
que partiam de entre os nossos e eram respondidas de terra. Demos, porém, à
direita, com espaçadas casas, um barracão e uma rampa, ante a qual viemos
para a terra. Curiosos reuniram-se para presenciar nosso desembarque. A
cidade situa-se a três quilômetros do rio, construída a leste. Só se percebe
propriamente a cidade quando já se está dentro dela, diz Florence. A rua do
Porto, por onde tivemos acesso, é larga e bem pavimentada de cascalho. O
aspecto geral de Cuiabá dá prazer: vêem-se por toda parte casas térreas e em
quantidade calculável, laranjeiras e tamarineiros, mesmo nos jardins 53. Foi,
pois, Florence quem primeiro registrou, na ilustração Expedição no Porto de
Cuiabá contra os índios Guaicurus, uma vista do Porto de Cuiabá54.
Quando ocorreu a abertura da via de comunicação fluvial como rota
regular pelo rio Paraguai, Cuiabá era uma cidade ainda pequena e pouco
populosa. Mas, em meados do século XIX já contava com uma população maior,
cerca de sete mil pessoas, das quais aproximadamente seiscentas residiam junto
52 Cf. Luís D’Alincourt, citado por Costa e Diener, 2000: 14. 53 Hércules Florence, 1977: 134-137. 54 Cf. Costa e Diener, 2000: 15.
51
ao porto; as construções eram simples, e mesmo se tratando das casas dos mais
abastados, o adobe, a taipa e a telha eram os materiais usados nessas moradias.
O francês Francis Castelnau, que visitou Cuiabá nesse período,
descreveu que as ruas de Cuiabá eram retas, largas, bem calçadas, e a iluminação
era à base de lampiões; suas casas, em geral, possuíam um ou dois andares, eram
caiadas de branco, cuja cal era trazida do rio Paraguai, e os balcões das jane las
eram de ferro. Uma característica dessas casas era o quintal espaçoso e com uma
variedade de árvores frutíferas, constituindo um verdadeiro pomar. Já no final do
século XIX e início do XX, a cidade de Cuiabá estava dividida em dois distritos
de vinte e quatro ruas, dezessete praças e vinte e oito travessas, sendo que a rua
Barão de Melgaço era a mais extensa; já existiam alguns edifícios públicos e
particulares de arquitetura moderna e dois bonitos jardins situados nas praças
Coronel Alencastro e Marquês de Aracati, mas continuava carente de um bom
calçamento e boa iluminação55 .
A navegação via Prata trouxe um maior desenvolvimento para Mato
Grosso. Várias casas comerciais surgiram na capital, o que intensificou seu
comércio, desenvolvendo a cidade, e o Porto passou a ser o elo de
desenvolvimento de todo o Estado.
Bartolomé Bossi, quando esteve em Cuiabá, por volta de 1863,
descreveu assim o Porto: O Porto de Cuiabá tem um bonito aspecto (...). Sobre a
barranca está situado o Arsenal da Marinha. A subida do Porto se faz por uma
55 As informações sobre Cuiabá foram colhidas em obras dos vários viajantes que por aqui passaram, dentre eles: Hércules Florence (1825-1829), Luís d’Alencourt (1830), Francis Casltelnau (1844), Joaquim Ferreira Moutinho (1869) e Karl von den Steinen (1884).
52
espaçosa e cômoda barranca, toda empedrada. Desde a barranca do rio o
terreno vai sempre elevando-se e formando uma série de altos e baixos. Sobre
este terreno tão acidentado está edificada Cuiabá 56 .
Figura 5 Barcos no porto de Cuiabá, ca. 1910. Fonte: Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso, 1914: 322
Cuiabá, cidade por onde passa o rio de mesmo nome, teve todo o seu
desenvolvimento econômico, político, social e cultural ligado à navegação, que
possibilitou o contato com pessoas, idéias e produtos dos mais diversos países,
especialmente da Europa, Estados Unidos e região platina. O comércio
decorrente desse intercâmbio modificou e transformou as cidades portuárias da
região. Em Corumbá, Cuiabá e Cáceres surgiram casas comerciais responsáveis
56 Bartolomé Bossi, 1863: 54-55.
53
pelas importações e exportações. Novas e modernas ruas foram traçadas, praças
foram abertas de forma a dar a estas cidades um perfil mais cosmopolita.
Os antigos engenhos - construídos de madeira e movidos a água e tração
animal -, espalhados ao longo do rio Cuiabá, situados, a maioria, em Santo
Antônio do Leverger, que até meados do XIX produziram a aguardente e o
açúcar apenas para o consumo local, com o advento da navegação via bacia
platina foram transformados em modernas usinas movidas a vapor. Seus
proprietários, os coronéis usineiros que dominaram a política durante o período
republicano, compravam máquinas modernas na Europa, aumentando, dessa
forma, a sua produção e passando a atender não só a população local, mas de
toda a região. Essa maquinaria, responsável pelo aumento da produção do açúcar
e pela destilação da aguardente e do álcool, foram trazidas pelas embarcações via
rios da Prata, Paraguai e Cuiabá. Impulsionada por essas mudanças, a cidade de
Cuiabá também recebeu iluminação elétrica, trilhos urbanos e linhas telegráficas.
As chegadas e saídas de barcos dos portos, portanto, eram
acontecimentos esperados por todos. Os navios que aportavam em Cuiabá,
contudo, demoravam poucas horas, mas era tempo suficiente para provocar um
movimento febril de vai e vem de pessoas. Era o carregador que levava as
bagagens, o carteiro as correspondências, os controladores que andavam de lá
para cá, os marinheiros uniformizados, que se misturavam à pequena multidão.
Ouviam-se vozes que chamavam e gritos de alegria dos amigos e familiares,
resultando em um aglomerado de pessoas, e não faltavam a banda de música, o
54
tiro de canhão e o toque das cornetas nos quartéis, dando a essas partidas e
chegadas um colorido todo especial.
Pode-se, então, observar que, por mais distante que fosse o trajeto entre
Mato Grosso e a capital, Rio de Janeiro, mesmo sendo necessário percorrer três
países estrangeiros, tendo ainda que passar por vários transbordos no caminho,
ora melhorando, ora piorando o conforto dos barcos, a satisfação da chegada à
Província e o encontro com a família e amigos eram algo reconfortante.
O trajeto fluvial do Rio de Janeiro, passando pela Foz do Prata, até as
cidades de Corumbá, Cuiabá e Cáceres, utilizado a partir de 1870, após a Guerra
do Paraguai, tornou a viagem muito mais rápida - comparando-se ao trajeto
monçoeiro, em que se gastava em média cento e oitenta dias -, possibilitando a
realização do percurso em trinta dias. As embarcações variavam de tamanho -
divididas em primeira, segunda e terceira classes - e conforto, à medida que se
aproximavam ou afastavam de Mato Grosso.
Mas era no decorrer da viagem que o dia-a-dia dos passageiros e
tripulantes aflorava, transformando o barco, o lugar do cotidiano, em um espaço
de experiênc ias, onde os passageiros constituíam uma população das mais
variadas nacionalidades e de natureza diversa, que se entrecruzavam compondo
uma sociedade heterogênea e móvel, como veremos no capítulo a seguir.
Capítulo III
O dia-a-dia nas embarcações
55
Estabelecida regularmente a rota comercial em 1870, via complexo
fluvial Prata-Paraguai, as viagens entre Cuiabá e Rio de Janeiro passaram a fazer
parte da vida das pessoas que habitavam na região de Mato Grosso. Essas
viagens duravam em média trinta dias, havendo, portanto, diferentes formas de
convívio, dentre elas “fofocas”, solidariedade, namoros, festividades.
Após adentrar na embarcação, conhecer seu formato e distribuição, o que
possibilitou a visibilidade do espaço interno, suas divisões e arquitetura, e saber
como eram as viagens, pode-se, agora, situar seus ocupantes nos diferentes
grupos sociais e verificar os papéis que desempenhavam durante a viagem.
Para maior compreensão do dia-a-dia deste percurso, e a partir da
documentação levantada, este capítulo foi definido e organizado, pretendendo
tratar da vida dos tripulantes e passageiros em núcleos temáticos, como lazer,
cenas pitorescas, acidentes, alimentação e saúde.
Para a discussão desses temas, o estudo de Domingues e Guerreiro foi
bastante útil, por trazer o dia-a-dia a bordo de navios que faziam o trajeto até as
Índias. Os autores constróem o seu trabalho fazendo uma distribuição também
temática, como exemplo: “a vida a bordo de passageiros e tripulantes”,
“alimentação e saúde”, “vida espiritual”, “situação psicológica do viajante”,
56
“recreação a bordo: correio e teatro”. A obra, embora situada no século XVI,
muito contribuiu na consecução deste estudo113.
A Vida dos Tripulantes e Passageiros
Tripulantes
A Marinha Mercante do Brasil constitui-se por todos aqueles que têm
suas atividades a bordo das embarcações nacionais, nas oficinas e estaleiros de
construção naval e no trabalho de carga e descarga das embarcações. Ela é
formada pelos seguintes grupos: Marítimos, que exercem a bordo suas
profissões; Auxiliares Marítimos, encarregados das atividades técnicas ou
profissionais na indústria de construção naval, no reparo de embarcações e em
serviços auxiliares de praticagem; e os Estivadores, que realizam o trabalho de
carga e descarga nos navios e em outras embarcações114.
As seções desses grupos variam com o tipo de serviço realizado a bordo.
No grupo dos Marítimos, o que interessa neste estudo, foram encontradas as
seções de Convés, de Máquinas, de Saúde e de Câmara. Fazem parte da seção de
Convés: capitão de longo curso, capitão de cabotagem, primeiro e segundo
piloto, primeiro e segundo radiotelegrafista, prático, praticante de prático,
conferente de carga, mestre de pequena cabotagem, carpinteiro, contramestre,
113 Francisco Contente Domingues e Inácio Guerreiro. A vida a bordo na carreira da Índia (século XVI): 1988. 114 Ministério da Marinha - Diretoria dos Portos e Costas – Ensino Profissional Marítimo: A Marinha Mercante, 1981: 9.
57
arrais, marinheiro e moço (moço de convés). Na seção de Máquinas trabalham: o
primeiro, segundo e terceiro maquinista-motorista, o primeiro e segundo
condutor maquinista, o primeiro e segundo condutor motorista, mecânico,
eletricista, foguista e o carvoeiro (moço de máquinas). A seção Saúde é
composta de médico, dentista, enfermeiro e auxiliar de saúde. Faz parte da seção
de Câmara: o primeiro, segundo e terceiro comissário, escrevente, cozinheiro,
ajudante de cozinha, taifeiro, camareira, padeiro e barbeiro115.
Eram essas funções que os tripulantes ocupavam nas embarcações em
suas viagens. Nos grandes vapores a distribuição dos trabalhos era bem mais
completa, inclusive com médicos e dentistas a bordo. Já nos navios menores,
principalmente naqueles que transitavam nos rios da região mato-grossense, a
tripulação não era assim tão completa, mas a hierarquia e o regulamento vigentes
eram os mesmos.
De acordo com o depoimento de alguns dos tripulantes entrevistados e
do comandante Jorge Henrique do Couto, representante da SOAMAR em
Cuiabá, nas embarcações trabalhavam em média vinte pessoas. Dentre elas: o
comandante (encarregado da navegação e responsável por tudo que acontecia no
barco durante a viagem), o prático (segunda pessoa do comandante) e o
praticante de prático, estes revezavam-se entre si, de quatro em quatro horas, no
comando da navegação. Também faziam parte da tripulação os taifeiros
(encarregados de servir as mesas durante as refeições), o cozinheiro (pessoa
especializada com cursos na Marinha), o ajudante de cozinha, o conferente de
115 Ministério da Marinha – op.cit.: 10-11-12.
58
cargas (que conferia as mercadorias), os maquinistas (eram três e cuidavam do
motor) e os marinheiros (encarregados de várias outras atividades no navio).
A vida desses trabalhadores ao longo das viagens não era nada fácil, pois
a jornada era cansativa, mesmo fazendo rodízio de quatro em quatro horas nas
tarefas mais pesadas. Havia momentos em que sentiam medo, principalmente
quando o barco encalhava em lugares onde havia muitos jacarés, onças e outros
animais perigosos, e eles tinham que descer até o rio para desencalhar o barco.
Às vezes, na época da vazante, chegava-se ao fim da viagem com uma série de
encalhes e desencalhes. Esse era um momento estafante e penoso para os
tripulantes.
Os regulamentos e a hierarquia estabelecida entre os tripulantes dos
navios eram algo fundamental para o bom desempenho da viagem. O
comandante era a autoridade máxima, quem dirigia e comandava a embarcação.
Seus atos não eram discutidos, porque era dele a responsabilidade por tudo que
acontecia dentro da embarcação, tanto no que se referisse à segurança dos
comandados e de quem mais estivesse a bordo, quanto em relação à parte técnica
e ao cumprimento de leis e regulamentos. Somente o comandante podia punir os
tripulantes, aplicando penalidades que variavam de repressão verbal ou escrita a
desconto de um a cinco dias de soldada, sem prejuízo do serviço que competisse
ao punido; impedimento de até cinco dias de baixar à terra; prisão no camarote
ou alojamento de um a dez dias, ou até mesmo prisão preventiva com algemas,
em local apropriado, por tempo indeterminado. Porém, nenhuma penalidade era
aplicada sem que fosse ouvido o acusado.
59
Eram faltas passíveis de penalidade: desrespeitar os superiores
hierárquicos; recusar-se a fazer o serviço determinado por superiores; apresentar-
se embriagado para o serviço ou embriagar-se a bordo; faltar ao serviço nas horas
determinadas; abandonar o posto quando em serviço de quarto, faina, vigilância
ou qualquer outro trabalho para o qual foi designado; sair de bordo sem licença;
discutir, brigar ou participar de tumultos; atentar contra as regras de moralidade,
honestidade, disciplina e limpeza do local em que trabalhava. Os crimes e delitos
cometidos a bordo eram submetidos à justiça comum, no porto onde ocorressem
ou no primeiro porto de escala 116.
O Sr. Waldomiro Moreira de Castilho, que durante anos comandou
várias embarcações, declarou em sua entrevista que certa vez, quando realizava o
percurso Cuiabá/Corumbá, teve que fazer uso de sua autoridade de comandante.
Num determinado ponto da viagem embarcou um rapaz, e logo depois o
comandante foi informado por um dos tripulantes que o jovem havia esfaqueado
uma pessoa nas redondezas, aproveitando-se da passagem do navio para fugir.
Ao saber disso, o Sr. Waldomiro interrogou o rapaz, que, depois de confessar seu
crime e fuga, foi detido no camarim. Quando chegaram ao porto da cidade de
Corumbá, a polícia foi comunicada do fato e veio receber o prisioneiro117.
Outra situação interessante aconteceu com a professora Maria Benedita
Rodrigues (Dunga), a bordo do navio que a levava para o Rio de Janeiro.
Segundo Dunga, o fato a marcou muito, porque nessa época era ainda muito
116 Ministério da Marinha - Diretoria dos Portos e Costas - A Marinha Mercante, op.cit.: 14 -15-16. 117 Entrevista concedida à autora no dia 24 de abril de 2000. Waldomiro Moreira de Castilho nasceu em 28 de junho de 1930, na cidad e de Santo Antônio de Leverger.
60
criança e como tal muito curiosa e impaciente. Numa dessas curiosidades, e
correndo por todos os cantos do navio, deparou-se com dois tripulantes
algemados e presos em um quartinho. Ela ficou muito assustada e perguntou ao
pai por que aquelas pessoas estavam ali, daquele jeito. O pai explicou-lhe que
eles eram marinheiros do navio e haviam infringido a lei ao embriagarem-se a
bordo, e por isso foram punidos118.
Os tripulantes obedeciam ao regulamento, na medida em que cada um
tinha uma função e papel a cumprir. Os marinheiros não se misturavam com os
superiores. Enquanto estes, em camarotes com suítes, tinham um tratamento
especial, os demais tripulantes eram alojados na terceira classe, ou seja, no porão
da embarcação, sendo nesse local que dormiam e faziam as suas refeições,
alimentando-se principalmente de sopa no jantar, servida em pratos individuais,
ou prato feito – o famoso PF -, como eles costumavam dizer. A diferença
também é percebida no uso do uniforme, cuja finalidade era caracterizar o
pessoal de acordo com as categorias, as funções e as especialidades. O respeito a
essas regras estabelecidas evitava que a camaradagem e intimidade sadia dessem
lugar à indisciplina 119. Os momentos de dificuldade e cansaço desses tripulantes
eram compensados pelas belezas naturais que a viagem proporcionava.
118 Entrevista concedida à autora no dia 26 de outubro de 1999, por Maria Benedita Deschamps Rodrigues. 119 A Marinha Mercante – Ensino Profissional Marítimo, op.cit: 28.
61
Passageiros
No que se refere aos passageiros, Karl von den Steinen relata que a vida
no interior do vapor Coxipó era confortável e o cotidiano simples. Todos
acordavam muito cedo, tomavam o café ou chá e conhaque - os mato-grossenses
não dispensavam o seu guaraná ralado. O almoço era servido às dez horas da
manhã e o jantar às cinco horas da tarde, sendo o cardápio o mesmo do almoço,
apenas acrescentando-se um prato, e em seguida era oferecido um cálice de
Cherry ou Porto. Para essas refeições eram postas mesas e o atendimento era
feito pelos taifeiros.
Os demais passageiros e tripulantes não possuíam sala de refeições e lhes
era servido uma comida que não tinha os mesmos ingredientes. Os intervalos
eram preenchidos com sestas e jogos de baralho. Às sete e trinta horas da noite
começavam os preparativos para dormir. Os homens ficavam separados das
mulheres e reuniam-se em volta da mesa, vestidos ou semidespidos, onde
conversavam animadamente, fazendo caçoadas e contando piadas até altas horas.
As mulheres, por sua vez, dormiam apinhadas como sardinha em lata, ocupando
não só os bancos como também os soalhos dos camarotes120 - isso só ocorria
quando o piso destinado à primeira classe estava muito lotado. Os demais
passageiros não tinham escolha, dormiam sempre apinhados, seja em camas,
redes, bancos ou mesmo nos soalhos das embarcações.
120 Karl von den Steinen. In: Herbert H. Smith, 1922: 267.
62
O pessoal da terceira classe, que era composta principalmente pelos
ribeirinhos - pessoas que viviam às margens dos rios - e pelos marinheiros, ficava
alojado nos porões das embarcações.
Ao chegar a noite ou quando ocorria uma parada para abastecer, havia
uma preocupação generalizada entre os passageiros, porque era nesse momento
que os mosquitos atacavam com maior ferocidade, como se fossem vampiros
ávidos por sangue, provocando comichões na pele, e o calor se tornava mais
intenso e infernal.
As narrativas de viagens relatam o dia-a-dia nos barcos e os hábitos
criados pelos viajantes, que descreveram com detalhes algumas situações desse
cotidiano, durante a longa travessia.
O Lazer
Os viajantes descreveram minuciosamente algumas atividades que
empreenderam para preencher o tempo. Como a viagem era longa, alguns
distraíam-se jogando cartas – o passatempo mais freqüente -, outros admiravam a
beleza natural da região e outros aproveitavam os dias para namorar, alguns liam
um livro, enquanto outros mantinham animadas conversas.
Ao amanhecer, os passageiros sentiam-se mais aliviados, os mosquitos já
não eram tantos, e eles se envolviam com os encantos da natureza. Todos os
relatos lidos, assim como todos os entrevist ados que foram ouvidos, falam da
63
magia e da beleza contagiante que a paisagem natural, principalmente a do
Pantanal, proporcionava.
Essa região está totalmente contida na bacia do Alto Paraguai e seu
cenário ecológico é único no continente americano. Possui características
peculiares, tais como baías (áreas baixas de forma circular, semicircular ou
irregular), baixadas (porções das baías sujeitas a inundação sazonal), barreiros
(baías que têm água periodicamente), salinas (lagos com água salina), córregos
(pequenos cursos d’água), capões (pequenos morros cobertos de vegetação),
cordilheiras (pequenas elevações de terrenos localizadas entre as baías), vazantes
(largas depressões situadas entre as cordilheiras) e corixos (pequenos cursos d’
água permanente)121.
O Pantanal Mato-grossense, por possuir essas características, é um
imenso reservatório natural, e possui uma flora e fauna rica e diversificada, com
numerosas espécies de mamíferos, répteis, peixes, pássaros, borboletas e outros.
Essa diversidade da fauna se constitui em uma infinidade de espécies terrestres e
anfíbias. Dentre as espécies podemos citar: anta, ariranha, cachorro do mato,
capivara, cervo do pantanal, ema, jacaré, jaguatirica, lobo guará, lontra, onça
pintada, tamanduá bandeira, tatu e veado campeiro.
Cavalcante Proença conta que a quantidade de aves na região era
enorme. Uma delas, o tuiuiú, grande ave pernalta, chega a medir 1,60m de altura
e suas asas atingem uma dimensão de quase três metros de uma ponta a outra,
tendo o corpo coberto com plumagem branca, pescoço preto e papo vermelho,
121 Projeto RADAM BRASIL.
64
atualmente ave símbolo do pantanal. Segundo esse autor, em 1906, acreditando
que um bando de tuiuiús enfileirados fosse um pelotão de revolucionários, com o
lenço vermelho no pescoço, os homens do coronel Antônio Paes de Barros, o
Totó Paes, um dos chefes políticos que comandava Mato Grosso durante a
Primeira República, fugiram em disparada 122.
Joaquim Ferreira Moutinho, por sua vez, descreve que durante a viagem
que fez entre Corumbá e Cuiabá, na década de 1850, encontrou pelo caminho
centenas de colhereiros, garças, marrecos, patos, tuiuiús e uma infinidade de aves
aquáticas. E que além desses pássaros havia nos rios abundância de peixes dos
mais variados tipos e tamanhos 123.
O norte americano Herbert Smith, quando de sua excursão científica pelo
Brasil, também registrou um pouco da beleza do Pantanal ao escrever que na
região congregavam milhares de aves aquáticas. As garças brancas eram tantas
que nos lembravam flocos de neve a revolutear em uma tempestade de inverno
no Norte; com elas estavam colhereiras cor de rosa, socós azulados, e grandes
tuiuiús de cabeça preta. Lembra-me um descampado por onde passamos ao pôr
do sol, onde estavam pelo menos umas vinte mil destas grandes aves, formando
um espetáculo como nunca vira antes124.
Durante as horas livres, e talvez seduzidos pela paisagem, os passageiros
desenvolviam pequenos romances. Herbert Smith, por exemplo, narra uma cena
entre um casal de imigrantes italianos durante a viagem: ela vestida com um
122 Manuel Cavalcante Proença, op. cit.: 25. 123 Joaquim Ferreira Moutinho, op. cit.: 260. 124 Herbert H. Smith, 1922: 271-272.
65
corpete cor de púrpura sobre o vestido branco de saia curta e os cabelos negros
com pesadas tranças, num gracioso penteado italiano. Senta-se ao seu lado um
jovem e belo rapaz usando uma jaqueta curta, calções a altura do joelho,
sapatos grossos e chapéu cônico de feltro. Ao dirigir -lhe rapidamente a fala em
seu italiano tão doce, ela permanece com os olhos baixos e a face muda de cor.
Ele lhe toma a mão, ela meio que retira, e depois deixa-a ficar; então levanta os
olhos para os dele com um sorriso. Em seguida, salta e corre antes que lhe tome
mais liberdade125.
O senhor Antônio de Arruda, autor de vários livros sobre política, cultura
e sociedade mato-grossense, hoje com noventa anos de idade, ainda bastante
produtivo - em agosto de 2001 lançou o seu mais recente trabalho, No Limiar dos
90 Anos -, também relatou um namoro a bordo, que ocorreu com o seu sobrinho,
quando este viajava de Cuiabá ao Rio de Janeiro com a finalidade de ingressar no
seminário. Durante a viagem, ainda muito jovem, ele conheceu uma garota ma is
ou menos de sua idade, com quem namorou durante toda a viagem. Quando
chegou ao colégio, o padre diretor já sabia do ocorrido e mandou-o de volta para
casa. Seu pai escreveu uma carta pedindo desculpas ao diretor e dizendo-lhe que
não era essa a vocação do seu filho, sendo melhor ter um bom católico do que um
mal padre. O namoro continuou em terra firme, mas não chegaram a se casar126 .
Karl von den Steinen, quando viajou de Assunção a Corumbá, registrou
que nos momentos de lazer também jogava-se cartas e ouvia-se um pouco de
125 Idem.: 30-31. 126 Entrevista realizada com Antônio de Arruda no dia 25 de julho de 2001, na cidade do Rio de Janeiro, onde reside. Nasceu na cidade de Cuiabá, Mato Grosso, em 29 de agosto de 1911, e encontra-se atualmente com noventa anos de idade.
66
música. Durante a sua viagem, uma senhora cantou La Feleuse e La Harpe
Eolienne, em seguida um senhor apresentou diversas trivialidades rápidas e
variadas127.
Maria de Arruda Müller relatou a ocorrência de bailes, músicas, teatro e
várias outras atividades de lazer nos navios transatlânticos; nos menores, os jogos
de carta eram os preferidos. Max Schmidt, quando fez a viagem do Rio de
Janeiro a Cuiabá, registrou um baile a bordo do Vapor Diamantino (Figura 6).
Os bailes a bordo geralmente ocorriam no primeiro piso dos grandes
navios, onde ficavam alojados os passageiros da primeira classe.
Figura 6 Baile a bordo do Vapor Diamantino, ca. 1899 Fonte: Max Schimidt,1942: 03.
127 Karl von den Steinen, 1942: 45.
67
No que se refere ao teatro a bordo, embora tenha sido relatado esse tipo
de lazer por parte dos entrevistados, durante o trajeto fluvial não foi encontrado
nenhum documento que comprovasse a sua realização. Apesar disso, é grande a
possibilidade de ter ocorrido, uma vez que a expressão cênica faz parte
referencial da cultura mato-grossense.
Clínio de Moura, hoje conhecido ceramista da região de São Gonçalo do
Rio Abaixo, durante anos trabalhou como tripulante nas embarcações. Em
entrevista concedida em 24 de abril de 2001, contou sobre as viagens que fazia
regularmente entre Cuiabá e Corumbá. Falou sobre a existência de uma pequena
banda, composta de pandeiro e violão, que tocava a noite para divertir os
passageiros e tripulantes durante a viagem, e que algumas mulheres,
independente da classe em que viajavam, faziam crochê, outras jogavam damas e
outras contavam estórias e piadas128.
Percebe-se que as embarcações apresentavam-se como espaços de
experiências, onde os passageiros constituíam uma população das mais variadas
nacionalidades e de natureza diversa, que se entrecruzavam, construindo uma
sociedade heterogênea e móvel. Nelas viajavam homens, mulheres, jovens,
velhos, crianças, comerciantes, políticos, militares, religiosos, estudantes e, até a
abolição, também escravos. Sobre a categoria escravos, nada foi encontr ado a
respeito de suas atividades nas embarcações, havendo nomes registrados nas
relações de passageiros de alguns vapores e no Livro de Registros de Passaporte
128 Entrevista realizada com o senhor Clínio de Moura no dia 24 de abril de 2001, na cidade de Cuiabá, Mato Grosso. Nasceu em Várzea Grande – MT, em 18 de maio de 1928. Atualmente reside no bairro São Gonçalo, próximo ao rio Cuiabá, e trabalha com artesanato, produzindo peças regionais.
68
e Guias, do período de 1861-1869, pertencente ao Arquivo Público do Estado de
Mato Grosso. Nestes documentos foram transcritos cento e quarenta e cinco
passaportes, nos quais os nomes dos escravos eram registrados ao lado dos
nomes de seus donos brancos, com a denominação de criado ou criada, escravo
negro ou escrava negra, mas sem haver outros dados sobre sua vida a bordo.
Existem, ainda, registros da presença ocasional de criminosos e de um
doente mental a bordo. No Livro Correspondência de número 134, pertencente
ao Arquivo Público do Estado de Mato Grosso, encontra-se o seguinte registro:
Seguiu a bordo do vapor Maracaná o criminoso Joaquim José Barauna, fugitivo
da cadeia do Maranhão, apreendido em Cuiabá e conduzido até o rio da Prata,
para que o mesmo seja enviado ao chefe de Polícia da Corte129. Foi encontrada
uma lista de passageiros, referente ao ano de 1864, em que estava registrada a
presença de um sentenciado a galés perpétua, por ter dado uma bofetada no major
de sua corporação, na cidade de Corumbá130.
Cenas Pitorescas e Incidentes
Os incidentes e cenas pitorescas são uma constante na vida dos
passageiros e tripulantes a bordo das embarcações. Durante as viagens,
principalmente de Corumbá a Cáceres, ou de Corumbá a Cuiabá, os barcos
estavam quase sempre lotados e incidentes aconteciam com freqüência.
129 Livro de Correspondência, nº 134. Ano 1858, APMT. 130 Lata: 1864 C, APMT.
69
Herbert Smith conta que, certa feita, o barco Coxipó estava tão lotado
que, na hora de dormir, os passageiros se aglomeravam em camas e redes
espalhadas por todo o salão e, lá pelas tantas da noite, uma rede mal armada
cedeu e a pessoa que nela estava caiu em cima de outra, que estava deitada
embaixo. Em outro trecho, narra que um passageiro dormiu no banheiro, dentro
da bacia, e que mesmo com as pancadas e coices na porta ele não acordou, sendo
necessário que um criado subisse pela janela e o acordasse. Isso causou um
tremendo alvoroço, porque o banho a bordo dessas embarcações, mesmo para os
passageiros da primeira classe, era um verdadeiro ato de penitência, ficava-se
uma hora na fila, em frente à porta do único banheiro, com toalha e roupas nas
mãos até chegar a sua vez131.
Numa das viagens que fez de Corumbá a Cuiabá, Firmo José Rodrigues
relata a ocorrência de outra cena pitoresca a bordo desse mesmo barco. Nessa
ocasião, conta que vinha um inglês, a quem coube dormir sobre um dos bancos,
pois quando o número de passageiros excedia os bancos do salão de refeições
eram transformados em camas, mesmo tratando-se de primeira classe. Ocorre
que, quando o vapor passava por trechos do rio onde se encontravam cardumes
de peixes, estes saltavam e algumas piraputangas e piabas caíam no interior do
barco. O inglês, ao saber desse fenômeno, ficou preocupado e perguntou a um
tripulante se havia algum perigo. O moço, brincando, maliciosamente respondeu
que só havia perigo se o peixe fosse a piranha. A altas horas da noite, um
enorme dourado saltou dentro da embarcação e foi cair exatamente sobre o
131 Herbert H. Smith, 1922: 266.
70
inglês, que acordou assustado e, sem saber da duplicidade da sua fala, gritou:
Socorro!...pirranha quer me comer! 132
A piranha é um tipo de peixe evidentemente perigoso, existente nos rios
da região pantaneira. Certa vez, o médico e naturalista alemão Barão de
Langsdorff, quando viajava, em meados do ano de 1827 pela águas pantaneiras,
resolveu aliviar-se do calor com um banho. Muito à vontade, tirou a roupa e
entrou nas águas, refrescou-se, e quando já ia dar o último mergulho, uma
pequena piranha (felizmente!) mordeu-lhe as partes íntimas133 . Assim como esse,
há vários outros relatos sobre mordidas de piranha, contados por pessoas que
percorreram a região do rio Paraguai. Ora é alguém que perdeu a genitália, ora é
uma pessoa que perdeu um ou dois dedos, ou um pedaço da parte de trás da coxa.
Enfim, o melhor e mais seguro era seguir o costume adotado pelas pessoas da
região: tomar banho despejando água no corpo com o auxílio de uma vasilha.
Um fato interessante foi registrado pela esposa do senhor Waldomiro
Moreira de Castilho, a senhora Paulina de Souza Castilho. Ela residia em
Corumbá, hoje Mato Grosso do Sul, mas sua família vivia na cidade de Cuiabá.
Uma vez ou outra a jovem Paulina vinha visitar os parentes, e em uma dessas
viagens flagrou o seu compadre aos abraços e beijos com uma outra mulher, no
barco em que viajava. Dizia Paulina: essa mulher era enrabichada (amante) dele
e ele a estava levando às escondidas, e quando ele percebeu a minha presença,
132 Firmo José Rodrigues, 1960: 112. 133 Danúzio Gil Bernardino da Silva (Org.), 1998: 39.
71
ficou todo sem jeito e tentou de várias formas explicar o que estava acontecendo,
o que não me convenceu134 .
Nem tudo, entretanto, corria a mil maravilhas, havia sempre um perigo
constante, em conseqüência do aparecimento de insetos, cobras e outros
pequenos animais peçonhentos, além de tempestades e de mosquitos sugadores.
Max Schmidt, em suas viagens por Mato Grosso, em 1900-1901, registrou
algumas ocorrências com animais. Conta, por exemplo, como uma cobra
apareceu no convés do barco, surpreendendo e assustando os passageiros. Diz,
ainda, que quando o vapor passava próximo às margens dos rios e roçava nas
copas das "formigueiras" - árvores cujos galhos espalhavam formigas de fogo -,
os passageiros ficavam em pânico135. Maria do Carmo Mello Rego, esposa do
Presidente da Província de Mato Grosso, Francisco Rafael de Mello Rego, que
morou em Cuiabá entre 1888 e 1889, também se refere a essas formigas quando
viajou a bordo do Coxipó. Estava ela descansando em uma rede e, no momento
em que o barco fez uma das curvas do rio, um galho dessa árvore quebrou-se,
cobrindo-a de folhas e de formigas136. Ela e outra senhora que já passara pelo
mesmo problema ficaram assustadas, mas, ao mesmo tempo, riram muito da
situação, porque consideravam esse e outros incidentes uma distração.
Cavalcante Proença, ao descrever a viagem que fez de Corumbá a
Cuiabá, assim registrou um desses momentos pitorescos, ocorrido durante sua
passagem pelo Uacurutuba - travessia um tanto perigosa do trajeto, onde o rio
134 Waldomiro Moreira Castilho, entrevista citada. Durante a fala da Senhora Paulina percebia que os seus lábios ficavam trêmulos só de lembrar a traição que o seu compadre estava fazendo com a comadre. 135 Max Schmidt, 1942: 6. 136 Maria do Carmo Mello Rego, 1897: 30
72
Cuiabá se estreita e se torna cada vez mais divagante, curva sobre curva, apertado
entre as margens. As embarcações faziam esse percurso sempre apitando, para
avisar outras que porventura viessem em direção oposta, e navegavam, por
precaução, próximo às margens do rio, por isso, quando a correnteza era forte,
batiam nos barrancos e roçavam nas margens, derrubando galhos que entravam
nas embarcações. Estes movimentos sempre acabavam jogando dentro delas uma
ou outra casa de marimbondos assanhados137.
Tratando-se de embarcações a vapor, o abastecimento de lenha era
constante e algumas vezes tornava-se um momento de perigo. O vapor Etrúria,
em uma de suas viagens, teve que parar em uma baía não habitualmente usada,
para alimentar suas caldeiras, então, o comandante reuniu os passageiros e pediu
que ninguém descesse para tomar banho, por ser um lugar desconhecido e a água
estar muito escura. Um rapaz de um grupo de paulistas disse não ter medo da
água, ao que o comandante respondeu que ele não estava falando de medo, mas
sim de segurança, já que o seu dever era zelar pelo bem-estar dos passageiros.
Os rapazes desobedeceram às ordens do comandante e pularam no rio, um deles
não sabia nadar e, ao ser empurrado pelos demais companheiros, desapareceu nas
águas do rio Paraguai. Os marinheiros procuraram-no, mas não o encontraram.
Esse episódio deixou os demais passageiros abalados138.
137 Manuel Cavalcante Proença, op. cit.: 33 138 Martha Baptista, op. cit.: 31.
73
A senhora Leda Boabaid, em entrevista concedida em junho de 2001, na
cidade de Corumbá, relatou um fato interessante que aconteceu com ela aos seis
anos de idade, durante uma viagem que fez de Corumbá a Boa Vista. Contou que
ao descer do barco seu pai a segurava pelo braço para que ela não dispersasse e
também porque era muito pequena, mas, como toda criança traquina e curiosa,
soltou-se dos braços do pai e saiu correndo, vindo a tropeçar e cair no rio,
enfestado de piranhas - e ainda usava um vestido vermelho, o que causou o maior
alvoroço. Segundo o seu relato: com a graça de Deus fui salva, quando me
puxaram pelo cabelo 139 .
Um outro fato pitoresco foi contado pelo senhor Antônio de Arruda, que
lembra um episódio que aconteceu com uma das senhoras que viajava no mesmo
barco que ele. Essa senhora havia feito uma economia de longos anos para
passear no Rio de Janeiro. Como era muito difícil fazer transação bancária
naquela época, quando viajavam, as pessoas levavam consigo o dinheiro
costurado em uma das peças das roupas internas, nesse caso o dinheiro estava
costurado no corpete - peça íntima feminina, muito usada na época -, e ao tomar
banho a senhora esqueceu a peça no banheiro. O próximo viajante a tomar banho,
ao ver aquela “coisa” pendurada, achou que fosse um pano qualquer e a jogou
pela janela. Lá se foi toda a economia da senhora nas águas do Paraguai140.
139 Entrevista realizada com Leda Boabaid Bertazzo, em 21 de junho de 2001, na cidade de Corumbá- MS. 140 Antônio Arruda, entrevista citada.
74
Durante os trajetos, embora a viagem fosse considerada segura, há
registros de alguns afogamentos. Um deles consta no relatório do Presidente da
Província, de outubro de 1880, que registrou a morte do tripulante Benedito
Uemil Palerme, de dezoito anos de idade, que trabalhava a bordo do vapor
nacional Dona Constança, em viagem de Corumbá a Cuiabá, na altura do Rebojo
Grande, no rio São Lourenço, no dia 12 de maio desse mesmo ano. Em outra
ocasião, maio de 1881, neste mesmo vapor, no estirão da Sepultura, rio São
Lourenço, o tripulante Raphael Pera, solteiro, 21 anos, natural do Paraguai, caiu
na água e afogou-se.
Além das mortes acidentais, também há registros de alguns crimes no
interior dos barcos. Em 1901, por exemplo, foi mencionado o assassinato do Dr.
João Cláudio Gomes da Silva pelo seu tio, Capitão Miguel Henrique de
Carvalho, em Porto Murtinho, a bordo do vapor Leda, que fazia o trajeto entre
Assunção e Corumbá.
Outro caso de morte a bordo foi testemunhado pelo Capitão Waldomiro
Moreira de Castilho: um tripulante morreu durante a viagem que realizava de
Corumbá a Cuiabá. Era tarde da noite, um dos rapazes sentiu uma forte dor de
cabeça e veio a falecer. O horário e a falta de médico a bordo não possibilitaram
a chegada de um hidroavião a tempo para socorrê- lo. Ao aportarem em Cuiabá,
um médico foi chamado, dando encaminhamento aos procedimentos
burocráticos141 .
141 Waldomiro Moreira de Castilho, entrevista citada.
75
Porém, as mortes no interior das embarcações não ocorriam com
freqüência. Assassinatos eram muito raros, tanto que na documentação
consultada para este estudo foi encontrado apenas um caso, já citado
anteriormente. O que acontecia comumente eram alguns acidentes,
principalmente com tripulantes e raramente com passageiros.
Alimentação e Saúde
Depois de franqueada a abertura da navegação pelos rios da Prata, uma
das medidas sanitárias adotadas pelos governos paraguaio, uruguaio e argentino,
determinava que todas as embarcações procedentes do Brasil, especialmente do
Rio de Janeiro, fossem obrigadas a obter um certificado de saúde, isto porque a
capital do Império recentemente havia passado por epidemias de febre amarela e
cholera morbus, na tentativa de evitar a introdução dessas doenças naqueles
países.
Herbert Smith, quando viajou do Rio de Janeiro a Cuiabá, registrou
algumas reclamações pela falta de consideração com os passageiros durante a
realização da quarentena. Esta medida era tomada quando se registravam casos
epidêmicos a bordo. Contudo, acreditando-se nas palavras do etnólogo, naquela
ocasião foi uma medida excessiva, pois não havia sido registrado nenhum caso
de enfermidade no barco em que viajava. Mesmo assim, o governo de
Montevidéu exigiu a "quarentena", que foi realizada na Ilha das Flores.
76
A "quarentena" consistiu, neste caso, segundo o autor, na retirada de
passageiros e mercadorias do navio; os passageiros foram levados para hotéis de
péssima qualidade, de propriedade da empresa, e lá ficaram durante dois dias e
duas noites, tendo que custear suas despesas e hospedagem durante este período.
Segundo Smith, o tratamento dado aos viajantes foi muito ruim, pois os
empregados eram grosseiros, às vezes até brutais 142. Conta o narrador que as
roupas eram mal lavadas, não eram engomadas e, às vezes, voltavam molhadas,
sendo necessário lavá-las novamente antes de usá- las. As acomodações nos
hotéis eram inadequadas, de má qualidade e as contas eram exorbitantes143.
Ainda com relação aos cuidados com a higiene e a saúde, o Presidente do
Estado, Antônio Pedro Alves de Barros, enviou em fevereiro de 1900 à
Assembléia Legislativa uma mensagem relatando que, após saber da ocorrência
da peste bubônica na República do Paraguai, tomou as providências necessárias
para impedir que o mal invadisse o nosso território. Determinou à polícia que
interceptasse qualquer embarcação procedente daquele porto com destino a
Corumbá, Cuiabá e Cáceres, que não trouxesse carta de saúde passada pela
autoridade sanitária, solicitando ao chefe da flotilha estacionada em Ladário que
obrigasse à "quarentena" os navios que subissem para Corumbá 144.
Em 1908 o governo foi obrigado a estabelecer um serviço de
"quarentena" no morro do Amolar – pleno Pantanal –, onde seriam desinfetadas
as embarcações e bagagens, inspecionados os passageiros e tripulantes, isolados
142 Herbert Smith, op. cit.: 176. 143 Herbert H. Smith, op. cit.: 177. 144 Mensagem do Presidente do Estado Antônio Pedro Alves de Barros à Assembléia Legislativa do Estado, em 3 de fevereiro de 1900.
77
os doentes e tomadas outras providências que se fizessem necessárias, a fim de
atenuar os efeitos da epidemia e impedir que a peste chegasse a São Luís de
Cáceres, a Cuiabá e a todo o norte do Estado, já que tinham sido registrados
alguns casos suspeitos da referida peste na cidade de Corumbá. Porém, apesar
dos cuidados tomados, em 1919, a Inspetoria de Higiene observou os primeiros
casos da gripe nos barcos Cáceres e Coxipó , procedentes de Corumbá145.
No que se refere à higiene, levando-se em conta as narrativas de viagens,
os documentos encontrados sobre essas embarcações levam a crer que era tudo
muito asseado. Segundo essas fontes, os barcos, mesmo os mais simples, eram
limpos todos os dias com água e sabão, e nos pontos de parada era sempre feita
uma faxina geral. As camas, um privilégio da primeira classe, eram muito bem
arrumadas e os lençóis limpos e engomados.
Quanto à alimentação, as embarcações eram sempre abastecidas com os
alimentos necessários, antes de dar início ao percurso. Durante as viagens
internas, realizadas entre Corumbá-Cuiabá ou Cáceres, segundo informações
obtidas dos entrevistados, nos pontos de parada, além do abastecimento de lenha,
havia sempre compra ou troca de produtos como ovos, galinhas, peixes, verduras,
rapaduras, queijos e doces caseiros, com a população ribeirinha. Conta-se que
alguns moradores chegavam até a matar gado nas fazendas para abastecer a
cozinha das embarcações com carne fresca146.
145 Mensagem do Presidente do Estado de Mato Grosso, D. Francisco de Aquino Corrêa, à Assembléia Legislativa do Estado, em 07 de setembro de 1919. 146 Lenine de Campos Póvoas, op.cit.: 11
78
Os passageiros de primeira classe geralmente consideravam a comida a
bordo muito boa, conforme pôde ser atestado na pesquisa documental realizada.
No Núcleo de Documentação e Informação Histórico Regional (NDIHR-UFMT),
encontram-se diversos papéis que informam sobre a grande quantidade e
variedade de alimentos existentes nos navios que, entre 1880-1891, cruzavam as
águas mato-grossenses. São listas de mantimentos guardados nos ranchos (a
cozinha onde havia o controle dos mantimentos que eram utilizados nas refeições
durante as viagens) existentes nos navios.
No rancho do paquete nacional Diamantino havia vinho branco,
bolachas, banha, doces, salsa, nozes, ervilhas, queijo parmesão, farinha, açúcar,
vinagre, azeitonas, bacalhau, sal fino, azeite, figos, conservas diversas, anis,
salame, carne seca, alho, presunto, garrafões de vinho, cerveja. E no do vapor
nacional Rio Tereré foi encontrado: bolachas, macarrão, garrafões de vinho
francês, mate, anis, massa de tomate, azeitonas, queijo suíço, lagostas, ostras,
doces de marmelada, sardinha, arroz, café e bacalhau.
Já no vapor Humaytá, que comportava mais passageiros e tripulantes, a
lista de mantimentos era bem maior e mais diversificada: pipas de vinho, açúcar,
bacalhau, cerveja, azeite, arroz, nozes, conhaque, genebra, vinho bordouse, vinho
do porto, champanhe, sardinha, latas de conserva sortidas, feijão, café, manteiga,
banha, passas, queijo, azeitonas, batatas, cebola, galinha, bolacha, vinho vermute,
ameixas, molho inglês, maisena, presunto, massa de tomate, pimentão, licor
bitter, massas surtidas, farinha de mandioca, salame, carne seca, ervilhas, grãos
de bico, sal grosso e sal fino, vinagre, chocolate, língua seca, sêmola, orégano,
79
milho, lagosta, mortadela, champinhon, latas de leite, alcaparras, salsa inglesa,
caracu, pimenta negra, e passas de uva e de figo.
Essas relações de mantimentos encontradas confirmam o que os
passageiros e tripulantes diziam da rica alimentação reinante a bordo. Com
relação às bebidas, essas eram pagas a parte147. Contudo, essa fartura de
alimentos era privilégio dos passageiros que viajavam em primeira classe; para
os demais, a comida, apesar de farta, era bastante simples, geralmente composta
de legumes, feijão, arroz, e no jantar apenas sopa era servido.
Firmo José Rodrigues, que sempre viajou em primeira classe, deixou
registradas suas impressões a respeito dos serviços de bordo. Dizia ele que o
vapor Rio Verde era de pequena lotação, mas que andava sempre muito limpo,
vendo-se nas mesas louças e talheres muito finos. À hora das refeições os rapazes
de bordo, que serviam a mesa, estavam sempre uniformizados de calça branca,
jaqueta de alpaca preta e avental branco. Vinho à discrição, frutas de Montevidéu
(uvas, pêras, maçãs, etc.) e, após a sobremesa, um cálice do melhor vinho do
Porto148. Para os passageiros de segunda e terceira classes, as refeições eram
servidas em pratos individuais, portanto não possuíam sala de refeições e bebiam
a aguardente, antes e depois das refeições.
Muitos navios mandavam fabricar sua própria louça, com as quais
serviam os passageiros de primeira classe. Tive a felicidade de encontrar algumas
peças que foram utilizadas nos navios da empresa Boabaid & Irmãos, que, a
147 Papéis de Navio – Rolos números 1 e 2 – Alfândega de Corumbá – Núcleo de Documentação e Informação Regional da Universidade Federal de Mato Grosso. 148 Firmo José Rodrigues, op. cit.: 111.
80
partir de 1925, passou a navegar regularmente no trajeto Cuiabá/Corumbá149.
Dentre as embarcações pertencentes a essa empresa podemos citar o vapor
Iguatemi, com oito camarotes, e o Eolo, com onze.
149 Mensagem do Presidente do Estado de Mato Grosso à Assembléia Legislativa do Estado em: 13/05/1926.
81
Figura 7
Louças, 1925
Fonte: Acervo Particular de Luciano Boabaid.
Louças utilizadas nas embarcações da empresa Boabaid & Irmãos, pertencentes ao acervo particular de Luciano Boabaid, bisneto de um dos proprietários da referida empresa. Para se ter uma idéia da qualidade desses objetos, o nome da loja Villeroy & Boch, onde as peças foram compradas, e da cidade de Mettlach-Alemanha, onde foram fabricadas, foram gravados nos utensílios.
82
Karl von den Steinen, quando viajou na primeira classe do vapor Coxipó,
observou e registrou que o cardápio desse barco era composto de sopa puchero
(cozido de carne com repolho e batatas), pirão, dois pratos de carne e bacalhau no
almoço. Como sobremesa lhe foram servidos doces e queijos, vinho tinto e café à
vontade. No jantar o cardápio era o mesmo do almoço, com o acréscimo de um
prato e direito a um cálice de Cherry94.
Lenine Póvoas, que no início do século XX fez várias viagens por esses
caminhos, também em primeira classe, deixou registradas suas impressões sobre
as refeições a bordo dessas embarcações. Às 7h30min, no salão de refeições, era
servido um cafezinho, chá mate ou preto, pão com manteiga ou bolacha especial.
Às 11h30min servia-se o almoço e às 18h o jantar. À noite, antes de dormir, era
servido um chá. A comida, embora simples, era gostosa e bem feita. Um bife
macio e bem passado, com ovos e ervilhas, arroz, feijão, macarrão, sopas
diversas, às vezes frango, bastante peixe, tudo isso se revezava na composição
dos cardápios. A sobremesa era na maioria das vezes de doces de goiabada,
marmelada, leite e outros95.
Dessa forma, os longos dias percorridos por esses viajantes eram
preenchidos com momentos de lazer - jogos, leitura, escrita de cartas, música,
estórias, piadas, conversas -, cenas pitorescas, incidentes, namoro, “fofocas”.
Enfim, de uma forma ou de outra eles ocupavam o tempo. Independente da classe
em que cada um viajava - primeira, segunda ou terceira -, todos viviam
momentos de lazer, tristezas, alegrias e solidariedade. Essa microssociedade aos 94 Karl von den Steinen, op. cit.: 45. 95 Lenine de Campos Póvoas, op. cit.: 10
83
poucos foi criando um cotidiano específico, na medida em que invertia objetos e
códigos e os adaptava ao seu jeito, em face do tempo em que os viajantes
permaneciam juntos.
Assim, os dados reunidos neste capítulo deram visibilidade ao dia-a-dia
desses viajantes nas centenas de embarcações que, por mais de meio século,
fizeram parte do cenário dos rios pantaneiros, trazendo e levando pessoas e
objetos.
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS
85
Por mais de meio século o caminho das águas funcionou como a única
alternativa possível para se chegar à região mato-grossense. Porém, com o
advento da construção da estrada de ferro e, em seguida, a de rodagem, além da
alternativa dos hidroaviões, a aquavia foi aos poucos perdendo espaço e
importância para a região. As embarcações que, mesmo lentamente, dominavam,
com as transformações advindas foram aos poucos substituídas por outros meios
de transporte muito mais rápidos e eficazes. Uma viagem do Rio de Janeiro a
Cuiabá ou a Cáceres, que no percurso fluvial demorava em média trinta dias,
com as novas vias passou a ser feita em apenas quinze.
O cotidiano vivido no interior das embarcações que realizaram o
percurso marítimo fluvial do Rio de Janeiro às cidades de Corumbá, Cuiabá ou
Cáceres foi ponto assente desta Dissertação. Aqui se tentou mostrar como era o
dia-a-dia das pessoas. Para reconstruí- lo, foram buscadas as descrições deixadas
pelos viajantes nacionais e internacionais, que foram somadas a outros
documentos e às lembranças guardadas de pessoas que foram passageiros ou
trabalharam nas embarcações durante o período de 1870 a 1930. As informações
fornecidas pelos entrevistados foram enriquecedoras nessa construção,
possibilitando, através do balizamento com as pistas fornecidas pela pesquisa,
86
recriar o cotidiano dos passageiros e tripulantes nos caminhos fluviais de Mato
Grosso, já que esta foi a meta fundamental inicial.
Durante o período estudado, os portos de Corumbá e Cáceres, no rio
Paraguai, e o de Cuiabá, no rio Cuiabá, foram considerados como porta do
“progresso” para a região. Essas cidades passaram a receber um fluxo cada vez
maior de pessoas e mercadorias. A movimentação portuária se intensificou,
atraindo para a região investidores de vários ramos comerciais, a população
aumentou e as cidades cresceram.
A partir da década de 1930, a navegação no Estado de Mato Grosso
começou a ser desativada em função do incentivo à abertura das estradas de
rodagem pelo então Presidente Getúlio Vargas, do surgimento das ferrovias e do
aparecimento do hidroavião no interior do Brasil. Na década de cinqüenta já
eram poucos os que, por razões várias, ainda tentavam seguir viagem nos raros
vapores que ainda freqüentavam os portos de Cuiabá e Cáceres. Mesmo assim, a
navegação continuou ativa até a década de setenta, especialmente as viagens de
passageiros até a cidade de Corumbá, no rio Paraguai, mas as de Corumbá a
Cuiabá e Cáceres praticamente desapareceram na década de cinqüenta. Um
“diário de bordo” do ano de 1970 foi encontrado nos arquivos da empresa de
navegação Miguéis & Companhia Ltda., na cidade de Corumbá, e uma carta de
um passageiro estava guardada nos arquivos pessoais do Comandante
Waldomiro, agradecendo-lhe pela boa viagem que fez sob o seu comando, nessa
mesma década. Segue um trecho da carta:
87
Prezado Comandante Waldomiro
Somente hoje tenho o prazer de enviar-lhe a fotografia da inesquecível
viagem que fizemos no “Nabileque”. Ela nos recorda toda a beleza dos
pantanais e especialmente os agradáveis dias a bordo, onde o senhor em todas
as ocasiões se mostrou um valoroso Comandante.
Espero ter ainda a satisfação de retornar a Corumbá e participar de
uma viagem ainda mais longa pelo rio Paraguai, sob o seu comando e com sua
amável e disciplinada tripulação.
Os portos aos poucos foram perdendo o dinamismo do período áureo da
navegação, transformando-se em referência de lugar, de bairro antigo, com
histórias que marcaram época. Hoje são apenas lembranças de um tempo que
passou. Ao recuperar-se estes olhares sobre os portos e as cidades de Corumbá,
Cuiabá e Cáceres, eles revelam dados significativos, que ajudam a entender
melhor a região. O porto é sobretudo o lugar de uma topografia sentimental, de
profundas recordações de um passado não muito distante.
As embarcações foram as responsáveis pelo ingresso de pessoas, novas
idéias, máquinas e uma série de produtos vindos de outros continentes, o que
resultou no crescimento das cidades, transformando o cenário da região.
Mergulhadas no ritmo acelerado da conquista e da civilização, as cidades
prosseguiram seu curso.
Nessa interação entre o barco e a cidade, os viajantes relatam as
ocorrências das viagens e trazem uma carga muito grande de cultura. Seus
olhares traduzem hábitos, costumes dos lugares por onde passam e, ao mesmo
88
tempo, deixam transparecer o seu estranhamento diante do outro. O espaço,
outrora povoado de pássaros, é hoje dominado por máquinas voadoras.
Pode-se dizer que as pessoas que viajavam nos caminhos marítimo e
fluvial durante trinta longos dias se organizavam como numa microssociedade,
uma vez que possuíam normas e regras de conduta próprias e válidas durante
esses dias de viagem, criando uma especificidade própria.
Os tripulantes obedeciam a uma hierarquia e regulamento efetivados pelo
comandante, já que ele respondia por tudo que acontecia a bordo da embarcação
e definia a função de cada um, na Ordem Interna (OI), de acordo com a divisão
dos navios. Os que executavam trabalho na proa auxiliavam na atracação ao
chegar ao cais e atendiam a todo serviço dessa área; os da casa das máquinas
eram responsáveis pelo funcionamento da embarcação; os que trabalhavam na
popa tinham as mesmas atribuições do pessoal da proa. O comandante e o
imediato eram os responsáveis pela rota e elaboravam o cardápio das refeições,
mas não se misturavam com os demais tripulantes, dormiam e comiam na
primeira classe, enquanto os demais se juntavam com os da terceira.
Era mais ou menos assim que funcionava o dia-a-dia dos tripulantes nas
embarcações. As funções eram as mesmas, independente do tamanho do navio, o
que aumentava era o número de trabalhadores. O quotidiano dessas pessoas se
resumia em trabalhar.
No caso dos passageiros, o cotidiano era mais interessante e variado,
principalmente para aqueles que viajavam na primeira classe, pois lhes eram
oferecidas todas as mordomias, já que podiam pagar pelo seu luxo. A ocupação
89
dos espaços dependia da situação econômica de cada um, como sempre ocorre
em outros meios de transporte. A popa do navio era a parte mais privilegiada,
porque era o setor que sofria menos o impacto da água, o barulho se tornava
menor e a viagem mais suave.
Nos transatlânticos, o dia-a-dia era preenchido com bailes, apresentações
teatrais, música, jogos. As refeições se constituíam de café da manhã, almoço,
lanche e jantar. As mesas eram postas com as mais finas louças e talheres,
trabalho realizado pelo taifeiro. As bebidas eram das mais variadas e a preferida
era o vinho.
Nos navios menores, mesmo naqueles que faziam o trajeto
Corumbá/Cáceres e Cuiabá, também se oferecia uma viagem confortável,
principa lmente à primeira classe. Além disso, a viagem fluvial possibilitava aos
passageiros um contato maior com a natureza, uma vez que podiam admirar as
belezas da fauna e flora existentes por onde passavam.
Essa microssociedade que se criava no decorrer da viagem era composta
de pessoas de temperamentos dos mais diversos e de naturezas opostas,
estabelecendo, num certo espaço de tempo, relações de solidariedade, na medida
em que desenvolviam amizades e criavam novas formas de convívio. Como
ensina Certeau, é no interior do cotidiano e da vida privada que inventa-se o
cotidiano garças às artes de fazer. É no momento em que o indivíduo se apropria
do espaço, que ele cria e inverte objetos e códigos, adaptando-os a seu jeito, e
90
fazendo uso deles a sua maneira, criando um lugar próprio, um cotidiano
específico96.
Por sua vez, as imagens apresentadas dão uma idéia das embarcações e
dos passageiros que faziam essas viagens, remetendo o leitor a bordo de uma
delas. A fotografia participa como documento revelador e ajuda a recompor o
cotidiano aqui narrado.
Os exemplos apontados neste trabalho, quando realizamos o percurso
marítimo fluvial dos passageiros e tripulantes, refazendo o roteiro Rio de
Janeiro/Cuiabá/Cáceres, e vice-versa, através de registros, permitiram recriar e
analisar o quotidiano dessas pessoas a bordo dos navios, confirmando que a
primeira classe recebia tratamento privilegiado, que as demais classes não
possuíam. A comida, por exemplo, não tinha os mesmos sabores, uma vez que os
ingredientes eram diferenciados; além disso, as refeições eram servidas em pratos
individuais. A terceira classe, composta dos marinheiros e ribeirinhos - pessoas
que viviam às margens do rio -, dormia em redes e tinha como jantar um prato de
sopa.
Dessa forma, juntando as peças do quebra-cabeça, foi possível
reconstruir aspectos do cotidiano vivido por pessoas que viajavam pelos
caminhos fluviais de Mato Grosso, a partir de unidades temáticas. Foram
resgatadas cenas de casais enamorados, contadas por Smith e Antônio Arruda, ou
da leitura de um livro, a sós, em um canto qualquer do navio, que levam a
reflexões a respeito da necessidade de criação de ambientes que proporcionem
96 Michel de Certeau, op. cit.
91
uma certa intimidade, recantos particulares, mesmo em espaços em que a
privacidade é quase impossível. É a inventividade em ação. Como lembra Mary
Del Priore, a história da vida cotidiana e privada é, finalmente, a história dos
pequenos prazeres, dos detalhes quase invisíveis, dos dramas abafados, do
banal, do insignificante, das coisas deixadas de lado. Mas nesse inventário de
aparentes miudezas, reside a imensidão e a complexidade através da qual a
história se faz e se reconcilia consigo mesma97.
97 Mary Del Priore, 1997: 274.
92
FONTES e BIBLIOGRAFIA
93
Fontes
Fontes Manuscritas
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- Relatório apresentado ao Tenente Coronel Albano de Souza Osório, vice-
Presidente da Província de Mato Grosso, pelo Presidente Chefe d`Esquadra Barão de Melgaço, ao entregar a administração da Província, no ano de 1866, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
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- Relatório com que o Coronel Antônio de Cerqueira Caldas, vice-Presidente
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ano de 1873, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT. - Relatório apresentado à Assembléia Provincial pelo Dr. José Miranda da
Silva Reis, no ano de 1874, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Relatório apresentado à Assembléia Provincial por Hermes Ernesto da
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- Relatório com que o Sr. Dr. João José Pedrosa abriu a Assembléia Provincial,
no ano de 1878, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT. - Relatório com que o Sr. João José Pedrosa abriu a Assembléia Provincial, no
ano de 1879, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT. - Relatório com que o General Barão de Maracuju, Presidente da Província de
Mato Grosso, abriu da Assembléia Legislativa, no ano de 1880, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Relatório com que o Vice-Presidente da Província José Leitão Galvão abriu a
Assembléia Legislativa, no ano de 1881, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Relatório com que o General Barão de Batovy, Presidente da Província de
Mato Grosso, abriu a Assembléia Legislativa, no ano de 1884, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
95
- Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial de Mato Grosso pelo Presidente da Província Dr. Joaquim Galdino Pimentel, no ano de 1886, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Relatório que o Vice-Presidente Dr. José Joaquim Ramos Ferreira apresentou
na Assembléia Legislativa Provincial, no ano de 1887, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso pelo Dr. Manoel José Murtinho, no ano de 1893, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Mensagem do Dr. Manoel José Murtinho Presidente do Estado de Mato
Grosso à Assembléia Legislativa, no ano de 1895, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Mensagem do Sr. Antônio Correia da Costa, Presidente do Estado de Mato
Grosso, aos membros da Assembléia Legislativa, no ano de 1896, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Mensagem do Presidente do Estado de Mato Grosso, Sr. Antônio Corrêa da
Costa, à Assembléia Legislativa do Estado, no ano de 1898, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Mensagem do Presidente do Estado, Antônio Pedro Alves de Barros, à
Assembléia Legislativa do Estado, no ano de 1900, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
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Souza Ponce, à Assembléia Legislativa do Estado, no ano de 1908, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Registro de Bordo do Vapor Araguaia – 1868 a 1869 - Livro 237, Arquivo
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- Ofício n. 113, expedido pelo Primeiro Tenente Comandante Felipe Orlando
Short ao Comandante interino da flotilha, Capitão Tenente Balduíno José Ferreira de Aguiar – Lata: 1867 A, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
96
- Atestado médico expedido pelo Dr. Francisco Antônio de Azeredo – Lata:1867 A, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
- Atestado Médico expedido pelo Dr. Francisco Antônio de Azeredo – Lata:
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Joaquim Moreira Marques ao Conselheiro Herculano Ferreira Penna, Presidente da Província – Lata: 1863 A, Arquivo Público do Estado de Mato Grosso - APMT.
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- Sra. Maria de Arruda Müller, nascida em 1899, entrevista em Cuiabá - MT,
em outubro de 1999.
- Sra. Maria Rodrigues (Dunga), nascida em 1908, entrevista em Cuiabá - MT,
em outubro de 1999.
- Sr. Waldomiro A. Moreira de Castilho, nascido em 1930, entrevista em Santo
Antônio do Leverger - MT, em abril de 2000.
- Sr. Domércio Moreira de Castilho Souza, nascido em 1925, entrevista em
Cuiabá – MT, em abril de 2001.
99
- Sr. Lenine de Campos Póvoas, nascido em 1921, entrevista em Cuiabá – MT,
em abril de 2001.
- Sr. Clínio de Moura, nascido em 1928, entrevista em Várzea Grande – MT,
em abril de 2001.
- Sra. Leda Boabaid Bertazzo, nascida em 1934, entrevista em Corumbá – MT,
em junho de 2001.
- Sr. Antônio de Arruda, nascido em 1911, entrevista no Rio de Janeiro – RJ,
em julho de 2001.
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