memórias de jigoro kano

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Através das traduções ao longo de muitos anos das palestras de Kano, Brian Watson, apresenta nessa obra a filosofia, os métodos e os objetivos de Jigoro Kano, o "pai do judô". O livro traz os pontos de vista de Kano sobre a importância do randori, dos katas do Judô, da postura correta e das competições, além dos conselhos gerais que ele oferecia aos judocas, principalmente com relação às suas responsabilidades éticas, morais e intelectuais.

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Page 1: Memórias de Jigoro Kano
Page 2: Memórias de Jigoro Kano

MEMÓRIAS

DE

JIGORO KANO

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Page 3: Memórias de Jigoro Kano

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Page 4: Memórias de Jigoro Kano

Brian N. Watson

Memóriasde

JIGORO KANO

O INÍCIO DA HISTÓRIA DO JUDÔ

Tradução

Shihan WAGNER BULL (6o Dan Aikikai)

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Page 5: Memórias de Jigoro Kano

Título original: Judo Memoirs of Jigoro Kano.

Copyright da edição brasileira © 2011 Editora Pensamento-Cultrix Ltda.

Copyright © 2008 Brian N. Watson

Texto revisto segundo o novo acordo ortográfi co da língua portuguesa.1a edição 2011

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas.

A Editora Cultrix não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro.

Coordenação editorial: Denise de C. Rocha Delela e Roseli de S. Ferraz

Preparação de originais: Lenita Ananias do Nascimento

Revisão: Liliane S.M. Cajado

Diagramação: Join Bureau

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Watson Brian N. Memórias de Jigoro Kano : o início da história do judô / Brian N. Watson ; tradução: Shihan Wagner Bull (6o Dan Aikikan) . – São Paulo : Cultrix, 2011.

Título original: Judo memoirs of Jigoro Kano Bibliografi a ISBN 978-85-316-1165-0

1. Judô 2. Judô – História 3. Kano, Jigoro, 1860-1938 4. Lutadores marciais – Japão – Biografi a I. Título.

11-12959 CDD-796.8152092

Índices para catálogo sistemático:

1. Judô : Lutadores marciais : Biografi a 796.8152092

Direitos de tradução para a língua portuguesaadquiridos com exclusividade pela

EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA.Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP

Fone: 2066-9000 — Fax: 2066-9008E-mail: [email protected]

http://www.editoracultrix.com.brque se reserva a propriedade literária desta tradução.

Foi feito o depósito legal.

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Page 6: Memórias de Jigoro Kano

“Não comente sobre quemfaz algo bem ou mal;

procure onde está a sua própria falha.”

(ESCOLA HOZOIN, 1600 d.C.)

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Page 7: Memórias de Jigoro Kano

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Page 8: Memórias de Jigoro Kano

“A fi nalidade do judô é o aperfeiçoamento

físico, intelectual e moral do indivíduo

em benefício da sociedade.”

PROFESSOR JIGORO KANO (1860-1938)

CRIADOR DO JUDÔ

Professor Jigoro Kano

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Page 9: Memórias de Jigoro Kano

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Page 10: Memórias de Jigoro Kano

DEDICATÓRIA

Este livro é dedicado à memória de Trevor Pryce Leggett e a

Donn F. Draeger. Ambos procuraram atingir o ideal do judô e,

pelo exemplo, inspiraram outros.

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Page 11: Memórias de Jigoro Kano

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Page 12: Memórias de Jigoro Kano

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Nomes próprios japoneses

O costume japonês é colocar o sobrenome antes do prenome, como, por

exemplo, Kano Jigoro. Entretanto, neste livro foi mantido o costume oci-

dental para todos os nomes de pessoas japonesas.

Nota do autor

A maioria do material contido neste livro está relacionada a Jigoro Kano e

à criação do judô. São suas lembranças verbais de eventos históricos, sobre-

tudo os que ocorreram de 1882 a 1928. Eventualmente, Kano repete um

pouco o conteúdo. Por ser interessante tanto pela relevância quanto para o

esclarecimento, às vezes se considerou necessário incluir essas repetições,

embora isso tenha sido evitado na medida do possível.

Agradecimentos

Desejo expressar meu mais sincero apreço por todos aqueles que gentilmente

me auxiliaram na preparação do manuscrito. Pelo fornecimento das fotogra-

fi as, meus agradecimentos a Yukimitsu Kano, presidente do Kodokan Inter-

national Judo Center, Tóquio, e a Yoshinobu Yoshino do Nippon Budokan,

Tóquio. Estou em débito também com Naoki Murata; Keith L. Hager;

Kosuke Nagaki, professor associado da Universidade Hyogo Kyoui ku; pro-

fessor Shuichi Okada, da Universidade Kobe; professor Shunsuke Yamasaki,

da Universidade Konan; Shinya Sogabe, professor associado da Universidade

Konan; professor Masaru Yano, da Universidade Wakayama; com o docente

Takuto Ikeda, da Universidade Wakayama; e Hiroki Furusumi, professor

associado da Universidade de Hyogo, pela generosa contribuição de todos

na revisão das provas traduzidas antes da publicação.

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Page 13: Memórias de Jigoro Kano

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Page 14: Memórias de Jigoro Kano

13

SUMÁRIO

Prefácio à Edição Brasileira ................................................................. 17

Prefácio ............................................................................................... 27

Memórias de Jigoro Kano ............................................................ 35

1. A Criação do Kodokan ................................................................ 35

2. A Dor é um Bom Mestre .............................................................. 39

3. Kanekichi Fukushima .................................................................. 42

4. Mestre Masatomo Iso .................................................................. 44

5. Meus Estudos sobre o Jujutsu Kito .............................................. 47

6. Os Tempos de Universidade ........................................................ 48

7. Atividades Esportivas .................................................................. 49

8. Do Jujutsu ao Judô ...................................................................... 51

9. A Inspiração por “Seiryoku Zenyo” ............................................ 53

10. Atitude de Kano em Relação ao Aprendizado

por meio dos Livros ..................................................................... 55

11. Arrependimentos ......................................................................... 56

12. O Juramento Kodokan ................................................................ 57

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Page 15: Memórias de Jigoro Kano

14

13. Kosuke Shirai .............................................................................. 58

14. Procura Inútil .............................................................................. 62

15. O Dojo Depósito ......................................................................... 63

16. Dojo Kami Niban-cho ................................................................. 65

17. Responsabilidades Educacionais .................................................. 68

18. A Origem de Kano Juku .............................................................. 69

19. As Regras Escolares ..................................................................... 70

20. A Cerimônia de Ano-Novo .......................................................... 72

21. O Princípio Vital do Randori ....................................................... 74

22. O Kito Jujutsu Densho ................................................................ 76

23. A Finalidade do Judô Kodokan ................................................... 76

24. A Deterioração do Randori ......................................................... 77

25. A Postura Correta do Randori ..................................................... 78

26. O Judô Competitivo .................................................................... 80

27. Kagami Biraki .............................................................................. 81

28. Os Primeiros Aprendizes Estrangeiros ......................................... 82

29. O Primeiro Peso-Pesado do Kodokan .......................................... 84

30. O Falecimento de Meu Pai ........................................................... 86

31. O Dojo Fujimi-cho ...................................................................... 87

32. Especialistas em Judô ................................................................... 89

33. A Ascensão do Kodokan .............................................................. 90

34. O Judô na Academia Naval ......................................................... 91

35. A Viagem à Europa ...................................................................... 92

36. O Retorno ao Japão .................................................................... 95

37. O Casamento ............................................................................... 96

38. Um Novo Cargo .......................................................................... 97

39. O Retorno a Tóquio .................................................................... 98

40. A Nomeação no Ministério da Educação ..................................... 100

41. Tarefas Simultâneas ..................................................................... 101

42. O Dojo com uma Centena de Tatames ......................................... 104

43. A Educação dos Alunos Chineses ................................................ 105

44. As Filiais do Kodokan ................................................................. 107

45. Judô na Faculdade de Formação de Professores ........................... 107

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Page 16: Memórias de Jigoro Kano

15

46. O Ensino do Judô no Início ......................................................... 110

47. A Remuneração dos Instrutores ................................................... 111

48. O Instrutor de Judô Ideal ............................................................. 111

49. A Formação Extra do Instrutor de Judô ...................................... 113

50. A Apresentação do Judô para a Sociedade ................................... 114

51. A Conduta em Relação à Prática do Judô .................................... 115

52. O Rigor Pode Ser um Bom Remédio ............................................ 116

53. Restrições Financeiras .................................................................. 117

54. A Remuneração dos Instrutores (por T. Ochiai) .......................... 119

55. A Criação dos Katas do Judô Kodokan ....................................... 121

56. A Pesquisa do Kata ...................................................................... 122

57. Os Katas do Judô Sancionados pelo Butokukai ........................... 124

58. Ju-no-kata e Go-no-kata .............................................................. 125

59. Itsutsu-no-kata ............................................................................ 126

60. A Fundação do Kodokan ............................................................. 128

61. Estatutos da Fundação Kodokan ................................................. 129

62. Estatuto da Fundação Kodokan Revisado ................................... 131

63. Um Apelo Nacional por Financiamento ....................................... 135

64. Publicações de Revistas ................................................................ 137

65. O Objetivo do Judokai ................................................................ 139

66. Regulamentos do Judokai ............................................................ 140

67. Regulamentos das Filiais do Judokai ........................................... 143

68. O Lançamento da Revista Judo ................................................... 145

69. Orientações de Kano para a Formação dos Alunos de Judô ......... 146

70. A Essência do Judô ...................................................................... 149

71. Ju-no-Kata ................................................................................... 150

72. Outras Colunas da Revista .......................................................... 151

73. Ideologia Confusa e Decadência Social ........................................ 152

74. Viagens após a Primeira Guerra Mundial .................................... 154

75. Benefício para Si e para os Outros ............................................... 154

76. Conselho de Cultura Kodokan .................................................... 155

77. Razão de Ser do Conselho de Cultura .......................................... 157

78. A Nomeação para a Câmara dos Nobres ..................................... 159

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Page 17: Memórias de Jigoro Kano

16

79. Eleito para a Câmara dos Nobres ................................................ 162

80. A Inauguração do Conselho de Cultura Kodokan ....................... 162

81. A Revista Ozei ............................................................................. 164

82. Associação dos Faixas-Pretas ....................................................... 166

83. Regulamentos da Associação dos Faixas-Pretas do Kodokan ....... 168

84. Regulamentos da Associação dos Faixas-Pretas

Kodokan Central ......................................................................... 170

85. Regulamentos da Associação dos Faixas-Pretas

Kodokan de Tóquio ..................................................................... 171

86. As Associações dos Faixas-Pretas e o Conselho de

Cultura Kodokan ......................................................................... 173

87. Conselho de Cultura – Afi liação Kodokan ................................... 176

88. Diário das Viagens Internacionais de 1928 .................................. 179

A Infl uência do Judô na Sociedade Japonesa, por Brian N. Watson ..... 183

Posfácio de Brian N. Watson ............................................................... 207

Glossário ............................................................................................. 225

Bibliografi a .......................................................................................... 247

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Page 18: Memórias de Jigoro Kano

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PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

Para quem é leigo no assunto e está tendo contato com o judô pela primeira

vez através desta obra, talvez seja interessante dizer que judô signifi ca em

japonês “caminho suave” ou “caminho da suavidade”. Atualmente é um

esporte praticado como arte marcial. Foi criado por Jigoro Kano em 1882.

Esse homem teve enorme importância na formação educacional do Japão, e

eu não teria dúvida em afi rmar que o Japão não seria essa nação tão efi ciente

e produtiva se não tivesse tido a infl uência do judô, introduzido na educação

dos estudantes no início do século XX.

Os principais objetivos do judô são fortalecer o físico, a mente e o

espírito, de forma integrada, além de desenvolver técnicas de defesa pessoal.

Como a grande maioria confunde, é bom informar que o judô não veio

do jiu-jítsu brasileiro, o judô veio do jujutsu. O jiu-jítsu brasileiro, conside-

rado uma atividade praticada por gente que gosta de lutar corpo a corpo, e

vista pelo grande público como uma arte de defesa pessoal que busca levar

o adversário ao chão e boa para se usar em brigas de rua e em competições

de luta livre . Na verdade ela é uma variação do judô tradicional, na época

ainda conhecido como um estilo do jujutsu criado por Kano e chamado de

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Page 19: Memórias de Jigoro Kano

18

jiu-jítsu em muitos países, entre eles o Brasil. A família Gracie aprendeu com

Mitsuyo Maeda, um lutador do Kodokan, e difundiu a arte que hoje é

conhecida como jiu-jítsu.

O judô teve grande aceitação em todo o mundo, pois Kano conseguiu

reunir a essência dos principais estilos e escolas de jujutsu – arte marcial

praticada pelos “bushis”, ou cavaleiros, do período Kamakura (1185-1333)

– com outras artes de luta praticadas no Oriente e fundi-las numa única e

básica. O judô foi considerado esporte ofi cial no Japão no fi nal do século

XIX, e a polícia nipônica introduziu-o na formação de seus integrantes. O

primeiro clube judoca da Europa foi o londrino Budokway (1918).

A vestimenta utilizada nessa modalidade é o keikogi (quimono), que no

judô recebe o nome de judogi, e forma com o cinturão o indumento neces-

sário à prática da luta. O judogi pode ser branco ou azul, conquanto o azul

seja utilizado quase tão somente para facilitar as arbitragens em campeona-

tos ofi ciais.

Com milhares de praticantes e federações espalhados pelo mundo, o

judô veio a ser um dos esportes mais praticados, representando um nicho de

mercado fi el e bem-defi nido. Não restringindo seus adeptos somente a

homens com vigor físico, mas estendendo seus ensinamentos a mulheres,

crianças e idosos, o judô teve um aumento signifi cativo no número de pra-

ticantes. Sua técnica utiliza basicamente a força e o peso do oponente contra

ele próprio. A vitória, ainda segundo seu mestre fundador, representa forta-

lecimento espiritual.

Brian N. Watson, autor deste livro, que eu, ajudado por minha dedicada

e brilhante aluna Cristina Yasuda, tive a honra de traduzir para o português,

é escritor, estudioso e praticante de longa data do judô. Graças a esse seu

amor pela arte, temos a oportunidade de poder agora ler em português dados

tão importantes para quem gosta do “caminho suave” e da história das artes

marciais japonesas; de como elas se propagaram no Japão e vieram a ser

uma prática tão essencial na formação educacional do povo japonês. Nestas

mais de duzentas páginas, entre outros assuntos pesquisados pelo autor,

foram inseridas importantes informações históricas contidas na entrevista

com Jigoro Kano por Toharei Ochiai, em 1920. Este material está à dispo-

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Page 20: Memórias de Jigoro Kano

19

sição do público japonês há muito tempo, portanto. Somente agora, porém,

graças à disposição do editor Ricardo Riedel, da Editora Pensamento-Cul-

trix, ele chega aos judocas brasileiros e aos simpatizantes interessados nessa

arte marcial e esporte competitivo de tamanha importância e com tantos

adeptos por todo o país.

Inicialmente esses textos chegaram ao público original através de uma

série de artigos entre 1927 e 1928 da revista Sako, publicada pelo Kodokan,

que falavam de importantes tópicos por meio de depoimentos do criador do

judô. Textos, portanto, de valor inestimável para os que se dedicam a essa

prática – e são milhares em nosso país. Somente agora, com esta e outras

duas obras de Jigoro Kano que tive a honra de traduzir para a Editora

Pensamento-Cultrix, os leitores que não leem inglês poderão saber mais

sobre detalhes da vida do fundador do judô, inclusive sua visão de mundo

sobre muitos assuntos. E o mais importante é que, como Jigoro Kano não

escreveu uma autobiografi a, neste livro podem-se descobrir muitas coisas

desconhecidas até aqui da maioria dos judocas acerca do homem Jigoro

Kano, sua vida intensa, o homem de ação, pesquisador, professor e político.

A deliciosa leitura nos mostra sua luta para o estabelecimento do Kodokan,

seu empenho para aprender uma técnica efi ciente naquilo que ele acreditava

como importante para formar e educar o povo japonês naquele momento

vital para a história do Japão – o período que veio na sequência da restau-

ração Meiji, no fi nal do século XIX – e convencer a população da validade

de suas descobertas e propostas; e o caminho que utilizou para ter êxito nessa

tarefa. A leitura desta obra mostra o esforço, as difi culdades e as soluções

encontradas para conciliar os ideais do judô, fundamentados nos famosos

princípios “Seiryoku Zenyo” (o máximo de efi ciência com o mínimo de

esforço), e culminando no “Jita Kyoei” (fazer as coisas para benefício pró-

prio, mas também para a sociedade). Essas duas máximas por certo são o

grande segredo para conseguir não somente alta produtividade na vida, na

profi ssão e nas ações no mundo material, mas também para podermos fazer

as coisas de acordo com as Grandes Leis do Universo. Afi nal Deus e a Har-

monia estão nas coisas feitas com a máxima efi ciência com o mínimo de

esforço e realizadas para o bem de todas as coisas existentes no universo.

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Page 21: Memórias de Jigoro Kano

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Para Kano, o judô visava em última instância desenvolver ao máximo as

potencialidades do ser humano em suas realizações, além de conciliar o

antagonismo entre o egoísmo e o altruísmo – forças estas que constantemente

chegam em nossa consciência quando devemos iniciar qualquer projeto.

Como praticante, estudioso e dirigente de Aikido (uma prática estudada

mais como um caminho marcial do que como luta; sem competições e com

muitos dos princípios e ideais do judô), por certo tive um grande interesse

em estudar esta obra. Ao terminar percebi a importância de ser publicada

em língua portuguesa para dar mais informações aos praticantes de judô e

quem sabe estimular o público em geral a praticar o “geidô” (caminhos e

artes japonesas). Tive prazer em ver que os problemas que encontrei e encon-

tro na criação e no desenvolvimento de organizações dirigentes de Aikido

foram enfrentados também por Jigoro Kano. Aprendi, e confi rmei com cer-

tas experiências, lendo os estatutos e soluções encontradas por Kano para

formalizar e estabelecer o funcionamento e a expansão do judô. O que acon-

tecia no passado no Japão repete-se agora no Brasil e em todo o Ocidente

no mundo das artes marciais. É signifi cativo este trecho:

“No começo de sua formação a Associação dos Faixas-Pretas Kodokan do

Dojo Central tinha um papel consultivo, mas, aos poucos, as associações regio-

nais tornaram-se mais ativas e mais infl uentes, transformando-se por fi m elas

próprias num órgão de tomada de decisões”.

Trata-se de um problema-chave na criação de organizações de artes

marciais. Talvez por isso é que os grandes mestres japoneses dizem que,

quando um dojo cresce, tornando-se uma organização nacional, fi ca muito

difícil conservar a essência dos ensinamentos. Os líderes locais, por proble-

mas políticos, começam a se distanciar da fonte do ensinamento inicial e em

evolução. Fazendo isso, confundem o distanciamento político organizacional

com o distanciamento técnico e da relação sempai/kohai (mestre/aluno) e

perdem a oportunidade de crescer com a experiência dos mais antigos pela

prática conjunta e pelo contato direto com quem é mais antigo no caminho,

o “sensei”. Nas artes marciais, é muito importante o contato corporal, a

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Page 22: Memórias de Jigoro Kano

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convivência física, e o aprendizado pelo contato do aluno ao sentir como

um praticante mais avançado realiza determinada técnica nele, ou seja,

“receber a técnica”, ser “uke”.

Isso provoca graves distorções. Infelizmente muitos chegam às acade-

mias de artes marciais e se decepcionam por não encontrar o ensinamento

genuíno, isso por negligência de maus mestres. Espero que a leitura deste

livro ajude os leigos a aprender a selecionar melhor os lugares em que pre-

tendem iniciar-se no aprendizado das artes marciais japonesas, bem como

matricular seus fi lhos para receberem os notáveis benefícios da prática cor-

reta do judô e artes afi ns.

O notável nesta obra é que os fatos são contados como de fato acon-

teceram, não se escondem do público os problemas, os fracassos, assim

como os sucessos e acertos – por isso seu valor. É uma lição de vida para

qualquer pessoa, mesmo que não goste de artes marciais. Outro fato rele-

vante é que Kano frequentou e ensinou em universidades importantes do

Japão de seu tempo e muitos de seus companheiros e alunos vieram a ser

importantes fi guras políticas no Japão. Isso por certo contribuiu muito para

que o judô conseguisse infl uenciar tanto a cultura japonesa. Se o Japão é o

que é atualmente, o judô teve muito a ver com isso no que diz respeito aos

aspectos educacionais. É uma lição que poderia ser aproveitada pela socie-

dade brasileira para aumentar a participação do judô e de artes afi ns nas

escolas públicas e privadas como disciplina complementar do currículo de

educação física.

Outro fato pitoresco é que li em outras obras que o famoso lutador

Shiro Saigo, do Kodokan, um dos primeiros alunos de Kano, vencendo mui-

tas lutas importantes fez convencer na época a superioridade do judô

Kodokan. Nesses relatos conta-se o fato histórico de que ele fora treinado

em Aiki Jujutsu, a arte mãe do Aikido, educado por Tanomo Saigo, que foi

o professor de Sokaku Takeda, o fundador do Daito Ryu Aiki, e professor

de Morihei Ueshiba, o criador do Aikido. A história de Saigo, chamado de

Sanshiro Sugata pelo diretor Akira Kurosawa, em Sugata Sanshiro – a saga

do judô, emocionou muitos artistas marciais que assistiram à narrativa.

Neste livro, isso se confi rma ofi cialmente, ou seja, as técnicas de aiki do clã

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Page 23: Memórias de Jigoro Kano

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Aizu ajudaram o judô a se consolidar no seu início, com a famosa técnica

Yama Arashi (tempestade da montanha), que é uma técnica de aikijujitsu.

Desta feita podemos afi rmar com certeza que, assim como os aikidoístas

podem buscar no judô muitas informações importantíssimas para se apri-

morarem em suas técnicas, o mesmo pode acontecer com os judocas, pois

estudando o aiki estarão fazendo contato com algo essencial na origem do

judô. Talvez por esta razão, ao assistir a uma demonstração de Aikido, disse

Jigoro Kano: “Esta arte contém o judô que eu imagino”, e pediu para três

alunos irem aprendê-la e depois levar para o Kodokan, como Kano sempre

fazia para melhorar e aprimorar o currículo de sua escola, ou seja, o princí-

pio de vencer pela harmonia, e não pela força bruta, é o que de fato mais

caracteriza o judô, e não normalmente suas técnicas.

Hoje em dia já se fala até em “judô mental” – inclusive com livro sobre

o assunto já publicado –, utilizando as estratégias do judô nas relações pes-

soais e na solução de confl itos.

Por certo a leitura deste livro, além dos inúmeros benefícios que trará

em informações do que seria o judô para seu criador, para os leigos e prati-

cantes, será útil também para presentes e futuros dirigentes de organizações

de artes marciais, como eu, por detalhar de forma real a história de uma

bem-sucedida empreitada que poderia servir de modelo para organizações

de artes marciais no Brasil. Afi nal, atualmente o judô tem dezenas de milhões

de adeptos em todo o mundo e começou praticamente numa sala com um

jovenzinho de apenas 21 anos como mestre. Com a leitura também se pode

aprender o que deu errado, comparando os ideais de Jigoro Kano, que eram

essencialmente educativos, com suas distorções geradas pela valorização dos

aspectos competitivos do judô olímpico moderno cuja meta é vencer a qual-

quer custo. Kano percebeu isso em sua época, mas, pelo desenrolar da his-

tória, não conseguiu alterar a consequência da pressão social e política que

sofreu para transformar o judô em esporte competitivo, pois já naquela

época, assim como hoje, as pessoas adoram competir, e é muito difícil fazê-

-las perceber que esse desejo no fundo tem muito de pretensão de usar as

medalhas e as pseudovitórias como meio ilusório para compensar o senti-

mento de inferioridade que o ser humano carrega desde o tempo em que

Adão e Eva foram expulsos do jardim do Éden.

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A competição tem valor para estimular o indivíduo a se exercitar e a

aprender a trabalhar em equipe, mas no momento em que esse desejo de

vencer a qualquer custo usando a força e outros meios não éticos passa a ser

determinante para a felicidade e o sucesso, o que infelizmente acontece com

a maioria dos competidores, basta ver como reagem quando perdem, isto é

muito ruim para o desenvolvimento espiritual do cidadão. A competição e

o desejo de vitória passa a ser uma fuga da realidade e uma necessidade cuja

satisfação resultará na conquista de algo ilusório. O importante para o ser

humano é o que Kano procurou indicar através da prática do judô, ou seja,

é preciso desenvolver ao máximo o potencial que nos foi dado pelo Universo

quando nascemos, mas também temos de usar essa dádiva em prol da socie-

dade, senão não terá o justo valor. Não é importante derrotar, mas sim

somar, e é necessário tornar-se forte para ajudar os demais que necessitam

de apoio. É isso o que os seres humanos e os cidadãos têm de aprender para

se livrar do egocentrismo imaturo. Assim, em harmonia com a natureza e

com os demais seres viverão em harmonia e de forma plena.

Como comprovação do que Kano pensava, esta obra cita as seguintes

palavras de Jigoro Kano, muito importantes para testemunhar algo que

ainda hoje se discute no Brasil: se as competições introduzidas nas artes

marciais, cujo propósito é educativo, devem aumentar ou não no aspecto

competitivo, falando do ponto de vista do esporte:

“Tenho sido questionado por várias pessoas de diversos setores quanto ao

sentido e a possibilidade do judô ser introduzido nos Jogos Olímpicos. Minha

opinião sobre o assunto é um tanto passiva. Se esse for o desejo dos membros

de outros países, não tenho objeção, mas não me sinto inclinado a tomar

nenhuma iniciativa. Por um único motivo: o judô na realidade não é um mero

esporte ou jogo. Eu o considero um princípio de vida, arte e ciência”.

O livro também ensina uma grande lição quando o autor mostra que o

fundador do judô dizia que:

“Uma coisa difícil de compreender é que a sensação de confi ança e alegria que

a maestria das técnicas de judô trazem ao praticante só podem ser adquiridas

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Page 25: Memórias de Jigoro Kano

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depois de muitos anos de prática com muito trabalho, esforço e dedicação, e

de ser capaz de trabalhar contra pessoas mais fortes”.

É muito importante que se traga isso à baila no momento presente, em

que muitas artes marciais estão deixando de ser praticadas como instrumento

para vencer obstáculos e superar o medo e o poder de pessoas mais fortes que

querem nos oprimir. Algumas escolas começam a praticar apenas movimen-

tos, “katas”, sem energia, sem efi cácia, inúteis diante de um confronto real.

Esses locais acabam se transformando em clubes de amigos dóceis e pacífi cos

que divulgam e fazem erroneamente crer a seus adeptos que é possível a paz

sem estar preparado para a guerra, se for necessária para manter esta paz.

Isso infelizmente se observa em muitos pseudos dojos de artes marciais, onde

se pratica somente o kata, principalmente nas chamadas “artes marciais inter-

nas”. É verdade que a força bruta e a violência têm de ser erradicadas da

sociedade, mas isso somente será possível se soubermos lidar com pessoas

violentas e agressivas e criarmos uma fórmula de neutralizar esses aspectos

negativos, quer física quer espiritualmente. Para isso, é necessário ter capaci-

dade de lutar, de enfrentar as agressões e distorções e, é claro, manter o

espírito da harmonia. Portanto, é preciso treinar as artes e práticas marciais

sempre como um “budo”, ou seja, um caminho de iluminação através de

técnicas “de guerra”, onde se deve aprender a vencer a força e a violência,

mas na constatação japonesa de que o suave e o pacífi co vencem de fato o

duro, o violento. Eis por que o judô tem esse nome (Caminho Suave).

Para isso, porém, é preciso saber como praticar sendo suave, mas forte

e equilibrado ao mesmo tempo, não bastando simplesmente ir a um dojo e

praticar os katas pensando em não treinar arduamente, com disciplina

e diligência, nem enfrentar os obstáculos da resistência e do confl ito. Enfi m,

é preciso suar muito e por muito tempo para de fato ter o benefício real da

prática das artes marciais. Neste sentido, se a competição (randori) se der

com esse espírito, certamente contribuirá bastante para a evolução real do

praticante. O erro está em transformar a competição não em instrumento

de aperfeiçoamento de tentativa, erro e correção, mas no objetivo único de

satisfazer o ego diminuído. O pior de tudo é que infelizmente vemos muitos

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Page 26: Memórias de Jigoro Kano

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fazendo isso no Brasil, isto é, fi car em casa, sentado numa poltrona e se

sentir “vitorioso” apenas porque seu time foi campeão. É incrível como

milhões não percebem essa ilusão no Brasil. Quanto dinheiro desperdiçado

que poderia ser utilizado em investimentos na saúde e na educação do povo

brasileiro, seguindo os princípios de máxima efi ciência com o mínimo de

esforço para benefício do indivíduo e da sociedade, como queria Kano, por

conta dessa ilusão incentivada pela mídia. Creio que nos dojos de Aikido,

que hoje se pratica sem competições, mas que os praticantes se esforçam para

vencer atacantes mais fortes usando as técnicas adequadas, se está em essên-

cia seguindo o ideal que Jigoro Kano enfatizou.

Recomendo entusiasticamente a leitura desta obra por todos os meus

alunos, amigos e praticantes de artes marciais e sobretudo aos dirigentes,

pois verão que os problemas que encontramos no dia a dia não são atributo

apenas da cultura brasileira, que eles acontecem também no Japão. Temos

de entender que faz parte da difi culdade do ser humano lidar com pessoas

para que trabalhem unidos, deixando o egoísmo de lado, e aprenderem a

sentir o prazer e a realização possível através da sinergia, ao que de certa

forma o judô imaginado por seu criador visava. Compreender isso e pôr em

prática esse estilo de vida é essencial para que tantas pessoas vivam juntas

em harmonia e felizes. Por certo treinar as artes marciais como o judô, com

o enfoque de “Caminho de Vida”, pode contribuir muito para esse resultado.

Se continuarmos cultivando o egoísmo, procurando desenvolver força e

poder para obrigar os mais fracos a atender aos nossos desejos, por certo o

fi m do mundo estará bem mais próximo do que imaginamos.

São Paulo, 1o de agosto de 2010.

Shihan Wagner Bull

Presidente da Confederação Brasileira de Aikido:

www.aikikai.com.br

Fundador do Instituto Takemussu:

www.aikikai.org.br

fone (11) 5581-6241

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Page 28: Memórias de Jigoro Kano

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PREFÁCIO

Jigoro Kano é conhecido entre os entusiastas das artes marciais de todo o

mundo como o criador do judô. Entretanto, no Japão ele também é conhe-

cido até os dias de hoje como incentivador do time olímpico japonês, após

as derrotas nas três primeiras participações dos jogos de 1912, 1920 e 1924,

até conseguir a medalha de ouro em 1928 nos jogos olímpicos de Amsterdã.

Mais particularmente, ele é conhecido pelo trabalho de ajudar a introduzir

reformas no sistema educacional do Japão. Kano, talvez mais do que qual-

quer outro educador de sua geração, incentivou um grande número de estu-

dantes da Faculdade de Formação de Professores de Tóquio a dedicar-se à

profi ssão do ensino e promover a educação esportiva. Em virtude do seu

compromisso positivo de promover a educação física, o judô e a formação

do professor, Kano infl uenciou, nas primeiras décadas do século XX, o aper-

feiçoamento físico e escolar obtido pelas crianças japonesas, particularmente

as que cursaram o ensino obrigatório. Desse modo, os frutos de seu empenho

contribuíram em alguma medida para o melhoramento da saúde e das habi-

lidades de boa parte da força de trabalho da nação, o que se manifestou em

seguida na robusta expansão econômica do Japão.

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Page 29: Memórias de Jigoro Kano

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Infelizmente para os entusiastas da história do judô, Jigoro Kano não

escreveu sua própria biografi a. Por isso, apesar de outras pessoas ou grupos

de estudiosos terem escrito biografi as dele, há pouca informação específi ca

disponível para publicação, que tenha sido de fato escrita por ele, sobretudo

no que diz respeito a sua vida familiar e à criação de seu dojo “Kodokan”.

Não obstante, numa série de entrevistas que concedeu nos seus sessenta e

poucos anos, ele contou muitas de suas experiências ao entrevistador,

Torahei Ochiai, diretor de um colégio e ex-aluno de Kano. O que Kano

relatou a respeito do início da história do judô foi compilado e conservado

em publicações de Ochiai. Surgiu primeiro em uma série de artigos de revis-

tas no fi nal da década de 1920. Esse material incluía os incidentes de Kano

nos seus tempos de escola, seu treinamento em jujutsu, junto com experiên-

cias acadêmicas, viagens ao exterior e alguns aspectos de sua vida privada.

Entretanto, o mais importante, particularmente para os seguidores do judô,

talvez sejam as várias informações que ele transmite sobre a criação, a pro-

moção e a posterior grande expansão do Kodokan, que passou a ser um

compromisso obsessivo de toda a sua vida.

Em 1877, Kano iniciou o aprendizado do Tenjin Shinyo jujutsu, inicial-

mente sob a tutela regular de Hachinosuke Fukuda. Dois anos depois, Fukuda

faleceu. Após a morte de Masatomo Iso, seu segundo mestre em Tenjin

Shinyo jujutsu, começou a estudar o estilo kito de jujutsu com Tsunetoshi

Iikubo. Em maio de 1882, ainda um desconhecido estudante universitário de

21 anos, Kano abriu seu pequeno e despretensioso Kodokan no centro de

Tóquio, onde ensinava jujutsu à sua primeira turma, de nove alunos. A esco-

lha do nome “Kodokan” simboliza a precocidade de alguém muito jovem e

é altamente representativa, pois signifi ca “o instituto onde se é orientado ao

longo de um caminho para prosseguir pela vida”, isto é, um caminho por

onde se viaja como meio para o desenvolvimento individual, o que Kano

considerava a melhor maneira de viver a vida. Entretanto, esse cultivo do

espírito só pode ser obtido seguindo longos anos de treinamento com vigo-

roso exercício no empenho de atingir o objetivo fi nal: o autoaperfeiçoamento.

Aos 24 anos, logo depois de ser aprovado como mestre no estilo kito

de jujutsu, Kano deixou de repente de ensinar essa atividade antiga e muito

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Page 30: Memórias de Jigoro Kano

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brutal e nunca mais ensinou jujutsu. Na tentativa de criar uma arte oposta,

não violenta e inspiradora do espírito para o mundo contemporâneo, reali-

zou pesquisas em vários outros estilos de jujutsu. Visando principalmente à

segurança e à viabilidade prática, alterava e acrescentava procedimentos

próprios em muitas das técnicas, que depois incorporava ao seu recém-con-

cebido sistema, o qual denominou ofi cialmente “judô Kodokan”. Em suas

palestras subsequentes sobre o judô, Kano sempre afi rmava: “O objetivo

supremo do estudo do judô é treinar e cultivar o corpo e a mente com a

prática do ataque e da defesa e assim dominar o essencial da arte para bus-

car o autoaperfeiçoamento e trazer benefícios ao mundo”. Desse modo,

procurou extrair do judô um caráter positivo em compensação a algo alta-

mente negativo. Kano apurou sua arte, o judô, e promoveu-a nacionalmente

e depois no mundo todo, para jovens e idosos, homens e mulheres. Depois

de criar o judô, Kano dedicou-lhe todos os dias de sua vida.

Kano foi um homem de múltiplas habilidades. Na juventude, aos 25

anos, foi nomeado professor de ciência política e econômica da Escola Agrí-

cola Komaba, e também da escola da nobreza, Gakushuin. Posteriormente

tornou-se diretor da Faculdade de Formação de Professores de Tóquio, cargo

em que se manteve por mais de vinte anos. Além disso, foi produtivo ensaísta,

tradutor, calígrafo, editor, administrador esportivo e, no fi nal de sua vida,

político. Apesar de seus variados interesses, a elevação do padrão educacional

japonês, a promoção do judô Kodokan e o avanço da educação moral talvez

tenham sido as preocupações mais importantes ao longo de toda sua vida. Os

ideais de Kano são corroborados nas mensagens expressas em seus ensaios e

em sua arte caligráfi ca, por enfatizarem muitas vezes a importância decisiva

de uma boa educação, incentivar o espírito de determinação, assim como o

empenho em ajudar a melhorar o bem-estar da humanidade. Num discurso

de 1934, afi rmava: “Não há nada sob o Sol maior que a educação. Ao educar

um indivíduo e inseri-lo na sociedade de sua geração, dá-se uma contribuição

que se estenderá por centenas de gerações futuras”. Essa mensagem é veiculada

e preservada num de seus mais famosos exemplares de trabalho caligráfi co.

A julgar por alguns de seus comentários nas páginas a seguir, parece

que foi principalmente pelo sincero desejo de melhorar a educação no Japão

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Page 31: Memórias de Jigoro Kano

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que ele criou o judô. Isso por acreditar que as experiências derivadas do

treinamento do judô pudessem ter impacto tanto na saúde geral quanto no

caráter dos estudantes. Entretanto, no que diz respeito ao jujutsu tradicional,

Kano percebeu muito cedo que havia inconvenientes e, portanto, não era

uma atividade adequada para a sociedade civilizada da era moderna. Em

particular, por ser puramente um meio impiedoso de autopreservação, há

poucas regras a observar na prática dessa arte marcial, de maneira que Kano

encontrou nela poucos benefícios que auxiliassem no desenvolvimento pleno

e salutar do caráter dos estudantes. As sessões práticas eram na essência

combates. E isso era um elemento de perigo constante, sobretudo quando se

empregavam armas afi adas. Por outro lado, o judô, que não utiliza armas,

foi fi nalmente regulamentado como esporte, e como tal é praticado com

relativa segurança não apenas por homens, mulheres e crianças saudáveis,

mas até por aqueles que enfrentam alguma limitação física.

Kano dedicou muito tempo e energia de sua vida à pesquisa educacio-

nal. Fez treze viagens ofi ciais ao exterior a fi m de fazer relatórios sobre os

sistemas educacionais vigentes nos países estrangeiros, particularmente sobre

a educação física no Ocidente. Nessas ocasiões, ele também se empenhava

em despertar o interesse internacional pelo judô Kodokan, por meio de

diversas demonstrações, palestras e entrevistas para a mídia durante suas

viagens internacionais. Por ser membro do Comitê Olímpico Internacional

por mais de vinte anos, além de um dos fundadores e primeiro presidente da

Associação de Esporte Amador do Japão, o apoio de Kano foi fundamental

para impulsionar a popularidade dos esportes olímpicos, principalmente

entre os jovens japoneses.

Alguns comentários dele nas páginas a seguir dão a entender que, não

importa quais sejam as metas que se deseja atingir na vida, em primeiro lugar

é preciso empenhar-se em preservar a saúde e desenvolver um físico robusto

e o espírito de perseverança, antes de buscar os objetivos. Sem esses pré-

-requisitos básicos, não se consegue ir muito longe. Kano alegava que a

perseverança pode ser estimulada no aprendiz e reforçada em consequência

da prática dedicada e disciplinada do judô. Portanto, ao criar o judô, pro-

curava conceber um meio de suscitar intensa motivação em seus alunos.

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Page 32: Memórias de Jigoro Kano

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Aconselhava a todos que, independentemente de qual fosse o campo de

estudo principal em que estivessem engajados, a participar desse treina-

mento, pois além de mantê-los em forma, seriam bem-sucedidos na vida e

também seriam cada vez mais fortalecidos.

Este livro tem duplo propósito: o primeiro diz respeito à extensão que

os objetivos de Kano, especialmente com relação ao judô, têm alcançado; e

o segundo é analisar o impacto desses objetivos na sociedade. Por conse-

guinte, na parte fi nal deste trabalho, comento a infl uência que o judô exerceu

e continua exercendo na sociedade japonesa juntamente com algumas expe-

riências e realizações de três indivíduos em particular, um japonês e dois não

japoneses, que foram inspirados pelos ensinamentos de Kano. Contudo,

propositadamente, não optei por mencionar as realizações dos principais

campeões mundiais do passado nem do presente, porque a grande maioria

dos praticantes do judô são atletas não competitivos e como tal raramente

recebem qualquer tipo de reconhecimento público. E, é claro, não devemos

nos esquecer da insistência de Kano para que a prática do judô fosse acima

de tudo com a fi nalidade de produzir algum benefício na vida das pessoas.

Na verdade, o conceito de Kano era que o judô fosse um meio para promo-

ver o desenvolvimento do corpo e da mente, por isso era veementemente

contra a conversão do judô num esporte. Alega que o judô é uma das artes

do budo e como tal é um meio para cultivar a coragem, a virtude e o inte-

lecto, tudo que há de mais importante para nossa satisfação na vida. Ele não

desejava ver o judô tornar-se uma imitação de outros esportes, em que o

único objetivo da maioria dos praticantes se resume apenas em ganhar meda-

lhas. Sobre isso, comentou em uma carta a Gunji Koizumi em 1936: “Tenho

sido questionado por várias pessoas de diversos setores quanto ao sentido e

a possibilidade do judô ser introduzido nos Jogos Olímpicos. Minha opinião

sobre o assunto atualmente é bem passiva. Se esse for o desejo dos membros

de outros países, não tenho objeção. Mas não me sinto inclinado a tomar

nenhuma iniciativa. Por um único motivo: o judô na realidade não é um

mero esporte ou jogo. Eu o considero um princípio de vida, arte e ciência.

Na verdade, é um meio para a realização cultural de um indivíduo. Só uma

das formas da prática do judô, denominada randori, pode ser classifi cada

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Page 33: Memórias de Jigoro Kano

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como um tipo de esporte. Além disso, os Jogos Olímpicos são tão fortemente

marcados pelo nacionalismo que é possível que isso venha a infl uenciar de

forma retrógrada o judô competitivo, como era o jujutsu antes de ser criado

o Kodokan. O judô deveria ser, como a arte e a ciência, livre de infl uências

externas, seja política, nacional, étnica, fi nanceira e qualquer outro tipo de

interesse organizado. Tudo ligado ao judô deveria voltar-se para o seu objeto

maior: o benefício da humanidade”.

Os ideais de Kano, portanto, eram muito profundos e instigantes.

Embora o judô tenha sido um esporte participativo relativamente popular

em muitos países durante décadas, concentrei a maioria de meus comentários

em Kano, seus ensinamentos e, em particular, nos efeitos do judô na socie-

dade japonesa. Por ser muito recente a história do judô em outros países,

seus efeitos são muito menos pronunciados do que no Japão. Essas questões

serão ainda tratadas na conclusão do livro.

Parece que algumas pessoas são capazes de lidar de modo efi ciente com

muitos de seus problemas individuais e por isso adquirem em geral maior

autoconfi ança. Outras, contudo, diante de difi culdades semelhantes são inca-

pazes de superá-las e às vezes sofrem. Vez por outra isso acarreta conse-

quências tristes, como a autodestruição. Alguns buscam a fuga dos problemas

na bebida, no jogo ou mesmo no uso e na dependência de drogas, cada vez

mais comum em nossos dias. Esses comportamentos, além de não terem

efi cácia alguma na solução dos problemas, muitas vezes se multiplicam,

causando depois dores físicas e angústia mental. Será que na prática do judô

existe algo que possa ajudar alguém a dar conta desses problemas? A julgar

pelas observações de Kano nas páginas seguintes, parece que sim, ele acre-

ditava que, uma vez adquirido o espírito da determinação, este pode ser

focado para enfrentar com tenacidade qualquer outra difi culdade a ser supe-

rada na vida.

Ao que tudo indica, Kano foi uma fi gura querida em seu tempo. Seus

alunos universitários e seus aprendizes de judô eram dezenas de milhares. E,

é claro, isso ocorreu muito antes da era da fama instantânea, que quase

sempre favorece o surgimento de personalidades midiáticas dos tempos

modernos. Apesar de seu carisma ter-lhe rendido um considerável número

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Page 34: Memórias de Jigoro Kano

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de seguidores, não se pode esquecer da questão: será que seus ensinamentos

têm alguma relevância hoje? Depois de ler as páginas que se seguem, alguns

talvez concordem com a opinião dele a respeito do esporte, do judô e da

educação, enquanto sem dúvida outros discordarão. Agora, entretanto, con-

siderações sobre opiniões divergentes não são da competência deste trabalho,

pois desejo tão somente explicar, com a maior precisão possível, os métodos

e os objetivos de Kano, aos quais ele se dedicou com tanto ardor, e não

necessariamente tomar qualquer partido que seja. Naturalmente, é preciso

sempre tentar manter o senso de equilíbrio nesse estudo. Alguém pode alegar

que há entusiastas do judô que, apesar de terem sido campeões na juventude,

não foram bem-sucedidos depois na tentativa de atingir um nível equivalente

de êxito em outros aspectos da vida. Ou que há jovens que não tiveram

nenhuma experiência real no judô nem em qualquer outro tipo de esporte,

mas se benefi ciaram de alguma forma de outros tipos de experiências e são

bem-sucedidos na vida.

Em 2000, publiquei The Father of Judo (Kodansha International) uma

biografi a de Jigoro Kano dirigida a leitores jovens que dá uma visão pano-

râmica de alguns detalhes da vida dele. Entretanto, o presente estudo con-

centra-se mais nas difi culdades que ele encontrou e no seu empenho em

atingir os objetivos do Kodokan do que em acontecimentos particulares.

Muitos dos comentários de Kano sobre os objetivos do Kodokan e outros

assuntos relevantes serão encontrados nas sucessivas partes deste livro, que

contém minha interpretação em inglês dos já mencionados relatos em língua

japonesa de Torahei Ochiai publicados pela primeira vez em uma série de

artigos de janeiro de 1927 a dezembro de 1928, na revista mensal Sako, do

Conselho de Cultura Kodokan.

Em 1992 todos os discursos de Kano mencionados anteriormente, junto

com várias contribuições dele em ensaios para as revistas mensais Judo e

Yuko no Katsudo, foram reunidos e republicados em Kano Jigoro Cho-

sakushu (Collected Works of Jigoro Kano) volume III.

Brian N. Watson

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MEMÓRIAS DEJIGORO KANO

TRADUZIDO PARA O INGLÊS POR BRIAN N. WATSON

1. A Criação do Kodokan

As pessoas muitas vezes me perguntam por que passei a estudar o jujutsu e

por que criei o Kodokan. A motivação que tive para começar a praticar o

jujutsu é completamente diferente da que relato hoje ao explicar minhas

razões para ter criado o judô. Quando menino, eu estudava muitas matérias,

chinês clássico, caligrafi a, inglês, e outras. Mais tarde, em 1873, deixei minha

casa pela primeira vez para ingressar num colégio interno, Ikuei Gijuku,

localizado em Karasumori-cho, Shiba, Tóquio.

Embora o diretor de Ikuei Gijuku fosse holandês e seu assistente, ale-

mão, todas as disciplinas eram ensinadas na língua inglesa. Antes de ingres-

sar nesse internato, eu tinha aprendido a ler o inglês elementar numa escola

particular em Shuhei Mizukuri. Portanto, em Ikuei Gijuku, estava no mesmo

nível de inglês que meus colegas. Entre estes, havia muitos que eram fi sica-

mente frágeis e, por conseguinte, quase sempre fi cavam sob o domínio dos

meninos maiores e mais fortes. O mais fraco era forçado a ser servil para

com o mais forte. Uma vez que eu era um dos mais fracos, tinha de levar

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Page 37: Memórias de Jigoro Kano

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recados a mando dos mais fortes. Mesmo na minha idade atual, ainda sou

fi sicamente tão robusto quanto qualquer um. Naquela época, entretanto,

embora não fosse doente, eu era muito franzino. Nas atividades escolares

em geral eu me equiparava aos meus colegas, mesmo assim eu era muitas

vezes tratado com descaso e desprezo. Desde criança, minha curiosidade foi

despertada quando ouvi falar pela primeira vez em jujutsu, um método de

luta em que, com pouca força, pode-se superar um adversário fi sicamente

mais forte. Por isso passei a considerar seriamente a possibilidade de me

iniciar no aprendizado e na prática dessa arte.

Naquela época, um ex-soldado chamado Nakai frequentava nossa

casa. Nakai às vezes se vangloriava de conhecer o jujutsu e me mostrou

algumas técnicas kata. Essa experiência acendeu em mim o interesse e a

imaginação e me deu a ideia de aprender com ele. Quando pedi que me

ensinasse, no entanto, ele recusou dizendo que não era necessário saber

jujutsu naquela época.

Além da casa de nossa família em Mikage, meu pai tinha outra casa,

em Maruyama-cho, Koishikawa-ku, Tóquio. O caseiro dessa casa era Ryuji

Katagiri. Ele de vez em quando me mostrava um pouco de jujutsu. Uma vez

pedi-lhe que me desse aulas regulares, mas ele também declinou do meu

pedido, dizendo que não havia nada para aprender daquilo, uma vez que

não tinha nenhuma utilidade prática. Outro visitante frequente de nossa casa

era Genshiro Imai, de Higo, em Kyushu, que aprendeu o estilo Kyushin de

jujutsu. Quando lhe pedi que me treinasse, fui mais uma vez recusado. Na

verdade, eu não conseguia encontrar ninguém disposto a me ensinar. Por

isso, continuei sofrendo nas mãos dos bullies [valentões]. Mais tarde, minha

escola, Ikuei Gijuku, mudou-se para Okuma Hall e em 1874 fui transferido

para o Departamento de Língua Inglesa da Escola de Línguas Estrangeiras

de Tóquio, onde atualmente fi ca a Escola de Comércio. Entre os colegas que

prestaram exame de admissão comigo estavam o falecido Takaaki Kato, um

futuro primeiro-ministro, e o dr. Kumazo Tsuboi, que também estudou na

mesma universidade que eu até nossa graduação. Tempos depois, o Depar-

tamento de Língua Inglesa foi desmembrado da escola e foi criada uma

Escola de Língua Inglesa pública separada. Eu frequentava a Escola de Lín-

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Page 38: Memórias de Jigoro Kano

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gua Inglesa. Enquanto estudava lá, foi combinado que eu fi caria alojado na

casa do diretor da Escola de Línguas Estrangeiras de Tóquio, Shosaku Hida,

uma vez que ele era amigo do meu pai. Ao contrário do que ocorria em Ikuei

Gijuku, eu não sofria mais bullying na nova escola, principalmente porque

as classes eram muito menores. Contudo, depois de um tempo, percebi nova-

mente que precisava me fortalecer fi sicamente.

Em 1875, entrei para a Escola Kaisei. Embora os meninos da Kaisei

valorizassem a competência acadêmica, logo percebi que as proezas físicas

eram de fato até mais respeitadas do que em Ikuei Gijuku. Eu ainda fazia

atividades acadêmicas com meus colegas, mas por causa de minhas condições

físicas, não era nem de longe tão forte nem robusto quanto eles. Diante

disso, a urgência de aprender o jujutsu tornou-se irresistível para mim. Final-

mente, me aproximei de meu pai e pedi que ele pedisse a um de seus amigos,

que tivesse conhecimento de jujutsu que me ensinasse. Ele, porém, discordou

da minha decisão, disse que não havia nenhuma necessidade de eu aprender

jujutsu. Percebi logo que não podia contar com o apoio do meu pai nessa

questão. Eu tinha 17 anos naquela época e me conscientizei de que era

melhor aprender a fazer as coisas por mim mesmo, e me determinei a encon-

trar um mestre de jujutsu por meus próprios meios.

Em 1877 entrei para o Departamento de Literatura da Universidade

Imperial de Tóquio. Recordo-me de que nessa época foi que me veio a ideia

de sair investigando pelas clínicas de osteopatia (alinhamento de ossos),

pois eu ouvira dizer que muitos osteopatas (alinhadores de ossos [espécie

de precursores de massagistas, fi sioterapeutas ou quiropráticos]) tinham

sido antes mestres de jujutsu. Entretanto, logo descobri que a maioria não

tinha nenhum conhecimento de jujutsu. Outros alinhadores de ossos dis-

seram que ensinavam jujutsu, mas tinham desistido havia muitos anos. Um

dia aconteceu de eu estar em Ningyocho, Nihonbashi, perto da famosa

ponte Benkei, quando avistei uma placa de clínica de alinhamento de ossos.

Estava escrito na placa: “Teinosuke Yagi, alinhador de ossos”. No prédio,

encontrei um homem grisalho que, apesar da idade avançada, tinha apa-

rência robusta. Perguntei-lhe se ensinava jujutsu. Ele me olhou e quis saber

por que eu havia feito essa pergunta. Respondi que desejava muito apren-

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der jujutsu. Ele fi cou surpreso a princípio e depois sorriu. Disse que estava

muito satisfeito em saber que eu tinha interesse na arte e me informou que

obtivera a licença para ensinar jujutsu com o mestre Mataemon Iso. Con-

tou que tempos atrás ele lecionava e fora muito ativo como instrutor, mas

tinha desistido do jujutsu e atualmente contava apenas com a osteopatia

para sua subsistência. Ressaltou que aquela sala de oito tatames era a única

propriedade que possuía e que era muito pequena para ser utilizada como

um dojo de jujutsu. Depois de pensar um pouco, disse que tinha outros

colegas que haviam parado de ensinar fazia muito tempo, mas que, pró-

ximo dali, no Daiku-cho, havia um colega dele de jujutsu, mestre Hachi-

nosuke Fukuda. Yagi então ofereceu-se para me apresentar ao mestre e

sugeriu que eu fosse ao dojo do sr. Fukuda.

Saí da clínica de Yagi e fui diretamente para o dojo de Fukuda, que

consistia numa sala com dez tatames e uma escada num dos cantos; desse

modo a área para a prática fi cava reduzida a nove tatames. Havia uma sala

adjacente com três tatames onde Fukuda tratava seus pacientes. Consequen-

temente, a sala de nove tatames era também utilizada como sala de espera

pelos pacientes. E foi nesse dojo abarrotado que iniciei minha tão desejada

busca pelos segredos ancestrais do jujutsu. O estilo ensinado era o Tenjin

Shinyo, criado pelo mestre Mataemon Iso, que combinou dois estilos antigos:

o Yoshin e o Shin no Shinto. Quando entrei no dojo, Fukuda tinha apenas

cinco alunos. Desses, apenas dois treinavam regularmente: um aluno prati-

cava todos os dias, e o outro dia sim dia não.

Fukuda havia sido anteriormente instrutor de jujutsu no Kobusho, o

centro de treinamento militar onde muitos descendentes de samurais eram

treinados em toda gama de artes marciais. Além disso, os aprendizes rece-

biam instruções para utilizar o canhão e armas pequenas. Seu cargo lá era o

equivalente a de um professor assistente de uma universidade. No Kobusho,

ensinavam-se vários estilos de jujutsu; dentre eles o Kyto e o Yoshin. Vez por

outra aconteciam competições entre os praticantes do Tenjin Shinyo e os

praticantes de outros estilos. O estilo mais popular daquele tempo era o

Yoshin. Mestre Hikosuke Totsuka era contratado e tinha um grande contin-

gente de jovens bem treinados. Embora Fukuda fosse exímio especialista,

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ouvi falar que ele era duramente pressionado nas sessões práticas do estilo

Yoshin dos homens de Totsuka.

Os dois homens com quem eu treinava com mais frequência no início

da minha prática no dojo de Fukuda eram o sr. Aoki e um atacadista de

peixe, Kanekichi Fukushima, apesar de Fukushima pesar uns noventa qui-

los, ser fi sicamente forte e habilidoso, sabia muito pouco sobre o lado teó-

rico do jujutsu ou kata. Eu aprendia kata diariamente com Fukuda. Fazia

os exercícios de treinamento físico e muitas vezes praticava randori com

Aoki. Apesar de algumas vezes, quando Aoki estava ausente e Fukuda

machucado, eu fi car sem parceiro. Nessas ocasiões, Fukuda fazia com que

eu treinasse só as quedas. Às vezes eu fi cava sem parceiro para treinar

durante vários dias. Todavia, eu continuava indo ao dojo todos os dias e

fazia muito exercício físico.

2. A Dor é um Bom Mestre

Naquele tempo, os métodos de ensino eram bem diferentes dos de hoje. Um

método de que particularmente me lembro foi o do dia em que Fukuda me

atirou para baixo seguidas vezes. Na primeira vez, eu me levantei de ime-

diato e pedi-lhe que me explicasse como fi zera o arremesso. Ele só me res-

pondeu: “Ataque novamente”. Ataquei, e ele me atirou de novo. Olhei para

ele e repeti a pergunta. Fukuda apenas disse: “Venha!”, e fui novamente

arremessado. Depois gritou: “Você acha que vai aprender jujutsu com sim-

ples explicações a toda hora? Ataque de novo”. Fui jogado no tatame mais

uma vez. Com esse método, Fukuda me ensinou a fazer o arremesso por

minha própria experiência, da sensação de ser desequilibrado e arremessado

por determinada técnica. Se bem me lembro, o arremesso que aprendi muito

rapidamente naquele dia foi o sumi gaeshi.

Quando comecei no jujutsu, dava-se pouca orientação aos aprendizes

acerca de como evitar sofrer com as dores resultantes dos combates das

sessões diárias de treinamento. Costumávamos praticar as técnicas de

maneira vigorosa, utilizando os músculos e posturas em situações que muito

raramente são vividas na vida cotidiana. Por causa disso, quase todo dia

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