nódulos vocais

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Nódulos vocais – diagnóstico e prevenção Vocal nodules - diagnosis and prevention RESUMO Os autores fazem uma revisão em relação ao diagnóstico dos nódulos vocais, assim como sua prevenção e tratamento. Enfatizam as condições anatômicas que favorecem o desenvolvimento dos mesmos, como a proporção glótica, onde as laringes femininas e da infância, por apresentarem uma relação entre a porção fonatória e a porção respiratória das pregas vocais com menores valores, são mais suscetíveis a apresentarem esse tipo de lesão. Além disso, como fator causal mais importante no desenvolvimento dos nódulos de pregas vocais, além da proporção glótica, é a característica de tensão, considerada primária, dos músculos intrínsecos da laringe. A prevenção se caracteriza por um controle do uso abusivo da voz. Quanto ao tratamento dos nódulos vocais, a fonoterapia tem um papel importante na correção da tensão primária, complementada com a abordagem microcirúrgica através da técnica de microdebridamento. Palavras Chave: Disfonia; Nódulos vocais; Laringe ABSTRACT The authors revise the diagnosis of the vocal nodules, as well as its prevention and treatment. They highlight the anatomic conditions that favor their development, such as glottis proportion, in which women`s and children`s larynxes are more likely to have such lesion due to a correlation between the phonatory length and the breathing length of the vocal folds. Moreover, the most important reason to the development of vocal nodules in the vocal folds, besides the glottis proportion the so-called primary tension of the intrinsic muscles of the larynx. Prevention takes place by avoiding an excessive use of the voice. Regarding the treatment of the vocal nodules, voice therapy has a crucial role in the correction of the primary tension, completed by microsurgical intervention under the technique of micro debris. Keywords: Dysphonia; Vocal nodules; Larynx Trabalho realizado: Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP - São Paulo, SP, Brasil

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Nódulos vocais

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Ndulos vocais diagnstico e preveno Vocal nodules - diagnosis and prevention RESUMO Os autores fazem uma reviso em relao ao diagnstico dos ndulos vocais, assim como sua preveno e tratamento. Enfatizam as condies anatmicas que favorecem o desenvolvimento dos mesmos, como a proporo gltica, onde as laringes femininas e da infncia, por apresentarem uma relao entre a poro fonatria e a poro respiratria das pregas vocais com menores valores, so mais suscetveis a apresentarem esse tipo de leso. Alm disso, como fator causal mais importante no desenvolvimento dos ndulos de pregas vocais, alm da proporo gltica, a caracterstica de tenso, considerada primria, dos msculos intrnsecos da laringe. A preveno se caracteriza por um controle do uso abusivo da voz. Quanto ao tratamento dos ndulos vocais, a fonoterapia tem um papel importante na correo da tenso primria, complementada com a abordagem microcirrgica atravs da tcnica de microdebridamento. Palavras Chave: Disfonia; Ndulos vocais; Laringe ABSTRACT The authors revise the diagnosis of the vocal nodules, as well as its prevention and treatment. They highlight the anatomic conditions that favor their development, such as glottis proportion, in which women`s and children`s larynxes are more likely to have such lesion due to a correlation between the phonatory length and the breathing length of the vocal folds. Moreover, the most important reason to the development of vocal nodules in the vocal folds, besides the glottis proportion the so-called primary tension of the intrinsic muscles of the larynx. Prevention takes place by avoiding an excessive use of the voice. Regarding the treatment of the vocal nodules, voice therapy has a crucial role in the correction of the primary tension, completed by microsurgical intervention under the technique of micro debris. Keywords: Dysphonia; Vocal nodules; LarynxTrabalho realizado: Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabea e Pescoo da Universidade Federal de So Paulo UNIFESP - So Paulo, SP, Brasil 22 Revista Cientfica. 2012; 1(1):21-5 Ndulos vocais diagnstico e preveno Os ndulos vocais so leses benignas caracterizadas pela presena de espessamento bilateral localizado no tero mdio do epitlio das pregas vocais, simtrico em localizao, no obrigatoriamente simtrico em tamanho1-5. Podem ser planos, edematosos ou fibrosos e salientes. Ndulos iniciais so avermelhados e mais edematosos, enquanto que ndulos antigos so menores, esbranquiados, rgidos e fibrticos6. Apresentam alta ocorrncia em crianas e em mulheres adultas jovens1-2,4,7-12. A associao entre o tamanho dos ndulos vocais com a idade dos pacientes foi realizada por Shah12. Nesse estudo, os autores observaram que os ndulos de tamanho moderado e grande foram mais frequentemente encontrados em pacientes em idade pr-escolar e escolar, de 03 a 10 anos, enquanto que os ndulos menores foram mais observados em adolescentes, provavelmente devido mudana do comportamento vocal e ao prprio crescimento da laringe. O diagnstico clnico dos ndulos vocais frequentemente baseado na histria, no exame da videolaringoestroboscopia, na anlise perceptivo-auditiva e na avaliao acstica e aerodinmica11. As figuras 1a e 1b mostram o exame laringolgico da paciente RR, sexo feminino, 19 anos, com ndulos vocais. ba Figura 1b: Imagem de laringe da paciente RR obtida pela tele laringoscopia durante a respirao. Observa-se a presena de ndulos vocais, caracterizados por espessamento bilateral no ponto mdio das pregas vocais, simtrico em localizao. Figura 1a: Imagem de laringe da paciente RR obtida pela tele laringoscopia durante a fonao. Observa-se a presena de fenda gltica dupla - fusiforme anterior e triangular mdio-posterior. O sintoma mais comum de pacientes com ndulos vocais a rouquido2,7,11. A qualidade vocal de pacientes com ndulos vocais caracteriza-se por voz rouca com variados graus de soprosidade, em razo da presena da fenda gltica4,6. Ndulos vocais mais antigos e rgidos podem levar a uma maior periodicidade de vibrao das pregas vocais, maior perturbao de frequncia e maior rouquido, e pode haver a presena de aspereza. Ndulos iniciais e edematosos geralmente vibram com o resto da mucosa, o que leva a uma qualidade vocal rouca e/ou soprosa4,6. O pitch geralmente grave e a frequncia fundamental encontra-se reduzida devido ao aumento do volume das pregas vocais pela presena dos ndulos, o que leva lentificao do processo vibratrio6. A queixa de fadiga vocal e de dor na laringe e no pescoo so frequentemente relatados nesses pacientes. Pode ocorrer piora com uso da voz, particularmente se existe uso intensivo, forte e tenso6,9. Num estudo realizado observou-se que a PG do grupo de mulheres com ndulos vocais foi semelhante ao valor encontrado no grupo de mulheres normais e estatisticamente menor que a do grupo de homens jovens sem queixa vocal13. Dessa forma, a proporo gltica baixa de padro feminino ou infantil, ao redor de 01, um importante fator de predisposio anatmica na formao dessas leses4,6,13. Alm disso, o estudo mostra que pacientes com ndulos vocais apresentam reduo significativa do ngulo de abertura das pregas 23 Revista Cientfica. 2012; 1(1):21-5 vocais quando comparadas a indivduos normais, provavelmente pelo aumento da tenso muscular existente nesses pacientes13. O comportamento vocal fonotraumtico, como demanda vocal excessiva, falar em forte intensidade, usar a voz com frequncia fundamental muito grave, velocidade de fala aumentada, ataques vocais bruscos e emisso com tenso aumentada da musculatura larngea, tem sido considerado a causa do desenvolvimento dessas leses1,2,5,6,9. O desenvolvimento da leso progressivo, com momentos de melhora e de piora de acordo com o uso da voz. Foi descrita a existncia de dois tipos de pacientes com ndulos vocais, sendo que a diferena entre ambos encontra-se na presena ou na ausncia de tenso muscular8. O tipo mais comum so pacientes com ndulos vocais associados com tenso muscular, numa proporo de 5:1. Os ndulos vocais so considerados uma manifestao comum de hiperfuno vocal, como resultado do desequilbrio e/ou do aumento da tenso da musculatura larngea8,11,13-17. A presena de fenda gltica posterior uma caracterstica laringolgica importante da disfonia por tenso muscular, provvel resultado da inabilidade do msculo cricoaritenideo posterior (CAP) relaxar completamente durante a fonao8,18. A tenso da musculatura larngea atua no somente durante a aduo, mas tambm durante a abduo das pregas vocais13. A tenso muscular associada com o abuso vocal pode levar s mudanas na configurao gltica, que em mulheres manifestada pela fenda triangular mdio-posterior. A presena dessa fenda associada concentrao de energia no tero mdio das pregas vocais leva ao trauma do tecido com consequente formao da leso. Assim, o padro de fechamento gltico precede a formao dos ndulos vocais. Estudo realizado com pacientes peditricos, mostrou que a hiperfuno da laringe, evidenciada pelos autores pela presena de constrio supragltica, apresentou uma correlao importante com o tamanho dos ndulos vocais e a presena da constrio ntero-posterior foi um achado frequente em crianas com ndulos vocais pr-terapia de voz12,19. Foi investigado nos quadros de leses benignas na mucosa das pregas vocais o padro de tenso muscular precede o desenvolvimento da leso ou se o padro de tenso aumenta na tentativa de compensar, por exemplo, uma incompetncia gltica20. Os resultados mostraram que a etiologia da DTM pode ser causal, concomitante ou psicognica. Dessa forma, a terapia de voz assume um papel importante no tratamento desses pacientes. Estudos mostram que existem importantes traos de personalidade ligados a pacientes com ndulos vocais. Pacientes com ndulos vocais so caracteristicamente ativos e muito comunicativos21. Foram comparados os traos de personalidade de um grupo controle normal com 04 grupos de indivduos disfnicos, sendo eles: disfonia funcional, ndulo vocal, disfonia espasmdica e paralisia unilateral de prega vocal. A comparao entre os grupos foi realizada por meio dos resultados obtidos da aplicao de um questionrio de personalidade multidimensional. Os resultados mostraram que os grupos com disfonia funcional e com ndulo vocal apresentaram caractersticas distintas de personalidade, o que no ocorreu com outros grupos. O grupo de disfonia funcional foi descrito como introvertido, reativo ao estresse, alienado e infeliz, enquanto que o grupo de ndulos foi descrito como socialmente dominante, reativo ao estresse, agressivo e impulsivo. Comparaes envolvendo a disfonia espasmdica, paralisia unilateral de prega vocal e o grupo controle no identificaram qualquer diferena de personalidade consistente22. Um estudo verificou que pacientes com leses benignas apresentam elevados escores de ansiedade23. Esses estudos mostram que os traos de personalidades podem ser um importante fator de predisposio no desenvolvimento de leses larngeas, assim como em sua manuteno. A primeira opo de tratamento dos ndulos vocais a reabilitao vocal4-6,8. As orientaes de higiene vocal e a terapia de voz propriamente dita tm como objetivo a reduo do fonotrauma entre as pregas vocais, por meio da mudana do comportamento Campons do Brasil OO, Perazzo P, Yamasaki R24 Revista Cientfica. 2012; 1(1):21-5 vocal6,21. A diminuio da intensidade e da aduo das pregas vocais, assim como falar em frequncia apropriada so metas importantes a serem alcanadas em terapia24. A cirurgia geralmente indicada quando no se observa melhora satisfatria da voz com a fonoterapia ou quando o paciente necessita de rpida mudana vocal4,5. A no estabilizao vocal aps a fonoterapia leva necessidade de uma abordagem cirrgica por Microcirurgia de Laringe, a ser realizada de maneira conservadora, sem manipulao da lmina prpria. Preferencialmente deve ser realizada pela tcnica de Microdebridamento, com regularizao epitelial. A manipulao mais voluntariosa da cobertura das pregas vocais pode desenvolver fibrose cicatricial que vai comprometer definitivamente a onda mucosa e por consequncia a qualidade vocal. Ndulos vocais diagnstico e preveno Figura 2a Figura 2b Figura 2c Figura 2dFigura 2: Imagens de microcirurgia de laringe em ndulo vocal pela tcnica de microdebridamento. (a, b) transoperatrio, (c, d) ps-operatrio. 25

Revista Cientfica. 2012; 1(1):21-5 Campons do Brasil OO, Perazzo P, Yamasaki RREFERNCIAS 1. Arnold GE. Vocal nodules and polyps: laryngeal tissue reaction to habitual hyperkinetic dysphonia. J Speech Hear Disord. 1962; 27:205-17. 2. Lancer JM, Syder D, Jones AS, Le Boutillier A. Vocal cord nodules: a review. Clin Otolaryngol Allied Sci. 1988; 13(1):43- 51. 3. Holmberg EB, Hillman RE, Hammarberg B, Sdersten M, Doyle P. Efficacy of a behaviorally based voice therapy protocol for vocal nodules. J Voice. 2001; 15(3):395-412. 4. Brasil OC, Pontes P, Behlau M. Alteraes da cobertura das pregas vocais (ACPV). In: Carvalho MB. Tratado de cirurgia de cabea e pescoo e otorrinolaringologia. So Paulo: Atheneu; 2001. p.853-66. 5. Johns MM. Update on the etiology, diagnosis, and treatment of vocal fold nodules, polyps, and cysts. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2003; 11(6):456-61. 6. Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001 p.86-176. 7. Nagata K, Kurita S, Yasumoto S, Maeda T, Kawasaki H, Hirano M. Vocal fold polyps and nodules: a 10-year review of 1,156 patients. Auris Nasus Larynx (Tokyo). 1983; 10:27-35. 8. Morrison MD, Rammage LA, Belisle GM, Pullan CB, Nichol H. Muscular tension dysphonia. J Otolaryngol. 1983; 12(5):302-6. 9. Verdolini K, Rosen CA, Branski RC, (editors). Classification manual for voice disorders I. Special Interest Division 3. Voice and Voice Disorders. Rockville: ASHA; 2006. 10. Shah RK, Engel SH, Choi SS. Relationship between voice quality and vocal nodule size. Otolaryngol Head Neck Surg. 2008; 139(5):723-6. 11. De Bodt MS, Ketelslagers K, Peeters T, Wuyts FL, Mertens F, Pattyn J, et al. Evolution of vocal fold nodules from childhood to adolescence. J Voice. 2007;21(2):151-6. 12. Shah RK, Woodnorth GH, Glynn A, Nuss RC. Pediatric vocal nodules: correlation with perceptual voice analysis. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2005; 69(7):903-9. 13. Pontes P, Kyrillos L, Behlau M, De Biase N, Pontes A. Vocal nodules and laryngeal morphology. J Voice. 2002; 16(3):408- 14. 14. Hillman RE, Holmberg EB, Perkell JS, Walsh M, Vaughan C. Objective assessment of vocal hyperfunction: an experimental framework and initial results. J Speech Hear Res. 1989; 32(2):373-92. 15. Boone DR, McFarlane SC. A voz e a terapia vocal. Porto Alegre: Artes Mdicas; 1994. p.24-60. 16. Holmberg EB, Hillman RE, Hammarberg B, Sdersten M, Doyle P. Efficacy of a behaviorally based voice therapy protocol for vocal nodules. J Voice 2001; 15(3):395-412. 17. Altman KW, Atkinson C, Lazarus C. Current and emerging concepts in muscle tension dysphonia: a 30-month review. J Voice. 2005; 19(2):261-7. 18. Belisle GM, Morrison MD. Anatomic correlation for muscle tension dysphonia. J Otolaryngol. 1983; 12(5):319-21. 19. Lee EK, Son YI. Muscle tension dysphonia in children: Voice characteristics and outcome of voice therapy. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2005; 69(7):911-17. 20. Hsiung MW, Hsiao YC. The characteristic features of muscle tension dysphonia before and after surgery in benign lesions of the vocal fold. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec. 2004; 66(5):246-54. 21. Aronson AE. Clinical voice disordes: an interdisciplinary approach. New York: Thieme; 1990. 22. Roy N, Bless DM, Heisey D. Personality and voice disorders: a multitrait-multidisorder analysis. J Voice. 2000; 14(4):521- 48. 23. Dietrich M, Verdolini Abbott K, Gartner-Schmidt J, Rosen CA. The frequency of perceived stress, anxiety, and depression in patients with common pathologies affecting voice. J Voice. 2008; 22(4):472-88. 24. Jiang JJ, Titze IR. Measurement of vocal fold intraglottal pressure and impact stress. J Voice. 1994; 8(2):132-44.

26 Revista Cientfica. 2012; 1(1):26-9