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O PAPEL DO EEG NO DIAGNÓSTICO EM NEUROLOGIA
José Augusto Bragatti Unidade de EEG HCPA [email protected]
INTRODUÇÃO: O EEG
� Exame funcional � Registra a atividade elétrica do cérebro � Eletrodos posicionados no escalpo � Acessível (beira do leito, barato)
TIPOS DE EEG
� EEG de rotina (20-30 minutos)
� EEG prolongado (1-2 horas)
� Monitorização video-EEG
� Monitorização contínua EEG (UTI)
ASPECTOS TÉCNICOS � Colocação dos eletrodos:
Sistema 10-20 � Ambiente calmo, pouca
iluminação, temperaturas moderadas (relaxamento do paciente)
� Paciente deitado, olhos fechados
� Duração mínima: 20 minutos, incluindo 3 minutos de HV + FE
INTERPRETAÇÃO DO EEG
� Laudo (descrição detalhada dos ritmos, grafoelentos específicos, evolução têmporo-espacial, abundância, organização, e reatividade)
� Conclusão (síntese analítica dos dados)
� Interpretação (integração com os dados clínicos)
UTILIDADE DO EEG
� ESSENCIAL: 1. Identificar crises ou SENC 2. Distinguir doença orgânica de psiquiátrica/funcional � ÚTIL: 1. Diagnóstico e acompanhamento de pacientes com epilepsia 2. Identificar causas reversíveis de dano cognitivo 3. Predizer prognóstico em alguns tipos de coma
O EEG NÃO É ÚTIL
1. Investigação de cefaleia 2. Exclusão de epilepsia 3. Detecção precoce de demência 4. Distinção entre processos agudos e crônicos 5. Especificar diagnóstico etiológico
* Quando não houver suspeitas clínicas de crises
I. EPILEPSIA
� Sensibilidade do EEG � 12-55%: alterações epileptiformes após
episódio suspeito de ser epiléptico
� Depende:
1. Lapso de tempo para o registro:
- 51% nas primeiras 24h
- 34% após 24h
2. Idade do paciente:
- 39% em adultos e adolescentes
- 59% em crianças
3. Repetição: até 92% após o 4° registro
King et al. Lancet 1998 Salinsky et al. Epilepsia 1987
EPILEPSIA (CONT.)
� Especificidade do EEG � Indivíduos normais com anormalidades epileptiformes: 0,5% - 2,4% � ↑ falsos positivos em populações com doenças neurológicas (sem
epilepsia): - 6% deficientes mentais - 8% tumores cerebrais - 11% após cirurgia cerebral - 17% dano cerebral congênito ou perinatal
Gregory et al. EEG Clin Neurophysiol 1993 Trojaborg et al. Clin EEG1992 Zivin L, Marsan CA. Brain 1968
IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO EM EPILEPSIA
� Manejo terapêutico: - Escolha do fármaco - Algumas DAEs podem agravar a doença
� Valor prognóstico:
- Resposta ao tratamento - Recorrência de crises - Deterioração cognitiva e comportamental
EPILEPSIA AUSÊNCIA INFANTIL
EPILEPSIA BENIGNA DA INFÂNCIA COM PONTAS CENTROTEMPORAIS
EPILEPSIA GENERALIZADA SINTOMÁTICA – SÍNDROME DE LENNOX-GASTAUT
EPILEPSIA FOCAL SINTOMÁTICA – EPILEPSIA DO LOBO TEMPORAL
MONITORIZAÇÃO DA PROGRESSÃO DA DOENÇA � Consenso:
- Não há correlação entre o n° de descargas e frequência de crises
- Não se deve “tratar o EEG”
� No entanto, o EEG pode ser útil:
- Epilepsia Ausência Infantil (boa correlação entre desaparecimento das descargas e controle das crises)
- Encefalopatia Epiléptica com Atividade de Ponta-Onda Contínua Durante o Sono de Ondas Lentas (deterioração cognitiva sem crises ou com poucas crises)
- Síndrome de West (desparecimento do padrão hipsarrítmico)
- Em caso de piora ou modificação do quadro:
- Complicações do processo epileptogênico
- Correção do diagnóstico
RISCO DE RECORRÊNCIA DE CRISES
� Após uma 1ª crise (tratar ou não): - EEG anormal: ↑probabilidade de recorrência de crises
� Antes de interromper o tratamento:
- Presença de descargas (sobretudo generalizadas) pode ser fator impeditivo
- Anormalidades podem surgir durante o processo de retirada
Kim LG et al. Lancet Neurol 2006 Lossius MI et al. Epilepsia 2008
RISCO DE RECORRÊNCIA DE CRISES
� EEG não é útil: 1. Lesão cerebral sem suspeita clínica de crises
2. Antes do uso de fármacos: - Metilfenidato - Antidepressivos - ECT
� Salvo se houver suspeita crises
EEG EM OUTRAS CONDIÇÕES NEUROLÓGICAS QUE NÃO EPILEPSIA
� Suspeita clínica: crises epilépticas ou SENC podem ser fator contributivo para o quadro
� Demonstrar distúrbio funcional, com imagem normal � Detectar anormalidades focais ou lateralizadas (sugerem
base estrutural para a encefalopatia) � Identificar padrões EEG específicos
II. EEG NA UTI
� Detecção de crises subclínicas ou crises não-convulsivas � SENC: até 10% dos comas não explicados � Caracterização de eventos clínicos suspeitos:
- Mímica facial - Mastigação - Movimentos oculares nistagmoides - Alterações abruptas da FC, TA e padrão respiratório
- Diminuição súbita da consciência � Diagnóstico diferencial: coma x responsividade diminuída por outras
causas (psiquiátricas, sedação, neuromuscular, locked-in)
1. SE COM ESTADO CONFUSIONAL � 1º cenário: confusão como
manifestação de crise prolongada � SENC em 15-20% dos casos � EEG:
- Status parcial complexo (Descargas focais temporais ou frontais)
- SE ausência (P-OL 3Hz generalizada)
Praline J. Clin Neurophysiol 2007 Veran O. Epilepsia 2012
1. SE COM ESTADO CONFUSIONAL
� 2º cenário: confusão pós-ictal prolongada - > 8 horas após a crise - Monitorização EEG: diagnóstico de SENC - Especialmente: idosos e pacientes demenciados
Fagan KJ, Lee SI. Neurology 1990 Naeije G et al. Epilepsy Behav 2010
2. ENCEFALITES INFECCIOSAS
� EEG: - Confirma disfunção cerebral - Detecção de crises parciais - Anormalidades específicas: 1. PLEDs: Herpes simples 2. GPEDs: DCJ
3. ENCEFALITES AUTO-IMUNES
� Sensibilidade do EEG: 80-100% � Alterações precoces:
1. Alentecimento focal/generalizado
2. Descargas focais 3. PLEDs 4. Crises
ENCEFALITE ANTI-NMDA
� EEG contribui em 90% dos casos
� Dois tipos de anormalidades: 1. Delta rítmica bifrontal ou
bitemporal 2. “Fusos Extremos” Fusos Extremos
Schmitt et al. Neurology 2012
4. ENCEFALOPATIAS METABÓLICAS E TÓXICAS
� Anormalidades bilaterais � Anormalidades focais:
possibilidade de lesão localizada
� Exceções: hipo/hiperglicemia e encefalopatia hepática
� Nenhuma anormalidade é específica quanto à etiologia
� Ondas theta/delta � Ondas trifásicas � Ondas lentas de
contornos apiculados � Crises
DELTA DIFUSO
DELTA FOCAL
ONDAS TRIFÁSICAS
ATIVIDADE DE CRISE
EEG NAS ENCEFALOPATIAS METABÓLICAS
� EEG contribui: - Diagnóstico topográfico - Determinação da gravidade - Diagnóstico diferencial com SENC - Prognóstico
� Video: quando houver movimentos anormais
ENCEFALOPATIAS INDUZIDAS POR DROGAS: Benzodiazepínicos
ANTIDEPRESSIVOS
Resposta fotoparoxística
BARBITÚRICOS
Padrão Surto-Supressão
LÍTIO
INTOXICAÇÃO POR VALPROATO
III. DEMÊNCIA E TRANSTORNOS COGNITIVOS
� EEG - ↓ frequência da atividade de base - Presença de ondas lentas ou atividade paroxística (difusa ou focal)
� Especificidade alta: 89% � Sensibilidade baixa: 44,6%
Claus JJ et al. Clin Neurophysiol 1999
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE AS DEMÊNCIAS
� Alguns estudos sugerem maior alentecimento nas demências por Corpos de Lewy e Parkinson do que na doença de Alzheimer.
� Outros estudos não encontraram diferenças entre os dois grupos
� Utilidade do EEG no diagnóstico das demências ainda precisa ser validada
� EEG é normal nos estágios iniciais
Bonanni L et al. Brain 2008 Chan D et al. Neurology 2004 Huang LC, et al. Clin EEG Neurosci 2013
ENVELHECIMENTO NORM AL
� Após os 85 anos, leve alentecimento do ritmo alfa (7-8 Hz) � Atividade theta rítmica temporal intermitente ocorre em
1/3 dos indivíduos normais após os 65 anos
RECOMENDAÇÕES PARA EEG NAS DEMÊNCIAS � Demência rapidamente
progressiva
� Suspeita de Doença de Creutzfeldt-Jakob
� Diagnóstico diferencial:
1. Epilepsia (amnésia epiléptica transitória)
2. Encefalopatias tóxicas ou metabólicas
3. Encefalites auto-imunes
Sorbi S et al. Eur J Neurol 2012
TRANSTORNOS PAROXÍSTICOS DE MEMÓRIA: AMNÉSIA GLOBAL TRANSITÓRIA
� Diagnóstico clínico � EEG contribui na suspeita de amnésia epiléptica transitória:
- Episódios repetitivos, curta duração - Sinais clínicos associados: automatismos, alucinações olfatórias ou
gustatórias e/ou alteração da consciência � Paroxismos em 43,6% � 83% se for realizado EEG em sono
Butler CR, Zeman AZ, 2008 Mosbah A et al., 2014
IV. SÍNCOPE � Diagnóstic clínico:
- Perda transitória da consciência, súbita e breve - Perda do tônus muscular - Retorno espontâneo à consciência
� Diagnóstico diferencial com epilepsia:
- Movimentos tônicos dos membros - Desvio ocular - Vocalização - Alucinações - Relaxamento de esfincteres
EEG E SÍNCOPE
� Valor diagnóstico do EEG é baixo � Normal em 67% dos casos � < 2% têm anormalidades paroxísticas (= à população geral) � Não há motivos para realizar EEG sistematicamente na
avaliação de síncope � Exceto:
- Apresentação atípica - Suspeita de episódio psicogênico - Suspeita de crises atônicas
Abubakr A, Wambacq I. Epilepsy Behav 2005
V. TCE
� Considerar EEG: - Alteração da consciência não explicada pelo grau de injúria cerebral (Glasgow 13-15)
- Crises pós-traumáticas precoces (1ª semana) � EEG:
- Crises - SENC - Anormalidades focais
MOMENTO PARA REALIZAÇÃO DO EEG APÓS UM TCE
� Após 24 h do trauma: para evitar mascaramento de
anormalidades EEG específicas (Px) por ondas lentas
� Imediatamente, se estado confusional persistir por mais de 30 min após o trauma
Trinh-Duc A, et al, 2006
RISCO PARA EPILEPSIA PÓS-TCE
� Correlação com a gravidade do trauma - Leve: 5% - Grave: 20%
� EEG pós-TCE é frequentemente anormal: refletindo simplesmente a gravidade da injúria cerebral
� Utilidade do EEG não é clara nesse quesito � EEG na avaliação de TCE não é recomendado
sistematicamente
Jennett B. Lancet 1969 Jennett B, Van De Sande J. Epilepsia 1975
VI. CEFALEIA
� Após o advento da TC, o uso do EEG ficou obsoleto para diagnosticar lesões cerebrais
� Apenas duas situações: 1. Enxaqueca basilar: Anormalidades difusas, maior projeção em áreas posteriores
2. Cefaleia ictal pura: descargas ictais
Passier PE et al. Headache 1994 Parisi P et al. Seizure 2013
VII. EEG NOS AITs
� Normal em 50% dos casos � Pode auxiliar no prognóstico funcional pós-AVC � EEG na fase aguda de um AVC pode revelar anormalidades
epileptiformes (SE focal – afasia/plegia de longa duração)
de Toffol B et al. Neurophysiol Clin 1997 Cillessen JP et al. Stroke 1994 Bussiere M et al. Neurocrit Care 2005
VIII. TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS � Variantes epileptiformes benignas frequentes (sem
valor diagnóstico ou prognóstico)
� Em geral, EEG contribui pouco
� Alucinações, sem outros sintomas associados, raramente indicam epilepsia
� Em condições neurológicas que iniciam com manifestações psiquiátricas, o EEG é inicialmente normal
� Idosos (EEG pode contribuir) :
- Quadro neurodegenerativo inicial
- Lesão expansiva
- SE ausência tardio
Smith SJM. JNNP 2005
Wicket Spikes
SE Ausência
IX. O EEG EM CRIANÇAS � Várias idades: RN, adolescentes � Vários locais: Unidade de EEG, UTIP � Até 5 anos de idade: EEG em sono (evitar artefatos,
anormalidades podem estar presentes somente no sono) � Grafoelementos e organização variam com a idade � Variantes normais e aspectos inusuais são comuns
INDICAÇÕES
1. Crises epilépticas 2. ALTE (eventos com risco de vida em lactentes) 3. Espectro autista ou RM 4. Coma/encefalopatia 5. Confusão aguda, distúrbios agudos de
comportamento e alterações da vigilância
EEG NAS EPILEPSIAS DA INFÂNCIA
� Diagnóstico positivo de epilepsia: descargas interictais ou registro de crises no video-EEG
� Sempre interpretado à luz de dados clínicos completos: - idade - história - tipo (s) de crise - exame clínico - habilidades de aprendizado e DNPM - exame de imagem - tratamentos médicos
EEG NAS EPILEPSIAS
� Pode contribuir para o diagnóstico da síndrome epiléptica: - Epilepsia benigna com pontas rolândicas - Epilepsia occipital benigna da infância - Epilepsia Ausência Infantil (reprodução da crise na HV)
CRISE DE AUSÊNCIA (VIDEO)
EEG NAS EPILEPSIAS
� EEG em sono é essencial para o diagnóstico da Encefalopatia Epiléptica com Ponta-Onda Contínua Durante o Sono (CSWS)
1. Crianças com regressão psicomotora 2. Raras (às vezes ausentes) crises noturnas
SE ELÉTRICO DO SONO
VIGÍLIA SONO
CONCLUSÕES
� Após 90 anos, o EEG continua contribuindo para o diagnóstico em Neurologia
� Avalia a fisiologia elétrica neuronal cerebral
� Essencial nas epilepsias e distúrbios da consciência
� Fundamental no diagnóstico de SENC � Contribuição é maior quanto mais
dados clínicos puderem ser agregados HANS BERGER
OBRIGADO!