o urbano: notasnorico-metodolooicas-

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o URBANO: NOTASnORICo-METODOLOOICAS- RobertoLobato Corr&" Resumo o autor considera 0 esp&90 urbano como sendo simultaneamente fragmentado, articulado, reflexo social, condi9lo social, campo simb6lico e campo de lutas. Palavras-Chave: Fragmentado, articulado, reflexv social, coodi9lo social. campo simb6lico e campode lutas. Abstract Urban Space: Theoretkalllld Medlodologteal Notes Urban space is considered simultaneously as ftagmented, articulated, social product, socialcondition, symbolic field, struggle field. Key-Words: Fragmented, articulated, social product, social condition, symbolic field, struggle field. o urbane, visto enquanto objetiv49io geogr4fica do estudo da cidade, apresenta, simultaneamente, v8rias c:aracteristicas que int.cressam ao geografo. E fragmentado e articulado, reflexo e condi9lo social, e campo simb6lico e de lutas. 0 urbano pode ser assim submetidoa difercntes anaIises pelos ge6grafos, cada uma delas privilegiando uma das caracterfstic:as ·ComuniC49io apresentada a Mesa Redonda "Geografia Urbana: Perspectivas Te6rico-MetodoI6gicas", no 20. Simp6sio de Gcografia Urbana da Associ8.9io dos Ge6grafos Brasileiros, Rio Claro, SP, 21 a 25 de outubro de 1991. ··Professor do Departamento de Geografia da UFRJ. GEOSUL No. 15· Ano VIII· 10. semestIe de 1993 13

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o ESPA~O URBANO: NOTAS nORICo-METODOLOOICAS-

RobertoLobato Corr&"

Resumo

o autor considera 0 esp&90 urbano como sendo simultaneamentefragmentado, articulado, reflexo social, condi9lo social, campo simb6lico ecampode lutas.

Palavras-Chave: Fragmentado, articulado, reflexv social, coodi9losocial. campo simb6lico e campode lutas.

AbstractUrban Space: Theoretkalllld Medlodologteal Notes

Urban space is considered simultaneously as ftagmented, articulated,social product, socialcondition, symbolic field, struggle field.

Key-Words: Fragmented, articulated, social product, social condition,symbolic field, struggle field.

o es~o urbane, visto enquanto objetiv49io geogr4fica do estudo dacidade, apresenta, simultaneamente, v8rias c:aracteristicas que int.cressam aogeografo. E fragmentado e articulado, reflexo e condi9lo social, e camposimb6lico e de lutas. 0 es~ urbano pode ser assim submetidoa difercntesanaIises pelosge6grafos, cada uma delas privilegiando uma das caracterfstic:as

·ComuniC49io apresentada a Mesa Redonda "Geografia Urbana:Perspectivas Te6rico-MetodoI6gicas", no 20. Simp6sio de Gcografia Urbanada Associ8.9io dos Ge6grafos Brasileiros, RioClaro,SP, 21 a 25 de outubrode 1991.

··Professor do Departamento de Geografia da UFRJ.

GEOSUL No. 15· Ano VIII· 10. semestIe de 1993

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acima apootadas scm, contudo, excluir as demais. Evidencia-se a riqueza deabordagens comque 0 esJle90 urbano podoser considerado.

o esp890 urbano aparece, -no primeiro momento de sua apreensAo,como um~ fragDlelltado, caracterizado peIa justaposi~ de diferentespeisgeDS e usos da terra. Na grande cidade capitalista estas paisagens e usosoriginam um rico mosaico urbane constituido pelo nUcleo central, a ZOIl6

perif6rica do centro,areas industriais, sub-centres terciarios, areas residenciaisdistintas em termos de forma e conteUdo, como as favelas e os condominiosexclusivos, areas de lazer e, entre outras, aquelas submetidas aespecula9lovisando a futura expansAo. 0 uranjo espacial da fragmen1:a91o pode variacmas ela e inevitAvel.

Essa framen~ 6 decorrente da 8910 dos diversos agentesmodeladores que produzem e consomem es~ urbano: proprietArios dosmeiosde produ~, sobretudoos grandes industriais, propriet8rios fundi8rios,promotores imobili8rios, Estado e grupos sociais excluidos. A 8910 desses&gentes, que obedece a uma 16gica que e simultaneamente propria e geral,produzos diferentes fragmentos que compOem 0 mosaico urbano,

A fragmenta9lo, entretanto, RIo so realiza de uma vez para sempre,apesar da forte inerciadas formasespaciais fixadaspelohomem. AD contr8rio,cstA sendo sempre refeita. Por derivarda dinimica de acumul89lo de capital,das necessidsdes mutAveis de reprod\191o das rel890es sociaisde produ91o edos contlitos de classe, a 8910 dos agentes mode1adores gera mudan\las deconteUdo elou das formas das diversas Areas, de modo quo novos padroes defragmenfa9lo does~ urbanoemergem, desfazendo total ou parcialmente osantigos, e criandonovospadrOes no que diz respeitoaformae ao conteudo.

Os estudos sobre a fragmen1a91o do e~o urbano constituem umatradi9lo na geografia urbana Podem ser definidos como estudos sobre 0 usoda terra. Tam. sido realizados preponderantemente de acordo com asabordagens positivista e positivista 16gica. Contudo, a fragmen1:a91o do eSJl890urbano e susceptivel de ser abordada segundo outras matt'izes te6rico­metodol6gicas. Nesse sentido RIo aceitamos a tese da adersncia inevitAvelentre um dado objeto do Mundo real e um dado metodo de analise einterpre1a9lo, apesar da pratica que muitas vezes evidencia 0 contr8.rlo. Cadaobjeto pode ser considerado segundo diferentes abordagens te6rico­metodol6gicas.

Mas 0 esP890 urbane nlo e apenas fragmentado. E simultaneamentear1iculado. Fragmen1a91o e articulacso sAo caracterlsticas complementares.

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Com articul89io se quer dizer que cada uma das partes da cidade mant6mre~s com as demais. Binda que sejam de natureza e intensidadevariaveis.Atrav6s da artic~ 0 esp890 urbano ganba unidade, originando urnroojunto articulado cujo foco de articula9lo tern sido 0 nUcloo central dacidadcque. entre ou1ras fun~ realiza as de gostlo das atividades.

A articu189io manifesta-se empiricamento atravOs de fluxos de velculose de pessoas. Estio associados as oper89oes de carp e dcscarga demercadorias diversas, 80S deslocamcntos cotidianos entre 8.roas residcnciais eos divorsos locais de trabalho, 80S deslocamentos para compra no centro dacidade on nas lojas de bsirro, as visitas 80S pel'entos e amisos, e as idas socinema, cultoreligioso, praiaeparqee, entre outros.

A articula9io manifestac tamb6m de modo monos visfvel. Noc:apitalismo manifcsta-se atravesde~ especiaisenvolvendo a circula940de decis6es e investimcntos de capital, mais-valia, saJ&ios, juros, rcndas,envo1vendo ainda a prttica do poder eda ideologia em sua dimoDsAo especial.

Econvenientc: maar que essasre~ especiaissAo de natureza social,tendocomomatriz a propria socicdade de classese seus proceslIOS. Silo assimcapezes de revelar umafaceta da socicdade capitalistaque se caracteriza,entreoutros aspoctos, por uma enorme mobilidadc espaeial. POI' outro lado, ao sedesvendar a nat1mlza articulada do espll90 urbsno, concretiza-se 0 segundomomento de sua apreenslo.

Os estudos sobre~ no Ambito do esp890 urbano dizemrespeito a temas como 0 deslocamento de consumidores, a jornada para 0

trabalho e as in~ inter-industriais, entre outros. Tam sido rea1iZ8doscom urn cunha cmincnternente funcionaJista e, como no caso dos estudossobre fragmen~ do esp890 urbeno, tam aprcsentado fortes vinc~com0 sistemade planejamento urbaao. Contudo, a tem8ticaem tolaepassivelde ser abordadaatravesde outras matrizes te6rico-metodol6gicas.

Ao se constatarque 0 esp&9O urbano 6 simultaneemente fragmcntado carticulado, e que esta fragment89lo articulada 6 a expressIo especial deprocessos sociais, introduz-se 0 tercoiro momento de apreenslo do csp890urbano: 0 de ser urn re8eso da sociedade. Assim, 0 CSp890 da cidadecapitalista e fortcmente dividido em 8roas rcsidenciais que tendem assegreg&91o, refletindo a complexa estrutura social em classes, propria docapitalismo. A jomada para 0 trabalho, por outro lado, aparcco comoconseqo&lcia da fragmenta9lo capitalista~ scparou lugar de trabalho deIngarde resid8ncia.

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Econveniente lembrar, contudo,que 0 esp890 urbano 6 om ret1exo tantode ~s que se rca1izam no proscnte, como tamb'm daquolas que soreaIizaram no passado e que deixaram soas man:as impressas nas formasespeciaispresentes. Nease sen1ido 0 esP890 urbano pode ser 0 retlexode umaseqfl6ncia de formas especiais que coexistom Iado a lado, cada uma sondoorigin8ria de om dado momento.

Econveniente tamb6mressaltar dais outros aspectos. Em primeirolupro Csp890 urbano capitalista 6 profundamente desigua1: a desigualdadeconstitui-se em caracterfstica propria do csp890 urbano capitalista, retletindo,de om lado, a desigualdade social expressa no &ceS90 desigual 80S recursosbasicos da vida e, de outro, as~ locacionais das diversas atividadesque se rca1izam na cidade. Em segundo lugar, ressalto-se.que por ser ret1exosocial e porque a socicdade apresenta dinamisrno, 0 cs~o urbano 6 tambCmmutavol,· dispondo de uma mutabilidade. que e complexa, com ritmos enaturezadiferenciados. Mas 6 preciso considerarque a cadatran~ 0

Csp890 urbano se mant6m desigual, sinda que as formas espaciaise 0 arranjodeJas tenha sidoalteiado. Mant6m-se, sinda, fragmentado e articulsdo.

o Csp890 urbano e tambem um eondidoJwlte social. Eite e 0 quartomomento de sua apreensio. 0 condicionamento se dAatraves do pepel que asobras fixadas pelo homem, as formas espaciais, desempenham na Rprod1J9lodas condi~ de prod1J9lo e das re~s do J>I'Odu9io. Assim, a existancia deestabelecimentos industriaisjuntos om dot outros, e realizando entre si vendasde mat6rias-primas industrialmente fabricadas, constitui-se, peIas vantagensde estarem juntos, em fator que viabiliza a continuidade da produ9lo, istoe, areprodu91o das condi96es de prod\J9lo. 0 mesmo papel condicionante dereprodu9io das atividades terci8rias se pode dizer do nUoleo centralda cidadee dos sub-centresterciarios.

As areas residenciais segregadas, por sua vez, representam papelponderavel no processode reprodu9io das re~ de produ91o, no bojo doqual se reproduzem as diversas classes sociais e suas fta96es. Assim, de ombairro habitado pela elite dirigente espera-se que esteja sendo forjada aproxima ger&\llo de dirigentes. 0 mesmose csperados bairros populares dasperiferias metropolitanas. Os bairros, lugares de residSncia, do os locais dereprodu9io dos diversos grupos sociais.

Os lugaresde trabalho e lugares de residancia, a macro fragmenfa910 ereflexos sociais, assim identificados, passam a ter om papel comum, 0 deseremfocode reprodu91o das condi96es de prodU91o e das rel896es sociaisdeprodU9io. Estio, assim, novamente articulados.

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Aceitar 0 fato do esp890 urbano set simultaneamente rcflexo econdicionante socialja implicana ad09iOdeuma postura criti<:a, uma posturafundamentada no materialismo histOrico e dial6tico. Aceitar e incorporar essepapel do CSJMl90 urbano nos nossos estudos 6 um passo fundamental para asua compreenslo. E adotar a hip6tese basica de Henri Lef6bvre sobre anaturezado~ urbano.

Fragmentado, articulado, retlexo e condicionante social, 0~urbano 6 tamb6m 0 lugar onde os diferentes grupos sociais vivem e sereproduzem. Isso envolve, de um lado, 0 cotidiano e 0 futuro. De outro,envolve creD9as, valores, mitos, utopias e conflitos criados no bojo dasociedade de classes e, em parte projetados nas formas espaciais:monumentos, lagares sagrados, uma rna especial, uma favela, lugares de lazer,etc. Fonnas cspaciais em refa9io as quais 0 homem desenvolve sentimentos,cria Ill\l0S de afei9io ou delas desgota, atribui-lhes a propriedade deproporciooar felicidade ou status, ou associa-as a dor ou pobreza. Afragmenfa9io e a articulll\llo do CSPll\lO urbano, seu carater de reflexo econdi9lo social sIo vivenciados e valorados das mais diferentes maneiraspelas pessoas. 0 esPll\lO urbano torna-se, assim, um e....po mnbOlico que temdimensOes e significados variaveis segundo as diferentes classes e gruposet8rio, 6tnico,etc. Este 6 0 quinto momentode sua apreensio.

Iniciadoscom os estudos de~Io espacial, a natureza simb6licadoesPll\lO urbano ganha fOf9a, renova-se com a geografiahumanistica que colocaem evidencia 0 significado dos lugares para diferentes individuos, como, porexemplo, nos mostra JoAo Baptista Ferreira de Mello em sua tese sobre 0CSPll\lO carioca decantado pelos compositores da musica popular brasileira.Esta 6 uma via extremamente f6rtil para pesquisas em geogratia urbana, naqual se introduz uma dimensio complementaras das outras abordagens.

Mas 0 cotidiano e 0 futuro acham-se enquadrados num contexto defragmen1:a980 do esPll\lo urbano. Fragmen1:a91o na qual verificam-se sensiveisdiferen9as no que <liz respeito as condicoes de existancia e reprodu91o dosocial.

Fortemente associada aos niveis de renda monetilria, a fragmen1:a9i1o doespaco urbano e sua conscienciaplena desembocam em conflitossociais comoas greves operaries e particularmente os denominados movimentos sociaisurbanos. 0 espeeo dacidade 6 assim, e tamb6m,0 cen8rio e 0 objeto das lutassociais, pois estas visam, afinal de contas, 0 direitoacidade, acidadania plenae igual para todos. 0 espeeo urbano converte-se, assim, em c....po de lutas.Este 6 0 sexto momentode sua apreensio.

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Os estudos focalizando 0 esp890 urbano como campo de Iotas sIorelativamente recentes na geografia. Como que por defini9lO adotam umaperspectiva eminentemente critic&, fundada no materialismo hist6rico edialetico. Os movimentos sociais urbenos tim se constituido na viapreferencial de estudos 80m 0 esp890 urbano enquanto campo de Iutas.Acreditamos, entretanto, que outras ma.nif'esta9Oes das Iotas sociais podem IICI'

geogra1icamente estudadas, ampliando 0 temario dos estudos 80m 0 esp890

urbanovistocomocampode lutas.o es~ enquanto objetiv891o geogr8fica do estudo da cidado

apresenta v8rias facetas que permitem que seja estudado de modomultivariado. Esta multivariabilidade coostitui-se em uma riqucza que foigestada, de um lado, pela propria realidado e. de outro, pela prAtica dosge6grafos.

As vanas vias de estudo do esp890 urbano representam momootos deapreenslo de sua natureza. A ordem com que estes momentos se veri&ampode, no entanto, variar. Mas quero crer que, de acordo com a histOria dopensamento geografico, a seqQencia indicada pareceter sido a maiscorrente.

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