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Page 1: Os slogans construtivistas e os sentidos da sistematização   compreensões e distorções via processos de formação docente

ISSN 2176-1396

OS SLOGANS CONSTRUTIVISTAS E OS SENTIDOS DA

SISTEMATIZAÇÃO: COMPREENSÕES E DISTORÇÕES VIA

PROCESSOS DE FORMAÇÃO DOCENTE

Edeil Reis do Espírito Santo1 - SEMEC

Grupo de Trabalho - Formação de Professores e Profissionalização Docente

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente artigo tem como foco de discussão o Construtivismo Pedagógico visto como fruto

de releituras, apropriações feitas pelos docentes da Educação Infantil e da Alfabetização

motivadas por cursos de capacitações aligeirados e por propostas pedagógicas criadas como

política de Estado. O objetivo central deste trabalho é identificar em algumas pesquisas

marcas discursivo-práticas que evidenciem um desvirtuamento dos reais propósitos dos

ideários construtivistas de Piaget e de Ferreiro e ainda, analisar de que modo as crenças ditas

construtivistas reverberam ou incidem sobre a sistematização de conhecimentos nos espaços e

períodos iniciais de escolarização; para tecer o corpus de análise, realizamos uma revisão de

literatura com base nas pesquisas de Chakur, Silva e Massabni (2004); Bezerra (2004),

Massabni (2007) e Revah (2008). Como lentes de compreensão teórica, buscamos apoio em

Piaget (2003), Ferreiro e Teberosky (1985) e Ferreiro (1995), dentre outros. Para a tecitura

desse diálogo, acionamos ainda as expertises e análises dos saberes/fazeres docentes

construídas ao longo da nossa carreira nos contextos da Educação Infantil e da Alfabetização,

ora em atividade de docência, ora em atividade de Orientação Pedagógica (coordenação de

professores). Os estudos postos em análise revelam que o aligeiramento promovido pelas

capacitações de docentes gerou uma série de chavões e concepções que desvirtuam os reais

princípios construtivistas levando o professor a desconhecer o valor da ação interventivo-

mediadora, passando a desenvolver ações didático-pedagógicas sem clara intencionalidade, o

que rompe o caráter formativo e sistemático da educação formal escolarizada. As pesquisas

evidenciam a necessidade de que se crie uma didática construtivista, a fim de que as ideias da

teoria científica sejam ressignificadas frente às necessidades próprias da prática pedagógica.

Palavras-chave:Construtivismo. Slogans Construtivistas. Sistematização. Prática

Pedagógica.

1Mestre em Educação, Sociedade e Culturas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) – Bahia.

Professor da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Senhor do Bonfim – Bahia (SEMEC). Técnico em

Assuntos Educacionais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano - Campus

Senhor do Bonfim). Associado à Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf).

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Introdução

Até os anos 80, no Brasil, convivemos com a supremacia de 3 métodos de

alfabetização – sintético, analítico e analítico-sintético, também conhecido como método

misto ou eclético. Enquanto os métodos sintéticos se orientam por uma marcha que se dá das

partes para o todo, isto é, primeiro a criança internaliza as unidades menores (fonemas, letras,

sílabas, palavras, frases, textos) para, em seguida, chegar gradativamente às unidades maiores,

os métodos analíticos, por outro lado, partem do todo (frases ou textos, palavras-chave) para

as unidades menores (palavras, sílabas, fonemas, letras).

O método misto ou eclético consiste numa mistura dos métodos sintético e analítico.

Por meio dessa miscelânea, o alfabetizando realiza análise e compreensão de textos e frases,

junta sílabas para compor palavras e, concomitantemente, agrupa palavras e forma frases,

Pautados numa filosofia empirista, esses métodos associam o aprendizado da escrita e

da leitura a um cabedal de experiências auditivas, visuais e psicomotoras, reduzindo o

processo de aquisição da linguagem escrita a mero treino.

Nesse contexto de tentativa de imposição de um método que se mostrasse eficiente e

eficaz para a aprendizagem da linguagem escrita, a escola brasileira viveu até a década de oitenta

a famosa querela dos métodos, ou seja, uma disputa político-ideológica que envolve espaços de

poder, haja vista as proposições dos métodos e das cartilhas pressuporem, sobretudo, a hegemonia

e a legitimidade de uma corrente teórico-metodológica que se impunha sobre as demais e,

passando, num dado momento histórico, a serem endossadas pelo Estado à medida que

fundamentam seus documentos oficiais destinados a orientar a prática didático-pedagógica e a

comporem os currículos de formação dos docentes.

Os métodos tradicionais de alfabetização, em franca disputa pelo domínio da legitimidade

pedagógica, não possuem uma visão psicológica, tampouco uma visão linguística sobre a

aquisição da escrita, eis porque suas práticas evidenciam uma concepção de aprendiz enquanto

“tábula rasa”, bem dentro de uma concepção empirista/behaviorista, pois é perceptível que o tipo

de trabalho pedagógico é o de teleguiamento do alfabetizando pelo professor, por intermédio das

prescrições do método, além do mais, é notório que no seio dessa disputa a escrita ainda é vista

como mera transcrição de sinais sonoros, fruto de treinamento, repetição e imitação de modelos.

Assim sendo, o paradigma dos métodos consiste, numa análise genérica, à crença de

que existe um método capaz de sistematizar todas as dificuldades de ensino da língua materna

e, por meio de passos ordenados e sequenciados, conseguir orientar o alfabetizador a conduzir

os alfabetizandos à compreensão de como funciona a linguagem escrita.

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Embora essa busca incessante pelo melhor método de ensino tenha sido o centro de

toda ação alfabetizadora, fazendo dos docentes meros aplicadores dos caminhos prontos

apontados no conjunto das suas prescrições, a pesquisa de Emilia Ferreiro e suas

colaboradoras chegam ao Brasil no final da década de 70 e passa a ganha força entre os

professores no meado da década de 80. O trabalho de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky foi

divulgado no Brasil a partir da obra “A psicogênese da língua escrita” (FERREIRO;

TEBEROSKY, 1985). Neste livro, as autoras apresentam o resultado de suas pesquisas acerca

do processo de aquisição da língua escrita bem como os níveis e etapas pelas quais as crianças

passam no período de alfabetização.

As pesquisas de Ferreiros e suas colaboradoras fundam uma teoria acerca das

hipóteses que as crianças elaboram quando tentam compreender o que a escrita representa

enquanto objeto conceitual. Discípula de Jean Piaget, Ferreiro prova por meio de seus estudos

que as crianças são seres ativos no processo de construção do conhecimento sobre a escrita e

que os métodos mais buscavam moldá-las do que oferecer chances de que esses sujeitos do

conhecimento fossem confrontados em seus modos de compreender a escrita, isto é, a busca

pelo método concentrava mais esforços em ensinar do que compreender como cada sujeito

aprende em cada nível peculiar e progressivo de compreensão da lectoescrita.

As ideias construtivistas de Piaget, já conhecidas nos meios acadêmicos, ganham força

nos espaços educacionais e escolares justamente por meio de Ferreiro, os estudos da autora

são um divisor de águas, fundam uma revolução conceitual no que diz respeito à compreensão

de como as crianças percebem e pensam sobre a escrita, porém os órgãos oficiais responsáveis

pelas redes públicas de ensino, bem como os próprios educadores não levaram em conta o que

a própria Ferreiro sempre fez questão de frisar – não se trata de uma didática da alfabetização,

mas de um trabalho científico que, se lido e compreendido de modo relacional com os fazeres

e saberes da prática de ensino da linguagem escrita, pode servir como um excelente subsídio

para construir uma ação interventivo-mediadora nos ambientes alfabetizadores.

A febre epistemológica fundada por um construtivismo que se constituiu primeiro

como teoria científica, como um estudo que, de fato, aponta muitos caminhos para a ação

docente, porém se propaga entre os professores de uma maneira equivocada, divide opiniões

nos meios educativos. Embora muito difundido nos meios acadêmicos, em especial nos cursos

de licenciatura, as ações educativas ditas construtivistas não têm mostrado resultados

contundentes na escola pública.

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Acreditamos que a pouca efetividade dessas práticas se devam aos aligeirados e

famigerados cursos de capacitação muito frequentes nas décadas de 80 e de 90, os quais

propiciaram o surgimento de verdadeiros mitos no que concerne aos reais propósitos de uma

prática didático-pedagógica voltada para a construção do conhecimento. Tais mitos, frutos de

pouca leitura e nenhum aprofundamento nas bases, conceitos e ideias de Piaget e de Ferreiro e

suas colaboradoras, deram origem a uma ação pedagógica baseada num processo de ensaio e

erro, haja vista não se construir com bases nas pretensas capacitações de uma didática

construtivista que, na verdade, foi se constituindo como uma miríade de achismos e equívocos

conceituais.

A construção do conhecimento é uma das marcas distintivas da Teoria Piagetiana.

Para o autor, o conhecimento não tem a ver com as concepções aprioristas/inatistas, tampouco

com as concepções empiristas, afinal, quando tenta apreender um objeto, o sujeito realiza uma

reelaboração interna que, só a posteriori, é compartilhada e mediada.

O conhecimento, numa perspectiva construtivista, não é uma cópia da realidade,

sempre o sujeito cognoscente faz uma reconstrução com base em suas experiências,

habilidades e estruturas já desenvolvidas, “e esta reconstrução é necessária às construções

ulteriores que ultrapassam o nível precedente” (PIAGET, 2003, p. 172).

Com efeito, as capacitações parciais e pouco fundamentadas nos estudos de Piaget e

de Ferreiro levaram uma coletividade de docentes a compreenderem o Construtivismo

enquanto uma ausência interventiva do professor. As ações didático-pedagógicas se

esvaziaram dos conteúdos essenciais à aquisição da lectoescrita e todas as práticas anteriores,

ao invés de ressignificadas à luz do ideário construtivista, foram descartadas da escola. Enfim,

os professores se encheram de um discurso metafísico e se esvaziaram dos seus

saberes/fazeres, em suma, tirou-se o chão dos alfabetizadores.

A nossa experiência de sala de aula e de coordenação de professores da Educação

Infantil e das séries iniciais do ensino Fundamental, nos faz acreditar que, embevecidos por

tais ideias, esses professores passaram a conceber, quase que inconscientemente, toda e

qualquer ação de sistematização da ensinagem como uma atitude de tradicionalismo

pedagógico.

Nesse nosso processo ambivalente – ora em ação didático-pedagógica em sala de aula,

ora em ação de orientação do trabalho docente em atividade de coordenação pedagógica –

temos notado o quanto nós, docentes da Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino

Fundamental, temos buscado ações pouco sistemáticas e sequenciadas, já que é inerente a

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essa visão deturpada de Construtivismo Pedagógico uma sobreposição da dimensão holística

em relação à dimensão intencional, e formativo-sistemática do processo de ensinagem.

Entendemos a sistematização como uma reflexão formativa sobre as ações e

encaminhamentos didático-pedagógicos, bem como um conjunto ordenado e sequenciado de

atividades, estratégias e proposições que visem à consolidação de habilidades, conhecimentos

e saberes úteis aos domínios técnico-científicos trabalhados nos vários estágios da

escolarização.

A sistematização contribui para que tenhamos uma compreensão mais aprofundada

das experiências que se realizam, no intuito de melhorá-las; compartilhar com outras práticas

similares os ensinamentos que advêm da experiência e ainda suscitar reflexões teóricas sobre

as temáticas envolvidas, incitando à construção de teorias e, também, de conhecimentos

aplicados que surgem com as práticas sociais concretas (JARA, 1996).

Face às nossas inquietações, levantamos a seguinte questão-problema:

As interpretações construídas sobre a ação didático-pedagógica no contexto desse

aligeiramento formativo acerca da Teoria Construtivista relativiza(ou) o papel da

sistematização enquanto categoria de ação imprescindível à consolidação do conhecimento

via ação didático-pedagógica? Até que ponto pode-se dizer que tal aligeiramento das ideias

construtivistas levaram os docentes a conceberem a sistematização, enquanto etapa

constituinte da ensinagem, como sinônimo de ação tradicional de ensino?

O nosso artigo se constrói tendo com bases nos trabalhos de Chakur, Silva e Massabni

(2004); Bezerra (2004), Massabni (2007) e Revah (2008), bem como nas expertises e análises

dos saberes/fazeres docentes construídas ao longo da nossa carreira nos contextos da

Educação Infantil e da Alfabetização, ora em atividade de docência, ora em atividade de

Orientação Pedagógica (coordenação de professores). O objetivo central deste trabalho é

identificar nessas pesquisas marcas discursivo-práticas que evidenciem um desvirtuamento

dos reais propósitos dos ideários construtivistas de Piaget e de Ferreiro e ainda, analisar de

que modo as crenças ditas construtivistas reverberam ou incidem sobre a sistematização de

conhecimentos nos espaços e períodos iniciais de escolarização.

Bases teórico-metodológica: concepções e caminhos da pesquisa

O discurso pedagógico que ganha força no Brasil na década de 80, sob a denominação

de Construtivismo, tem a ver com um discurso emergente e requerido pela política

educacional vigente no intuito de contradizer as práticas tradicionais e instaurar um discurso e

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uma ação pedagógica que elevassem o nível do ensino nas redes públicas. No entanto, o

Construtivismo pretendido pelas agências e órgãos reguladores da educação sistemática

escolarizada desconsiderou que as teorias de Piaget e Ferreiro são estudos científicos e não

métodos ou pedagogias; a negligência a tal aspecto basilar levou Secretarias de Educação,

escolas e uma gama de instâncias responsáveis pela formação docente a produzirem cursos

aligeirados e, consequentemente, a contribuírem para o surgimento verdadeiros mitos sobre a

Teoria Construtivista.

Ao se referirem às consequências dessa transposição do Construtivismo para a sala de

aula como metodologia de ensino, Chakur, Silva e Massabni (2004, p. 5) refletem dizendo

que essa visão aligeirada produziu:

[...] um rol de idéias e práticas que se assemelham a caricaturas de princípios

construtivistas [e] pode não apenas significar uma desconstrução desses princípios

como também constituir um prejuízo ao ensino-aprendizagem, ao papel do professor

e ao conhecimento escolar.

A divulgação massiva do Construtivismo se intensificou, pois havia interesses

políticos da parte dos órgãos oficiais, de pesquisadores, de universidades e centros de

pesquisa de que o ideário construtivista se difundisse entre os/as educadores, como expõe

Mortatti (2006, p. 10):

A partir de então, verifica-se, por parte de autoridades educacionais e de

pesquisadores acadêmicos, um esforço de convencimento dos alfabetizadores,

mediante divulgação massivas de artigos, teses acadêmicas, livros e vídeos,

cartilhas, sugestões metodológicas, relatos de experiências bem sucedidas e ações de

formação continuada, visando a garantir a institucionalização, para a rede pública de

ensino, de certa apropriação do construtivismo.

Contudo, os processos de formações superficiais provocaram uma série de deturpações

do Construtivismo e não levaram em conta a (re) apropriação dos princípios e ideários

Construtivistas por outros estudiosos sob outros focos e intenções. A produção pouco refletida

e aprofundada das ideias de Piaget e de Ferreiro, objetivando a constituição de um

Construtivismo Pedagógico, geraram compreensões limitadas das suas premissas teóricas e,

desse modo, práticas pedagógicas assistemáticas e que passaram abrir mão da salutar ação

interventivo-mediadora do professor.

Laroca e Savelli (2001, p. 2003) criticam essa compreensão deturpada do papel do/a

professor/a na prática alfabetizadora construtivista:

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O grande problema que se configurou em nossa realidade foi o equívoco do

“professor espectador” que, em nome do respeito ao erro, acaba por não encaminhar

o processo de aprendizagem. Como se este só pudesse ocorrer pela livre descoberta,

compreensão que gera uma prática pedagógica baseada num ensaio-e-erro quase

interminável, exigindo que cada criança, para aprender, tenha sempre de reinventar a

roda.

Parece que a ideia central que funda a deturpação do Construtivismo nos ambientes de

ação didático-pedagógica é justamente a o caráter descartável da ação interventivo-mediadora.

A proposição de um professor que seria provocador de conflitos cognitivos e promotor de

ações desafiadoras que elevassem as possibilidades de conhecer dos alunos foi substituída

pela ideia de um conhecimento apriorista. É nessa concepção errônea de não necessidade de

intervenção que se esvai também a necessidade de sistematização do conhecimento.

Delval (2000) nos chama a atenção sobre alguns equívocos na interpretação do

construtivismo, como a ideia de que o sujeito deve construir tudo por si mesmo, como se o

sujeito fosse alguém solitário na construção do conhecimento ou aprendesse simplesmente

mediante a manipulação de objetos físicos. Nesse sentido, é comum ver muitos professores

dizerem que, numa visão o construtivista, a criança deve ter que agir sobre os objetos físicos,

e, por isso, uma escola construtivista deveria disponibilizar uma quantidade maior de objetos

para que os alunos manipulem.

Sob a égide desse pensamento, os conceitos de ação e de objeto do conhecimento,

sofrem uma redução em relação ao que propõe Piaget, posto que, sob tal interpretação, ação e

objeto se reduzem a um ato e puramente físico. É lúcido considerarmos que o aluno se coloca

na condição de ativo não apenas “quando manipula, explora objetos, mas também quando

ouve, lê, escuta explicações dos professores” (BANKS-LEITE, 1994, p. 85). É premente,

ainda, que consideremos o quanto as crenças Construtivistas têm feito se proliferar nos meios

educacionais uma série de estratégias pedagógicas que se constituem como um fim em si

mesmas. “A técnica do trabalho em grupo passou a ser o principal objetivo, passando a

atividade da criança a ser aspecto secundário” (VASCONCELOS, 1996, p. 261).

Embora os autores que se constituem como base da nossa pesquisa não se remetam

diretamente ao processo de sistematização dos conhecimentos basilares das fases iniciais da

escolarização, as ideias compiladas e discutidas em suas pesquisas nos ajudam a perceber qual

o lugar da sistematização face aos mitos e usos pragmáticos que se faz do Construtivismo na

escola. O conjunto de dados levantados, expostos e analisados por esses pesquisadores se

somou ao nosso olhar reflexivo, retroalimentado por meio de um conjunto de saberes

experienciais (expertises) e das várias leituras sobre Construtivismo na prática pedagógica.

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Revah (2008) ratifica que o Construtivismo propagado massivamente entre os

professores, sobretudo das séries iniciais do Ensino Fundamental, são responsabilidade de

dois grandes vultos – Jean Piaget e Emilia Ferreiro:

O construtivismo é apresentado então como o prolongamento de uma corrente de

idéias oriunda sobretudo da obra teórica de Piaget, que remonta às primeiras décadas

do século XX, mas também das pesquisas e reflexões desenvolvidas por Emilia

Ferreiro no campo da alfabetização, as quais fincam o construtivismo no presente.

Desse modo, Vasconcelos apresenta o construtivismo referido aos dois autores que,

na maioria dos discursos, são considerados as suas primeiras e legítimas fontes, e

cujas obras delimitam uma espécie de “lugar natural” do construtivismo (REVAH,

2008, p. 192-193).

Na visão do autor, o Construtivismo no Brasil se configura como um movimento

emergente de discursos reordenados por meio de experiências alternativas que se constroem

através de trajetórias profissionais e de algumas instituições. O reordenamento discursivo ao

qual o autor se refere significa, a nosso ver, a existência de muitos outros “Construtivismos”,

pois os sujeitos se apropriam de ideias e fazeres tomando como referência suas percepções,

cosmovisões, experiências pessoais e compreensões.

Revah (2008) nos diz que o Construtivismo Pedagógico no Brasil tem a sua gênese

implicada num processo de criação de escolas alternativas, durante a década de 70. As escolas

alternativas foram fruto de discursos e intenções das classes médias intelectualizadas que

transitavam nos meios populares. Essas escolas atuavam principalmente na fase pré-escolar e

o aspecto holístico se sobrepunha a uma visão mais técnica e formal da aprendizagem.

Uma prática marcante das escolas alternativas era a produção de relatórios onde a

preocupação maior do professor era descrever as conquistas das crianças por meio de um

texto pouco calcado em aspectos mensurativos e objetivistas, a forma de apreender a realidade

nessas devolutivas aos pais das crianças deveria valorizar a intuição, o despertar da emoção,

da sensibilização do ouvinte era mais importante que uma descrição técnica e formal das

habilidades consolidadas pelos aprendizes.

Na verdade, as escolas alternativas e os professores, que faziam questão de ostentar

um rótulo de construtivista, buscavam fugir de todo e qualquer resquício de pensamento ou

prática que remetesse aos métodos tradicionais e a uma ação tida como pouco democrática, já

que, “com o fim dos anos da ditadura (1964-1984), havia um clima de mudança e uma

rejeição do passado recente como se tudo o que estava em curso no país nos anos anteriores

fosse fruto da ditadura” (CARVALHO 2011, S.p.).

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As ideias vagas e por demais baseadas num psicologismo e numa humanização vazia

fizeram com que o construtivismo sofresse de uma falta de credibilidade e passasse por

constantes questionamentos nos meios educacionais. Assim, na década de 90, durante o

governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil iniciou uma reforma educacional por meio

da criação de vários documentos oficiais nos quais o Construtivismo é apresentado como a

única teoria capaz de promover uma aprendizagem que possibilite formar sujeitos críticos,

emancipados e capazes de atender as demandas da contemporaneidade.

Dentre esses documentos oficiais estão os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Acerca dos vários documentos e propostas curriculares oficiais produzidos na década de 90,

Revah (2008, p. 197) nos diz:

Nessas propostas curriculares, com as quais o governo federal buscou reorientar o

ensino em todas as escolas do país, encontra-se o bê-á-bá construtivista na versão

que nesse período tornou-se hegemônica, com seus termos característicos:

conhecimentos prévios, aprendizagem significativa, conteúdos conceituais,

procedimentais e atitudinais, etc.

Tomando emprestado do próprio autor a ideia de discursos reordenados, podemos

concluir o quanto as ideias de Piaget e de Ferreiro chegam ao chão da escola no bojo de um

ecletismo, afinal os PCN foram elaborados com a consultoria de César Coll e Antoni Zaballa,

espanhóis versados em currículo e aprendizagem, dentre outros técnicos, sendo o documento,

portanto, várias reapropriações e releituras da Teoria Piagetiana e de Ferreiro, tanto em Coll

quanto em Zaballa, o que ratifica a existência de “Construtivismos” e não de uma teoria única.

Nesse contexto, fica evidente a adequação do Construtivismo às agendas emergentes

de um Estado capitalista e que usa a educação enquanto mecanismo de implementação de

seus intentos. Na ausência de uma política séria e contínua de formação, os professores vão

engendrando compreensões peculiares e convenientes sobre as teorias que fundamentam suas

práticas, os pacotes de formação sem aprofundamento nas bases teóricas sob as quais deveria

se pensar e revisar a prática geram distorções e um ensino confuso e pouco efetivo, levando

os docentes a aturem por meio de crenças e mitos e não por meio de conhecimentos, saberes e

estratégias fundamentados.

Por isso:

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[...] diante de um “pacote” divulgado por órgãos superiores, que impõe certas

diretrizes ou princípios para a prática, o professor busca incorporá-lo ou combiná-lo

com suas crenças prévias. Se essas diretrizes são retiradas de uma teoria psicológica,

sem que haja a mediação de uma teoria propriamente pedagógica, bem sistematizada

e organizada, e na ausência de um método daí derivado – como seguramente é o

caso da tentativa atual de implantação de um “construtivismo educacional” –,

dificilmente esses princípios ou diretrizes serão operacionalizados na prática; mais

que isso, tendem a ser ainda mais distorcidos quando o professor tenta assimilá-los,

(CHAKUR, SILVA e MASSABNI, 2004, p. 16).

As crenças, nesse sentido, se constituem, de certo modo, como deturpações de um

Construtivismo Científico que foi transposto para as salas de aula sem que se construísse uma

didática, isto é, sem que se pensasse coletivamente encaminhamentos e ações metodológicas

para as práticas de ensino que, sobretudo, considerassem a realidade da escola pública, os

saberes construídos pelos docentes ao longo de sua carreira e, lógico, os fundamentos da

teoria. Logo, vale lembrar que os documentos voltados à propagação do Construtivismo

Pedagógico, foram construídos com base na experiência de instituições particulares, sendo

que a Escola da Vila, uma escola alternativa que atendia os filhos da classe média

intelectualizada paulista, é a principal destas instituições.

Também foi a Escola da Vila a instituição responsável pela formação de uma massa de

professores com base no Construtivismo tanto de instituições privadas quanto públicas. Os

vultos do pioneirismo Construtivista no Brasil, como Telma Weisz e Madalena Freire,

também são fruto dessa escola. Desse modo, nos perguntamos - será que as concepções e

práticas de Construtivismo Pedagógico prescrita nos documentos oficiais consideram o chão

da escola pública?

Precisamos levar conta os condicionantes socioeconômicos que determinam, em dada

medida, o sucesso ou fracasso da educação escolar, porquanto não podemos deixar de

considerar que os sujeitos oriundos das classes abastadas contam com mediações, em seu

ambiente familiar, muito pertinentes à aquisição da leitura e da escrita, bem como aos demais

conhecimentos e destrezas inerentes à escola, enquanto que os sujeitos da classe popular não

contam com tais mediações no seu dia a dia. É preciso levar em conta que a qualidade de vida

e as inúmeras oportunidades e acesos a instrumentos escritos, mídias e aparelhos

eletroeletrônicos, canais de TV fechada, viagens, dentre outras oportunidades disponíveis aos

sujeitos de bom nível socioeconômico, constituem um cabedal de experiências facilitadoras

do acesso ao conhecimento veiculado na escola. Daí, o Construtivismo ter uma maior propensão

de sucesso nas classes abastadas e, por isso, em instituições privadas, dado ao capital cultural que

os sujeitos aprendentes já trazem consigo. E esse nos parece ser o caso típico da Escola da Vila.

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Os chavões construtivistas - categorias que enunciam práticas ecléticas

O construtivismo enquanto teoria filosófica entende o sujeito aprendente como alguém

que constrói a sua inteligência por meio de estágios a partir dos quais se dão crescentes

mudanças na estrutura mental desse sujeito, levando-o a dar saltos qualitativos de um estágio

para o outro. Tais mudanças implicam uma ampliação dos esquemas assimilatórios em função

da ação interativa do sujeito sobre os objetos e vice-versa, há na teoria de Piaget uma

evidência de que “a inteligência dá saltos [e, por isso,] muda de qualidade, cada estágio

representa uma qualidade desta inteligência” (PÁDUA, 2009, p. 28).

Essa concepção de construção constitui um problema para a educação escolar, dadas

as inúmeras interpretações dessa premissa pelos professores. Tomando por análise as

pesquisas de Chakur, Silva e Massabni (2004); Bezerra (2004), Massabni (2007) e Revah

(2008) podemos ver um amplo retrato das distorções do Construtivismo tomado como

metodologia de ensino em função dos vários mitos e crenças que se formaram por meio de

cursos de aperfeiçoamento, artigos e uma gama de textos aligeirados e simplistas.

Chakur, Silva e Massabni (2004) desenvolveram uma pesquisa com professores do

Ensino Fundamental de escolas públicas do interior de São Paulo, valendo-se de entrevistas,

observação e questionário e tendo como foco saber onde esses professores buscam

informações sobre o construtivismo. Os resultados mostram que os docentes concebem o

Construtivismo por intermédio de verdadeiras caricaturas sobre o mesmo. Os chavões

percebidos e interpretados na análise dos dados colhidos são vistos pelas autoras como uma

desconstrução do Construtivismo enquanto teoria científica.

Bezerra (2004) tomou um universo de 30 professores da 1ª série do Ensino

Fundamental e, por meio de entrevista exploratória, realizou uma conversa estruturada a partir

da seguinte questão - “Fale tudo que você sabe ou que vem à sua mente sobre a palavra

construtivismo”. O objetivo central da pesquisa de Bezerra era saber que representações

sociais esses alfabetizadores construíram sobre a abordagem Construtivista. Os resultados

mostram, mais uma vez, a prevalência dos chavões, especialmente no que se refere ao

“universo cultural do aluno como referência para o trabalho pedagógico”, a pesquisa mostra

ainda que os professores se valem dos saberes que já possuem, na tentativa de objetivar o

Construtivismo enquanto ação pedagógica, há uma miscelânea das práticas tradicionais com

as percepções construtivistas.

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Massabni (2007) realizou sua pesquisa num universo mais específico – 4 professores

de Ciências da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental que atuavam em quatro escolas de uma

cidade do interior de São Paulo. Retirados dum universo maior, esses 4 professores responderam

a um questionário e consentiram à pesquisadora fazer de 15 a 30 observações durante suas aulas.

O fio condutor da pesquisa foi a seguinte questão-problema – “Será que os professores de

Ciências, área em que as orientações construtivistas reinam hegemônicas, colocam em prática

o Construtivismo? Os resultados mostram que esses professores inserem em suas práticas

alguns princípios construtivistas, contudo suas aulas ainda revelam uma mescla de práticas

tradicionais com princípios do Construtivismo.

Em seu artigo “A (re) configuração do passado no discurso construtivista”, “Revah

(2008) destaca e analisa alguns aspectos relacionados com a emergência do construtivismo no

Brasil. O autor faz de modo articulado uma cronologia histórica do Construtivismo no

contexto brasileiro, demarcando 4 momentos durante os quais o discurso construtivista foi

tomando distintos contornos em função de críticas, das angústias dos professores, das

cobranças da sociedade e da divulgação de alguns livros e obras pedagógicas que se

propuseram a mostrar caminhos para fundação de uma aplicação pedagógica das ideias

construtivistas.

Revah nos diz que 1980, marco da entrada do construtivismo no cenário escolar

brasileiro, é o momento caracterizado por muitos equívocos, definido por ele como uma fase

de espontaneísmo, que vai de 1980 a 1984. A segunda fase (1984 a 1992) é caracterizada

como um momento de reflexão e de percepção em que os educadores se dão conta de que a

Teoria Psicogenética de Piaget não dá conta sozinha de conduzir o processo de aprendizagem

escolar. Bastante marcado pelo protagonismo da Escola da Vila de São Paulo, esse segundo

momento pode ser visto como um período embrionário de busca por uma didática

construtivista. O terceiro momento descrito por Revah (2008), a partir de 1997, trata-se de um

período em que os professores da Escola da Vila passam a ter contato com textos de autores

voltados para a fundamentação e implantação das bases de uma concepção construtivistas de

ensino e de aprendizagem, tendo como protagonistas o professor Cesar Coll e seus

colaboradores no intuito de definir um currículo com base nos marcos teóricos de Piaget.

Esse terceiro momento do construtivismo pode ser caracterizado como o momento no

qual o Estado brasileiro faz a opção pelo Construtivismo como teoria oficial de norteamento

dos currículos e práticas escolares. É quando o Ministério da Educação (MEC) publica os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o Referencial Curricular Nacional para a Educação

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infantil e um conjunto de documentos que visam orientar a ação político-pedagógica da escola

brasileira, tendo como leme as ideias construtivistas, agora mediadas pelas releituras de Coll,

Zaballa e outros colaboradores.

Massabni (2007, p. 106) se opõe a esse construtivismo pedagógico, argumentando que

há nessa proposta a justaposição de teorias que não são confluentes, pois os pressupostos

teóricos que sustentam essa releitura do Construtivismo “são diversificados e confusos,

justamente porque partem de uma mistura de teorias: as de Piaget, Vygotsky, Wallon,

Ausubel, Gardner, Glasersfeld [...] entre outros, dependendo do autor ou publicação

consultada”.

Ao procedermos à análise das pesquisas que até aqui nos propusemos, foi se

evidenciando um ecletismo, uma mistura de princípios construtivistas com os saberes que os

professores construíram ao longo de suas carreiras e, soma-se a isso, um ecletismo também de

teorias que são nomeadas de construtivistas por um Estado que promove uma reforma em

seus currículos e em seu sistema de ensino com base em releituras do Construtivismo.

Para Revah (2008, p. 202) há uma clara ordem de propagação do Construtivismo entre nós, na

visão dele, há uma tríade de mediadores que ajudaram na apropriação das ideias

construtivistas entre os professores “primeiro Piaget, depois Ferreiro/Teberosky e por último

César Coll”.

Não podemos esquecer de que, nessas várias influências, Ferreiro tem uma extrema

importância, haja vista o estudo sobre a evolução da escrita na criança ter sido tomado como

bíblia pelos alfabetizadores. Ferreiro e Teberosky promovem uma revolução na cabeça dos

alfabetizadores quando mostram por meio de seus estudos a necessidade de que se desloque o

discurso pedagógico do paradigma do “como se ensina” para o paradigma do “como se

aprende”. Essa visão das autoras ratifica a ineficácia dos métodos tradicionais de ensino e

propõe a necessidade de conhecer os estilos de aprendizagem e considerar a criança como

alguém que é ativo ao longo da aquisição e elaboração do conhecimento.

Para Ferreiro, faz-se necessário que repensemos o nosso ponto de vista com relação à

alfabetização inicial, pois temos uma imagem empobrecida e distorcida da língua escrita e da

criança que aprende, conforme a autora, a contribuição pedagógica de seus estudos em relação

ao processo de alfabetização está justamente em não reduzir a criança:

[...] a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para

marcar e um aparelho fonador que emite sons. Atrás disso há um sujeito

cognoscente, alguém que pensa, que contrói interpretações, que age sobre o real para

fazê-lo seu (FERREIRO, 1995, p. 40- 41).

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Embora Ferreiro e suas colaboradoras não tenham se proposto a criar uma didática da

alfabetização, muitos professores tomaram seus estudos como pedagogia e, o mais grave

muitas distorções foram cometidas em nome de um laissez-faire baseado em achismos e

compreensões caricatas do que é construção do conhecimento. Por meio da sua teoria,

Ferreiro evidencia a necessidade de a criança descobrir por meio de muitas mediações e

atividades específicas como funciona o sistema de escrita alfabética (SEA).

Na ótica de Ferreiro (1995), para entender de que modo o SEA funciona a criança vai

ter que dar conta, por meio de um sério e complexo trabalho conceitual, de desvendar dois

enigmas: O que as letras notam ou registram na pauta ou em qualquer outra superfície? Como

as letras criam essas notações ou registros. Essas duas questões postas por Ferreiro resumem a

questão maior - O que a escrita representa? Afinal, as interpretações bem particulares feitas

das ideias de Ferreiro não deram conta de levar os alfabetizadores a perceberem o óbvio - já

que nas etapas iniciais as crianças não relacionam a escrita com a fala, logo, não fica claro

para elas no início da escolarização que as letras representam os sons das palavras e não as

coisas em si mesmas, bem como que sendo as letras representações dos fonemas (sons da

fala), elas têm uma ordem para compor uma dada palavra.

A incompreensão da teoria de Ferreiro levou professores da Educação Infantil e das

séries iniciais do Ensino Fundamental a condenarem o ensino do alfabeto. A exporem as

crianças aos vários e complexos gêneros textuais, na crença de que o simples contato com

esses textos levariam as crianças aprenderem a ler. Os equívocos teóricos levaram professores

a não mais corrigir os erros das crianças e a banir da escola as análises estruturais de palavras,

sob o pretexto de que o trabalho com as partes da palavra era algo tradicional e mera

silabação.

Esses equívocos, frutos de ideias espontaneístas e aprioristas, produziram a crença de

que sistematizar atividades e estratégias com vistas à consolidação das aprendizagens era algo

desnecessário e que ia de encontro aos preceitos construtivistas. Aos poucos, os professores

entenderam que ser construtivistas era apenas trabalhar a realidade imediata do aluno em

detrimento da expansão de suas experiências, promovendo sempre coisas que fossem

agradáveis, lúdicas. A carência de uma didática construtivista deixou o professor sem leme e

o levou a desacreditar da necessidade de consolidar conhecimentos.

Para Jara (1996) e Ghiso (2001) a sistematização tem a ver com a recuperação, a

reapropriação e tematização de uma experiência. Na ação pedagógica, sistematizar ganha o

sentido de, por meio de estratégias, encaminhamentos e atividades específicos e distintos,

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consolidar uma gama de conhecimentos e habilidades necessárias ao uso dos saberes e fazeres

tanto no cotidiano escolar quanto no dia a dia. Processo pedagógico sem sistematização

implica ausência de avaliação formativa e, consequentemente, ausência de encaminhamentos

que corrijam e refaçam os rumos das ações pedagógicas e elevem os níveis de aprendizagem.

Considerando os mitos e slogans que desvirtuam a proposta construtivista e

desmerecem a sistematização, percebemos, dentre as pesquisas analisadas, o trabalho de

Chakur, Silva e Massabni (2004) como aquele que apresenta uma síntese completa sobre os

mitos do Construtivismo Pedagógico, embora as demais pesquisas também o façam.

Mitos tais como “não se deve corrigir o erro do aluno”; “ser construtivista é colocar os

alunos para trabalhar em grupo”; “o construtivismo condena o uso da cartilha”; “como

facilitador da aprendizagem, o professor não deve interferir, a criança tem que construir o

conhecimento sozinha”; “o professor construtivista trabalha com o conhecimento que o aluno

traz de casa”; “o que importa é desenvolver o raciocínio, o conteúdo é secundário”; “o

construtivismo condena o uso da gramática e da tabuada”; “ o aluno só aprende com sua

própria atividade, por isso, deve ser deixado livre para agir” (CHAKUR, SILVA e

MASSABNI, 2004, p. 36), dentre outros, têm dia a dia se tornado uma enorme celeuma para a

educação pública, visto que uma excessiva mitologização do construtivismo anulou, no

ideário do professor, a tão benéfica e imprescindível intervenção.

O imediatismo tem trazido um construtivismo de faz de conta para a escola, posto que

não se dá o tempo necessário para que o professor se debruce sobre suas práticas, reflita sobre

suas ações e venham a desvelar o seu sentido. Por que se crê que desse modo e a partir de tais

atividades e estratégias o aluno aprende melhor? Essa é uma das muitas perguntas e

ensimesmamentos que o professor precisa se fazer; passar de uma ação teórico-metodológica

para outra exige elaboração, reflexão, conhecimento aprofundado das pretensões de uma dada

epistemologia. A falta de uma didática construtivista, apesar de todos os documentos oficiais

e da vasta literatura que promove releituras da teoria de Piaget e a mescla com outras teorias,

ainda é um fator que contribui para uma ação folclórica e espontaneísta denominada de modo

equivocado de Construtivismo Pedagógico cujos efeitos têm colocado a escola pública numa

condição descrédito social.

Considerações finais

Muitas são as pesquisas que apontam nas posturas e nas falas dos professores Brasil

afora uma série de mitos, expressos em forma de slogans ou chavões que transparecem uma

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concepção equivocada sobre o que é de fato o construtivismo. As pesquisas e a literatura

pedagógica se referem a momentos históricos em que o Construtivismo foi sendo rediscutido,

repensado, amoldado e absorvido pelo poder estatal para compor uma política educacional em

função dos interesses de um Estado negligente com a educação e com os sujeitos que dela

necessitam. Essas mesmas pesquisas também mostram incorporações do construtivismo que

têm levado professores a fazerem objetivações, isto é, a ajustarem as práticas construtivistas,

incorporando-as a outras práticas e saberes que os docentes construíram ao longo da sua

carreira, embora as formações, em sua maioria, não respeitem os saberes experienciais dos

professores, eles têm buscado sanar as dificuldades de lidar com o novo num movimento em

que produzem uma amálgama de seus saberes e práticas com as propostas curriculares

oficiais.

Nesse hibridismo de teorias e de fazeres, acontece a produção de ideias e práticas que

banem da sala de aula a ação interventivo-mediadora e, por tabela, a sistematização das

aprendizagens se esvai do ambiente da sala de aula. O aligeiramento das propostas

formativas, a mistura de teorias muitas vezes díspares, a releitura de um construtivismo

científico que se justapôs às necessidades do ensino e da aprendizagem por meio das reformas

educacionais são fatores que contribuem para um desconforto dos professores no seu espaço

de trabalho, assim como para um clima de desconfiança dos pais e dos alunos no que diz

respeito à relevância da escola.

Os cursos de formação de professores, as licenciaturas, têm formado sujeitos com um

discurso imbuído de conceitos metafísicos e pouco funcionais, enquanto não se constrói uma

didática construtivista, continuamos a ouvir slogans e chavões e a ver o papel formativo da

escola em decadência posto que as práticas são vazias e sem intencionalidade.

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