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Ano XXXIII Julho, Agosto e Setembro de 2019 140 .......................................................................................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................................................................... Subsídios agrícolas: UMA TAREFA INCONCLUSA NA OMC I ntegração birregional com o acordo MERCOSUL-EFTA Reflexões sobre o acordo MERCOSUL-UNIÃO EUROPEIA Sobre aceder a OCDE A nova POLÍTICA COMERCIAL do Brasil RBCE Revista Brasileira de Comércio Exterior A revista da FUNCEX A nova POLÍTICA COMERCIAL do Brasil Imagem: Free-Photos por Pixabay

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Page 1: RBCE - Funcex€¦ · Análise preliminar do acordo Mercosul-União Europeia Marcelo José Braga Nonnenberg e Fernando José Ribeiro ... uma tarefa inconclusa da OMC Alexandre Peña

Ano XXXIII

Julho, Agosto e Setembro

de 2019

140

...................................................................................................................................................................................................................................

....................................................................................................................................................................................................................................

Subsídios agrícolas: UMA TAREFA

INCONCLUSA NA OMC

Integração birregional com o acordo MERCOSUL-EFTA

Reflexões sobre o acordo MERCOSUL-UNIÃO EUROPEIA

Sobre aceder a OCDE

A nova POLÍTICA COMERCIAL

do Brasil

RBCERevista Brasileira de Comércio Exterior

A revista da FUNCEX

A nova POLÍTICA COMERCIAL

do Brasil

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1Nº 140 - Julho/Agosto/Setembro de 2019

RBCE - A revista da Sumário

2 Editorial

A nova política comercial do Brasil

Ricardo Markwald

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4 Acordo Mercosul-EFTA

A nova política comercial do Brasil. Um olhar preliminar sobre tarifas

Fernando Coppe Alcaraz

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12 Brasil na OCDE

Sobre aceder à OCDE

Carlos Márcio Cozendey

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20 Subsídios Agrícolas na OMC

Subsídios Agrícolas: uma tarefa inconclusa da OMC

Alexandre Peña Ghisleni

28 Acordo Mercosul-União Europeia

Análise preliminar do acordo Mercosul-União Europeia

Marcelo José Braga Nonnenberg e Fernando José Ribeiro..........................................................................................................................................................................................

40 Acordo Mercosul-União Europeia: refl exões a partir da perspectiva do Brasil

Lia Baker Valls Pereira

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50 Acordo Mercosul-EFTA

Acordo Mercosul-EFTA: Completando a integração birregional

Jesica De Angelis, Belisario de Azevedo, Kathia Michalczewsky e Verónica Toscani..........................................................................................................................................................................................

60 Investimento Externo

A propósito de investimentos

Renato Baumann

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2 Nº 140 - Julho/Agosto/Setembro de 2019

Editorial

A nova política comercial do Brasil

A Reforma da Previdência e a Reforma Tributária são duas iniciativas que concentram os esforços do novo governo e, também, a atenção do público. No entanto, passos importantes têm sido dados em outras áreas de política como evidenciado pelos avanços examinados nos diversos artigos que compõem a presente edição da RBCE, com foco na política comercial e de negociações externas.

O fim das negociações para o estabelecimento de acordos entre o Mercosul e os países da União Europeia, assim como com os países da Associação Europeia de Livre Comércio não podem ser atribuídos à atual administração, haja vista os esforços realizados por governos anteriores, notadamente o governo Temer, e pelos demais parceiros do Mercosul. Em mais de uma ocasião as negociações, principalmente com a União Europeia, tinham chegado a seu termo sem que fosse possível dar o arremate final. A concretização de ambos os acordos com o anúncio do fim das negociações é, portanto, mérito da atual administração, embora subsistam fundamentadas dúvidas sobre a efetiva assinatura de tais acordos em virtude de anunciadas e previsíveis resistências tanto de parceiros europeus como do Mercosul. Os três artigos incluídos nesta edição da RBCE, com foco em tais acordos, descrevem o escopo daquilo que foi acordado, comentam os compromissos assumidos nas diversas disciplinas e apontam potenciais ganhos e eventuais desafios para o Brasil e o Mercosul, com base nas informações divulgadas pelos governos, ainda que pouco detalhadas. Os autores evitam, contudo, tecer considerações sobre a “economia política” da assinatura dos acordos, processo que demandará no mínimo dois anos.

A política tarifária é outra área da política comercial em que há novidades. O artigo de Fernando Alcaraz descreve as mudanças promovidas em alguns instrumentos de proteção tarifária e enfatiza a nova orientação de política promo-vida pelo atual governo. O objetivo explícito da política comercial brasileira passou a ser o de reduzir e normalizar a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, de forma gradual e concomitante com outras reformas, notadamente a tributária, objetivando minimizar custos para consumidores e empresas e contribuir para o aumento da produtivi-dade. Em uma primeira etapa, o Brasil começa a explorar as margens de liberdade disponíveis no âmbito do Merco-sul promovendo alterações tarifárias pontuais. Assim, no caso da lista brasileira de exceções à TEC, o governo tem promovido a redução de cerca de vinte itens tarifários. A flexibilidade concedida ao Brasil para efetivar reduções tarifárias por motivos de abastecimento também tem sido utilizada com o mesmo objetivo, assim como a ampliação do mecanismo de concessão de ex-tarifários que aponta reduzir o custo de importação de bens de capital e bens de informática e telecomunicações. A essas mudanças pontuais, embora com impacto não desprezível para a redução de custos das empresas, o Brasil, atualmente em exercício na presidência pro tempore do Mercosul, deverá adicionar mais uma iniciativa: apresentar e negociar com seus parceiros uma proposta gradual de redução e racionalização da TEC. O resultado dessa negociação é incerto, mas é inegável que o processo de abertura da economia começa a avançar. Eppur si muove!

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3Nº 140 - Julho/Agosto/Setembro de 2019

RBCE - A revista da

Boa leitura!

Ricardo Markwald

Diretor geral da Funcex

O processo de acessão à OECD não é uma negociação comercial, mas representa, sem dúvida, um instrumento muito valioso a contribuir com a inserção internacional do Brasil. De fato, como salientado no artigo do embaixa-dor Carlos Márcio Cozendey, haveria benefícios tangíveis para o país com a sua entrada no organismo: influência na elaboração de normas; participação na sua gestão e no secretariado; cobertura do país nos estudos e inclusão nas bases de dados que permitam comparações de políticas com os demais membros; participação em esquemas de reconhecimento mútuo e consolidação de um ambiente favorável aos negócios, comparável aos dos países mais desenvolvidos.

A recente indicação da Romênia e da Argentina e a não indicação do Brasil para a mais recente leva de países es-colhidos para iniciar o processo formal de acessão à OECD tem levantado dúvidas sobre o apoio norte-americano à candidatura do Brasil. O artigo publicado nesta RBCE foi redigido antes de tal indicação ter sido anunciada. Contudo, ele explica em detalhe os interesses contrapostos envolvidos no processo de indicação, contribuindo para relativizar a frustração gerada pelo adiamento do processo de acessão do Brasil.

A presente edição da RBCE inclui ainda dois artigos de interesse: o primeiro faz um exame da agenda inconclusa de liberalização do comércio agrícola na OMC, com foco no apoio doméstico brindado aos produtores agrícolas nos principais países que ainda fazem extenso uso de subsídios nessa área; e o segundo, uma descrição de novos meca-nismos destinados a facilitar o processo de atração de fluxos de investimentos externos para o Brasil.

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2 0 Nº 140 - Julho/Agosto/Setembro de 2019

Subsídios Agrícolas na OMC

Subsídios Agrícolas: uma tarefa inconclusa da OMC

Alexandre Peña Ghisleni

Alexandre Peña Ghisleni é diplomata de carreira. Serviu na Delegação Permanente do Brasil em Genebra

e nas Embaixadas do Brasil em Washington e em Havana. É Diretor do Departamento de Promoção do Agronegócio

do Ministério das Relações Exteriores

Em junho de 2020, em Nursultan, no Cazaquistão, será realizada a 12ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio. Ao longo do processo preparatório da Conferência, atualmente em curso, estão em discus-são entre os delegados dos países-membros da Organização propostas sobre temas diversos, incluindo solução de controvérsias, subsídios industriais e empresas públicas. Entretanto, entre eles não está o da agricultura, pelo menos não até a data de redação da presente nota (junho/2019). O Brasil, juntamente com países afi ns, em particular com os demais membros do Grupo de Cairns, tem buscado reinserir o tema na agenda. Uma pergunta que o leitor poderá se fazer nesse contexto é qual o sentido de o Brasil insistir em um tema que parece hoje não estar entre as prioridades dos principais atores do comércio internacional, e por que fazê-lo na OMC.

Na procura da resposta, precisaremos voltar pelo menos a 1995. Surgia então, como um dos principais resultados da Rodada Uruguai do GATT, o Acordo de Agricultura (AdA). O Acordo, texto juridicamente vinculante para todos os membros da então recém-criada OMC, endossava, em seus parágrafos preambulares, o objetivo de longo prazo defi nido pelos Estados na revisão de meio período da Rodada de “estabelecer um sistema de comércio agrícola justo e orientado ao mercado”, objetivo que se traduzia em termos práticos, sempre de acordo com o próprio AdA, em “proporcionar reduções progressivas substanciais sustentadas em um período de tempo acordado, resultando na correção e prevenção de restrições e distorções nos mercados agrícolas mundiais”. Reconhecia-se que políticas agrícolas eram temas de preocupação e interesse internacional, em vista de seus potenciais efeitos distorcivos ao comércio. Quatro áreas são nominalmente citadas pelo Acordo como objeto necessário do esforço negociador que se deveria seguir: acesso a mercados, apoio doméstico, concorrência nas exportações e medidas sanitárias e fi tossa-nitárias. Vinte e quatro anos se passaram desde então, sem que esse objetivo de longo prazo se tenha realizado. Faz parte do que correntemente se chama de unfi nished business da OMC.

É verdade que houve progressos em várias das áreas mencionadas. O Acordo de Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (mais conhecido como Acordo SPS) também fez parte, e com destaque, dos resultados da Rodada. Ao longo dos anos, alguns países fi zeram um esforço interno de revisão de seus subsídios à agricultura, o que propor-cionou uma redução nos valores totais de seus subsídios distorcivos ao comércio internacional. A União Europeia, em especial, fornecia em 2001 um apoio doméstico total de USD 57 bilhões sob o Art. 6o do AdA e, após o fi nal

Nota: As opiniões contidas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor e não correspondem necessariamente às do governo brasileiro.

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RBCE - A revista da

de seu exercício de reforma, passou a empregar valores nessa área signifi cativamente menores, como USD 14,5 bilhões em 2010 e USD 15,6 bilhões em 2017.

Além disso, na 9ª Conferência Ministerial da OMC, em dezembro de 2013 em Bali, foram assinadas decisões so-bre administração de quotas tarifárias e sobre estoques públicos para fi ns de segurança alimentar. Na Conferên-cia Ministerial seguinte, realizada dois anos depois em Nairóbi, adotou-se importante decisão sobre concor-rência nas exportações que requer dos países-membros, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, entre outras coisas, a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas. A própria conclusão do AdA, verdade seja dita, constitui um progresso signifi cativo na direção de um sistema agrícola internacional justo, na medida em que representa um marco normativo estável que regula na atualidade as políticas públicas do setor agrícola de todos os principais atores do comércio mundial, sobre-tudo após o ingresso da China e da Rússia como mem-bros da Organização.

Comparemos os avanços logrados com as áreas prioritá-rias elencadas em 1995: tivemos progresso em acesso a mercados por meio da decisão sobre a administração de quotas tarifárias; em apoio doméstico, pela decisão sobre estoques públicos; em concorrência nas exportações, via decisão de Nairóbi sobre o mesmo tema; e em medidas sanitárias e fi tossanitárias, com a adoção do Acordo SPS.

Esses avanços, no entanto, representam pouco em face do caminho que resta percorrer para alcançar “um sis-tema de comércio agrícola justo e orientado ao merca-do”. Em particular, no que diz respeito ao pilar do apoio doméstico, que foi tratado de maneira muito limitada em Bali. Na 11ª Conferência Ministerial, em 2018, em Buenos Aires, a propósito, nenhum resultado concreto foi alcançado no que se refere à agricultura. Analisarei neste artigo a situação específi ca do apoio doméstico.

Um rápido levantamento dos últimos dados notifi cados (referentes aos anos de 2015 e 2016) do apoio domés-tico efetivamente prestado ao setor agrícola nos doze principais países subsidiadores permite chegar à cifra total de USD 112,2 bilhões. Esse número refere-se a todas as formas de apoio doméstico notifi cadas sob o Art. 6o do AdA, o que abrange Medidas Agregadas de Apoio (AMS, na sigla inglesa), de minimis, Caixa Azul e Caixa do Desenvolvimento. Não trato aqui dos valores de apoio doméstico prestado no âmbito da Caixa Ver-de, sob o Anexo II do AdA, que merecem uma análise à parte.

No contexto internacional do comércio agrícola, qual é o peso efetivo desses USD 112,2 bilhões? Vejamos por três critérios.

Em primeiro lugar, se analisada por comparação com o valor da produção agrícola notifi cada pelos estados, conforme consta da Tabela 1, essa cifra equipara-se gros-so modo ao valor total combinado da produção agrícola de Suíça (USD 10 bilhões), México (USD 45 bilhões) e Canadá (USD 57 bilhões). Equivale também a 69,2% do valor da produção agrícola do Brasil (USD 162 bi-lhões), ou então a 34,3% do valor da dos Estados Uni-dos (USD 327 bilhões). Escolho esses países para efeitos de comparação por todos serem atores dos mais relevan-tes no comércio agrícola internacional.

Seguindo a Tabela 1, pode-se adotar um segundo crité-rio, qual seja, as implicações nas condições de concor-rência entre os países. Os USD 112,2 bilhões não estão uniformemente distribuídos entre os países. Os USD 2,9 bilhões de apoio doméstico notifi cado pelo Brasil correspondem a menos de 20% do apoio dado seja pela União Europeia, seja pelos Estados Unidos, ou ainda a 10% do apoio da China.

Um terceiro critério de análise seria a comparação dessa cifra de USD 112,2 bilhões com os montantes por setor dos fl uxos de comércio internacional. Como se deduz da leitura da Tabela 2, USD 112,2 bilhões constituem um montante superior ao da soma das exportações glo-

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Subsídios Agrícolas na OMC

bais no ano de 2018 de milho (USD 33,6 bilhões), car-ne suína (USD 28,4 bilhões) e carne bovina (USD 49,3 bilhões), três das principais commodities agrícolas. Adi-cionalmente, corresponde a um valor mais alto do que o

total global das exportações de soja nos anos de 2016 e 2018 somados (USD 52,5 bilhões e USD 59,3 bilhões, respectivamente).

Resulta da análise comparativa acima uma forte evidên-cia de que o apoio doméstico efetivamente prestado em escala global sob o Art. 6º do AdA corresponde a uma proporção significativa do comércio agrícola interna-cional e a um diferencial nas condições de concorrência entre os Estados, o que ganha uma importância ainda maior para a política externa brasileira à luz do fato de que a maior parte do apoio prestado foi realizada sob a Caixa Amarela, ou seja, na forma de AMS ou de mi-nimis, que reconhecidamente têm efeito distorcivo so-bre o comércio. Não cabem dúvidas sobre a relevância de prosseguir com a redução das formas distorcivas de apoio doméstico em escala global.

Talvez ao leitor, a esta altura, possam surgir dúvidas adi-cionais. O Acordo de Agricultura não conteria meca-nismos para contornar os desequilíbrios causados pelo apoio doméstico ao comércio internacional? Ao impor um marco normativo comum, ainda que diferenciado para países desenvolvidos e em desenvolvimento, a dis-ciplina que esse marco impôs às políticas públicas nacio-nais dos países-membros não se encarregaria de limitar o crescimento do apoio doméstico e assim criar um cená-rio de estabilidade no longo prazo?

TABELA 1VALOR DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA E APOIO NOTIFICADO SOB O ARTIGO 6º - PAÍSES SELECIONADOS (EM US$ BILHÕES)

Membro Valor de produção Apoio notificado sob o Artigo 6º

China 1.230 29,2

UE 350 15,4

EUA 327 16,0

Índia 358 28,4

Japão 87,3 7,8

Brasil 162 2,9

Rússia 82 3,0

Indonésia 137 2,9

Noruega 3,5 2,1

Canadá 57 1,9

Suíça 10 1,4

México 45 1,2Fonte: OMC e FAO. Dados de 2016.

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TABELA 2 TOTAL DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS - PRODUTOS SELECIONADOS (EM US$ BILHÕES)

Carne Bovina

Ano 2014 2015 2016 2017 2018

Valor exportado 47,7 43,9 41,5 45,5 49,3Carne Suína

Ano 2014 2015 2016 2017 2018

Valor exportado 31,2 25,4 27,6 30,1 28,4Lácteos

Ano 2014 2015 2016 2017 2018

Valor exportado 100,2 80,3 80,8 94,2 94,6Soja

Ano 2014 2015 2016 2017 2018

Valor exportado 59,0 51,0 52,6 58,1 59,4Milho

Ano 2014 2015 2016 2017 2018

Valor exportado 33,2 28,7 29,4 30,0 33,7

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Fonte: Trade Map do International Trade Centre.

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2 3Nº 140 - Julho/Agosto/Setembro de 2019

RBCE - A revista da

As regras contidas no Art. 6o do Acordo estabelecem quatro canais de subsidiação, a saber:

a) O Artigo 6.1, que se refere à Medida Agregada de Apoio Final Consolidada (FBTAMS), abrange as medidas de apoio ao produtor que os países-mem-bros tenham notificado como parte de seu calendário de redução em 1995, quando da conclusão do AdA. Países desenvolvidos, bem como alguns em desenvol-vimento, fizeram uso dessa modalidade, que não esti-pulava valores máximos. É um dos componentes da chamada Caixa Amarela;

b) O Artigo 6.2, também conhecido como Caixa do Desenvolvimento, permite aos países em desenvol-vimento subsídios para: (i) investimentos gerais em agricultura; (ii) inputs para produtores de baixa renda ou com dificuldade de acesso a recursos; e (iii) apoio para diversificação de cultivos, de modo a facilitar o abandono de cultivos ilícitos (em particular, voltados para a produção de narcóticos). O Artigo 6.2 não es-tabelece limites de valor para a subsidiação;

c) O Artigo 6.4, referente ao de minimis, abrange as formas de apoio doméstico que não são computadas como AMS por representarem um valor considerado mínimo. Essa modalidade assume fundamentalmen-te duas formas: (i) apoio específico para um produto agrícola, desde que não exceda 5% o valor da produ-ção desse produto (o que constitui uma cláusula anti-concentração); e (ii) apoio não específico por produ-to, com a condição de que não exceda 5% do valor da produção agrícola do país. Países em desenvolvimen-to podem aplicar valores de 10%, tanto para apoio es-pecífico como para não específico; a grande exceção é a China, cujo de minimis é de 8,5%. Junto ao Artigo 6.1, essa modalidade compõe a Caixa Amarela;

d) O Artigo 6.5, mais conhecido como Caixa Azul, que abrange pagamentos diretos ao produtor em pro-gramas de limitação da produção, desde que os pa-gamentos sejam baseados em uma área de produção fixa, ou em um volume de colheita fixo, ou ainda, no caso da pecuária, em um número fixo de cabeças de gado. Tanto países em desenvolvimento como desen-volvidos podem utilizá-lo. Tampouco aqui se estabe-lecem limites máximos para a subsidiação.

Uma leitura rápida permite deduzir que as regras cons-tantes do Artigo 6o (sempre, portanto, excluindo a Cai-xa Verde, tratada no Anexo II do AdA) permitem que todos os países-membros elevem os níveis de subsidia-ção por um período indefinido e a valores indefinidos.

Vejamos. Das quatro modalidades tratadas acima, duas não possuem valores máximos: Caixa do Desenvolvi-mento e Caixa Azul; uma delas estabelece como valor máximo um percentual do valor da produção, o qual tende a crescer com o tempo à medida que se desenvolva o setor em questão: é o de minimis. A quarta modalida-de, a AMS, possui valores fixos. A justiça que se fez em 1995 entre países desenvolvidos e em desenvolvimento reside no fato de que os em desenvolvimento dispõem de uma Caixa inacessível aos desenvolvidos (a estabele-cida no Artigo 6.2) e contam com o dobro do percentu-al do de minimis.

Um exemplo do caráter aberto da subsidiação mediante as modalidades previstas no AdA é a evolução da Caixa Azul. Originalmente foi criada como demanda da União Eu-ropeia, que foi quem mais fez uso dessa forma de apoio doméstico, junto com Japão e Noruega. Com o apoio prestado sob essa modalidade nos últimos dois anos com informações disponíveis (2015 e 2016), a China tornou-se o membro que mais presta apoio para limita-ção da produção.

Vejamos, por meio da Tabela 3, como isso se reflete na prática dos doze maiores países subsidiadores da agricul-tura. A quarta coluna da Tabela 3 mostra os limites de subsidiação pela Caixa Amarela aos quais poderia che-gar cada país com base na soma de seu AMS com seu de minimis, calculados com base nas notificações mais recentes de cada país.

Os números mostram que, embora o AdA tenha esti-pulado parâmetros objetivos para a consideração dos

O Acordo de Agricultura não conteria mecanismos para

contornar os desequilíbrios causados pelo apoio doméstico

ao comércio internacional?

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2 4 Nº 140 - Julho/Agosto/Setembro de 2019

Subsídios Agrícolas na OMC

valores do apoio doméstico, seus dispositivos foram de-senhados de maneira que permite a elevação exponen-cial dos valores de apoio prestado. Sempre respeitando os parâmetros jurídicos vigentes pelo AdA, a União Europeia poderia aprovar uma elevação de seu apoio doméstico em 647,4% (de USD 15,4 bilhões a USD 115,1 bilhões), a China poderia aumentar em 612,3% (de USD 29, 2 bilhões a USD 208 bilhões), os Estados Unidos, em 223,7% (de USD 16 bilhões para USD 51,8 bilhões), e a Índia, em 152,1% (de USD 28,4 bilhões para USD 71,6 bilhões). A constatação a que chego com os valores acima mencionados não deve ser interpretada nem como um incentivo a que esses países utilizem plenamente seus direitos de prestação de apoio doméstico, nem como uma insinuação de que tenham a intenção de fazê-lo.

Voltemos à Tabela 2 para avaliar o impacto sobre o co-mércio agrícola internacional, que seria exercido pelo eventual exercício pleno dos direitos de prestar apoio doméstico desses principais países subsidiadores. O apoio que a China poderia conceder seria superior ao da soma do comércio global de carne bovina, lácteos e soja em 2018 (i.e., USD 49 bilhões, USD 94 bilhões e USD 59 bilhões). O apoio doméstico da Índia poderia chegar a valores equiparáveis ao da soma do comércio global de carne bovina e de milho em 2016 (USD 41 bilhões e USD 29 bilhões, respectivamente). Não esqueçamos, adicionalmente, que a União Europeia poderia elevar os valores de seu apoio doméstico a números superiores ao de toda a subsidiação global em 2018 (que, como sabe-mos, foi de USD 112,2 bilhões). Repito: se esses países decidissem elevar os valores de seu apoio doméstico a esses montantes, estariam agindo dentro do seu direito, conforme estabelecido pelo Acordo de Agricultura.

Em um contexto como o atual, em que a exacerbação das distorções no comércio internacional poderia ocorrer den-tro do pleno respeito à legalidade, qual seria o melhor curso de ação para países que, como o Brasil, veriam em um co-mércio agrícola justo um vetor de relevo para a realização do desenvolvimento nacional? Uma resposta que poderia ser ensaiada é a da plena utilização dos recursos legais de que dispõe o país em matéria de apoio doméstico, ou seja, a elevação do valor de apoio prestado pelo Brasil para USD 33,3 bilhões. Essa postura, no entanto, se revelaria uma solução ineficiente: em um eventual cenário de plena uti-lização dos recursos legais de apoio doméstico em escala global, o apoio que seria dado pela Índia seria 115% maior do que o brasileiro; o da União Europeia, 245,6% maior do que o brasileiro; e o da China, 524,6% maior.

Analisemos a questão mais detidamente. A Tabela 4 apresenta os gastos dos principais países subsidiadores no tocante à Caixa do Desenvolvimento e à Caixa Azul.

Ao se analisar o desempenho dos países em desenvolvi-mento quanto à Caixa Azul, vê-se que cinco dos seis pa-íses listados – Índia, Brasil, Rússia, Indonésia e México – não realizaram dispêndios nessa área. A exceção é a China, com seus USD 5,8 bilhões. Se, por outro lado, for analisado o desempenho dos países em desenvolvimento no que se refere a pagamentos sob o Artigo 6.2 do AdA, percebem-se gastos minguados frente ao conjunto do co-mércio agrícola internacional: a Indonésia prestou apoio de USD 3 bilhões em 2017; o Brasil, de USD 700 mi-lhões; e o México, de USD 600 milhões. A China abriu mão de valer-se da Caixa do Desenvolvimento nas con-dições que aceitou ao aceder à OMC. A exceção, nesse quadro, é a Índia, que prestou USD 22,8 bilhões.

Membro Valor de Produção

Apoio notificado sob

o Artigo 6o

Entitlements de Caixa Amarela

China 1.230 29,2 208,0 (de minimis)

UE 350 15,4 115,1 (AMS 80,1 + de minimis)

EUA 327 16,0 51,8 (AMS 19,1 + de minimis)

Índia 358 28,4 71,6 (de minimis)

Japão 87 7,8 45,2 (AMS 36,5 + de minimis)

Brasil 162 2,9 33,3 (AMS 0,9 + de minimis)

Rússia 82 3,0 14,5 (AMS 6,3 + de minimis)

Indonésia 137 2,9 27,4 (AMS + de minimis)

Noruega 3,5 2,1 1,6 (AMS 1,3 + de minimis)

Canadá 57 1,9 10 (AMS 4,3 + de minimis)

Suíça 10 1,4 5,2 (AMS 4,2 + de minimis)

México 45 1,2 10,3

(AMS 1,3 + de minimis)

TABELA 3 LIMITES DE SUBSIDIAÇÃO NA CAIXA AMARELA – PAÍSES SELECIONADOS (EM US$ BILHÕES)

Fonte: OMC e FAO. Dados de 2016.

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RBCE - A revista da

Talvez a melhor explicação que surge da análise comparati-va dos desempenhos mostrados nesse quadro seja que o re-lativamente baixo grau de apoio doméstico dado pelos paí-ses em desenvolvimento não se explica necessariamente por uma eventual falta de relevância do setor agrícola perante as respectivas economias nacionais (são todos atores de re-levo na produção agrícola mundial), nem por uma baixa prioridade que o setor pudesse ter junto aos tomadores de decisão em matéria de políticas públicas nacionais (de di-ferentes maneiras, o setor agrícola é sensível em todos os países listados). A questão central, ou pelo menos uma das centrais, parece ser a capacidade orçamentária dos governos em dedicar recursos para o apoio doméstico.

O fato de Índia e China terem um desempenho superior em apoio doméstico em relação aos demais países em de-senvolvimento é tipicamente a exceção que comprova a regra, uma vez que são os países que dispõem dos maio-res valores de produção nacional nesse grupo e portanto ao menos em princípio dispõem de maior capacidade de subsidiação: a agricultura indiana tem o valor notificado de USD 358 bilhões e a chinesa, de USD 1,23 trilhão. Em termos relativos, o apoio doméstico notificado pela Índia sob o Artigo 6º do AdA corresponde a 7,93% de sua produção; o da China, a apenas 2,37%. A título de com-paração, o dos Estados Unidos é 4,89% e o do Japão atin-ge 8,93%. Mesmo em termos relativos, contudo, o Brasil subsidia pouco: o apoio doméstico notificado pelo país sob o mesmo Artigo 6º equivale a 1,79% da produção.

Fica claro que o aumento do apoio doméstico não é uma solução sistêmica adequada para os países que buscam na agricultura a promoção de seu desenvolvimento nacional, na medida em que a premissa para tanto é que tenham previamente alcançado um grau de desenvolvimento que lhes permita subsidiar mais. A construção de “um sistema de comércio agrícola justo e orientado ao mercado”, que proporcione “elevar padrões de vida, garantir pleno em-prego e um volume grande e constantemente crescente de renda real e demanda efetiva”, como afirma o preâmbulo do GATT de 1947, parece passar necessariamente por

TABELA 4DISPÊNDIOS DE CAIXA AZUL E DE CAIXA DE DESENVOLVIMENTO – PAÍSES SELECIONADOS (EM US$ BILHÕES)

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Membro Valor de Produção Apoio notificado Artigo 6º

Dispêndio de Caixa Azul

Dispêndio de Caixa do Desenvolvimento

China 1.230 29,2 5,8 -

UE 350 15,4 4,8 (em 2015) -

EUA 327 16,0 - -

Índia 358 28,4 - 22,8

Japão 87,3 7,8 0,8 (em 2015) -

Brasil 162 2,9 - 0,7

Rússia 82 3,0 - -

Indonésia 137 2,9 - 3,0 (em 2017)

Noruega 3,5 2,1 0,7 -

Canadá 57 1,9 - -

Suíça 10 1,4 - -

México 45 1,2 - 0,6

Fonte: OMC e FAO. Dados de 2016.

Em um contexto como o atual, em que a exacerbação das distorções no comércio internacional poderia ocorrer dentro do pleno respeito à

legalidade, qual seria o melhor curso de ação para países que, como o Brasil, veriam em um comércio agrícola justo um vetor de relevo para a realização do

desenvolvimento nacional?

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2 6 Nº 140 - Julho/Agosto/Setembro de 2019

Subsídios Agrícolas na OMC

um nivelamento nas condições de concorrência em que se eliminem, ou se reduzam drasticamente, os subsídios distorcivos ao comércio agrícola internacional.

A questão do apoio doméstico em agricultura é de inte-resse global, na medida em que afeta o conjunto dos flu-xos de comércio internacionais e é de interesse da vasta maioria dos países-membros da OMC. Mas os dispên-dios de apoio com efeito distorcivo não estão uniforme-mente distribuídos entre os Estados. A análise da Tabela 5, que evidencia a evolução dos principais subsidiadores internacionais ao longo das últimas duas décadas, é es-clarecedora a esse respeito.

A Tabela 5 é útil para mostrar a evolução histórica do apoio doméstico em escala global. Mostra a ascensão do apoio prestado pela China, entre 2001 e 2014, e a queda dos valores brindados sob o Artigo 6o pela União Euro-peia e pelos Estados Unidos.

Para efeitos desta análise, centrada aqui na questão de como se pode avançar na direção de um comércio agrí-cola internacional não distorcido, a conclusão a que se pode chegar é a constatação da concentração do apoio doméstico em um número limitado de países, a despeito da variação de volume de apoio prestado por país nesse período. Os dez maiores subsidiadores respondiam por 95% do apoio doméstico brindado em todo o mundo em 2001; essa proporção foi reduzida para 91% em 2010 e a 93% em 2014.

A questão que se impõe é como engajar os países-mem-bros da OMC em um esforço de remodelar seus siste-mas de apoio doméstico, respeitando suas peculiari-dades e necessidades nacionais, de modo a reduzir de maneira significativa os valores de subsídios distorcivos e criar um sistema de comércio agrícola internacional justo. Uma eventual solução para essa questão será a chave para o fortalecimento do sistema multilateral de comércio em seu conjunto e para o desenvolvimento de uma grande maioria dos países-membros da OMC.

Membro 2001 2010 2014

Em bilhões de dólares

Em % do totalEm bilhões de

dólaresEm % do

totalEm bilhões de

dólaresEm % do

total

Índia 8,24 7,7 33,89 29,9 27,88 20,1

China 0,30 0,3 18,17 16,0 51,72 37,3

UE 57,09 53,1 14,52 12,8 15,13 10,9

Japão 6,50 6,0 11,11 9,8 8,51 6,1

EUA 21,53 20,0 10,11 8,9 13,59 9,8

Brasil 1,30 1,2 5,13 4,5 4,54 3,3

Canadá 1,98 1,8 3,01 2,7 1,93 1,4

México 1,21 1,1 2,59 2,3 2,22 1,6

Noruega 2,00 1,9 2,36 2,1 2,42 1,7

Suíça 1,63 1,5 2,34 2,1 1,49 1,1

Subtotal 101,84 94,7 103,23 91,1 129,43 93,4

Total Apoio Artigo 6º 107,57 100,0 113,34 100,0 138,52 100,0

TABELA 5 EVOLUÇÃO DO DISPÊNDIO EM SUBSÍDIOS – PAÍSES SELECIONADOS

Fonte: OMC.

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A construção de “um sistema de comércio agrícola justo e orientado

ao mercado” ... parece passar necessariamente por um nivelamento

nas condições de concorrência em que se eliminem, ou se reduzam

drasticamente, os subsídios distorcivos ao comércio agrícola

internacional