rosi terezinha ferrarini gevaerd
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ROSI TEREZINHA FERRARINI GEVAERD
APROPRIAÇÕES DAS NARRATIVAS DO MANUAL DIDÁTICO DE HISTÓRIA:
CONCEITO ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL
CURITIBA
2013
ROSI TEREZINHA FERRARINI GEVAERD
APROPRIAÇÕES DAS NARRATIVAS DO MANUAL DIDÁTICO DE HISTÓRIA:
CONCEITO ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL
Relatório de Pesquisa de Pós-Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Educação, Setor de Educação, da Universidade Federal do Paraná.
Supervisão: Prof.a Dr.a Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia
CURITIBA
2013
À minha família, pelo apoio e incentivo.
AGRADECIMENTOS
À Professora Dr.a Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia, pela atenciosa
acolhida, apoio e disponibilidade para a minha proposta de pesquisa.
À Dr.a Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, por incentivar essa
caminhada, mas, especialmente, pelo convívio acadêmico e profissional.
Às amigas e amigos do grupo de Educação Histórica, pelas discussões
teóricas e momentos de convívio que contribuem significativamente para
as nossas pesquisas.
Às professoras, professores, alunos e alunas que participaram dos diferentes
contextos da investigação, pela cooperação e disponibilidade.
A todos e todas que, de alguma forma, manifestaram seu apoio para a
concretização desta pesquisa.
Aos meus familiares, muito obrigada!
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - CONTATO COM OS MANUAIS .............................................................. 28
QUADRO 2 - HORÁRIO E FORMA DA ESCOLHA ...................................................... 29
QUADRO 3 - CRITÉRIOS DE ESCOLHA .................................................................... 30
QUADRO 4 - MANUAIS DIDÁTICOS RECEBIDOS NAS ESCOLAS
MUNICIPAIS/PNLD 2010 ........................................................................ 33
QUADRO 5 - UTILIDADE PARA O ENSINO: CARACTERÍSTICAS
APRESENTADAS PELOS PROFESSORES E PROFESSORAS .......... 34
QUADRO 6 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: MANUAIS DIDÁTICOS PNLD/2010 .......... 37
QUADRO 7 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: IDEIAS MAIS RECORRENTES ................. 38
QUADRO 8 - COLEÇÃO VONTADE DE SABER HISTÓRIA: CONTEÚDOS
POR ANO ................................................................................................ 43
QUADRO 9 - NARRATIVA: A MÃO DE OBRA AFRICANA .......................................... 45
QUADRO 10 - CONCEITO SUBSTANTIVO ESCRAVIDÃO AFRICANA NO
BRASIL: CATEGORIZAÇÃO .................................................................. 53
QUADRO 11 - USO DO MANUAL DIDÁTICO EM AULAS DE HISTÓRIA ..................... 61
QUADRO 12 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: IDEIAS DOS ALUNOS .............................. 76
QUADRO 13 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: COM QUEM APRENDEU .......................... 78
QUADRO 14 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: ONDE APRENDEU ................................... 79
QUADRO 15 - MARCADORES TEMPORAIS UTILIZADOS PELOS ALUNOS ............. 80
QUADRO 16 - MARCADORES ESPACIAIS PRESENTES NAS NARRATIVAS
DOS ALUNOS ......................................................................................... 83
QUADRO 17 - AGENTES/PERSONAGENS HISTÓRICOS PRESENTES NAS
NARRATIVAS DOS ALUNOS ................................................................. 84
QUADRO 18 - NÍVEL DAS NARRATIVAS DOS ALUNOS ............................................. 87
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 7
1 MANUAL DIDÁTICO: UM PRODUTO DA CULTURA ESCOLAR ................ 18
1.1 MANUAL DIDÁTICO: DIFUSOR DE NARRATIVAS HISTÓRICAS ............. 18
1.2 CULTURA ESCOLAR, CULTURA HISTÓRICA E O MANUAL
DIDÁTICO .................................................................................................... 22
2 MANUAL DIDÁTICO: A ESCOLHA EM ESCOLAS MUNICIPAIS DE
CURITIBA ...................................................................................................... 27
2.1 O PROCESSO DE ESCOLHA DO MANUAL DIDÁTICO: ESTUDO
EXPLORATÓRIO ......................................................................................... 28
2.2 O PROCESSO DE ESCOLHA DO MANUAL DIDÁTICO: ESTUDO
PRINCIPAL .................................................................................................. 32
2.2.1 A escolha do manual didático .................................................................... 33
3 O MANUAL DIDÁTICO: CONCEITO SUBSTANTIVO A ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL ................................................................................ 36
3.1 MANUAIS DIDÁTICOS PNLD/2010 E O CONCEITO SUBSTANTIVO
ESCRAVIDÃO: ESTUDO EXPLORATÓRIO ............................................... 37
3.2 COLEÇÃO VONTADE DE SABER HISTÓRIA E O CONCEITO
SUBSTANTIVO ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL: ESTUDO
PRINCIPAL .................................................................................................. 42
3.3 O CONCEITO SUBSTANTIVO: A ESCRAVIDÃO AFRICANA NO
BRASIL ........................................................................................................ 44
4 MANUAL DIDÁTICO: USO E APROPRIAÇÕES EM AULAS DE
HISTÓRIA ...................................................................................................... 56
4.1 A RELAÇÃO DO ALUNO COM O MANUAL DIDÁTICO .............................. 56
4.2 MANUAL DIDÁTICO: EVIDÊNCIAS DO USO EM AULAS DE
HISTÓRIA .................................................................................................... 58
4.2.1 A relação da professora e aluno com o manual didático: a mediação
didática ...................................................................................................... 59
5 NARRATIVAS HISTÓRICAS: UMA MANEIRA DE ENSINAR E
APRENDER HISTÓRIA ................................................................................. 67
5.1 NARRATIVA HISTÓRICA E A APRENDIZAGEM HISTÓRICA ................... 67
5.2 NARRATIVAS PRODUZIDAS EM CONTEXTO DE ESCOLARIZAÇÃO ..... 73
5.2.1 Narrativas produzidas em contexto de escolarização: estudo
exploratório ................................................................................................ 74
5.2.2 Narrativas produzidas em contexto de escolarização: estudo principal ..... 78
5.2.2.1 Narrativas produzidas pelos alunos: ideias dos alunos ......................... 80
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 91
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 97
APÊNDICE - RELATÓRIO DE ATIVIDADES REALIZADAS PÓS-
DOUTORAMENTO ....................................................................... 103
7
INTRODUÇÃO
A presente investigação se enquadra no contexto específico do ensino de
História, sendo que as atividades constitutivas dessa pesquisa inscrevem-se na área de
investigação da Educação Histórica, no Programa de Pós-Graduação da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), na Linha de Pesquisa Cultura, Escola e Ensino, no Grupo
de Pesquisa Cultura, Práticas Escolares e Educação Histórica, mais especificamente
no Núcleo de Pesquisas em Publicações Didáticas (NPPD), sob a Supervisão da
Prof.a Dr.a Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia.
O Núcleo de Pesquisas em Publicações Didáticas está vinculado ao Grupo
de Pesquisa Cultura, Práticas Escolares e Educação Histórica, certificado pela UFPR
e cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. O grupo tem como
preocupação compreender o papel que os materiais didáticos cumprem na constituição
dos "modos de ensinar", nas diferentes áreas de conhecimento. Os participantes do
núcleo participam de associações científicas nacionais, exercem coordenação de
grupos de trabalho permanentes, e desenvolvem pesquisas integradas com outras
universidades, no Brasil e, no exterior.
As atividades do referido núcleo constituem-se no estudo, a avaliação e a
produção de materiais didáticos, destinados a alunos e a professores, sendo que a
referida professora coordena os seguintes projetos: Professores, manuais didáticos
e a produção do conhecimento nas aulas (2010-2012), O uso do livro didático no
cotidiano escolar (2007-2010); A cultura escolar e a construção do método de ensino:
manuais didáticos, práticas escolares e formação docente (2001-atual).
No contexto iberoamericano, a professora participa, juntamente com a
Prof.a Dr.a Maria Auxiliadora Schmidt, do projeto La visión de Historia escolar en el
ámbito iberoamericano: un acercamiento a las percepciones de alumnos y professores
(2005-atual), contando com a participação de pesquisadores da Argentina, Brasil,
Chile, Espanha, México, Nicarágua e Venezuela.
Desde 1997 o NPPD e o Laboratório de Pesquisas em Educação Histórica
(LAPEDUH) da UFPR desenvolvem projeto de extensão e pesquisa denominado
Recriando Histórias. Este projeto é desenvolvido junto às escolas públicas de
municípios da Região Metropolitana de Curitiba, num trabalho colaborativo entre as
investigadoras da UFPR e os professores e alunos destas redes de ensino.
8
Os resultados se materializaram na produção de livros paradidáticos que privilegiam
a história local e passaram a ser utilizados pelos professores e alunos em aulas
de História.
Nesse sentido, as investigações que têm sido desenvolvidas no referido
Núcleo justificam o desenvolvimento dessa investigação, particularmente, quando
trata de "compreender a presença de materiais didáticos na aula, especialmente os
livros didáticos", objetivo apontado pela coordenadora Tânia Braga Garcia (2011),
em entrevista sobre "Materiais didáticos são mediadores entre professor, alunos e o
conhecimento"
Como apontado pela referida investigadora,
Segundo mostram algumas pesquisas – que ainda são poucas, tanto no Brasil como em outros países – ao mesmo tempo em que alguns professores informam não usar os livros, preferindo preparar seus próprios materiais ou fazer seus alunos copiarem do quadro, outros professores dizem que usam os livros para estudar o conteúdo, suprindo lacunas na sua formação; outros ainda afirmam que os livros são guias para a organização das aulas, orientando temas e atividades que o professor seleciona de acordo com as orientações da escola ou com seu planejamento individual. De qualquer forma, essa diversidade de usos revela a importância que os livros continuam tendo em nossa cultura escolar, embora pouco se tenha estudado ainda sobre a presença desse material nas aulas, sobre o uso que fazem dele alunos e professores (GARCIA, 2011).
Nesse sentido, a contribuição dessa investigação será no sentido de obter
evidências sobre como ocorre o uso desse material didático em aulas de história.
Ademais, a intenção de desenvolver essa pesquisa no Pós-Doutorado está
vinculada à minha participação no grupo de pesquisa Cultura, Saberes e Práticas
Escolares e Educação Histórica, cadastrado no conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), bem como junto ao Laboratório de Pesquisa em
Educação Histórica, articulado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFPR. Esses grupos agregam professores e alunos cujas atividades principais de
pesquisa têm como foco a Educação Histórica.
Essa área de pesquisa busca investigar as ideias históricas de alunos e
professores, tendo como fundamento principal a própria epistemologia da História.
Entre as investigações realizadas no âmbito da Educação Histórica, encontram-se
estudos sobre consciência histórica, ideias substantivas e ideias de segunda ordem
em História. Nesse contexto, essa investigação pretende verificar como ocorre o uso
do manual didático de história em processo de escolarização e observar se ocorrem
9
mediações no desenvolvimento das aulas na perspectiva da Educação Histórica,
assim como verificar como o professor e alunos se relacionam com os conceitos
históricos trabalhados, e de que forma estes conceitos estão constituindo a consciência
histórica desses alunos.
Essa preocupação em relação ao ensino e aprendizagem em história já
estava presente em pesquisa desenvolvida no mestrado.1 Diante da lei2 que propõe
a obrigatoriedade da disciplina de História do Paraná, busquei investigar a presença
deste ensino em escolas da Rede Municipal de Ensino de Curitiba (RME). Procurei
reconstruir como foi se constituindo o ensino de História do Paraná, com o objetivo de
identificar as permanências, as mudanças e as descontinuidades que se efetivaram
desde as primeiras indicações desses conteúdos, enquanto saber escolar, até a
proposta curricular da RME, de 1997-2000, tendo como categoria de análise o
conceito de código disciplinar3, de Cuesta Fernandez (1997, 1998).
Naquele contexto, após análise
Dos textos visíveis (Relatórios, Regimentos, Históricos, Planos Curriculares, Diretrizes Curriculares), bem como dos textos invisíveis (a prática pedagógica por meio das entrevistas), pude constatar como foi se consolidando um código disciplinar do ensino de história do Paraná na Rede Municipal de Ensino de Curitiba (GEVAERD, 2009, p.18).
Além disso, observei, nas escolas pesquisadas, que "algumas professoras
vivenciam um processo relativo de autonomia para definir a organização curricular,
bem como a seleção de conteúdos do Currículo Básico, do manual didático ou
1 A dissertação de mestrado recebeu o título "História do Paraná: a construção do código disciplinar e a formação de uma identidade paranaense", sob a orientação da Prof.a Dr.a Maria Auxiliadora Schmidt, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, tendo sido defendida em agosto de 2003.
2 Lei n.o 13.381, sancionada pelo governador Jaime Lerner em 18 de dezembro de 2001, oriunda do projeto de lei de autoria do deputado Hermas Brandão, que torna obrigatório o ensino de história do Paraná no ensino fundamental (PARANÁ, 2001).
3 Código disciplinar é "uma tradição social que se configura historicamente e que se compõe de um conjunto de idéias, valores, suposições e rotinas que legitimam a função educativa atribuída à História e que regulam a ordem da prática de seu ensino. O código disciplinar da História alberga, pois, as especulações e retóricas discursivas sobre o seu valor educativo, os conteúdos de ensino e os arquétipos da prática docente, que se sucedem no tempo e que se consideram, dentro da cultura, valiosos e legítimos" (CUESTA FERNANDEZ, 1997, p.20).
10
outros livros disponíveis na escola, para constituírem um saber a ser ensinado".
(GEVAERD, 2003, p.181)
As professoras selecionam, dentre os manuais didáticos oferecidos pela administração, aqueles que consideram contemplar os conteúdos de História do Paraná a serem ensinados. A partir do manual recebido, nem sempre o escolhido, a professora seleciona os conteúdos que vai ensinar, organizando o seu planejamento, bem como as atividades a serem elaboradas pelos alunos e alunas (GEVAERD, 2003, p.181).
Após a pesquisa empreendida no Mestrado ocorreram mudanças nas
indicações curriculares da RME. Em 2006, a Secretaria Municipal de Educação de
Curitiba (SME) propôs uma nova reorganização curricular, que se concretizou no
documento Diretrizes Curriculares para a Educação Municipal de Curitiba (CURITIBA,
2006). A concepção adotada nas diretrizes apresentava mudanças, na medida em
que assumia como pressupostos teóricos e metodológicos os estudos na perspectiva
da Educação Histórica, indicando, entre outras questões,
Para que o ensino de História não seja a "regurgitação do passado", o professor deve estimular o pensamento crítico de seus estudantes adotando alguns procedimentos específicos, como investigar as idéias que eles já possuem, possibilitando que reflitam sobre diferentes hipóteses em História; exercitar com seus alunos a seleção das diferentes respostas historiográficas para aquele contexto histórico; estimulá-los a construírem novas hipóteses investigativas, ou seja, novas questões de investigação (BARCA, 19984 apud CURITIBA, 2006, p.152).
A contribuição para alguns fundamentos na perspectiva da Educação Histórica
na concepção das referidas Diretrizes se deve, principalmente, à minha participação
no Seminário "Investigar no ensino, uma prática do professor", ministrado pela
Prof.a Dr.a Isabel Barca, no Programa de Pós-Graduação em Educação, organizado
pela Universidade Federal do Paraná, em 2003, quando tive acesso aos estudos e
investigações na área denominada Educação Histórica.
4 BARCA, I. Verdade e perspectivas do passado na explicação em história: uma visão pós-desconstrucionista. Revista: O estudo da história. O ensino da história: problemas da didáctica e do saber histórico. Lisboa: APH – Associação de Professores de História, n.3, p.163-173, 1998.
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A partir daquele momento tenho procurado aprofundar-me em estudos
referentes aos fundamentos teóricos e metodológicos, assim como participar de todas
as discussões, em Seminários, Jornadas, Grupos de Estudo e eventos, que têm sido
organizados por diferentes instituições, de cunho local, nacional e internacional.
Entre eles, o meu contato com o grupo português durante o meu doutoramento5, no
Estágio Científico Avançado, na Universidade do Minho, Braga, Portugal, sob a
orientação da Prof.a Dr.a Isabel Barca, visando a um maior alargamento conceitual
nessa área de investigação, pois, como acentua Barca:
O ensino de História constitui-se hoje como um fértil campo de investigação, sendo objeto de pesquisa sob diversos ângulos que integram quer perspectivas diacrônicas quer a análise de problemáticas atuais do ensino específico. É dentro desta segunda perspectiva que a investigação sobre cognição e ensino de História [...] tem-se desenvolvido com pujança em vários países [...]. Nestes estudos, os pesquisadores têm centrado a sua atenção nos princípios, fontes, tipologias e estratégias de aprendizagem em História, sob o pressuposto de que a intervenção do professor na qualidade das aprendizagens exige um conhecimento sistemático das idéias históricas dos alunos, por parte de quem ensina (e exige também um conhecimento das idéias históricas destes últimos). A análise destas idéias implica um enquadramento teórico que respeite a natureza do saber histórico e que deve refletir-se, do mesmo modo, na aula de História (BARCA, 2005, p.15).
Diante disso, no doutorado, busquei dar continuidade à pesquisa de mestrado
identificando as mudanças, permanências e descontinuidades que se efetivaram nas
narrativas da história do Paraná a partir da análise dos textos visíveis, como as
Propostas Curriculares da RME, as narrativas difundidas pelos manuais didáticos
usados pela professora e as narrativas produzidas pelos alunos.
Assim, pautando-me em investigações no âmbito da Educação Histórica,
delineei minha pesquisa, mais precisamente na linha de investigação da cognição
histórica situada, a qual engloba estudos que têm como perspectiva a compreensão
das ideias de professores e alunos em contexto de ensino – aulas de história, tomando
como referência o próprio conhecimento histórico. Realizei a investigação a partir de
observações da prática docente durante um ano letivo (2007), acompanhando
5 Com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, na medida em que foi concedida Bolsa Doutorado Sanduíche no Exterior – SWE, no período de 11 de fevereiro a 30 de junho de 2008.
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algumas aulas de história. Isto ocorreu em virtude da opção feita para a pesquisa –
um estudo de cunho etnográfico.
Partindo do pressuposto de que a história como ciência possui uma natureza
narrativista, minha tese consistiu em mostrar que existem narrativas históricas no
processo de escolarização, difundidas pelos manuais didáticos, pelas propostas
curriculares e pelas aulas da professora, e que a partir da convergência dessas
narrativas ocorre a aprendizagem histórica que se evidencia nas narrativas produzidas
pelos alunos.
Considerando isso, levantei as seguintes questões:
- Que tipo de narrativas sobre a história do Paraná é difundido pelo manual
didático, pelas propostas curriculares e pelas aulas da professora?
- Tendo em vista as narrativas difundidas na escola, como o aluno manifesta a
sua aprendizagem histórica, sob a forma de narrativas?
Para tanto, delimitei o campo de investigação: uma turma de Ciclo II -
2.a etapa - 5.o ano do ensino fundamental de uma escola da Rede Municipal de
Ensino de Curitiba, com alunos entre 9 e 11 anos de idade. A metodologia de pesquisa
consistiu em Observação não-participativa, ou seja, em acompanhar as aulas de história
da referida turma, durante um ano letivo, sem interferência nas aulas da professora.
Entre outras questões, ficou evidenciado que ocorreu uma convergência entre
as narrativas difundidas nos manuais didáticos6, na explicação da professora e nas
propostas curriculares, e isto sugere uma forte presença da perspectiva da história
tradicional do Paraná. Essa convergência se dá em torno de uma historiografia que foi
se constituindo desde o final do século XIX e, mais especialmente, nas primeiras
décadas do século XX. Trata-se da historiografia na perspectiva do paranismo, que
também encontrei quando investiguei a construção do código disciplinar da história
do Paraná, em meu trabalho de mestrado.
Constatei, de modo geral, que a concepção de história presente nas
narrativas dos manuais didáticos usados pela professora é a de uma história factual,
acrítica e cronológica. Uma história construída a partir de "grandes vultos" e "heróis",
6 Manuais didáticos usados pela professora: EITEL, L. S. Conhecendo o Paraná. São Paulo: Ática, 1995; TUMA, M. M. P. Viver é descobrir: história e geografia: Paraná. São Paulo: FTD, 1992.
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apresentando datas que determinam épocas de fatos e acontecimentos, em uma
concepção de cunho positivista da história.
Em 2009, após a defesa da minha tese, iniciei a minha participação no
"Grupo de Pesquisa em Educação Histórica" vinculado ao Projeto "Aprender a ler e
aprender a escrever em História", aprovado como bolsa produtividade do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ/2009-2012), e que
constitui uma das ações do conjunto de atividades do Laboratório de Pesquisa em
Educação Histórica, integrado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR,
sob a coordenação da Profa. Dra. Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt.
Este grupo foi criado com o objetivo de reunir um grupo de pesquisadores7,
mais especificamente, doutores e mestres com trabalhos já defendidos, para
levantamento de dados comparativos entre Brasil e outros países que realizam
pesquisas em Educação Histórica.
Estas pesquisas têm tomado como foco um conjunto de investigações sobre a
forma como a narrativa histórica escolarizada tem tratado a temática da escravidão no
Brasil e sua relação com a formação da consciência histórica de jovens escolarizados,
tendo como pressupostos teóricos os princípios específicos da Educação Histórica,
especialmente, os que fundamentam as investigações que têm como preocupação
os estudos sobre formação de consciência histórica, como os trabalhos de Lee
(2001, 2003); Rüsen (2001, 2007); Schmidt (2002, 2006); Schmidt e Garcia (2006);
entre outros.
Para nortear as pesquisas levantou-se a seguinte questão de investigação:
De que forma a instituição de determinadas narrativas históricas pela história
escolarizada tem contribuído para a formação da consciência histórica sobre a
escravidão no Brasil?
7 Dr.a Ana Cláudia Urban, Rede Estadual de Ensino do Paraná e Faculdade Sant'Ana – Ponta Grossa; Dr. Daniel Hortêncio de Medeiros, Universidade Positivo; Dr. Geyso Dongley Germinari, Pesquisador UFPR/LAPEDUH; Dr.a Marlene Terezinha Grendel, Rede Municipal de Ensino de Araucária e Rede Estadual de Ensino do Paraná; Dr.a Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd, Rede Municipal de Ensino de Curitiba; Ms. Alamir Muncio Compagnoni, Rede Municipal de Ensino de Araucária; Ms. Adriane de Quadros Sobanski, Rede Estadual de Ensino do Paraná e Rede Particular de Ensino do Paraná; Ms. Henrique Rodolfo Theobald, Rede Municipal de Ensino de Araucária; Ms. Lilian Costa Castex, Rede Municipal de Ensino de Curitiba; Ms. Lindamir Zeglin, Rede Municipal de Ensino de Araucária.
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Os pesquisadores têm investigado a temática em pauta em produtos da
cultura escolar e nas ideias de alunos e professores8, tais como: Revistas de História
(paradidáticas); Publicações acadêmicas de História (Anais); Manuais didáticos do
Ensino Fundamental e Médio (Programa Nacional do Livro Didático – PNLD9);
Questões de vestibular; Ideias de escravidão em alunos do ensino básico; Ideias de
escravidão em professores de história do ensino básico.
Dentre estes produtos da cultura escolar, tomei como foco de investigação os
manuais didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mais especificamente
os recebidos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD/2010, 4.o e 5.o anos.
Em seguida, busquei investigar a relação entre a narrativa do manual didático usado
em sala de aula e as ideias expressas pelos alunos em suas narrativas.
Em 2010, ocorreu a ampliação do referido grupo de pesquisa, na medida em
que professores da rede estadual de ensino do Paraná que estavam desenvolvendo
suas pesquisas no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) sentiram a
necessidade de discutir a questão da escolha dos manuais didáticos referentes aos
livros oferecidos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2011, referente
aos anos finais do Ensino Fundamental. Diante da necessidade apresentada pelos
professores em relação a essa escolha, a Prof.a Maria Auxiliadora Schmidt organizou
o Seminário: Manuais didáticos, com o objetivo de subsidiar os referidos professores
na análise e seleção dos livros para as suas escolas.
Durante esse processo, fiz a proposta para dar continuidade a essa pesquisa
junto ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Pós-Doutorado, mais especificamente junto ao NPPD, com a intenção de ampliar a
investigação. Nesse sentido, o percurso da investigação desenvolvida em 2010
passou a ser considerada como estudo exploratório e, com isso, levantei a seguinte
questão de investigação para o estudo principal:
8 Alguns resultados destas investigações foram apresentados no 1.o Colóquio do Grupo de Pesquisa em Educação Histórica, com a temática Escravidão: Perspectivas da Educação Histórica, realizado no dia 12 de junho de 2010, na UFPR.
9 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como principal objetivo subsidiar o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções de livros didáticos aos alunos da educação básica. Após a avaliação das obras, o Ministério da Educação (MEC) publica o Guia de Livros Didáticos com resenhas das coleções consideradas aprovadas. O guia é encaminhado às escolas, que escolhem, entre os títulos disponíveis, aqueles que melhor atendem ao seu projeto político pedagógico. (Brasil. Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=668id=12391option=com_contentview=article).
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Como ocorre o uso e as apropriações das narrativas do manual didático por
professor e alunos no processo de escolarização?
A partir dessa questão principal, estruturei a investigação com as seguintes
questões:
- Como foi o processo de escolha do manual didático dos anos finais do
Ensino Fundamental – 6.o ao 9.o, PNLD/2011 nas escolas da RME?
- Quando o professor usa o manual didático ele usa a narrativa da forma que
está presente no manual?
- Qual a ideia expressa pelo aluno em relação ao conceito substantivo
escravidão africana no Brasil?
Para fundamentar o percurso metodológico assumido, parti das considerações
pautadas por autores da pesquisa qualitativa, tomando como referência, especialmente,
os estudos de Godoy (1995); Bogdan e Biklen (1994). Para tanto, defini os seguintes
procedimentos, inicialmente, a aplicação de um questionário exploratório para saber
o processo de escolha dos manuais adotados nas escolas municipais de Curitiba –
PNLD/2011.
Em seguida, entrevista com uma professora que participou da escolha dos
manuais didáticos para saber como a professora usa e se apropria das narrativas do
manual adotado.
Além disso, analisei o manual didático Vontade de saber história (PELLEGRINI
et al., 2009), um dos mais adotados nas escolas municipais, para buscar identificar
como o conceito substantivo escravidão africana no Brasil está proposto.
Concomitante a esse processo, acompanhei algumas aulas de história em
que a professora trabalhou o referido conceito substantivo.
Desse modo, o campo de investigação ficou definido como uma turma de
7.o ano do ensino fundamental de uma escola da Rede Municipal de Ensino de
Curitiba, com alunos entre 11 e 13 anos. A metodologia de pesquisa consistiu em
Observação não-participativa, ou seja, em acompanhar as aulas de história da referida
turma, durante o período em que a professora tratasse do conceito substantivo em
questão, sem interferência nas aulas da professora.
A estrutura do trabalho ficou constituída em cinco capítulos. O primeiro
capítulo, sob o título Manual didático: um produto da cultura escolar, foi organizado a
partir das considerações adotadas na minha pesquisa de doutorado, na medida em
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que naquele momento assumi a ideia de que o manual didático pode ser considerado
como um difusor de narrativas históricas tendo como referência, especialmente, os
estudos de Cuesta Fernandez (1997, 1998), Bittencourt (2001), Abud (1984) e
Carretero (2007). Ademais, busquei as reflexões a partir dos estudos de Schmidt
(2012) sobre a relação entre o conceito da cultura histórica de Rüsen (1994), e suas
interrelações com o ensino e a aprendizagem histórica, mais especificamente, em
relação a um dos elementos da cultura escolar – o manual didático, pois, segundo
Rüsen (2012), o livro de História é o guia mais importante da aula de História e este
deve ter algumas condições para que seja considerado um "livro ideal", e com isso
possibilite a aprendizagem da História que, no seu entender, é um processo de
desenvolvimento da consciência histórica no qual se devem adquirir competências
da memória histórica.
No segundo capítulo, sob o título Manual didático: a escolha em escolas
municipais de Curitiba, apresento como ocorreu o processo de escolha do manual
didático em escolas municipais. Retomei os estudos referentes à pesquisa qualitativa,
na medida em que essa forma de investigação tem ocupado um lugar relevante
entre as várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres
humanos e suas relações sociais. No estudo exploratório obtive as informações dos
professores que estavam participando da formação continuada oferecida pela SME –
curso de história, mais especificamente, envolvendo três escolas municipais e, no
estudo principal, obtive as informações a partir de um questionário enviado a todos
os professores de história da RME.
No terceiro capítulo, sob o título O manual didático: conceito substantivo a
escravidão africana no Brasil, trato da análise de duas coleções mais adotadas pelas
escolas municipais de Curitiba. No estudo exploratório tomei como foco de investigação
os manuais didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mais especificamente
os recebidos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD/2010. Busquei
identificar se o conceito substantivo escravidão está indicado a ser ensinado como
um conteúdo escolar a partir da análise do Guia do Livro Didático de História
(BRASIL, 2009). No estudo principal trato da análise de uma das duas coleções mais
adotadas pelas escolas de 6.o ao 9.o ano da RME: Coleção Vontade de saber
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história10. Em seguida, procedo à análise do conceito substantivo Escravidão
africana no Brasil, tendo como referência os estudos de Peter Lee (2005a, p.61), pois
para esse autor conceitos substantivos da história, são conceitos como comércio,
nação, protestante, escravo, tratado ou presidente, e são encontrados quando
trabalhamos com tipos particulares de conteúdos históricos. Eles são parte do que
podemos chamar de substância da história e, por isso, têm sido denominados conceitos
substantivos. Tais conceitos pertencem a diferentes tipos de atividade humana, como
a econômica, a política, a social e a cultural.
No quarto capítulo, sob o título Manual didático: uso e apropriações em
aulas de história busco analisar a relação do aluno com o manual didático de história
tendo como referência os pressupostos apontados por Rüsen (2010, p.116), quando
o autor aponta que o livro didático em toda a sua estrutura deve levar em conta as
condições de aprendizagem dos alunos. Além disso, analiso a relação da professora
e do aluno com o manual didático, mais especificamente, a mediação didática
adotada pela professora. Para identificar as evidências sobre o uso e apropriações
das narrativas do manual didático acompanhei algumas aulas que tratassem do
conceito substantivo escravidão africana no Brasil.
O quinto capítulo Narrativas históricas: uma maneira de ensinar e aprender
história, foi organizado a partir das reflexões adotadas no doutorado, mais
especificamente, a tese de que a narrativa histórica é uma maneira de ensinar e
aprender história. Para isso tomo como referência estudos de teóricos contemporâneos
que têm se voltado para as questões de como o aluno aprende história, especialmente,
os estudos de Rüsen (1992, 1993, 2001). Trato da fase da pesquisa que se refere à
apropriação, pelos alunos, do conceito substantivo escravidão africana no Brasil em
contexto de escolarização expressas em narrativas históricas.
10 PELLEGRINI, Marco César., et al. Vontade de saber história. 1.ed. São Paulo: FTD, 2009. (Coleção vontade de saber).
18
1 MANUAL DIDÁTICO: UM PRODUTO DA CULTURA ESCOLAR
Para fundamentar as análises dessa investigação retomei as considerações
adotadas na minha pesquisa de doutorado, na medida em que naquele momento
assumi a ideia de que o manual didático pode ser considerado como um difusor de
narrativas históricas tendo como referência, especialmente, os estudos de Cuesta
Fernandez (1997, 1998), Bittencourt (2001), Abud (1984) e Carretero (2007).
Além disso, as reflexões aqui expostas partem dos estudos de Schmidt
(2012) sobre a relação entre o conceito da cultura histórica de Rüsen (1994), e suas
interrelações com o ensino e a aprendizagem histórica, mais especificamente, em
relação a um dos elementos da cultura escolar – o manual didático, pois, segundo
Rüsen (2012), o livro de História é o guia mais importante da aula de História e este
deve ter algumas condições para que seja considerado um "livro ideal", e com isso
possibilite a aprendizagem da História que, no seu entender, é um processo de
desenvolvimento da consciência histórica no qual se devem adquirir competências
da memória histórica.
1.1 MANUAL DIDÁTICO: DIFUSOR DE NARRATIVAS HISTÓRICAS
Em torno da questão dos manuais didáticos, Cuesta Fernandez (1998, p.106-
107), tem buscado esse material como fonte de pesquisa e os tem denominado de
textos visíveis do código disciplinar11 da história escolar (CUESTA FERNANDEZ,
1997, p.12,13). No entender do autor o texto didático é:
11 Para Cuesta Fernandes, além dos textos visíveis (como Leis, Códigos, Regulamentos e manuais didáticos), há que se buscar outras fontes para a reconstrução do código disciplinar do ensino de História. Seriam os textos invisíveis do código disciplinar, "os conteúdos escolares da prática de ensino". Deste modo, para essa reconstrução há que se "diversificar" as fontes: "fotografia, pintura, espaços e arquiteturas escolares, regulamentos, memórias de centros, testemunhos orais, entrevistas, informes administrativos" (CUESTA FERNANDES, 1997, p.12, 13, 21).
19
o conjunto de suposições e normas tangíveis ou intangíveis, visíveis ou invisíveis, que governam seu discurso e seu uso: desde a freqüente adoção de um estilo frio e impessoal, como se não existisse o aluno, como se a narração fosse transescolar, até a seqüência de atividades e a atribuição de papéis aos intervenientes no processo de ensino e aprendizagem (CUESTA FERNANDEZ, 1998, p.107).
Segundo o autor, o manual didático constitui um gênero literário que se constrói
historicamente e que possui marcas que permitem diferenciá-lo de outros instrumentos
de comunicação verbal. Todo manual didático possui algumas chaves pedagógicas
explícitas ou tácitas e define, direta ou indiretamente, um modelo didático.
O manual didático possui uma "marca pedagógica", ou seja, as relações entre
texto escrito e visual, a existência de partes dedicadas a recapitular o texto principal,
os esquemas e gráficos. Esses elementos estão, habitualmente, colocados ao final
de cada tema, e são conhecidos como os "questionários de estudo", nos quais são
propostas perguntas para confirmar o que foi estudado, e que servem para memorizar
uma determinada interpretação histórica, sugerindo, outras vezes, um conjunto de
"atividades de análises e de aplicação", com a intenção de aplicar o estudo, mediante
atividades e questões de diferentes categorias, por exemplo: "Explique as diferenças
entre...". (CUESTA FERNANDEZ, 1998, p.109).
Este esquema formal contém em seu interior um "subentendido pedagógico" da
representação da história em aula, sendo que o ponto principal é o discurso
já "acabado" da história e sobre o qual deve "versar a explicação do professor"
(CUESTA FERNANDEZ, 1998, p.110).
Os primeiros manuais didáticos de história, segundo o autor, revivem
esquemas básicos da antiga história universal. O programa em que se inspiravam
impõe aos textos "uma concepção linear, diacrônica e eurocêntrica do devir histórico".
O tipo de ensino proposto nesses livros resultava da tradição da "História sem
pedagogia", ou seja, o pedido de explicação ao aluno ao final da lição, sendo que as
atividades são mero complemento ou reforço do discurso do professor, de suas
explicações ou, o que é o mesmo, do texto escrito que figura como trama narrativa
central das lições (CUESTA FERNANDEZ, 1998, p.112).
Do ponto de vista do modelo didático, o autor observa que houve algumas
mudanças desde os primeiros manuais até a década de 1970, em que os documentos
e fontes figuravam em uma posição marginal, e na década de 1980, em que o espaço
dedicado aos documentos históricos começa a competir com o espaço assegurado
20
ao discurso narrativo. As imagens, aos poucos, deixam de desempenhar uma função
"vicária" do texto e tornam-se uma categoria componente do aparelho pedagógico dos
novos manuais. Cada vez mais, o manual didático propõe aos alunos atividades de
análise e uso de documentos históricos (CUESTA FERNANDEZ, 1998, p.115-116).
Desse modo, o autor defende que os novos manuais didáticos apresentam uma
ambivalência: por um lado, continuam utilizando como ponto central o discurso
histórico em um texto narrativo impessoal de tipo objetivo e, por outro, apresentam
fontes e documentos históricos de todo tipo, propondo atividades que recriam os
procedimentos adotados pelos historiadores e sua forma de pensar. No entanto, o
manual didático, ainda que em sua versão mais avançada, segue sendo exemplar
de um "saber fossilizado" e de uma determinada maneira de aprender e de ensinar
história (CUESTA FERNANDEZ, 1998, p.116-117).
Além de um "depositário dos conteúdos escolares" e um "instrumento
pedagógico", como indicado por Cuesta Fernandez, o manual didático é considerado
como uma "mercadoria", no dizer de Circe Bittencourt (2001, p.71-72), na medida em
que é um produto de edição que segue as tendências de fabricação e comercialização
obedecendo à lógica do mercado. Ademais, é um "veículo portador de um sistema
de valores, de uma ideologia, de uma cultura", ou, nas palavras de Cuesta Fernandez
(1998, p.28), um instrumento de "inculcação ideológica".
Para Bittencourt (2001, p.72), desde o século XIX, o manual didático tem
sido um importante instrumento utilizado em sala de aula, na medida em que tem
servido "como mediador entre a proposta oficial do poder expressa nos programas
curriculares e o conhecimento escolar ensinado pelo professor". De acordo com
Abud (1984, p.81), o manual didático tem sido um dos canais de transmissão e,
sobretudo, de "manutenção dos mitos e estereótipos" da história.
Nessa direção, Carretero (2007, p.76-79), aponta que o manual didático
adota "um discurso" e "uma voz" como se fossem próprios, assumindo a verdade do
conhecimento, reproduzindo esse conhecimento a seus destinatários diretos
(os alunos) e indiretos (os professores). Ainda para esse autor, o manual didático
contém chaves e perigos, porque em suas páginas existem palavras que se apresentam
como chaves para construir o "mundo", em que o aluno pode se deslocar pelo tempo
da história e formar uma sucessão causal de acontecimentos, desde, por exemplo, a
Idade da Pedra até o presente, ou identificar-se com heróis e pessoas de destaque
de seu país. Seu poder para cartografar o real, distinguindo-o da fantasia, e recortando
21
aquilo que pode ser cognoscível, lógico e legível, coloca o manual didático acima da
autoridade da palavra do professor.
Segundo Valls (2008, p.9), os manuais escolares
han sido considerados, de forma harto simplista, como documentos de segundo o tercer orden, sin caer en la cuenta de que son los productos historiográficos socialmente más significativos en cuanto que son los que han estado más próximos a la mayor parte de la población, al menos desde la implantación de un sistema generalizado de educación durante la primera mitad del siglo XIX.12
Em seus estudos, Alain Choppin (2008), aponta que embora hoje em dia seja
comum a substituição dos livros didáticos pelos meios de comunicação, a literatura
escolar constitui em todos os países um objeto de disputa real como simbólico. Os
livros de texto são instrumentos de poder, pois:
se orientam a espíritos jovens, por sua vez manipuláveis e pouco críticos. Podem ser reproduzidos em grande número e difundidos em todo o território de um país. Fixando por escrito o conteúdo educativo, garantem, frente à palavra do professor, uma certa ortodoxia. Sua eficácia procede também da lenta impregnação que permite sua utilização freqüente, prolongada, repetida. Constituem assim poderosas ferramentas de unificação – até de uniformização – nacional, lingüística, cultural e ideológica. (CHOPPIN, 2008, p.12-13).
O autor destaca que os livros escolares assumem, conjuntamente ou não,
múltiplas funções, que podem variar de acordo com o ambiente sociocultural, a época,
as disciplinas, os níveis de ensino, os métodos e as formas de utilização, são elas:
função referencial, instrumental, ideológica/cultural e documental (CHOPPIN, 2004,
p.552-553).
A função referencial – também denominada de curricular ou programática.
Nesse caso, o livro didático é a fiel tradução do programa ou uma de suas possíveis
interpretações. Constitui o suporte "dos conteúdos educativos, o depositário dos
conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja
necessário transmitir às novas gerações".
12 Têm sido considerados, de forma simplista, como documentos de segunda ou terceira ordem, sem que se leve em conta que são os produtos historiográficos mais significativos socialmente, enquanto que são os que tem estado mais próximos da maior parte da população, ao menos desde a implantação de um sistema generalizado de educação durante a primeira metade do século XIX. (tradução livre).
22
A função instrumental – quando o livro didático propõe métodos de
aprendizagem, exercícios ou atividades tendo a finalidade de "facilitar a memorização
dos conhecimentos, favorecer a aquisição de competências disciplinares ou transversais,
a apropriação de habilidades, de métodos de análise ou de resolução de problemas".
A função ideológica e cultural – é a função mais antiga. Desde o século XIX,
o livro didático tornou-se o instrumento privilegiado de construção de identidade.
Tem sido reconhecido, assim como a moeda e a bandeira, como um símbolo da
soberania nacional e, com isso, assume um importante papel político. Nesse caso, o
livro "tende a aculturar — e, em certos casos, a doutrinar — as jovens gerações,
pode se exercer de maneira explícita, até mesmo sistemática e ostensiva, ou, ainda,
de maneira dissimulada, sub-reptícia, implícita, mas não menos eficaz".
A função documental – o livro didático pode fornecer, desde que a sua
leitura não seja dirigida, "um conjunto de documentos, textuais ou icônicos, cuja
observação ou confrontação podem vir a desenvolver o espírito crítico do aluno".
Conforme Choppin (2004, p.549), após terem sido negligenciados, tanto
pelos historiadores quanto pelos bibliógrafos, os livros didáticos, nas últimas décadas,
vêm suscitando um vivo interesse entre os pesquisadores. Nesse período, a história
dos livros e das edições didáticas passou a constituir um domínio de pesquisa em
pleno desenvolvimento, em um número cada vez maior de países.
1.2 CULTURA ESCOLAR, CULTURA HISTÓRICA E O MANUAL DIDÁTICO
O conceito de cultura de Raymond Williams está relacionado com significados
e valores de determinadas sociedades que são mantidos graças à herança social e
demonstram ser universais, no sentido de que, quando são aprendidos, em qualquer
situação particular, podem contribuir para o crescimento das faculdades do ser
humano. Essa tradição geral, que apresenta modificações e conflitos, pode ser
chamada de cultura humana geral, que modela-se, nas sociedades, de forma local e
temporal (WILLIAMS, 2003, p.52-53).
A perspectiva desse autor sustenta alguns pressupostos para a observação na
escola, o fato de que o conhecimento trabalhado em aula é sempre resultado de
uma tradição seletiva de uma cultura vivida e registrada (GEVAERD, 2009, p.108).
23
A "tradição seletiva" apresenta, de certa forma, três níveis: começa no próprio
período, de todas as atividades selecionam-se certas coisas, que se tornam em certo
sentido uma "cultura humana geral"; outra parte é o registro histórico de uma sociedade
em particular, que permanece em estado de arquivo; em terceiro, que é o mais difícil
de aceitar e avaliar, tem-se a "expulsão" de certas coisas que anteriormente faziam
parte de uma cultura viva (WILLIAMS, 2003, p.59-60).
Em certa medida, as instituições que mantêm viva essa tradição – educativas e
acadêmicas – estão comprometidas com essa seleção de acordo com os interesses
contemporâneos. Esse compromisso é importante, porque no funcionamento de uma
tradição seletiva ocorrem inversões e redescobrimentos, retornos a trabalhos dados
como mortos, e isto só é possível se existirem instituições que tenham a tarefa de
manter elementos da cultura passada, senão vivas, ao menos acessíveis (WILLIAMS,
2003, p.60).
O conceito de cultura, no dizer de Forquin (1993, p.167), contribui para a
compreensão das práticas e situações escolares, pois, no entender do autor a escola
é um 'mundo social' com "seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário,
seus modos próprios de regulação e transgressão, seu regime próprio de produção e
de gestão de símbolos". A cultura da escola não deve ser confundida com a "cultura
escolar", que consiste no "conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que,
selecionados, organizados, 'normalizados', 'rotinizados'" pela didatização, constituem
o objeto da transmissão no contexto escolar.
O pensamento de Forquin permite admitir a existência de uma cultura escolar
e, portanto, a possibilidade de se encontrar um tipo de narrativa histórica – a narrativa
histórica escolarizada. Ao mesmo tempo, permite identificar elementos dessa narrativa
que são provenientes de um produto da cultura escolar – o manual didático
(GEVAERD, 2009, p.109).
Segundo Schmidt e Barca (s/d), no âmbito das investigações na área da
Educação Histórica, o conceito de cultura é um dos principais fundamentos da teoria
da consciência histórica de Jörn Rüsen (1994). Para esse autor o conceito de cultura
histórica auxilia a compreensão da produção e os usos da história no espaço público
na sociedade. Para Rüsen (1994, p.2), o conceito de cultura histórica
24
contempla as diferentes estratégias de investigação científico-acadêmica, da criação artística, da luta política pelo poder, da educação escolar e extra-escolar, do lazer e de outros procedimentos da memória histórica pública, como concretudes e expressões de uma única potência mental.
As considerações desse autor, no entender Schmidt (s/d) possibilitam identificar
determinados elementos da cultura escolar, como os manuais didáticos, que se inserem
na dinâmica de produção da cultura histórica de cada sociedade, em diferentes
momentos históricos.
Os manuais didáticos são considerados por Rüsen (2010, p.112) como um
dos mais importantes canais para o transporte da pesquisa histórica sobre a cultura
histórica de uma sociedade.
Segundo Schmidt (s/d), essa é uma das dinâmicas da didática da história
que pode ser identificada como um dos processos que põem em causa a relação
entre elementos da cultura escolar, os manuais didáticos de história, e a cultura da
escola, isto é, as práticas e vivências próprias do universo escolar.
Os livros didáticos, no dizer de Rüsen
são submetidos aos princípios da ciência na medida em que sempre têm a tarefa de transmitir um saber sólido. A solidez do saber consiste em ser fundamentalmente submetido aos princípios de autoridade que valem para a ciência. Em geral, trata-se de um saber muito simplificado para fins escolares e selecionado a partir do capital da respectiva ciência. O limite de sua simplificação e aplicação a fins pedagógicos é o ponto em que a racionalidade metódica que o fundamenta constitutivamente é ferida como princípio (RÜSEN, 2012, p.170).
O livro de História é o guia mais importante da aula de História e este deve
ter algumas condições para que seja considerado um "livro ideal", e com isso
possibilite a aprendizagem da História que, no seu entender, é um processo de
desenvolvimento da consciência histórica no qual se devem adquirir competências
da memória histórica.
Segundo Rüsen as características de um bom livro didático podem ser definidas
como: um formato claro e estruturado; uma estrutura didática clara; uma relação
produtiva com o aluno; uma relação com a prática da aula (RÜSEN,1997, 2010).
Além disso, um livro didático de história deve apresentar uma utilidade para
a percepção histórica, uma utilidade para a interpretação histórica e para a
orientação histórica.
25
Para o autor a utilidade de um livro didático para a percepção histórica
depende de três características: a maneira em que se apresentam os materiais; a
pluridimensionalidade em que se apresentam os conteúdos históricos; a
pluriperspectividade da apresentação histórica. (RÜSEN, 2010, p.119).
Em relação à utilidade para a interpretação histórica o livro didático deve
proporcionar a possibilidade de realizar estas interpretações de uma maneira concreta:
- as interpretações devem se corresponder com as normas da ciência
histórica;
- nelas devem se exercer as capacidades metodológicas;
- têm que ilustrar o caráter de processo e de perspectividade da história e
finalmente,
- na exposição histórica do próprio livro devem ficar claras as condições
linguísticas decisivas para sua força de convicção (RÜSEN, 2010, p.122).
Quanto à utilidade para a orientação histórica um bom livro didático também
estimula:
- estabelecendo uma relação entre sua própria perspectiva global e o ponto de vista presente dos alunos e alunas e mencionando os problemas relacionados com o próprio conceito da História e a integração com o próprio presente;
- introduzindo os alunos no processo de formação de uma opinião histórica e - trabalhando com referências ao presente (RÜSEN, 2010, p.125).
Com isso, "um livro didático deveria levar em conta que as crianças e jovens
aos quais se dirige possuem um futuro cuja configuração também depende da
consciência histórica que lhes foi dada" (RÜSEN, 1997, p.93).
Pois, no entender do autor:
a consciência histórica pode ser descrita como a atividade mental da memória histórica, que tem sua representação em uma interpretação da experiência do passado encaminhada de maneira a compreender as atuais condições de vida e a desenvolver perspectivas de futuro na vida prática conforme a experiência. O modo mental deste potencial de recordação é o relato da história (relatar não no sentido de entender uma mera descrição, mas no sentido de uma forma de saber e de entendimento antropologicamente universais e fundamentais). Esta forma narrativa que oferece uma interpretação da história do passado representado cumpre uma função de orientação para a vida atual. Esta função se realiza como um ato de comunicação entre produtores e receptores de histórias. Por isto, o aspecto comunicativo da memória histórica é tão importante, porque é através da narrativa (e da
26
percepção) das histórias que os sujeitos articulam sua própria identidade em uma dimensão temporal em relação com outras (e ao articulá-las se formam) e ao mesmo tempo adquirem identificadores de direção (por exemplo, perspectivas de futuro) sobre critérios de fixação de opinião para seu próprio uso (RÜSEN, 2012, p.112).
A aprendizagem da História, segundo as considerações do autor, é um
processo de desenvolvimento da consciência histórica no qual se devem adquirir
competências da memória histórica, que podem ser divididas em três competências:
A competência perceptiva ou embasada na experiência consiste em saber perceber o passado como tal, isto é, em seu distanciamento e diferenciação do presente (alteridade histórica), em vê-lo a partir do horizonte de experiências do presente como um conjunto de ruínas e tradição. A competência interpretativa consiste em saber interpretar o que temos percebido como passado em relação e conexão de significado e de sentido com a realidade (a "História" é a encarnação suprema desta conexão). Finalmente, a competência de orientação consiste em admitir e integrar a "História" como construção de sentido com o conteúdo de experiências do passado, no marco de orientação cultural da própria experiência de vida (RÜSEN, 2012, p.114).
Rüsen (2012, p.114) destaca que na atividade mental da consciência histórica
a diferenciação entre as competências da percepção, interpretação e orientação é
fictícia, pois as três operações se apresentam em uma correlação estreita e se
sobrepõem continuamente. No entanto, graças a essas competências é que podemos
dimensionar o procedimento de aprendizagem e que é possível identificar os resultados
mais importantes que deve produzir um livro didático no processo de aprendizagem
na sala de aula.
Em seu artigo, que trata do livro didático "ideal", Rüsen (2010, p.111)
demonstra a importância de investigações empíricas sobre o uso e o papel que os
livros didáticos desempenham no processo de aprendizagem em sala de aula. Essa
preocupação me levou a desenvolver essa investigação sobre como esse manual é
utilizado pelo professor e como os alunos se apropriam das narrativas desse
material presente na cultura escolar.
27
2 MANUAL DIDÁTICO: A ESCOLHA EM ESCOLAS MUNICIPAIS DE CURITIBA
Nesse capítulo, apresento como ocorreu o processo de escolha do manual
didático em escolas municipais Para desenvolver essa pesquisa retomei os estudos
já assumidos no doutorado, especialmente, no que se refere à pesquisa qualitativa,
na medida em que essa forma de investigação tem ocupado um lugar relevante
entre as várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres
humanos e suas relações sociais.
De acordo com essa perspectiva, um fenômeno pode ser melhor compreendido
no contexto em que ocorre, devendo ser analisado numa perspectiva integrada.
Nessa metodologia, o pesquisador vai a campo buscando "captar" o fenômeno em
estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os
pontos de vista relevantes. A pesquisa etnográfica, inicialmente utilizada em estudos
antropológicos, tem sido empregada em outras áreas do conhecimento, entre elas a
educação (GODOY, 1995, p.28-29).
Em um trabalho etnográfico, é fundamental a "interação contínua entre os
dados reais e as possíveis explicações teóricas", ou seja, no decorrer da coleta de
dados o investigador deve manter-se alerta para refutar, corroborar ou alterar o modelo
teórico anteriormente adotado. Sendo o estudo de campo o elemento principal da
pesquisa etnográfica, o pesquisador deve ter uma "experiência direta e intensa
com a situação em estudo". É de cunho exploratório e os dados são coletados,
principalmente, por meio de observação participante (GODOY, 1995, p.29).
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p.50) os dados empíricos não são recolhidos
com o objetivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas previamente, mas, em
vez disso, as abstrações são construídas à medida que os dados particulares
recolhidos vão sendo agrupados. No entender dos pesquisadores, é uma teoria que
se desenvolve 'de baixo para cima', em que as peças individuais são recolhidas e
depois inter-relacionadas. É designada por Grounded Theory, ou teoria fundamentada,
na qual o investigador que planeja elaborar uma teoria sobre o seu objeto de estudo
só poderá estabelecer a direção de sua pesquisa após a recolha dos dados
(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.50).
Tomando como referência esses pressupostos teóricos e metodológicos
desenvolvi essa investigação com os professores e professoras de escolas de 6.o ao
28
9.o ano da RME. No estudo exploratório obtive as informações dos que estavam
participando da formação continuada oferecida pela SME – curso de história, mais
especificamente, envolvendo três escolas municipais13 e, no estudo principal, obtive
as informações a partir de um questionário enviado a todos os professores de
história da RME.
2.1 O PROCESSO DE ESCOLHA DO MANUAL DIDÁTICO: ESTUDO
EXPLORATÓRIO
No percurso do estudo exploratório, realizado em 2009, a minha preocupação
inicial foi saber quais os critérios que os professores e professoras de escolas da
RME levaram em consideração para a escolha do livro didático do Programa Nacional
do Livro Didático. Para obter essas informações, solicitei um relatório em que os
professores e professoras deveriam narrar como havia ocorrido a escolha do livro
didático oferecido pelo PNLD 2010/2011, para os anos finais do Ensino Fundamental,
6.o ao 9.o ano, devendo destacar:
- Como ocorreu o contato com os manuais;
- A forma e horário em que foi realizada a escolha;
- Quais os critérios de escolha;
- Citar o nome do manual escolhido como 1.a opção.
Em relação ao contato com os manuais, obtive os seguintes dados:
ESCOLA CONTATO COM OS MANUAIS
A Via editora; Entregues individualmente ou na escola; Palestras com os autores nas editoras.
B Primeiras coleções chegaram em abril de 2010; 02 coleções chegaram na semana final para a escolha, prejudicando a análise.
C Coleções foram chegando aos poucos.
QUADRO 1 - CONTATO COM OS MANUAIS FONTE: A autora
13 A RME possui 11 escolas que atendem os anos finais do Ensino Fundamental, 6.o ao 9.o ano.
29
De modo geral, as coleções foram enviadas às escolas pelas editoras e, como
indicado pelas professoras da Escola C "foram chegando aos poucos". Com isso,
algumas coleções chegaram na última semana estipulada para a escolha "prejudicando
a análise" (ESCOLA B).
Algumas editoras ofereceram palestras para a apresentação das coleções.
No entanto, nenhuma escola fez referência, em seus relatórios, se participaram
desses encontros.
Quanto ao horário e a forma da escolha, os professores indicaram os
seguintes aspectos:
ESCOLA HORÁRIO/FORMA DA ESCOLHA
A
Horário de permanência concentrada; Coletivamente; Levaram em consideração as orientações: - Coordenação de História da SME (Reunião) e Guia do PNLD; Tempo para análise e escolha muito reduzido; Necessidade de reestruturação e ampliação do tempo para este fim.
B Não houve um momento específico em grupo para a análise; Análise individual; Durante as aulas vagas; Após a escolha individual fez-se a comunicação aos demais colegas.
C
Individualizada; Opiniões individuais eram repassadas em trocas de aulas ou no recreio; (isto ocorreu por motivo de falta da permanência concentrada); Definição da escolha – reunião; - momento em que puderam analisar os manuais com maior criticidade.
QUADRO 2 - HORÁRIO E FORMA DA ESCOLHA FONTE: A autora
Das três (03) escolas investigadas, somente os professores da Escola A,
conseguiram fazer a escolha coletivamente e no horário de permanência concentrada.
Nas Escolas B e C, os professores fizeram a escolha de forma individualizada, pois
não houve um momento específico para a escolha.
Na Escola A, os professores levaram em consideração, tanto as orientações
repassadas em reunião organizada pela Coordenação de História da SME, como as
orientações do Guia do PNLD 2011 (BRASIL, 2010).
Os professores da Escola B não tiveram "um momento específico em grupo
para análise", portanto, a escolha foi de forma individual e durante as aulas vagas,
ocorrendo, em seguida, o repasse da escolha para os demais colegas.
Na Escola C, a escolha foi individual e as opiniões eram repassadas no
intervalo "em trocas de aulas" ou no recreio. Isso ocorreu em virtude da falta da
30
permanência concentrada.14 Após a escolha individual puderam, durante uma
reunião, analisar os "manuais com maior criticidade".
Somente a Escola A indicou as dificuldades enfrentadas, tais como: o tempo
reduzido para análise e escolha e indicaram como fundamental a "necessidade de
reestruturação e ampliação do tempo para este fim".
Em relação aos critérios de escolha das (03) escolas, obteve-se as
seguintes categorias:
ESCOLA CRITÉRIOS DE ESCOLHA
A Material que pudesse ampliar o conhecimento histórico do aluno; Coesão textual; Iconografia; Atividades bem formuladas e que levassem à reflexão dos conteúdos.
B
Conteúdos abordados de acordo com as Diretrizes Curriculares; Imagens presentes nos livros coerentes com os textos e se ofereciam possibilidades de trabalho em sala de aula; Atividades de fácil compreensão; Complexidade dos textos de acordo com as possibilidades de leitura e vocabulário dos alunos; Se o livro apresentava conteúdos específicos para a aplicação da Lei 10. 639 e da Lei 11.645(1), de maneira ética e científica, sem preconceitos e estereótipos.
C Material que contivesse documentos históricos; conceitos históricos; abertura do capítulo a partir dos conhecimentos prévios dos alunos.
QUADRO 3 - CRITÉRIOS DE ESCOLHA FONTE: A autora (1) A Lei n.o 10.639/03 foi assinada, em janeiro de 2003, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e torna
obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira em todos os estabelecimentos de ensino da educação básica (BRASIL, 2003); a Lei n.o 11.645/08 altera a Lei n.o 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n.o 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena" (BRASIL, 2008).
Os professores da Escola A, levaram em consideração como critérios de
escolha se o material amplia o conhecimento histórico do aluno e se apresenta uma
coesão textual. Além disso, indicam que analisaram a iconografia, mas não
explicitaram de que forma isso ocorreu. Consideraram também, se as atividades
propostas estão bem formuladas e se essas possibilitam a reflexão dos conteúdos.
Na Escola B, os professores expressaram a preocupação de que o manual
didático apresentasse os conteúdos indicados pelas Diretrizes Curriculares da SME
(CURITIBA, 2006). Analisaram se as imagens presentes nos livros estavam
coerentes com os textos e se ofereciam possibilidades de trabalho em sala de aula.
14 Em 2010, a SME implementou o turno de 5 horas nas escolas de 5.a a 8.a séries. Isso dificultou a garantia da permanência concentrada para os professores em todas as escolas.
31
Outra questão que levaram em consideração foi a de que as atividades
propostas pelo manual sejam de fácil compreensão pelos alunos e, os textos,
apresentem uma complexidade que está de acordo com as possibilidades de leitura
e vocabulário dos alunos.
Além disso, os professores observaram se "o livro apresentava conteúdos
específicos para a aplicação da Lei n.o 10.639/2003 e 11.645/08, de maneira ética e
científica, sem preconceitos e estereótipos". Essas leis tratam da obrigatoriedade do
ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, respectivamente. O estabelecido
nessas leis tem sido um dos critérios de análise da Comissão dos livros didáticos
PNLD, conforme indicado no Guia
No caso da História, particular destaque, neste momento atual, deve ser dado ao cumprimento da Lei 11.645, que dispõe sobre a obrigatoriedade de as coleções didáticas conterem informações e orientações quanto ao tratamento da História da África, História das populações indígenas, bem como reflexões acerca da situação dos afrodescendentes e indígenas no Brasil contemporâneo (BRASIL, 2010, p.10).
Para os professores da Escola C a decisão da escolha ficou atrelada aos
itens: "Material que contivesse documentos históricos; conceitos históricos; abertura
do capítulo a partir dos conhecimentos prévios dos alunos" (ESCOLA C).
Os professores da Escola A escolheram a coleção Novo – História – conceito
e procedimentos, autoria de Ricardo Dreguer; Eliete Toledo, da Saraiva Livreiros
Editores. E, os professores das Escolas B e C escolheram a coleção Vontade de
saber história, de autoria de Marco Pellegrini; Adriana Machado Dias; Keila Grinberg,
da Editora FTD.
Algumas considerações podem ser apontadas. Quanto ao contato com os
manuais, os professores não tiveram acesso a todas as coleções prejudicando com
isso a escolha. Essas coleções foram enviadas às escolas pelas editoras sendo que
algumas foram entregues aos professores em data próxima ao prazo final para
a escolha. Esses fatores prejudicaram a análise das mesmas, conforme relatado
pelos professores.
De modo geral, as dificuldades apontadas pelos professores para a escolha
do manual didático foram a falta de horário específico para a análise dos manuais,
tanto de forma individual como no coletivo. Além disso, comentaram que o tempo
para análise e escolha foi muito reduzido.
32
Em relação aos critérios de escolha, de modo geral, os professores
preocuparam-se em observar a iconografia, que contivesse documentos históricos,
mas não detalharam de que forma ocorreu essa análise.
Tiveram a preocupação com a apresentação dos textos, e, especialmente, se
os mesmos estavam apropriados para a compreensão dos alunos. Essa perspectiva
está presente nos critérios de Rüsen (1997, p.85), na medida em que o autor afirma
que um bom livro didático de história deve apresentar "uma relação eficaz com o aluno".
2.2 O PROCESSO DE ESCOLHA DO MANUAL DIDÁTICO: ESTUDO PRINCIPAL
Partindo dos resultados obtidos no estudo exploratório e tomando como
referência a constatação apontada por Rüsen (2010, p.111) de que existe um déficit de
investigações empíricas sobre o uso e o papel que os livros didáticos desempenham no
processo de aprendizagem em sala de aula, é que fiz a proposta para desenvolver
essa investigação no Pós-Doutorado.
Para tanto, no estudo principal, elaborei um questionário que foi enviado, em
2011, para as 11 (onze) escolas que atendem os anos finais do Ensino Fundamental
da RME.
O questionário consistiu em informações pessoais, profissionais e acadêmicas,
bem como questões sobre como foi o processo de escolha na escola.
Do total de 54 professores que atuavam nesse período, com o ensino de
História, 21 (vinte e um) devolveram os questionários15, desses somente 11 (onze)
participaram do processo de escolha.
Quanto ao tempo de serviço os dados obtidos mostraram que 05 professores
possuem mais de 20 anos de serviço; 04 professores de 10 a 20 anos; 04 professores
de 05 a 10 anos e somente 01 possui menos de 05 anos. Sendo que 07 professores
não indicaram o seu tempo de trabalho.
Em relação aos dados acadêmicos constatou-se que 09 professores são
formados em História, 04 em Estudos Sociais, 04 em Ciências Sociais, 02 em
15 Os 21 professores que devolveram os questionários trabalham em 09 das 11 escolas municipais.
33
Estudos Sociais/plena em História, 01 professor tem formação em Filosofia, Direito e
História. Somente 01 professor não registrou essa informação.
Todos os professores possuem Curso de Especialização em diferentes
áreas, tais como: História do Brasil, História e Geografia do Paraná, Sociedade Pós-
Industrial: História e cidadania, entre outros. Dois (02) professores possuem
Mestrado e um professor está cursando o Doutorado.
2.2.1 A escolha do manual didático
Especificamente, para investigar como foi o processo de escolha do PNLD-
201016 nas escolas municipais propus as seguintes questões:
1) Qual foi o livro didático de História do PNLD 2010 recebido na escola?
2) O livro de História recebido do PNLD 2010 foi a 1.a opção?
3) Quais foram os critérios utilizados para a escolha?
Em relação à primeira questão, sobre o livro didático de História recebido
nas escolas em 2011, obteve-se a seguinte informação:
MANUAL DIDÁTICO RECEBIDO(1) N.o de ESCOLAS
Vontade de Saber História Autores: Marco Pellegrini; Adriana Machado Dias; Keila GrinbergEditora: FTD
04
História, sociedade e cidadania Autor: Alfredo Boulos Júnior Editora: FTD
04
Projeto Araribá Autora: Maria Raquel Apolinário Editora: Moderna
02
Novo história: conceitos e procedimentos Autores: Ricardo Dreguer; Eliete Toledo Editora: Saraiva
01
QUADRO 4 - MANUAIS DIDÁTICOS RECEBIDOS NAS ESCOLAS MUNICIPAIS/PNLD 2010 FONTE: A autora (1) Para obter os nomes dos livros recebidos pelas onze (11) escolas municipais, além dos dados
fornecidos pelos professores das nove escolas, busquei informações na Planilha fornecida pela SME/DEF – Gerência Pedagógica. (MEC/FNDE/SISCORT – Escolas Municipais. Elaboração Planilha Andréa Furtado – SME/DEF – Gerência Pedagógica/2010).
16 A escolha do PNLD ocorreu em 2010 e as escolas receberam os livros em 2011.
34
Das dezesseis (16) coleções aprovadas pela comissão do PNLD 2010,
quatro (04) foram escolhidas pelos professores da RME. Os livros mais escolhidos
foram: Vontade de Saber História por professores de quatro (04) escolas e História,
sociedade e cidadania em quatro (04) escolas. Os menos escolhidos foram o Projeto
Araribá, em duas (02) escolas e Novo história: conceitos e procedimentos em uma
(01) escola.
Em relação à segunda questão O livro de História recebido do PNLD 2010
foi a 1.a opção? Do total de professores uma (01) professora afirmou "o livro escolhido
não era a minha opção, mas foi respeitada a escolha da maioria dos professores"
(Mariete17). E, muitos professores (08) estavam em licença ou não faziam parte do
quadro de professores no ano da escolha. Os demais comentaram que o livro
recebido foi a primeira escolha.
Para analisar as respostas dadas à terceira questão: Quais foram os critérios
utilizados para a escolha?, busquei elementos nas considerações de Rüsen sobre o
livro ideal.
Nos aspectos sobre a "utilidade para o ensino prático", Rüsen (2010, p.115)
aponta as características que distinguem um bom livro didático de história:
- um formato claro e estruturado;
- uma estrutura didática clara;
- uma relação produtiva com o aluno;
- uma relação com a prática da aula.
Dessas características, somente duas foram elencadas pelos professores e
professoras investigados/as. A partir das respostas obtive as seguintes características:
UTILIDADE PARA O ENSINO CARACTERÍSTICAS N.o DE PROFESSORES/AS
Formato
Conteúdo/ temas 09
Imagens 06
Textos 04
Mapas 02
Glossário 01
Relação com o aluno livro didático ajuda os alunos a
entenderem o conteúdo 01
QUADRO 5 - UTILIDADE PARA O ENSINO: CARACTERÍSTICAS APRESENTADAS PELOS PROFESSORES E PROFESSORAS
FONTE: A autora
17 Para preservar as identidades os nomes dos sujeitos envolvidos nessa investigação são fictícios.
35
No aspecto utilidade para o ensino prático, de modo geral os professores e
professoras fizeram referência ao formato. Desses, 09 professores destacaram o
conteúdo e/ou temas. Segundo a professora Célia a "Apresentação do conteúdo
deve ser de forma clara e objetiva".
Algumas professoras (06) destacaram a importância das imagens, inclusive a
professora Giseli comentou que observou se as imagens apresentavam "os créditos".
Alguns professores (04) destacaram como um importante critério de escolha
do livro a análise dos textos. Na opinião da professora Mariete "Para a análise do
livro deve ser considerado os textos que apresenta". Além disso, o professor Saulo
faz referência à importância dos "textos complementares".
Uma professora destacou a relação do livro com o aluno "Se o livro é de fato
didático, ou seja, ajuda os alunos a entenderem o conteúdo com títulos e subtítulos"
(Giseli).
Esse aspecto destacado pela professora atende parcialmente um dos critérios
indicados por Rüsen (2010, p.116), na medida em que o autor aponta que
o formato e a estruturação dos materiais do livro didático devem estar configurados de tal maneira que inclusive os alunos possam ser capazes de reconhecer suas intenções didáticas, o plano de estruturação que forma sua base, os pontos mais importantes de seu conteúdo e os conceitos metodológicos do ensino.
36
3 O MANUAL DIDÁTICO: CONCEITO SUBSTANTIVO A ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL
Nesse capítulo trato da análise de duas coleções mais adotadas pelas escolas
municipais de Curitiba. No estudo exploratório tomei como foco de investigação os
manuais didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mais especificamente
os recebidos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD/2010. Busquei
identificar se o conceito substantivo escravidão está indicado a ser ensinado como
um conteúdo escolar a partir da análise do Guia do Livro Didático de História
(BRASIL, 2009).
No estudo principal trato da análise de uma das duas coleções mais
adotadas pelas escolas de 6.o ao 9.o ano da RME: Coleção Vontade de saber
história. Essa coleção foi escolhida por quatro (04) escolas e os critérios para definir
qual a coleção seria analisada está atrelada à escolha da escola e professora que foi
foco de observação das aulas de história. Foram os seguintes critérios:
- Escola que recebeu um dos livros mais escolhidos na RME;
- Professora que participou do processo de escolha do PNLD/2011;
- Professora que respondeu ao questionário por mim enviado.
Em seguida, procedo à análise do conceito substantivo Escravidão africana
no Brasil, tendo como referência os estudos de Peter Lee (2005a, p.61), pois para
esse autor conceitos substantivos da história, são conceitos como comércio, nação,
protestante, escravo, tratado ou presidente, e são encontrados quando trabalhamos
com tipos particulares de conteúdos históricos. Eles são parte do que podemos chamar
de substância da história e, por isso, têm sido denominados conceitos substantivos.
Tais conceitos pertencem a diferentes tipos de atividade humana, como a econômica, a
política, a social e a cultural.
37
3.1 MANUAIS DIDÁTICOS PNLD/2010 E O CONCEITO SUBSTANTIVO
ESCRAVIDÃO: ESTUDO EXPLORATÓRIO
No percurso do estudo exploratório tomei como foco de investigação os
manuais didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mais especificamente
os recebidos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD/2010. Em seguida,
busquei investigar a relação entre a narrativa do manual didático usado em sala de
aula e as ideias expressas pelos alunos em suas narrativas.18
Diante disso, delineei as seguintes questões de investigação:
- De que forma a ideia de escravidão está presente na narrativa de
manuais didáticos de história dos anos iniciais do ensino fundamental?
- Tendo em vista as narrativas difundidas na escola, como o aluno manifesta
suas ideias sobre o conceito escravidão?
Inicialmente, busquei identificar se o conceito substantivo escravidão está
indicado a ser ensinado como um conteúdo escolar. Para tanto, analisei os manuais
avaliados e aprovados pelo PNLD/2010 para os anos iniciais do ensino fundamental
e apresentados no Guia do Livro Didático de História (BRASIL, 2009).
Após análise das 32 coleções19, constatei que o conceito está indicado, em
alguns anos de escolarização, de forma implícita e, em outros, de forma explícita,
conforme quadro a seguir:
INDICADO DE FORMA IMPLÍCITA INDICADO DE FORMA EXPLÍCITA
2.o ano - 03 5.o ano - 11 3.o ano - 02 4.o e 5.o ano - 07 4.o ano - 03 4.o ano - 04 5.o ano - 02
QUADRO 6 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: MANUAIS DIDÁTICOS PNLD/2010 FONTE: A autora
18 As ideias dos alunos será foco de análise no Capítulo 5.
19 Conhecer e Crescer: História; Novo Viver e Aprender História; De Olho no Futuro: História; História, Imagens e Textos; Pelos Caminhos da História; Novo Interagindo com a História; Mundo para Todos: História; Projeto Pitanguá: História; A Escola é Nossa: História; Projeto Buriti: História; Tempo de Aprender: História; Eu Conto História: Minha Infância; Caracol: História; Aprendendo Sempre: História; Asas para Voar: História; Fazer e Aprender História; Aroeira: História; Brasiliana: História; Projeto Conviver: História; Projeto Prosa: História; História Tantas Histórias; Curumim: História; Horizontes: História com Reflexão; Novo Bem-Me-Quer: História; História no Dia a Dia; Conversando sobre História; Hoje é Dia de História; Pensar e Viver: História; Ler o Mundo: História; O Mundo em Movimento: História; História para Crianças; Para Gostar de História.
38
Constatei que o conceito está indicado como conteúdo a ser ensinado, de
forma implícita em todos os anos de escolarização, do 2.o ao 5.o ano. De forma
explícita está indicado com maior ênfase nos manuais de 4.o e 5.o anos. Em 11 (onze)
coleções o conceito está indicado no 5.o ano; em 04 (quatro) está indicado no 4.o
ano e em 07 (sete) coleções está indicado no 4.o e 5.o anos.
Em seguida, analisei as narrativas dos manuais didáticos e busquei identificar
as ideias expressas nestes manuais em relação ao conceito escravidão. Obtive a
seguinte categorização:
CATEGORIAS IDEIAS MAIS RECORRENTES
Os povos que vieram da África "A gente que veio da África..."; "Os africanos..."; "Um pouco sobre a história da África...".
Trabalho escravo "... submetidos a trabalhos forçados e maus-tratos..."; "...vieram para o Brasil forçados, como escravos...".
Luta e resistência
"Desde o começo os escravos reagiram contra a escravidão...."; "Em busca da liberdade: luta e resistência..."; "Quilombos: resistência à escravidão..."; "Uma história de luta e resistência..."; "Afro-brasileiros: uma história de luta..."; "Havia quilombos em todo o Brasil, e eles significavam um ponto de resistência à escravidão; por isso, foram duramente combatidos".
Formação do povo brasileiro/cultura brasileira
"A cultura brasileira mantém traços marcantes da música, da culinária e da religião africana e absorvem palavras que hoje fazem parte da nossa língua"; "A contribuição negra está presente em vários aspectos de nossa vida, por exemplo, na culinária, na música, na dança e na religiosidade"; "Quando vieram da África, como escravos para o Brasil, os negros trouxeram muitos costumes da sua terra. Morando aqui eles mudaram seu jeito de viver, mas continuaram a participar de festas com jogos, danças e batuques. Um desses jogos praticados pelos negros é a capoeira".
QUADRO 7 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: IDEIAS MAIS RECORRENTES FONTE: A autora
As ideias mais recorrentes foram agrupadas nas categorias Os povos que
vieram da África; trabalho escravo; luta e resistência; formação do povo brasileiro/
cultura brasileira.
Na categoria Os povos que vieram da África, encontrei ideias como "A gente
que veio da África..."; "Os africanos..."; "Um pouco sobre a história da África...",
entre outras.
39
Na categoria trabalho escravo, as ideias mais recorrentes estão ligadas à
narrativas como "...submetidos a trabalhos forçados e maus-tratos..."; "...vieram para
o Brasil forçados, como escravos...".
Na categoria luta e resistência, estão agrupadas ideias como "Desde o
começo os escravos reagiram contra a escravidão...."; "Em busca da liberdade: luta
e resistência..."; "Quilombos: resistência à escravidão..."; "Uma história de luta e
resistência..."; "Afro-brasileiros: uma história de luta..."; "Havia quilombos em todo o
Brasil, e eles significavam um ponto de resistência à escravidão; por isso, foram
duramente combatidos".
Na categoria formação do povo brasileiro/cultura brasileira, ficaram agrupadas
ideias como "A cultura brasileira mantém traços marcantes da música, da culinária e
da religião africana e absorvem palavras que hoje fazem parte da nossa língua";
"A contribuição negra está presente em vários aspectos de nossa vida, por exemplo,
na culinária, na música, na dança e na religiosidade"; "Quando vieram da África,
como escravos para o Brasil, os negros trouxeram muitos costumes da sua terra.
Morando aqui eles mudaram seu jeito de viver, mas continuaram a participar de
festas com jogos, danças e batuques. Um desses jogos praticados pelos negros é
a capoeira".
Pude constatar que, de modo geral, estas narrativas estão muito próximas das
narrativas de historiadores clássicos da historiografia brasileira, pois como aponta
Adriane Sobanski (2008) em sua dissertação de mestrado20, "O que temos constatado
é que sobre a História da África ainda pesam as mesmas referências culturais
idealizadas e defendidas por teóricos como Oliveira Viana, Nina Rodrigues e Gilberto
Freyre21 orientando as interpretações de um passado tido como único e verdadeiro".
Isto me levou a buscar na historiografia brasileira se existem algumas
aproximações entre as narrativas destes autores e a narrativa do manual didático.
Exemplo:
20 Dissertação de mestrado sob o título: Como os professores e jovens estudantes do Brasil e de Portugal se relacionam com a idéia de África.
21 VIANA, O. Populações meridionais do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005; RODRIGUES, N. Os africanos no Brasil. 6.ed. Brasília: Nacional, 1982; FREYRE, G. Casa grande e senzala. 20.ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1988.
40
Na narrativa do manual didático: 2 A sociedade mineradora A extração do ouro era feito por escravos [...] O trabalho de extração do ouro era muito duro e, geralmente, feito por escravos. Muitos deles contraíam doenças respiratórias, pois passavam grande parte do dia com os pés na água (COSTA JUNIOR, 2007, p.26, grifo do autor).
Na narrativa do historiador Nina Rodrigues (1982, p.14) – Os africanos
no Brasil22:
A escravidão negra no Brasil é, pois, contemporânea da sua colonização. Somente ela guardou, nos primeiros tempos, a feição portuguesa de fenômeno secundário, limitado ao serviço doméstico. Surgiu como problema brasileiro quando, faltando o índio, que sucumbia ou era protegido pelos jesuítas, e começando a escassear os braços para a lavoura e, mais tarde, para o trabalho das minas, se criou um comércio de escravos direto, entre a nova Colônia e a África (grifo meu).
Nessa narrativa fica evidenciada a presença de alguns elementos da
historiografia clássica brasileira nos manuais didáticos analisados.
Concomitante a isto, após a análise das 32 coleções do PNLD/2010, optei
por um recorte. Identificar os manuais adotados nas escolas da Rede Municipal de
Ensino de Curitiba, na medida em que sou professora de História desta rede de
ensino e atuo na Secretaria Municipal da Educação com a formação continuada dos
professores destas escolas. Após levantamento, obtive os seguintes resultados: das
168 escolas que escolheram manuais didáticos do PNLD/2010, das 32 coleções, 19
foram escolhidas. Sendo que a mais escolhida, por 30 escolas, foi A Coleção
PROJETO BURITI: HISTÓRIA (COSTA JUNIOR, 2007).
A partir deste levantamento definiu-se a escola23 para realizar a investigação,
ou seja, uma das escolas que recebeu o livro mais adotado nas escolas municipais.
Constituindo-se, portanto, o campo de pesquisa desta fase do estudo.
Após permissão oficial da Secretaria Municipal da Educação realizou-se o
contato com a referida escola e, em seguida, conversa com as professoras para
22 1.a edição – 1932.
23 Como indicado nos procedimentos da pesquisa qualitativa o nome da escola não será identificado, bem como, os nomes das professoras e alunos são fictícios.
41
explicar o motivo e procedimentos da minha investigação. Das 07 (sete) professoras
entrevistadas, 02 (duas) são de 4.o ano; 03 (três) são de 4.a série24; 02 (duas)
são corregentes25.
Quanto à formação acadêmica, todas as professoras possuem formação
superior. Sendo que 02 (duas) em mais de um curso. Concentram-se 03 (três) em
Pedagogia, 02 (duas) em Educação Artística; 01 (uma) em Ciências e Matemática;
01 (uma) em Sociologia; 01 (uma) Normal Superior.
Das 07 (sete) professoras, de modo geral, todas tem bastante tempo de
experiência profissional, próximo de 20 anos. Somente uma professora possui pouco
tempo de serviço, 07 (sete) anos.
Além destas informações, foi solicitado às professoras que preenchessem um
questionário. O objetivo foi para saber se, na opinião delas, o livro adotado e recebido
pela escola é um "Bom Livro de História". Para isto, utilizei os critérios apontados por
Rüsen (1997) em relação às condições para um bom Livro de História e categorizadas
por Medeiros (2005): Utilidade para o ensino prático; Utilidade para a percepção
histórica; Utilidade para a interpretação histórica e Utilidade para a orientação histórica.
De modo geral, as professoras consideram que este manual didático deveria:
"aprofundar mais os conteúdos", "ter um maior detalhamento dos textos", "apresenta
poucas sugestões de leituras", "apresenta poucos documentos históricos", entre
outras questões.
Quando perguntado Se já haviam trabalhado com este livro? Todas afirmaram
que sim e indicaram os conteúdos que já haviam trabalhado no ano. Constatei que o
conteúdo mais abordado foi a questão dos Indígenas, sendo que 04 (quatro)
professoras já haviam trabalhado este conteúdo. Os demais conteúdos trabalhados
foram: A questão das grandes navegações trabalhada por 02 (duas) professoras;
A chegada ao Brasil por 01 (uma); Os povos que vieram da África por 01 (uma);
A expansão da Colônia por 01 (uma) professora.
24 Usa-se a nomenclatura adotada na escola, série e ano, na medida em que a Secretaria Municipal da Educação de Curitiba iniciou, em 2007, a implementação gradativa dos 9 (nove) anos de escolarização no ensino fundamental.
25 Corregente – professora que atua como auxiliar na sala de aula, especialmente, no acompanhamento de alunos que apresentem dificuldades de aprendizagem.
42
Algumas considerações podem ser apontadas, entre elas, a de que o conceito
substantivo escravidão está indicado de forma explícita nos manuais didáticos do
PNLD/2010, mais especificamente, nos volumes para o 4.o e 5.o anos de escolarização.
De modo geral, as narrativas dos manuais didáticos sugerem uma forte
presença da perspectiva clássica da historiografia brasileira tendo como referência
autores como Oliveira Viana, Nina Rodrigues e Gilberto Freyre.
Em relação ao manual didático recebido na escola municipal pesquisada,
PROJETO BURITI: HISTÓRIA, constatei que este é usado na sala de aula. No entanto,
constatei que este não é o único manual usado em aulas de história. Segundo as
professoras, elas utilizam, também, o que trata da História do Paraná, de autoria de
Graziella Rollemberg, recebido do PNLD/2010, pois no entender delas "este é mais
acessível para os alunos".
Nesse sentido, pode-se dizer que o manual didático de história tem sido usado
pelas professoras constituindo-se no texto visível do código disciplinar da história
escolar de acordo com Cuesta Fernandes (1997), pois, segundo este autor, este
material tem sido considerado como uma importante fonte de divulgação científica e,
portanto, uma das formas adequadas para se ensinar e aprender História.
A partir das considerações obtidas no estudo exploratório busquei dar
continuidade à investigação no Pós-Doutorado, mais especificamente, junto ao Núcleo
de Pesquisas em Publicações Didáticas (NPPD), na medida em que os investigadores
do referido núcleo têm desenvolvido ações de extensão e pesquisa relacionadas ao
uso do manual didático, foco de minha investigação.
3.2 COLEÇÃO VONTADE DE SABER HISTÓRIA E O CONCEITO SUBSTANTIVO
ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL: ESTUDO PRINCIPAL
No estudo principal trato da análise de uma das duas coleções mais adotadas
pelas escolas de 6.o ao 9.o ano da RME: Coleção Vontade de saber história. Essa
coleção foi escolhida por quatro (04) escolas e os critérios para definir qual a coleção
seria analisada está atrelada à escolha da escola e professora que foi foco de
observação das aulas de história. Foram os seguintes critérios:
43
- Escola que recebeu um dos livros mais escolhidos na RME;
- Professora que participou do processo de escolha do PNLD/2011;
- rofessora que respondeu ao questionário por mim enviado.
Segundo o Guia de livros didáticos PNLD 2011 (BRASIL, 2010), a coleção
Vontade de Saber História está estruturada a partir da cronologia da História Ocidental,
aborda os conteúdos da História Geral e do Brasil. Nos quatro volumes apresenta um
capítulo inicial com os fundamentos centrais para o estudo da História, discussões
sobre o Tempo, sentido do trabalho histórico, fontes históricas, bem como alguns
conceitos centrais para a compreensão da História. Elemento que distingue a obra
se comparada às demais coleções didáticas.
Além disso, valoriza a relação passado/presente, estimula o trabalho para a
compreensão das diferentes temporalidades históricas, dos processos apreendidos
na curta, média e longa durações, bem como da simultaneidade de acontecimentos e
temporalidades vivenciadas por diferentes sociedades no mesmo tempo cronológico.
Enuncia e procura colocar em prática a ideia da História como interpretação, enfatizando
a possibilidade de diferentes pontos de vista sobre os mesmos acontecimentos
(BRASIL, 2010, p.104).
Todos os volumes possuem 12 capítulos. Os capítulos são subdivididos em
seções e essas variam de acordo com os conteúdos:
ANO CONTEÚDOS
6.o
Origem dos Seres Humanos e o povoamento da América; Antiguidade Oriental, com o tratamento de Egípcios, Povos da Mesopotâmia, Fenícios, Hebreus, Persas, Chineses e Povos Africanos na Antiguidade; Gregos, Romanos e Cultura Clássica.
7.o
Declínio do Império Romano, Expansão do Islã, Época Medieval a Partir do Império Carolíngio, Povos Americanos Antes da Chegada dos Europeus, Reinos Africanos no Período Medieval, Europa Moderna a Partir do Renascimento, Grandes Navegações, Reformas Religiosas e Absolutismo, Colonização Espanhola e Portuguesa na América e Expansão das Fronteiras da Colônia Portuguesa na América
8.o
Antigo Regime, Iluminismo Revolução Americana, Revolução Francesa e Império Napoleônico, Revolução Industrial, Independências na América e no Brasil, Estado Nacional Brasileiro, Segundo Reinado, Transição da Monarquia à República no Brasil e África no Século XIX.
9. Segunda Revolução Industrial e Imperialismo, República no Brasil, Primeira Guerra Mundial e Revolução Russa, Mundo Pós-Guerra, Fim da República Velha e Era Vargas, Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria, Independências na África, Pós-Guerra no Brasil, Ditadura Militar e Mundo Contemporâneo.
QUADRO 8 - COLEÇÃO VONTADE DE SABER HISTÓRIA: CONTEÚDOS POR ANO FONTE: Guia PNLD (2011)
44
A coleção está estruturada na perspectiva da periodização européia, segundo
Jean Chesneaux (1995), uma história que toma como modelo uma cronologia
esquemática e linear, baseada na divisão quadripartite da história: antiga, medieval,
moderna e contemporânea.
Os capítulos apresentam uma estrutura regular: Observe, leia e descreva;
Conversando sobre o assunto; Enquanto isso...; O sujeito na História; Entendendo a
linha do Tempo.
As atividades, de modo geral, são divididas em: Exercícios de compreensão;
Expandindo o conteúdo; Passado e presente; Discutindo a História.
Ao final do capítulo, as seções Refletindo sobre o capítulo e Ampliando seus
conhecimentos apresentam uma síntese do conteúdo e sugestões de leituras
complementares.
3.3 O CONCEITO SUBSTANTIVO: A ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL
O conceito substantivo A escravidão africana no Brasil aparece, mais
especificamente, no 7.o ano, no capítulo 11, sob o título A Colonização portuguesa
da América, recebendo o título de A mão de obra africana (PELLEGRINI et al., 2009,
p.170-180, 182-18326).
A narrativa está composta por narrativas do autor27, pinturas, ilustrações,
fotografias, texto historiográfico, mapa e glossário. A narrativa do autor está assim
organizada:
26 Realizei a análise da narrativa selecionada e trabalhada pela professora durante a mediação didática.
27 A coleção é da autoria de três autores, mas para a fluidez da escrita e leitura do texto optei por usar no singular: o autor.
45
TÍTULO DA NARRATIVA
SUBTÍTULO PINTURA
ILUSTRAÇÃOFOTOGRAFIA
BOX TEXTO HISTO-
RIOGRÁFICOMAPA GLOSSÁRIO
A mão de obra africana
A longa trajetória
Na África
A opção pela escravização de africanos (texto)
Nos navios
Pintura: Africanos cativos sendo levados para o navio
Nos mercados Pintura: Mercado de escravos
O engenho de açúcar
O trabalho no engenho
Ilustração: Engenho
Ama de leite
A produção do açúcar
Fazendo um engenho funcionar
Ilustração: Etapas da produção do açúcar
A resistência africana
Os quilombos Ilustração: Quilombo
Os quilombos Quilombo dos Palmares
Os quilombolas Fotografia Zumbi
A cultura afro-brasileira (texto e fotografia)
Metalurgia
QUADRO 9 - NARRATIVA: A MÃO DE OBRA AFRICANA FONTE: A autora
O autor inicia a narrativa explicando a origem da mão de obra africana:
Desde que eram presos na África, até chegarem ao Brasil, os africanos escravizados
percorriam uma longa trajetória, repleta de sofrimentos e incertezas (p.177).
Em seguida, trata do motivo que levou os portugueses a adotar a escravização
dos negros:
A longa trajetória Com o aumento da produção de açúcar no Brasil, tornou-se necessário o trabalho de um número cada vez maior de pessoas. Inicialmente, os portugueses escravizaram os indígenas que aqui viviam. Depois, passaram a comprar pessoas na África e trazê-las para trabalhar como escravos no Brasil (p.177).
46
Segue a narrativa sob o título Na África, enfatizando como os africanos eram
capturados, como era a compra e o transporte dos negros escravizados:
Na África Os africanos eram capturados em suas aldeias e levados para as feitorias próximas aos portos de embarque. A compra e o transporte de africanos para o Brasil eram realizados por traficantes portugueses, que negociavam com os chefes de algumas aldeias africanas, oferecendo produtos como tecidos, armas e tabaco em troca de escravos. Nas feitorias, os escravos ficavam presos em um recinto com paredes altas e geralmente sem cobertura, onde ficavam expostos ao sol e à chuva. Essa situação podia durar várias semanas (p.177).
Em seguida, apresenta, em um Box, a questão da opção pela escravização
de africanos
Foram vários os motivos que levaram os portugueses a optar pela escravização de africanos em vez de escravizarem os indígenas americanos. Primeiramente, os nativos da América não tinham resistência imunológica a muitas das doenças trazidas pelos europeus, e, por isso, a mortalidade era alta entre os indígenas escravizados. Outro motivo é que eles fugiam com mais facilidade do cativeiro, pois conheciam muito bem o território brasileiro. Além disso, a escravização de indígenas não dava lucros à Coroa portuguesa e era condenada pela Igreja Católica. Por outro lado, a escravização de africanos apresentava várias vantagens: eles eram mais resistentes às doenças europeias e não conheciam o território brasileiro, tendo mais dificuldades para fugir e sobreviver nas matas. Por fim, o tráfico de escravos da África para o Brasil, no decorrer do tempo, tornou-se uma atividade muito lucrativa, tanto para os traficantes de escravos quanto para a Coroa portuguesa (p.177).
Compondo a narrativa trata da viagem sob o título "Nos navios" ladeada pela
pintura Africanos cativos sendo levados para o navio (pintura sem autoria, datada
1850, acervo da Universidade da Virgínia, Charlottesville) contendo a seguinte
legenda: "Escravos sendo levados da feitoria para o navio". Narrativa:
Nos navios A etapa seguinte era a viagem de navio até o Brasil. Para aumentar os lucros, os traficantes levavam um número excessivo de escravos nos navios. Além disso, na maioria dos casos, a água e os alimentos eram insuficientes. Nessa viagens, que podiam durar meses, as condições eram terríveis e causavam a morte de muitas pessoas (p.177).
Em seguida, a narrativa "Nos mercados" está acompanhada da pintura
Mercado de escravos (pintura de Johann Moritz Rugendas, século XIX). Narrativa:
47
Nos mercados Ao chegar ao Brasil, geralmente os africanos eram levados para um mercado de escravos. Nesses mercados, eles costumavam receber uma alimentação melhor e alguns cuidados de saúde com o objetivo de melhorar sua aparência e aumentar o seu preço de venda. Os escravos, então, ficavam expostos à venda e eram examinados minuciosamente pelos compradores, que procuravam identificar os mais fortes e sadios. Depois de vendidos, alguns escravos eram levados para trabalhar nas vilas e cidades. A maioria, porém, era levada à área rural para trabalhar na produção de açúcar (p.177).
As imagens estão relacionadas à narrativa do autor e, não estão apenas
como meras ilustrações, mas necessitam da interpretação do professor para cumprir
a sua função didática.
Portanto, essas imagens atendem a perspectiva de Rüsen (2010, p.119),
pois segundo o autor as imagens possuem uma função muito importante no livro
didático e devem
constituir a fonte de uma experiência histórica genuína: devem admitir e estimular interpretações, possibilitar comparações, mas sobretudo fazer compreender aos alunos e alunas a singularidade da estranheza e do diferente do passado em comparação com a experiência do presente, e apresentar o desafio de uma compreensão interpretativa (p.120).
O subtítulo O engenho de açúcar: o trabalho no engenho (p.178-179) está
organizado a partir da ilustração de um engenho diagramada em duas páginas, que
segundo o autor, "é uma representação artística feita com base em estudos históricos."
Inicia a narrativa explicando o que era o engenho de açúcar "O açúcar era
produzido em uma grande propriedade rural, chamada de engenho de açúcar.
Em seguida, explica como era o trabalho no engenho
O trabalho no engenho O engenho era uma grande propriedade rural, onde eram realizadas todas as etapas da produção de açúcar, desde a plantação da cana-de-açúcar até a embalagem do produto. Apesar de haver alguns trabalhadores livres, o trabalho nos engenhos era baseado na mão de obra escrava. Além das atividades relacionadas à produção açucareira, os trabalhadores de um engenho plantavam vários alimentos, cuidavam dos rebanhos de animais, faziam os trabalhos domésticos e produziam suas próprias roupas.
Pequenos textos compõem a ilustração identificando os diferentes elementos
do engenho de açúcar, tais como: canaviais, senzala, casa-grande, matas, capela, casa
de engenho, o rio, pequenas lavouras, entre outras questões.
48
Os elementos presentes na ilustração, segundo o autor, tomaram como base
estudos históricos, pode-se dizer, aos moldes da historiografia clássica, pois, no dizer
de Gilberto Freyre (1988, p.36):
A casa-grande, completada pela senzala, representa todo um sistema econômico, social, político: de produção (a monocultura latifundiária); de trabalho (a escravidão); de transporte (o carro de boi, o cavalo); de religião (o catolicismo de família, com capelão subordinado ao pater familias, culto dos mortos etc); de higiene do corpo e da casa (o banho de rio, o banho de gamela, o banho de assento, o lava-pés); de política (o compadrismo).
O subtítulo A produção do açúcar: fazendo um engenho funcionar (p.180) foi
organizado a partir de uma ilustração. Segundo o autor, as ilustrações representam
as principais etapas de produção do açúcar em um engenho. A ilustração está
organizada em seis (06) quadros contendo legendas explicativas.
Inicia explicando que para a produção do açúcar era necessário o trabalho
de muitas pessoas: Para transformar a cana em açúcar, era necessário o trabalho
de muitas pessoas.
Em seguida, apresenta os quadros sob o subtítulo: Fazendo um engenho
funcionar com as seguintes legendas:
Os trabalhadores cortavam e recolhiam a cana e, em seguida, a transportavam até a casa de engenho. Assim que chegavam com a cana na casa de engenho, os trabalhadores a moíam para extrair seu caldo. Os trabalhadores cozinhavam o caldo de cana para engrossá-lo, transformando-o em melaço. Depois, o melaço era coado e despejado em fôrmas de barro, para solidificar e branquear. Depois que o açúcar solidificava e branqueava, era retirado da fôrma, batido e colocado ao sol para secar. Assim que secava, o açúcar era encaixotado e levado ao porto para ser transportado para a Europa
O subtítulo A resistência africana está subdividido em Os quilombos; Os
quilombolas; A cultura afro-brasileira (p.182-183). O item Os quilombos está composto
por narrativa do autor; ilustração de um quilombo; mapa do quilombo dos Palmares;
texto historiográfico.
49
Inicia explicando que uma das formas de resistência era a formação
dos quilombos
Os quilombos Uma das formas de resistência africana contra a escravidão era a preservação dos costumes de sua terra natal, como danças, cantos e crenças. Outras ações, como a destruição de ferramentas, a queimada das plantações ou a agressão aos senhores, também eram realizadas pelos escravos africanos. As formas mais importantes de resistência, no entanto, eram a fuga e a formação de quilombos. Durante todo o período de escravidão, houve a formação de quilombos em todas as regiões do Brasil.
Em seguida, apresenta o fragmento de um texto historiográfico:
[Os] quilombos [eram] povoações constituídas fundamentalmente de escravos foragidos, mas que acolhiam também homens livres e marginalizados pela sociedade. A história mais conhecida a esse respeito é a do quilombo de Palmares, [...] onde, no final do século XVI, começou a se formar uma rede de povoados que, ao longo do tempo, atingiu uma população calculada em torno de 20 mil pessoas. Era, na verdade, um conjunto de [povoados], cada qual com seu próprio chefe, organizado numa confederação, sob o comando de um rei eleito, nos moldes africanos. [...]28
No caso desse manual, o texto historiográfico está destacado em uma caixa
de texto diferenciada pela cor, está referenciado, mas não existe um ícone que o
identifique como tal, portanto, exige a explicação da professora.
Segundo Rüsen (2010) os textos historiográficos, têm que ser claramente
diferenciados da própria documentação. Pois,
Devido à circunstância de que os textos devem transmitir experiências e apresentar o passado em sua singularidade e sua diferença temporal com o presente (e que no mais, com eles se devem praticar os processos metodológicos da forma de pensar historicamente) de nenhuma maneira devem servir exclusivamente para ilustrar a apresentação (RÜSEN, 2010, p.120-121).
Pode-se dizer que o texto historiográfico não está como mera ilustração,
mas necessita da explicação do professor para que o aluno possa perceber a
28 BERTONI, Mauro; MALERBA, Jurandir. Nossa gente brasileira: textos e atividades para o ensino fundamental. Campinas: Papirus, 2001. p.54.
50
singularidade da experiência do passado – os quilombos e a sua diferença temporal
com o presente – as comunidades quilombolas.
Além disso, compondo a narrativa dos quilombos o autor apresenta o mapa
O Quilombo dos Palmares29 com a legenda dos povoados que compõem o referido
quilombo.
No entender de Rüsen (2010, p.120) os mapas são parecidos com as imagens,
mas ao mesmo tempo mais abstratos e limitados, pois "ilustram a dimensão espacial
dos processos históricos, e isso cria o difícil problema de como a apresentação
estática de um mapa pode fazer chegar aos sentidos dos alunos a extensão e a
mudança no tempo".
O subtítulo Os quilombolas o autor inicia a narrativa explicando quem eram
as pessoas que viviam nos quilombos, como era o seu cotidiano e, finalmente, como
ocorreu a destruição do quilombo. Narrativa:
Os quilombolas Os quilombolas, como eram chamados os moradores dos quilombos, viviam em liberdade. Para se alimentar, eles criavam porcos e galinhas, caçavam, pescavam e cultivavam lavouras de mandioca, milho, cana-de-açúcar, batata-doce e feijão. Como produziam além de suas necessidades, eles negociavam o excedente nos povoados vizinhos, obtendo em troca produtos como sal, tecidos, armas e pólvora. O trabalho era dividido entre os quilombolas: enquanto alguns trabalhavam na agricultura ou na criação de animais, outros se dedicavam ao artesanato, à fabricação de farinha ou à metalurgia. Havia também aqueles que se dedicavam à proteção do quilombo, devido à constante ameaça de ataques. O quilombo dos Palmares resistiu a diversas expedições militares enviadas pelo governo para destruí-lo. Somente no ano de 1694, após quase cem anos de resistência, o quilombo foi destruído.
Compondo a narrativa o autor apresenta a pintura "Zumbi" dos Palmares
(Antônio Parreiras, Zumbi, 1927) acompanhada da seguinte legenda: "Zumbi, o principal
líder do quilombo dos Palmares, tornou-se símbolo da luta dos afro-brasileiros contra
a opressão e a discriminação. Essa pintura feita pelo artista brasileiro Antônio
Parreiras (1860-1939), representa Zumbi".
A pintura complementa a narrativa do autor e possibilita interpretação da
experiência do passado – Zumbi como o principal líder do quilombo dos Palmares e
29 Adaptado de "Glória e Morte dos Palmares. Nova Escola, São Paulo, v.10, n.86, ago. 1995.
51
a experiência do presente – Zumbi como o símbolo da luta dos afro-brasileiros
contra a opressão e a discriminação.
A questão da cultura afro-brasileira está destacada em um Box
acompanhada de uma fotografia30 representando capoeiristas em uma apresentação
A cultura afro-brasileira A cultura afro-brasileira é o resultado da mistura de elementos culturais africanos na formação da cultura brasileira. Em nosso país, o elemento africano se manifesta, por exemplo, na religião, na culinária, na música e na dança, bem como nas palavras e expressões africanas incorporadas ao português falado no Brasil.
Finaliza a narrativa fazendo referência ao Dia da Consciência Negra,
explicita que esse dia e uma forma de protestar contra a discriminação e a luta pela
igualdade de direitos em nosso país.
Atualmente, no dia 20 de novembro, é comemorado o Dia da Consciência Negra. Nesse dia, muitos brasileiros vão às ruas para protestar contra a discriminação e lutar pela igualdade de direitos em nosso país. Essa fotografia, tirada em 200531, retrata uma apresentação de capoeira, importante manifestação da cultura afro-brasileira, durante as comemorações do Dia da Consciência Negra, em Salvador, na Bahia.
Em seguida, o autor apresenta as Atividades, de modo geral de perguntas e,
alguns textos com perguntas para direcionar a interpretação dos mesmos.
Como parte do item Atividades faço o destaque para uma fonte histórica – o
relato de um africano, na medida em que foi trabalhado pela professora. Esse relato
pode ser considerado como fonte histórica, no entanto, aparece como "texto
para leitura" e, segundo o manual do professor aparece indicado como "trecho de
texto" (p.14).
30 Fotografia de capoeiristas. Autoria de Sérgio Pedreira/Folha Imagem. (2005).
31 Referenciada anteriormente.
52
O relato do africano chamado Mahommah G. Baquaqua (BAQUAQUA32 apud
PELLEGRINI et al., 2009, p.186), escrito no início do século XIX, trata da forma como
ele foi capturado em sua aldeia e transportado como escravo para o Brasil.
Fragmento da narrativa:
[...] Levaram-me à casa de um homem branco, onde [permaneci] até a manhã seguinte [...]. Depois [...], levaram-me ao rio e colocaram-me num barco [...] Estávamos há duas noites e um dia nesse rio, quando chegamos a um lugar muito bonito, cujo nome não me lembro. Não ficamos ali por muito tempo, tão logo os escravos foram reunidos e o navio estava pronto para velejar [...] (p.186).
Segundo Rüsen (2010) a apresentação de documentos nos livros didáticos e
o estímulo à interpretação dos mesmos podem prevalecer sobre os textos do autor,
de modo que os alunos, com a ajuda do professor, podem elaborar sua própria
exposição com o material disponível.
De acordo com Peter Lee (2003, p.25), o uso de fontes históricas em aulas
de história pode ajudar os alunos a compreender que a história pode ser explicada
pela ideia de "testemunho e de objetos", pois estes fornecem "pedaços do passado"
No entanto, para o autor, essa explicação tem limitações. Ele argumenta:
Só quando as crianças compreendem os vestígios do passado como evidência no seu mais profundo sentido – ou seja, como algo que deve ser tratado não como mera informação, mas como algo de onde se possam retirar respostas a questões que nunca se pensou colocar – é que a história se alicerça razoavelmente nas mentes dos alunos enquanto atividade com algumas hipóteses de sucesso (LEE, 2003, p.25).
No caso desse manual didático, o relato do africano não está apresentado
como uma fonte histórica, cabendo ao professor a explicação de que esse relato é
um vestígio do passado e que pode ser usado como evidência histórica.
Após a análise da estrutura da narrativa do manual didático fiz a
categorização do conceito substantivo escravidão africana no Brasil. Obtive as
seguintes categorias:
32 BAQUAQUA, Mahommah G. Biografia de Mahommah G. Baquaqua. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.8, n.16, p.270-272, mar. 1988.
53
CATEGORIAS NARRATIVAS
Trabalho
A mão de obra africana A opção pela escravização O engenho de açúcar: O trabalho no engenho A produção do açúcar: Fazendo um engenho funcionar
Sofrimento Na África – capturados; transportados; compra; Nos navios – condições precárias; Nos mercados – expostos à venda.
Luta e resistência A resistência africana: Os quilombos; Os quilombolas.
Cultura A cultura afro-brasileira.
QUADRO 10 - CONCEITO SUBSTANTIVO ESCRAVIDÃO AFRICANA NO BRASIL: CATEGORIZAÇÃO FONTE: A autora
Na categoria trabalho, as ideias mais recorrentes estão ligadas a narrativas
como "A mão de obra africana"; "A opção pela escravização"; "O trabalho no engenho";
"A produção do açúcar" e "Fazendo um engenho funcionar". Exemplo de narrativa:
O trabalho no engenho O engenho era uma grande propriedade rural, onde eram realizadas todas as etapas da produção de açúcar, desde a plantação da cana-de-açúcar até a embalagem do produto. Apesar de haver alguns trabalhadores livres, o trabalho nos engenhos era baseado na mão de obra escrava. Além das atividades relacionadas à produção açucareira, os trabalhadores de um engenho plantavam vários alimentos, cuidavam dos rebanhos de animais, faziam os trabalhos domésticos e produziam suas próprias roupas (p.178).
A ideia de sofrimento está expressa nas narrativas que tratam das condições
de vida no continente africano, mais especificamente, a forma como eram capturados,
transportados e comprados. As condições precárias que enfrentavam nas viagens
nos navios. Assim como, as condições em que eram expostos quando estavam à
venda nos mercados no Brasil. Exemplo de narrativa:
Nas feitorias, os escravos ficavam presos em um recinto com paredes altas e geralmente sem cobertura, onde ficavam expostos ao sol e à chuva. Essa situação podia durar várias semanas (p.177).
As ideias de luta e de resistência estão contempladas no fragmento da
narrativa que trata, mais especificamente, da vida dos negros nos quilombos. Excerto
da narrativa:
54
As formas mais importantes de resistência, no entanto, eram a fuga e a formação de quilombos. Durante todo o período de escravidão, houve a formação de quilombos em todas as regiões do Brasil (p.182).
A categoria cultura está expressa no segmento da narrativa:
A cultura afro-brasileira é o resultado da mistura de elementos culturais africanos na formação da cultura brasileira. Em nosso país, o elemento africano se manifesta, por exemplo, na religião, na culinária, na música e na dança, bem como nas palavras e expressões africanas incorporadas ao português falado no Brasil (p.183).
A obra apresenta uma narrativa que se aproxima das narrativas tradicionais,
pois, de modo geral, a periodização empregada, seguindo a análise de Nadai (1992/93,
p.151), apresenta um encadeamento de ações que são explicadas sucessivamente,
ou seja, uma concepção da história política tradicional, no dizer de Janotti (2001,
p.48), uma história que centra seu estudo "nos eventos circunstanciais e das
situações conjunturais efêmeras" em que os acontecimentos eram organizados de
forma contínua e sem contradições.
Elaborada em tópicos, de forma fragmentada e minimizada, seguindo a lógica
apontada por Rüsen (2012, p.170): "trata-se de um saber muito simplificado para fins
escolares e selecionado a partir do capital da respectiva ciência".
Numa concepção da historiografia brasileira recente e distanciando-se da
narrativa do manual didático, o historiador Luiz Felipe Alencastro, em sua obra
O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul (2000), aponta a importância
de entendermos as relações entre África, a Coroa Portuguesa e o Brasil, pois sem
percebermos essas relações não conseguiremos compreender como ocorreu a
formação econômica do Brasil. Nas palavras do autor: "Desde o final do século XVI,
surge um espaço aterritorial, um arquipélago lusófono composto por enclaves da América
portuguesa e das feitorias de Angola. É daí que surge o Brasil no século XVIII"
(2000, p.09).
O autor explica como essas duas partes unidas pelo oceano se completam
num só sistema de exploração colonial.
Além dessa perspectiva, encontram-se os estudos de João Luís Fragoso em
sua obra Homens de grossa aventura (1998), quando o autor busca mostrar um
modelo explicativo econômico que destoa da historiografia tradicional. Tomando
55
como referência o sistema agrário escravista-exportador, procura apresentar as
formas de acumulação presentes na "economia colonial" do Sudeste, no século XIX.
Procura explicitar que a economia colonial, em seu processo de produção, tinha
certa autonomia frente à Metrópole; fenômeno que ajuda a repensar a dependência
econômica da Colônia em relação à Metrópole.
Na perspectiva da educação histórica o ensino e aprendizagem ocorre
quando apresentamos aos alunos diferentes perspectivas da história, pois como
aponta Barca:
A História dá respostas provisórias porque pode haver pontos de vista diferentes, utilizando as mesmas fontes, e porque vamos descobrindo novas relações com o passado, novas perspectivas. Esta é uma característica fascinante da produção histórica, que devemos passar aos alunos sem cair no relativismo de considerar que todas as respostas sobre o passado têm a mesma validade (BARCA, 2001, p.39).
Nesse sentido, pode-se dizer que esse manual didático não possibilita um
trabalho nessa perspectiva, cabe ao professor na sua mediação didática buscar
outras fontes históricas, outras concepções historiográficas para compor sua aula,
pois de acordo com Peter Lee:
A tarefa dos professores de História é ajudar os alunos a compreender que a História não é dada quer, misteriosamente, por manuais ou testemunhas neutrais, mas que é provisória. Mas a tarefa não pode parar aí: os estudantes precisam de uma ferramenta intelectual que lhes permita distinguir entre diferentes tipos de interpretações históricas. Os estudantes podem então reconhecer que explicações e narrativas requerem justificações mais complexas do que afimações factuais isoladas. Eles podem então começar a ver que muitas das bases factuais da História são, na realidade, muito seguras, e que, se as explicações e as narrativas são provisórias e contestáveis, isto não as reduz automaticamente ao estatuto de serem apenas questões de opinião pessoal (LEE, 2005, p.1).
56
4 MANUAL DIDÁTICO: USO E APROPRIAÇÕES EM AULAS DE HISTÓRIA
No presente capítulo, busco analisar a relação do aluno com o manual didático
de história tendo como referência os pressupostos apontados por Rüsen (2010,
116), quando aponta que o livro didático em toda a sua estrutura deve levar em
conta as condições de aprendizagem dos alunos.
Em seguida, analiso a relação da professora e do aluno com o manual didático,
mais especificamente, a mediação didática adotada pela professora. Para identificar as
evidências sobre o uso e apropriações das narrativas do manual didático acompanhei
algumas aulas que tratassem do conceito substantivo escravidão africana no Brasil.
4.1 A RELAÇÃO DO ALUNO COM O MANUAL DIDÁTICO
Para Rüsen (2010, p.116) o livro didático tem que levar em conta as condições
de aprendizagem dos alunos e alunas, deve estar de acordo com a capacidade de
compreensão e, isso vale acima de tudo ao nível de linguagem utilizado. Segundo
o autor
Ao se dirigir aos alunos, não se deveria esquecer que a experiência histórica tem um potencial próprio de encantamento que se pode aproveitar como oportunidade de aprendizagem. O espanto e a diferença do passado podem ser apresentados de uma maneira que se acredita ser interessante e curiosa. Precisamente as crianças e jovens – sobretudo nos primeiros anos de ensino histórico – são fáceis de fascinar mediante as experiências do diferente na história (2010, p.117).
Tendo como referência os critérios apontados por Rüsen da relação do
aluno com o livro didático organizei um questionário que consistiu em questões
pessoais e questões específicas sobre o manual didático de história. Dos 35 alunos
matriculados 34 estavam presentes e todos responderam ao questionário.
A primeira questão refere-se a dados familiares, mais especificamente, foi
perguntado com quem o aluno mora para obter informações sobre a composição
familiar dos mesmos. Obteve-se os seguintes resultados, 11 alunos moram com pai
e mãe; 08 com pai, mãe e irmão ou irmã; 04 moram com só com a mãe. Sendo que
57
11 alunos indicaram outros integrantes familiares como avós, tio/a, primo/a, padrasto,
madrasta e madrinha como componentes de suas famílias.
A outra questão diz respeito às atividades de lazer. Para tanto, propôs-se a
seguinte questão: Quando você não está estudando o que você costuma fazer?
Foi indicado aos alunos que poderiam escolher quantas atividades realizassem, sem
limite de escolhas.
A atividade de lazer que os alunos mais apreciam é assistir televisão, com
27 escolhas, seguida de utilizar a internet que foi escolhida por 21 alunos, escutar
música por 20 alunos, praticar esporte por 15, reunir com amigos(as) por 12 alunos,
praticar jogos eletrônicos por 12 alunos, sendo que a escolha de menor incidência,
08 alunos, foi leitura de livros e revistas. No item Outras atividades, 04 alunos
fizeram diferentes indicações, sendo cursos (01), jogo no celular (01), ir na chácara
(01) e fazer capoeira e ir para a aula de desenho (01).
A diversidade de atividades de lazer que os alunos praticam vai de encontro
com o pensamento de Raymond Williams (2003, p.53-58) na medida em que esse
autor afirma que existe uma "estrutura de sentimentos comum" em crianças e jovens.
Na pesquisa em questão, fica explícita a existência desse "sentimento comum" pelas
escolhas expressas pelos alunos.
As demais questões são referentes ao uso do manual didático de História
adotado na escola para tentar identificar a relação do aluno com o mesmo.
Em relação à questão 1 Você lê o livro didático de história durante as aulas?,
obteve-se os seguintes resultados: 19 alunos afirmaram que leem muito o livro
didático durante as aulas, sendo que 15 afirmaram que leem pouco, mas nenhum
aluno disse nunca ler o manual durante as aulas.
Ao serem questionados Por quê? leem muito o livro durante as aulas, os
alunos apresentaram diferentes ideias. Após análise obtive a seguinte categorização,
apresentadas por ordem da maior para menor incidência: sete (07) alunos afirmaram
que leem para fazer atividades; quatro (04) disseram que ajuda no aprendizado; três
(03) para acompanhar a aula, dois (02) para explicar o conteúdo, um (01) para
compreender o conteúdo.
Somente dois (02) alunos fizeram referência à história, como Vagner que
afirmou: "Para ter mais facilidade de estudo pras provas e para saber mais sobre
história" e Mario que disse: "Porque é interessante interagir na aula e é legal aprender
mais sobre história".
58
A questão 2 Você lê o livro didático de história fora da escola? Obteve-se a
seguinte categorização: a maioria dos alunos (25) afirmaram que leem pouco o livro
didático de história fora da escola, 03 afirmaram que leem muito e 06 disseram que
nunca leem.
As três alunas, que afirmaram que leem muito, justificaram suas respostas
nas seguintes perspectivas: revisar a matéria, considera interessante ler o livro e para
obter conhecimento: Leni respondeu: "Porque eu sempre gosto de dar uma revisada
nas matérias". Raquel disse: "Pois acho muito interessante". E Lúcia escreveu: "Para
obter mais conhecimento sobre a matéria".
A questão 3 Quando você lê o livro didático de história, você o lê, a maioria
dos alunos assinalou mais de uma opção, sendo que a maioria dos alunos (28) disse que
lê para estudar para as avaliações, (21) disseram que é para acompanhar as aulas e,
alguns alunos (15) afirmaram que leem porque se interessam por fatos históricos.33
Apesar de não ter sido solicitada justificativa nessa questão, dois alunos
fizeram um comentário após a escolha: Vagner afirmou "Porque queria saber um
pouco mais sobre os séculos XIX e XX". E Leni afirmou "Porque eu não gosto de
ficar sem ler os livros didáticos".
Pode-se dizer que a relação do aluno com o manual didático está mais voltada
para as questões gerais, como acompanhar as aulas, estudar para as avaliações,
poucos alunos fizeram referência aos conceitos históricos.
4.2 MANUAL DIDÁTICO: EVIDÊNCIAS DO USO EM AULAS DE HISTÓRIA
Olhar a aula de história não poderia prescindir dos pressupostos de Dubet e
Martucelli (1997, p.14), quando afirmam que os alunos não se formam somente pela
aprendizagem de papéis propostos pela escola, mas em sua "capacidade para
manejar suas experiências escolares sucessivas". Os alunos se socializam por meio
de diferentes aprendizagens: a cultura escolar, o manejo subjetivo dos conhecimentos
e o conhecimento que eles trazem.
33 Nessa questão ocorreu uma discrepância numérica, na medida em que alguns alunos escolheram mais de uma opção.
59
Segundo os autores, esse trabalho de educação não se realiza somente em
relação aos aspectos pedagógicos de professores e alunos, mas envolve também uma
multiplicidade de relações e esferas de ação. Os alunos são, ao mesmo tempo, alunos
e crianças, são alunos e adolescentes. Possuem uma vida fora da escola e administram,
à sua maneira, todas estas dimensões de sua experiência. Tornam-se sujeitos nas
diferentes dimensões de sua experiência (DUBET; MARTUCELLI, 1997, p.14).
Para compreender o que a escola fabrica, no dizer de Dubet e Martucelli (1997,
p.15-16), não basta estudar os programas, os métodos de trabalho. É necessário
também captar a maneira como os alunos "constroem sua experiência, 'fabricam'
relações, estratégias, significações por meio das quais se constituem neles mesmos".
No entender dos autores, a experiência mais individual é socialmente construída nas
relações sociais, e esta experiência deve ser captada no grupo que "testemunha
uma condição comum e socialmente situada".
Para definir em que escola poderia acompanhar as aulas e observar o uso
do manual didático adotei os critérios já referenciados anteriormente:
- Escola que recebeu um dos livros mais escolhidos na RME;
- Professora que participou do processo de escolha do PNLD;
- Professora que respondeu ao questionário por mim enviado.
4.2.1 A relação da professora e aluno com o manual didático: a mediação
didática
Inicialmente, fiz o contato com a escola e professora e marcamos uma data
para explicar o objetivo da pesquisa e os procedimentos adotados na investigação.
A entrevista foi realizada em setembro com o objetivo de obter informações sobre o
uso do manual didático adotado na escola.
Quanto ao uso do livro didático adotado na escola, a professora afirmou:
"Tenho usado bastante o livro didático e ele normalmente é referência de material
escrito que a gente usa nas aulas de história no dia a dia" (LEILA34, 2011).
34 Os nomes adotados são fictícios para preservar as identidades.
60
Quando questionada sobre que conteúdos já havia trabalhado ela comentou
que "Com as turmas de 7.o ano, trabalhei os seguintes conteúdos: Fim do Império
Romano; Idade Média, Idade Moderna e As Grandes Navegações" (LEILA, 2011).
A outra questão foi "se ela considera o livro didático adotado como um bom
livro de história". Ao que ela respondeu:
Quando a gente escolhe um livro didático são várias questões que a gente precisa considerar. Ultimamente, a opção tem sido muito mais pedagógica do que dentro de uma linha historiográfica. O que a gente tem levado em consideração é se esses textos são acessíveis para a criança, se as atividades propostas são possíveis do aluno desenvolver sozinho, a linguagem quanto mais simples a gente tem achado melhor. Porque às vezes o livro didático é muito bom, mas as crianças têm muitas dificuldades em interpretar os textos. Então, [o livro escolhido] é bom... dentro do trabalho que a gente propõe. Lembrando que nenhum livro didático é perfeito (LEILA, 2011).
A professora considera o livro escolhido como um bom livro e salienta que a
escolha realizada pelos professores35 recaiu mais nas questões de compreensão
por parte dos alunos e nem tanto pela linha historiográfica do autor. Segundo a
professora, no livro adotado "as questões são mais simples, eles [os alunos] têm
mais autonomia para fazer as questões".
A perspectiva apontada pela professora em relação à compreensão do texto
por parte dos alunos está presente nos critérios de Rüsen (2010, p.116) na medida
em que o autor afirma que o livro didático ideal, entre outras questões, deve levar
em conta as condições de aprendizagem de alunos e alunas, bem como tem que
estar de acordo com sua capacidade de compreensão.
Entendendo a escola como espaço de escolarização (SCHMIDT; GARCIA,
2006), acompanhei algumas aulas de História, em uma turma de 7.o ano do ensino
fundamental, com alunos entre 11 a 13 anos de idade, para observar de que forma o
conceito substantivo Escravidão está sendo ensinado como um conteúdo escolar
com a intenção de identificar o uso e apropriações que alunos e professora fazem
das narrativas históricas presentes no manual didático adotado por uma escola da
rede municipal de ensino de Curitiba.
35 A escolha do livro didático realizada na escola em 2010 é referente às obras indicadas pela comissão de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
61
Para obter evidências sobre o uso do manual didático em aulas de história
combinei com a professora para acompanhar as aulas que tratassem do conceito
substantivo escravidão africana no Brasil. Das 06 aulas36 em que ela trabalhou o
referido conceito, em 05 aulas usou o manual didático, sendo que na última aula foi
para acompanhar a correção das atividades realizadas pelos alunos. Conforme o
quadro a seguir:
AULAS USO DO MANUAL DIDÁTICO NARRATIVA
1.a Não utilizou o manual
Fílmica: Fragmento do filme Amistad(1); Poema: Navio Negreiro de Castro Alves.
2.a Análise dos documentos históricos - pinturas; Leitura da narrativa do autor; Proposta de atividade do manual.
A mão de obra africana (p.177) - A longa trajetória; Na África; A opção pela escravização; Nos navios; Nos mercados
3.a
Análise da ilustração; Leitura da narrativa do autor; Atividade: Descreva um dia de trabalho no engenho de açúcar.
O engenho de açúcar (p.178-179)
4.a Análise da ilustração; Leitura da narrativa do autor
A produção do açúcar (p.180)
5.a
Análise do mapa – Quilombo dos Palmares; Explicação e contextualização da ilustração, pintura e fotografia; Leitura da narrativa do autor; Atividades propostas no manual: Exercícios de compreensão.
A resistência africana Os quilombos Os quilombolas A cultura afro-brasileira. (p.182-183)
6.a Para a correção das atividades realizadas pelos alunos.
QUADRO 11 - USO DO MANUAL DIDÁTICO EM AULAS DE HISTÓRIA FONTE: A autora (1) Referência: SPIELBERG, S. Amistad. Direção de Steven Spielberg. Estados Unidos, 1997, 154 min. color. son.
Na primeira aula a professora não utilizou o manual didático. Iniciou o conteúdo
com a projeção do filme Amistad, tendo como pano de fundo a declamação, por
Paulo Autran, da poesia Navio Negreiro de Castro Alves.
Antes de iniciar a projeção comentou sobre a produção do filme, ano e
diretor, bem como sobre o conteúdo do filme. Explicou que selecionou uma parte do
filme que diz respeito às condições dos negros escravizados durante a viagem em
um navio negreiro. Explicou que durante a projeção seria recitado um poema que
36 O período das observações ocorreu no segundo semestre de 2011: 20 set; 21 set; 27 set; 28 set; 30 set; 03 out.
62
trata da escravidão. Comenta que Paulo Autran era um ator e que Castro Alves é
considerado um dos poetas mais famosos da literatura brasileira e que fez essa
poesia por defender a ideia da abolição da escravatura.
Após a projeção analisou, juntamente com os alunos, a narrativa do filme
evidenciando alguns pontos relevantes, tais como: porque os portugueses
escravizaram os africanos, formas de resistência, como eram os negros escolhidos
para serem escravizados, entre outras questões.
Como atividade para ser realizada em casa distribuiu aos alunos trechos da
poesia. Cada qual deveria ler e interpretar o significado da letra: O que o autor quis
dizer quando escreveu.
Na segunda aula, utilizou o manual didático. Iniciou a análise dos
documentos históricos, mais especificamente, as pinturas: Africanos cativos sendo
levados para o navio37 e Mercado de escravos de Rugendas38. A primeira obra não
tem a identificação da autoria, mas faz referência à data – 1850 e, a segunda foi
produzida por Johann Rugendas, no século XIX.
A professora destacou as pinturas, comentou que essas pinturas são uma
representação, contextualizou as imagens, fazendo referência à datação – século e
ano em que foram produzidas, assim como a autoria das obras.
Em seguida, os alunos fizeram a leitura da narrativa do autor sob o título
A mão de obra africana contendo os seguintes itens: A longa trajetória; Na África;
A opção pela escravização; Nos navios; Nos mercados (PELLEGRINI et al., 2009,
p.177). No decorrer da leitura a professora fez a explicação do contexto histórico.
Logo após, selecionou o documento histórico que o manual apresenta ao
final do capítulo como "texto", que consiste em um trecho do relato de um africano,
chamado Mahommah G. Baquaqua, que no início do século XIX foi capturado em
sua aldeia e transportado como escravo para o Brasil. Fragmento da narrativa:
37 1850. Universidade da Virgínia, Charlottesville.
38 Pintura de Johann Moritz Rugendas, Século XIX. Coleção particular.
63
[...] Levaram-me à casa de um homem branco, onde [permaneci] até a manhã seguinte [...]. Depois [...], levaram-me ao rio e colocaram-me num barco [...] Estávamos há duas noites e um dia nesse rio, quando chegamos a um lugar muito bonito, cujo nome não me lembro. Não ficamos ali por muito tempo, tão logo os escravos foram reunidos e o navio estava pronto para velejar [...].39
Após leitura do relato a professora propôs a realização da atividade proposta
no manual, mais especificamente, para o aluno identificar o significado das palavras
desconhecidas e perguntas de interpretação do texto.
O trabalho desenvolvido com a fonte histórica foi de leitura e interpretação
do texto, não houve um trabalho mais específico do documento como fonte histórica,
portanto não ficou evidenciado qual a relação que os alunos conseguiram estabelecer
com o documento, e, se conseguiram entendê-lo, como aponta Lee, "como evidência
no seu mais profundo sentido". Isso requer um estudo e uma pesquisa mais específica.
Na terceira aula iniciou com a análise da ilustração que representa um
engenho de açúcar (p.178-179). Em seguida, foi realizada a leitura da narrativa do
autor e a explicação por parte da professora.
Solicitou aos alunos a realização da seguinte atividade: Descreva um dia de
trabalho no engenho de açúcar.
Na quarta aula, analisou as ilustrações que representam as principais etapas
da produção do açúcar em um engenho (p.180). Após a leitura da narrativa do autor
solicitou aos alunos a produção de narrativa histórica, sob o título Descreva um dia
de trabalho no engenho de açúcar.
A professora iniciou a quinta aula retomando algumas questões já discutidas
em aulas anteriores. Em seguida, faz a análise do mapa – Quilombo dos Palmares;
a análise da ilustração que representa um quilombo; a pintura que representa
Zumbi40 e a fotografia que representa uma apresentação de capoeira.41 Em seguida,
os alunos fizeram a leitura das narrativas sob o título A resistência africana e os
itens: Os quilombos; Os quilombolas e A cultura afro-brasileira (p.182-183).
39 BAQUAQUA, Mahommah G. Biografia de Mahommah G. Baquaqua. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.8, n.16, p.270-272, mar. 1988.
40 Quadro de Antônio Parreiras – Zumbi. 1927. Museu Antônio Parreiras, Niterói. In: PELLEGRINI et al., 2009, p.183.
41 Foto: Sérgio Pedreira/Folha Imagem. In: PELLEGRINI et al., 2009, p.183.
64
Nesse caso, durante a leitura não foi feita nenhuma referência quanto à
especificidade do referido texto, portanto não ficou evidenciado se os alunos perceberam
essa diferenciação.
Durante a leitura a professora faz análise do mapa – Quilombo dos Palmares.
Em seguida, solicita que observem e faz a explicação e contextualização da ilustração
que representa um quilombo; da pintura que representa Zumbi42 e da fotografia que
representa uma apresentação de capoeira43.
Como atividade a professora solicitou aos alunos a realização de algumas
questões propostas no manual, denominadas Exercícios de compreensão.
Na sexta aula a professora utilizou o manual didático para a correção das
atividades realizadas pelos alunos.
Constatei que o livro didático tem sido usado pela professora constituindo-se
no texto visível do código disciplinar da história escolar de acordo com Cuesta
Fernandez (1997), pois, segundo esse autor, esse material tem sido considerado
como uma importante fonte de divulgação científica e, portanto, uma das formas
para se ensinar e aprender História.
Além disso, observei que a professora usou de forma parcial as narrativas
do manual, na medida em que se apropriou de alguns segmentos para trabalhar
com seus alunos. A professora selecionou o que considerou importante, escolheu
alguns segmentos para trabalhar com os alunos. Essa perspectiva está apontada
por Circe Bittencourt (2001, p.73-74), pois segundo a autora mesmo que o manual
didático se caracterize pelo texto "impositivo e diretivo", cabe ao professor, entre outras
questões, a seleção dos capítulos a serem trabalhados, a metodologia adotada para
a leitura, assim como as tarefas decorrentes da leitura, que são opções do professor.
Essa sistemática esteve presente em sala de aula.
A professora utilizou diferentes fontes históricas, além das presentes no
manual didático, filme, poesia e música. Essa maneira de organizar a sua mediação
didática está pautada na educação histórica, pois como aponta Barca,
42 Quadro de Antônio Parreiras – Zumbi. 1927. Museu Antônio Parreiras, Niterói.
43 Foto: Sérgio Pedreira/Folha Imagem.
65
Em História, a aprendizagem é orientada para uma leitura contextualizada do passado a partir da evidência fornecida pelas variadíssimas fontes. A História não trata de certezas sobre um passado considerado fixo até que novos factos sejam descobertos; existem construções historiográficas diferentes, por vezes a responder a perguntas muito próximas, mas com enfoques diferentes. Numa sociedade aberta, torna-se cada vez mais óbvia esta característica da História – a de que não se aceita apenas "uma grande narrativa" acerca do passado –, já que os historiadores podem produzir narrativas divergentes, fruto de perspectivas diferenciadas sobre as mesmas fontes ou situações (BARCA, 2006, p.95).
Em relação às características definidas por Rüsen no que distingue um bom
livro didático de história constatei que essas estão parcialmente atendidas no livro
adotado, na medida em que, segundo a professora, esse manual possui questões
"mais simples, eles [os alunos] têm mais autonomia para fazer as questões". Essa
perspectiva está presente nos critérios de Rüsen (2010, p.116), mais especificamente
na questão da relação com o aluno, pois como o autor afirma o livro didático ideal
deve levar em conta as condições de aprendizagem de alunos e alunas, bem como
tem que estar de acordo com sua capacidade de compreensão e, principalmente, no
que se refere à linguagem utilizada.
Outra característica, parcialmente contemplada, refere-se às imagens.
Segundo Rüsen (2010, p.119-120) as imagens têm uma função muito importante e
não devem ter a função de ilustração, mas devem ser fonte de uma experiência
histórica. O livro em questão apresenta algumas imagens, que foram identificadas,
datadas e interpretadas pela professora, portanto auxiliaram na análise do contexto
histórico estudado. Essa intervenção auxiliou a percepção histórica dos alunos.
Quanto ao texto historiográfico analisado pela professora, este está destacado
do texto do autor, no entanto, não existe um ícone que o defina como tal. A explicação
de que é um texto historiográfico foi realizada pela professora. Portanto, a característica
apontada por Rüsen, nessa questão, está parcialmente atendida, na medida em que
o autor aponta que os textos historiográficos, têm que ser claramente diferenciados
da própria documentação. Esses devem transmitir experiências e apresentar o passado
em sua singularidade e sua diferença temporal com o presente. De nenhuma
maneira devem servir exclusivamente para ilustrar a apresentação. Além disso, com
eles se devem praticar os processos metodológicos da forma do pensar historicamente
(RÜSEN, 2010, p.120).
66
Constatei que a professora, de modo geral, segue a narrativa do manual
didático. No entanto, em vários momentos ela complementa com reflexões que considera
importantes para a compreensão do contexto que está a estudar, especialmente,
quando trata de questões de localização temporal, de preconceito e discriminação
racial, da existência de quilombos no Paraná, sobre a carta de alforria, abolição da
escravatura, da Lei Áurea, entre outras. Algumas dessas questões ficaram expressas
pelos alunos em suas narrativas.
67
5 NARRATIVAS HISTÓRICAS: UMA MANEIRA DE ENSINAR E APRENDER
HISTÓRIA
No presente capítulo, retomo as reflexões já adotadas no meu estudo de
doutorado, mais especificamente, a tese de que a narrativa histórica é uma maneira
de ensinar e aprender história. Para tanto, me apropriei de estudos de teóricos
contemporâneos44 que têm se voltado para as questões de como o aluno aprende
história, e, entre esses, os estudos de Rüsen (1992, 1993, 2001). Segundo esse autor
(1993, p.85), a aprendizagem histórica é "a consciência humana se relacionando com o
tempo, experimentando o tempo para ele ter algum significado, adquirindo a competência
de dar sentido (significado) ao tempo e desenvolvendo esta competência".
Em seguida, trato da fase da pesquisa que refere-se à apropriação, pelos alunos,
do conceito substantivo escravidão africana no Brasil em contexto de escolarização
expressas em narrativas históricas, tanto no percurso do estudo exploratório como
do estudo principal.
5.1 NARRATIVA HISTÓRICA E A APRENDIZAGEM HISTÓRICA
A aprendizagem que constitui a consciência histórica vem em destaque nas
narrativas, ou seja, no ato de contar histórias, pois esta é uma forma coerente de
comunicação e trata da identidade histórica tanto do comunicador como do receptor.
Isto ocorre porque as narrativas são produtos da mente humana e, com seu auxílio,
as pessoas envolvem lugar e tempo de uma forma aceitável por elas próprias
(RÜSEN, 1993, p.85).
Aprender, diz Rüsen (2007, p.106), "é um processo dinâmico, ao longo do
qual o sujeito aprendiz passa por mudanças". Nesse processo, o sujeito adquire
alguma coisa, apropria-se de algo. No aprendizado histórico ocorre a apropriação da
'história', ou seja, "um dado objetivo, um acontecimento que ocorreu no tempo
44 Dentre esses teóricos, destaco: Peter Lee, Rosalyn Ashby, Keith Barton, Hilary Cooper, Isabel Barca, Maria Auxiliadora Schmidt, Tânia Braga Garcia, entre outros.
68
passado, torna-se uma realidade de consciência, torna-se objetivo". O aprendizado
histórico é um processo da consciência que se dá entre dois pontos, de um lado "um
dado objetivo da mudança temporal do homem e de seu mundo no passado" e, de
outro, "um sujeito determinado, uma autocompreensão e uma orientação da vida no
tempo". Segundo esse autor, o aprendizado histórico ocorre num movimento duplo,
"algo objetivo torna-se subjetivo, um conteúdo da experiência de ocorrências temporais
é apropriado" e, ao mesmo tempo, "o sujeito confronta-se com esta experiência, que
se objetiva nele" (RÜSEN, 2007, p.106).
Como indicativos do "como" aprender a história, Schmidt (2008) faz as
seguintes considerações:
- a aprendizagem histórica como uma construção, mas não centrada na aprendizagem espontânea;
- aprender a partir dos conhecimentos tácitos ou prévios dos alunos e das suas representações, em que eles possam adquirir as ferramentas necessárias para aprender a pensar historicamente, captando e valorizando a diversidade das fontes e dos pontos de vista históricos, reconstruindo, por adução, o percurso da narrativa histórica, participando do processo de fazer o conhecimento histórico, de construí-lo;
- aprender por meio do desenvolvimento de projetos e práticas interdisciplinares;
- aprender a construir noções temporais, superando a linearidade histórica e buscando entender a multiplicidade do tempo e a multiperspectividade da história;
- aprender a partir de novas relações com os materiais didáticos e fontes históricas, incorporando fontes orais e a memória histórica (SCHMIDT, 2008).
Observa a autora que aprender história nessa perspectiva promove uma
aproximação da aprendizagem histórica com a epistemologia histórica, mais
especialmente em relação ao método próprio dos historiadores, ou seja, com as
formas de produção do conhecimento histórico.
No entender de Rüsen (1992, p.30), a aprendizagem histórica, é realizada
por meio de três operações/competências: experiência, interpretação e orientação.
A 'competência de experiência' é a capacidade de olhar o passado e buscar sua
qualidade temporal, diferenciando-a do presente; 'competência de interpretação' é a
habilidade para reduzir as diferenças de tempo entre o passado, o presente e o futuro.
A temporalidade funciona como um instrumento de interpretação de experiências do
passado e uma compreensão do presente; 'competência de orientação' é a habilidade
69
para utilizar a interpretação do passado, analisar a situação presente e projetar um
curso de ação futura.
Nesse sentido, segundo Rüsen (2001, p.155), a narrativa histórica é um
"modo específico de sentido sobre a experiência do tempo" e, para a constituição
desse "sentido", a narrativa deve estar vinculada à "experiência do tempo de maneira
que o passado possa tornar-se presente no quadro cultural de orientação da vida
prática contemporânea".
Para esse autor, a narrativa histórica tem uma especificidade, a de que "os
acontecimentos articulados narrativamente são considerados como tendo ocorrido
realmente no passado". Além disso, a coesão interna da narrativa é constituída como a
representação temporal que está "vinculada à experiência e como significativa para o
auto-conhecimento e para a orientação dos sujeitos narradores" (RÜSEN, 2001, p.155).
Ainda em relação à consciência histórica, na busca de uma compreensão
dos significados das narrativas produzidas pelos jovens, Barca (2006a) desenvolveu
o estudo, implementado no Projecto Hicon, Consciência Histórica: teoria e práticas,
com alunos do 10.o ano de escolaridade no sistema educativo português45, do qual
obteve um conjunto de construtos que forneceram indicadores para as questões
de investigação:
1. Tipologia narrativa - o nível da trama narrativa e listagem de marcadores temporais;
2. Esquema narrativo - mensagem nuclear substantiva e idéias de segunda ordem acerca de mudança e identidade;
3. Função social das idéias implícitas nas 'narrativas' produzidas (BARCA, 2006).
A partir desses construtos, as tramas das histórias de Portugal e do mundo
contemporâneo produzidas pelos jovens portugueses apresentaram níveis diferenciados,
desde o mais elaborado ao menos elaborado:
1. Narrativa completa - quando respeitam as balizas temporais propostas, apresenta eventos ou acontecimentos de ruptura, interligando-os por situações que constituem causas ou consequências dessas rupturas;
2. Narrativa emergente - quando respeitam uma cronologia básica em relação aos eventos propostos, no caso da pesquisa com os jovens portugueses,
45 No Brasil, corresponde ao 1.o ano do ensino médio.
70
a cronologia ficou centrada em "dois momentos chave no país: a ditadura salazarista e o período iniciado com o 25 de Abril de 1974";
3. Cronologia; 4. Lista de eventos - a-cronológica; 5. Considerações gerais (BARCA, 2006).
As tendências encontradas nas produções desses jovens portugueses, nas
palavras de Barca (2006), podem indicar algumas hipóteses problematizadoras
sobre a função social que a disciplina de história está a veicular:
1. Apesar de os programas da disciplina de História nos últimos anos de escolaridade básica (7.o, 8.o e 9.o anos) se reportarem ao Mundo actual, parece que no final deste ciclo de ensino é a História do país que permanece mais nítida no pensamento juvenil. A identidade nacional surge delineada numa narrativa com contornos estruturados, enquanto que a idéia de História do mundo aparece tênue, comprometendo uma perspectiva de desenvolvimento da identidade 'planetária', que será desejável também promover. Estará o Ensino da História, em Portugal, a reforçar apenas os laços de pertença à escala nacional, descurando escalas mais vastas da história da humanidade, ou serão os interesses da juventude que atribuem muito mais significado à História do país do que à do mundo?
2. Os personagens individuais são pouco mencionados, e o seu protagonismo histórico surge sobretudo pela negativa. Como poderão os jovens pensar o seu papel na sociedade se a participação individual não é valorizada positivamente?
3 - Os sentidos de mudança na História, implícitos nos relatos dos jovens, apontam para idéias que não se reduzem a cenários lineares de progresso ou declínio: parte deles mostra consciência de que a história humana é feita de aspectos positivos e negativos, e que podem ser relativizados conforme os interesses e os pontos de vista. Estas visões indiciam que em Portugal a História ultrapassou já uma visão cristalizada e redutora da realidade, abrindo caminho à compreensão da complexidade (BARCA, 2006).
Outro estudo que teve como preocupação as narrativas históricas produzidas
por alunos foi realizado por Carretero e Jacott (1997), os quais apontam a importância
de dois elementos na narrativa para a explicação de acontecimentos históricos:
"os agentes" a quem são atribuídos certas ações e os "motivos" que explicam
essas ações.
Os autores (1997, p.87) iniciam a reflexão afirmando que a disciplina de história
tem sido ensinada sem considerar a interação complexa existente entre as estruturas
sociais e políticas. Comentam que a história tem sido criticada por apresentar
"personagens caricaturados que desempenham o papel de protagonistas", utilizados
para explicar os acontecimentos, sem levar em conta os fatores abstratos dos fatos.
Como exemplo, citam que um ensino nessa perspectiva, ao explicar os conflitos
71
bélicos, toma como fundamental a figura de um "rei determinado ou o seu confronto
com o rei vizinho", não sendo considerados os aspectos sociais e políticos que
os produzem.
Em suas pesquisas, Carretero e Jacott (1997, p.88) têm argumentado que
"a visão da História como relato tem sido revitalizada, e nela os personagens, sejam
eles concretos ou abstratos, adquirem uma especial relevância".
Partindo dessas considerações, Carretero e Jacott (1997, p.92), ao pesquisarem
alunos de diferentes idades e níveis de escolarização46, procuraram saber qual o
"papel" que os alunos "conferem aos agentes [históricos] dentro da causalidade
histórica". Pretendiam analisar os "tipos de agentes incluídos nas narrativas produzidas
pelos alunos de diferentes grupos quando explicam por que se produziu o
'descobrimento' da América". Para empreender essa pesquisa, propuseram os
seguintes questionamentos:
Que tipo de elementos causais (agentes, motivos, estrutura sócio-política, etc.) os alunos incluem em seus relatos quando explicam a ocorrência de um fato histórico? Qual a importância que conferem aos agentes históricos nas suas explicações? Quais os tipos de agentes aos quais fazem referência os alunos de diferentes idades e de diferentes áreas de especialização? E, conseqüentemente, que tipo de motivos atribuem a esses agentes históricos? (CARRETERO; JACOTT, 1997, p.92).
Para os autores, o interesse nesses estudos recaiu em ver as diferenças que
existem em relação à compreensão histórica por parte de alunos de diferentes
idades e o desenvolvimento cognitivo, bem como as implicações na área da educação.
Comentam que a maioria dos estudos sobre desenvolvimento cognitivo tem sido
realizada mediante "tarefas abstratas", e que não têm sido levadas em consideração
as relacionadas com a História e as Ciências Sociais.
46 O público pesquisado era constituído de 100 (cem) alunos espanhóis. Foram formados cinco grupos de vinte alunos, cada grupo pertencente a diferentes níveis de escolarização: 6.a e 8.a séries do primeiro grau; 2.o ano do segundo grau; estudantes universitários do 5.o ano do curso de Psicologia e 5.o ano de História.
72
No referido estudo, os relatos produzidos pelos alunos foram analisados
considerando dois elementos da narrativa que, no dizer dos autores, são essenciais
na explicação de acontecimentos históricos: "os agentes, a cujas ações é atribuída a
produção de determinados acontecimentos históricos, e os motivos que permitem
explicar essas ações" (CARRETERO; JACOTT, 1997, p.93).
Após a análise dos relatos dos alunos foi estabelecida uma categorização.
Inicialmente, em relação aos agentes históricos: "agentes pessoais, agentes pessoais-
sociais e agentes sociais". Na primeira categoria, foram localizados os alunos que
consideraram "somente as ações de agentes individuais nas suas narrativas sobre o
'descobrimento' da América"; na segunda categoria, foram incluídos os alunos que
consideraram "tanto as ações de agentes pessoais quanto a participação de agentes
sociais"; na terceira categoria, foram situados os alunos que fizeram suas narrativas
baseados nas ações de agentes sociais. Em seguida, em relação aos motivos das
ações, foram considerados todos os tipos a que os alunos fizeram referência
em seus relatos, sendo que os mesmos foram distribuídos em cinco categorias:
"de procura, pessoais, científicos, religiosos, econômicos e políticos" (CARRETERO;
JACOTT, 1997, p.93).
Os resultados apresentados por Carretero e Jacott (1997, p.99) indicaram
que os alunos, tanto os mais jovens como os adultos, demonstraram sua compreensão
dos fatos históricos de uma "forma personalista"; que os alunos que não são da área
de história priorizaram, em seus relatos e explicações históricas: os sujeitos e
suas ações, indicando que "a compreensão da História por sujeitos que não são
especialistas se dá de uma forma narrativa".
Ademais, neste trabalho a narrativa está sendo tomada na perspectiva dos
estudos de Husbands (2003) sobre a narrativa histórica escolar. Segundo o autor, a
narrativa é uma das formas pelas quais alunos e professores dão sentido ao passado
histórico, quando pensam sobre as versões do passado. Assim, por meio das narrativas
torna-se possível, em aulas de história, tratar de ideias mais abstratas sobre as
suposições e crenças das sociedades do passado, sobre as formas como trabalharam
ou fracassaram, e sobre como as pessoas representavam suas relações com
os outros.
Narrar histórias em aulas de história é uma forma de relatar o passado e,
consequentemente, interpretar este passado e, por isso, as narrativas são um
componente significativo do pensamento histórico e uma ferramenta central no ensino e
73
na aprendizagem em história, podendo ser considerada como fundamental nessas
aulas. No entanto, ressalta o autor, na aprendizagem histórica a narrativa não é um
fim em si mesma, mas um meio para determinado fim, isto é, para a produção de
uma compreensão sobre o passado – a compreensão histórica. E isto significa:
contar histórias, mas também pedir aos alunos que as recontem; submetê-las a um exame crítico, criando um sentido da sua 'naturalidade', assim como da sua lógica. Envolve uma dúvida cética implícita sobre o caráter das histórias que contamos. Significa relacionar histórias àqueles 'princípios organizadores' – as idéias de causa, continuidade, mudança – do complexo discurso histórico (HUSBANDS, 2003, p.51).
Finalmente, a narrativa está sendo entendida aqui como um princípio da
educação histórica, na medida em que, para Lee (2005a, p.32), compreender a história
envolve conceitos tais como evidência, causa, mudança, explicação, consciência
histórica e narrativa, entre outros.
Os historiadores, diz Lee (2005a, p.32), falam e escrevem sobre coisas que
acontecem no mundo. As suas histórias estão repletas de pioneiros, políticos e
batalhas. Eles dão aos seus leitores explicações e, para isto, usam a evidência e
escrevem narrativas. Mas, seus livros não são sobre a ideia de explicação, ou a
noção de evidência, ou sobre o que é uma narrativa histórica; em vez disso eles
usam as suas próprias compreensões de evidência ou explicação para escrever
livros sobre Colombo, os Maias ou a Revolução Americana.
Lee (2005a, p.32) enfatiza que a intenção não é sugerir que os alunos, na
sala de aula, passem a fazer a história da mesma maneira que os historiadores, mas
o objetivo é que os alunos tragam para a escola ideias tácitas do que seja a história,
e que os professores abordem essas ideias. Isso, diz o autor, "se nós desejamos
ajudá-los a progredir na compreensão do que professores e historiadores dizem a
respeito do passado".
5.2 NARRATIVAS PRODUZIDAS EM CONTEXTO DE ESCOLARIZAÇÃO
Essa fase da pesquisa refere-se à investigação da apropriação, pelos alunos,
do conceito substantivo escravidão africana no Brasil em contexto de escolarização.
74
Nesse sentido, delineei minha pesquisa, mais precisamente na linha de investigação
da cognição histórica situada, a qual engloba estudos que têm como perspectiva a
compreensão das ideias de professores e alunos em contexto de ensino – aulas de
história, tomando como referência o próprio conhecimento histórico.
Os objetivos centrais dessas investigações têm procurado:
- compreender os processos cognitivos dos sujeitos ao pensarem História; - examinar as relações entre as idéias tácitas (idéias que os alunos
constroem a partir de suas vivências) e os conceitos históricos; - explorar a compreensão dos alunos quanto aos conceitos históricos quer
de natureza substantiva quer de natureza epistemológica (por exemplo, interpretação de fontes) (BARCA; GAGO, 2001, p.242).
As pesquisas na área da educação histórica, mais especialmente sob o
enfoque de cunho qualitativo, têm investigado, por um lado, os conceitos substantivos,
e, por outro, as ideias sobre "a natureza da História" (BARCA, 2005, p.16). Nessa
investigação o conceito substantivo Escravidão africana no Brasil. De acordo com Schmidt (s/d), na esteira dos estudos desenvolvidos por
investigadores como Charlot (2000), Dubet (2006), Dubet e Martuccelli (1997):
os estudos relacionados ao campo da Educação Histórica, abrem um diálogo com as teorias educacionais que procuram entender o significado dos processos de escolarização, particularmente no que se refere aos processos de ensino e aprendizagem, face ao declínio da escola como instituição com a "função de", para entendê-la como o espaço da experiência (individual e social) dos sujeitos com o conhecimento (SCHMIDT, s/d).
A partir desses pressupostos busquei investigar as ideias dos alunos e a
relação desses com o conhecimento histórico, mais especificamente com o conceito
substantivo escravidão, tanto no estudo exploratório como no estudo principal.
5.2.1 Narrativas produzidas em contexto de escolarização: estudo exploratório
No estudo exploratório quando perguntei para as professoras Se já haviam
trabalhado com o livro adotado? Todas afirmaram que sim e indicaram os conteúdos
75
que já haviam trabalhado no ano, tais como: Os antigos povos indígenas; A época
das grandes navegações; A chegada dos portugueses ao Brasil; entre outros.
Constatei que o conteúdo mais abordado foi a questão dos Indígenas, sendo
que 04 (quatro) professoras já haviam trabalhado este conteúdo. Os demais
conteúdos trabalhados foram: A questão das grandes navegações trabalhada por 02
(duas) professoras; A chegada ao Brasil por 01 (uma); Os povos que vieram da
África por 01 (uma); A expansão da Colônia por 01 (uma) professora.
A segunda questão: Você já trabalhou o conteúdo histórico "Escravidão" neste
ano? Caso negativo. Você concordaria em investigar os conhecimentos prévios de
seus alunos sobre este conteúdo histórico?
A professora Ana comentou que "Sim, já houve introdução ao conteúdo",
mas que gostaria de investigar os conhecimentos prévios de seus alunos para
"saber o que eles haviam aprendido". As demais professoras, não haviam trabalhado
este conteúdo e concordaram em aplicar o instrumento de pesquisa com seus alunos.
Diante disso, no decorrer do 2.o semestre de 2010 foram aplicados dois
instrumentos de pesquisa aos alunos de 4.o ano e 4.a série desta escola em relação
ao conceito substantivo escravidão. O primeiro questionário tinha a intenção de obter
as ideias prévias dos alunos. Para tanto, solicitei Escreva o que você sabe sobre
"Escravidão". O outro questionário foi aplicado após a mediação das professoras.
Neste, solicitei Escreva o que você aprendeu sobre "Escravidão".
Para fins de análise tomei a atividade desenvolvida pela professora Andrea,
4.a série C. Dos 25 alunos matriculados, 18 alunos participaram dos dois momentos
da investigação. No que se refere à análise, utilizei-me da categorização em relação
às ideias mais recorrentes no manual didático usado pela professora e comparar
com as ideias previas dos alunos e as ideias após a mediação da professora. Após
análise dos dados obtive a seguinte categorização em relação ao conceito escravidão:
76
CATEGORIAS DO MANUAL IDEIAS PRÉVIAS IDEIAS APÓS A MEDIAÇÃO
Os povos que vieram da África _____ Os portugueses buscavam os negros na África para trabalhar como escravos
Trabalho escravo
Trabalho de graça; Trabalhos pesados; Os negros foram forçados a trabalhar; Trabalhavam para achar ouro/procurar ouro; Trabalhar para uma pessoa sem querer trabalhar; Os negros foram forçados a trabalhar.
Trabalharam muito; Trabalhar sem pagamento/ de graça; Trabalhar nas fazendas.
Luta e resistência Quem tentava fugir morria Batiam neles [negros] Não dar comida
Batiam nas crianças e adultos Tinha morte envolvida
Formação do povo brasileiro/cultura brasileira
_____ _____
QUADRO 12 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: IDEIAS DOS ALUNOS FONTE: A autora
Na categoria Os povos que vieram da África, no questionário das ideias
prévias nenhum aluno fez referência sobre este conteúdo. Após a mediação da
professora um aluno expressa em sua narrativa este conteúdo:
Que os portugueses buscavam os negros na África para trabalhar como escravos sem pagar nada para trabalhar nas fazendas, coletores de café, agricultores e etc... É assim que os escravos trabalhavam sem pagarem nada. (Leandro, 9 anos)
Na categoria trabalho escravo, tanto no questionário das ideias prévias como
no aplicado após a mediação da professora, os alunos expressaram as ideias com
maior ênfase, tais como: Trabalho de graça; Trabalhos pesados; Os negros foram
forçados a trabalhar; Trabalhavam para achar ouro/procurar ouro; Trabalhar para
uma pessoa sem querer trabalhar. Exemplo de narrativa:
Aprendi que os brancos que vinham para o Brasil para mandar nos negros funcionava assim: os brancos vendiam os negros para trabalharem nas fazendas para servir a comida e limpar... (Nadia, 9 anos)
77
Na categoria luta e resistência, os alunos fizeram referência aos maus-
tratos, fuga e morte. Exemplo de narrativa:
A escravidão era nos anos 50 (sic) que tinha que obedecer os brancos eles mandavam colher café, feijão, trigo e os negros respeitavam [e] quem tentava fugir morria, quando trabalhavam para achar ouro uns morriam de pneumonia, outros demoravam para morrer com a mesma doença, outros morriam de tanto idoso e de tanto apanhar. (Edson, 10 anos).
Na categoria formação do povo brasileiro/cultura brasileira, tanto no questionário
das ideias prévias como no aplicado após a mediação da professora, nenhum aluno
fez referência sobre este conteúdo.
Alguns alunos (02) fizeram referência à escravidão indígena no questionário
das ideias prévias e após a mediação da professora. Somente um (01) aluno fez
referência, nos dois questionários, à escravidão indígena.
Ideias prévias do aluno:
Escravidão começou quando os brancos chegaram ao Brasil em busca de riqueza e encontraram os indígenas assim os brancos escravizaram os indígenas. (Rodrigo, 10anos)
Ideias do aluno após a mediação da professora:
A escravidão aconteceu quando os portugueses desembarcaram no Brasil e encontraram tribos indígenas e as escravizaram e mataram. (Rodrigo, 10 anos)
Alguns alunos (03) usaram alguns marcadores temporais, como: "A escravidão
aconteceu no Brasil há muitos anos..." (Nadia, 10 anos).
Em relação às ideias dos alunos sobre o conceito substantivo escravidão
pode-se dizer que a maioria dos alunos apresentou uma mudança conceitual entre
as ideias prévias e as apresentadas após a mediação da professora. Algumas ideias
expressas na narrativa do manual didático foram expressas pelos alunos, sendo que
a ênfase foi para as questões relativas ao trabalho, maus-tratos, fuga e morte.
78
5.2.2 Narrativas produzidas em contexto de escolarização: estudo principal
No estudo principal a recolha de dados consistiu em duas produções dos
alunos. A primeira para investigar os conhecimentos prévios com a pergunta: O que
você entende por escravidão. E a segunda, após a mediação didática, foi proposta a
seguinte questão: Imagine que você foi convidado para participar de um concurso
sobre conteúdos de História. Você deverá contar sobre a Escravidão no Brasil. Dos 35 alunos matriculados, 31 fizeram a 1.a narrativa, 31 fizeram a
2.a narrativa. Sendo que 27 alunos produziram as duas narrativas solicitadas.
Além da atividade proposta para investigar os conhecimentos prévios dos
alunos em relação ao conceito escravidão, solicitei que indicassem "Com quem
aprendeu" e "Onde aprendeu" sobre esse conteúdo histórico. As informações
ficaram assim categorizadas:
COM QUEM APRENDEU NÚMERO DE ALUNOS
Professor(a) 25 Especificaram: Nome da professora
08
Professora de história 07 Professora de geografia 01 Professora de ensino religioso 01 Professora de capoeira 01
Familiares/família 09 Especificaram: Pais
03
Madrinha 02 Avó 01 Irmã 01 Tia 01 Padrinho 01
QUADRO 13 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: COM QUEM APRENDEU FONTE: A autora
A maioria dos alunos (25) disse que aprendeu com a professora. Dentre
esses, alguns alunos (08) especificaram o nome de suas professoras e outros
especificaram a disciplina: professora de história (07 alunos); de geografia (01 aluno);
de ensino religioso (01 aluno) e a professora de capoeira (01 aluno).
Alguns alunos (09) disseram que aprenderam com familiares ou com a
família, sendo com os pais (03 alunos); madrinha (02 alunos); avó, irmã, tia e padrinho
indicados por 01 aluno respectivamente.
79
Em relação à questão "onde aprendeu", as respostas ficaram assim
categorizadas:
ONDE APRENDEU NÚMERO DE ALUNOS
Escola 22
Novela
Especificaram: Chica da Silva Escrava Isaura Novela sobre escravidão Novela "sinhazinha"
11
Especificaram 06
Livros 06
Filmes
Especificaram: O Besouro Amistad
05
Especificaram 03
TV 05
Internet 03
Documentários 02
Reportagem 01
Pesquisas 01
Capoeira 01
Desenho 01
Casa 01
QUADRO 14 - CONCEITO ESCRAVIDÃO: ONDE APRENDEU FONTE: A autora
A maioria dos alunos (22) disse que aprendeu na escola. Alguns alunos (11)
disseram que aprenderam com as novelas, sendo que alguns (06) especificaram o
nome das novelas: Chica da Silva e Escrava Isaura, ou disseram que era "novela
sobre escravidão", e, novela sobre "sinhazinha".
Alguns alunos (06) indicaram que aprenderam em livros e alguns (05) com
filmes. Desses alunos (02) especificaram o nome dos filmes: "O Besouro" (02) e
Amistad (01).
Alguns alunos indicaram que aprenderam com a televisão (05 alunos), com
a Internet (03 alunos) e com documentários (02 alunos).
As demais formas foram indicadas com menor ênfase pelos alunos, como
reportagem, pesquisas, capoeira, desenho e em casa, que foram citadas por 01
aluno, respectivamente.
80
5.2.2.1 Narrativas produzidas pelos alunos: ideias dos alunos
Neste segmento procuro identificar nas narrativas produzidas pelos alunos,
tanto nos conhecimentos prévios como após a mediação didática, os marcadores
temporais, marcadores espaciais e os personagens/agentes pessoais/sociais que
constituem as narrativas, e, a partir da identificação desses marcadores, identifico os
níveis das narrativas produzidas pelos alunos.
Os critérios de análise das narrativas foram estabelecidos a partir dos estudos
de Barca (2006), Husbands (2003), Carretero e Jacott (1997).
A partir dos elementos sugeridos por esse conjunto de autores, foi feita a
categorização das ideias contidas nas narrativas dos alunos. Esta categorização
consistiu em um estudo empírico baseado na metodologia da investigação qualitativa
na perspectiva da Grounded Theory (BOGDAN; BIKLEN, 1994), na qual as abstrações
são construídas à medida que os dados particulares que foram recolhidos vão
sendo agrupados.
As narrativas dos alunos apresentaram os seguintes marcadores temporais:
MARCADORES TEMPORAIS CONHECIMENTOS
PRÉVIOS APÓS A MEDIAÇÃO
Verbo no passado 27 27
Mudança temporal 04 17
Termos indicativos de passado 04 05
Datação/marcos cronológicos 04 05
Passado que está no presente Nenhum 08
QUADRO 15 - MARCADORES TEMPORAIS UTILIZADOS PELOS ALUNOS FONTE: A autora
Todos os alunos usaram, em suas narrativas, tanto nos conhecimentos prévios
como após a mediação didática, marcadores temporais. Para fins de exemplificação
optei por utilizar as narrativas após a mediação didática, na medida em que apresentaram
mais elementos de temporalidade. Todos os alunos usaram palavras que indicam
que os acontecimentos ocorreram no passado. Fragmento de narrativa:
Os africanos eram capturados e trazidos para o Brasil. Quando chegavam aqui vestiam uma roupa simples e eram batizados na capela como cristãos. Alguns trabalhavam na casa do senhor do engenho que se localizava em um local mais alto, para observar o trabalho escravo. Principalmente as mulheres
81
trabalhavam na casa do senhor de engenho, pois amamentavam os seus filhos. Quando chegava a noite, os escravos iam dormir na senzala para acordar cedo novamente e ir ao trabalho. Quando acordavam trabalhavam com a cana que era um cultivo muito importante. Para trabalhar com a cana tinha um processo: cortavam a cana e levavam até a casa do engenho, moíam, ferviam até virar uma calda quente, depois eram colocadas em uma forma de barro, depois quebravam e eram levadas ao porto e transportadas até a Europa. Enquanto eles trabalhavam os feitores cuidavam deles para não fugirem, mas alguns fugiam e ficavam nos quilombos, mas lá não haviam só escravos que fugiam mas sim trabalhadores livres que preservavam os costumes da sua terra natal, fuga. Quilombolas eram comunidades que ficavam. [sic]. Muitos costumes africanos nós temos hoje em dia como: comidas: vatapá, feijoada, danças: samba, capoeira, religião, expressões (palavras). A escravidão foi abolida em 1888 com a lei Áurea. O trabalho do engenho era baseado no trabalho escravo mas também em trabalhadores livres. (Anelise, 11 anos)
Alguns alunos (17) expressaram em suas narrativas a mudança temporal,
elaboraram uma trama que apresenta a experiência ocorrida no passado e as
dificuldades enfrentadas pelos afrodescendentes na atualidade, como o preconceito
e racismo. Exemplo de narrativa:
No Brasil os portugueses compravam os escravos para conseguir trabalho usavam os escravos em vários serviços, nos engenhos de cana de açúcar entre outros. Alguns negros como forma de resistência se suicidavam outros abortavam a gravidez e outros se revoltavam e fugiam. Para os negros se defenderem eles criavam quilombos e lá eles viviam, eles realizavam atividades como agricultura e comércio, lá eles usavam a cultura que lês tinham na África. Depois de muitos anos uma lei que proibia o trabalho foi assinada e a partir dai eles começaram a ter salário, mas até hoje muitas pessoas tem preconceitos com os negros. (Fernando, 12 anos)
Alguns alunos (05) usaram termos que indicam a passagem do tempo: há
muito tempo; tudo começou; depois de um tempo; antigamente; atualmente; depois
de muito tempo. Exemplo:
A escravidão no Brasil foi difícil para os afrodescendentes assim chamados. Muitos eram mortos por maus tratos ou falta de alimento na exportação de negros para os navios negreiros, para servirem de escravos, para os brancos, depois de um tempo os negros começaram a trabalhar nas moendas de cana-de-açúcar tendo como vigias os feitores, como os negros trabalhavam sem ganhar nada não gostavam de trabalhar por 12 ou mais de 17 horas por dia construíram os quilombos. Quilombos eram lugares onde os negros fugiram para se abrigarem-se, para modo de passar o tempo os negros praticavam a capoeira, como atualmente é praticada. Recebendo a carta de alforria poderiam ser livres e viverem nos quilombos depois de muito tempo morando nos quilombos eram chamados de quilombolas. (Gil, 12 anos)
82
Nessa narrativa o aluno usa termos que indicam a passagem do tempo, faz
uma interpretação da experiência do passado, ou seja, a prática da capoeira "para
modo de passar o tempo os negros praticavam a capoeira" relacionando com a
experiência do presente "como atualmente é praticada".
Poucos alunos (05) usaram marcadores cronológicos. Exemplo:
A escravidão no Brasil começou no século XVI e durou 300 anos e eram feitos de escravos os africanos e eles eram trazidos por navios e eram muito precário o estado de higiene dos escravos muitas vezes as mulheres grávidas se suicidavam pois eram a resistência da escravidão muitas vezes quando estavam nos engenhos eles destruíam o engenho colocando fogo destruindo as ferramentas [...]. Quando eles fugiram formaram os quilombos que eram as comunidades que onde viviam vários povos e etnias da África. Que o líder foi Zumbi dos Palmares. Palmares foi a comunidade que reportou o maior grupo de escravos então no dia 20 de novembro é comemorada o dia da consciência negra a [em] homenagem a Zumbi dos Palmares por sua morte na guerra contra os portugueses. (Bruno, 12 anos)
De modo geral, os alunos não usaram a cronologia como marcadores
temporais. Os que usaram fizeram referência ao século XVI referindo-se ao início do
período em que os portugueses trouxeram os escravos africanos ao Brasil; 1500
como o ano em que os portugueses vieram ao Brasil; 20 de novembro a data em
que é comemorada o dia da consciência negra.
Alguns alunos (08) expressaram que o passado está no presente. Exemplo:
Os escravos trabalhavam em produções de açúcar e as amas de leite cuidavam dos filhos do rei. Na lavoura a cana era colocada de molho moída e assim virava açúcar e era embalada. E na produção da cana quem cuidava para que os escravos não fugissem eram os "escravos livres". A escravidão durou muito tempo já acabou, mas agora tem um outro tipo de escravidão que é o preconceito e o "racismo". Policiais não tem respeito pelos negros não podem ver negros na rua que já suspeitam deles e partem para a agressão. "todo camburão tem um pouco de navio negreiro" [...]. (Emília, 11 anos)
A aluna Emília expressa em sua narrativa que a escravidão "já acabou",
mas que ainda permanece em nossa sociedade "um outro tipo de escravidão" que é
o "preconceito e o racismo". A aluna, ao interpretar o passado – a escravidão
africana, explica um problema enfrentado no presente – o preconceito e o racismo,
83
para isso, utiliza-se da letra da música47 trabalhada pela professora durante a
mediação pedagógica.
Após a identificação de marcadores temporais busquei identificar os marcadores
espaciais presentes nas narrativas dos alunos:
MARCADORES ESPACIAIS CONHECIMENTOS
PRÉVIOS APÓS A MEDIAÇÃO
Brasil 09 16
África 05 10
América 02 _
Portugal _ 02
Ásia 01 _
Europa 01 02
Inglaterra 01 _
Quilombos - 17
Engenho (de açúcar) _ 06
Casa do senhor/casa de engenho/casa grande 01 06
Senzala 04 04
QUADRO 16 - MARCADORES ESPACIAIS PRESENTES NAS NARRATIVAS DOS ALUNOS FONTE: A autora
De modo geral, os alunos usaram marcadores espaciais em suas narrativas.
A maior parte dos alunos, tanto nos conhecimentos prévios (09 alunos) como na
narrativa após a mediação didática (16 alunos), fez referência ao Brasil como local
onde ocorreu a escravidão.
Em seguida, fizeram referência ao continente africano, nos conhecimentos
prévios (05 alunos) e na narrativa após a mediação didática (10 alunos), a África
local onde os africanos eram escravizados.
Os demais marcadores espaciais, América, Portugal, Europa, Inglaterra,
referenciados ou no manual didático ou na mediação da professora foram pouco
utilizados nas narrativas dos alunos.
Dos marcadores espaciais relacionados ao contexto da escravidão africana
no Brasil o mais citado pelos alunos na narrativa após a mediação didática foram
os Quilombos (17 alunos), sendo que um desses alunos fez referência ao Quilombo
dos Palmares.
47 Música "Todo camburão tem um pouco de navio negreiro", O Rappa.
84
Os demais marcadores espaciais, como engenho (de açúcar) foi referenciado
por (06) alunos após a mediação didática; casa do senhor/casa de engenho/casa
grande foi referenciada por (06) alunos e a senzala por (04) alunos.
A trama da narrativa do manual didático e as produções dos alunos foram
construídas a partir das ações dos agentes/ personagens históricos sociais e pessoais.
Os alunos utilizaram agentes/personagens históricos em suas narrativas,
tanto dos conhecimentos prévios como após a mediação didática:
AGENTES/PERSONAGENS HISTÓRICOS CONHECIMENTOS
PRÉVIOS APÓS A MEDIAÇÃO
Sociais
17 23 Escravos/ Pessoas escravizadas
Negro(s)/pessoas negras 16 14
Homens brancos/pessoas brancas 09 10
Portugueses 05 09
Índios/indígenas 03 02
Mulheres/mulheres negras 03 16
Ama de leite 07
Crianças 02 02
Senhor de engenho/ donos dos escravos/ dos negros
03 10
Fazendeiros 02 _
Feitores _ 07
Africanos _ 04
Quilombolas _ 05
Escravos livres/libertos/ex-escravo _ 05
Sinhá _ 02
Pessoais
01 _ Princesa Isabel
Zumbi dos Palmares _ 02
Poeta Castro Alves _ 01
Pedro Álvares Cabral _ 01
QUADRO 17 - AGENTES/PERSONAGENS HISTÓRICOS PRESENTES NAS NARRATIVAS DOS ALUNOS
FONTE: A autora
Os agentes/personagens históricos usados com maior ênfase pelos alunos
foram: escravos/pessoas escravizadas, nos conhecimentos prévios (17 alunos) e
após a mediação (23 alunos); negros e/ou pessoas negras, nos conhecimentos prévios
(16 alunos) e após a mediação (14 alunos); homens brancos/pessoas brancas, nos
conhecimentos prévios (09 alunos) e após a mediação (10 alunos).
85
As mulheres foram citadas com maior ênfase após a mediação (16 alunos),
sendo que algumas narrativas (07 alunos) fizeram referência à condição dessas
mulheres, especificamente, como "ama de leite", que amamentavam ou cuidavam
de crianças.
Os senhores de engenho/donos dos escravos/dos negros foram usados com
maior relevância após a mediação didática (10 alunos).
Os demais agentes/personagens históricos foram citados com menor relevância
peloa alunos, tais como: fazendeiros citado nos conhecimentos prévios (02 alunos);
após a mediação didática: feitores (07 alunos); africanos (04 alunos); quilombolas
(05 alunos); escravos livres/libertos/ex-escravo (05 alunos); sinhá (02 alunos).
Os agentes/personagens históricos individuais foram pouco citados. Nos
conhecimentos prévios somente um aluno fez referência à Princesa Isabel e após a
medidação didática os alunos fizeram referência aos personagens: Zumbi dos Palmares
(02 alunos); Poeta Castro Alves (01 aluno) e Pedro Álvarez Cabral (01 aluno).
Após a identificação de marcadores, temporais, espaciais e agentes/
personagens históricos presentes nas narrativas dos alunos procurei analisar a
estrutura das narrativas, mais especificamente, quanto à apropriação pelos alunos
do conceito substantivo escravidão africana no Brasil. Para isso, tomei como base a
narrativa do manual didático e a mediação didática da professora.
Todos os alunos (27) fizeram referência ao trabalho escravo, sendo que
dezenove (19) especificaram que esse trabalho era realizado nos engenhos. Desses,
nove (09) alunos explicaram como era o trabalho no engenho e como era feita a
produção do açúcar, narrando com detalhes o processo da feitura do açúcar,
baseados na narrativa do manual didático. Fragmento de narrativa:
Alguns trabalhavam na casa do senhor do engenho que se localizava em um local mais alto, para observar o trabalho escravo. Principalmente as mulheres trabalhavam na casa do senhor de engenho, pois amamentavam os seus filhos. Quando chegava a noite, os escravos iam dormir na senzala para acordar cedo novamente e ir ao trabalho. Quando acordavam trabalhavam com a cana que era um cultivo muito importante. Para trabalhar com a cana tinha um processo: cortavam a cana e levavam até a casa do engenho, moíam, ferviam até virar uma calda quente, depois eram colocadas em uma forma de barro, depois quebravam e eram levadas ao porto e transportadas até a Europa. (Leni, 11 anos)
86
Outra questão contemplada por quinze (15) alunos foi a que trata da resistência
africana, alguns relatam as diferentes formas, tais como a formação dos quilombos,
citada por quinze (15) e dos quilombolas por seis (06) alunos. Exemplo de narrativa:
Os portugueses obrigavam os negros a trabalhar pesado no campo não tinham muito tempo para descansar, por isso negros cansados disso fizeram quilombos, que era o lugar pra qual eles fugiam em busca de uma vida melhor. Trabalhando tanto e sendo tratados como animais muitos dos escravos apelavam pelo suicídio. E muitos se matavam no navio se jogando ao mar, mas além disso muitas mulheres faziam aborto para que seus filhos não sofram como elas, essa eram formas de resistência. (Martina, 11 anos)
A questão da resistência foi um fato muito citado pelos alunos, especialmente
ao narrado no filme48 quando mostra a mulher escrava, com o filho no colo, jogando-se
no mar, fato explicado, posteriormente, pela professora dizendo que essa era uma
das formas de resistência dos escravos. Isso foi registrado por oito (08) alunos.
A escravidão no Brasil começou no século XVI e durou 300 anos e eram feitos de escravos os africanos e eles eram trazidos por navios e eram muito precário o estado de higiene dos escravos muitas vezes as mulheres grávidas se suicidavam pois eram a resistência da escravidão muitas vezes quando estavam nos engenhos eles destruíam o engenho colocando fogo destruindo as ferramentas, etc. Quando eles fugiram formaram os quilombos que eram as comunidades que onde viviam vários povos e etnias da África. Que o líder foi Zumbi dos Palmares. Palmares foi a comunidade que reportou o maior grupo de escravos então no dia 20 de novembro é comemorada o dia da consciência negra a [em] homenagem a Zumbi dos Palmares por sua morte na guerra contra os portugueses. (Bruno, 12 anos)
A viagem nos navios foi contemplada por treze (13) alunos. Essa explicação
consta como um dos itens da narrativa do manual didático, mas a narrativa do filme
foi a mais contemplada pelos alunos.
As questões presentes no livro e menos citadas foram: o mercado onde os
negros eram levados para serem comercializados por quatro (04) alunos; cultura
afro-brasileira expressa por três (03) alunos; dia da Consciência negra e 20
novembro citada por dois (02) alunos; e Zumbi dos Palmares por um (01) aluno.
A questão da discriminação racial que consta no manual didático e foi trabalhada
pela professora foi referenciada por quatro (04) alunos.
48 A professora usou em sua mediação didática um fragmento do filme Amistad de Steven Spielberg.
87
No entanto, os alunos expressam algumas ideias que não estão presentes
no manual, mas comentadas pela professora. A mais citada pelos alunos (10) foi a
questão da carta de alforria, e, alguns alunos (04) fizeram referência à abolição ou à
Lei Áurea.
Apenas um (01) aluno faz referência ao poema de Castro Alves trabalhado
em sala de aula:
O poeta Castro Alves era contra a escravidão e no dia que era a comemoração da independência do Brasil ele leu um poema de 7 páginas para expressar o que ele sentia e o que pensava sobre a escravidão [...]. (Mario, 12 anos)
As questões de discriminação e preconceito constam no manual didático e
foram trabalhadas pela professora foram referenciadas por quatro (04) alunos.
Fragmento de narrativa:
A escravidão durou muito tempo já acabou mais, agora tem um outro tipo de escravidão que é o preconceito o "racismo". Policiais não tem respeito pelos negros não podem ver negros na rua que já suspeitam deles e partem para a agressão. "todo camburão tem um pouco de navio negreiro" [...]. (Emília, 11 anos).
Pode-se dizer que todos os alunos ao produzirem suas narrativas usaram
elementos do manual didático. Constatei que ocorreu uma progressão nas ideias
dos alunos, em relação ao conceito escravidão, quando comparei as ideias prévias e
as expressas após a mediação da professora.
Tendo identificado os marcadores das narrativas dos alunos e da validade
do conteúdo histórico, procurei observar os níveis apresentados nas tramas das
narrativas dos alunos. Após análise obtive diferentes níveis em relação às tramas das
narrativas. De acordo com os níveis obtidos, as narrativas ficaram assim agrupadas:
NÍVEL NÚMERO DE ALUNOS
Narrativas emergentes, embora com hiatos 05
Narrativas que relacionam a experiência do passado e a experiência do presente, embora com hiatos
08
Narrativas fragmentadas 11
Narrativas na forma de ideias soltas 04
TOTAL 28
QUADRO 18 - NÍVEL DAS NARRATIVAS DOS ALUNOS FONTE: A autora (1) A narrativa de um aluno foi considerada em dois níveis diferentes, com isso ocorreu uma
discrepância no total das narrativas.
88
Quanto ao nível da trama das narrativas produzidas pelos alunos, o predomínio
foi para as narrativas fragmentadas como demonstrado no quadro acima. A seguir,
descrição dos níveis e respectivos exemplos:
Narrativas emergentes, embora com hiatos - 05 (cinco) narrativas
assumiram a forma de narrativas emergentes, com hiatos temporais. Apresentam
uma contextualização, alguns acontecimentos, embora com algumas lacunas, no
decorrer da construção da narrativa.
De modo geral, os alunos iniciam a narrativa enfatizando que os africanos
foram trazidos ao Brasil para o trabalho escravo. Destacaram a forma de trabalho nos
engenhos, nas lavouras e o trabalho das mulheres na casa do "senhor de engenho".
Destacam também as formas de resistência que os escravos utilizavam para demonstrar
a não aceitação da escravidão, como o suicídio, destruição dos engenhos, a destruição
de ferramentas e a formação de quilombos.
A escravidão no Brasil começou no século XVI e durou 300 anos e eram feitos de escravos os africanos e eles eram trazidos por navios e eram muito precário o estado de higiene dos escravos muitas vezes as mulheres grávidas se suicidavam pois eram a resistência da escravidão muitas vezes quando estavam nos engenhos eles destruíam o engenho colocando fogo destruindo as ferramentas, etc. Quando eles fugiram formaram os quilombos que eram as comunidades que onde viviam vários povos e etnias da África. Que o líder foi Zumbi dos Palmares. Palmares foi a comunidade que reportou o maior grupo de escravos então no dia 20 de novembro é comemorada o dia da consciência negra a homenagem a Zumbi dos Palmares por sua morte na guerra contra os portugueses. (Bruno, 12 anos)
Narrativas que relacionam a experiência do passado e a experiência do
presente, embora com hiatos - 08 (oito) narrativas assumiram a forma de narrativa
que relacionam a experiência do passado e a experiência do presente. Apresentam
uma contextualização, alguns acontecimentos, relacionam a experiência do passado
e a experiência do presente, embora com lacunas na trama da narrativa. Fragmento
de narrativa:
A escravidão durou muito tempo já acabou, mas, agora tem um outro tipo de escravidão que é o preconceito o "racismo". Policiais não tem respeito pelos negros não podem ver negros na rua que já suspeitam deles e partem para a agressão. "todo camburão tem um pouco de navio negreiro". No lugar onde os quilombos ficavam era produzida a cultura dos negros artesanato, comida, religião [...]. (Emília, 11 anos)
89
Narrativas fragmentadas - 11 (onze) narrativas assumiram a forma de
narrativa fragmentada, pois embora apresentem uma contextualização, anunciem
alguns acontecimentos do contexto proposto e apresentem alguns marcadores históricos,
fazem-no de forma compartimentada. Exemplo de narrativa:
Tudo começou na África com os negros sendo embarcados no navio passavam fome frio e etc... Já quando chegavam ao Brasil eles eram levados e colocados em um barracão para vender a maioria deles era levado aos engenhos. Lá eles colhiam cana cozinhavam o caldo da cana e colocavam em formas para esbranquiçar e para ficarem duros em grandes blocos e quebrar para ficar bem fino. Tinha escravos que ficavam na casa grande limpando ou arrumando e fazendo um monte de coisas. Os escravos trabalhavam até 14 horas por dia eles acordavam com o nascer do sol e iam dormir já tarde. Os escravos que tinha dinheiro suficiente para comprar carta de alforria eles seriam livres para sempre. (Antonio, 12 anos)
Narrativas na forma de ideias soltas - 04 (quatro) alunos produziram
narrativas sob a forma de ideias soltas. Eles anunciaram alguns acontecimentos, porém
estes figuram como fatos isolados, não apresentando uma trama, não chegando a
ser uma narrativa histórica. Por exemplo:
Os escravos eram pessoas que trabalhavam bastante e eram maltratados e machucados e não recebiam dinheiro pelo trabalho deles. Na África os negros viviam livres mais quando viravam escravos a vida deles piorou. Os negros enfrentavam o racismo das pessoas. Os racistas são as pessoas que odeiam os negros só por causa da cor da pele. Quando os escravos fogem do lugar onde eles estão trabalhando eles vão pros quilombos. Os quilombos são lugares onde os escravos podiam viver tranquilos, até o antigo líder deles atacar. (Patrick, 13 anos)
O predomínio foi para as narrativas fragmentadas, isto pode indicar, no dizer
de Schmidt (2006), a necessidade do desenvolvimento de um novo tipo de cognição
histórica, pautado em novas concepções da aprendizagem histórica ou do que é o
"aprender a história", tomando como os pressupostos e princípios da educação
histórica, os quais são fundamentados na própria ciência da história.
Poucos alunos (08) fizeram a relação da experiência do passado com a
experiência do presente, de modo geral, narraram o passado sem fazer relação com
90
o presente; nenhum aluno perspectivou ações futuras, evidenciando que essas
narrativas constituíram um sentido histórico "do passado pelo passado".
Constatei que a maioria dos alunos ao produzirem as narrativas usou de
forma mais evidenciada os elementos do manual didático e, poucos elementos da
mediação didática da professora. De modo geral, pode-se dizer que ocorreu uma
progressão nas ideias dos alunos em relação ao conceito escravidão africana no
Brasil, na medida em que se apropriaram dessas ideias expressando-as em suas
narrativas. Pode-se dizer que a narrativa da maioria dos alunos apresenta elementos
de uma consciência histórica tradicional, pois na perspectiva de Rüsen (1993, 1992)
esses alunos articulam as tradições e relembram as origens que constituem a vida
no presente.
Poucos alunos fazem uma relação entre os acontecimentos do passado e o
presente, nesse caso, as questões do preconceito e da discriminação, que constam
no manual didático, e que foram trabalhadas pela professora. Essas narrativas
possuem elementos de uma consciência histórica ontogenética, pois segundo Rüsen
(1993, 1992) histórias deste tipo dão direção à mudança temporal e apresentam a
continuidade como um desenvolvimento no qual a alteração de modos de vida é
necessária para a sua permanência, ou seja, a capacidade do aluno em relacionar
acontecimentos do passado que estão presentes no presente, a relação entre o
processo de escravidão e as questões de preconceito e de discriminação enfrentadas
pelos afro-descendentes na atualidade.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação desenvolvida no pós-doutorado consistiu em uma continuidade
da pesquisa desenvolvida no doutorado.
Em 2009, após a defesa da minha tese, iniciei a minha participação no
"Grupo de Pesquisa em Educação Histórica". Esse grupo constitui uma das ações
do conjunto de atividades do LAPEUH, sob a coordenação da Prof.a Dr.a Maria
Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt. O grupo foi criado com o objetivo de reunir um
grupo de pesquisadores, mais especificamente, doutores e mestres com trabalhos já
defendidos, para levantamento de dados comparativos entre Brasil e outros países
que realizam pesquisas em Educação Histórica.
Em 2010, ocorreu a ampliação do referido grupo de pesquisa, na medida em
que professores da rede estadual de ensino do Paraná que estavam desenvolvendo
suas pesquisas no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) sentiram a
necessidade de discutir a questão da escolha dos manuais didáticos referentes aos
livros oferecidos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2011, referente
aos anos finais do Ensino Fundamental. Diante da necessidade apresentada pelos
professores em relação a essa escolha, a Profa. Maria Auxiliadora Schmidt organizou
o Seminário: Manuais didáticos, com o objetivo de subsidiar os referidos professores
na análise e seleção dos livros para as suas escolas.
Durante esse processo, fiz a proposta para dar continuidade a essa pesquisa
junto ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Pós-Doutorado, mais especificamente junto ao NPPD, com a intenção de ampliar a
investigação. Nesse sentido, o percurso da investigação desenvolvida em 2010 passou
a ser considerada como estudo exploratório e, com isso, levantei a seguinte questão
de investigação:
Como ocorre o uso e as apropriações das narrativas do manual didático por
professor e alunos no processo de escolarização?
Para responder a essa questão central estruturei a investigação com as
seguintes questões:
- Como foi o processo de escolha do manual didático dos anos finais do
Ensino Fundamental – 6.o ao 9.o, PNLD/2011 nas escolas da RME?
92
- Quando o professor usa o manual didático ele usa a narrativa da forma que
está presente no manual?
- Qual a ideia expressa pelo aluno em relação ao conceito substantivo
escravidão africana no Brasil?
Para fundamentar o percurso metodológico, parti das considerações assumidas
no doutorado, pautei-me em autores da pesquisa qualitativa, tomando como referência,
especialmente, os estudos de Godoy (1995); Bogdan e Biklen (1994).
No percurso do estudo exploratório a minha preocupação inicial foi saber
quais os critérios que os professores e professoras de escolas da RME levaram em
consideração para a escolha do livro didático do PNLD. Para obter essas informações,
solicitei um relatório em que os professores e professoras deveriam narrar como havia
ocorrido a escolha do livro didático oferecido pelo PNLD 2010/2011, para os anos
finais do Ensino Fundamental, 6.o ao 9.o ano. No estudo principal obtive as informações
a partir de um questionário enviado a todos os professores de história da RME.
De modo geral, as dificuldades apontadas pelos professores para a escolha
do manual didático foram a falta de horário específico para a análise dos manuais,
tanto de forma individual como no coletivo. Além disso, comentaram que o tempo
para análise e escolha foi muito reduzido.
Em relação aos critérios de escolha, os professores preocuparam-se em
observar a iconografia, que contivesse documentos históricos. Assim como, tiveram a
preocupação com a apresentação dos textos, e, especialmente, se os mesmos estavam
apropriados para a compreensão dos alunos. Essa perspectiva está presente nos
critérios de Rüsen (1997, p.85), na medida em que o autor afirma que um bom livro
didático de história deve apresentar "uma relação eficaz com o aluno".
Fizeram referência ao formato, destacaram a importância do conteúdo e/ou
temas. Salientaram a importância das imagens, os textos, bem como a importância
dos textos complementares.
A fase seguinte da pesquisa foi a análise dos manuais adotadas em escolas
municipais. No estudo exploratório busquei identificar se o conceito substantivo
escravidão está indicado em manuais didáticos dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, mais especificamente os indicados pelo Programa Nacional do Livro
Didático – PNLD/2010 e presentes no Guia do Livro Didático de História (BRASIL,
93
2009). E no estudo principal trato da análise de uma das duas coleções mais adotadas
pelas escolas de 6.o ao 9.o ano da RME: Coleção Vontade de saber história.
Após análise das 32 coleções constatei que o conceito substantivo escravidão
está indicado como conteúdo a ser ensinado de forma explícita nos manuais de 4.o e
5.o anos. Sendo que as ideias mais recorrentes foram agrupadas nas categorias Os
povos que vieram da África; trabalho escravo; luta e resistência; formação do povo
brasileiro/cultura brasileira.
Pude constatar que, de modo geral, estas narrativas estão muito próximas das
narrativas de historiadores clássicos da historiografia brasileira, referências culturais
idealizadas e defendidas por teóricos como Oliveira Viana (2005), Nina Rodrigues
(1982) e Gilberto Freyre (1988).
A Coleção Vontade de saber história apresenta o conceito substantivo
escravidão africana no Brasil, mais especificamente no manual do 7.o ano. Pode-se
dizer que a narrativa está elaborada em tópicos e apresentada de forma fragmenta,
seguindo a perspectiva de Rüsen (2012, p.170) como "um saber muito simplificado
para fins escolares".
Ademais, observei que a narrativa não apresenta a escravidão como decorrência
de um processo econômico. Constata-se, no decorrer da narrativa, a ausência de
estudos na perspectiva da historiografia recente. Como por exemplo, as relações
apresentadas por Luiz Felipe Alencastro, em sua obra O trato dos viventes: formação
do Brasil no Atlântico Sul (2000). Para esse autor é importante entendermos as
relações entre África, a Coroa Portuguesa e o Brasil, pois sem percebermos essas
relações não conseguiremos compreender como ocorreu a formação econômica do
Brasil. Nas palavras do autor: "Desde o final do século XVI, surge um espaço
aterritorial, um arquipélago lusófono composto por enclaves da América portuguesa
e das feitorias de Angola. É daí que surge o Brasil no século XVIII" (p.9). O autor
busca mostrar como essas duas partes unidas pelo oceano se completam num só
sistema de exploração colonial.
Ou, os estudos de João Luís Fragoso em sua obra Homens de grossa aventura
(1998), quando o autor busca mostrar um modelo explicativo econômico que destoa
da historiografia tradicional. Tomando como referência o sistema agrário escravista-
exportador, procura apresentar as formas de acumulação presentes na "economia
colonial" do Sudeste, no século XIX. Procura explicitar que a economia colonial, em
94
seu processo de produção, tinha certa autonomia frente à Metrópole; fenômeno que
ajuda a repensar a dependência econômica da Colônia em relação à Metrópole.
Com a intenção de identificar o uso e apropriações que alunos e professora
fazem das narrativas presentes no manual didático acompanhei algumas aulas de
História, em uma turma de 7.o ano do ensino fundamental. Com isso, pude observar
de que forma o conceito substantivo escravidão africana no Brasil está sendo
ensinado como um conteúdo escolar.
A metodologia de pesquisa consistiu em Observação não-participativa, ou
seja, em acompanhar as aulas de história da referida turma, durante o período em
que a professora tratasse do conceito substantivo em questão, sem interferência nas
aulas da professora.
Algumas considerações podem ser apontadas, entre elas a de que o manual
didático de história tem sido usado pela professora constituindo-se no texto visível
do código disciplinar da história escolar de acordo com Cuesta Fernandez (1997).
Além disso, observei que a professora usou de forma parcial o manual, na medida
em que escolheu alguns segmentos para trabalhar com seus alunos. Essa perspectiva
está apontada por Circe Bittencourt (2001, p.73-74), pois segundo a autora mesmo
que o manual didático se caracterize pelo texto "impositivo e diretivo", cabe ao
professor, entre outras questões, a seleção dos capítulos a serem trabalhados, a
metodologia adotada para a leitura, assim como as tarefas decorrentes da leitura,
que são opções do professor. Essa sistemática esteve presente em sala de aula.
Em relação ao uso do manual didático pelos alunos pode-se constatar que a
maioria o faz para responder atividades propostas pela professora, somente um (01)
aluno disse que é para compreender o conteúdo, de modo geral, o uso está mais voltado
para as questões de aprendizagem, poucos alunos fizeram referência aos conceitos
históricos ou demonstraram interesse em aprender determinados feitos históricos.
O uso do manual didático pela professora e as apropriações da narrativa
desse manual foram expressas pelos alunos em suas narrativas. Pode-se dizer que
todos os alunos ao produzirem suas narrativas usaram com maior ênfase elementos
da narrativa do manual didático. Constatei que ocorreu uma progressão nas ideias
dos alunos, em relação ao conceito escravidão africana no Brasil, quando comparei
as ideias prévias e as expressas após a mediação da professora.
95
Os alunos, de modo geral, utilizaram palavras que indicam a passagem do
tempo, especialmente os verbos no passado e expressões como antigamente, há muito
tempo, entre outras. Sendo que as mais utilizadas foram em relação ao trabalho
realizado pelos escravos; às condições de vida dos escravos, tais como, o tratamento
que os escravos recebiam, as condições de sofrimento a que eram submetidos –
capturados, vendidos; resistência à escravidão; organização em comunidades –
Quilombos; entre outras questões.
Pode-se dizer que a narrativa da maioria dos alunos apresenta elementos de
uma consciência histórica tradicional, pois na perspectiva de Rüsen (1993, 1992)
esses alunos articulam as tradições e relembram as origens que constituem a vida
no presente.
Poucos alunos fazem uma relação entre os acontecimentos do passado e o
presente, nesse caso, as questões do preconceito e da discriminação, que constam no
manual didático, e que foram trabalhadas pela professora. Essas narrativas possuem
elementos de uma consciência histórica ontogenética, pois segundo Rüsen (1993,
1992) histórias deste tipo dão direção à mudança temporal e apresentam a continuidade
como um desenvolvimento no qual a alteração de modos de vida é necessária para
a sua permanência, ou seja, a capacidade do aluno em relacionar acontecimentos do
passado que estão presentes no presente, a relação entre o processo de escravidão e
as questões de preconceito e de discriminação enfrentadas pelos afrodescendentes
na atualidade.
Nesse sentido, Barca (2011, p.8) aponta que:
Embora os diversos tipos de consciência histórica não se manifestem de forma estanque, nem os quatro tipos elencados devam ser considerados como os únicos enquanto manifestações de orientação temporal, parece ser cada vez mais nítido o reconhecimento de que é uma consciência de tipo "genético" que melhor equipa cognitivamente o ser humano para enfrentar os desafios e problemas nestas primeiras décadas do século XXI. Neste sentido de "consciência histórica genética", o passado é encarado como fonte para a compreensão significativa do mundo que se apresenta com permanências e mudanças complexas.
Ademais, levando em consideração a perspectiva de Rüsen (2001, p.155) de
que a narrativa histórica é um procedimento mental que confere sentido ao passado
e tem como finalidade dar uma orientação para os sujeitos narradores, a professora,
ao mediar a narrativa do manual didático, está constituindo, em parte, a sua própria
96
consciência histórica e a de seus alunos. Neste caso, uma consciência histórica
tradicional, com alguns momentos de reflexões que propiciaram, ainda que de
forma tênue, uma consciência histórica exemplar e, em alguns momentos, uma
consciência crítica.
97
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APÊNDICE
RELATÓRIO DE ATIVIDADES REALIZADAS PÓS-DOUTORAMENTO
PRODUTOS DA PESQUISA
2011
Capítulos de livros publicados
GEVAERD, R. T. F. "Percebo que os textos estão acima da compreensão das crianças" ideias expressas pelas professoras em relação ao manual didático. In: CAINELLI, Marlene; SCHMIDT, Maria Auxiliadora (Org.). Educação histórica: teoria e pesquisa. Ijuí: Unijuí, 2011. p.331-348. v.1
GEVAERD, R. T. F. A ideia de escravidão: da narrativa do manual didático às narrativas produzidas pelos alunos. Trabalho apresentado nas XI Jornadas Internacionais de Educação Histórica, 2011, Braga - Portugal. XI Jornadas Internacionais de Educação Histórica: Consciência histórica na era da Globalização. Braga - Portugal: UMinho, 2011.
Comunicação oral
Apresentou a pesquisa com o título: "Ideia de escravidão: da narrativa do manual didático às ideias expressas pelos alunos" no IX Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História (ENPEH), na Universidade Federal de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis, nos dias 18, 19 e 20 de abril de 2011.
Apresentou a pesquisa com o título: Textbooks in history classes: a way to form the historical consciousness of teachers and students in the History Educators International Research Network [HEIRNET] Conference which occurred on 18 to 20 July 2011, in Universidade do Minho, Braga.
2012
Publicação em revista científica
Manual didático de história: o processo de escolha em escolas municipais de Curitiba. Revista de Educação Histórica – REDUH – LAPEDUH – UFPR, n.1, p.27-38, jul./nov. 2012. Disponível em: http://www.lapeduh.ufpr.br/revista2012/
Conceito substantivo escravidão africana no Brasil: uso e apropriações das narrativas do manual didático pelos alunos e professora. Revista ANTÍTESES, v.5, n.10, p.589-611, jul./dez. 2012. Disponível em: http://www.uel.br/revistas//uel/index.php/antiteses/ article/view/13340/12125
104
Conferência
Proferiu conferência com o título "Ensino de História na perspectiva da Educação histórica: o caso da Rede Municipal de Ensino de Curitiba" no 2.o Seminário Internacional de Educação Histórica: a didática da história e a produção da consciência histórica, realizado na Universidade Federal de Santa Maria, nos dias 12 e 13 Julho, 2012.
Mesa redonda
Participou de Mesa Redonda com o tema "Perspectivas da Educação Histórica na II Semana de História: Temáticas e Perspectivas", realizada no dia 10/10/2012 nas Faculdades Integradas de Itararé, Itararé, São Paulo. Narrativas do manual didático: uso e apropriações pela professora e alunos
Sessão Temática
Coordenou a Sessão Temática Livros didáticos, ensino e aprendizagem da história na Conferência Regional IARTEM BRASIL 2012, "Desafios para a superação das desigualdades sociais: o papel dos manuais didáticos e das mídias educativas", realizada na Universidade Federal do Paraná (Brasil), no período de 29 a 31 de agosto de 2012, organizada pelo Núcleo de Pesquisa em Publicações Didáticas/UFPR.
Sala de Debates
Coordenador de Sala de Debates do 2.o Seminário Internacional de Educação Histórica: a didática da história e a produção da consciência histórica, realizado na Universidade Federal de Santa Maria, nos dias 12 e 13 Julho 2012.
Comissão científica
XII Congresso Internacional Jornadas de Educação Histórica- "Consciência Histórica e as Novas Tecnologias da Informação e Comunicação", nos dias 18, 19, 20 e 21 de julho de 2012, no edifício D. Pedro I da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.
IX History Educators International Research Network Conference – HEIRNET: "Historical Consciousness in the Information, Communication and Technology Era, 14,15 16 and 17 July, 2012, in the D. Pedro I building of the Federal University of Paraná, Curitiba, Paraná, Brazil.
2.o Seminário Internacional de Educação Histórica: a didática da história e a produção da consciência histórica, realizado na Universidade Federal de Santa Maria, nos dias 12 e 13 Julho 2012.
Conferência Regional IARTEM BRASIL 2012, "Desafios para a superação das desigualdades sociais: o papel dos manuais didáticos e das mídias educativas", realizada na Universidade Federal do Paraná (Brasil), no período de 29 a 31 de agosto de 2012, organizada pelo Núcleo de Pesquisa em Publicações Didáticas/UFPR.
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5.o Seminário de Educação Histórica – Identidades e Educação Histórica, promovido pelo Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da Universidade Federal do Paraná nos dias 17/05, 25/10, 29/11 de 2012 e 07/02 de 2013.
Comunicação Oral
Presented the work "The substantive concept of slavery: use and appropriations of textbook narratives by teacher and students" in the IX HEIRNET, "History Educators International Research Network Conference' – "Historical Consciousness and New Information and Communication Technologies, which occurred on days 14,15 16 and 17 July, 2012, in the D. Pedro I building of the Federal University of Paraná in Curitiba-Paraná, Brazil.
Apresentou a pesquisa com o título: "Narrativas do manual didático: apropriações pelos alunos do conceito substantivo escravidão" no XII Congresso Internacional Jornadas de Educação Histórica- "Consciência Histórica e as Novas Tecnologias da Informação e Comunicação", nos dias 18, 19, 20 e 21 de julho de 2012, no edifício D. Pedro I da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil.
Apresentou a pesquisa com o título: "Manual didático: uso e apropriações das narrativas históricas por professores e alunos", no IX Seminário ANPED SUL, no campus universitário da Universidade de Caxias do Sul, em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, no período de 29 de julho a 1.o de agosto de 2012.
Apresentou a pesquisa com o título: "O processo de escolha e o uso do manual didático em aulas de história: o caso em escolas municipais de Curitiba", no 4.o Seminário de Educação Histórica promovido pelo Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da Universidade Federal do Paraná, 2012.
Apresentou a pesquisa com o título "Conceito substantivo escravidão em manuais didáticos do ensino fundamental: um estudo comparativo", na Conferência Regional IARTEM BRASIL 2012, "Desafios para a superação das desigualdades sociais: o papel dos manuais didáticos e das mídias educativas", realizada na Universidade Federal do Paraná (Brasil), no período de 29 a 31 de agosto de 2012, organizada pelo Núcleo de Pesquisa em Publicações Didáticas/UFPR.
Presented the work Textbook in History classes: a way to form the historical consciousness of teachers and students in the 1st Conference of the International Research Association for History and Social Sciences Education – IRAHSSE. History and social sciences education: achievements and perspectives. Roma, Sapienza Università di Roma, 3-5 de September, 2012.
Apresentou a pesquisa com o título: A narrativa do manual didático de história: conceito substantivo escravidão africana no Brasil, no 5.o Seminário de Educação Histórica – Identidades e Educação Histórica, promovido pelo Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da Universidade Federal do Paraná nos dias 17/05, 25/10, 29/11 de 2012 e 07/02 de 2013.
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2013
Comunicação Oral
Apresentou a pesquisa com o título "Conceito substantivo escravidão: uso e apropriações das narrativas do manual didático pela professora e alunos", no 5.o Seminário de Educação Histórica – Identidades e Educação histórica, promovido pelo Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH) da Universidade Federal do Paraná no dia 07 de fevereiro de 2013.
Apresentou a pesquisa com o título "Narrativas históricas e a formação da consciência histórica: conceito substantivo escravidão africana no Brasil", no Simpósio Temático Aprendizagem, competências e formação da consciência histórica no XXVII Simpósio Nacional de História, no período de 22 a 26 de julho de 2013.
Apresentou a pesquisa com o título "Narrativas históricas e a formação da consciência histórica: conceito substantivo escravidão africana no Brasil", no Simpósio Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha, realizado em Mariana, entre os dias 12 e 15 de agosto de 2013.
Mesa Redonda
Participou em mesa redonda "Conocimientos, identidad y saberes escolares" em El V Simposio Internacional de Didáctica de las Ciencias Sociales en el ámbito Iberoamericano: Historia e identidades culturales; XIII Congresso Internacional Jornadas de Educação Histórica, celebrado en la Faculdad de Formación del Professorado de la Universitat de Barcelona, del 29 de mayo al 1 de junio de 2013.