simplicidade_doçura

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Simplicidade é a ausência de,

artifícios, extravagâncias e excessos de ordem material, social ou psicológica.

Simplicidade é o caminho para se chegar a humildade, e com isso ser uma pessoa mais servil,

menos arrogante e prepotente, combatendo e se livrando da inveja, orgulho e ciúmes.

A simplicidade é o contrário da duplicidade, da

complexidade, da pretensão.

Por isso é tão difícil. Não é sempre dupla a consciência,

que só é consciência de alguma coisa?

Complexidade de tudo: simplicidade de tudo. “A rosa não

tem porquê, floresce porque floresce, não se preocupa

consigo, não deseja ser vista…”

O que há de mais complicado do que uma rosa, para

quem a quer compreender? O que há de mais simples,

para quem não quer nada?

Complexidade do pensamento: simplicidade do olhar.

“Tudo é mais simples do que podemos imaginar e, ao

mesmo tempo, mais intrincado do que poderíamos

conceber”,

Dizia Goethe. Complexidade das causas: simplicidade da

presença.

Complexidade do real: simplicidade do ser. “O contrário

do ser não é o nada”,

Escreve Clément Rosset, “mas o duplo”. O contrário do

simples não é o complexo, mas o falso.

A simplicidade no homem – a simplicidade como virtude

– tampouco tem porque negar a consciência ou

pensamento.

Ao contrário, ela se reconhece por essa sua capacidade

de, sem anular uma e outro, ir além de ambos, libertar-se

de ambos, não se deixar enganar por eles, nem ser sua

prisioneira.

A simplicidade aprende a se desprender, ou antes, ela é

esse desprendimento de tudo e de si mesmo: “Largar de

mão”, como diz Bobin:

“Acolher o que vem, sem nada guardar como coisa

sua…”

Simplicidade é nudez, despojamento, pobreza. Sem outra

riqueza senão tudo. Sem outro tesouro senão nada.

Simplicidade é liberdade, leveza, transparência.

Simples como o ar, livre como o ar: a simplicidade é o ar

do pensamento, como uma janela aberta para o grande

sopro do mundo, para a infinita e silenciosa presença de

tudo…

Há algo mais simples que o vento? Há algo de mais aéreo

que a simplicidade?

A simplicidade é esquecimento de si, de seu orgulho e de

seu medo:

É quietude contra inquietude, alegria contra

preocupação, ligeireza contra seriedade, espontaneidade

contra reflexão, amor contra amor-próprio, verdade

contra pretensão…

O eu subsiste nela, é claro, mas como que mais leve,

purificado, libertado.

(“Desligado de si”, como diz Bobin, “desprendido de

todo reino”).

Faz muito tempo, até, que ele renunciou a buscar sua

salvação, que já não se preocupa com sua perda.

O homem simples.

Nada tem a provar, pois não quer parecer nada.

Nada tem a buscar, pois tudo está ali.

Há coisa mais simples que a simplicidade?

Há coisa mais leve? É a virtude dos sábios, e a sabedoria dos santos.

A doçura é uma virtude feminina.

É por isso, talvez, que ela agrada, sobretudo, nos

homens.

O que ela tem de feminino, ou que assim parece, é

uma

coragem sem violência, uma força sem dureza, um

amor sem cólera

A doçura é antes de tudo uma paz, real ou desejada:

É o contrário da guerra, da crueldade, da brutalidade, da agressividade, da violência… Paz

interior, e a única que é uma virtude.

Muitas vezes permeada de angústia e de sofrimento, às vezes iluminada de alegria e de gratidão.

Mas sempre desprovida de ódio, de dureza, de insensibilidade

A doçura é o que mais se parece com o amor, sim,

mais ainda que a generosidade, mais ainda que a

compaixão.

Aliás, ela não se confunde nem com uma nem com

outra, embora na maioria das vezes as acompanhe.

Aristóteles fará dela uma virtude integral, que será o

meio-termo, na cólera, entre estes dois defeitos que

são a irascibilidade e a frouxidão:

O homem doce ocupa o meio entre “o homem

colérico, difícil e selvagem” e o homem “servil e

tolo”, à força de impassibilidade ou de placidez

excessiva.

Pois há cóleras justas e necessárias, assim como há

guerras e violências justificadas: a doçura é que

delas decide e dispõe.

É erigir a doçura em sistema, ou em absoluto, e

impedir-se de defender de verdade, pelo menos em

certas situações, aquilo mesmo – a paz – que se

reivindica. Ética de convicção, diria

Max Weber, mas irresponsável, às vezes, de tanto

ser convencida… Não há valor absoluto, em todo

caso a doçura não o poderia ser, não há sistema da

moral, não há virtude suficiente.

O próprio amor não justifica tudo, não desculpa

tudo: ele não substitui a prudência, não substitui a

justiça!

A fortiriori, a doçura só é boa se não sacrifica as

exigências da justiça e do amor.

Que se devem antes de tudo ao smais fracos,

convém recordar, e muito mais às vítimas do que

aos carrascos.

Felizes os doces?

Eles não pedem tanto assim. Mas só eles, não fosse

a misericórdia, poderiam sê-lo inocentemente.

Para os demais a doçura vem limitar a violência,

tanto quanto possível, ao mínimo necessário ou

aceitável.

Virtude feminina, graças à

qual – e só a ela –

A humanidade é humana.