t. mathiesen

32
80 4 2003 * Abolicionista penal, integrante e fundador da Associação Norueguesa para a Reforma Penal (KROM) e professor de Sociologia do Direito na Universidade de Oslo. verve, 4: 80-111, 2003 a caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível? 1 thomas mathiesen* Sonho impossível? Muitos anos atrás, viajei de Oslo para Estrasburgo, via Londres, e estava envolvido com um trabalho de pes- quisa. Foi nos velhos tempos, quando os aviões voavam baixo, de modo que se podia ver alguma coisa pelo cami- nho. Eu vi as colinas, as planícies e os contornos das cidades grandes — e até de algumas cidades pequenas — da Europa. O sol estava claro e brilhante e o céu azul. Eu me lembro ter pensado que, durante minha vida, iria experimentar uma Europa sem prisões ou, pelo menos, virtualmente sem prisões. Não foi assim que ocorreu. Nas décadas de 1960 e 1970 um conjunto complexo de fatores políticos criou

Upload: liviamecdo

Post on 31-Jul-2015

63 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: t. Mathiesen

80

42003

* Abolicionista penal, integrante e fundador da Associação Norueguesa para aReforma Penal (KROM) e professor de Sociologia do Direito na Universidadede Oslo.

verve, 4: 80-111, 2003

a caminho do século XXI — abolição, umsonho impossível?1

thomas mathiesen*

Sonho impossível?

Muitos anos atrás, viajei de Oslo para Estrasburgo,via Londres, e estava envolvido com um trabalho de pes-quisa. Foi nos velhos tempos, quando os aviões voavambaixo, de modo que se podia ver alguma coisa pelo cami-nho. Eu vi as colinas, as planícies e os contornos dascidades grandes — e até de algumas cidades pequenas— da Europa. O sol estava claro e brilhante e o céu azul.Eu me lembro ter pensado que, durante minha vida, iriaexperimentar uma Europa sem prisões ou, pelo menos,virtualmente sem prisões.

Não foi assim que ocorreu. Nas décadas de 1960 e1970 um conjunto complexo de fatores políticos criou

Page 2: t. Mathiesen

81

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

um contexto favorável para uma crítica radical das pri-sões. A abolição das prisões — de fato, abolição do siste-ma de controle criminal, como conhecemos hoje — pa-recia ser meta possível, pelo menos para alguns de nós.Durante a primeira parte da década de 1970, a popula-ção das prisões de vários países ocidentais diminuiu,uma tendência que parecia comprovar nosso ponto devista. Mas no final da década de 1970 e na de 1980, hou-ve uma mudança. A tendência para a diminuição dapopulação nas prisões ocorrida na primeira parte da dé-cada de 1970 terminou como “uma curva em forma deU”. No final desta década, a diminuição foi revertida.Durante a década de 1980, os números dispararam. Econtinuaram na de 1990, dando ao mundo ocidental oíndice mais alto, de todos os tempos, da populaçãocarcerária. Entre 1979 e 1993, os índices norte-ameri-canos aumentaram de 230 para 532 por 100.000, os ca-nadenses de 100 para 125, os britânicos de 85 para 95,os noruegueses de 44 para 62, os holandeses de 23 para52, e assim por diante2. Além disso, os índices têm au-mentado vertiginosamente desde 1993. As duas únicasexceções ocidentais ao padrão, que eu conheço, são aantiga Alemanha Ocidental e a Finlândia. O que origi-nalmente foi a Alemanha Ocidental mostrou uma dimi-nuição substancial durante a década de 1980. Mas estadiminuição foi substituída por um aumento igualmentesubstancial no início da década de 1990. A Finlândia,por sua vez, mostrou uma tendência para o decréscimo,mas no princípio os índices finlandeses eram extrema-mente altos (106 por 100.000, em 1979) e a situação dosfinlandeses é muito especial. Em geral, as prisões es-tão em crescimento, um crescimento muito rápido.

Devemos, então, concluir que a abolição das prisõesé “um sonho impossível”? À primeira vista, parece quesim. No mínimo, o presente e o futuro imediato pare-

Page 3: t. Mathiesen

82

42003

cem sombrios. O clima político favorece enormementea prisão; realmente, o clima político aprova o ressurgi-mento de algo tão medieval quanto a sentença de mor-te. Hoje em dia, nos Estados Unidos, não existe mais opolítico manifestando-se contra a sentença de morte. Aordem do dia é: “três vaciladas e você está fora”.

Porém, creio que a conclusão do “sonho impossível” émuito apressada. Em um trecho provocativo sobre asvitórias abolicionistas do passado, o criminologista ale-mão Sebastian Scheerer lembra-nos que “nunca houveuma transformação social significante na história quenão tenha sido considerada irreal, estúpida ou utópicapela grande maioria dos especialistas, mesmo antes doimpensável se tornar realidade”3. Como exemplos,Scheerer menciona a queda do Império Romano e a abo-lição da escravidão moderna. Argumenta que a escravi-dão foi bem sucedida, aparentando ser extremamenteestável, até o dia em que entrou em colapso, e osabolicionistas que estavam por perto eram considera-dos, no mínimo, pessoas suspeitas. Igualmente, para amaioria dos observadores, o colapso total do Império Ro-mano na sua época era impensável. Outros exemplosna mesma escala podem ser acrescentados. O princi-pal, talvez o exemplo político mais importante do séculoXX, seja o das transformações políticas que ocorreramna Europa central e oriental durante 1989 e 1990. Ago-ra estamos em 1997. Volte atrás 10 ou 15 anos. Quemousaria prever aquelas transformações em 1987, dois atrês anos antes que acontecessem ou muito menos1982, sete ou oito anos antes? Em 1982, o domínio sovi-ético estava solidamente enraizado em toda a EuropaOriental e os distúrbios na Polônia tiveram a respostaresoluta, um ano antes, com a lei marcial. Em 1987,com certeza, a glasnost de Gorbatchov estava caminhan-do, mas poderíamos prever a total dissolução da União

Page 4: t. Mathiesen

83

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

Soviética e o completo desmantelamento da cortina deferro em três anos? Pelo menos eu não, e não o fiz. Equem, nessa questão, ousaria prever, em 1989 e 1990,a decepção com os desfechos econômicos e políticos quevieram logo a seguir, no início da década de 1990? Des-fechos como estes são fáceis de “prever” em retrospecto,quando conhecemos as respostas. Mas, na verdade, issoé mais um pós-dizer que uma predição.

A história da caça às bruxas na Espanha

Tudo isso está muito bom, vocês diriam, mas trata-se da queda de impérios inteiros como o Romano e oSoviético ou de imensas instituições econômicas comoa escravidão. As experiências de tais contextos se apli-cam aos sistemas penais específicos, com seus bempagos legisladores, juízes e inúmeros administradoresdedicados?

Vou contar-lhes uma história, um pouco longa, maseu espero que vocês sejam pacientes comigo. Eu não ainventei, ela é verídica. É a história de como todo umsistema penal, aparentemente sólido e duradouro, emuma escala mundial, com seus legisladores, juízes emilhares de administradores, desintegrou-se e desapa-receu em um período de quatro anos.

O exemplo é histórico, voltando quase quatrocentosanos. Portanto, eu não estou sugerindo que ele possaser usado por nós hoje em dia como um modelo comple-to. As condições atuais são diferentes, em parte muitodiferentes, porque temos de pensar, entre outras coi-sas, nos meios de comunicação de massa modernos esuas influências. Voltarei a eles mais tarde. Mas o exem-plo, ao menos, mostra que é possível, sob certas condi-ções, ter um sistema penal desintegrado e de modo ex-tremamente rápido. É importante observar isto neste

Page 5: t. Mathiesen

84

42003

momento de crise, no qual o desencantamento e a no-ção do “sonho impossível” se espalha pelo menos no quediz respeito às prisões modernas. E é importante nummomento em que precisamos rever mais de perto asabolições passadas para aprendermos mais sobre as con-dições da abolição. Nós sabemos muito mais sobre ascondições que sustentam os sistemas do que sobre aque-las que favorecem sua mudança radical.

A história é sobre a abolição da caça às bruxas naEspanha — cem anos antes da abolição da caça em ou-tras regiões. A caça às bruxas em todo o território espa-nhol terminou em 1614. Primeiro volte 150 anos antesde 1614 e coloque-se naquele contexto. Em 1487, quemacreditaria, quando Heinrich Institor Krämer e JakobSpränger publicaram sua principal obra de teologia edogma legal sobre bruxas Malleus Maleficarum, que ainstituição de caça às bruxas algum dia iria desapare-cer, assim como, de fato, a própria Inquisição? Conhe-cemos a história de dois inquisidores, que apelaram àRoma, onde o Papa Inocêncio VIII residia, para se quei-xarem sobre a resistência contra a perseguição às bru-xas, e de como o mesmo papa, no dia 5 de dezembro de1484, tinha emitido uma bula papal sobre as bruxas, aSummis Desiderantes Affectibus, na qual havia sançãodecisiva da igreja à caça às bruxas. Nós sabemos o restoda história, de como Krämer e Spränger, considerandoa bula papal uma autoridade básica, continuaram a es-crever, em um período de trinta anos, Malleus Malefica-rum, um trabalho que foi publicado em 14 edições, sen-do que na segunda edição foi incluída a reimpressão dabula do papa — e como aquele livro tornou-se profunda-mente importante como uma base legal-teológica paraa subseqüente caça às bruxas na Europa. Quem teriapensado, naquela época, que um dia tudo isso iria defi-nhar e desaparecer?

Page 6: t. Mathiesen

85

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

Como eu disse, isso aconteceu 150 anos antes que acaça desaparecesse e entrasse nos territórios daEspanha. Para um sistema penal, não é um período ex-cessivamente longo, mas suficientemente longo e tal-vez não se possa esperar das pessoas previsões alémdesse período. No final do século XV, de vários modos, ascondições eram muito diferentes daquelas do início doXVII. Mas, em 1610, na Espanha, quem acreditaria quea caça às bruxas, no Império Espanhol, viraria históriaem quatro anos, já em 1614?

Nas primeiras décadas do século XVII, por exemplo, onorte da Espanha viveu uma febre intensa de bruxas,ondas frenéticas de perseguições. A alegação era de queas bruxas francesas, em grande número, estavam cru-zando as fronteiras e criando confusões nas regiões es-panholas. Em 1610, um solene auto-de-fé ocorreu emLogroño, onde onze bruxas foram queimadas — algumasin effigi porque tinham sido torturadas até a morte — napresença de 30.000 espectadores. Imaginem a multi-dão e os símbolos de poder e autoridade! Certamente, aépoca estava contra as bruxas e a favor das caças. Oauto-de-fé de Logroño foi uma das maiores manifesta-ções de caça às bruxas durante muitos anos. Para todosos contemporâneos sensatos, a instituição da caça pa-recia imutável, sólida e estável.

Mas havia dúvidas bem profundas no interior da pró-pria Inquisição, escondidas da observação pública. O queera a Inquisição? Usando uma metáfora, era uma enor-me aranha de vigilância e força policial estabelecidaprimeiro no século XIII como uma força especial paracombater a heresia e organizada na Espanha no final doséculo XV, com milhares de empregados e uma amplarede de serviços de inteligência, forças policiais secre-tas, autoridades que sentenciavam e prisões; no iníciodo século XVII, estava organizada em dezenove tribu-

Page 7: t. Mathiesen

86

42003

nais de inquisição, mais tarde vinte e um, distribuídospelo enorme Império Espanhol.

Após o auto-de-fé, em Logroño, na província basca,em 1610, aumentaram as dúvidas entre algumas pes-soas. O historiador dinamarquês, Gustav Henningsen,descreveu em detalhes como as dúvidas se expandiram4,mas elas também foram descritas antes, notavelmen-te, pelo historiador Henry Charles Lea em seu trabalho,em 4 volumes, de 1906, sobre a história da InquisiçãoEspanhola5.

Na seqüência de eventos, havia no tribunal deLogroño, uma figura central, o inquisidor Alonso deSalazar Frías. Ele firmou seu nome e concordou com oauto-de-fé, em 1610. Mas estava muito preocupado coma prova. Quando o perdão era concedido, as denúncias econfissões eram retiradas. Sob qual critério poderia sedar maior legitimidade às confissões? Quando havia umenorme falatório sobre bruxas, elas apareciam. Não po-deria o falatório ser tanto causa quanto efeito do apare-cimento das bruxas? E não poderiam as confissões con-ter ilusões? Percebam que isso poderia ir de mal a piorpara o indivíduo porque implicaria uma categorizaçãolegal e correta — e Salazar era um excelente advogado— seria a heresia ao invés da bruxaria, e a heresia,não a bruxaria folclórica, era a prioridade da Inquisição.Mas pelo menos, a pessoa não seria julgada como bru-xa.

Em termos organizacionais, quando os membros dotribunal local concordavam, la Suprema — que era aautoridade central do Santo Ofício em Madri — raramen-te intervinha. Mas, quando havia desacordo, podia re-sultar numa intensa comunicação com a autoridadecentral. E Henningsen e Lea descrevem como, de fato,Salazar começou a discordar do seu tribunal. Naquele

Page 8: t. Mathiesen

87

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

tempo, a comunicação era lenta, os desacordos demora-vam e as dúvidas também cresciam em outros distritosda vasta instituição. No meu modo de dizer, uma bata-lha importante, do tipo normativo e cultural, tomou lu-gar em várias regiões da Inquisição. Finalmente, laSuprema em Madri dividiu-se completamente. O que vema seguir é um ponto importante: la Suprema tinha umalonga tradição de moderação ao sentenciar as bruxas —como, de fato, a Inquisição italiana fez: as principaisperseguições na Europa, predominantemente, ocorriamnas áreas fora da jurisdição da Inquisição. De fato, laSuprema tinha a prática de perdoar freqüentementeaqueles sentenciados à fogueira pelos tribunais locais.As posições liberais tinham voz no tribunal de la Supre-ma. Em outras palavras, estavam envolvidos dois níveis:a suprema autoridade que deu o apoio e o nível executi-vo que iniciou a mudança. Reconhecemos este padrãodas abolições parciais em nossa própria época, como ofamoso fechamento das escolas de treinamento, emMassachusetts, na década de 70, por Jerome Miller. Suarevolta teve o apoio do Governador do Estado, o qual fun-cionou como um escudo protetor enquanto ele prosse-guia com o fechamento6.

Há também outra semelhança: em ambos os casos,das bruxas no início do século XVII e das escolas de trei-namento da década de 1970, a questão era não a refor-ma, mas a abolição, rápida e direta, como um golpe. Paraencurtar a história, la Suprema autorizou Salazar e seusauxiliares a empreender o que hoje chamaríamos daprincipal investigação sobre as bruxas bascas — nostermos deles, uma visita ampla com um Edital da Indul-gência para todos os membros da seita do diabo — en-trevistando mais de 1.800 pessoas na região e resul-tando em 11.200 páginas de anotações sobre o interro-gatório. Eu acredito ser o primeiro grande estudo

Page 9: t. Mathiesen

88

42003

empírico sobre bruxas. O achado mais importante doestudo é que não houve qualquer prova de bruxaria.

Deixe-me ser exato: Salazar parece ter acreditado queas bruxas existiam; o nódulo para ele era a questão in-telectual, uma prova decisiva. E ele achou que a melhorarma contra o aparecimento de um grande número debruxas, de fato, era o silêncio: “Eu deduzo”, ele disse, natradução de Lea, “que a importância do silêncio e dareserva da experiência mostrou que não havia bruxasnem enfeitiçados até que se começou falar e escreversobre eles.”7. No final, la Suprema decidiu seguir as re-comendações de Salazar para suspender os casos de bru-xas. Isso foi feito como os advogados fariam: la Supremasolicitou-lhe para preparar um novo conjunto de regula-mentações para lidar com as bruxas. Na prática, as no-vas regulamentações, se adotadas, colocariam um fimaos casos e, de fato, elas foram adotadas, praticamentesem mudanças, pela la Suprema, em 1614.

Um inquisidor liberal com apoio superior tornou-seinstrumento na subseqüente abolição da caça e quei-ma das bruxas, curiosamente uma reminiscência aosprofissionais envolvidos nas reduções das prisões e nasabolições dos tempos mais modernos. O nível superiorassim como o dos praticantes eram envolvidos. E mi-nha interpretação é que uma mudança cultural importan-te aconteceu no interior da Inquisição e a atravessou. Emprimeiro lugar, houve uma certa preparação cultural,um tipo de “moderação cultural” contra pelo menos amaioria dos tipos de caça. Esta “moderação cultural”, eudiria, tornou-se a definição autorizada da situação e foiseguida pela abolição a despeito do fato de que no ambi-ente havia o que hoje poderíamos chamar de um pânicomoral em relação às bruxas.

Page 10: t. Mathiesen

89

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

A irracionalidade da prisão

Para um abolicionista, é animador mostrar que a abo-lição de sistemas penais inteiros, de fato, é possível. Mas,como eu disse, hoje em dia, as condições são completa-mente diferentes. Se a Inquisição quisesse, ela poderiater se voltado completamente contra o povo. E completa-mente contra os meios de comunicação de massa, quenão existiam — exceto pelos livros publicados. A mu-dança cultural na Inquisição, vitória de uma parte deuma cultura alternativa e a compreensão dentro do sis-tema, foi, portanto, uma condição suficiente para a abo-lição. Hoje em dia, uma mudança cultural no sistemapenal e uma mudança na direção de um senso de res-ponsabilidade pessoal por parte daqueles que lá traba-lham é muito necessária. Mas não seria uma condiçãosuficientemente plena porque o sistema penal atual,elaborado por políticos, é muito mais dependente no con-texto geral daquilo que chamamos de “opinião pública”e meios de comunicação de massa.

Retornarei a este ponto importante mais tarde. Meuponto de partida é esse: a prisão, sobre a qual eu res-trinjo minha análise, é “um gigante sobre um solo debarro”. A expressão é traduzida do norueguês e quer di-zer um sistema aparentemente sólido com pilares defi-cientes, muito semelhante à escravidão, ao ImpérioRomano e à legislação Soviética em seus estágios fi-nais.

O calcanhar de Aquiles, o solo de barro da prisão ésua total irracionalidade em termos de seus próprios objeti-vos estabelecidos, um pouco como as caças às bruxassem provas. Em termos de seus próprios objetivos, a pri-são não contribui em nada para nossa sociedade e nos-so modo de vida. Relatórios após relatórios, estudos após

Page 11: t. Mathiesen

90

42003

estudos, às dezenas, centenas e milhares, claramentemostram isso.

Como vocês bem sabem, a prisão tem cinco objetivosestabelecidos que são ou têm sido usados como argu-mentos para o encarceramento. Primeiro, há o argu-mento da reabilitação. Entretanto, nas décadas passa-das a criminologia e a sociologia produziram grandenúmero de estudos empíricos sólidos mostrando, clara-mente, que o uso do aprisionamento não reabilita o in-frator encarcerado. Estou pensando nos estudos experi-mentais e quase experimentais de uma vasta gama deprogramas de reabilitação, assim como alguns estudossobre organização e cultura das prisões — os últimosmostrando que, de fato, a prisão é contra-produtiva pelomenos no que concerne à reabilitação. O tempo meimpede de detalhar esses estudos; de qualquer modo,muitos de vocês estão familiarizados com eles. Citarei,resumidamente, uma afirmação reveladora feita há maisde quarenta anos por Lloyd W. McCorkle, um experientediretor da prisão Estadual New Jersey, em Trenton, Es-tados Unidos, e Richard R. Korn, diretor de educação eaconselhamento na mesma prisão.

“De muitas formas, o sistema social de reclusão podeser visto como fornecedor de um modo de vida que per-mite ao prisioneiro evitar os efeitos psicológicos devas-tadores de internalizar e converter a rejeição social emauto-rejeição. De fato, isso permite ao prisioneiro rejei-tar seus rejeitadores ao invés de rejeitar a si próprio”8.

Essa colocação resume bem os resultados de milha-res de estudos e centenas de meta-estudos de reabilita-ção que, de fato, seguiram, nas décadas de 1960, 1970 e1980, o artigo que eles escreveram.

Segundo, há o argumento da intimidação do indiví-duo — a noção de que o transgressor que é trazido para

Page 12: t. Mathiesen

91

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

a prisão ficará assustado e afastado do crime por ter sidolevado para lá. Aqui posso ser breve. Em um considerá-vel grau, os mesmos argumentos e estudos vão contra anoção da intimidação do indivíduo transgressor. O sis-tema social de reclusão e sua subcultura são especial-mente importantes.

Terceiro, há o argumento da prevenção geral, isto é,dos efeitos da intimidação, da educação ou formação dehábitos na sociedade mais ampla em outros que nãoforam punidos ou não estão para ser punidos no mo-mento. Percebam que eu estou aqui falando do efeitopreventivo da prisão. A hipótese da prevenção geral émenos sensível à pesquisa empírica, mas uma afirma-ção conservadora seria de que o efeito é no mínimo in-certo e certamente menos significativo na determina-ção do desenvolvimento do crime na sociedade do queas características da política econômica e social. Umaafirmação um tanto arrojada — mas não muito — diriaque temos um grande número de estudos sugerindo queo efeito preventivo da prisão é muito modesto ou mes-mo mínimo em grupos populacionais nos quais podería-mos desejar que o efeito fosse forte — grupos predispos-tos ao crime e de constantes infratores da lei — en-quanto, talvez, seja mais forte em grupos que por outrasrazões são de qualquer modo obedientes à lei. Esta é umaforma de resumir os estudos econométricos, estudoshistóricos antes e após as mudanças legais, estudos lon-gitudinais de vários sistemas legais, entrevistas e ques-tionários dos efeitos das sanções esperadas e assim pordiante. Notavelmente, e o mais importante no que dizrespeito à utilidade da prisão, é também ser um meiopara resumir o efeito da severidade esperada em com-paração com a probabilidade esperada da punição. En-quanto esta probabilidade — risco esperado de detenção— parece mostrar um efeito muito modesto em alguns

Page 13: t. Mathiesen

92

42003

contextos, a severidade esperada da punição, que é oâmago da questão da prisão, de fato, não mostra efeitonenhum. Esse resultado aparece em um grande núme-ro de estudos. Especificamente mencionarei um deles— o do criminologista alemão Karl Schumann e seuscolaboradores, que realizaram um grande estudo sobrea prevenção geral entre os jovens alemães9. Inicialmen-te, foi um estudo sobre a esperada severidade da puni-ção. Foram estudados seus efeitos sobre o comportamen-to criminal registrado, assim como o auto-relatado. Oestudo mostrou que a esperada severidade da punição,de fato, não surtia nenhum efeito sobre a atividade cri-minal da juventude, nem, aliás, com a expectativa daprisão do jovem. O que os pesquisadores encontraramfoi um certo efeito da experiência subjetiva do risco dadetenção, mas que não incidia sobre a “performance”de crimes sérios, nem mesmo sobre a de todos os tiposde crimes, mas somente em alguns tipos insignifican-tes, como roubo de lojas, assaltos físicos triviais, uso demetrô sem pagar e semelhantes. E mesmo aqui, o efei-to medido em análise multivariada, para a Alemanha,foi caracterizado como “rechts bescheiden”, bem modes-to. Acrescentarei a isso que os jovens a serem detidosraramente cometem estes tipos de crimes. Eles tendema praticar os que não apresentaram efeito preventivo10.

Vocês podem perguntar: por que esses resultados?Deixe-me lembrar, resumidamente, que a ineficiênciapreventiva da prisão se constitui em um problema decomunicação. Nesse contexto, a punição é um modo peloqual o Estado tenta comunicar uma mensagem, especi-almente a grupos particularmente vulneráveis na soci-edade. Como um método de comunicação, é extrema-mente rude. A própria mensagem é difícil de ser trans-mitida, devido à incomensurabilidade da ação e dareação. A mensagem é filtrada e deturpada durante o

Page 14: t. Mathiesen

93

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

processo e é confrontada com uma resposta cultural nosgrupos que a desconsidera, acabando por neutralizá-la.Acrescentem a isso o profundo problema moral enraiza-do na punição de algumas pessoas com o objetivo de pre-venir outros de agir de forma semelhante — um proble-ma moral que não é perdido nos grupos alvo importan-tes — e vocês terão o quadro geral. O que é surpreendentenão é o efeito mínimo, mas a persistente crença políti-ca em tal método de comunicação primário.

Quarto, há o argumento da interdição dos transgres-sores. Tradicionalmente, o argumento tem adquiridoduas formas: a da interdição seletiva e a da interdiçãocoletiva.

A interdição coletiva implica uso da prisão contracategorias inteiras de prováveis reincidentes. Você sim-plesmente os liquida trancafiando-os e jogando fora achave. Em grande parte, esta é a política presente nosEstados Unidos. A questão não é reabilitar os transgres-sores e nem prevenir outros de cometerem atos simila-res, mas simplesmente tirar os transgressores do cir-cuito social. A interdição coletiva tem sido intensamenteestudada tanto na Escandinávia quanto nos EstadosUnidos. Mesmo se aceitássemos a sua moralidade, osresultados seriam, usando palavras amenas, muitomodestos. Mais uma vez, mencionarei um relato entreinúmeros, o do “Painel de Pesquisa na Carreira Crimi-nal”, patrocinado pelo Instituto Nacional de Justiça, pu-blicado em dois volumes, em 198611. O Painel abordou,de perto, a interdição coletiva. Entre 1973 e 1982, nosEstados Unidos, a quantidade de prisões estaduais e fe-derais praticamente dobrou. Durante o mesmo período,a taxa de crime não diminuiu. Cresceu em 29%, certa-mente um resultado sombrio. As estimativas disponí-veis no Painel mostraram que, dependendo da freqüên-cia de transgressão do indivíduo, a taxa poderia ser ape-

Page 15: t. Mathiesen

94

42003

nas 10 a 20% maior se não ocorresse quase 100% deaumento nos número de prisões. Isto poderia ser consi-derado um ganho modesto, mas contém três defeitosbásicos. É um ganho extremamente custoso, por muitopouco, em vista do aumento dramático da populaçãocarcerária. Além disso, muito rapidamente alcança-seum ponto de retorno reduzido. Reduções futuras, eu citodiretamente do relatório, iriam “requerer, pelo menos,de 10 a 20% de aumento nas populações encarceradaspara 1% de redução no crime”12.

Finalmente, e mais importante, a geração atual dedelinqüentes não será a última. Novas gerações apare-cerão nas ruas. Isso significa que a redução da taxa decriminalidade, se houver, logo será apagada. Certamen-te, a interdição coletiva poderia ser renovada para asnovas gerações. Mas vocês nunca as alcançariam por causada mudança sempre presente em novas gerações. Aomesmo tempo, aqueles que já estão encarcerados teri-am de permanecer trancafiados por longos períodos, de-vido a sua presumida persistência. Em suma, vocês ter-minariam com uma quantidade enorme de prisionei-ros e com efeito negligenciável. Foi exatamente isso queaconteceu nos Estados Unidos e em outros países, comoa Polônia, no passado recente.

Há também a interdição seletiva — a predição indi-vidual de transgressores violentos de alto risco com basenos critérios de antecedentes específicos. Inúmerosestudos mostraram que a predição deste tipo é extre-mamente difícil e que as chamadas taxas de falso-posi-tivo e falso-negativo — isto é, os erros de predição — sãomuito altas. Como alguns proponentes da interdiçãoseletiva — participantes em grande escala dos estudosde Rand sobre interdição seletiva durante a década de1980 — formularam: “apesar disso, agora não podemos

Page 16: t. Mathiesen

95

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

recomendar basear uma política de sentenciamento nes-sas conclusões”13.

Quinto, e último, acrescentem a esta justiça equili-brada — a resposta neo-clássica ao crime através daprisão e a lista estará completa. Embora admita-se quea prisão não previna nada, supõe-se que ela possa ba-lancear o ato repreensível, equalizando os pesos da jus-tiça. Mas, ela pode? Para falar resumidamente, ela nãopode balancear o ato com precisão, porque de um ladotemos a transgressão criminal e, de outro, o tempo; são,portanto, entidades incomensuráveis e, acima de tudo,a balança de punição não pode ser “ancorada” com se-gurança14. Por essas razões, a escala de punições éconstruída sobre o barro e muda, rapidamente, de acor-do com os ventos políticos. Hoje em dia vemos isso acon-tecer. Pelos mesmos motivos, a balança de punições dáà vítima pouca satisfação. O que é decisivo, mais do quea busca por justiça, é o vento político.

O segredo da irracionalidade da prisão

A prisão é um sistema profundamente irracional emtermos de seus próprios objetivos estabelecidos. Entre-tanto, a dificuldade é que este seu conhecimento, em gran-de parte, é secreto.

Se as pessoas realmente soubessem o quão fragil-mente a prisão, assim como as outras partes do siste-ma de controle criminal, as protegem — de fato, se elassoubessem como a prisão somente cria uma sociedademais perigosa por produzir pessoas mais perigosas —,um clima para o desmantelamento das prisões deveria,necessariamente, começar já. Porque as pessoas, emcontraste com as prisões, são racionais nesse assunto.Mas a informação fria e seca não é suficiente; a falhadas prisões deveria ser “sentida” em direção a um nível

Page 17: t. Mathiesen

96

42003

emocional mais profundo e, assim fazer parte de nossadefinição cultural sobre a situação.

A direção desse novo clima, é com certeza, difícil depredizer, mas provavelmente implicaria numa ênfaserenovada no apoio real às vitimas, assim como nos re-cursos e serviços sociais ao transgressor, uma vez quea solução altamente repressiva falhou completamente.Os políticos que criaram, mantiveram e, de fato, expan-diram o sistema atual, teriam de adaptar-se, rapidamen-te, a fim de não perder os eleitores, sua principal preo-cupação.

Eu procuro — e isso é apenas uma lista resumida —o apoio às vítimas de diversas formas: compensação eco-nômica (do Estado) quando isso for pertinente, um sis-tema de seguro simplificado, apoio simbólico em situa-ções de luto e pesar, abrigos para onde levar as pessoasquando necessitarem de proteção, centros de apoio paramulheres espancadas, solução de conflitos quando issofor possível, e assim por diante. As vítimas não recebemabsolutamente nada do sistema atual, nem da acelera-ção e ampliação do sistema presente no entanto poderi-am receber muito se houvesse a mudança de direçãodo sistema na forma como sugeri. Uma idéia e um prin-cípio fundamental seria guinar o sistema em 180 graus:ao invés de aumentar a punição do transgressor de acor-do com a gravidade da transgressão, o que é básico nosistema atual, eu proporia o aumento de apoio à vítimade acordo com a gravidade da transgressão. Em outraspalavras, não uma escala de punições para os transgres-sores, mas uma escala de apoio às vítimas. Certamen-te, esta seria uma mudança radical, mas que seria ra-cional do ponto de vista das vítimas e, provavelmente,também, útil para superar a resistência ao desman-telamento do sistema atual.

Page 18: t. Mathiesen

97

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

Eu procuro recursos para o transgressor na forma deuma série de medidas. Em termos gerais, a guerra con-tra o crime deveria tornar-se uma guerra contra a po-breza. Mais uma vez, eu apenas estou lhes dando umapequena lista; muitos detalhes deveriam ser definidos:moradias decentes, programas de trabalho, de educa-ção e tratamento mas não baseados na força e — maisimportante — uma mudança em nossa política sobredrogas. Legalizando as drogas e tornando-as, assim comoa metadona, disponíveis sob condições sanitárias e su-pervisionadas, neutralizaria o mercado ilegal e reduzi-ria drasticamente a quantidade de crimes relacionadosàs drogas. Por si mesma, percorreria um longo caminhoem direção ao esvaziamento de nossas prisões. Umamudança em nossa política sobre drogas também atin-giria o centro do crime organizado da droga, que é de-pendente das forças do mercado. Em outras palavras,efetivamente ameaçaria e liquidaria o poder dos figu-rões que hoje em dia não terminam na prisão, porqueela está sistematicamente reservada para os pobres.

Vocês podem perguntar: Quem pagará por isso? A res-posta é: as prisões. O desmantelamento das prisões da-ria somas vultuosas de dinheiro, bilhões e bilhões dedólares americanos, que poderiam ser gastos, genero-samente, com as vítimas e os transgressores.

Temos que admitir talvez a possibilidade de que en-carcerar alguns indivíduos permaneça. A forma de setratar deles deveria ser completamente diferente do queacontece hoje em nossas prisões. Uma forma disto serassegurado, contra o aumento de seu número devido auma mudança de critérios, seria estabelecer um limiteabsoluto para o número de celas fechadas para tais pes-soas a ser aceito em nossa sociedade.

Page 19: t. Mathiesen

98

42003

A solicitação de um limite para o espaço da prisãotambém poderia ser uma arma útil em nossa luta atualcontra ela. Em um momento de aceleração dramáticadeveria ser cuidadosamente considerada como umaestratégia. Mas, excetuando-se a solicitação por um teto,nos poucos minutos anteriores eu expressamente faleisobre o futuro. Voltemos ao presente e para onde estamos— na dificuldade do primeiro estágio: as pessoas nãosabem quão irracionais são nossas prisões. As pessoassão levadas a acreditar que as prisões funcionam. Airracionalidade verdadeira da prisão é um dos segredosmelhor guardados em nossa sociedade. Se o segredo fos-se revelado, destruiria as raízes do sistema atual e im-plicaria o começo de sua ruína. Três “camadas” funcio-nam como escudos protetores para a prisão, mantendoa irracionalidade da prisão um segredo.

A primeira camada, a mais central, consiste nos admi-nistradores, no sentido mais amplo da palavra, do sistemade controle criminal.

Os administradores conhecem, sobejamente, o esta-do sombrio e a falência total das prisões, mas permane-cem em silêncio. Três processos contribuem para isto.

Os administradores silenciam porque foram cooptadospelo sistema; tornaram-se uma parte e uma parcela dele.A cooptação ocorre através de um processo sutil no quala evidência contra o sistema — tão abundante no con-texto carcerário — é seletivamente eliminada, relegadaa segundo plano e não levada em consideração. Quandolembrados disso, os que representam a evidência emvez da própria evidência se tornam alvo de ataque: sãodefinidos e rotulados como teóricos, sonhadores, revo-lucionários, enquanto a evidência em si não é focaliza-da, muito menos desafiada.

Page 20: t. Mathiesen

99

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

Em segundo lugar, os administradores silenciam emlealdade ao sistema. Existe uma cultura de lealdadeassim como havia uma cultura de lealdade aos líderesalemães entre a população durante a última parte daSegunda Guerra Mundial. Além disso, o sistema é con-siderado legal, o que contribui para o espírito de lealda-de.

Finalmente, os administradores são silenciados peladisciplina. Os processos de disciplina social que operamcontinuamente na prisão e no contexto penal, variamde um contínuo de medidas ocultas bem sutis a medi-das abertas e bruscas. As medidas ocultas e sutis, porexemplo, incluem as várias reuniões onde os meios eos objetivos têm a autoridade das certezas, deste modoinculcando um pulso mais forte, insegurança e silêncioentre aqueles que seriam oponentes. As medidas aber-tas e bruscas incluem reprimendas e até ameaça deperda de emprego.

A segunda camada, ao redor da margem ou borda dosistema carcerário, compreende os intelectuais e os pesqui-sadores — cientistas sociais no sentido amplo da palavra.Eles também estão silenciosos ou, no melhor dos casos,sussurrando seus protestos.

A posição dos inúmeros pesquisadores pode ser vistadentro de um contexto particular. O sociólogo francêsPierre Bourdieu usou o sufixo grego doxa para designaro que é inquestionável e tomado por certo numa cultu-ra. Doxa é algo que você não discute ou debate, porque ébom por princípio e assim sendo é indiscutível. Cadacultura tem sua doxa. Em torno dela, há duas esferas dedebate: o ortodoxo e o heterodoxo. No debate ortodoxo, osdetalhes são discutidos, mas as premissas básicas dosistema permanecem indiscutíveis e dóxicas. No deba-te heterodoxo, questões fundamentais sobre as premis-

Page 21: t. Mathiesen

100

42003

sas básicas do sistema são levantadas. A doxa tenta li-mitar o debate heterodoxo e, se possível, silenciá-lo com-pletamente. Se isso não é alcançado, são feitas tentati-vas para converter o debate heterodoxo em ortodoxo, umdebate sobre detalhes superficiais. Se os oponentes obs-tinadamente insistem em ser heterodoxos e se o siste-ma político não é democrático, eles são exterminadoscomo hereges. Nas sociedades democráticas eles nãosão exterminados mas relegados a encontros, organiza-ções, e jornais periféricos e outros contextos similares.Apenas ocasionalmente são autorizados a entrar nasreuniões e na mídia central, freqüentemente como áli-bis radicais do sistema.

A categoria mais ampla de intelectuais e pesquisa-dores, bem informados sobre os resultados terríveis daspesquisas das prisões, hoje estão mudando daheterodoxia para ortodoxia e mesmo para a própria doxa.No clima da década de 1970, com a crítica radical dasinstituições em geral e as prisões em particular, os pes-quisadores que conduziram a pesquisa sobre a reabili-tação foram muito heterodoxos: eles viram e definirama pesquisa e os achados como devastadores para o sis-tema carcerário. Hoje, por exemplo, aqueles quepesquisam a interdição seletiva e a predição de violên-cia, sutilmente mudam os padrões. Eles dizem que ascorrelações entre os índices sociais e a violência futu-ra, sem dúvida, são baixos e que as porcentagens defalso-negativo e falso-positivo são altas. Mas, eles se-guem dizendo que assim também são todas as correla-ções das ciências médica, psicológica e social. Agora,as correlações de 0,35 com medidas novas e melhora-das, podem crescer para 0,37 ou talvez até alcançar 0,40.Isto, presumivelmente, torna os resultados aceitáveis.Assim, os pesquisadores atuais, em contraste com aque-les de 1970, entraram no debate ortodoxo ou mesmo no

Page 22: t. Mathiesen

101

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

apoio ao sistema, na doxa. Novamente, a mudança doponto de vista de parte dos pesquisadores é contextu-almente produzida: hoje em dia, o debate público geral édrasticamente diferente daquele da década de 1970. Ospesquisadores também seguiram o mesmo caminho15.

Isso nos leva para a terceira camada. Esta, pelas ra-zões que delinearei em um minuto, é a mais importante.Existe ao longo da extremidade ou fronteira do sistemacarcerário: é formada pelos meios de comunicação de mas-sa enquanto uma esfera ou espaço público que consegueconter tudo na sociedade moderna ocidentalizada.

A informação fornecida pelo sistema carcerário, ésistematicamente filtrada e distorcida pelos meios decomunicação de massa. Isso tem ocorrido de modo cres-cente durante nosso século. Mas um salto qualitativosignificante ocorreu com o advento da televisão após aSegunda Guerra Mundial. Um outro salto qualitativo tre-mendo ocorreu aproximadamente da metade da décadade 1970 em diante, com muitos avanços tecnológicosengenhosos que aconteceram no final do século XX, fa-zendo com que a televisão alcançasse todos os cantos domundo.

A questão é que com o advento e a aceleração do de-senvolvimento da televisão, entramos em algo que éequivalente a uma nova religião. Quando o automóvelchegou, na virada do século, muitas pessoas acredita-ram que fosse um cavalo e uma charrete, apenas sem ocavalo. Reminiscentes desta época, ainda falamos em“potência de cavalos”. Mas não era um cavalo e umacharrete sem cavalo, era algo completamente novo, quecontinha as sementes de uma sociedade completamentediferente. O mesmo aconteceu com a televisão. Quandoela chegou, algumas pessoas acreditaram que era ape-nas um jornal em movimento. Mas não foi somente isso;

Page 23: t. Mathiesen

102

42003

foi um meio inteiramente novo criando uma sociedadecompletamente nova e, poderia ser acrescentado, ummeio novo que fundamentalmente influenciou a formae o conteúdo dos antigos meios.

A questão da influência da televisão em atitudes es-pecíficas e no padrão comportamental é muito discutidae estudada, mas é relativamente insignificante. A ques-tão importante é o “paradigma” total ou a “Gestalt” queemana do meio. O pesquisador da mídia americanaGeorge Gerbner descreveu isto suscintamente, da se-guinte maneira: “[a questão é o conceito de] umaaculturação ampla ao invés de mudanças estreitas naopinião ou no comportamento. Ao invés de perguntarque “variáveis” de comunicação poderiam propagar quetipo de mudanças no comportamento das pessoas, que-remos saber que tipo de consciência comum sistemasinteiros de mensagens poderiam cultivar. Isso se pare-ce menos com perguntar sobre medos e esperanças pré-concebidos e mais sobre os “efeitos” do cristianismo nomodo como cada um vê o mundo ...”16.

O paralelo estabelecido com a religião deveria serconsiderado mais do que uma metáfora. Nossa relaçãocom a televisão tem várias características do relacio-namento dos fiéis com a Igreja. O pesquisador britânicoda mídia, James Curran, colocou essa questão em ter-mos funcionais: “os meios de comunicação de massamodernos, na Inglaterra, agora desenvolvem muitas dasfunções integrativas da Igreja na Idade Média. Como aIgreja medieval, a mídia liga diferentes grupos e propor-ciona experiências compartilhadas que promovem a so-lidariedade social. A mídia também enfatiza valores co-letivos que aproximam as pessoas, de um modo que écomparável à influência da Igreja medieval: o senso decomunidade da fé cristã celebrada pelos rituais cristãosagora é substituído pelo senso de comunidade do consu-

Page 24: t. Mathiesen

103

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

mo e do nacionalismo, celebrados nos “rituais” da mídia,tais como as competições esportivas internacionais (queafirmam a identidade nacional) e os bens de consumo(que celebram uma identidade coletiva de consumido-res). De fato, as duas instituições, de algum modo,engajaram-se em um ‘trabalho’ ideológico muito simi-lar, a despeito da diferença no tempo que as separa (...)Os meios de comunicação de massa modernos deram,em épocas diferentes, atenção desproporcional emassiva a uma série de ‘marginalizados’ (...) compará-veis à caça e ao desfile das bruxas pela Igreja medievale início da Igreja moderna supostamente possuídas pelodiabo (...)”17.

A transformação pode ser descrita em termos maisprecisos. Como Neil Postman enfatizou18, na sua impor-tante análise da televisão moderna, nós estamos nomeio de uma transformação crucial da ênfase na men-sagem escrita para a ênfase na imagem. A ênfase naimagem, como aquilo que define o verdadeiro e o falso, oque realmente aconteceu, como se a representação nãoexistisse, implica mudança cultural fundamental noocidente. A mudança inclui também a imprensa mo-derna, por exemplo, através da “tabloidização” dos jor-nais, com grandes fotos “da cena”, grandes manchetessensacionalistas e textos resumidos. A noção de Foucaultde um desenvolvimento “panóptico”, no qual poucosvêem e supervisionam muitos, é paralelo a um enormedesenvolvimento “sinóptico”, contrastante com o primei-ro, mas relacionado funcionalmente a ele, no qual mui-tos vêem, supervisionam e admiram os poucos: as es-trelas da mídia no céu da mídia. No sentido duplo dapalavra, estamos, como tentei formular em um livro queescrevi sobre esse assunto, vivendo em uma “socieda-de de telespectadores”19.

Page 25: t. Mathiesen

104

42003

Em termos do conteúdo da mídia, estamos no meio deuma mudança paralela em direção ao entretenimento.Não temos que concordar com uma implicação do dis-curso de Postman que a transformação em termos deforma da imagem, necessariamente transforma o con-teúdo em diversão, para concordarmos com ele queestamos, de fato, “nos divertindo até a morte”. Mesmose os noticiários mais sérios e os mais violentos doseventos relatados são exibidos como “espetáculos” e comum “sabor de entretenimento”... Informação e entrete-nimento são fundidos no “infotretenimento”. A escritaainda existe, assim como análises sérias. Mas em ter-mos de tendência, o espaço para as notícias públicas,predominantemente, é preenchido com fotos e tablóidesque “divertem”. O tempo não permite uma análise dasforças, que por sua vez, moldam essas tendências. Ésuficiente dizer que uma nova era tecnológica, teste-munhando a produção de sistemas inteiramente novos,assim como sistemas de comunicação na área da mídiade massa, com inúmeros satélites preenchendo o céu,permitiu que as forças do mercado entrassem no espa-ço público de uma forma impensável há três ou quatrodécadas.

Esfera pública alternativa

Minha questão básica é a seguinte. Das três “camadas”,que protegem a prisão e mantêm a sua irracionalidade emsegredo: a dos administradores, em um sentido mais am-plo da palavra, a dos pesquisadores e a dos meios de co-municação de massa, a mais fundamental é a da mídia.

Se a mídia, especialmente a televisão, mudasse oconteúdo do divertimento superficial para o conhecimen-to crítico criaria uma mudança cultural básica, umamudança no clima cultural, que teria repercussões em

Page 26: t. Mathiesen

105

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

todas as áreas de pesquisadores e intelectuais, assimcomo de administradores. Como eu já mencionei, osadministradores e os pesquisadores, dentro e na pontado sistema, geralmente “seguem o exemplo”. Quando oclima cultural envolvendo a prisão torna-se difícil elestornam-se difíceis. Quando o clima cultural abranda, elesabrandam. Não são heróis independentes, ao contrário,suas antenas estão basicamente dirigidas para fora, emdireção ao clima cultural, mediado como é pelos meiosde comunicação de massa. Uma mudança no clima cul-tural externo, na opinião sobre o que é a “linha correta”,criaria uma mudança paralela entre os pesquisadorespróximos ao sistema e os administradores dentro dele.Certamente, ainda estariam envolvidos em longas ba-talhas, na margem, assim como dentro da prisão. Tal-vez a mudança cultural básica no centro e na margemdeva parcialmente esperar pela próxima geração, masaconteceria mais cedo ou mais tarde.

De tudo isso podemos concluir que muito de nossaluta para alcançar, escancarar, revelar e então elimi-nar o calcanhar de Aquiles do sistema carcerário — suairracionalidade fundamental e total — precisa serdirecionada à televisão e aos meios de comunicação demassa em geral, já que são seu escudo mais protetor.Isso faria com que os outros escudos caíssem e liberas-sem o segredo. Em vista dos grandes interesses econô-micos nos “negócios de entretenimento” e dos enormesavanços tecnológicos envolvidos, esta é uma tarefa for-midável. Francamente, não antevejo uma luta fácil.Mencionarei brevemente uma linha de ação.

Em norueguês, a palavra chave é “alternativoffentlighet”, em alemão é “Alternative Öffentlichkeit”,e em português, a expressão mais precisa é “espaçopúblico alternativo”. A questão é contribuir para a cria-ção de um espaço público alternativo na política penal,

Page 27: t. Mathiesen

106

42003

onde a argumentação e o pensamento honesto e escru-puloso, ao invés da diversão, representem os valoresdominantes. Busco o desenvolvimento de um espaçopúblico alternativo na área da política penal contendotrês componentes.

O primeiro é a liberação do que eu chamaria de po-der absorvente dos meios de comunicação de massa; aliberação da definição da situação que implica existên-cia de alguém é totalmente dependente da cobertura edo interesse da mídia. Sem a cobertura e com o silêncioda mídia eu, provavelmente, não existo, minha organi-zação não existe, a reunião não aconteceu. Na socieda-de ocidentalizada é, provavelmente, impossível edesaconselhável abster-se completamente da participa-ção da mídia. Mas, certamente, é possível dizer “não!” amuitos programas de entrevistas e “debates” apresen-tados como entretenimento, mencionados anteriormen-te, que inundam nossos vários canais de televisão e,mais importante, é certamente, possível não deixar anossa definição de sucesso ser dependente da cobertu-ra da mídia. Geralmente ela converte e perverte com-pletamente nossas mensagens.

O segundo é a restauração da auto-estima e o senti-mento de confiança por parte dos movimentos organiza-dos de baixo para cima. Não é verdade que estes movi-mentos, enfatizando a organização de uma rede de soli-dariedade nas bases, tenham morrido. O que aconteceufoi que com o desenvolvimento da mídia de massa queeu delineei, eles perderam a fé em si mesmos. Umexemplo importante da história recente da Noruega, davitalidade real desses movimentos: em 1993, milharesde noruegueses participaram em um movimento amplopara dar aos refugiados da Kosovo-Albânia um abrigo du-radouro nas igrejas norueguesas por todo o país. O mo-vimento terminou com uma vitória parcial, na qual to-

Page 28: t. Mathiesen

107

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

dos os casos relacionados com os refugiados albanesesforam revistos novamente pelo Ministério da Justiça. Oexemplo sugere que a solidariedade nestes movimen-tos organizados de baixo para cima se estende mesmo agrupos “distantes”, como os refugiados, e que eles nãomorreram com o fim da guerra do Vietnan.

O terceiro é a restauração do sentimento de respon-sabilidade por parte dos intelectuais no sentido maisamplo da palavra. Não estou pensando em todos os pes-quisadores ortodoxos na margem do sistema. Não se podeconfiar neles como iniciadores de mudança; deles ape-nas pode-se esperar que sigam o exemplo. Estou pen-sando nos pesquisadores independentes que estão poraí e, mais importante, toda a gama de artistas, escrito-res, atores e músicos, além de uma variedade enormede pesquisadores e cientistas, por exemplo nas huma-nidades e artes liberais. A questão da prisão não é umaquestão para um segmento, mas para todos nós. Suarecusa em participar nos programas dos meios de co-municação de massa seria importante. Eles têm umpoder de barganha em relação à mídia. A revitalizaçãoda pesquisa considerando os interesses das pessoas co-muns como ponto de partida, é igualmente importante.Esta questão é nova, mas, certamente, volta várias dé-cadas na história intelectual ocidental. A área estácheia de conflitos e problemas, mas estes não são inso-lúveis.

Vocês podem perguntar como os três ingredientes quemencionei serão encadeados e desenvolvidos. A tarefa,por certo, é de longa duração. Deixem-me dar um pe-queno exemplo: tentamos fazer um pouco disso na No-ruega, na organização KROM – Associação Norueguesapara a Reforma Penal, uma organização híbrida, estra-nha, com intelectuais e muitos prisioneiros, com umacausa comum20. Todos os anos organizamos grandes

Page 29: t. Mathiesen

108

42003

conferências sobre políticas penais. Já organizamos 25delas e para criarmos uma tradição mantivemos o mes-mo lugar: um hotel nas montanhas perto de Oslo. Nocomeço, no fim da década de 1960, a participação erarestrita; com o decorrer dos anos ficou muito mais am-pla e, hoje em dia, a participação é definida, em muitoscírculos profissionais, como “obrigatória”. Toda uma gamade profissões e agências relevantes para a política pe-nal e muitos prisioneiros estão lá. Também organiza-mos seminários regulares, assim como outras ativida-des. Em resumo, tentamos criar uma rede de opinião einformação atravessando os limites formais e informaisentre segmentos dos sistemas políticos e administrati-vos relevantes. A questão é precisamente tentar criarum espaço público alternativo onde a argumentação e opensar escrupuloso sejam valores dominantes; um es-paço público com uma cultura diferente que no finalpossa competir com o espaço público superficial dosmeios de comunicação de massa.

Esse tipo de tentativa tem a vantagem, ao contráriodo que ocorre nos meios de comunicação de massa, deestar baseada em relações organizadas e reais entrepessoas. O espaço público dos meios de comunicação demassa, neste sentido, é fraco: é um espaço público queé desorganizado, segmentado, espalhado por milhões deindivíduos desconectados — este é seu verdadeiro cará-ter de massa verdadeira — e, igualmente, segmentadaem milhares de estrelas individuais da mídia no céu damídia. Falei do calcanhar de Aquiles da prisão. Este é ocalcanhar de Aquiles do espaço público da mídia, quetentamos tansformar numa vantagem para nós.

Esta é uma linha de pensamento e trabalho. Obvia-mente, há outras. Muito do nosso tempo deve ser dedi-cado a encontrá-las. A tarefa de revelar às pessoas airracionalidade da prisão, que faria o sistema sucumbir

Page 30: t. Mathiesen

109

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

semelhantemente à caça às bruxas na Espanha há 400anos, exige todas elas.

Notas1 Conferência publicada com a autorização da Association for HumanistSociology. Proferida no Brasil, na PUC/SP, em ocasião do Seminário Interna-cional de Abolicionismo Penal e publicada em Edson Passetti e Roberto BaptistaDias da Silva (orgs.). Conversações abolicionistas: uma crítica do sistema penal e dasociedade punitiva. São Paulo, IBCcrim/PEPGCS-PUC/SP, 1997, pp. 263-287. Tradução de Jamil Chade.2 Nils Christie. Crime control as industry — towards gulags, western style?. London,Routledge, 1994. [N. do E. — Publicado no Brasil como: Nils Christie. Aindústria do controle do crime: a caminho do gulags em estilo ocidental. Rio de Janeiro,Forense Universitária, 1998.]3 Sebastian Scheerer. “Towards abolitionism” in Contemporary Crisis, 1986, p. 7.4 Gustav Henningsen. Heksenes advokat (The witches advocate). Copenhagen,Delta, 1981.5 Henry Charles Lea. A History of the Inquisition of Spain. New York, AMS Press,Inc. 1906, 2nd. ed. 1966.6 Andrew Rutherford. The dissolution of the training schools in Massachusetts.Columbus, Academy for Contemporary Problems, 1974.7 Henry Charles Lea. Op. cit., vol IV, p.234.8 Lloyd W. McCorkle and Richard R. Korn. “Resocialization within walls” inAnnals of American Academy of Political and Social Science, 1954, p. 88.9 Karl F. Schumann et al. Jugendkriminalität und die Grenzen der Generalprävention(Delinqüência juvenil e os limites da prevenção geral). Cologne, Luchterhand,1987.10 Idem.11 Alfred Blumstein et al (eds). Criminal careers and career criminals. WashingtonDC, National Academy Press, 1986.12 Idem. Vol I, p. 12813 Jan M. Chaiken and Marcia R. Chaiken. Varieties of criminal behavior —summary and policy implications. Santa Monica, Rand Corporation, 1982, p. 26.14 Andrew von Hirsch. Past or future crimes: deservedness and dangerousness in thesentencing of criminals. Manchester, Manchester University Press, 1986. Idem.Censure and sanctions. London, Clarendon Press 1993. Para uma crítica ver

Page 31: t. Mathiesen

110

42003

Thomas Mathiesen. Prison on trial: A critical assessment. London, SagePublications, 1990. Idem. Perché il carcere? Torino, Edizioni Gruppo Abele,1996, (Italian translation of Prison on trial, with a new postscript).15 Para mais detalhes ver Thomas Mathiesen. “Selective incapacitation revisited”Law and human behavior. Na ocasião da conferência a obra encontrava-se noprelo.16 George Gerbner and Larry Gross: “Living with television: the violenceprofile” Journal of Communication. Spring, 1976, p. 180.17 James Curran. “Communications, power and social order” in MichaelGurevitsch et al (eds). Culture, society and the media. London, Methuen, 1982, p.227.18 Neil Postman. Amusing ourselves to death: public discourse in the age of showbusiness. London, Heinemann, 1985.19 Thomas Mathiesen. Seersamfundet. Om medier og kontroll i det moderne samfund(The viewer society. on media and control in modern society). Copenhagen,Socpol, 1987. Idem. “The viewer society: Michel Foucault’s ‘panopticon’revisited”. Theoretical criminology. [Na ocasião da conferência encontrava-se noprelo. Posteriormente, veio a ser publicada no Brasil: Thomas Mathiesen. “Asociedade espectadora. O ‘panóptico’ de Michel Foucault revisitado”. Mar-gem, São Paulo, Educ, 1999, vol. 8].20 Idem. The politics of abolition: essays in political action theory. London, MartinRobertson, 1974. Idem. “About KROM. Past - present - future”. Institute forSociology of Law. Oslo, 1995.

Page 32: t. Mathiesen

111

verveA caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível?

Indicado para publicação em 18 de março de 2002

RESUMO

O artigo enfoca, especificamente, os pontos centrais de manuten-ção da existência da prisão moderna, ressaltando, de forma parti-cular, o papel desempenhado pelos meios de comunicação de massaconectados à proliferação da lógica do sistema criminal. O autorfaz uma densa descrição histórica de diferenciados sistemas depunição, mostrando a possibilidade de sua abolição.

Palavras-chave: Abolicionismo penal, prisão,comunicação de massa.

ABSTRACT

The article is specifically focused on central elements for thecontinuous existence of the modern prison, highlighting, in a par-ticular way, the role played by the mass media associated to theproliferation of the criminal systems’ logics. The author presentsa dense historical description of the various systems of punishment,showing the possibility of its abolishment.

Keywords: abolition of punishment, prison, mass media.