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Universidade Estadual de Londrina
Centro de Ciências Exatas Departamento de Geociências
Eliton Flavio Gutierez Bega
Territorialização das luzes e ordenação do espaço brasileiro:
luminosidade, opacidade e centralidade na perspectiva das
imagens noturnas do satélite DMSP/OLS
Londrina – PR
2008
Eliton Flavio Gutierez Bega
Territorialização das luzes e ordenação do espaço brasileiro:
luminosidade, opacidade e centralidade na perspectiva das
imagens noturnas do satélite DMSP/OLS
Monografia apresentada ao Curso de Graduação
em Geografia da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à obtenção do
título de bacharel.
Orientadora: Profª Drª Eliane Tomiasi Paulino
Londrina 2008
Eliton Flavio Gutierez Bega
Territorialização das luzes e ordenação do espaço brasileiro: luminosidade,
opacidade e centralidade na perspectiva das imagens noturnas do satélite
DMSP/OLS
Monografia apresentada ao Curso de
Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel, submetida à
aprovação da comissão examinadora composta pelos seguintes membros:
________________________________________
Profª Drª Eliane Tomiasi Paulino Universidade Estadual de Londrina
__________________________________ Profª Drª Ângela Massumi Katuta
Universidade Estadual de Londrina
_________________________________ Profª Drª Ideni Teresinha Antonello Universidade Estadual de Londrina
Londrina, 25 de agosto de 2008.
Dedicatórias
Aos meus pais e aos velhos amigos de Piracicaba-SP, que sempre me apoiaram de forma
incondicional desde o início ao término de minha caminhada na Universidade.
Ao meu avô Virgílio, lá de Piracicaba, homem sábio e espirituoso, que mesmo na velhice
continua sendo para mim uma espécie de educador-protagonista, que ensina com exemplos
práticas de sua vida.
À minha avó Luiza, que foi morar lá no Céu. Deixou muitas saudades pela maneira tão simples
e cativante como vivia. Sempre será lembrada pela sua bondade, paciência e hospitalidade, e
também pelo café saboroso que fazia; heranças estendidas a minha mãe, felizmente.
Aos meus alunos do 3ºA da E.E. Diógenes Duarte Paes, em Jundiaí-SP, pela ótima relação de
amizade e respeito estabelecidas dentro e fora da escola, e pela diligência e interesse
demonstrados em aula.
À Susi, coordenadora pedagógica da E.E. Bispo Dom Gabriel P. B. Couto, em Jundiaí-SP;
alguém de extrema importância neste meu início de carreira como professor do Estado. Trata-se
de uma pessoa extremamente carismática, respeitável e admirável pela postura sempre amigável
e pela cordialidade com que trata toda a comunidade escolar, sem nunca perder de vista as
responsabilidades e o profissionalismo que o cargo exige.
A todos de Londrina-PR que fizeram parte doa meus cinco anos de história nesta cidade e que
me estenderam as mãos em momentos cruciais, especialmente ao Pastor Aparecido, que me
acolheu como filho; aos amigos Fábio Lúcio e Fábio Balduíno, por todo o companheirismo nos
meus primeiros anos no Paraná; aos amigos do Metas, por sempre me trazerem a sensação de
estar em família.
Aos amigos do curso de Geografia que comigo caminharam na UEL, por todos os momentos
compartilhados nos diversos espaços de vivência do campus universitário e da cidade. Desejo
que muitos outros estudantes, ao percorrerem suas trajetórias aqui nesta Universidade-mãe,
sejam tão felizes quanto eu fui.
Agradecimentos
Primeiramente a Deus, que me ajudou a vencer todas as adversidades ao longo da vida acadêmica.
Rendo graças ao Senhor por ter preparado situações e caminhos tão inesperados, os quais me fizeram
chegar ao final do curso ao menos com um pouco de maturidade e consciência humanitária, desconfio.
Á professora Eliane Tomiasi, que mesmo diante de muitos contra-tempos, fez com que cada uma de
nossas reuniões de orientação equivalessem, talvez, a umas quatro ou cinco, tamanha foi a energia e a
dedicação dispensadas. Também por ter aceito o desafio de conduzir uma pesquisa num campo teórico
e temático que não correspondem exatamente às suas especialidades. Julgo, porém, que suas
intervenções se deram sempre com muita propriedade e da forma mais competente possível.
Ao professor Osvaldo C. Neto e a professora Ângela M. katuta, pela disposição e ajuda preciosa em
etapas decisivas deste trabalho. O acesso a certas fontes e materiais, bem como a conclusão de
determinadas fases de uma pesquisa se devem, muitas vezes, a boa vontade de nossos interlocutores.
Aos professores e graduandos do grupo “Geografando o Território”, os quais se propuseram a abrir um
espaço para discussão de conceitos e fundamentos essenciais na estrutura e formação histórico-
filosófica do pensamento geográfico. Foram debates hiper-interessantes e bastante esclarecedores, e
acredito ter tirado deles algum proveito e subsídios para a construção deste trabalho.
Faço menção a alguns amigos do curso de Geografia, especialmente ao Fred, ao Pedro e a Jú,
companheiros que tiveram suas parcelas de contribuição em muitas de nossas conversas informais no
decorrer do bacharelado. Creio que criamos algumas situações legais para troca de informações,
obtenções de novos referenciais e reflexões acerca de nossas pesquisas.
Ao professor Ricardo A. Castillo, do Depto de Geociências da Unicamp (Campinas), que mesmo não
me conhecendo pessoalmente, atendeu prontamente a um pedido via e-mail, enviando uma cópia
completa de sua tese de doutorado ao meu antigo endereço em Londrina, a qual foi de valor
inestimável a minha monografia. Marcou mais pela gentileza do que propriamente pelo favor.
Considerando que somos, num plano mais amplo, frutos de uma relação sócio-espaço-temporal, incluo
nesta página muitas pessoas da comunidade acadêmica e tantas outras de diversos círculos de amizade,
não menos importantes ou merecedores de serem aqui lembradas. Cada qual contribui de forma direta
ou indireta e de diversas maneiras, na medida em que nos permitem (re)criar nossos referenciais
sempre que deixam em nós partes de seu mundo, de suas experiências e vivências.
Não basta ensinar ao homem uma especialidade.
Porque se tornará assim uma máquina
utilizável, mas não uma personalidade. É
necessário que adquira um sentimento, um senso
prático daquilo que vale a pena ser
empreendido, daquilo que é belo, do que é
moralmente correto. A não ser assim, ele se
assemelhará, com seus conhecimentos
profissionais, mais a um cão ensinado do que a
uma criatura harmoniosamente desenvolvida.
Albert Eisntein
BEGA, Eliton Flavio Gutierez. Territorialização das luzes e ordenação do espaço brasileiro: luminosidade, opacidade e centralidade na perspectiva das imagens noturnas do satélite DMSP/OLS. 2008. Monografia de Bacharelado do Curso de Geografia. Universidade Estadual de Londrina. Resumo O presente trabalho propõe um estudo sobre as dinâmicas da ordenação e da centralidade
no território brasileiro a partir da estrutura e produção econômicas e das modernizações
técnicas na recente produção do espaço nacional. Partindo da análise das imagens orbitais
de luzes noturnas do referido território, representativas das “densidades” e das “rarefações
geográficas” ao longo da superfície brasileira, principalmente por demonstrar as
concentrações urbano-populacionais a partir de espaços luminosos, tem como um dos
princípios a demonstração de como se deram as condições de centralidade em certos
trechos do território, os quais possuem também maior peso na organização do espaço
brasileiro. Estabelece por fim, as diferenciações no território, compreendendo que as três
grandes regiões geoeconômicas (Centro-Sul, Nordeste e Amazônia) possuem produções de
“luzes” em contextos espaço-temporais diversificados e, portanto, ordenações intra-
regionais peculiares.
Palavras-chave: Território brasileiro; espaços luminosos; ordenação; centralidade;
imagem DMSP/OLS; diferenciações territoriais; regiões geoeconômicas.
BEGA, Eliton Flavio Gutierez. Territorialization of lights and ordering the brazilian space: brightness, opacity and centrality in view of the satellite images night DMSP/OLS. 2008. Monograph of the course Bachelor of Geography. Londrina State University. Abstract
This paper proposes a study of the dynamics of ordering and centrality in the brazilian
territory from the structure and economic production and technical upgrades in the recent
production of the national space. Taking as a starting point for the analysis of orbital
images of night lights of that territory, representing the "density" and "geographical
rarefaction" along the surface brazilian, mainly by showing the concentrations urban-
population from luminous spaces, is to one of the principles of the demonstration as have
the conditions of centrality in certain parts of the territory, which also have greater weight
in the organization of the brazilian space. It finally, the differences in the territory,
including the three major regions geoeconômics (Center-South, Northeast and Amazon)
with productions of "light" in diverse contexts space-time and therefore particularly intra-
regional ordinations.
Keywords: Brazilian Territory; luminous spaces; ordination; centrality; image
DMSP/OLS; territorial differentiations; geoeconômicas regions.
Sumário
Introdução 1
1 As imagens de luzes noturnas como ferramenta para a busca da compreensão da ordenação e da centralidade no território
6
1.1 Sistemas orbitais e Geografia: A geração de imagens noturnas DMSP/OLS com seus pontos luminosos.............................................................................
7
1.2 Possibilidades de leitura geográfica do território mediante o uso da tecnologia geradora das imagens de luzes noturnas........................................
9
1.3 Limitações da imagem DMSP/OLS para análise da ordenação territorial e da centralidade no espaço brasileiro................................................................
12
1.3.1 Os efeitos dos pixels formadores da imagem DMSP/OLS............................. 14 1.3.2 Luzes, opacidade, forma e essência: aparências e significados...................... 16 1.4 O “opaco” e o “luminoso” no conceito miltoniano, na representação da
imagem DMSP/OLS e na construção da idéia de centralidade no espaço......
20
2 Panorama das luzes e da centralidade no território brasileiro 23
2.1 Formação do território brasileiro e constituição dos espaços luminosos........ 24 2.1.1 Panorama histórico: primeiras luzes de um território opaco........................... 25 2.1.2 As luzes na perspectiva econômica: da Colônia à República.......................... 29 2.1.3 Transformações técnicas recentes e a expansão luminosa ............................. 31 2.2 Construção da centralidade no território brasileiro......................................... 34 2.2.1 A centralidade da região Sudeste.................................................................... 36 2.2.2 A centralidade da Metrópole Paulista.............................................................. 40
3 Luminosidade, opacidade e as diferenciações no território: as ordenações intra-regionais
44
3.1 Contextualizando os espaços luminosos dos “três Brasis”.............................. 45 3.2 Diversificação e integração econômica no Centro-Sul: espaços luminosos e
multifuncionalidade.........................................................................................
47 3.3 Ofuscando as luzes do Nordeste: espaços luminosos no contexto do atraso
econômico de uma região................................................................................
54 3.4 A Amazônia brasileira em face da expansão da fronteira agrícola: novas
luzes sobre a extensão opaca do Centro-Norte................................................
61
Considerações finais 69
Referências 73
Introdução
Realizar uma pesquisa de cunho geográfico supõe eleger como princípio estrutural
a abordagem de questões relacionadas à ordenação espacial. Possivelmente se discute quem
são os agentes ou quais os elementos responsáveis pela produção do espaço e geradores de
dinâmicas, processos, fluxos e de tipos variados de arranjos que reverberam em
determinada(s) área(s) do território. A investigação, a questão central tem que ser de
“natureza geográfica”. E isto quer dizer que o objeto de estudo, necessariamente, deve vir
acompanhado de um recorte teórico-metodológico de modo que, no momento das reflexões e
operacionalização da pesquisa, o tema trabalhado seja reconhecido como um objeto
apropriável pela Geografia.
Como demonstram Milton Santos (2004) e Rui Moreira (2006), o modo como um
determinado objeto de pesquisa será apropriado é o que irá caracterizá-lo na perspectiva de
cada área do conhecimento. E vale ressaltar que o “espaço” não é campo de investigação
restrito à Geografia, uma vez que a Sociologia, a Economia, a Antropologia, a História e
tantas outras Ciências também o levam em conta. Entretanto, na Geografia, o espaço deve
responder às perguntas que remetam à espacialidade daquilo que se está estudando. E isto tem
a ver com a análise e interpretação da distribuição dos fenômenos que se quer estudar num
esforço de atribuir sentido(s) ao território. É dessa forma que o espaço geográfico se
diferencia dos interesses particulares dos espaços sociológico, antropológico, econômico,
entre outros.
O arranjo espacial não é aleatório. Há uma lógica (ou uma mescla de várias
lógicas) na maneira como a materialidade está disposta, no modo como os elementos
interagem entre si e na forma como as relações estão espacialmente estabelecidas. E compete
à Ciência Geográfica responder qual é o sentido do espaço se organizar da maneira como o
faz. Não é possível à Geografia falar da indústria, da sociedade, da cultura ou de qualquer
outra temática sem contextualizá-la à(s) ordem(ns) estabelecida(s) no espaço em que cada um
desses elementos estão inseridos. Do contrário se estará produzindo conhecimento ligado à
Economia, às Ciências Sociais ou a outras áreas do saber.
Calcado nestes pressupostos é que este trabalho vem esboçar, primeiramente, e
acima de tudo, conhecimento que faça alusão ao campo de interesse da Geografia, aqui
compreendido como a busca pela lógica da ordenação do espaço. No entanto, se faz oportuno
salientar que parece não haver consenso em relação à definição do objeto da Geografia,
mesmo entre os geógrafos. Pois há aqueles que defendem, por exemplo, ser a relação
“homem-meio” ou “sociedade-natureza” o objeto da referida ciência. Há quem diga que a
Geografia estuda a ação do homem no espaço, ou ainda que ela se incumba da descrição da
superfície terrestre (geo = Terra; grafia = escrita), ou mesmo para estabelecer a diferenciação
regional do espaço, além de outras definições que não vem ao caso. Mas o fato é que a ciência
é histórica, como bem salienta Moro (1990), e muda em função do tempo, transformando e
buscando explicações para seus objetos de estudo, no intuito de acompanhar a realidade em
constante evolução. Ao que parece, as respostas poderiam ser tantas quantas são as escolas da
Geografia, as quais estabelecem seus olhares sobre o real em diferentes perspectivas.
A proposta circunscrita na presente pesquisa tem por intuito propor uma
abordagem do território brasileiro, tendo como foco a produção diferencial ou desigual do
espaço no contexto de cada região geoeconômica, admitindo que as disparidades
(econômicas, tecnológicas, sociais) inter-regionais e intra-regionais cooperam no sentido de
trazer uma leitura fornecedora de elementos para se pensar a ordenação territorial brasileira.
Um ponto importante a ser ressaltado neste trabalho foi o viés pelo qual se deu a
visualização das diferenciações regionais no Brasil, mediante a utilização de imagem de
satélite geradora de luzes noturnas. Trata-se de geração de informações específicas de satélites
de tecnologia estadunidense, que cabe ressaltar, são produzidas para atenderem aos propósitos
do Departamento de defesa dos E.U.A.
Não obstante, constituiu-se em uma ferramenta relativamente recente que tem sido
cada vez mais utilizada para pesquisas científicas, por demonstrar potencial na captação de
luzes artificiais, oriundas principalmente das áreas urbanizadas do território. Ela se torna mais
recente ainda quando se fala em sua apropriação para pesquisas no Brasil. Kampel (2003, p.
24) faz menção à utilização das imagens noturnas do referido satélite no território nacional no
ano de 1999 com o trabalho de Miranda, pesquisador que se utilizou desse recurso visual para
estudar a presença da urbanização na Amazônia Brasileira, através de pontos luminosos
espalhados pela floresta.
Essas imagens, para os devidos fins deste trabalho, servirão como base para se
refletir sobre a ordenação do território brasileiro, na medida em que representam a
concentração diferencial e, portanto, a densidade e a rarefação das luzes em determinadas
áreas do país. Serão empregadas como uma forma de linguagem, num esforço de associar a
disposição das luzes com a questão da centralidade ou das inúmeras centralidades no território
(pois não há uma única forma de centralidade, e a distinção de escalas o confirma). E ainda
serão confrontadas com as noções de “espaços opacos” e “espaços luminosos”, extraídas de
Santos (2002), cujo sentido pode ser apreendido somente de forma parcial na referida imagem
orbital de pontos luminosos.
A despeito de se tratar de um estudo monográfico, faz-se necessário esclarecer
que o presente trabalho terá um caráter mais panorâmico, conforme compreende Eco (2000),
principalmente no que diz respeito à sua escala de análise, isto é, ao seu recorte espacial, por
meio de uma análise do quadro geral da distribuição das áreas luminosas e opacas no território
brasileiro.
As discussões não ficarão restritas à escala local ou microrregional, exceto na
ênfase que será dada (de forma dissolvida no texto) a alguns casos de centros regionais
representativos da centralidade territorial. E é nesse sentido que este trabalho de conclusão de
curso de bacharelado em Geografia não é rigorosamente monográfico, no sentido da
enumeração exaustiva dos elementos passíveis de serem apreendidos a partir de um recorte
geográfico restrito em termos de área. Em outras palavras, sempre que se recorre à escala
pequena, na perspectiva da representação cartográfica, perde-se em termos de detalhamento
daquilo que Milton Santos (1996) chama de “rugosidades” ou demais elementos físicos da
paisagem, mas que é compensado pela possibilidade de estabelecer os elos explicativos
inerentes a abordagem reticular, pautada no que Raffestin (1993) chama de nodosidades.
No estudo da ordenação territorial brasileira, a questão da escala de análise ganha
interesse particular, uma vez que há centros urbanos, as referidas nodosidades, capazes de
polarizar grandes áreas de seu entorno, enquanto há outros que não possuem ao menos uma
base produtiva capaz de suprir a demanda de sua hinterlândia mais imediata. Mas fazer um
recorte que corresponda à visualização ou apreensão do fenômeno que se quer destacar pode
ser um exercício muito complexo. Afinal, como delimitar uma escala que dê conta de mostrar
quais as regiões de influência de metrópoles que, direta ou indiretamente, se fazem presentes
em grandes extensões do território brasileiro, como são, por exemplo, os casos do Rio de
Janeiro, de Curitiba, de Salvador, e especialmente da cidade de São Paulo?
A questão a se colocar é que nestes tempos de globalização dos mercados e de
produção de um meio geográfico cada vez mais imbuído de técnica, de ciência e de
informação, conectado em redes modernas, o controle ou o poder de ordenar o território
muitas vezes foge à alçada do território nacional. Isso porque embora seja o Estado que detêm
a hegemonia sobre a gestão do território, os governos que o representam não estão
desconectados dos interesses hegemônicos da sociedade, e que emanam diretamente da lógica
de acumulação ampliada do capital, a ponto de interferirem diretamente no planejamento da
funcionalidade das áreas de domínio político-administrativo.
Segundo menciona Becker (2005), há quem se posicione contra a idéia de
ordenação ou ordenamento territorial, por considerá-lo ultrapassado no contexto mundial em
que os fluxos da globalização reduzem ou impedem a ação efetiva das políticas públicas. Mas
de modo algum isso é convincente. Pois se as políticas territoriais e certas decisões estatais
parecem perder força é porque seus agentes compactuam com os objetivos das empresas e
outros órgãos privados, que aparecem como agentes expressivos na construção da ordenação e
da centralidade.
Esse imbricamento entre interesses privados e mediação do Estado fazem com
que a dinâmica de produção do território nunca seja dada por concluída, antes, constitua um
processo contínuo, já que os objetivos, os sujeitos e os mediadores estão em permanente
conflito, refletindo-se nos arranjos territoriais.
Com base nestes pressupostos, buscamos nos espaços luminosos do território
brasileiro um sentido para discorrermos sobre a ordenação e a centralidade que são
constituídas por esta lógica. Não podemos olhar a disposição das luzes sobre o território como
um fim em si, como se elas nada tivessem a ver com as grandes áreas luminosas espalhadas
pelo mundo, ou como se tão somente elas respondessem pela organização do espaço nacional.
Com um pouco de esforço, até podemos encontrar no conjunto das luzes noturnas
do Brasil um discurso consistente que sustente algumas colocações sobre a ordem espacial
interna. É o que mostra o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2001, p. 31), em
seu levantamento sobre a emergência de uma nova hierarquia urbana: “O processo de
mundialização não implica, entretanto, que deixe de existir uma estrutura hierarquizada de
relações e articulações entre os diversos centros dentro do território nacional, mas que essas
relações estão cada vez mais mediadas por novos determinantes [...]”.
Porém, se ignoramos a “invasão” das forças globalizadas e dos elementos vindos
do estrangeiro nos arranjos do território nacional, sem dúvida a análise seria incompleta. Pois
na era da Globalização, onde as relações se intensificam, não é possível pensarmos que uma
extensão territorial tão vasta como a brasileira esteja desconectada do processo que produz
luzes e, contraditoriamente, opacidades em escala mundial.
O desenvolvimento e a sistematização da presente pesquisa se divide em três
partes, onde se apresentará, no primeiro capítulo uma análise da tecnologia orbital da imagem
de luzes noturnas, e que é tomada como ferramenta ou como recurso visual que propicia uma
forma de linguagem por meio da qual delinearmos os procedimentos metodológicos e as
considerações iniciais na busca de uma conexão destas informações do território brasileiro
com o trato da ordenação e da centralidade no espaço.
No segundo capítulo, a ênfase será dada às variáveis histórico-econômicas, bem
como às transformações técnicas recentes, que em seu conjunto são responsáveis pela gênese,
evolução e constituição do espaço nacional, que se manifesta na fixação das luzes no território
brasileiro, e que permite evidenciar a construção de uma dada centralidade.
As diferenciações regionais e intra-regionais a partir dos espaços luminosos e da
opacidade são assuntos do último capítulo, sendo este também o momento do trabalho onde
estão abordados os elementos que condicionam a leitura da ordenação espacial peculiar a cada
porção do território brasileiro, admitindo-se que este se divide em três grandes regiões
geoeconômicas, representados pelo Centro-Sul, pelo Nordeste e pela Amazônia.
Com isso queremos representar de forma mais elaborada o que está implícito ou
indiretamente presente em pesquisas de cunho geográfico. Referimo-nos aos trabalhos que
contemplam questões ligadas à ordenação do espaço, aqui considerada como o objeto de
estudo que faz jus ao campo de conhecimento atribuído a Geografia.
CAPÍTULO 1
As imagens de luzes noturnas como ferramenta para a busca da compreensão
da ordenação e da centralidade no território
1.1– Sistemas orbitais e Geografia: A geração de imagens noturnas DMSP/OLS com seus
pontos luminosos
A proeminência do meio técnico-cientifico-informacional (SANTOS, 2004)
vivenciado nos dias atuais, e que já vem se desenhando em alguns territórios desde os
primórdios de sua etapa de mecanização, com o advento da primeira Revolução Industrial em
fins do século XVIII, e mais acentuadamente com o processo de informacionalização dos
mesmos após a Segunda Guerra Mundial, permitiu, na contemporaneidade, o
desenvolvimento de várias tecnologias que tornaram o mundo observável. A possibilidade de
visualização sinóptica do espaço geográfico terrestre, cada vez mais socializada e mediada por
programas de computadores, através da captação de imagens de satélites artificiais é hoje um
fenômeno sem precedentes na história da humanidade.
O “Google Earth”, por exemplo, um programa digital que permite a observação
multiescalar do nosso planeta, através de montagens de fotografias de todas as partes da Terra
captadas pelos sistemas orbitais, é mais uma opção moderna (dentre várias outras, como sites
de institutos espaciais nacional e estrangeiros, revistas eletrônicas etc) para navegação e
conhecimento dos aspectos geográficos do globo. Opção essa condicionada pelos avanços da
ciência e especificamente do aprimoramento das tecnologias de sistemas orbitais, e um tanto
reveladora da cobertura imagética do mundo via satélites.
Sobre a relevância dos sistemas orbitais para a exploração do conhecimento sobre
o espaço geográfico, Santos (2004, p. 197) considera: “Pode-se dizer que o mundo teve dois
grandes momentos, do ponto de vista de seu conhecimento geográfico. O primeiro foi dado
com as grandes navegações e o outro se dá recentemente com os satélites [...]”.
O meio técnico-cientifico-informacional constituiu uma base tecnológica que
permite olhar o mundo de um lugar, de um ângulo de visão externo a ele. Tornou possível,
inclusive, a construção do presente trabalho, cuja finalidade é produzir conhecimento
geográfico a partir de uma imagem de satélite específica que abrange uma área de observação
da extensão do território brasileiro. Daí o esforço de associação entre a Geografia e a
tecnologia orbital aqui tratada para a contribuição ao conhecimento desta Ciência.
A importância do surgimento e da evolução dos sistemas orbitais de imagens
digitais para a Geografia se faz especialmente no contexto de dispor de representações que
cobrem grandes porções do território, ao mesmo tempo em que revela a materialidade do
mesmo. Castillo (1999, p. 77) frisa o quão inovadora foi para a Geografia a disposição de
imagens digitais de sensoriamento remoto para o conhecimento do território: “Antes mesmo
do lançamento do primeiro satélite de observação da Terra, já se vislumbrava como uma
revolução na Geografia a possibilidade de contar com o imageamento orbital, com intuito de
abranger extensas áreas de uma só vez, permitindo uma visão de conjunto [...]”.
Não só pela cobertura de áreas que expressam representações sinópticas da Terra
ou pela sobreposição multiescalar das partes do globo que se mede a importância e o avanço
dos sistemas orbitais para a Geografia. Também a variedade de temáticas com que se conta na
atualidade, em decorrência da especificidade de satélites artificiais para a geração de dados
peculiares, nos trazem alguma idéia da diversidade de seu uso para análises de fenômenos no/
sobre o território.
Grosso modo, Castillo (1999) distingue dois grupos de satélites, sendo um deles
para fins militares e outro para uso civil. Dentre aqueles com finalidades civis, temos
sensoriamentos específicos para observações climáticas, meteorológicas, ambientais, para
estudos da evolução das manchas urbanas etc. E entre tantos outros, há também um grupo de
satélites geradores de luzes noturnas, que interessam particularmente a esta pesquisa. Trata-se
do sistema orbital estadunidense DMSP/OLS, do qual Kampel (2001, 2003) vem se utilizando
em seus trabalhos para detectar a presença da urbanização e da distribuição espacial das
ocupações humanas na Amazônia Brasileira. A referida autora descreve os fundamentos deste
programa de sensoriamento remoto, que utilizaremos como base para tecer algumas
considerações técnicas.
Segundo Kampel, o “Defense Meteorological Satellite Program” (DMSP) –
Programa de Satélite Meteorológico de Defesa Norte Americano, administrado pelo Centro de
Sistemas Espaciais e Mísseis da Força Aérea dos E.U.A. foi planejado, a princípio, para
observação noturna da cobertura de nuvens e previsão meteorológica. Porém, o sensor
“Operational Linescam System” (OLS), que opera o sistema para a aquisição de imagens
noturnas, ao ser potencializado por um tubo foto-multiplicador que aumentou sua
sensibilidade quatro vezes, trouxe como resultado a capacidade de detectar fracas fontes
emissoras de infra-vermelho próximo, como por exemplo as luzes das cidades, possibilitando
visão interessante da ocupação humana no espaço através da associação com as luzes
(KAMPEL, 2003, p. 19, 20).
O sensor OLS, a bordo dos satélites DMSP, apresenta características especiais
relacionadas à geração de imagens com pouca quantidade de luz, permitindo uma detecção
excelente de pontos luminosos noturnos, como as queimadas e as cidades, além de manchas
claras, como as nuvens (KAMPEL, 2001, 2003). No entanto, essas imagens noturnas recebem
tratamento digital no Centro Nacional de Dados Geofísicos dos E.U.A. – “National
Geophysical Data Center (NGDC).
Um dos produtos gerados pela NGDC é a imagem-mosaico, resultante da
composição de cenas DMSP/OLS adquiridas em várias datas. Esta imagem permite a
eliminação das áreas com cobertura persistente de nuvens e a distinção de eventos
temporários, como focos de incêndios e relâmpagos, das luzes produzidas por fontes estáveis,
como aquelas emitidas pelas cidades (KAMPEL, 2003, p. 21). Com tal procedimento, fica
resolvido o problema das luzes efêmeras, eliminadas da imagem de luzes noturnas.
1.2 – Possibilidades de leitura geográfica do território mediante a tecnologia geradora das
imagens de luzes noturnas.
O papel das representações gráficas tem assumido importância crescente no atual
contexto da produção do saber geográfico. Considerando a diversidade de representações e
modelos com arranjos gráficos que contém informações passíveis de serem lidas
geograficamente, afirmamos que o presente estudo, baseado em imagens digitais de luzes
noturnas, tem a pretensão de contribuir no sentido de ser mais uma possibilidade de se extrair
conhecimento relativo ao espaço geográfico.
O recorte espacial contido na imagem, ou seja, o território brasileiro pode ser
cognoscível e consequentemente inteligível por meio da análise da distribuição das luzes. A
cognoscibilidade é inerente à imagem, pois diz respeito àquilo que, através dela, pode ser
conhecido ou que se apresenta ao pensamento, e nesse caso, trata-se de extrair conteúdo
geográfico. A inteligibilidade corresponde à fase analítica, momento em que se impõe um
conhecimento racional, uma interpretação que tem como ponto de partida a formulação de
idéias e informações com auxílio de uma dada imagem.
Uma representação noturna com pontos luminosos sobre o território, conforme
exposto na figura 1, pode suscitar diferentes abordagens. Há várias possibilidades de se ler a
imagem de luzes noturnas aqui aludida. Sua intervenção tornaria realizável, por exemplo, um
panorama da rede urbana ou de sua distribuição irregular sobre o território. Outro objeto de
investigação se daria com um quadro geral da concentração das atividades e da ocupação
humana nas áreas luminosas de um país qualquer. A regionalização do espaço através do
consumo de energia ou mesmo um discurso sobre o desenvolvimento regional desigual,
considerando que a densidade das luzes do conjunto de centros urbanos correspondam a uma
densidade de consumo de energia elétrica, seriam duas temáticas pertinentes às imagens
DMSP/OLS. Assuntos relativos à identificação de áreas conurbadas, de possíveis metrópoles
ou da alocação de pequenos núcleos urbanos isolados, enfim, de uma gama de arranjos e
ocupações espaciais pautadas na observação da concentração-dispersão das luzes em dada
extensão territorial, não esgotariam a criação de um rico temário que possibilitasse diversas
leituras geográficas.
Figura 1 – luzes do território brasileiro captadas por imagem digital do satélite DMSP durante a noite Fonte: http://www.geocities.com/sks_alnitak/astro/pl.html
Os apontamentos que Kampel (2003, p. 23-24) faz sobre o histórico da utilização
das imagens do satélite DMSP traz alguma idéia dos diferentes propósitos aos quais as
imagens digitais de luzes noturnas serviram. Desde o mapeamento de áreas urbanas nos
E.U.A. ou a identificação da presença de aglomerações em áreas florestadas no Brasil,
passando pelo estudo de padrões de crescimento das luzes noturnas na China (leia-se
expansão do perímetro ou da malha urbana das cidades), até um levantamento da distribuição
populacional em escala global (além de outros trabalhos), são indicativos de que as
representações geradas por este sistema orbital foram aplicadas em diferentes pesquisas para
fins variados.
A forma de direcionar o olhar (geográfico) sobre a imagem também é um ponto a
ser destacado, pois o modo de observação, nas palavras de Moreira (2006, p. 168), por si só,
pode engendrar sobre o território, análises diferenciais:
Se o olhar fixa o foco na localização, um ponto impõe-se aos demais e a localização arruma o plano da distribuição por referência nesse ponto. Se o olhar abrange a diversidade da distribuição, então é a distribuição quem arruma por igual o plano das localizações. O olhar focado na localização dimensiona a centralidade. O olhar focado na distribuição dimensiona a alteridade.
Num trabalho em que se busca, na perspectiva da representação DMSP/OLS,
retratar a polaridade que o maior volume de pontos luminosos deixam transparecer para uma
discussão sobre a ordenação territorial, em associação com o espraiamento das luzes, tanto o
olhar convergido na localização quanto aquele firmado na distribuição, não devem, de modo
algum, se desvincular entre si.
Mas a centralidade de certos espaços exige que se dê aos mesmos dispendiosa
atenção, e isso muitas vezes em detrimento de toda sua região imediata. Exerce-se aquilo que
Raffestim, Racine e Ruffy (1983) chamam de “esquecimento coerente”, por que torna-se
natural, por um momento, que se exclua do recorte escalar toda a área que compreende a
hinterlândia, já que esta não é possuidora do mesmo poder de atração.
No entanto, a própria idéia de um espaço centralizador já pressupõe que se pense
numa zona de influência deste espaço. É nesse momento que, necessariamente, impera o olhar
que dimensiona a alteridade sobre um certo plano de localidades, buscando, numa dimensão
geográfica maior, o conjunto das relações, das dinâmicas, dos fluxos e das trocas que
constroem uma organização regional, estabelecendo, portanto, uma ordem espacial.
Desse modo é que, num esforço de originar mais uma possível estruturação
teórico-metodológica que faça jus ao saber geográfico, se recorrerá a uma leitura conjunta dos
dois olhares, inspirados em Moreira (2006, p. 167), qual seja, fazendo com que “o exercício
da localização leve à distribuição, e esta, por sua vez, à extensão do sistema de pontos,
gerando uma alteridade de localidades que integrem o espaço”.
Há ainda outros fatores que alargam as chances de leitura das imagens de luzes
noturnas. A visão de mundo ou a concepção de construção do espaço geográfico possibilitam
direcionamentos peculiares à leitura da imagem, e, portanto, do território nela contemplado.
A despeito das mais diversas compreensões ou pontos de vista acerca da
configuração do espaço, dado o contexto da globalização, cujo sistema tem afirmado o
capitalismo como força hegemônica, produtora de uma lógica que tem moldado e
reconstruído o território, fica nítido que o materialismo histórico seria um ponto de partida
interessante e apropriado para fundamentar algumas reflexões e para tornar inteligível uma
interpretação que aborde o sentido das luzes se disporem da forma como estão no território
brasileiro. Afinal, estamos falando de um território que esteve historicamente ligado a um
sistema produtivo que o delegou a função de sua condição de fornecedor de matéria-prima
para alimentar o circuito econômico capitalista europeu, conforme explicam Prado Junior
(1970) e Furtado (1977).
Todavia, há outras lógicas, que não a estritamente capitalista, também criadoras
de inúmeras possibilidades de leitura geográfica do território, a partir do fenômeno desenhado
na representação de luzes noturnas do satélite DMSP/OLS.
1.3 – Limitações da imagem DMSP/OLS para análise da ordenação territorial e da
centralidade no espaço brasileiro
Intermediar uma imagem qualquer entre um observador que procede na busca de
um fenômeno não diretamente observável na representação, como é o caso das dinâmicas
ordenadoras e centralizadoras de um dado espaço, conduz à necessidade de se determinar que
espécie de desafios uma disposição gráfica, como a gerada pelo sistema DMSP, impõe nesse
trajeto entre o sujeito e a busca de seu objeto. Por isso, é importante tecer algumas
considerações acerca das limitações e das pertinências que o uso dessa figura de pontos
luminosos pode provocar nas articulações e análises geográficas em questão.
Há, por exemplo, fatores ligados à própria formação digital dessa imagem de
satélite, cujo sistema sensorial capta certas luzes que não correspondem, em exato, ao
tamanho real do perímetro urbano que seu foco de luz representa. Isso decorre dos pixels
geradores da imagem digital, que capturam os efeitos reflexivos e expansivos que a
luminosidade provoca em certas condições físicas e entre aglomerações conurbadas.
No entanto, há limitações de outros gêneros, como aquela causada pela
interpretação da aparente semelhança de uma materialidade expressa na forma de ponto
luminoso. O que poderia ser cognoscível na imagem DMSP/OLS quando a olhamos, senão a
dispersão e o tamanho desigual dos focos de luz? Há somente duas variáveis que chegam aos
sentidos de um analista: a claridade dos pontos de luz e a opacidade da base territorial.
Fica esclarecido, nas palavras de Castillo (1999, p. 42), a função apenas
mediadora das imagens orbitais: “Os satélites proporcionam um conhecimento técnico e
pragmático do mundo. Seus atributos, porém, não servem para explicar a geografia”. Ou seja,
ainda que uma variável maior de elementos contidos no território brasileiro fossem mostradas,
o raciocínio geográfico competiria, de igual modo, ao executor da análise.
O volume e a composição desta materialidade opaca e luminosa, e o sentido
geográfico relacional e de localização espacial dessas áreas, conteúdo heterogêneo não
mostrado nesta representação, é que precisa ser subsidiado por uma literatura que desvele os
fluxos e fixos (SANTOS, 2004) do território brasileiro, a fim de fornecer os dados para a
contextualização da ordem e da polaridade no espaço nacional.
Nisso fica aqui implícito parte do procedimento metodológico que torna viável a
construção da presente pesquisa. A inserção dos dados geográficos associados às luzes, à
ordem e à centralidade, são extraídos da bibliografia, já que a diversidade de elementos do
espaço nacional está dissolvida nesse conjunto de luzes noturnas e na área territorial
escurecida, e que são considerados sinteticamente nas análises empreendidas.
Associar fenômenos que pressupõem mobilizações espaciais, aliando-as a uma
imagem que, pela sua estaticidade, não pode mostrá-las em sua complexidade, é um labor que
requer cuidados procedimentais. Qualquer representação impressa terá a imobilidade como
fator limitante à Geografia, já que o espaço, objeto desta Ciência, é dinâmico. Através de
movimentos e deslocamentos, o espaço se reordena e pode criar (re)centralizações, ou as
reforça sob diversas circunstâncias. E a imagem registra apenas um momento desse arranjo
que já não será estável no momento seguinte.
Por outro lado, o “congelamento” pode ser adequado por apreender uma etapa do
processo, exibindo um resultado geograficamente compreensível e passível de inferências.
Essa é a dialética da relação “imagem estática – espaço dinâmico”, onde um território que se
refaz continuamente converte-se num resultado (ainda que parcial), imobilizado pela imagem.
1.3.1 – Os efeitos dos pixels formadores da imagem DMSP/OLS
Um pixel é o menor ponto que forma uma imagem digital. O conjunto de milhares
de pixels formam-na por completo. Sendo os pixels pequenos elementos sensíveis à luz,
compostos em uma placa sensora (de diodo) sob a câmara orbital do sensor remoto, possuem
função de gravar as tonalidades e as cores que o atingir. No entanto, em se tratando do sistema
OLS, fabricado para operar à noite e fotografar focos luminosos, ocorrem alguns efeitos de
expansão das luzes de certos centros urbanos, fazendo com que, por exemplo, a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) seja contornada por um espaço luminoso maior que
a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), que sabemos ser mais extensa que a primeira
(conforme mostra a figura 3 da página seguinte).
Kampel (2001, p. 13) sistematiza alguns desses efeitos introduzidos na imagem
DMSP. O efeito de “expansão de bordas” seria, segundo esta autora, um caso típico de
tratamento digital desta representação, através de uma mosaicagem, que resulta de várias
cenas de diferentes datas. Em muitas situações, a localização geográfica dos pixels de borda
da imagem-mosaico pode sofrer variação de uma cena para outra, ocasionando a expansão do
limite real do foco de luz, delimitando uma mancha urbana branca pouco maior do que o
perímetro urbano em suas medidas reais.
A “contaminação” é um nome dado a outro tipo de efeito dos pixels. Neste, as
fontes luminosas próximas podem ser unidas e apresentarem focos maiores. Isso é comum
entre aglomerações urbanas vizinhas e em regiões metropolitanas.
Um terceiro e último efeito, chamado de “borramento”, se dá em condições físicas
locais específicas, em que as luzes de uma cidade próxima de corpos hídricos se refletem
sobre os mesmos e extravasam. Qualquer superfície ou lâmina d’água terá, na imagem, a
propriedade de refletir parte da luz de áreas urbanizadas e situadas nas margens de rios, na
orla marítima, próximas de barragens, de lagos, enfim, produzindo focos maiores nestas
fontes emissoras.
Por isso, sempre que comparamos Brasília e Goiânia com este recurso visual
notaremos que o espaço luminoso da capital federal, por sofrer efeito de “contaminação” das
cidades vizinhas e de “borramento” de seu lago artificial, fica bem maior que o da capital de
Goiás (conforme mostra a imagem DMSP na figura 8 da página 48), apesar desta possuir
população expressivamente maior e perímetro urbano com área muito superior à de Brasília.
A região do Vale do Paraíba também apresenta situação interessante na imagem.
A linearidade e a relativa proximidade das cidades desta área seguem paralelas ao curso do rio
Paraíba. As luzes emitidas pela concentração da atividade industrial espalhada pela rodovia
que interliga as cidades, contribui para gerar nesta área uma “tracejada luminosa”, unindo
numa linha contínua centros urbanos como Jacareí, São José dos Campos, Caçapava, Taubaté,
Pindamonhangaba, Roseira, Aparecida, Guaratinguetá, Lorena etc (figura 2).
Figura 2 – Imagem do satélite DMSP captando os espaços luminosos no eixo Rio- São Paulo Organizado por Osvaldo C. P. Neto
Figura 3 – Imagens do complexo metropolitano no eixo Rio de Janeiro – São Paulo captadas pelo satélite Landsat mostram a proporção entre as dimensões das duas maiores regiões metropolitanas
Rio de Janeiro
São Paulo
Observando na figura 2 as duas metrópoles nacionais, São Paulo e Rio de Janeiro,
vê-se uma área luminosa um pouco mais avantajada na capital fluminense e em sua região
metropolitana, que no caso desta imagem, são atingidas principalmente pelo efeito de
borramento. A condição de grande cidade litorânea potencializa a reflexão da luz nas águas do
mar, a ponto de “engolir” a baía de Guanabara, unindo o Rio de Janeiro a Niterói. O aumento
da área luminosa acrescentada na região da Grande Rio torna-se nítido quando comparamos a
diferença entre o tamanho dos dois maiores aglomerados urbanos nas figuras 2 e 3, sendo a
última figura mais fidedignas à proporção entre ambas as regiões metropolitanas.
Portanto, tentar estabelecer uma relação direta, com base na imagem DMSP, entre
a centralidade e o volume de luz, entendendo tal associação como lei irrevogável pode ser, em
alguns casos, uma medida equivocada, por conta, entre outras coisas, da visualização e dos
efeitos expansivos dos pixels sobre os focos de luz. É sabido, e a literatura há tempo vem
mostrando, que a RMSP adensa em seu espaço grande conjunto de agentes hegemônicos de
expressão, além de força econômica e da capacidade produtiva superiores à situação
encontrada na RMRJ, enfim, de elementos que dotam, inquestionavelmente, a capital paulista
de um poder centralizador maior.
1.3.2 – Luzes, opacidade, forma e essência: aparências e significado.
Embora haja um número praticamente incontável de pontos luminosos, clareando
de modo heterogêneo a superfície escura do Brasil (fig. 1), dando aparência de
territorialização desigual, há ainda outra informação, de natureza também quantitativa, que
pode ser extraída da representação DMSP/OLS, que é a comparação do tamanho da área
desses espaços portadores de luz. São esses dados ou informações visuais, espacialmente
desproporcionais, que nos permitem falar de “territórios mais luminosos e menos luminosos”
(ou mais opacos) dentro de uma geografia brasileira muito desigual.
A produção capitalista do espaço, segundo a concepção de vários autores
(HARVEY, 2005; SANTOS, 2002, 2004; CORRÊA, 1994, 2001) é de conseqüência
propositalmente diferenciada, sobretudo em termos de desenvolvimento e de distribuição das
estruturas materiais. Goettert (1999, p. 21) notifica que “O capital expande-se para reproduzir-
se contínua e ampliadamente, realizando-se cotidianamente e produzindo o espaço à sua
própria imagem”. E diga-se de passagem, que se trata de uma imagem onde a lógica desse
aspecto disperso-concentrado da luminosidade territorial brasileira é coerente com a atuação
capitalista desigualmente distribuída no espaço, ora privilegiando “certas luzes”, ora outras,
ora gerando novos espaços luminosos, ora ofuscando outros.
Tal movimento impossibilita qualquer idéia de equidade. E de fato, Corrêa (1994,
p. 67) concorda, ao esclarecer que: “A homogeneização completa do espaço não é compatível
com o capitalismo: a dinâmica contraditória da acumulação suscita diferentes territórios [...]”.
Também lemos em Lencioni (2003, p. 41, 42) que: “Embora o espaço tenda à
homogeneização, ele apresenta diferenças. Essas diferenças são como fragmentos que
testemunham resistência ao processo de homogeneização [...]”.
As formas luminosas, com a variedade de tamanhos indicados na representação de
luzes noturnas, que é, em parte, resultante de um histórico de cerca de cinco séculos dessa
atuação capitalista no território, leva-nos a inquirir o que há de conteúdo, de elementos
significativos nessas aparências reluzentes que dão a muitas delas poder de centralidade e
papel singular na ordenação territorial.
Percebe-se, nesse pontilhado luminoso, uma diversidade de formas, de tamanhos
que, por si só, nos dariam apoio para falarmos em graus de luminosidade. Isso do ponto de
vista de uma aparência revelada em proporções quantitativas de volumes brancos. Mas
comparar o grau de centralidade entre as luzes noturnas apenas pela variável tamanho não nos
fornece resposta satisfatória acerca de seus potenciais polarizadores.
Compactuamos com a posição de Santos (2002, p. 99) que, em sua teorização
sobre as formas espaciais (que não deixam de valer para a escala de análise aqui trabalhada),
conclui que: “Para alcançar o conhecimento, a forma nos dá um ponto de partida, mas está
longe de nos dar um ponto de chegada, sendo insuficiente para oferecer, sozinha, uma
explicação”.
Obviamente que o tamanho tem relação com a importância econômica e com a
força política da área em questão. Mas é possível que venhamos a encontrar pontos luminosos
menores e mais centralizadores em alguns aspectos.
Cidades portuárias possuem poder de atração de longo alcance, pois seu espaço é
o elo de conexão entre as mercadorias exportadas de sua região e os produtos importados nela
consumidos ou que para lá se dirigem. Para ela convergem e divergem fluxos que podem
atribuir-lhe posição primaz, mesmo sendo vizinhas de centros maiores. Em torno de
Blumenau, toda a região do Vale Europeu, em Santa Catarina, é organizada. Todavia, sobre a
esfera de sua vizinha Itajaí, núcleo urbano menor, de função portuária, praticamente aflui
mercadorias de exportação de todas as partes deste estado sulista.
Há outros casos em que a centralidade tem muito a ver com a especialização ou
com funções específicas de um centro urbano do que necessariamente com a dimensão de seu
tamanho. Cidades turísticas são exemplos interessantes. A projeção regional, e por vezes até
nacional, de centros turísticos como Parati (RJ), Campos do Jordão (SP) e Caldas Novas (GO)
não se relaciona aos seus respectivos tamanhos ou contingentes populacionais que, diga-se de
passagem, são desprezíveis, mas sim à sua atratividade ou potencial de oferecer lazer e
serviços específicos.
Certos elementos alocados em alguns espaços urbanos são determinantes para
atrair fluxos de pessoas, de mercadorias e de capital, e impõem algum tipo de polaridade. A
diferenciação funcional das cidades (e não apenas sua dimensão populacional ou área urbana)
é um dado essencial na ordenação espacial de um território.
A maneira de relativizar o grau de luminosidade (centralidade) das luzes noturnas
do satélite DMSP/OLS é estudando o que há no interior das mesmas. Elas demonstram um
aspecto quantitativo aparente na representação digital. Mas os aspectos qualitativos referentes
ao conteúdo geográfico não podem ser verificados em escala tão genérica. Nesse sentido, a
forma não responde pelo conteúdo.
A título de exemplo, a figura 4 (próxima página) destaca espaços luminosos de
medidas semelhantes entre as Regiões Metropolitanas de Salvador, de Belo Horizonte e de
Porto Alegre. São três áreas luminosas que apresentam dimensões próximas, de acordo com a
referida imagem. Entretanto, o contexto sob o qual cada uma delas se formou, a inserção no
espaço-tempo do território brasileiro, bem como a estrutura econômica e o desenvolvimento
diferencial do meio técnico-científico-informacional, são dados conteudísticos peculiares às
suas respectivas (re)produções espaciais. Trata-se de três fragmentos do território
absolutamente distintos entre si, apesar da mesma posição de metrópoles nacionais no
contexto da hierarquia urbana. Na essência é que se diferenciam aparências igualitárias.
Numa das afirmativas de Santos (1997, p. 58) lemos que “[...] nenhum lugar pode
acolher nem todas nem as mesmas variáveis, nem os mesmos elementos nem as mesmas
combinações. Por isso, cada lugar é singular, e uma situação não é semelhante à outra”.
O mesmo vale para os espaços opacos do território. O conteúdo geográfico e o
grau de importância podem ser equiparados em todas as áreas do país? Evidente que não.
Sobre estas áreas, diferentes níveis de tecnificação são empregados nas atividades
agropecuárias. Além disso, o potencial natural de vegetação e mineral são nelas distintos,
disponibilizando recursos e propiciando atividades exploratórias as mais diversas.
Figura 4 – Espaços luminosos formados pela mancha urbana das Regiões Metropolitanas de Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Organizado por Osvaldo C. P. Neto.
Embora a escala e as formas gráficas desta imagem orbital impeçam qualquer
leitura específica da essência desses pontos luzentes, há uma leitura pertinente que está na
associação do tamanho ou da extensão (em área) com a diversidade de elementos e a
complexidade de relações. Faz parte da lógica do raciocínio espacial contar com uma rica
multiplicidade de objetos geográficos numa metrópole, comparando-a a um minúsculo ponto
luminoso indicativo de uma pequena cidade.
Corrêa (1996, p. 69) nos dá uma visão de metrópole que, sob hipótese alguma,
pode ser traduzida como uma versão maior de qualquer cidadezinha tradicional. Esse autor
nos coloca que o espaço metropolitano possui funções típicas, sendo sede de um conjunto de
instituições estatais de vários níveis de governo, além de empresas e conglomerados
financeiros privados nacionais e estrangeiros, que geram uma gama de conexões não
reprodutíveis em centros menores. A produção do espaço urbano não se assemelha, diante das
Salvador
Belo Horizonte
Porto Alegre
desproporções aqui colocadas. Afinal, não faz sentido falarmos em sub-centros, ruas
especializadas em determinados serviços, concentração bancária ou multifuncionalidade
urbana em cidadelas sem, muitas vezes, conhecermos a base produtiva estabelecida.
E ainda que Lencioni (2003, 2004), recentemente, venha desenvolvendo trabalhos
que apontem para um processo que a autora chama de “metropolização do espaço” (sendo
este indicativo de que certas porções do território passam a incorporar características até então
exclusivas da região metropolitana), não é possível compararmos qualquer cidade média
contendo tais tendências metropolitanas à multiplicidade de situações encontradas numa
capital metropolitana de grande extensão geográfica.
A proporção e a concentração possuem estreita relação com a diversidade. As
grandes luzes captadas pela imagem DMSP que encontramos no território brasileiro,
favorecem condições de centralidade por conta do acúmulo de ações e objetos técnicos ali
concentrados (SANTOS, 2004). A lógica do raciocínio espacial aponta para este caminho.
1.4 – O “opaco” e o “luminoso” no conceito miltoniano, na representação da imagem
DMSP/OLS e na construção da idéia de centralidade no espaço.
“Espaços opacos” e “espaços luminosos” são dois dos principais conceitos
utilizados na presente monografia. “Opaco” e “luminoso” estão adjetivando o vocábulo
“espaço”. Ora, a conceituação desse espaço, vital para a Geografia, é produzida sobre lentes
que o diferenciam por conjunto de objetos e de ações que o tornam “luminoso” ou “opaco”.
Milton Santos é o parâmetro para esta discussão, por apreender o espaço a partir dessas
noções. No entanto, sua construção conceitual de espaços opacos e espaços luminosos não
será tomada neste trabalho tal como o referido autor coloca; exatamente pela inviabilidade ou
dificuldade em ligá-la por completo ao fenômeno das luzes e das “sombras” geradas na
imagem DMSP.
Na concepção de Milton Santos, a idéia de luminosidade distingue um espaço de
modernizações tecnológicas de um outro, onde tais condições não imperam, sendo este
segundo símbolo da opacidade:
Chamaremos de espaços luminosos aqueles que mais acumulam densidades técnicas e informacionais, ficando assim mais aptos a atrair atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização. Por oposição, os subespaços onde tais características estão ausentes seriam os espaços opacos. (SANTOS, 2002, p. 264)
Na perspectiva miltoniana, os espaços luminosos seriam aqueles bem servidos por
redes informacionais, telecomunicações, transportes e dotados de uma infra-estrutura que
corresponda aos propósitos das grandes empresas: “Os espaços luminosos, pela sua
consistência técnica e política, seriam os mais susceptíveis de participar de regularidades e de
uma lógica obediente aos interesses das maiores empresas” (SANTOS, 2002, p. 264).
Trata-se de um espaço cuja “iluminação” é compreendida do ponto de vista dos
interesses do capital, onde os agentes hegemônicos (multinacionais, conglomerados
financeiros) encontrariam condições produtivas instrumentais para imporem suas regras.
Os espaços opacos, onde as modernizações não chegam, se situariam nos
interstícios dessas redes tecnológicas-informacionais. São “símbolos da opacidade”
exatamente por não atenderem as expectativas de um meio atrativo aos investimentos
capitalistas e nem à sua lógica racional produtiva. Constituir-se-iam, nas palavras de Santos,
em espaços da “contra-racionalidade”, tornados irracionais para usos hegemônicos, por conta
de sua incapacidade de subordinação completa às racionalidades hegemônicas (SANTOS,
2004, p. 309).
Todavia, a idéia de espaço luminoso utilizada nesta pesquisa tem a ver com uma
luminosidade do ponto de vista da centralidade que tais áreas portadoras de luz, ilustradas na
imagem DMSP/OLS, engendram sobre sua hinterlândia. Ora, uma área central pode ser
medida pelo poder ordenador de seu espaço geográfico, gerador de fluxos que se dão sobre
uma região, a partir da influência de elementos reunidos numa situação tal que ocasionem
atratividade a outros elementos externos, refletindo, assim, sua “luminosidade” e imprimindo
uma ordem que circunscreve uma dada extensão polarizada. E neste sentido, nem todos os
focos de luz da representação seriam, de fato, um espaço luminoso.
Literalmente, os focos captados na imagem noturna do território brasileiro,
mediante sensoriamento remoto, são oriundas da iluminação gerada pela energia elétrica que,
segundo Kampel (2001, p. 24), as áreas urbanas emitem. São espaços que coincidem com a
noção de centralidade, na medida em que o urbano reúne um conjunto de forças que o
interconectam à outros subespaços (agrários, mineiros, de extração florestal, povoados e
vilarejos etc) e os organizam sob sua égide. Moreira (1999, p. 39), afirma que os espaços da
urbanização hegemonizam o espaço rural, regional e nacional. Dirá mais tarde que: “[...]
Diante de um espaço transformado numa grande rede de nodosidade, a cidade vira um ponto
fundamental na tarefa do espaço de integrar lugares cada vez mais articuladas em redes”
(MOREIRA, 2006, p. 162).
Em parte, esse mesmo espaço urbano, “iluminado”, também corresponde à
“tradução” miltoniana de luminosidade, se concordamos com a assertiva de que são as
cidades (ou ao menos certas áreas dela) os espaços a receberem adensamento de infra-
estruturas de toda sorte para que as empresas se estabeleçam. E são exatamente nestes centros
urbanos (obviamente que não em todos) que a técnica, o poder político e as forças econômicas
majoritárias se encontram e unem-se para subordinarem os espaços opacos, causando,
inclusive, o fenômeno da centralidade.
Esse raciocínio permite, até certo ponto, um diálogo entre o significado do opaco
e do luminoso em Milton Santos, na figura de luzes noturnas e também nas reflexões acerca
das áreas centrais de um território. Porém, de forma alguma é possível associá-los por
completo. Pois nem toda rede de cidades exibida na imagem possui as condições de
luminosidade que seja sinônimo de adensamento tecnológico-informacional atrativa ao
capital. Tão pouco todas são capazes de criar centralidades que determinem uma região de
influência. Mas ao contrário, muitos desses núcleos são “pontos luminosos que abrigam
também atividades menos luminosas” (SANTOS, 2002, p. 294).
Além do mais, este autor também nos fala de um “outro” urbano que em nada
lembra a “luz” da modernidade e das redes informacionais, por ser lugar de moradia da classe
pobre (SANTOS, 2004). Parte do espaço urbano abrigaria, digamos, “faces opacas”, se
considerarmos em tal conotação o ponto de vista das desigualdades socioeconômicas
materializadas no território.
Outra cautela a ser tomada é que, nas teorizações de Milton Santos, lemos que não
apenas as grandes cidades se apresentam como o império da técnica, mas essa “invasão” tem
incluído, hoje, o mundo rural (2004, p. 238, 239). De fato, não são poucas as áreas agrícolas e
pecuárias modernizadas ou em fase de modernização. Em muitas delas nota-se a presença de
um conjunto de ações e de objetos técnicos manifestados numa paisagem que, nem de longe,
lembram aquele cenário rural tradicional de décadas atrás. Isso significa dizer que se o meio
técnico moderno é um fator de luminosidade presente nos centros urbanos e em certas regiões
campesinas, fica difícil refletir tal idéia na visualização das luzes noturnas que destacam como
áreas opacas aquelas não compreendidas no perímetro urbano.
CAPÍTULO 2
Panorama das luzes e da centralidade no território brasileiro
2.1- Formação do território brasileiro e constituição dos espaços luminosos
Os primórdios da formação do território brasileiro coincidirão, em seus três
primeiros séculos (do XVI ao XVIII) com a consolidação de um sistema capitalista
fundamentado nas trocas comerciais e calcado na acumulação de metais. Coincidirão ainda
com o momento de transição do capitalismo comercial para o capitalismo industrial,
notadamente na segunda metade do século XVIII.
As potências européias, especialmente a Inglaterra, vivenciavam, nesse período,
uma fase de inovações técnicas (descobertas de novas fontes de energia, de matérias-primas,
invenções de maquinários) que eclodiriam num processo produtivo mais eficiente. Sob a
bandeira do sistema capitalista em plena expansão é que, paulatinamente, assiste-se à
internacionalização dessas técnicas de produção maquinofatureiras que chegam ao Brasil de
forma marcante a partir do século XIX. É o início da mecanização dos principais centros
urbanos do território nacional.
Do período colonial ao republicano, passando pelo regime imperial, novas
aglomerações urbanas se formavam à cada ciclo econômico. Deffontaines (2004, p. 119) já
notificava em 1938 que há três séculos atrás o Brasil não tinha nenhuma cidade, mas naquele
ano os centros urbanos já se contavam aos milhares.
Com o advento da industrialização o fenômeno urbano se intensifica no Brasil.
Uma geração de novas cidades se formam, enquanto muitos dos velhos centros ganham novas
funções. É o que mostra Oliveira (1982, p. 38) ao relatar que as grandes cidades brasileiras,
antes concebidas como sede do capital comercial, se redefiniam como sedes do aparelho
produtivo.
Alguns desses elementos já citados nos parágrafos anteriores, tais como a técnica,
o comércio, a indústria, a urbanização acelerada, assim como os ciclos econômicos, são
fundamentais para verificarmos uma definição de funções cada vez mais nítida entre o campo
e a cidade. Os espaços luminosos se separam dos opacos por reunirem em área urbanizada,
esse conjunto de densificações técnicas, de produção industrial criadora de um setor terciário
maciço, da centralização das decisões políticas, do controle comercial que lhe dá um agregado
de funções tidas como urbanas, ou características destes subespaços. Essa produção de
espaços urbanos que ao longo do tempo foram acumulando funções cada vez mais centrais é
que formam a base da territorialização das luzes.
Interessante é a periodização proposta pelo IPEA (2001, p. 346), em que expressa
a evolução do processo de urbanização no Brasil e de sua formação territorial nas distintas
relações entre cidade e campo. Temos, de acordo com esse Instituto, uma formação territorial
primária denominada de “Escravista Atlântica” (1500-1889), em que não há separação tão
explicita entre o campo e a cidade, já que ambos desempenhavam atividades complementares
para operacionalizar a exploração agrária e mineral. A formação “Agromercantil Nacional”
(1889-1930/1945) se daria num momento em que a cidade já é o lócus de comercialização das
riquezas do campo para o mercado mundial e doméstico. Por fim, entraríamos numa fase em
que a força do urbano se confirma na formação “Urbano-Industrial” do território (a partir da
década de 1930), onde a indústria passa a determinar à lógica da acumulação endógena.
Grosso modo, vemos como o espaço vai sendo diferencialmente produzido e
como o território vai ganhando acréscimos de materialidade artificialmente construída sobre
sua base física.
Tendo como substrato o espaço brasileiro, veremos nos subitens seguintes como
as luzes da imagem DMSP/OLS, em perspectiva histórica, e de acordo com as variáveis
econômicas, conjuntamente com as transformações técnicas, foram se “ascendendo” e
iluminando várias partes do território, e que em compasso com a evolução cíclica do tempo,
ganharam conteúdo, materializando-se no território e tomando, paulatinamente, as proporções
que ora vislumbramos.
2.1.1 – Panorama espaço-temporal: primeiras luzes de um território opaco
Se abstrairmos o legado deixado pelas civilizações indígenas pré-colombianas que
habitaram a porção da América do Sul correspondente ao atual território brasileiro, e se
considerarmos a vinda de Cabral ao Brasil como o marco de um novo período, em que
assistimos desde então a colônia portuguesa sendo inserida ao movimento de expansão
européia e ao “recém-nascido” sistema capitalista, teríamos então pouco mais de quinhentos
anos de construção do espaço e da formação territorial do Brasil.
Uma nova lógica passa a dominar as terras sul-americanas a partir da posse de
Portugal, da Espanha, das invasões esporádicas de outras potências européias, (como a
Holanda e a França, que contrabandeavam no litoral de dominação lusitana); e principalmente
a partir da subordinação econômica imposta pela Inglaterra. Sob o contexto deste período das
grandes navegações européias, novos elementos adentram e passam a interagir na produção
do espaço brasileiro.
As tribos que habitavam o Brasil estabeleciam relações de outro gênero com o
território. A caça, a coleta, a plantação para subsistência, o consumo de alimentos facilmente
extraíveis do meio natural não exigiam a fixação de grandes obras de engenharia que fossem
indicativas de uma técnica impressa no solo, de forma a modificar a forma de exploração dos
recursos. Também as habitações indígenas não se pareciam nada com as fortificações
portuguesas erigidas em alguns pontos do litoral, e nem lembravam a “rigidez” de seus
núcleos habitacionais, embriões de futuras cidades.
Se houve, por parte das atividades indígenas, construções de objetos fixos
significativos para a circulação de fluxos, tal situação se deu de modo pontual no território
brasileiro. Mas a dominação política e econômica da metrópole portuguesa e também o
estabelecimento de um modo de produzir e explorar o território lucrativamente, acompanhado
de novas técnicas fixadoras de grandes engenharias, suprimiriam em grande parte a “maneira
indígena” de usar o território.
O reino de Portugal “promoveria” nas terras conquistadas uma ordenação espacial
que correspondesse aos seus interesses econômicos e mercantilistas na Europa. Daí o início de
uma contínua incorporação de novos espaços colonizados que participassem da divisão
internacional do trabalho, que destinaria à América do Sul a função de fornecedora de
produtos agrícolas tropicais e de metais às potências do além-mar.
Países como o Brasil, de passado colonial, propiciam, na visão de Moraes (2001,
p. 105) uma leitura geográfica reveladora da formação inicial do território mediante a busca
de espaços colonizáveis que justificasse a presença do dominador. [...]“A colonização em si
mesma é a conquista territorial [...]. A colônia é a internalização do elemento externo”, diz o
mencionado autor.
As características gerais, comuns a vários países europeus, como a carência de
minerais, de cereais, a existência de população e de capitais disponíveis, a remuneração do
capital mercantil, entre outras (MORAIS, 2001, p. 106), é que vão motivar essa expansão
apropriadora de terras e de recursos presentes no território colonial. Trata-se de uma difusão
formadora de uma ordem que vai se consolidando nas Américas portuguesa e hispânica,
circunscritas às necessidades do mercado europeu.
Sob a esfera da dominação portuguesa é que os primeiros ciclos econômicos se
sucederão no Brasil, ocasionando ordenações e centralidades que ascendem à medida que
novos espaços produtivos são anexados. Teríamos, primeiramente, o ciclo do pau-brasil que,
na concepção de Andrade (1987, p. 74), não contribuiu para dar nova organização ao espaço,
nem gerou pólos, por causa de sua curta duração e pelo seu caráter predatório. Mas ciclos
vindouros de longo prazo e que configurariam espaços produtivos (como a monocultura
canavieira, a pecuária extensiva, o algodão, a mineração do ouro etc) gerariam uma ordenação
territorial interna submissa aos interesses externos. Iniciariam um movimento de trocas de
mercadorias entre partes do território.
Em seu texto sobre as fases da formação espacial brasileira, Moreira (2005)
destaca o bandeirantismo e a expansão do gado como os dois vetores fundacionais da
ocupação do território. O caminho dos bandeirantes e as trilhas do gado deixaram pontos de
parada que originaram manchas de cultivos e de vilas no interior, de onde “brotariam” vários
centros de referência da ocupação e formação do território.
No Nordeste brasileiro, que a princípio dispunha de ocupação estritamente
litorânea, de economia açucareira, Deffontaines (2004, p. 127) explicita como a expansão do
gado no interior teve importante função na formação de cidades. As trocas entre o sertão seco
e o estreito litoral úmido, segundo aponta o autor, fixaram pelo caminho, etapas de gado, e a
maioria das aglomerações do sertão, naquele período, tem essa origem. Esse vetor
correspondente à atividade pecuária, praticada de forma extensiva, orientado até certo ponto
para as margens dos rios, se infiltraria em áreas longínquas e ocuparia porção territorial
expressiva.
A descoberta do ouro na região das minas, no Brasil Central, seria fato histórico
de suma importância para o encontro desses dois vetores de ocupação, vindos do Nordeste e
do Sudeste. A entrada maciça de exploradores portugueses, o emprego da mão de obra
escrava na atividade aurífera e a transferência da capital, de Salvador para o Rio de Janeiro,
fizeram com que o eixo econômico se deslocasse da porção setentrional para o centro-
meridional da colônia.
Este período foi significativo para o processo de urbanização de uma área ampla
das Minas Gerais no centro do Brasil; e indiretamente em outras regiões do país ao sul.
Segundo Deffontaines (2004, p. 123): “Também a colonização mineira se apresentou
essencialmente sob a forma de uma civilização urbana [...]. Rapidamente, a zona aurífera das
montanhas das Minas se encheu de cidades de mineiros”.
Outras manchas demográficas se formavam nos extremos norte e sul. Em sua
descrição sobre a interiorização da ocupação humana no Brasil Colônia, Prado Junior (1970,
p. 72-95) enfatiza que as vias fluviais de comunicação no norte (rio Amazonas e afluentes)
eram fator de fixação do povoador naquela região, enquanto nos campos do sul a base da
colonização estava nas estâncias de gado.
Mas foi ao sul dos centros mineradores (atual região sudeste) que a concentração
do povoamento se densificou. Com o esgotamento do ouro a região das Minas Gerais sofre
declínio. Entretanto, as circulações e fluxos entre o Centro-Sul, dinamizados durante quase
um século de atividade mineratória, fez com que as províncias de São Paulo e do Rio de
Janeiro emergissem como regiões importantes no cenário nacional. Deffontaines (2004, p.
124) notifica que: “O trabalho mineiro provocou uma ativa circulação: o transporte de metais
preciosos para a costa e o transporte para o interior dos produtos necessários aos mineiros, e
essa circulação foi por si própria criadora de aglomerações”.
A província paulista situava-se em área de entroncamento de comunicações e de
mercadorias entre o Rio Grande do Sul e as zonas mineiras. A fluminense, além de sediar a
capital do Império, era o principal ponto de contato e de escoamento de produtos para o
exterior. A partir de então serão exatamente essas as zonas mais prósperas, portadoras dos
espaços luminosos mais volumosos de todo o território.
Essa região, ao sul das minas, que ganhava novo vigor com o fim do ciclo do
ouro, seria beneficiada pelas modificações sociais e econômicas advindas da imigração de
trabalhadores europeus (italianos, alemães, espanhóis, portugueses) e com uma relação de
trabalho que, para Martins (1979) foi peculiar, onde se combina assalariamento com produção
direta dos gêneros de subsistência, conhecido como colonato.
Esclarece este autor que tal relação tendeu a ser analisada de forma simplista,
tomando-se por assalariamento generalizado o que na realidade não ocorreu neste momento
da história brasileira, já que a possibilidade de uso compartilhado das terras cultivadas com
café para os gêneros de subsistência foi, via de regra, o elemento decisivo para a atração dos
colonos, tendo em vista os baixos salários pagos pelo labor nas lavouras de café.
A transição mais rápida do escravismo ao colonato no Sul e no Sudeste atrairá,
definitivamente, essas duas regiões à esfera do sistema capitalista de forma mais marcante.
Agora, com a relativa circulação livre do dinheiro, que passava a se dar gradativamente nas
décadas seguintes da história econômica do Sudeste, e com o poder de compra de parcela da
população, ambas as regiões (sobretudo a segunda) participariam mais ativamente da
economia de mercado. Atingiriam patamares que permitiriam iniciativas privadas para
empreendimentos no setor secundário, tais como a abertura de fábricas, de indústrias leves, de
bens de consumo, graças ao acúmulo de capital obtido com a cafeicultura.
Desde então as diferenças se aprofundam entre essas duas grandes áreas do país.
O Brasil meridional passa a protagonizar as principais transformações de ordem social,
econômica, técnica, produtiva, e a tornar-se a região melhor dotada de infra-estruturas.
Dispõe, assim, de uma conjuntura que tornará toda essa extensa área mais luminosa do que as
porções Nordeste e Centro-Norte.
2.1.2 – As luzes na perspectiva econômica: da Colônia à República
As atividades econômicas são as grandes propulsoras das transformações
contínuas do espaço geográfico. A longo prazo, tornam-se também importantes na leitura da
formação distinta das partes que constituem o território, que por sua vez, quase sempre é
composto, espaço-temporalmente, de regiões diferencialmente instituídas em face dos
processos econômicos engendrados. Tal afirmativa tem peso maior em se tratando de uma
extensão territorial como a brasileira.
Cada ciclo econômico, contanto que seja próspero e duradouro, tende a se
expandir em novas áreas ou regiões. Ao mesmo tempo em que possibilitam a remodelagem
espacial em áreas de ocupação mais antiga (onde a atividade é praticada há mais tempo),
propiciando aos centros urbanos novas funções, tendem ainda à fundação de novos núcleos,
embriões de futuras cidades em novas áreas.
O arranjo territorial nunca é aleatório, mas coberto de intencionalidades. O espaço
geográfico é também econômico. E o fator econômico, por alocar elementos que se articulam
na cadeia da produção-distribuição-consumo, torna-se, por si só um ordenador do espaço. É o
sentido da apropriação dos recursos a força propulsora dos espaços luminosos, e o
responsável majoritário pelo seu conteúdo e por muitas de suas funções centralizadoras.
A criação de núcleos ou o desenvolvimento de funções urbanas junto a uma atividade econômica foi regra geral na gênese da rede urbana brasileira: junto a uma sede de engenho de açúcar, de um seringal, de uma mina ou um garimpo, de uma capela em fazenda, de uma fábrica têxtil, a uma pousada de tropas de burros ou no entroncamento de rotas de comércio. (CORRÊA, 2001, p. 96)
No Brasil, todas as ocasiões são boas para que surjam cidades (DEFFONTAINES,
2004), sobretudo em se tratando de processos econômicos. Santos (2002, p. 32, 33) faz um
breve retrospecto do surgimento dos centros urbanos ao longo do território brasileiro com
base nos ciclos econômicos. O autor citado enfatiza a economia canavieira como a
responsável por uma série de pequenos centros na Zona da Mata Nordestina e no Recôncavo
Baiano. A mineração como fator preponderante para a existência de inúmeros núcleos de vida
urbana, especialmente no interior de Minas Gerais, da Bahia, de Goiás e de Mato Grosso. A
produção da borracha como uma alavanca para o surgimento de pequenos núcleos no Norte,
enfim. Muitos foram os ciclos que fizeram os pontos luminosos surgirem às dezenas no
território brasileiro.
À cafeicultura devemos o surgimento de uma geração de cidades no Sudeste e em
parte no Sul, bem como o enriquecimento de centros como São Paulo, Santos, Londrina e
outros. O cacau também criou uma rede de cidades entre o litoral sul baiano e o norte
capixaba. A sojicultura vem a pelo menos três décadas alimentando a economia do Centro-
Oeste, de tal modo que vemos nas palavras de Bonfanti e Souza (2004) como essa atividade
vem inventando novas cidades, produzindo-as como convém para a regulação mais eficiente
da produção no campo.
A despeito de gerarem várias aglomerações pelo território brasileiro, os ciclos
econômicos, via de regra, de uma forma ou de outra, acabaram centralizando as principais
funções econômicas de um ciclo em apenas uma, ou em algumas poucas dentre muitas
aglomerações urbanas do país. Não por acaso, mas sempre por uma lógica espacial que
demonstrasse vantagens geográficas e econômicas em determinados momentos históricos.
Daí concordarmos com a assertiva de Oliveira (1982, p. 39), que diz:
Os diversos ciclos da economia brasileira [...] permaneceram criando ou recriando um padrão de urbanização que consistia nessa extrema polarização: de um lado uma rede urbana bastante pobre e, de outro, uma rede urbana extremamente polarizada em grandes e poucas cidades [...].
Em seu capítulo sobre “Os pólos brasileiros no espaço e no tempo”, Andrade
(1987) demonstra, a cada exemplo utilizado, como certas cidades criavam condições ou eram
favorecidas pela situação geográfica/ localizacional para que, a curto ou médio prazo, se
tornassem autênticos pólos de crescimento. O autor lembra os casos de Recife, Olinda e
Salvador no desenvolvimento da monocultura canavieira no período colonial; também cita o
caso do Rio de Janeiro, como pólo portuário no ciclo do ouro. Faz menção à São Luiz no
surto rizicultor e algodoeiro no Maranhão; à Manaus e Belém com a extração do látex; e
também a polaridade crescente do Sudeste, e especialmente da cidade de São Paulo, com o
ciclo do café e depois com a indústria.
Tantos outros pontos luminosos surgiram no mesmo contexto econômico que
aqueles identificados no parágrafo acima como pólos. No entanto, não puderam acompanhar o
ritmo de crescimento e de desenvolvimento naqueles períodos, nem nas fases sucessivas da
evolução econômica do território. Mesmo porque as condições econômicas não eram
favoráveis ao desenvolvimento conjunto da rede urbana em formação, numa sociedade que,
por quatro séculos, manteve o regime escravocrata:
Esse caráter presente desde a fundação da economia brasileira em que o trabalho escravo não dava lugar a nenhuma formação de mercado de trabalho, é ele mesmo constitutivo do fato dessa pobreza da urbanização no país, de um lado, e da polarização em torno de poucas cidades, de outro (OLIVEIRA, 1982, p. 40).
A formação econômica do Brasil é um dado de suma importância para nos
apercebemos do uso do território de um modo cada vez mais integrado, por meio de
articulações que se solidificaram entre vários pontos do território nacional.
2.1.3 – Transformações técnicas recentes e a expansão luminosa
Podemos pensar com propriedade e autonomia sobre o uso mais integrado do
território a partir da referência teórica fundada no conceito de período técnico-cientifico-
informacional dos dias atuais. A produção do território apoiada numa produção industrial
modernizadora, do ponto de vista técnico, e a informatização recente, traduzida nas
transformações tecnológicas atuais, são temas de destaque neste esforço de leitura da
formação territorial brasileira e da constituição de seus espaços luminosos.
Temos de admitir, como Max Sorre (apud SANTOS, 2004), que a evolução das
mudanças técnicas equivalem a transformações geográficas. À medida que o espaço começa a
se materializar com o acúmulo de objetos técnicos (verificável na ocupação do solo pelas
infra-estruturas técnicas modernas), e à medida que o crescente uso das máquinas se torna
mais freqüente em parte considerável do território, cooperando na criação de novos métodos
de produção, torna-se secundário dizer que estamos diante de um processo de aceleração
muito significativo no que tange às alterações da ordenação do espaço. Uma era onde as
novas luzes, ou melhor dizendo, onde os centros urbanos modernos são cada vez mais
carregadas de conteúdo técnico, começa a se desenhar.
No caso brasileiro faz sentido falarmos das transformações técnicas ocorridas a
partir da segunda metade do século XIX. Pois é nesse período que as inovações técnicas,
oriundas da revolução industrial européia do século XVIII (juntamente com seus produtos
industrializados, maquinários), impulsionadas pelas novas formas de acumulação capitalista
alcançam o Brasil com expressividade nunca vista antes. De colônia segregada o Brasil passa
no período imperial para a vida moderna das atividades financeiras. Moderniza-se e se esforça
por sincronizar sua economia com a do mundo capitalista contemporâneo.
De forma incipiente, temos a partir deste momento uma fase de mecanização do
território, da qual fazem menção tanto Santos (2002) quanto Prado Junior (1970). O primeiro
autor enfatiza que “a produção e, depois, o território se mecanizam, mediante a instalação de
usinas açucareiras e, mais tarde, da navegação a vapor e das estradas de ferro” (SANTOS,
2002, p.35). O segundo complementa com outros elementos que passam a incorporar o
território, como o aparelhamento dos portos, a instalação das primeiras manufaturas e a
expansão do comércio em todas as suas modalidades (PRADO JUNIOR, 1970, p. 193). Vai
mais adiante em sua abordagem quando informa que além das vias de transporte “[...] o
império deixará também uma desenvolvida rede telegráfica de quase mil quilômetros de
linhas, articulando todas as capitais e cidades mais importantes do país”( PRADO JUNIOR,
1970, p. 197).
As transformações técnicas e a materialidade que, a partir desses elementos
passou a ser criada, são importantes para entendermos as novas dinâmicas que se desenham
sobre um território cada vez mais instrumentalizado. Na explanação de Santos (2002, p.37)
podemos ler que: “O aparelhamento dos portos, a construção das estradas de ferro e as novas
formas de participação do país na fase industrial do modo de produção capitalista permitiram
às cidades beneficiárias aumentar seu comando sobre o espaço regional”.
A idéia aqui exposta de que as técnicas modernas geraram “expansão luminosa”
tem a ver com o fato de o território ser mais facilmente controlado e ordenado a partir da
fundação de muitas luzes (leia-se cidades), advindas de um processo de ocupação e de
produção do espaço acelerado pelas transformações técnicas modernas. Também tem a ver
com a expansão da dominação de muitos desses espaços luminosos no que concerne ao
ordenamento territorial, já que os meios técnicos recentes, centralizados nas cidades, deram a
estas grande potencial de mobilização de forças para colonizar ou atuar em vastas áreas,
trazendo-as para sua esfera de polarização.
Baseando-se nas renovações técnicas, às quais são incorporadas a certas áreas do
território em determinados períodos, Deffontaines (2004, p. 127) deixa implícito na passagem
abaixo a questão que estamos aqui abordando, ou seja, da reordenação sempre mutável no
espaço, conforme se alteram também os elementos técnicos:
Os portos de lenha foram uma causa de povoamento ao longo dos rios. Eles contribuíram para fixar a população nas margens; alguns se tornaram importantes, e vieram a ser escalas comerciais e se transformaram em cidades. Várias aglomerações do rio São Francisco começaram sendo portos de lenha. Hoje, é verdade, a transformação rápida da navegação a vapor pela adoção dos motores de explosão provoca uma verdadeira crise de
povoamento fluvial, a maior parte dos portos de lenha não tem mais razão de ser.
Em outro trecho o mesmo autor cita a emergência de centros que passam a ser
produzidos de forma a promover essa “expansão luminosa no território”, por causa da
constituição de espaços modernos que obedecem a uma nova ordem, como foi o caso da
formação da malha ferroviária integrada a alguns portos do país para o escoamento da
produção, enquanto outros pontos passam a ter “brilho” reduzido, mais ofuscado:
[...] as estradas de ferro concentram toda essa circulação em algumas artérias para os grandes portos: Santos, Rio de Janeiro, Vitória, Porto Alegre. Os pequenos portos intermediários não servidos perderam toda a atividade e fazem parte dessas numerosas “cidades mortas” que formigam no Brasil: Angra dos Reis, Ubatuba, Nova Almeida, Benevente, Torres (p. 128).
Cada novo período de mudanças técnicas é acompanhado de uma redefinição da
ordenação do espaço, e de uma recentralização, resultante da territorialização de luzes com o
predomínio de um meio técnico cada vez mais denso.
Durante a fase que vai do início do século XX à década de 1940 (transição do
“pré-industrial” para a industrialização pós 1950) a rede brasileira de cidades se densifica, se
expande rapidamente e passa por importantes modernizações com a instalação de indústrias
de base, com a iluminação pública, usinas hidrelétricas, ferrovias, rodovias e todo um aparato
técnico gerado com a produção mecanizada. A fase da industrialização pesada e o início da
instrumentalização do território, com a era informacional, no pós segunda guerra,
complexificaram ainda mais a malha urbana.
Uma série de situações diversas acabou sendo gerada em função dos acréscimos
de transformações técnicas na constituição dos espaços luminosos que passavam a evoluir de
forma a renovar a materialidade no território por conta da criação de novos objetos técnicos
que o meio geográfico incorporava. Deffontaines relata que “[...] As estradas de ferro fizeram
triunfar as suas cidades e são a causa de uma numerosa geração urbana” (2004, p. 129),
especialmente no norte do Paraná e no oeste paulista.
A atividade industrial foi fundadora de pontos luminosos, pois como bem afirma
Oliveira (1982, p.43): “[...] cidades como Paulista, em Pernambuco, e Votorantim, em São
Paulo, são exemplos onde a indústria para se instalar teve que simultaneamente instalar uma
cidade [...]”. Nisto podemos observar a expansão das áreas luminosas no território.
Se ao longo do período colonial e imperial muitos pontos de luz se deram com a
mineração e com a garimpagem (isto é, se várias cidades se formaram a partir deste tipo de
exploração), recentemente, tal fenômeno tem se dado também com a ação de empresas
mineradoras. Foi o caso, por exemplo, da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), que fundou
pontos para apoio nas atividades de mineração em Carajás, no sul do Pará. Estes pontos
progrediram de pequenas vilas para cidades e formaram uma rede urbana, resultando num
conjunto de pequenos pontos luminosos em área anteriormente opaca. As proporções são
outras nos tempos modernos em que as corporações e grandes empresas detém a técnica mais
eficiente e a engenharia necessária para movimentar uma exploração de vastas áreas, a ponto
de gerar uma rede de pequenos centros, como no caso citado.
As transformações técnicas recentes, em aliança com necessidades de uso para
atividades econômicas modernas completaram o processo de “iluminação” do território
observada na imagem DMSP/OLS. Principalmente porque, juntas, a técnica e a economia,
respondem por um modo de produção hegemônico criador de grandes obras de engenharia
que se fixam no solo, que se territorializam principalmente nas áreas que correspondem às
luzes representadas na imagem noturna. Se materializam de forma concentrada nos espaços
urbanos, que são, por excelência, o “império” das técnicas e da força política e econômica a
exercerem a ordem sobre o imenso território opaco.
2.2 – Construção da centralidade no território brasileiro
Produto histórico do processo diferencial de produção do espaço, a centralidade
pode ser vista como uma situação espacial hegemônica, onde os objetos e as ações se colocam
a serviço das forças sociais mais poderosas.
Seja de forma induzida (como o planejamento de centros urbanos para sediarem
capital de estado ou capital federal, ou como cidades “inventadas” para exercer determinados
papéis ou cuja criação se justifique por funções destacadas) ou de forma menos interventiva
(como é o caso da maioria das cidades, que crescem “fortuitamente”), o fato é que a condição
de centralidade em qualquer área é histórica e desigualmente construída no espaço. E as
desigualdades espaciais sempre redundarão em áreas centralizadas e outras centralizadoras.
Do ponto de vista dos primeiros séculos da história da ocupação do território
brasileiro, ficaria nítido que a região Nordeste teria tudo para tornar-se a área centralizadora
do país. Afinal, o povoamento português se iniciou na faixa que corresponde ao litoral
nordestino. Enquanto floresciam centros como Salvador, Conceição, Natal, Filipéia, Olinda e
Recife com o ciclo da cana, além de São Luiz, São Cristóvão, Porto Seguro e outras cidades
litorâneas e também interioranas com a cultura do algodão e com a pecuária, ao sul não havia
aglomerações de expressividade. À exceção do núcleo do Rio de Janeiro, existiam vilas de
povoamento pouco significativo, como São Vicente, Cananéia, Itanhaém, Santos, São Paulo e
Vitória.
Mas a descoberta do ouro resultaria em grandes alterações da ocupação espacial
da então colônia portuguesa. Tanto assim que Prado Junior escreve que: “[...] As
transformações provocadas pela mineração deram como resultado final o deslocamento do
eixo econômico da colônia, antes localizado nos grandes centros açucareiros do Nordeste”
(1970, p.64).
No prazo de alguns decênios apenas, povoa-se um território imenso até então
desabitado:
[...] é todo este Centro-Sul que, graças em grande parte à mineração, toma o primeiro lugar entre as regiões do país; para conservá-lo até hoje. A necessidade de abastecer a população, concentrada nas minas e na nova capital, estimulará as atividades econômicas num largo raio geográfico que atingirá não somente as capitanias de Minas Gerais e Rio de janeiro, mas também São Paulo (PRADO JUNIOR, 1970, p. 64).
As transformações advindas do fim da exploração aurífera e também dos ciclos
econômicos sucessivos a ela viriam para densificar o povoamento, bem como aumentar a
circulação no espaço ao sul das Minas, alavancando a acumulação de riquezas no Brasil
meridional.
O ciclo do café traria maior solidez econômica à região e afirmaria ainda mais a
construção da centralidade na região Sudeste. Em sua análise sobre essa fase, Furtado (1977,
p. 237) relata que: “O rápido crescimento da economia cafeeira, se por um lado criou fortes
discrepâncias regionais de níveis de renda per capta, por outro dotou o Brasil de um sólido
núcleo em torno ao qual as demais regiões tiveram necessariamente de articular-se”.
Também a retomada da atividade açucareira no período imperial (desta vez com a
construção da maioria dos engenhos no Centro-Sul) e a instalação das fábricas e indústrias em
meados do período republicano (virada do século XIX para o XX) cooperariam para aumentar
as distâncias entre as metades norte e o sul do país. O processo de industrialização no século
XX no Brasil, a concentração populacional crescente, e por fim, a constituição de um meio
técnico-científico-informacional, muito mais irradiado e contínuo nas regiões Sul e Sudeste, e
apenas pontuado no resto do país (SANTOS, 2002, p.52, 53), coloca em evidência esta grande
porção territorial brasileira como área privilegiada para as estratégias de ação do capital.
Especialmente no Sudeste, onde o crescimento econômico e tecnológico
implicaram em concentração espacial de recursos humanos e materiais, é que se assiste ao
fenômeno da urbanização e da estratificação social de modo marcante, a ponto de Davidovich
(1987, p. 197) salientar que:
A oficialização do Sudeste como macrorregião em fins dos anos sessenta veio, pois, ao encontro de um trecho do território nacional em que mais intensa se fez a passagem de um Brasil agrário, dominado por oligarquias rurais, para um Brasil em que estavam emergindo novos setores sociais ligados a indústria, ao terciário, ao papel do poder público no fomento de uma classe média que se constituiu no sustentáculo da urbanização. A centralidade das áreas urbano-industriais meridionais acaba
mantida com a chegada da era informacional, por circunscrevê-las. Dessa forma Santos,
referindo-se às regiões Sul-Sudeste, comenta a implantação de um meio técnico-cientifico-
informacional sobre um meio mecanizado:
“Onde carregava a indústria esse papel motor, agora é a informação que ganha tal poder. Aprofundam-se assim, com novos fundamentos históricos, as tendências estruturais que fizeram da Região Concentrada o verdadeiro pólo da vida econômica e nacional” (SANTOS, 2002, p. 253).
2.2.1 – A centralidade da região Sudeste
Sabemos que as regiões Sul-Sudeste, mais novas que o Nordeste e mais velhas
que o centro-Norte, exercem maior controle sobre a organização do espaço brasileiro. Uma
dominação que deriva, entre outras condições, da concentração da renda nacional, da
implantação mais consolidada dos dados da ciência, da técnica e da informação, do padrão
mais alto de consumo das empresas e da população, da atividade comercial e industrial mais
intensa, da densidade das redes de abastecimento, de transportes, de serviços, da agricultura
moderna e fortemente mecanizada etc.
Milton Santos a denomina de “Região Concentrada” (2002). Contudo, se
observarmos atentamente a imagem de luzes noturnas DMSP/OLS, veremos que dentro desta
área adensada existem graus de condensação. O maior deles se encontra entre os estados de
São Paulo (capital e interior), Rio de Janeiro e a porção austral de Minas Gerais, repleta de
pontilhados luminosos. Também podemos inserir o norte do Paraná, que teve sua história
muito ligada à expansão paulista, sendo uma espécie de extensão do estado vizinho, através
do processo de ocupação cada vez mais a oeste, que alcançou o extremo norte sulista com as
fazendas de café, com a malha ferroviária e com a fundação de um sem número de núcleos
urbanos.
Com exceção do norte paranaense (que compõe a região Sul), toda a faixa
territorial delimitada acima corresponde à porção mais dinâmica da região Sudeste. Seria esta
a área brasileira que reúne os elementos que a constitui como o grande pólo nacional. A
seguir, a figura 5 delimita o perímetro imaginário onde há maior densidade luminosa ou
luminosidade por área contínua no território.
Figura 5 – Perímetro que delimita a porção do território brasileiro com maior concentração de luzes Organizado por Osvaldo C. P. Neto.
A concentração espacial de luzes regionalizadas nesta área do Sudeste lhe confere
centralidade. Esta concentração pode ser lida, por exemplo, através dos fluxos de transportes
rodoviários, mais presentes neste trecho do território: “É sobretudo na ‘Região Concentrada’
que encontramos rodovias federais e estaduais duplicadas, testemunhas do peso dos fluxos
nesta área de alta divisão do trabalho e de comando das atividades regionais e nacionais”
(SANTOS, 2002, p. 67).
Pode ainda ser lida pelos fluxos do tráfego aéreo, que refletem a estrutura
centralizada nos principais pólos econômicos e político-administrativos no Centro-Sul. Em
seu levantamento sobre os dados do transporte aéreo no Brasil, Théry (2003) faz
levantamento das principais linhas domésticas, confirmando que as “pontes aéreas” mais
importantes estão interconectadas entre as três grandes metrópoles do Sudeste - São Paulo,
Rio de janeiro e Belo Horizonte - centros de peso nos fluxos financeiros e econômicos; e
também entre Brasília, que além de ser capital federal, ainda leva vantagem pela sua posição
geográfica central, que facilita as ligações entre regiões.
“Os fluxos que acompanham o litoral, da fronteira meridional até Recife (e entre
eles os que ligam entre si as cidades do Sul e do Sudeste), são os mais importantes e formam a
‘coluna dorsal’ do país” (THÉRY, 2003, p. 26). Exatamente em toda esta faixa da orla
marítima, somando a ela o interior dos estados austrais do Brasil, encontramos as áreas mais
luminosas do país, segundo consta na representação orbital de luzes noturnas.
Um outro dado relevante está na função de gestão do território pelas grandes
corporações metropolitanas. O controle de atividades pela metrópole em espaços externos a
ela é uma das bases que alimenta sua centralidade sobre o território. O Sudeste, por abrigar as
duas metrópoles nacionais, além das metrópoles regionais de expressividade econômica; e
também uma gama de cidades médias importantes na função gestora, acaba concentrando a
maior fatia das corporações e cria, dessa forma, poderes de atuação espacial mais extenso.
Mais que qualquer outra região, concentra também a maior diversidade de
atividades econômicas e de especificidade em serviços e funções, o que lhe confere poder
para estabelecer uma nítida divisão territorial do trabalho no espaço brasileiro.
Durante a maior parte do século XX a indústria foi a “locomotiva” na construção
da centralidade na extensão meridional do território brasileiro. Bem menos intensas e diversas
foram as condições de mecanização/ industrialização nas porções Centro-Norte e Nordeste
brasileiros neste período.
Obviamente que, partindo destas condições, o processo de integração do território
nacional partiria do Sudeste. Andrade mostra-nos como a industrialização gerou conexões no
território a partir de seu potencial produtivo centralizado nesta região:
Como indústria atrai indústria e como é a indústria que comanda a vida econômica moderna, a partir de 1940 a região Sudeste passou a ampliar a intensidade de sua força centrípeta e a satelizar as demais regiões brasileiras, através da criação de uma rede rodoviária e de transportes aéreos que a liga aos vários pontos do país, através da expansão da rede bancária, da atração exercida pelo seu mercado consumidor. (ANDRADE, 1987, p.92).
Nas palavras de Moreira (2005, p. 17), notamos como as diferenças regionais
historicamente construídas e a concentração urbano-industrial projetou o Sudeste no cenário
nacional:
A lei do desenvolvimento desigual e combinado passa então a reger a nova formação, progressivamente desigualando e invertendo a forma das relações espaciais até então existentes. O campo passa o comando para a cidade, as regiões passam o comando para o Sudeste e as indústrias regionais passam o
comando para a concentração em São Paulo, assim se reorientando a regulação e o ordenamento espacial no interior da formação.
Por assumir papel de região articuladora e ordenadora da produção no território, e
pelo seu acúmulo de funções diretoras e de gestão de suas entidades públicas e privadas, passa
a estabelecer relações de comando sobre o espaço nacional, se fortalecendo como o “espaço
do mandar” (SANTOS, 2002). Concentra uma elite econômica influente que, aliada à elite
estrangeira, decide o destino da Amazônia Legal e do Nordeste, através da penetração
financeira e da implantação de projetos industriais, agropecuários, agroindustriais, de extração
mineral e de obras diversas.
O espaço nordestino foi produzido em quatro séculos e meio de colonização, em
função do atendimento da demanda de produtos alimentícios e de matérias-primas para o
mercado externo (ANDRADE, 1983, p. 19, 20).
Ao se desvincular parcialmente do exterior no período de crise de seu setor
algodoeiro (no momento em que cresciam outras áreas algodoeiras no mundo), como
alternativa, o Nordeste passa a colocar sua produção açucareira e algodoeira no mercado
interno, já que a crescente urbanização do país, notadamente do Centro-Sul, bem como o
desenvolvimento da indústria têxtil asseguravam demanda para seus produtos. Integra-se de
forma dependente e complementar à economia industrial do Sudeste, sendo transformado,
segundo explica Andrade (1983), em área fornecedora de alimentos e de matérias-primas não
mais para o exterior, mas agora principalmente para o Sudeste, que se apropria também de sua
mão-de-obra barata.
Com relação ao grande território da Amazônia, a história recente da ocupação
desta imensa área tem mostrado a atuação de fração significativa da burguesia nacional (leia-
se estados do Sul e do Sudeste) associada a grupos estrangeiros na exploração desenfreada das
riquezas no norte do país. Como bem salienta Oliveira (1995), o grande capital do Centro-Sul,
nacional e multinacional, há décadas vem abrindo a Amazônia para sua reprodução.
Faz-se notável a intervenção de agentes econômicos (sobretudo da oligarquia
industrial) do Sudeste nas áreas setentrionais do Brasil, segundo aponta Andrade (1983, p.
26):
Este grupo (a oligarquia do Sudeste) detém um grande poder sobre o país, face ao acordo existente entre ele a tecnocracia que nos últimos anos implantou um modelo de desenvolvimento concentrador [...] e determinou, ao lado da concentração financeira, uma ponderável concentração geográfica [...] Daí a política de povoamento e ocupação acelerada e profundamente danosa à ecologia do Centro-Oeste e da Amazônia, e daí também a política de crescimento industrial dependente no Nordeste. O Sudeste cresce em detrimento das regiões marginais que se tornam cada vez mais dependentes.
2.2.2 - A centralidade da Metrópole Paulista
Pensamos a metrópole em escala mais ampliada que uma cidade convencional.
Acomodamos nossa idéia à complexidade e ao volume maior das manifestações no espaço
deste centro de grandes proporções. No entanto, é necessário que tomemos cuidado para não
colocarmos todas as metrópoles no mesmo patamar, ao não fazermos as devidas distinções. A
noção de escala pode ser um tanto diversa mesmo entre esta classe formada por grandes
centros.
A cautela deve ser redobrada no momento em que outras cidades são elevadas à
categoria de metrópoles emergentes e/ ou de regiões metropolitanas (formadas pela
aglomeração de dois ou mais centros urbanos próximos ou conurbados), segundo novos
critérios divulgados pelo IPEA (2001). É o caso, por exemplo, de Florianópolis-SC, Londrina-
PR, Baixada Santista-SP, Campinas-SP, Vitória-ES, Cuiabá- Várzea Grande-MT e outras.
São exemplos de áreas urbanas que estão muito aquém das dimensões físicas e populacionais
da Grande São Paulo ou da Grande Rio.
Diferentemente dos dois grandes centros nacionais, São Paulo e Rio de Janeiro, as
metrópoles regionais exercem o controle sobre uma gama menos diversificada de atividades
industriais. Metrópoles regionais apresentam uma atuação espacial eminentemente regional
do ponto de vista de sua diversidade econômica e de seu poder corporativo. Há, em realidade,
na visão de Corrêa (1996, p.100), uma forte correlação entre diversificação limitada e âmbito
regional de atuação.
Enquanto Belo horizonte tornou-se um pólo metalúrgico, Porto Alegre um centro
de vestuário e calçados, Curitiba um pólo madeireiro e de papel, e algumas das capitais
nordestinas (Fortaleza, Recife, Salvador) grandes produtoras de gêneros alimentares e
açucareiros (CORRÊA, 1996), as duas maiores cidades do país controlam diversos setores
industriais de peso, ligados à indústria metal-mecânica, química, de materiais de transporte e
de vários gêneros associados às indústrias de bens de produção.
A metrópole carioca, por exemplo, sede das outrora grandes estatais como a
Petrobrás, a CSN, a RFFSA e a CVRD (estatal-privada), atua em âmbito nacional na
exploração petroquímica em áreas litorâneas e extrativismo mineral no interior do país,
mantendo unidades de refino e de mineração sob sua dependência em vários pontos do
território.
Por sua vez, a metrópole paulista, sede das maiores empresas de capital privado
estrangeiro (GM, Nestlé, Ford etc) e nacional (Votorantim, Klabin etc), constitui-se como o
centro de gestão das atividades vinculadas à produção e distribuição de gêneros
industrializados para todo o mercado nacional.
Possui também importante papel no setor financeiro. É o maior mercado
consumidor do país, atraindo para seu espaço fluxos de mercadorias de todas as regiões. É,
portanto, uma metrópole de influência em todo o território brasileiro. E como tal, merecedora
de atenção especial, já que a centralidade de seu espaço urbano, comparado às demais
metrópoles e capitais, é de longe, inquestionavelmente superior.
Sua primazia é afirmada em Corrêa (1996, p. 79), onde o autor expõe o seguinte
trecho: “São Paulo constitui-se na capital do capital, no principal foco de acumulação
capitalista do país, no centro mais privilegiado do ciclo de reprodução do capital, ele próprio
constituindo-se também no principal centro da produção industrial.”.
A grande São Paulo se sobressai no contexto nacional, sobretudo porque a
construção de seu espaço concentrou, mais que em qualquer outro grande centro brasileiro,
atividades ligadas à gestão do capital e do controle produtivo. Historicamente, o peso da
iniciativa privada foi fator preponderante na construção econômica do espaço paulistano.
Remonta a fase dos empreendimentos estabelecidos pelos imigrantes estrangeiros do final do
século XIX que, de modestas oficinas e fábricas, passaram a auferir lucros que lhe deram as
condições de expandirem seus recursos empresariais.
Em decorrência desse processo de construção espacial engendrado pelas forças do
capital privado nacional e estrangeiro é que São Paulo se mostra fortemente conectado ao seu
entorno imediato (Região Metropolitana e interior do estado); ao mesmo tempo em que seu
raio de alcance se faz sentir em regiões distantes. Sua estrutura econômica alavanca formas de
produção que extravasam para muito além de suas fronteiras metropolitanas, alcançando
muitas cidades interioranas e promovendo com estas, estreitas articulações espaciais, por fazê-
las participar dos processos produtivos e dos fluxos gerados por relações econômicas. Tal
condição lhe garante atuação e domínio direto sobre extenso território contínuo ao seu
derredor.
O mesmo não ocorre no estado do Rio de Janeiro. Não nas mesmas proporções. A
economia fluminense, historicamente, apresentou pouca articulação espacial e débil
integração produtiva. Seu crescimento econômico ressentiu-se da histórica separação entre a
capital metropolitana e o interior. A produção espacial da cidade do Rio de Janeiro, na
condição de capital federal por mais de duzentos anos, foi determinada pela vontade do poder
federal.
Ao contrário da capital paulista, cuja espacialidade foi erigida pela vontade das
forças econômicas capitalistas, a metrópole carioca é caracterizada por um espaço geográfico
concentrado (no seu contexto estadual). Concentrado no sentido de que sua dinâmica
produtiva não gera nas cidades interioranas uma “fluição” ou integração espacial e econômica
tão marcante. Exatamente porque a produção de seu espaço não foi inteiramente fruto da
lógica capitalista, mas concentrou em sua região metropolitana uma gama de serviços e de
funções simplesmente criadas pelos governos. Muitas destas funções não permitem uma
conexão produtiva e econômica criadora de força para gerar em comum uma construção
espacial que tenha alguma espécie de “amarração” fortemente ligada com sua hinterlândia.
Um exemplo plausível é a sua estrutura industrial que, a despeito de ter notável
diversificação, obedece em parte a lógica das ações estratégicas e dos investimentos do
governo brasileiro, que fizeram do Rio de Janeiro a sede das estatais dos setores mineiros e de
energia.
O turismo, outra atividade importante na metrópole fluminense, apenas centraliza
ainda mais a economia na capital e cria serviços de infra-estrutura que circunscrevem os
limites do município. Não há uma complementaridade produtiva tão unívoca entre capital e
interior, como se vê no caso da (re)produção do território paulista a partir de seu centro.
Diante da nova realidade, onde vemos a consolidação do capitalismo como
sistema hegemônico, fica fácil imaginarmos como os processos da Globalização (a expansão
do meio informacional; a fixação das empresas multinacionais; a concentração dos bancos
estrangeiros e nacionais, reflexos da centralização financeira) fizeram de São Paulo o
principal espaço luminoso a reunir forças hegemônicas para desempenhar no território
brasileiro a função de gestor. As grandes cidades espalhadas pelo mundo passaram por
transformações semelhantes. Metrópoles de países desenvolvidos e periféricos, inseridas nos
circuitos globais de produção e circulação em rede, tornaram-se cidades globais, ou “espaços
da globalização” (SANTOS, 2004), ou ainda importantes nós na cadeia das relações em rede
(RAFFESTIN, 1993).
Por sediar em seu espaço um poderoso conjunto de agentes econômicos
representantes do grande capital externo, São Paulo acaba sendo também um centro
intermediário da gestão internacional. As inovações tecnológicas, os sistemas de extração de
riquezas do território brasileiro, quase sempre passam pela capital paulista. Ou melhor,
passam por uma grande empresa ou grupo financeiro ali instalado.
Em termos quantitativos, as conexões de São Paulo com o mundo não podem ser
comparadas a nenhuma outra situação no caso brasileiro. Daí a insistência de Andrade (1987,
p.95) em afirmar que, nos dias atuais, São Paulo é ainda um pólo a depender de pólos
externos, como também foram no passado Recife e Olinda (sob domínio de Amsterdã, no
episódio da invasão holandesa), Salvador (controlado por Lisboa, Portugal) e também o Rio
de Janeiro (dominado por Londres, através da difusão do comércio inglês; e por Lisboa, que
detinha o monopólio do ouro). Porém, essa relação de dependência se dá atualmente sob
outras condições, isto é, via capital industrial-financeiro, dominado principalmente pelos
E.U.A, mas também secundariamente por outras potências, como a Alemanha, o Japão, a
França etc.
São Paulo é, por excelência, o espaço luminoso de conexão e de relações diversas
com outros pontos luminosos distribuídos no território e com grandes áreas opacas brasileiras.
Por concentrar parte significativa do poder de ação das grandes empresas industriais,
comerciais e de serviços financeiros e informacionais, é sob sua tutela que se dão as maiores
fatias dos fluxos que circulam pelas redes (urbanas, tecnológicas, mercadológicas) no espaço
nacional.
Nesse processo em que a metrópole de São Paulo conhece uma desindustrialização relativa, afirma-se, cada vez mais, a cidade de São Paulo como o centro de serviços, informação, gestão, coordenação e controle do capital. Os serviços agora funcionam como uma indústria [...] Na nossa opinião, longe disso significar uma fraqueza das funções da cidade significa uma redefinição de sua posição de liderança como centro dinâmico que se realiza por meio da concentração de trabalho imaterial e da natureza do seu terciário, reafirmando, assim, sua primazia (LENCIONI, 2004, p. 161)
Não é a toa que a força econômica de São Paulo afetou a importância relativa de
centros como Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre e até mesmo o Rio de Janeiro (sobretudo
este último) no controle da atividade bancária (CORRÊA, 1989). O potencial empresarial
centralizado na capital paulista lhe deu ascensão como centro de gestão financeira, ao atrair
para sua esfera a maior concentração bancária do país.
No arranjo espacial geográfico nada se dá por acaso. E por isso a Geografia vê
uma (ou várias) lógica(s) na ordenação do espaço, e busca as razões e os porquês da
distribuição espacial dos elementos estarem estruturados da maneira como se encontram.
Verifica como certas áreas atraem certos elementos, e com isso, como o espaço vai sendo
formado segundo uma ordem que gera no território o fenômeno da centralidade.
CAPÍTULO 3
Luminosidade, opacidade e as diferenciações no território: as ordenações
intra-regionais do espaço brasileiro
3.1 – Contextualizando os espaços luminosos dos “três Brasis”
É razoável que pensemos num país de dimensões continentais, concebendo-o
como um território de múltiplas espaço-temporalidades. Afinal, estamos tratando de um
território que, a despeito de sua diversidade físico-natural, produziu também alteridade
humana/ social e técnica, fruto de regiões ocupadas em contextos históricos diversos, e que
criaram arranjos espaciais com objetos e ações (SANTOS, 2004) em seus respectivos tempos.
Faz parte da lógica do raciocínio espacial e do bom senso analítico proceder de
modo a lançar sobre o território brasileiro o olhar da alteridade. A imagem das luzes noturnas
com seus espaços luminosos e opacos é um possível caminho para enxergamos as
desigualdades da ocupação humana.
Grosso modo, em linguagem genérica, podemos identificar no território brasileiro
ao menos três momentos distintos. Momentos onde a produção espacial das luzes e das
sombras (opacidade) tem muito a ver com as mudanças geográficas regionais e com a
construção econômica vivenciada nestas três realidades espaços-temporais brasileiras que,
longe de serem antagônicas, constituem-se como partes de um mesmo processo.
Esses três momentos equiparam-se a uma divisão tradicional do território
brasileiro em regiões geoeconômicas, segundo apreendemos na proposta de Bertha Becker e
Pedro Pinchas Geiger, citados por Corrêa (2001) sobre a organização regional do espaço
nacional. Deste ponto de vista, o Brasil divide-se em três grandes regiões: Centro-Sul,
Nordeste e Amazônia. (Figura 6)
Figura 6 – Divisão do Brasil em regiões geoeconômicas. 1 – Amazônia; 2 – Centro-Sul; 3 – Nordeste. Fonte: http://educacao.uol.com.br/geograf.jhtm
Elas caracterizam três momentos do território brasileiro, onde teríamos o Centro-
Sul respondendo pela parte moderna, diversificada e dinâmica (é o “coração” econômico e
político da nação); o Nordeste como um espaço “decadente”, que não acompanhou as
transformações recentes, particularizando-se como a região das perdas (econômicas,
demográficas, políticas etc); e a Amazônia, cujo espaço se encontra em fase de apropriação (é
a atual fronteira de expansão do capitalismo).
Neste capítulo traçamos uma análise que permita delinear algumas colocações
possíveis de ordenação do espaço regional, bem como a forma como elas podem se expressar
no arranjo dos espaços opacos e luminosos no contexto de uma região desenvolvida; outra
análise se dará dentro de uma “área decadente”, que não acompanhou as transformações
econômicas recentes; e uma terceira construção da idéia será feita dentro de uma região
recentemente colonizada, em processo de ocupação.
É de fundamental importância neste trabalho caracterizar o conjunto de espaços
luminosos no contexto regional, bem como a área opaca que os circundam, e que, muitas
vezes, será o caminho para explicar o sentido de suas luzes. Pois o uso capitalista de um
território imenso, com atividades dinâmicas e importantes para a economia nacional e/ou
global, resulta, na maioria das vezes, na formação de núcleos urbanos.
Tão importante quanto contextualizar a situação econômica das cidades
“luminosas”, será imprescindível que se leve em conta a região na qual elas se inserem.
Afinal, faz toda diferença colocar que uma cidade média do interior paulista como Piracicaba,
encontrando-se num eixo onde há maior dinâmica das trocas e economia diversificada, e
dividindo espaço num raio de cerca de cento e cinqüenta quilômetros com outras cidades
também importantes (Limeira, Rio Claro, São Carlos, Mogi-Mirim, Botucatu, Americana,
Araras, Campinas, Jundiaí), tornará clara a idéia de que tal conjunto de pontos luminosos
confere sólida integração econômica e espacial à região.
Jacobina (para citarmos um caso no Nordeste), antigo núcleo de exploração
aurífera no interior baiano, atualmente um centro de economia estagnada, com alguma
expressividade no turismo, possui base produtiva crítica ou mesmo insatisfatória para atender
a demanda dos centros de hierarquia inferior de sua região. Porém, não há na sua proximidade
alguma cidade cuja força lhe roube sua esfera de influência, ainda que esta não seja tão
marcante. Pois muitos dos centros médios no centro-norte baiano e da região da Chapada
Diamantina (Senhor do Bonfim, Campo Formoso, Irecê, Juazeiro etc) se encontram em
situação semelhante. É a capital Salvador quem controla a rede urbana de todas as cidades
médias da Bahia.
No exemplo da Amazônia teríamos Sinop que, ao contrário do caso anterior, está
alocado sobre uma área onde os núcleos urbanos foram recentemente fundados e estão em
formação. O município é movido por um conjunto de atividades agropecuárias modernas e
altamente capitalizadas. E já se destaca como uma cidade procurada por oferecer serviços
diferenciados a todo o norte mato-grossense e ao sul do Pará. Não há concorrente à altura que
ameace sua esfera de influência num raio de alcance considerável em parte do imenso
território opaco no norte do país.
3.2 – Diversificação e integração econômica no Centro-Sul: espaços luminosos e
multifuncionalidade
Na distribuição irregular dos espaços luminosos e opacos, fruto de uma produção
geográfica concentrada e, portanto, desigual, ao longo de toda a extensão territorial brasileira
encontramos, de acordo com a imagem DMSP/OLS, os maiores adensamentos de pontos
luminosos ao longo da orla atlântica meridional do Brasil, e também no interior desta, numa
faixa que se inicia desde a porção sul de Goiás e se estende até a extremidade austral do país.
Seria esta área aquela a reunir as principais redes urbanas. Lócus dos mais
destacados pontos fixos do território, que geram entre si os mais intensos e variados fluxos
(de natureza econômica, tecnológica, social e populacional), segundo a visão miltoniana que
expressa a dependência mútua entre a geografia dos fluxos e dos fixos, onde “a criação de
fixos produtivos leva ao surgimento de fluxos que, por sua vez, exigem fixos para balizar o
seu próprio movimento” (SANTOS, 2002, p.167).
Uma área economicamente diversificada e, em decorrência disso, mais integrada
do ponto de vista das trocas entre seus pontos luminosos, ou se preferirmos, entre seus fixos
produtivos. Típica região onde se desenvolve uma ordenação territorial ligada a fluxos
multilaterais entre as cidades, o que lhe dá o aspecto de rede.
Ainda em concordância com Santos (2002), lemos que: “Dentro dessa área são
possíveis fluxos multilaterais que o resto do território é incapaz de suscitar. A Região
Concentrada é, por definição, uma área onde o espaço é fluído” (p.103). As trocas se dão em
todas as direções. Isso lhe reforça seu caráter de rede, mais fortemente conectada que outras
regiões do Brasil.
Figura 7 – Destaque ao território luminoso do Centro-Sul brasileiro, que se sobressai entre as porções mais iluminadas no contexto do continente Sul-Americano. Organizado por Osvaldo C. P. Neto
Figura 8 – Imagem de luzes noturna DMSP com algumas das principais cidades do Centro-Sul do Brasil Fonte: http://br.geocities.com/py2xz/imagens/noturna.jpg
Espacialmente, a conexão em rede se dá de modo sempre mais acentuada quando
se tem uma gama de pontos luminosos “convivendo” próximos uns dos outros. Evidente que,
diante de tal configuração, haverá áreas destacavelmente iluminadas a polarizar outras
menores em seu entorno, conforme ilustra a figura 8. Exatamente por estas primeiras serem
espaços a conterem divisão do trabalho mais complexa (ou mesmo por tal divisão partirem
delas para todo o território), ajuntamento de técnicas modernas com toda sorte de variações,
além de certos serviços especializados e funções diferenciadas, é que atendem à lógica do
arranjo produtivo regional. É uma situação coerente com a idéia de que a concentração
espacial gera diversidade e atração sobre áreas externas.
A concentração geográfica nos remete à questão da heterogeneidade das funções
produtivas e da diversidade funcional dos centros. E quando falamos em multifuncionalidade
podemos nos referir tanto aos grandes centros, que de forma individual reúnem tais condições,
quanto a uma escala mais ampla, englobando o conjunto de muitos núcleos urbanos que, em
suas relações econômicas e produtivas, acabam se complementando, com funções muitas
vezes específicas. Assim, integram toda uma região, segundo as combinações dos pontos
luminosos com atribuições peculiares para determinados arranjos territoriais econômicos e
produtivos.
Segundo lemos em Corrêa (2001, p. 99), vários processos levaram à
complexificação funcional das cidades, tais como a industrialização, a intensificação da
circulação, o desenvolvimento da estratificação social, a modernização do campo, a
incorporação de novas áreas ao processo produtivo etc. No contexto brasileiro, o Centro-Sul é
a área mais caracterizada pelos elementos acima mencionados. Daí a diversificação
econômica e a integração espacial mais solidificada.
Diversificação econômica e complexificação funcional são dois aspectos que se
encaixam e resultam numa espécie de conexão ou integração produtiva em escalas múltiplas.
Santos (2002, p.30) expõe que: “A produção em cada lugar é o motor do processo, porque
transforma as relações do todo e cria novas vinculações entre as áreas”.
São esses liames produtivos que permitem ao IPEA (2001) destacar o sistema
urbano do Centro-Sul brasileiro como correspondente ao cinturão urbano-industrial do
território nacional, onde as duas metrópoles globais (São Paulo e Rio de Janeiro), além de
outras consolidadas (Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba) e uma gama de metrópoles
emergentes (Florianópolis, Londrina, Maringá, Baixada Santista, Campinas, Ribeirão Preto,
Vitória etc) funcionam como centros de conexão do mercado doméstico.
Tomemos a região Sul como exemplo desta integração econômica e produtiva, e
como estudo de caso de uma região onde, mais recentemente, se formou o fenômeno da
multifuncionalidade de alguns de seus centros mais destacados.
Apesar das atividades do setor primário ainda exercerem papel importante nos
estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, elas hoje estão altamente
capitalizadas e, de certa forma, longe de serem praticadas da forma tradicional (isso de um
ponto de vista panorâmico, é óbvio). A mecanização do campo, que se estendeu pelo sul
brasileiro, com a presença marcante da agroindústria e de uma gama de cooperativas
produtoras de alimentos industrializados, alavancou o desenvolvimento de outros setores,
como o industrial, o de serviços, o comercial, bem como alguns centros de pesquisa científica
ligadas à produção agropecuária, o que nos permite falar de uma expansão multifuncional de
alguns dos seus principais centros.
Mas a despeito da relevância da atividade primária no meio rural sulista, foram as
áreas com maior grau de urbanização que responderam pelos indicadores mais expressivos da
atividade econômica nas últimas décadas, conforme notifica Moura (2003, p. 577).
O padrão de crescimento das grandes e médias cidades do Sul do país, no
contexto da expansão da mecanização do território brasileiro e da ampliação do meio técnico-
científico-informacional, traduziu-se no aumento da concentração industrial, agroindustrial e
num crescimento expressivo do setor de serviços nestes centros. Dentro de poucas décadas, tal
fato alterou o caráter essencialmente rural dos estados sulistas, colocando-os de vez na rota da
modernização econômica.
Sobre a gênese da integração econômica em processo de solidificação nas áreas
meridionais brasileiras, Moura (2003, p. 589) assevera:
A inserção dos estados do Sul na dinâmica dos segmentos modernos da metal-mecânica, que era restrito ao Sudeste até décadas atrás, tem favorecido a formação de um eixo regional, que se estende da Região Metropolitana de Curitiba, passando pelo leste de Santa Catarina, até o complexo da Região metropolitana de Porto Alegre.
Foram mudanças que geraram maior integração econômica e produtiva,
especialmente entre as maiores cidades e as faixas territoriais contínuas sobre sua esfera de
influência. Houve tendências a aglomerações onde as regiões metropolitanas formadas ou em
formação conjugaram-se com aglomerações vizinhas, inserindo-as numa dinâmica comum
(MOURA, 2003).
O caso do norte do Paraná é emblemático. Londrina e Maringá, centros regionais
submetropolitanos, com funções diversificadas (possuem relativa concentração industrial; são
pólos estudantis, tecnológicos e abrigam centros de pesquisas; com respectivos comércios que
atendem a vários setores, além da presença de serviços especializados procurados pela
região), integram e articulam uma série de municípios dentro de um espaço contíguo. Ambos
são classificados pelo IBGE (1993) com grau de centralidade considerada muito forte.
Comandam outros subsistemas urbanos na região. São exemplos de espaços luminosos
multifuncionais de grande abrangência, que passaram por rápido desenvolvimento, após o
advento do meio técnico e informacional acrescidos em seus meios urbanos.
A modernização da agropecuária e os incrementos da atividade industrial, ao
provocar êxodo rural e evasão dos municípios menores, acabaram por definir alguns núcleos
concentradores. Curitiba e Porto Alegre, metrópoles consolidadas, seriam os principais
centros do Sul, ambos obtendo polarização máxima, segundo levantamento realizado pelo
IBGE (1993). Todos os subsistemas urbanos sulistas vinculam-se e dividem-se entre os
sistemas dessas duas metrópoles. Curitiba centraliza toda a rede urbana paranaense, além de
abarcar cerca de três quartos (3/4) do estado de Santa Catarina (sateliza as áreas de
abrangência de Florianópolis, Lages e Joaçaba). Porto Alegre comanda toda a rede urbana sul-
rio-grandense e mais a região de Chapecó, no leste catarinense (IBGE, 1993).
Salientamos que embora os dados aqui referidos para a análise em questão
estejam desatualizados, foram utilizados tendo em vista o fato de não haver trabalhos mais
recentes que sintetizam esta dinâmica de forma tão pertinente quanto este.
Interessante observarmos as condições de multifuncionalidade dentro de uma
região repleta de espaços luminosos que atendem a atividades econômicas diversificadas.
Florianópolis, apesar de ser considerada pré-metropolitana, segundo a classificação do IPEA
(2001). possui setor econômico diversificado, e constitui-se como centro turístico e de
serviços, além de ser pólo tecnológico estadual e capital administrativa de Santa Catarina. É,
portanto, um espaço luminoso com funcionalidade variada, dentro de uma unidade da
federação também diversificada, com vários pólos econômicos definidos (oeste sendo pólo
agroindustrial; o sudeste, região de Crisciúma, pólo mineral-carvoeiro; o Vale Europeu,
respondendo pela produção têxtil, com destaque para Blumenau e para Itajaí, de função
portuária; e finalmente o nordeste, pólo metal-mecânico e de serviços, centralizado em
Joinville, maior cidade do estado).
A complexificação funcional das cidades da região Sudeste é um fenômeno que
salta aos olhos, especialmente nos centros médios e grandes localizados em torno do eixo Rio
- São Paulo e no interior paulista, onde a concentração territorial da produção industrial
tornou mais favorável a formação de espaços luminosos multifuncionais. Por conta da
distribuição e complementação da atividade produtiva entre os principais centros ali
localizados, pode-se dizer que trata-se de uma faixa territorial funcionalmente integrada:
A rede urbana das áreas industriais do Sudeste, especialmente aquelas do Vale do Paraíba e da área próxima à metrópole paulista, assim como o eixo que se estende de Campinas à Ribeirão Preto, caracteriza-se por forte tendência a uma coalescência física e forte integração funcional (CORREA, 2001, p. 98).
Há no processo de desenvolvimento regional uma correlação entre a incidência e a
concentração espacial dos ramos econômicos motrizes (aqueles que impulsionam vários
setores da economia) e o crescimento da indústria. Pontes (2006, p. 329) afirma que “[...] com
efeito, a conseqüência direta da concentração técnica da produção se refletiu também como
concentração espacial”. A lógica da produção espacial concentrada indica que a densidade de
elementos no espaço fomenta convergências sempre crescentes, e esta por sua vez, gera
diversidade econômica e estratificação social e funcional em áreas urbanas desenvolvidas.
Nesta perspectiva Sampaio (1983), ao estudar o caso do estado de São Paulo,
observa que o alto índice de industrialização coincide, espacialmente, com maior volume ou
presença dos ramos industriais “motrizes” e, por extensão, correspondem às áreas de
crescimento populacional e de diversificação econômica.
Partindo de São Paulo capital nota-se a expansão da “malha urbana-industrial”
que segue para o interior ao longo dos principais eixos rodoviários. Em direção ao norte do
Estado (eixo Jundiaí – Campinas – Americana – Piracicaba – Rio Claro – São Carlos –
Ribeirão Preto) consolidou-se o maior parque metal-mecânico do país e a agroindústria
produtora de álcool e açúcar. Também concentra empresas voltadas à tecnologia da
informação e da comunicação, além de possuir pólos têxteis, químicos e petroquímicos.
Em direção a leste (São José dos Campos – Taubaté – Guaratinguetá – Barra
Mansa – Volta Redonda – Região Metropolitana do Rio de Janeiro), num eixo que se estende
até o entorno da metrópole carioca, situa-se o mais importante centro de engenharia
aeronáutica e eletrônica do país, bem como indústrias automobilísticas, fábricas de motores,
indústria produtora de aviões, refinaria de petróleo e importantes centros nacionais de
pesquisa.
Ao sul, em direção ao litoral da Baixada Santista (eixo Cubatão – Santos)
localiza-se importante complexo petrolífero e petroquímico, além do maior porto do país. À
oeste, próximo à Grande São Paulo, situa-se o centro urbano de Sorocaba, que se destaca no
setor metal-mecânico e serviços variados.
Toda esta área compreende um espaço de fluxos intensos, onde a complexificação
funcional das principais cidades e a integração industrial-produtiva gerou uma ampla divisão
do trabalho. De acordo com Santos: “[...] quanto mais intensa a divisão do trabalho numa
área, tanto mais as cidades são diferentes umas das outras quanto ao seu conteúdo” (2002, p.
209), tornando maior a probabilidade de formação de pólos funcionais e multifuncionais
diversificados.
Em seu artigo sobre “Os centros de alta tecnologia e de gestão no Sudeste
brasileiro”, Almeida nos dá alguma idéia sobre as interações espaciais criadas em meio a uma
região tecnicamente moderna e economicamente próspera:
Elementos importantes no processo de modernização da estrutura produtiva, os pólos de tecnologia industrial, os pólos agrários e de gestão da produção são peças chave dos mecanismos de difusão espacial do desenvolvimento no Sudeste. É no interior desses centros que a multiplicação das interações em áreas tão diversas como a eletrônica, a informática, a mecânica fina, a ciência dos materiais, as biotecnologias, as tecnologias médicas e os processos de cientifização da tecnologia diluem as fronteiras entre a pesquisa básica de cunho acadêmico e o desenvolvimento industrial (ALMEIDA, 1998, p.30).
Almeida (1998) identifica vários centros, com status de pólos destacáveis, onde o
conjunto de atividades torna-se indicativo de que alguns deles se orientam para a indústria de
alta tecnologia, como é o caso das três metrópoles, além de São Carlos (mecânica fina,
compostos cerâmicos, engenharia de sistemas), S. J. dos Campos (aviação, material bélico,
eletrônica), Campinas (telecomunicações, mecatrônica, microeletrônica). Um outro grupo de
cidades é orientado para a agropecuária, onde se enquadram, por exemplo, Piracicaba
(biotecnologia vegetal e animal, maquinários agrícolas) e Viçosa (biotecnologia animal,
química).
E ainda há aqueles pólos orientados para a gestão, onde um número cada vez mais
significativo de cidades interioranas passa a ter participação no controle do capital, à medida
que várias empresas transferem seu setor administrativo da capital para outras cidades.
Lencioni (2004, p. 159) aponta para este sentido quando trabalha com a idéia de
metropolização do espaço no interior paulista, indicando que cidades como Campinas,
Sorocaba e S.J. dos Campos, para não citar outras, possuem características metropolitanas,
por obterem presença significativa de atividades baseadas em trabalho imaterial, praça
financeira expressiva, desenvolvida infra-estrutura de serviços reunindo, portanto, condições
essenciais para desempenhar atividades voltadas à gestão do capital, não sendo esta função
única e particular à cidade de São Paulo.
Mesmo um centro como Piracicaba, que se coloca como pólo agropecuário,
também possui destacável função industrial, uma vez que possui um complexo metalúrgico
que atende ao setor sucroalcooleiro, fabricando peças para reposição e manutenção em usinas.
O mesmo vale para Campinas que, sendo um centro respeitável da indústria
tecnológica, também possui função importante na agricultura, por dominar a engenharia de
alimentos, a biotecnologia vegetal e possuir importantes instituições na área de pesquisas
agronômicas. Ressaltemos também no caso de Uberlândia que, sendo uma referência no setor
da química fina, também possui importante função gestora, por ter se tornado um pólo
nacional da logística de comércio e distribuição atacadista em todo o país (ALMEIDA, 1998).
Assim ocorre com tantos outros pontos luminosos do Centro-Sul brasileiro que se
destacam simultaneamente em funções diversas, por apresentarem base produtiva sólida,
integração regional favorecida pelo meio técnico-científico-informacional e diversificação
econômica.
A concentração de espaços luminosos faz com que a porção Centro-Sul,
possuindo grande número de luzes multifuncionais fixas no território, suscite também uma
ordenação espacial que tem como um de seus fundamentos a conexão em redes, através de
fluxos de naturezas diversas, que promovam trocas intra-regionais que dá a região um
dinamismo que não pode ser equiparado em outras partes do território brasileiro.
3.3 – Ofuscando as luzes do Nordeste: espaços luminosos no contexto do atraso econômico
de uma região
Do ponto de vista da distribuição dos espaços luminosos, é possível, de forma
grosseira, dividir o Nordeste brasileiro em pelo menos duas regiões: podemos falar de um
Nordeste mais iluminado, com suas capitais estaduais, metrópoles e cidades médias ao longo
do litoral, e numa faixa territorial não muito distante dele. E também concebemos um outro
Nordeste, mais opaco e com um conjunto de luzes menores e mais esparsas, e que
compreende toda a área interiorana da região.
Essa “divisão luminosa”, ou esta forma de regionalizar o Nordeste, reflete, em
verdade, a concentração geográfica da porção litorânea, em contraste com uma notável
rarefação nas áreas endógenas da região.
De fato, há uma clássica divisão inter-regional, apoiada numa perspectiva físico-
natural-climática (e que de certa maneira se traduz numa divisão do quadro econômico e
socioeconômico), em que “quatro Nordestes” são reconhecidos. São eles: a Zona da Mata
(faixa litorânea), o Agreste (faixa de transição entre o litoral e a seca do interior), o Sertão
(semi-árido) e o meio-Norte (região úmida, transição entre o sertão seco e a Amazônia).
Associamos as duas primeiras (litoral e agreste) à fração de maior densidade de pontos de
luzes, enquanto as duas restantes se sobrepõem ao Nordeste opaco, de poucas luzes.
Embora o aspecto natural tenha peso relevante na ordenação do espaço geográfico
nordestino (bem como de qualquer outra região), é a ocupação humana e seu potencial de
ação (técnica, econômica etc.) que melhor explica a lógica da ordenação desta região
(MUELLER, 1996, p. 37). E, diga-se de passagem, que essa capacidade de atuação conforma-
se ao caminho da concentração das luzes, sendo indicativo de que o Nordeste mais iluminado
polariza o outro mais ofuscado. (Figuras 9 e 10)
Figura 9 – Imagem de luzes noturnas do satélite DMSP captando os espaços opacos e luminosos do Nordeste. Destaque à concentração de luzes da faixa litorânea, área onde se localizam os principais centros da região. Organizado por Osvaldo C. P. Neto
Salvador
Maceió
Aracaju
Recife
João Pessoa
Natal
Fortaleza
São Luiz
Figura 10 – Sub-regiões do Nordeste: 1 – Meio Norte; 2 – Sertão; 3 – Agreste; 4 – Zona da Mata. Fonte: http://educacao.uol.com.br/geografia/ult1694u384.jhtm Numa visão que abrange todo o contexto nacional, o Nordeste se caracteriza
como uma região cuja constituição do meio mecanizado se deu de forma mais pontual e
pouco densa, com importância declinante de sua agropecuária e baixa taxa de urbanização, e
menores índices de circulação de pessoas, mercadorias, serviços e quadro socioespacial
engessado.
Sua individualidade manifesta-se numa pequena e mais primitiva divisão intra-
regional do trabalho e que, segundo Furtado (1977, p. 64), encontra fundamentos em sua
formação econômica e em sua histórica ocupação debandada:
[...] de sistema econômico de alta produtividade a meados do século XVII o Nordeste se foi transformando progressivamente numa economia de subsistência. A dispersão de parte da população, num sistema de pecuária extensiva, provocou uma involução nas formas de divisão do trabalho e especialização, acarretando um retrocesso mesmo nas técnicas artesanais de produção.
A pertinência em investigar as luzes nordestinas se deve ao fato de não serem
numerosas aquelas que se destacam no contexto econômico de uma região decadente, que
sofreu uma série de revés e onde a renovação das técnicas mais modernas parecem não obter
condições tão favoráveis para se expandir em escala ampla, por encontrarem resistência num
sistema social, econômico e produtivo pouco progressivos ou mesmo “engessados” em grande
parte deste território.
Pontos luminosos e isolados no “vazio” opaco, se excluídos das modernizações do
meio informacional, e se geograficamente distantes dos circuitos econômicos territoriais de
importância, pressupõem menores níveis de conexão e inserção no sistema de trocas e na
viabilização dos fluxos pelo território. São indicativos de menor articulação e de fraca ligação
ao conjunto dos espaços luminosos de uma dada rede urbana regional.
Obviamente, não se deve levar tal idéia como uma lei ou um princípio geral.
Mesmo porque em muitos casos, há cidades distantes que podem ser preferíveis a outra mais
próxima, se oferecerem, por exemplo, condições mais vantajosas de transporte e bom sistema
de comunicações. Entretanto, no caso do interior nordeste, o isolamento de muitos pontos
luminosos (leia-se pequenos núcleos populacionais) e a importância dos centros importantes
ou de áreas de economia ativa, em grande parte das ocorrências, faz deste distanciamento um
obstáculo à participação nas trocas e nas relações em rede de modo mais assíduo.
As bases históricas do povoamento disperso pela extensão territorial nordestina,
muito além da zona costeira, são descritas por Prado Junior (1970, p. 67), que escreve:
Completa-se assim a ocupação de todo o interior nordestino. Ocupação muito irregularmente distribuída. De uma forma geral, escassa e muito rala: o pessoal das fazendas de gado, únicos estabelecimentos da região, não é numeroso. Donde também um comércio, afora a condução de gado, pouco intenso, resultando disso aglomerações urbanas insignificantes e largamente distanciadas umas das outras.
Dessa evolução das fazendas de gado para a formação de aglomerações urbanas
pequenas, sem base produtiva consistente, em um meio físico de clima hostil / adverso (como
é o caso das cidades assentadas no Sertão), é que advém uma série de pressupostos a respeito
de tais subespaços. Por exemplo, a idéia de que os pontos luminosos desta área possuem uma
divisão de trabalho mais simples (até mesmo pela falta de diversificação de atividades); além
de um conjunto de técnicas mais rústicas ou tradicionais (menos sofisticadas), bem como a
não modernização completa ou mesmo parcial de seus setores econômicos (ou até a
estagnação/ irrelevância de um ou mais setores) é presumível e correspondente à realidade de
parte significativa ou maciça dos casos na sub-região em destaque.
Em áreas menos desenvolvidas do território brasileiro observamos o caráter
seletivo dos investimentos que privilegiam atividades ou espaços específicos. No Nordeste
tais espaços correspondem a alguns pólos e complexos industriais somente, enquanto parcelas
majoritárias da região encontram-se excluídas por não representarem interesse econômico.
[...] ainda existem no país amplos espaços em que é inegável a determinação das relações tradicionais de articulação e hierarquização dos diversos centros, notadamente em regiões ou áreas menos dinâmicas ou despreparadas para localizar novas atividades produtivas, onde a atividade
econômica é comandada por setores tradicionais e a renda gerada é relativamente reduzida (IPEA, 2001, p. 33).
Um exemplo concreto de sub-região de inexpressivo interesse ao capitalismo
moderno, onde predominam atividades tradicionais é o semi-árido nordestino. Mueller (1996)
notifica que as atividades ligadas aos setores secundário e terciário são reduzidas nas cidades
sertanejas da região, e por dependerem de altos e baixos da agricultura, são também bastante
vulneráveis. O mesmo autor ainda identifica seis sistemas básicos tradicionais de produção no
Sertão, os quais demonstram predomínio absoluto das atividades primárias. São eles: pecuária
– policultura alimentar, pecuária – policultura mista, algodão – produção alimentar, pecuária –
feijão – produção alimentar, agricultura de manchas férteis e por fim, o sistema pecuário –
extrativista (p. 46).
A rede urbana do Sertão nordestino brasileiro é formada por pequenas e algumas
cidades médias que se localizam variavelmente distantes umas das outras. Ou seja, trata-se de
um grande espaço da opacidade formado por pequenos pontos luminosos, com distância
expressiva entre si.
Não se pode olhar para o conjunto rarefeito de luzes desta área do território
brasileiro e concebê-la como uma rede de pontos luzentes, com dinamismo econômico
semelhantes àqueles verificáveis, por exemplo, ao longo de toda a costa atlântica brasileira,
repleta de luzes com conexões e interatividades variadas, do norte ao extremo sul.
Poucos são os centros urbanos de alguma importância no Sertão, sendo que os
principais devem seu dinamismo às atividades como a irrigação. A agricultura irrigada é o
único segmento da agropecuária dessa sub-região com algum potencial apreciável de
dinamização (MUELLER, 1996).
Sobre as formulações concernentes à decadência da referida área, Andrade
contextualiza:
[...] a situação das áreas semi-áridas do Brasil se agravou mais ainda, face a uma tríplice exploração: a dos interesses externos sobre o todo nacional, a dos centros mais dinâmicos do país – região Sudeste, sobretudo (mas também a Sul) – sobre o Nordeste e a do Nordeste úmido, litorâneo, que comanda a vida econômica da região, sobre a porção semi-árida dele diretamente dependente (ANDRADE, 1983, p.112).
No estudo das luzes nordestinas há ainda uma questão (e que será aqui ressaltada)
de acúmulo das funções centralizadas em alguns pontos luminosos. Isso porque ela retrata
uma rede urbana extremamente concentrada, com elevada primazia dos maiores centros e
situações de macrocefalia urbana, que fazem com que as capitais metropolitanas sejam, de
longe, os espaços luminosos a comandarem todo o sistema das relações produtivas da região.
Conforme estabelecem o IBGE (1993) e o IPEA (2001), o sistema urbano
nordestino se compartimenta em três redes estruturadas a partir dos centros metropolitanos
macrorregionais: Recife, Salvador e Fortaleza. Eles dividem entre si o comando político e
econômico do espaço regional, organizando-o. Juntas, essas três capitais acabam estendendo
suas influências por quase todo o Nordeste. Possuem centralidade máxima e todos os
subsistemas urbanos (exceto alguns do meio-norte da região aludida) são por elas
subordinados, de acordo com apreciação do IBGE (1993).
Exercem uma série de funções e com isso se tornam referências regionais como
capitais econômicas, políticas, como grandes centros produtores, com atividades
diversificadas, atrativas a um convívio variado de técnicas e, sobretudo, centralizadoras da
gestão e responsáveis pela divisão regional e social do trabalho.
Recife consolida sua influência nos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte,
Paraíba e Alagoas, dominando as regiões de Caruaru, Campina Grande, João Pessoa e os
centros regionais de Natal e Maceió. Salvador controla uma rede menos densa e mais
orientada para o litoral, apesar de ter também papel importante na estrutura do sistema urbano
no além São Francisco. Comanda todo o sistema urbano dos estados da Bahia e Sergipe,
tendo sob sua “tutela” o centro de Aracajú e as sub-regiões interioranas de Feira de Santana e
de Vitória da Conquista. Fortaleza polariza todo o Ceará e parte dos estados do Maranhão e
Piauí (IBGE, 1993).
A lógica da organização nesses três sistemas de redes urbanas (com acúmulo de
funções especialmente nas metrópoles) deve-se à falta de número significativo de centros
médios de base econômica produtiva satisfatória, distribuídas em áreas mais interiorizadas.
Em verdade, no Nordeste há um reduzido número de cidades do escalão intermediário e fraca
articulação funcional entre os centros de mesmo porte e nível hierárquico, o que faz com que
as cidades pequenas e os núcleos rurais, via de regra, estabeleçam ligações diretas com as três
metrópoles regionais e as sub-metrópoles (COELHO, 1992), em sua maioria, situadas na orla
atlântica, área densamente luminosa desta fração do território.
Este enfraquecimento do papel de muitos centros regionais medianos que,
concentram, em sua maioria, atividades vinculadas a amplas regiões agrícolas, tem a ver,
segundo conjectura Coelho (1992), com o fato dos mesmos apresentarem fraca base produtiva
para atender a demanda dos inúmeros núcleos de hierarquia inferior. Essa “deficiência
funcional”, somada a uma topologia urbana pouco estruturada é que favorece maior
centralidade do escalão superior e, consequentemente, o poder de ordenação territorial
partindo das Regiões Metropolitanas de Recife, Salvador e Fortaleza.
Torna-se incontestável o fato de os serviços e da estratificação produtiva não
estarem homogeneamente distribuídos pelo território, ou tampouco universalizados nas
diversas aglomerações do Nordeste. A indústria moderna, setorizada na Zona da Mata e em
algumas cidades importantes do Agreste, como são os casos de Feira de Santana, Caruaru e
Campina Grande que, segundo estudos recentes realizados por Pontes (2006), emergiram
como novos tecnopólos em virtude de um processo modernizador de reestruturação produtiva,
alavancou desenvolvimento de atividades ligadas ao setor terciário, diversificando ainda mais
a funcionalidade de toda esta área e se distanciando de um Nordeste sertanejo quase
totalmente à deriva dessas transformações.
No Nordeste, entretanto, é deficiente a produção de bens e serviços da maioria das cidades, e é precária sua difusão pelo espaço regional. As metrópoles e as cidades grandes apresentam estrutura de produção e distribuição complexa e diversificada, mas os bens e serviços que oferecem são disponíveis de forma extremamente polarizada [...] Em poucas cidades médias há oferta razoável e diversificada de serviços simples. Nas cidades pequenas é precária até mesmo a oferta de serviços essenciais [...] (MUELLER, 1996, p.74).
A despeito da crise e da fraqueza de muitos centros médios nordestinos,
especialmente na porção interiorana, mais opaca, tivemos recentemente a emergência de
alguns pólos localizados no Sertão e no Meio-Norte. Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) são
exemplos de cidades que conquistaram algum progresso devido à implantação de sistema de
irrigação para fruticultura, que fizeram delas centros que produzem variedades de frutas para
o mercado doméstico e para exportação.
Também no Meio-Norte, alguns centros urbanos, como Barreiras (situada no
extremo oeste da Bahia), Imperatriz, Balsa, Porto Franco (MA), Floriano (PI) e outros, bem
como suas regiões, tem experimentado fase econômica dinamizada pela monocultura da soja,
largamente cultivada nos cerrados do Maranhão e do Piauí, mediante a implantação de
grandes projetos agropecuários.
Mas esta área tem mais relação com a agricultura moderna, vinda do Centro-Sul e
que começa a se espalhar pela Amazônia, do que com o próprio Nordeste. O próprio sistema
urbano do meio-norte, comandado pelas capitais São Luiz e Teresina, na definição do IPEA
(2001), configura-se como um sistema instável e incompleto, sujeito a mudanças por causa de
suas relações com outras áreas do país.
Mueller (1996, p. 66) expõe esta questão, explicando que:
De todas as sub-regiões do Nordeste, a de fronteiras agropecuárias no oeste é a que menos se articula as demais [...] Na verdade, essas fronteiras tem estado à margem dos planos de desenvolvimento da Região. A expansão de sua agropecuária resultou essencialmente do transbordamento de fenômenos e atividades de outras regiões.
Santos (2002, p. 145) complementa, salientando que:
Se os cerrados baianos ganham em modernização agrícola, suas cidades regionais perdem quanto ao controle de suas próprias produções, que passam a ser comandadas desde outras cidades e países. Grandes cooperativas do Sudeste e do Sul do país [...] impõem suas políticas, pois completam e governam os circuitos espaciais de produção.
Há muitos outros centros médios (como Jacobina, Senhor do Bonfim, Serra
Talhada, Arcoverde, Iguatu, Paulo Afonso, entre outros) que estão muito aquém das
economias mais dinamizadas da região e pouco podem oferecer aos seus pequenos núcleos
rurais vizinhos.
O fato é que, do ponto de vista da centralidade econômica, política ou da
consolidação do meio técnico-cientifico-informacional há muitos pontos luminosos, indicados
pela imagem DMSP/OLS, que não possuem representatividade alguma.
3.4 – A Amazônia brasileira em fase de apropriação: novas luzes sobre a extensão opaca do
Centro-Norte
Ao olhar a imagem do satélite de luzes noturnas que cobre todo o território
brasileiro, vê-se que os pontos luminosos se distribuem de modo espacial desigual na
superfície. Isso faz com que haja grande concentração de luzes em áreas economicamente
desenvolvidas e/ou populosas, formando em alguns casos uma espécie de “cinturão”, uma
rede, uma “constelação” de áreas iluminadas contrastando com regiões de imensa
“escuridão”, com grandes áreas geográficas “apagadas”, opacas, onde nota-se poucas luzes ou
mesmo nenhum ponto luminoso.
[...] nem tudo é rede. Se olharmos a representação da superfície da Terra, verificaremos que numerosas e vastas áreas escapam a esse desenho reticular presente na quase totalidade dos países desenvolvidos. Essas áreas são magmas, ou são zonas de baixa intensidade (SANTOS, 2004, p.268).
Em se tratando dos espaços da escuridão, vale colocar, no caso da Amazônia, que
tal macrorregião assim se encontra por enquadrar-se àquelas áreas do globo que, por longo
tempo alimentou ciclos que não ocasionaram num processo de povoamento de modo mais
denso, vindo a ser ocupada de forma mais significativa na contemporaneidade, graças aos
atuais interesses do agronegócio e das necessidades de exploração de matéria-prima para
alimentar os circuitos produtivos internacionais.
Outrora isolada, ou largada à sua própria dinâmica, essa região vem
experimentando um processo de ocupação mais acelerado e de inserção à economia nacional e
global de forma mais definitiva, a ponto desta região brasileira se colocar como aquela que na
última década (1990 – 2000) obteve maior ritmo de crescimento urbano do país, conforme
explicita Silva (2007).
Exatamente por não possuir um conjunto tão expressivo de cidades (inclusive na
perspectiva quantitativa) é que não possui também tantas luzes. Grandes extensões do interior
da Amazônia brasileira ainda permanecem opacas, de acordo com a representação do satélite
DMSP/OLS.
Não se deve confundir, entretanto, essas extensões alunas (sem luz) com a idéia
de ausência de atividade antrópica, imaginando a existência de uma floresta densa, e
impenetrada em grande parte. O fato de não haver pontos luminosos em extensões territoriais
do interior centro-nortista do país pode ter a ver, em parte, com a escala da presente imagem
orbital aqui utilizada, que pode não captar luzes noturnas tão minúsculas como de uma
“cidadela”, ou como aquelas utilizadas para iluminar uma fazenda ou uma área de mineração.
Não significa exatamente que não haja algum tipo de economia. Mesmo porque é
sabido que o avanço da fronteira agrícola no Brasil setentrional há tempo já alcançou a
Amazônia, fundando grandes propriedades modernas (sojicultoras e de outros gêneros
agrícolas), fazendas de gado, extração madeireira e outras atividades que vem se instalando
em vários pontos no interior da floresta, desalojando a mata. O espaço opaco amazônico é
menos antropizado que o opaco nordestino ou centro-sulista. No entanto, não é isento da
presença e da ação humana.
Conceber o grande domínio Amazônico brasileiro que se espalha por dez
unidades da federação (Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá, Acre e porções do Mato
Grosso, Maranhão, Piauí e Tocantins) como uma região opaca, é fazê-lo em escala genérica e
de modo relativo, isto é, em comparação à outras regiões brasileiras com pontilhados
luminosos imensamente mais numerosos.
Podemos dividir o histórico da ocupação do imenso território amazonense em
duas fases: A primeira de modo, digamos, mais espontâneo se deu até 1960. A segunda, a
partir deste marco, se dá de modo mais dirigido, com esforços da política pública em integrar
o Norte ao resto do país.
Em seu capítulo sobre a rede urbana da Amazônia, Corrêa (1994) envolve vários
períodos da história da ocupação desta porção do território: primeiramente, tem-se a fundação
de Belém pelos portugueses, em 1616. De 1655 a 1750 a “infiltração” das aldeias
missionárias na floresta e o desenvolvimento da economia natural das “drogas do sertão”
(produtos do extrativismo vegetal) fundaram núcleos nos vales do médio Amazonas. De 1755
a 1778 a Companhia Grão-Pará e Maranhão, empresa mercantil monopolista, criada com o
objetivo de traficar escravos na Amazônia, fez com muitas aldeias missionárias crescessem e
evoluíssem para Vilas. De 1850 a 1920 ocorre o “boom” da borracha, fase de expansão da
rede urbana para o oeste da região. Novos núcleos nascem junto à confluência de afluentes e
subafluentes do Amazonas, a fim de se tornarem sedes de seringais (Xapuri, Rio Branco,
Porto Velho, Tarauacá etc.) e a cidade de Manaus floresce, opondo-se à primazia de Belém.
A partir de 1960 ocorre uma fase de incorporação da Amazônia à expansão
capitalista no país; período que será aqui discorrido com mais detalhes, pois a partir de então
muitas luzes começam a aparecer na extensão opaca do Centro-Norte.
O capitalismo, com todos os seus agentes, vem há pelo menos pouco mais de
quatro décadas mudando o rumo dessa grande região brasileira. Tem penetrado na Amazônia
e se apropriado de seu espaço e de seus recursos sob a direção das corporações internacionais,
das empresas nacionais estatais e privadas e principalmente através dos programas do
Governo Federal que visaram à abertura de uma região “adormecida” para inúmeras
finalidades.
Mas o que significa essa aparição de pontos luminosos em várias localidades da
Amazônia? Qual o sentido desse povoamento e da ocupação desse amplo território de maneira
desenfreada? A literatura tem mostrado que essa vasta extensão, cada vez menos opaca, com
vários brilhos despontando, teve desde 1960 laços estreitos com as pretensões de uma nova
organização do espaço nacional, promovida pelo Estado, no intuito de incorporar todo o norte
à economia do Centro-Sul. Mas teve também, e de forma mais clara, objetivos ligados à
utilização desta vasta área para a reprodução do grande Capital.
Na perspectiva de Becker (1990, p.13), do ponto de vista da política interna, a
abertura da região Amazônica teve como intento a resolução de várias questões:
No plano interno (a Amazônia) é vista como capaz de promover uma solução conjunta para os problemas de tensão social do Nordeste e para a continuidade do crescimento do centro dinâmico do Sudeste, abrindo a possibilidade de novos investimentos [...]
Oliveira (1991), ao tratar das políticas públicas na Amazônia, denuncia que o
Estado utilizou a idéia de integração nacional para resolver dois problemas de uma só vez:
Sob o pretexto de promover a reforma agrária no Nordeste, criou área de colonização na
Amazônia para exploração do trabalho desses migrantes (já que era preciso viabilizar mão-de-
obra para os grandes projetos minerais e agropecuários). Ao mesmo tempo, abriu caminho
para reprodução do capital do Centro-Sul brasileiro.
À isso serviram os projetos oficiais de Colonização em várias frentes de ocupação
(Pará, Rondônia e Mato Grosso), por meio da ação do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – INCRA:
No Pará há um império de imensas empresas que exploram camponeses nordestinos através de atividades agropecuárias-florestais e de grandes projetos mineradores [...] Em Rondônia a colonização desmantelou seringalistas e indígenas, criando base para os colonos vindos do Sul e do Sudeste com algum poder econômico. Há o predomínio de empresas de médio porte, de capitais nacionais, sobretudo de origem paulista (OLIVEIRA, 1995, p. 100).
Sobre a porção da Amazônia mato-grossense, região atualmente dominada pelo
agronegócio, o autor esclarece a gênese de sua formação:
O estado de Mato Grosso é uma espécie de ‘paraíso’ da colonização particular. As principais colonizações privadas, no centro-norte do estado, tem como agentes as cooperativas, empresas e colonizadoras agropecuárias, além da colonização estatal propiciada pelo INCRA (1995, p. 109-110).
De um ponto de vista mais amplo, a abertura da Amazônia teve por um dos seus
intentos a participação de grupos estrangeiros no processo de exploração da floresta, o que a
colocou na rota de expansão da economia internacional: “O processo de integração da
Amazônia ao restante do país era, na realidade, um processo de integração para melhor
permitir a entrega dos recursos nacionais da região às empresas multinacionais” (OLIVEIRA,
1991, p. 64).
Quase meio século e um território opaco com espaços até então pouco penetrados,
de pouquíssimas aglomerações humanas e com ritmo de vida próprio se transforma em uma
região governada pelo poderio do capitalismo, passando a impor sua dinâmica econômica e
uma organização espacial que obedece à sua lógica expansionista, e não mais a lógica de cada
localidade em particular.
[...] os grandes empreendimentos são mais importantes que as cidades, e estes não encontram obstáculos, ao contrário, são muitas vezes reverenciados pela comunidade local que acredita que tais empreendimentos as incluirão de vez na economia regional. Trata-se, na verdade, de investimentos públicos com interesses privados, com baixo retorno social, podendo inclusive comprometer o desenvolvimento local (SILVA, 2007, p. 12).
Noelma (2007) distingue a geração de pequenos centros urbanos da Amazônia,
localizados à beira dos rios, associados ao processo inicial de colonização da região e
obedientes à dinâmica geográfica daquele período, diferenciando-a da fundação de um sem
número de pequenas cidades alocadas ao longo das estradas, sendo muitas delas novos centros
de negócios, gerando novo ritmo de vida e suscitando fluxos e intercâmbios que respondem às
necessidades do mercado externo.
Interessante associarmos a posição geográfica dos núcleos urbanos com as linhas
tracejadas das principais vias de acesso e circulação. Abaixo, comparamos as figuras 11 e 12:
A primeira fornece o caminho das principais rodovias e hidrovias da Amazônia. A segunda
mostra, através da representação DMSP/OLS, a localização dos pontos luminosos que, em sua
maioria, coincidem com as vias de circulação da imagem anterior. São informações
importantes para as associarmos a nova lógica de ocupação dos espaços luminosos nesta área.
Figura 11 – Imagem de luzes noturnas do satélite DMSP centralizada na região Amazônica, onde ainda existe uma vasta área opaca por conta dos domínios naturais da floresta. Os pontos luminosos seguem a tracejada das rodovias federais e do rio Amazonas. Organizado por Osvaldo C.P. Neto
Cuiabá Goiânia
Brasília
Manaus Belém
Figura 12 – Ilustração que representa conjuntamente as principais rodovias existentes na região Amazônica e o trajeto do rio de mesmo nome com alguns de seus afluentes. Ambos são importantes elementos de fixação de núcleos ou aglomerações humanas. Fonte: http://www.defesanet.com.br/toa/ldn/Image50.gif
Uma nova Amazônia se formou. Aquela dos pontilhados luminosos ao longo dos
principais eixos rodoviários. E com ela as novas redes do meio técnico-científico-
informacional, que servem à produção moderna aí desenvolvida, e não à população residente.
A ocupação recente do território amazonense modificou a dinâmica da ordenação
de um espaço regional, em grande parte, alicerçada na extração de recursos naturais, no
desenvolvimento de atividades primárias e numa circulação predominantemente fluvial
(utilização das calhas dos rios para transporte hidroviário). Criou, por meio das rodovias
federais que atravessam a região nos sentidos norte-sul (Belém – Brasília; Cuiabá – Santarém
etc) e leste-oeste (rodovia Transamazônica), e através do transporte aéreo e da produção de
espaços que atendem ao agronegócio, uma nova ordenação regional que vem dando outro
sentido à geografia de algumas áreas específicas do Brasil setentrional.
O centro-norte do Mato Grosso talvez seja a área mais representativa dessas
transformações do espaço Amazônico. Atravessada pela rodovia federal Cuiabá – Santarém, a
região passou (e tem passado) por intenso desmatamento da floresta, envolvendo atividades
ligas à extração, coleta, comercialização e beneficiamento da madeira, donde se tem a
formação de pólos moveleiros em alguns núcleos (razão pela qual se instalaram na região
muitas indústrias madeireiras e serrarias). Do desmatamento passou-se para a implantação de
áreas reservadas para a criação das cidades e de espaços vastos para a atividade agropecuária
monocultora, com métodos modernos de produções em larga escala da soja, do milho, do
arroz, do algodão e da pecuária de corte (ROMANCINI, 2007).
Muitas agroindústrias e empresas multinacionais voltadas para o processamento
da cadeia carne/ grãos se instalaram na região. A soja, por exemplo, interessa aos setores
agrícola, industrial, comercial, de serviços e de pesquisas científicas. Desencadeiam uma série
de conexões que organizam no espaço um circuito econômico envolvendo praticamente todos
os setores. As novas luzes existentes nesta região têm como uma das finalidades básicas a
função de alimentar este circuito produtivo:
As cidades no norte do Mato Grosso são produzidas para serem lócus da regulação do que se faz no campo, assegurando a nova ordem imposta pelo novo modelo de divisão do trabalho agrícola, e já nascendo com um conteúdo e uma finalidade econômica: prestadoras de serviços, concentradoras de renda fundiária e sustentação do núcleo para atividade econômica predominante: agricultura modernizada e extrativismo vegetal (BONFANTI, 2004).
A lógica que dá razão a essa geração de cidades inventadas (Sinop, Vera, Sorriso,
Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Claudia, Santa Carmem, Colíder, Alta Floresta, Guarantã
do Norte etc.) está na manutenção da reprodução de um capital já territorializado na região.
Os núcleos urbanos “[...] recebem equipamentos técnicos, econômicos e sociais que
possibilitam uma dinâmica de fluidez de informações, mercadorias, serviços e capital
necessários” (ROMANCINI, 2007).
Processo semelhante se deu nas margens da rodovia Belém – Brasília. Nas
proximidades dessa rodovia que liga o interior de Goiás e alcança Belém do Pará, passando
pelo estado de Tocantins, os programas do governo na década de 1970 previam a implantação
de um programa de colonização e reforma agrária numa faixa de dez quilômetros em cada
lado da nova rodovia, segundo enfatiza Oliveira (1991). No entanto, as áreas de ocupação
ultrapassaram mais de cem quilômetros em ambos os lados, porém, não em benefício dos
trabalhadores que necessitavam de assentamentos, mas a favor do capital, informa o autor
aqui mencionado.
Nova onda de projetos minerais, agropecuários e de exploração de madeira
gerou ao longo de todo este trecho um pontilhado de luzes. As áreas para pastagens e para
cultivo de soja não param de crescer em Tocantins. A atividade comercial é concentrada nos
principais centros urbanos que margeiam a rodovia. A indústria ainda é incipiente, com
predomínio das atividades alimentares, mas o estado possui cinco distritos agroindustriais em
franca expansão instalados nas cidades de Palmas, Gurupi, Araguaina e Porto Nacional, com
estrutura para a instalação de diversos tipos de indústrias.
Sem contar as áreas de mineração que deram origem a uma rede de núcleos
urbanos no sudeste do Pará, onde se destacam centros como Carajás, Marabá, Conceição do
Araguaia e todo um conjunto de espaços luminosos menores.
O atual contexto econômico sob o qual vive a região Amazônica permite
condições para a emergência de novos centros em diferentes níveis de hierarquia urbana. E a
despeito da delimitação dos sistemas regionais, com áreas de influências definidas pelos
maiores e mais populosos centros urbanos, de economia diversificada (o IBGE define três
sistemas urbano-regionais para o centro-norte, cujos pólos de comando estão em Cuiabá –
Várzea Grande, Brasília – Goiânia e Belém – Manaus), não se pode deixar de mencionar a
ascensão de centros que passam por profundas transformações em sua base econômica, como
é o caso, por exemplo, de Sinop-MT.
Essa cidade tornou-se uma espécie de “capital regional”, destacando-se como pólo
industrial e comercial diversificados, e também como centro do agronegócio. Seu setor de
prestação de serviços (vários dos quais especializados e sofisticados) atende não só todo o
norte do Mato Grosso, mas alcança também os municípios do sul do Pará. Sua população
ultrapassou a casa dos cem mil habitantes em 2005, o que deu a Sinop a quarta colocação
entre as cidades mais populosas do MT. Um conjunto de agentes de empresas do ramo
alimentício, do setor de maquinário e implementos agrícolas, somados a um pólo moveleiro
com a presença de mais de quinhentas indústrias madeireiras, contabilizadas até metade da
década de 1990 (ROMANCINI, 2007; BONFANTI, 2004), fizeram de Sinop um centro
urbano de centralidade e influência regional progressivas. Um ponto nodal das relações em
rede no território, para citarmos Raffestin (1993).
Novas luzes se formaram na extensão norte do país, e outros espaços luminosos
estão a se instalar nessa fronteira que não para de ganhar terreno. O IPEA (2001) aponta que
no sistema urbano do Centro-Norte as cidades desempenham papel fundamental na abertura
de novas áreas à exploração econômica.
Com as tendências do avanço progressivo da fronteira agrícola, que vai
incorporando trechos do território ainda inexplorados para uso capitalista, e com o movimento
contínuo do processo de interiorização da urbanização, podemos esperar pelo despontar de
novas luzes num território em grande parte ainda opaco.
Considerações finais
O presente trabalho teve como preocupação central a construção de algumas
idéias acerca da ordenação do espaço e do território mediante a leitura trilhada por um
caminho, digamos, alternativo, que foi o caminho da linguagem propiciada pelas luzes e pelas
áreas opacas visualizadas através da imagem do satélite orbital do sistema DMSP/OLS.
O tipo de configuração que o sensor deste satélite capta na superfície terrestre é
um tanto revelador da ocupação concentrada e desigual, manifestada mediante as sombras e,
principalmente, às luzes espalhadas pelo território. Portanto, a ferramenta visual aqui utilizada
contribuiu no sentido de, ao longo do texto, representar o que se quis explicitar por meio de
expressões criadas (áreas, espaços ou territórios opacos e/ ou luminosos; luzes; opacidade;
sombra; brilho; pontos luminosos ou iluminados; pontilhado de luzes; extensão opaca ou
escura, e uma série de outros termos) e que só fazem sentido dentro do contexto deste
trabalho.
Buscamos, entre outras coisas, uma possível forma de se apropriar da
representação das informações da alusiva imagem de satélite para a produção de um texto que
correspondesse ao campo de conhecimento da Geografia. Esse tipo de representação teve
como ponto de partida a evidência de que um território desigualmente iluminado, como é o
brasileiro, nos incita a trabalhar a idéia de centralidade espacial. E esta, por sua vez, é
refletida nas áreas luminosas mais volumosas que, por imporem algum tipo de ordem ou de
controle sobre o território (ou parte dele), acabam por ganhar destaque como espaços
“centrais”.
Mas será que faz sentido falarmos em centralidade no contexto geográfico da
contemporaneidade, onde assiste-se ao predomínio dos fluxos e das relações em rede? Acaso,
a fluidez do território, isto é, a circulação crescente de certos agentes, ações e objetos
pressupõem a descentralidade? Ou podemos insistir na idéia de centralidade sob os moldes do
meio informacional?
É bem verdade que os fluxos criados pelas redes trouxeram mudanças no que
concerne às trocas espaciais, e de tal forma que a velocidade com que as ações e os objetos
fluem pode causar impressão da perda de centralidade dos pontos fixos no território (pontos
luminosos territorializados, em nossa análise particular). No entanto, devemos perceber nas
redes uma nova roupagem da centralidade, já que elas não se dão igualmente no espaço, tanto
no tange os seus aspectos qualitativos como os quantitativos:
“Os fluxos não tem a mesma rapidez [...] Os homens não percorrem as mesmas
distâncias no mesmo tempo, dependendo dos meios com que contam [...], pois não há nenhum
espaço em que o uso do tempo seja idêntico para todos os homens, empresas e instituições”
(SANTOS, 2004, p.159).
Além do mais as redes tecnológicas-informacionais, de maneira alguma, colocam
em igualdade todas as porções do território. Inversamente, ela constitui-se como mais uma
forma de afirmar as desigualdades. As regiões geoeconômicas brasileiras são muito oportunas
para exemplificarmos os diferentes momentos pelos quais atravessam uma determinada
porção territorial. Enquanto essa geografia reticular está mais consolidada no Centro-Sul e
parcialmente formada na região Nordeste, na Amazônia a realidade regional aponta para um
território ainda em fase de expansão da ocupação e da apropriação do espaço.
Talvez nunca houve tanto sentido em se falar sobre centralidade em outro período
da história como nas proporções do atual momento, onde o imperativo das redes, do meio
informacional e a concentração de agentes detentores das tecnologias trouxeram,
principalmente às chamadas “cidades globais”, centralização do poder econômico e político.
Na era informacional, as redes asseguram aos centros de decisão um domínio real sobre
outros pontos do espaço.
Em Geografia, alguns processos são importantes para a iniciação de uma análise
da ordenação e da centralidade no território. Dentre eles destaca-se a produção histórica do
espaço e a construção da ordem territorial que tal processo acarreta continuamente.
Se fossemos discorrer sobre a produção do espaço dentro da linha do tempo da
história nacional, então teríamos de atribuir aos europeus que aqui chegaram a
responsabilidade pela formação da ordenação territorial dos primórdios desta porção da
América que veio a ser conhecida como Brasil. Desde o princípio, houve uma lógica na
arrumação ou organização que os portugueses impuseram na produção espacial do Brasil
Colônia, que a eles muito bem serviu para a extração de recursos naturais, culturas agrícolas
tropicais em larga escala, exploração mineral, e uma série de outras atividades importantes
para a economia daquele período.
Mas os períodos sucessivos vão rearrumando o território, de modo que podemos
falar em ordenações posteriores introduzidas numa organização espacial que correspondia a
uma lógica pretérita. Isso altera a centralidade a e arrumação no território, pois via de regra os
espaços ou subespaços construídos mais recentemente, ou adaptados às necessidades
modernas, tendem a “desbancar” os núcleos urbanos mais antigos ou aqueles que se localizam
em trechos do território que não acompanharam a evolução técnica. E assim, esses novos
espaços construídos passam a participar mais ativamente da vida econômica nacional.
Tais modificações na dinâmica dão margem para falarmos de “espaços iluminados
que decaem, e de outros opacos ou pouco centrais que podem vir a se iluminar”. Lemos em
Santos (2002, p. 301) que: “[...] certas frações do território aumentam de valor em dado
momento, enquanto outras, ao mesmo tempo e por via de conseqüência, se desvalorizam”. No
afã de auferir lucros cada vez mais exorbitantes o Capital faz o seu recorte espacial, ora
escolhendo algumas áreas para investimentos, ora rejeitando-as em detrimento de outros
espaços onde passará a operar. Dessa forma é possível que um ponto luminoso destacável na
imagem de luzes noturnas DMSP/OLS venha a se constituir em uma área menos importante
na realidade porvir. Basta que outros pontos luminosos atinjam patamares mais elevados de
desenvolvimento técnico, acumulem riqueza e, ao se integrarem à rede econômica, ganhem
mais coerência na resposta a uma necessidade econômica temporária ou momentânea.
Para transpormos a representação da imagem de luzes nesta linguagem textual, a
fim de gerar uma “luz” no caminho percorrido para a leitura da ordenação do espaço,
explicitamos que nas interações entre o par “opaco-luminoso” (aqui traduzidas nas relações
campo-cidade), é o luminoso, isto é, o centro urbano que conecta todos os demais subespaços,
sendo ele sinônimo de espaço ordenador do território, conforme pode ser extraído do seguinte
trecho, em Santos (1997, p. 112):
O espaço total é constituído de subespaços: agrícolas, urbanos, mineiros, estratégicos, etc. Desses, somente o subespaço urbano tem as condições requeridas (o aparelho terciário) para manter relações com os demais subespaços [...] A rede urbana tem papel fundamental na organização do espaço [...] Seu estudo é fundamental para a compreensão das articulações entre as diversas frações do espaço.
Portanto, dizer que os espaços luminosos determinam os espaços opacos significa
admitir o controle da cidade sobre as demais áreas do território. Partindo dos aparatos
terciários de comunicação, informação e transporte (alocados no urbano), além da produção
industrial, podemos dizer que o espaço urbano leva ao território a ordem de seus agentes
controladores, isto é, do poder estatal, das empresas, das instituições, e de todos os agentes
circunscritos naquilo que Harvey (2005) denomina de “governança urbana”, mas cujas ações
ultrapassam, e em muito, os limites do perímetro urbano.
É desse modo que as luzes representadas na imagem noturna DMSP são aqui
colocadas como determinantes para a compreensão da arrumação do território nacional. Pois
elas expressam parte do território, se territorializam na forma de cidades ou em alguma
espécie de centro onde uma aglomeração de atores e ações gera algum poder decisório. Há
uma relação dialética na qual a concentração territorial dos espaços luminosos define e é
definida por localidades aptas a exercerem o poderio econômico e a dinamização das forças
produtivas. Elas correspondem às áreas onde há maior conexão em redes, bem como àqueles
trechos do território onde o acúmulo e a diversidade de funções e a complexificação da
divisão territorial do trabalho os tornam mais proeminentes no conjunto dos subespaços de
todo o país.
O estabelecimento da relação entre a concentração de espaços luminosos e as
condições de centralidade favoráveis às regiões, áreas ou faixas territoriais mais iluminadas,
bem como a associação entre o acúmulo de luzes nas áreas com maior reunião significativa de
elementos e agentes com potencial de difundir a ordenação territorial, através de suas ações
no espaço, foi o objetivo principal deste trabalho.
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