transformadas de fourier laplace

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32 Anais do XIX Congresso Brasileiro de Automática, CBA 2012. ISBN: 978-85-8001-069-5 CONECTANDO TRANSFORMADAS: FOURIER E LAPLACE D.A.V. Tonidandel * , A.E.A. Ara´ ujo * Faculdade Santa Rita - FaSaR Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil Emails: [email protected], [email protected] Abstract— Transforms are essential tools in electrical engineering and related areas and it is extremely im- portant that the future engineer has an firm concept of their utility. Based on that, it is intended to create a unified view of the Laplace and Fourier transforms, articulating their concept and combining the mathematical and the historic point of view, without forgetting the human aspects of the developments. Even though the final product is hardly measurable, the students’ opinions and the experience of professors seem to indicate that this approach is of great relevance in creating a solid basis of learning. Keywords— Laplace transform, Fourier transform, step function, higher education. Resumo— As transformadas s˜ao ferramentas essenciais em engenharia el´ etrica e ´ areas afins, sendo de extrema importˆ ancia que o futuro engenheiro tenha uma no¸ c˜ao integral de sua utilidade. A partir dessa premissa, objetiva-se criar uma vis˜ ao conjunta das transformadas de Laplace e Fourier, unificando seu conceito, com a fundamenta¸c˜ao matem´atica acrescida do aspecto humano e hist´orico. E embora o produto final seja algo de dificil mensura¸ c˜ao,aexperiˆ encia de professores e a opini˜ao de alunos parecem indicar que o uso desta abordagem ´ e de grande relevˆancia ao criar uma base s´olida de aprendizado. Palavras-chave— Transformada de Laplace, transformada de Fourier, fun¸c˜ao degrau unit´ario, educa¸ c˜aosu- perior. 1 Introdu¸c˜ ao A transformada de Fourier - em conjunto com a transformada de Laplace - constitui, prova- velmente, na principal ferrameta [matem´ atica] do engenheiro eletricista. Juntamente com as s´ eries de Fourier, desempenha importante papel em di- versas ´ areas, desde comunica¸ oes, processamento de sinais, sistemas de controle, antenas, al´ em de ser extremamente ´ util na resolu¸c˜ ao de problemas de valor de contorno 1 , embora com um poderio re- lativamente menor que a transformada de Laplace em alguns aspectos. Por exemplo, para calcular a resposta de um circuito el´ etrico a um dado valor de entrada [tens˜ ao ou corrente], a transformada de Laplace fornece a resposta transit´ oria e perma- nente. J´ a a transformada de Fourier limita-se ao regime permanente. Ela pode ser definida como uma soma [integral] ponderada de sen´ oides com- plexas: F (ω) -∞ f (t)e -jωt dt . (1) A transformada inversa, f (t) 1 2π -∞ F (ω)e jωt dω , (2) converte a transformada de volta para f (t). Isto por´ em n˜ ao ´ e novidade. O nome “trans- formada de Fourier ” refere-se ao grande f´ ısico- matem´ atico francˆ es Jean-Baptiste Joseph Fourier 1 Equa¸ c˜oes Diferenciais Parciais - EDPs. (1768 1830), em raz˜ ao de seu grande - em to- dos os aspectos - e aclamado livro Th´ eorie Analy- tique de la Chaleur. Diz-se frequentemente que se imaginarmos afun¸c˜ ao f (t) como um feixe de luz, ent˜ ao a transformada de Fourier, como um prisma, quebra a fun¸c˜ ao em diversos componentes de frequˆ encia ω que a comp˜ oe, cada uma de in- tensidade F (ω). As v´ arias frequˆ encias seriam chamadas cores e dessa forma, a transformada de Fourier forneceria o espectro de cores do si- nal. Fazendo o caminho contr´ ario, a transfor- mada inversa de Fourier combina o espectro, ou seja, combina todas as cores, para retornar ` afun¸c˜ ao original. De maneira similar, a transformada de Laplace ´ e definida, em termos atuais, pela equa¸c˜ ao: L{f (t)} = F (s) -∞ e -st f (t)dt , (3) com a transformada inversa expressa pela integral de invers˜ ao de Bromwich, tamb´ em chamada de integral de Mellin-Fourier (Bromwich, 1916) 2 : f (t)= L -1 {F (s)} 1 2πj Γ F (s)e st ds , (4) 2 A integral de invers˜ao que fornece a transformada de Laplace inversa foi obtida, em 1916, pelomatem´a- tico da Universidade de Cambridge Thomas Jonh I’Anson Bromwich (1875 1929), que utilizou a forma com- plexa da integral [leia-se transformada] de Fourier f (t)= 1 2π -∞ e jωt -∞ f (u)e -jωu du .

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Page 1: Transformadas de fourier laplace

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Anais do XIX Congresso Brasileiro de Automática, CBA 2012.

ISBN: 978-85-8001-069-5

CONECTANDO TRANSFORMADAS: FOURIER E LAPLACE

D.A.V. Tonidandel∗, A.E.A. Araujo†

∗Faculdade Santa Rita - FaSaR

Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, Brasil

†Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Emails: [email protected], [email protected]

Abstract— Transforms are essential tools in electrical engineering and related areas and it is extremely im-portant that the future engineer has an firm concept of their utility. Based on that, it is intended to create aunified view of the Laplace and Fourier transforms, articulating their concept and combining the mathematicaland the historic point of view, without forgetting the human aspects of the developments. Even though the finalproduct is hardly measurable, the students’ opinions and the experience of professors seem to indicate that thisapproach is of great relevance in creating a solid basis of learning.

Keywords— Laplace transform, Fourier transform, step function, higher education.

Resumo— As transformadas sao ferramentas essenciais em engenharia eletrica e areas afins, sendo de extremaimportancia que o futuro engenheiro tenha uma nocao integral de sua utilidade. A partir dessa premissa,objetiva-se criar uma visao conjunta das transformadas de Laplace e Fourier, unificando seu conceito, com afundamentacao matematica acrescida do aspecto humano e historico. E embora o produto final seja algo dedificil mensuracao, a experiencia de professores e a opiniao de alunos parecem indicar que o uso desta abordageme de grande relevancia ao criar uma base solida de aprendizado.

Palavras-chave— Transformada de Laplace, transformada de Fourier, funcao degrau unitario, educacao su-perior.

1 Introducao

A transformada de Fourier − em conjuntocom a transformada de Laplace − constitui, prova-velmente, na principal ferrameta [matematica] doengenheiro eletricista. Juntamente com as seriesde Fourier, desempenha importante papel em di-versas areas, desde comunicacoes, processamentode sinais, sistemas de controle, antenas, alem deser extremamente util na resolucao de problemasde valor de contorno1, embora com um poderio re-lativamente menor que a transformada de Laplaceem alguns aspectos. Por exemplo, para calcular aresposta de um circuito eletrico a um dado valorde entrada [tensao ou corrente], a transformadade Laplace fornece a resposta transitoria e perma-nente. Ja a transformada de Fourier limita-se aoregime permanente. Ela pode ser definida comouma soma [integral] ponderada de senoides com-plexas:

F (ω) ,

∞∫

−∞

f(t)e−jωtdt . (1)

A transformada inversa,

f(t) ,1

∞∫

−∞

F (ω)ejωtdω , (2)

converte a transformada de volta para f(t).Isto porem nao e novidade. O nome “trans-formada de Fourier” refere-se ao grande fısico-matematico frances Jean-Baptiste Joseph Fourier

1Equacoes Diferenciais Parciais - EDPs.

(?1768 † 1830), em razao de seu grande − em to-dos os aspectos − e aclamado livro Theorie Analy-tique de la Chaleur.

Diz-se frequentemente que se imaginarmosa funcao f(t) como um feixe de luz, entaoa transformada de Fourier, como um prisma,quebra a funcao em diversos componentes defrequencia ω que a compoe, cada uma de in-tensidade F (ω). As varias frequencias seriamchamadas cores e dessa forma, a transformadade Fourier forneceria o espectro de cores do si-nal. Fazendo o caminho contrario, a transfor-mada inversa de Fourier combina o espectro,ou seja, combina todas as cores, para retornara funcao original.

De maneira similar, a transformada de Laplace edefinida, em termos atuais, pela equacao:

L{f(t)} = F (s) ,

∫ ∞

−∞

e−stf(t)dt , (3)

com a transformada inversa expressa pela integralde inversao de Bromwich, tambem chamada deintegral de Mellin-Fourier (Bromwich, 1916)2:

f(t) = L−1 {F (s)} ,1

2πj

Γ

F (s)estds , (4)

2A integral de inversao que fornece a transformadade Laplace inversa foi obtida, em 1916, pelo matema-tico da Universidade de Cambridge Thomas Jonh I’Anson

Bromwich (?1875 † 1929), que utilizou a forma com-plexa da integral [leia-se transformada] de Fourier f(t) =

1

∞∫

−∞

ejωtdω∞∫

−∞

f(u)e−jωudu .

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para um contorno fechado qualquer Γ que cir-cunda os polos de F (s)est.

Em aplicacoes praticas costuma-se interpre-tar as transformadas de Laplace e Fourier comotransformacoes do domınio do tempo para o do-mınio de frequencias.

Apesar do nome gaules, o desenvolvimentoda transformada de Laplace − que homenageia omarques da corte de Napoleao Bonaparte, Pierre-Simon de Laplace (?1749 † 1827) − comeca com omatematico suıco Leonhard Euler (?1707 † 1783)que, em 1744, escreveu integrais muito proximasa forma atual da transformada (Euler, 1769). Japelos idos de 1807, Fourier, conterraneo de La-

place, publicou o primeiro artigo descrevendo oprocesso da transferencia de calor atraves da equa-cao do calor [heat equation], que acabariam maistarde culminando no seu “Teoria Analıtica do Ca-lor” [do frances Theorie Analytique de la Cha-

leur ] (Fourier, 1878).

A equacao integral que mais tarde recebe-ria o nome de “transformada de Fourier”, foiobtida por Fourier ao considerar o problemade um solido condutor de calor de compri-mento infinito, uma extensao do problema fi-nito que deu origem a sua famosa serie tri-gonometrica. No primeiro, f(y) − que repre-sentava a temperatura do solido − era umafuncao periodica considerada em um intervalo−π/2 < y < π/2, em que y representava ocomprimento. No ultimo, Fourier permite ocomprimento do solido, i.e., o perıodo, tenderao infinito (Fourier, 1878).

No projeto de sistemas de controle, por exem-plo, o engenheiro usualmente deseja avaliar os efei-tos de resposta do sistema mediante uma excita-cao em sua entrada e frequentemente lanca maode ferramentas como a funcao degrau unitario u(t)e de transformadas como as de Fourier e Laplace.Isto porque ao conhecer a resposta de um sistemaa uma entrada do tipo degrau [ou impulso], e pos-sıvel determinar imediatamente a resposta do sis-tema a uma entrada x(t) arbitraria3. Elas per-mitem modelar o comportamento do sistema nodomınio da frequencia mediante suas funcoes detransferencia.

Embora a conexao entre as transformadas deFourier e Laplace seja evidente, elas nao sao equi-valentes (Tonidandel, 2011). Na tentativa de secriar um conceito unificado das duas transforma-coes, seria possıvel encontrar algum elemento quefaca a conexao entre elas? E o que sera visto noque segue.

3Ja que, pelo teorema da superposicao, pode-se mostrarque um sinal temporal x(t) arbitrario pode ser representadopor uma sequencia de funcoes degrau u(t) ou impulsivasδ(t) espacadas no tempo com ∆t → 0.

2 O degrau unitario

A equacao integral de Laplace, foi obtida eutilizada pelo marques especialmente em teoriadas probabilidades, quando ele se debrucava so-bre o problema da interpolacao (Laplace, 1779).Ja a epoca, Laplace escrevia a equacao na formaquase moderna4:

F (p) =

∞∫

0

tp−1f(t)dt . (5)

Porem, mais de um seculo haveria ainda dese passar ate que a transformacao pudesse evoluira partir da forma que Laplace deixou (Laplace,1810). Ate o aparecimento das sofisticadas apli-cacoes atuais em engenharia, o proximo grandepasso na direcao de tornar a transformada de La-place um metodo viavel na solucao de problemaspraticos foi dado pelo intrepido e obscuro5 inglesOliver Heaviside (?1850 † 1925). Com sua “mate-matica experimental” [termo criado por ele], Hea-viside reduziu equacoes diferenciais a meras equa-coes algebricas, simplesmente representando a di-ferenciacao no tempo como um operador − e.g.,

substituindo ddt

por p e d2

dt2por p2 e tratando o

“p” como uma entidade algebrica qualquer6, umnumero − e nao parou por aı (Tonidandel andAraujo, 2012).

Na tentativa de resolver inumeros problemas,Heaviside criou a funcao H(t) que, por algumtempo, levou o seu nome e que mais tarde ficouconhecida como funcao degrau unitario u(t) comoilustra a figura 1.

t

u(t)

1

-

6

b

b

Figura 1: Funcao degrau unitario.

4Hoje ela ainda e utilizada, porem e mais conhecidacomo transformada de Mellin e inclui, dentro de suas apli-cacoes, a resolucao de certos tipos de equacoes diferenciaiscom coeficientes variaveis.

5Para se ter uma clara ideia de como Heaviside era vistopor seus contemporaneos, consultar (Jeffreys, 1927).

6Que seria o equivalente a atual variavel “s” da teoriada transformada de Laplace.

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Ao final do seculo XIX, Heaviside escre-veu na modesta revista de tecnicos em eletri-cidade, chamada “The Electrician” − poste-riormente compilados nos “Electrical Papers”de 1892 (Heaviside, 1892) − sobre uma tec-nica que havia desenvolvido e chamado de Cal-culo Operacional. Nestes trabalhos, Heavisideconcentrou-se no tratamento de sinais de ten-sao que eram aplicados repentinamente em uminstante t = 0, e.g., v = 0 para t < 0 ev = 1 para t > 0. Esta e, obviamente, suafamosa funcao degrau [apesar de nunca a terchamado assim]. Heaviside a escrevia como“1”, e seus seguidores usaram frequentemete anotacao H(t) em sua homenagem.

Mas o que, alem das aplicacoes conhecidas, fazdesta simples funcao uma ferramenta tao impor-tante? Ela, como sera visto, e uma forma inte-ressante para se compreender a relacao entre astransformadas de Fourier e de Laplace. E paraisto, deve-se fazer a seguinte pergunta: qual e ovalor da funcao degrau unitario H(t), ou na no-tacao moderna, u(t), no instante t = 0? Isto e,qual o valor de u(0)? Na definicao de Heaviside

[figura 1], a funcao valia zero para t < 0 e tornava-se um imediatamente apos t = 0, i.e., u(0+) = 1.Esta questao era dispensavel naquela epoca ja que,como e notorio, a transformada de Laplace consi-dera apenas sinais causais7.

A funcao degrau e uma funcao nao-simetricaque possui uma descontinuidade, ate o momentoignorada. Isto e, pela definicao de Heaviside,

u(t) =

{

0 se t < 01 se t > 0

(6)

e, caso se queira calcular diretamente sua trans-formada de Fourier, tem-se:

U(ω) =

∞∫

−∞

u(t)e−jωtdt (7a)

= − 1

jωe−jωt

0

(7b)

= ?

Isto nao faz sentido, pois e−jωt e uma funcaoperiodica que oscilara eternamente entre ±1 [ou±j]. Logo, a expressao e−j∞ nada significa, ja quee−jωt nao se aproxima de valor particular algum,a medida que t → ∞. Sera entao possıvel conce-ber uma forma na qual a transformada de Fouriernao seja indeterminada no infinito? Por que naobuscar a transformada de Fourier de, por exem-plo, e−σtu(t), com σ > 0, ao inves de apenas u(t)?Dessa maneira a busca inicial seria alterada, na-turalmente. Mas considere por um momento que

7Segundo Lathi (2007), uma funcao f(t) e dita causalse f(t) = 0 para todo t < 0.

isto seja possıvel − pois, com t → ∞, o termoe−σt desapareceria. Calculando a transformadade Fourier para a nova funcao v(t) = e−σtu(t),tem-se:

V (ω) =

∞∫

−∞

v(t)e−jωtdt =

∞∫

−∞

eσtu(t)e−jωtdt

=

∞∫

−∞

u(t)e−(σ+jω)tdt

=

∞∫

0

e−(σ+jω)tdt

= − 1

σ + jωe−(σ+jω)t

0

=1

σ + jω. (8)

O termo e−σt e chamado“fator de convergencia” ee responsavel por remover o problema com o limitesuperior da transformada. Assim, ate o momento,tem-se o par:

e−σtu(t) ↔ 1

σ + jω, (9)

da funcao e−σtu(t) e sua transformada de Fourier.Mas a questao do valor de u(0) ainda nao foi resol-vida. O fato de u(t) ser uma funcao descontınua,significa que ela pode assumir qualquer valor emt = 0? Isto nao parece correto, pois significariaafirmar que limσ→0 e

−σtu(t) = u(t) implica emlimσ→0

1σ+jω

= 1jω

e por conseguinte u(t) ↔ 1jω

.A propria razao parece indicar um problema, jaque a transformada de Fourier possui apenas aparte imaginaria. No entanto, ao calcular a trans-formada inversa de Fourier no par obtido da equa-cao 9,

e−σtu(t) =1

∞∫

−∞

1

σ + jωejωtdω , (10)

algo impressionante acontece: de fato, escrevere−σtu(t) e apenas uma forma de dizer que a fun-cao e−σt e zero para t < 0. Em t = 0 a funcaovale u(0), que e independente de σ e e exatamenteo que se procura. Dessa forma, fazendo t = 0 naequacao 10, tem-se:

u(0) =1

∞∫

−∞

1

σ + jωdω =

1

∞∫

−∞

σ − jω

σ2 + ω2dω .

(11)A parte imaginaria do integrando da equacao 11sera zero, porque o integrando e uma funcao ım-par. Assim,

u(0) =1

∞∫

−∞

σ

σ2 + ω2dω =

1

π

∞∫

0

σ

σ2 + ω2dω .

(12)

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Fazendo-se a mudanca de variaveis x = ω/σ ⇒ω = σx − e consequentemente dω = σdx − tem-se, por fim, o valor da descontinuidade na funcaodegrau unitario:

u(0) =1

π

∞∫

0

σ

σ2 + ω2dω

=1

π

∞∫

0

σ2

σ2 + σ2x2dx

=1

π

∞∫

0

dx

1 + x2

=1

πarctan(x)

0

=1

2.

Isto e, o valor u(0) ilustrado pela figura 2 possuium valor real, o que e natural, apesar de ser umresultado impressionante! Em verdade, o “truque”

t

u(t)

-

6

b

b

r

1

1/2

Figura 2: Valor de u(0).

de se adicionar um fator de convergencia e−σt paraa transformada de Fourier,

V (ω) =

∞∫

−∞

e−σtu(t)dt

=

∞∫

0

u(t)e−(σ+jω)tdt , (13)

esconde uma realidade ainda maior. Ora, se forfeita a mera mudanca de variaveis σ + jω = s,tem-se:

V (ω) =

∞∫

−∞

u(t)e−(σ+jω)tdt

=

∞∫

−∞

u(t)e−stdt

= U(s) , (14)

que e, como se pode perceber, a transformada deLaplace da funcao degrau unitario:

U(s) =1

s=

1

σ + jω. (15)

Nesta altura dos acontecimentos, pode-se conside-rar como uma das pontes de ligacao entre as trans-formadas de Fourier e Laplace exatamente a fun-cao degrau unitario, criada por Heaviside ha maisde um seculo! O que e lıcito afirmar, seguindo oobjetivo proposto de criar uma visao unificada doconceito das duas transformadas, pois uma e ou-tra sao, em essencia, a mesma coisa [secao 3]! Aquestao do valor da funcao degrau em t = 0 en-globa ainda outra questao de extrema importan-cia: como a transformada de Fourier se comportaem uma descontinuidade? Do resultado obtidopara a funcao degrau, pode-se conceber, por indu-cao, que a transformada converge em uma descon-

tinuidade para seu ponto medio, i.e. f(0+)+f(0−)

2 .Fato que nao e tao impressionante, visto a analo-gia feita por Fourier da sua transformada comouma extensao da serie homonima. Para as seriesde Fourier, o fenomeno de Gibbs [J. W. Gibbs(?1839 † 1903)] estabelece exatamente isto: que aserie de Fourier converge em uma descontinuidadepara seu ponto medio (Hunt, 2005).

3 Consideracoes finais

Ao comparar as transformadas de Laplace eFourier, acaba-se por descobrir que elas podemsimplificar bastante a resolucao de um problemaespecıfico. Comparar, no entanto, consiste emprocurar relacoes de semelhanca e de diferenca.Mais rigorosamente, as transformadas de Laplace

e Fourier podem ser compreendidas como inte-grais de contorno em um plano complexo, que re-alizam operacoes neste universo (Papoulis, 1962).Ambas nasceram como tecnica de resolucao deequacoes diferenciais, mas tomaram uma formaabrangente e inimaginavel, principalmente no quediz respeito a versatilidade de aplicacoes; tendoseguido a partir daı caminhos relativamente −ou aparentemente − dıspares. A transformadade Laplace, que opera sobre todo plano com-plexo, “especializou-se” em sistemas dinamicos ee muito eficiente no estudo da estabilidade de sis-temas, sobretudo lineares e invariantes no tempo(LTI) (Andrews, 1999).

A teoria da estabilidade leva inevitavelmentea funcoes temporais da forma e(σ+jω)t, com σe ω ∈ R. Esta forma “explode” para t → ∞se σ > 0 e por isso σ ≤ 0 e a condicaopara um comportamento estavel do sistemaanalisado. E acontece frequentemente ques(= σ + jω) seja uma raiz complexa de umaequacao f(s) = 0. Se f(s) e um polinomio,isto implica que f(s) e analıtica. Geralmente,a questao nao e sobre valores especıficos de σ,mas simplesmente se todos os valores de σ saomenores ou iguais a zero, condicao que asse-gura a estabilidade do sistema.

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O problema de determinar se todas as so-lucoes para f(s) = 0 tem raızes negativasfoi proposto por Maxwell [que ficou interes-sado em estabilidade quando estudava a dina-mica dos aneis de Saturno em meados de 1850](Nahin, 1998). Este problema foi resolvido al-gebricamente pelo rival de Maxwell em Cam-

bridge, Edward John Routh (?1831 † 1907).Mais tarde, em 1855, o matematico alemaoAdolf Hurwitz (?1859 † 1919) solucionou omesmo problema utilizando a nascente teoriade funcoes de variavel complexa. Atualmente,os estudantes aprendem a tecnica com o nomede regra de “Routh-Hurwitz” para a estabili-dade.

A transformada de Fourier, por sua vez, e idealpara o estudo de fenomenos transitorios e de res-posta em frequencia, ja que realiza operacoes so-bre o eixo imaginario, mas permite “enxergar” as-pectos que a primeira nao pode, ou que pode demaneira mais complexa (Lathi, 2007).

Historicamente, uma tem relativa ascenden-cia com relacao a outra, visto que, nos primor-dios do desenvolvimento da transformada de La-

place, a formulacao de Fourier foi frequentementeutilizada para validar os resultados obtidos coma primeira. O proprio Heaviside apoderou-sedeste artifıcio inumeras vezes, utilizando inclu-sive exemplos de difusao de calor explorados porFourier (Heaviside, 1893) [p.286-288] ou demons-trando que o teorema da expansao levava dire-tamente as series de Fourier, para o caso deuma tensao periodica, assumindo, desde aquela,epoca que o operador “p” era um numero com-plexo (Heaviside, 1893) [p.131-134].

Unificar, neste contexto, nao significa criaruma transformada unica. Ha inclusive traba-lhos neste sentido, como por exemplo (Corinthios,2002) e uma transformada generalizada nao teriautilidade pratica para os objetivos propostos. Ointeressante aqui e observar como as duas trans-formadas delicadamente se “tocam” exatamentena funcao degrau unitario, que pode ser utilizadacomo um mote para a compreensao das relacoesentre as transformadas de Fourier e Laplace e que,matematicamente, a transformada de Laplace esimplesmente a transformada de Fourier amorte-cida. O nome da funcao (unitario) ganha aqui,talvez, um novo significado, qual seja o de unifi-car, de unir, de articular, de, em ultima analise,sintetizar.

Referencias

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