um talisma

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Um talismã

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Joana Silva

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Um Talismã

de Joana Silva

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Joana Silva

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Agradeço à minha família

por me ter ensinado a amar.

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Joana Silva

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Parte I

Prefácio

Quando nasci a minha mãe colocou a mão sobre o meu pequeno peito e disse:

- Meu querido filho, o mais novo e o mais poderoso... com um destino tão nobre pela

frente.

É a única recordação que tenho da minha mãe. Foram as minhas irmãs que me

criaram.

O meu pai e a minha mãe eram feiticeiros. Todos os seus poderes passaram só para

mim, pois os meus irmãos tinham nascido com os seus próprios poderes.

Os meus irmãos dizem que a nossa mãe e o nosso pai morreram para me darem os

poderes que precisava para o meu destino, mas nunca ninguém me disse qual era o meu

destino...

A minha mãe gravou-me para sempre as suas palavras e o seu rosto na minha

memória.

Para honrar a minha mãe percorro o mundo em busca do que ela dizia ser o meu

destino!

Gosthaf

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Primeiro Capítulo

Dos meus olhos nascem lágrimas desesperadas.

Dos meus sorrisos aparecem ilusões de sonhos inalcançáveis.

Dos meus dedos saem magias despedaçadas.

Do meu coração surgem sentimentos intocáveis.

Pedaços de tudo o que é meu,

de tudo o que me constitui,

de tudo o que um dia será teu.

Pedaços soltos, despegados do que já fui.

Sonhos, esses que tanto falo, são impossíveis

de um dia lhes encontrar o fim,

abandona-los só porquê sim,

de os tornar mais reais do que imagináveis.

Mas estarão todos destinados ao final?

Ou haverá algo nesses sonhos para lá do banal?

Se amar, for parte que vai para lá do comum,

Pois amo, e não amo qualquer um!

Desta vez não é mentira, é algo especial!

que teria ela feito para eu fugir dela daquela maneira? Era uma ideia que

não conseguia abandonar.

Não sabia, tentou esquecer o assunto e os meus olhos, era tudo o que a sua

cabeça queria... mas por outro lado... estava preocupada comigo e os seus ouvidos ainda

conseguiam ouvir o meu choro… era tudo tão estranho!

...

O

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Enquanto permanecia sentada no mesmo sítio onde outrora estive, a sua mãe chegou a

casa.

Ainda tinha o cabelo a pingar e a toalha à volta do seu corpo. A sua mãe perguntou

como é que ela tinha tomado banho em apenas trinta minutos e porque razão estava no

chão e nua.

Não teve resposta para nenhuma das perguntas, apenas disse sem qualquer emoção na

voz:

- Vou vestir-me, depois falamos.

Subiu as escadas para o duplex e encontrou-me sentado na sua cama com a cabeça

para baixo e pedi-lhe:

- Veste qualquer coisa... eu não olho, prometo!

Não perguntou o porquê de eu dizer aquilo, apenas fez o que mandei.

Quando acabou de se vestir, estiquei-lhe uma rosa vermelha e comuniquei:

- Estou a tua espera lá em baixo!

Lancei-lhe um sorriso magnífico e desapareci.

A sua mente estava inquieta ao tentar descobrir como conseguia, eu, mudar de cara,

tão facilmente, como conseguia estar a sorrir num momento e no seguinte já não, mas

estava disposta a descobrir tudo isso e muito mais.

Pegou num lenço amarelo, colocou-o ao pescoço, vestiu um casaco sem o abotoar,

pois, apesar de ser verão, era quase noite. Deu um beijo à mãe e informou que ia sair.

Quando abriu a porta que dava para a rua, tinha recuado séculos no tempo...

O seu lenço amarelo tinha-se transformando num vestido amarelo. Peguei na sua mão

e sussurrei-lhe ao ouvido:

- Não sou um fantasma... sou um feiticeiro.

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Segundo Capítulo

Posso escrever-te todas as palavras que me apeteça,

menos as verdadeiras.

E eu que só digo bobagens e asneiras…

Ou penso de mais ou não penso antes que aconteça!

Posso escrever para um mundo inteiro

ou apenas para ti, porque na realidade

não vou tirar qualquer proveito

de ambas as possibilidades que referi.

Sei que vais ser como todos os outros, como os demais.

Penso muito ou estou desbocar tudo e ai ouço palavras como: “jamais!”

Ministro esse, que desconheço o nome, ficou conhecido,

Por tal frase sem sentido!

eguei-lhe na mão e ajudei-a a subir para a charrete, beijei-lhe a face e o

cocheiro encantado começou a guiar a charrete por uma Lisboa que ela nunca

vira antes, em vez das estradas de alcatrão, tinha pedras de calçada e em vez

dos grandes prédios altos e horríveis, tinha casas com alguns andares e bonitas fachadas.

- Poderás ver Lisboa assim sempre que quiseres! – comuniquei sorrindo. – Gostava de

te mostrar tudo o que já vi...

Estava encantada com tudo o que a rodeava.

- Não estás a gostar? Queres voltar para a tua casa? – perguntei ficando preocupado

pelo seu silêncio.

- Não, não é nada disso! Apenas nunca tinha visto Lisboa assim… - afirmou num

suspiro.

- Esta é a Lisboa que eu conheci.

- Espera lá! Que tu conheces-te?

P

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- Sim! Que espanto é esse?

- Mas os feiticeiros não fazem só magia? E isto não é só uma ilusão?

- Bem, sobre isso há muita coisa que te tenho de explicar por isso vou limitar-me a

responder ao que perguntaste... isto não é uma ilusão e os feiticeiros, como eu, não

fazem só magia.

- Explica-me! – Quando olhou para as pessoas à sua volta não viu nenhum fantasma. –

Espera lá! Tu enfeitiçaste-me para não ver fantasmas ou é só coincidência?

- Não, não é coincidência. Lancei-te um feitiço, mas se quiseres posso retira-lo… -

propus.

- Não! Não! Está tudo perfeito assim.

...

Passamos uns longos minutos em silêncio, a Matilde olhou para a sua mão e descobriu

que a acariciava docemente com a minha.

Naquele dia tinha aprendido que um feiticeiro não fazia só magia, pode transformar-se

num fantasma, pode recuar e avançar no tempo, mas o mais importante era que o toque

de um feiticeiro é frio e dá arrepios.

...

Beijei-lhe a face e sussurrei-lhe ao ouvido:

- Já é tarde! Temos que voltar...

Nota pessoal: o toque dos lábios de um feiticeiro é bem mais gélido do que o da sua

mão.

- Está bem. – respondeu.

Fiz a charrete desaparecer do Terreiro do Paço e aparecer à entrada de uma casa muito

alta, branca, janelas brancas e com alguns anjinhos desenhados como decoração

exterior.

Os meus lábios gélidos voltaram a tocar as suas orelhas:

- Esta era a minha casa. Bem, era a casa dos meus pais e onde eu nasci.

- Os teus pais também são feiticeiros?

- Eram. Morreram no dia em que nasci... um feiticeiro só nasce feiticeiro se os pais

também forem feiticeiros. – Peguei-lhe ao colo para a ajudar a descer da carruagem. –

Os meus irmãos ainda vivem aqui.

- Não íamos voltar para a minha casa?

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- Aqui é a tua casa. Já vi, que não percebes... para o teu prédio ser construído a minha

casa foi destruída...

- Desculpa!

- Não peças desculpa. A culpa não foi tua. E as coisas estão sempre a mudar... só

temos que nos habituar à mudança...

- Se está casa foi destruída... como é que os teus irmãos vivem aqui?

- Eles são feiticeiros como eu, logo, não têm que viver exatamente no mesmo mundo

que tu. Por palavras bonitas e simples, vivem num mundo paralelo ao teu

- Não percebo nada.

Com toda aquela conversa fomo-nos aproximando da porta, abri-a e a Matilde entrou.

Quando se virou de costas para que lhe pudesse tirar o casaco, que tinha sobre os

ombros, cometeu o terrível erro de fechar os olhos... naquele lugar, estava a porta de

entrada da minha antiga casa e no segundo seguinte, estava apenas a Matilde e as suas

calças de ganga…

Tirei o casaco e coloquei sobre o ombro, caminhei como se fosse criança... pela velha

Lisboa que conheci...

Desde o dia em que nasci que não me sentia tão feliz. Estava a fazer a coisa errada... a

apaixonar-me... mas era uma sensação tão boa!

O único problema que havia é que ela não sabia quem é quem eu realmente era.

O rapaz dos olhos verdes, alto, de cabelo comprido e louro, não era de todo eu.

Era apenas mais um feitiço, a minha vida não passava disso. Feitiços atrás de feitiços!

Provavelmente sentir-me feliz era apenas mais um feitiço como tantos outros. Se ela

estava a apaixonar-se por mim, talvez também fosse apenas mais um feitiço...

O rapazinho alto, de cabelo louro e ar feliz tornou-se num rapaz de estrutura média, de

cabelo castanho-escuro e com um ar triste.

O calor do meu corpo que deixava as minhas bochechas vermelhas e que me aquecia o

coração, desapareceu com uma brisa fresca do anoitecer.

Precisava de pensar...

Segundos depois estava na praia e estava, novamente, a tentar suicidar-me.

Sem qualquer dúvida, estava amaldiçoado de duas maneiras. Não podia ter a Matilde e

não podia morrer...

...

Quando tirei a cabeça de dentro de água tinha os meus irmãos a rodear-me.

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A primeira coisa que a minha irmã Dora me fez foi dar-me um a chapada e ralhar

comigo:

- Paras de te tentar matar? Temos uma solução para o teu problema.

- Encontrei esta erva numa viagem que fiz ao Amazonas, segundo a minha pesquisa...

– começou o Benjamin.

- A NOSSA pesquisa... esta erva torna uma pessoa com sangue de dríade meio

imortal! – concluiu o Deodeto.

- Sangue de dríade? – perguntei sem perceber do que falavam.

- Sim, é muito comum nos humanos, o sangue de dríade. – disseram o Benjamin e o

Deodeto.

- Eu criei este colar, sempre que ela o usar vai ser semi imortal. – afirmou a Íris.

- E quanto é esse semi imortal? – perguntei sem hesitar.

- Não adoece! – respondeu a Dora de maneira clara.

- É apenas algo temporário... – começou o Deodeto.

- Depois tentemos arranjar outra solução! – interrompeu o Benjamin, desaparecendo

os dois em seguida.

As minhas irmãs arrastaram-me para fora da água e secaram-me as roupas.

- Estás a brincar com o fogo! – advertiu a Dora.

- Tu ama-la? – perguntou a Íris preocupada.

- Não sei… mas desejo-a ter só para mim e para sempre! Acho que estou a ser

invejoso mas os olhos dela são tão fortes e ela nem sequer conhece o meu verdadeiro

olhar... ela vê-me como isto... – Mudei de aspecto para o rapaz louro. – Mas não sou

assim! E se ela ver como sou, não vou poder voltar a olhar para ela, porque a única

maneira que tenho de me esconder dos olhares dos outros é tornar-me num fantasma,

mas ela vê fantasmas. Sou um falhado! – acebei por fazer o que não queria, desabafar

tudo de uma vez.

- Não, não és! És o feiticeiro mais poderoso de todos os tempos... – começou a Íris a

consolar-me.

- Sim... posso fazer tudo o que quero, posso ter tudo o que quero, menos ela! Mas eu

não quero mais nada! Só a quero a ela! Quero realizar o desejo do pai e da mãe... mas

ela faz parte de tudo isso e o que é que posso fazer? Nada!

- Isso é mentira. – contou a Dora levantando-se e ficando de costas para mim.

- O que sabes a mais do que eu? – perguntei confuso.

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-Sei que só tens a certeza do que dizes, quando explorares todas as hipóteses até à

ultima. – referiu a Dora.

A Dora desaparecendo com a Íris.

Olhei para o mar e colar estava a flutuar na água... por enquanto estará protegida.

Como o rapazinho louro, peguei no colar e regressei a casa da Matilde.

Quando colocou as almofadas na cama para se deitar, beijei carinhosamente uma das

suas faces, ao mesmo tempo que lhe colocava o colar, que os meus irmãos me tinham

entregado, no seu pescoço.

Tocou com as pontas dos dedos sobre o colar e descobriu uma meia-lua por baixo

deles.

- Promete-me que nunca o tiras!

- O que recebo em troca? – perguntou meio atrevida.

- Conto-te a minha história.

- Nesse caso, prometo!

Deitei-me a seu lado, quando ia reclamar afirmei:

- É só para contar a história, eu não durmo portanto, quando te contar o que tenho para

contar, tiro o meu rabo desta cama!

- Acho bem! – reclamou. – Explica-me porque não dormes!

- Não faço ideia! Os meus irmãos dormem, eu não!

- Quem são os teus irmãos?

- Dora, Íris, Deodeto e Benjamin.

- São todos feiticeiros?

- Sim. Mais especificamente, a Dora é sobredotada, já ganhou muita coisa no mundo

dos feiticeiros, a Íris tem um dom, consegue ver coisas sem ter que viajar no tempo, é

tipo vidente. O Benjamin e o Deodeto são gémeos e por isso têm que andar sempre

juntos porque os seus poderes estão divididos ao meio.

- E tu? – perguntou com a curiosidade na ponta da língua.

- Nasci sem poderes. Recebi os poderes do meu pai e da minha mãe.

- Porquê?

- Eu sou o filho mais novo. Quando a minha mãe disse que estava grávida de mim, a

Íris teve uma visão, descobriu que eu tinha um grande destino. Dias mais tarde o meu

pai viajou no tempo e descobriu que eu nascia morto. Eles sabiam os riscos de eu não

cumprir o meu destino. No dia em que nasci levaram-me até um sítio especial e

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passaram-me os seus poderes. Mas há uma regra no mundo dos feiticeiros e os

feiticeiros só podem receber poderes se assim o desejar mas eu recebi antes de

conseguir fazer isso... – Ele deu-me a mão. – E isso fez com que atingisse os dezassete

anos em alguns meses e que nunca mais crescesse não te posso dizer quantos anos

tenho, para dizer a verdade nem eu sei... – apercebi-me que ela tinha adormecido e parei

de contar a minha história

É claro que não cumpri o que disse. Passei a noite toda deitado a seu lado a olha-la.

O seu cabelo negro, que fiz questão de o percorrer com os dedos... os lábios finos... a

sua pele... tudo no seu rosto era fantástico... a coisa que mais desejava era que se

pudesse tornar minha.

Como é óbvio a Matilde não ia gostar de saber que lhe tinha mentido, por isso viajei

no tempo para descobrir a que horas ela acordava e voltei a deitar-me com ela.

Cinco minutos antes de ela acordar sentei-me no caldeirão do quarto e fiz de conta que

estava a ler as suas revistas.

O seu quarto era pequeno, o telhado era baixo na parte a oeste e a este, em cada uma

dessas partes tinha uma janela. A cama ficava virada para norte e do lado direito tinha

as escadas que davam para o resto do apartamento, à esquerda uma mesa-de-cabeceira

em ferro pintado de preto, tal como a cama. O seu quarto era todo pintado de branco e a

colcha da cama era verde. Na parede onde ficava o cadeirão também estava um armário

enorme, com todas as roupas da Matilde. O seu computador era portátil e estava em

cima da mesa-de-cabeceira.

- Passas-te aí a noite toda?

Perguntou ela assim que se levantou da cama. Olhei para o monte de revistas que ela

tinha ao lado do sofá (fiz magia para saber tudo o que estava lá escrito) e respondi:

- Adoro a frase do Justin Beiber, “só quero encontrar alguém que me ame”. É algo

muito maduro para alguém com apenas dezasseis anos. Eu quando tinha dezasseis anos

ainda fazia cocó nas fraldas.

Fi-la rir-se. Cheguei à conclusão que ela era ainda mais bonita quando ria. As suas

bochechas faziam umas covinhas lindas...

- Tu também dizes que em meses ficaste com dezassete anos acho que é normal!

Preciso de me vestir. Podes esperar lá em baixo?

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- Claro! Ah! É verdade! A tua mãe saiu mais cedo porque precisa de fazer horas extra

para segurar as contas na tua casa... bem, é isso que diz o bilhete que a tua mãe deixou.

Eu sou rico. Posso ajudar.

- Nem penses! Agora desce. Já falamos!

Vestiu um top rosa e uns calções minúsculos, desceu as escadas e o seu cheiro

espalhou-se pelo ar que eu respirava.

A cozinha era pequena, como o resto da casa e não havia maneira de fugir quer ao

cheiro quer à beleza da Matilde.

- Aqui está o teu café!

Inclinei-me sobre a mesa da sua cozinha para lhe dar a caneca com o café... mas o

cheiro do seu cabelo era tão intenso e os seus lábios chamaram por mim...

Beijei-os suavemente, quando ia para tornar aquele beijo especial, o feitiço que

mantenho sobre mim para a minha aparência mudar, desapareceu, como se... como se

ela me apagasse os poderes. Afastei-me antes que ela abrisse os olhos e recuei no

tempo...

Tinha regressado a velha casa onde os meus pais moravam mas o presente não estava

muito longe de mim.

Conseguia ouvir tudo que a Matilde pensava, tudo o que dizia, tudo o que fazia...

como o Benjamin e o Deodeto têm os poderes divididos por serem gémeos, era como se

eu e a Matilde partilhássemos da mesma magia.

O tic-tac do relógio da cozinha da Matilde deixava o meu cérebro louco... os

pensamentos dela rasgavam-me a pele... ouvi uma cadeira arrastar, perfurou-me os

ouvidos. Comecei também a ver o que ela fazia... pegou no telefone e marcou uns

números rapidamente, sabia-os de core e disse “Olá, Daniel!”.

Como podia? Como podia ligar àquele rapaz estúpido e mimado, depois de lhe aplicar

um beijo com todo o meu amor? Como podia ir ligar ao namorado depois do que tinha

acontecido entre nós?

Voltei a ouvir a voz dela “o nosso beijo de ontem e todos os outros que já me aplicas-

te...”, não podia ouvir mais tentei partir aquele laço entre nós com magia, mas a minha

magia parecia tão fraca ao lado daquela que não consegui. “menti, não significou nada

para mim, desculpa, as coisas mudaram e já não sou a tua namorada.”.

Do outro lado da linha do telefone ouviu-se “mas o que é que mudou?” e ela desligou

o telefone e falou para mim, mesmo não me vendo:

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- Acho que isto diz tudo! Eu não quero que voltes a fugir de mim… se és mesmo

feiticeiro como dizes, devias de conseguir ouvir os meus pensamentos. – Começou a

chorar. – devias conseguir perceber que não te quero longe de mim… Devias de

perceber tudo isso e muito mais!

O que queria ela dizer com aquilo? Não eu sei, mas o bichinho que me roía o coração

parou. E aconteceu algo que não ouvia sem ser em visões do passado...

- Tumm... Tumm... Tumm...

O meu coração voltara a bater... desde do momento em que nascera com o meu

coração silencioso, aliás ele era completamente calado. Nunca o tinha ouvido bater...

exceto no dia em que o meu pai lançou um feitiço à barriga da minha mãe para ter a

certeza do que ela dizia.

Sem saber o que fazer, fui ter com os meus irmãos.

- Agora as tuas visitas são frequentes! – declarou a Dora com as mãos cheias de

farinha do bolo que estava a preparar.

Beijei a face da minha irmã, puxei uma cadeira e sentei-me.

- O meu coração voltou a bater!

Os seus olhos azuis abriram-se e olham para mim, um segundo depois tinha a mão

dela sobre o meu peito e uma lágrima azul escorreu-lhe pela cara.

- O que fez ela, que eu não consegui fazer? – perguntou a minha irmã triste.

- Tu nunca me perdoaste pela morte dos pais. Nunca me amaste com todo o teu ser.

- Eu fiz tudo por ti, Gosthaf! – explicou ela a gritar. Empurrou-me com toda a sua

força contra uma parede, o que fez partir a parede e depois docemente beijou-me a face.

Voltou a falar de uma docemente: - Eu criei-te como se fosses meu! Eu não dormi

durante meses, porque tu não dormias... eu não te amei mais porque o meu coração não

conseguiu.

- Não é bem esse tipo de amor que quero indicar. Eu amo-a, de uma maneira que

nenhum de vocês me poderia amar. – Levantei-me do chão e saltitei alegre pela cozinha

na minha forma física não enfeitiçada. – Só tenho medo de uma coisa... – referi parando

e voltado à forma que a Matilde conhecia. – Tenho medo que ela me ame pelo aspecto e

que... e que... depois de ver quem eu sou... nunca mais me queira ver.

- Só sabes isso quando a beijares. – afirmou a Dora.

- Eu já a beijei! Não resisti... inclinei-me sobre a mesa, mesma à frente da sua face... e

perdi o controlo dos meus poderes! Voltei a ser quem realmente sou. Tive que fugir!

Mas depois fiquei agarrado a ela, como se fosse os seus olhos, os seus ouvidos, os seus

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pensamentos... sei que ela acabou com o namorado por minha causa... e ela não sabe

quem realmente sou...

- Não fiques assim, não há amor pela aparência, apenas pelo coração. Alem disso,

tenho que te avisar, tens dois meses, o tempo está a contar... tic, tac... tic, tac...

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Terceiro Capítulo

A diferença entre o errado e o certo,

É como um enorme deserto.

Onde os perigos estão escondidos nas areias movediças.

E o sol é tão quente que pode queimar chouriças.

Em que a vida não parece existir,

E todos os sonhos se começam a extinguir.

Mas percorro as areias quentes areias do deserto.

Em busca, de... não sei bem ao certo...

Mas não faço intenções de desistir!

ois meses? Como podia eu faze-la apaixonar-se por esta “coisa” em dois

meses?

Que deveria eu de fazer? De repente lembrei-me da história dos meus

pais... eles apenas precisaram de um beijo e alguma magia de encantamento para

saberem que se amavam mais do que algum dia deviam ter descoberto. E a Raquel e o

Amadeu? É verdade! Algumas trocas de olhar chegaram... A verdade é que todos eles

eram lindos (fisicamente)! Bem, a Alice e o Horácio... Sim, o Horácio sempre foi

horrível para elas (tratou-a mal, apesar de ter aquilo que eu não tenho, beleza), a Alice

odiava-o.

Mas a Matilde não me odeia! Os olhares nunca existiram! E não vou usar magia com

ela! A não ser que ela peça, é claro.

Dar-lhe-ei tudo, mas mesmo tudo, o que ela pedir...

Amá-la-ei se esse momento chegar...

Farei tudo para a ver sorrir...

Aconteça o que acontecer, sei a vou desejar!

Tinha dois meses para estar com ela e tinha que aproveitar cada segundo...

D

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Ela estava a dormir no sofá quando voltei a aparecer. Parecia um anjo. O seu cabelo

negro fazia caracóis a volta da sua cara, os seus lábios chamavam pelos meus, os seus

olhos estavam fechados mas eu lembrava-me perfeitamente da sua cor, azuis como o

céu. O seu corpo que me atraia tanto...

Alguém perfeito para uma pessoa tão imperfeita como eu.

A sala, ao contrário de toda a casa, era grande, um sofá à frente da televisão, uma

lareira do lado esquerdo do sofá e uma grande mesa de jantares atrás do sofá repleta de

fotos da Matilde.

Algum tempo antes, descobri que o meu coração batia, literalmente, por ela e naquele

momento também descobria que os meus olhos intocados pelas lágrimas choravam por

não a poder voltar a beijar...

A minha magia parecia sumir-se a cada segundo que estava com ela. O meu lado de

feiticeiro poderoso desvanecia-se aos pés do que quer que fosse que desejasse. Percebi

nesse momento que eu iria morrer se não houvesse alguma solução para estarmos

juntos.

Ou melhor, eu era mortal a partir do momento em que vi o seu cabelo flutuar sobre o

ar poluído daquela grande cidade. Eu era mortal desde o momento em que vi os seus

olhos triste olharem a rua por onde eu passeava… desde do momento em que a vi no

banho e acima de todos esses momentos, o momento em que perdi os poderes por a

amar…

Sentei-me cuidadosamente, para não a acordar, e coloquei a sua cabeça sobre as

minhas pernas. Como ela era bela, como era tão “novinha”, como eu a amava tanto...

Acordou comigo a olha-la, como se admira-se cada traço do seu rosto, mas parecia já

não se incomodar com isso.

Nessa tarde, levei-a a fazer coisas que nunca imaginará poder fazer. Coisas como

atirar-se de uma ponte e segundos antes de ter um violento impacto contra a água, eu

segurava-a e nem sequer a deixava molhar-se. Fi-la conseguir respirar debaixo de

água…e tantas outras coisas… Fi-la sentir-se como eu me sinto, imortal! E ainda lhe

prometi que seria sempre assim, eu protegê-la-ia para sempre.

Apesar de esse sempre ser mais curto do que algum dia iria desejar.

A parte que mais apreciei nesse dia, é que acredito que tenha sido, mais ou menos,

nessa altura que ela se começou a apaixonar por mim…

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Essa noite foi crucial para ela, na noite anterior eu tinha-lhe contado a minha história,

agora seria a sua vez.

Estávamos os dois deitados a olhar para o teto do seu quarto (tinha enfeitiçando-o para

parecer o céu de uma noite estrelada, finalmente, ela começava a habituar-se aos meus

feitiços).

- Bem, eu vejo espíritos desde que me lembro que vejo. Antes considerava-os amigos,

mas depois percebi que não. Não os podíamos chatear e podiam partir a qualquer

momento. Tive sorte! A minha mãe acreditava no que eu dizia quando todos me

chamavam doida... bem, o único namorado que tive foi o Daniel, mas não durou muito

tempo, por isso não sei bem se conta como um namorado. Amigas? Não tenho. E acho

que não quero ter. Vão-me trazer mais fantasmas para eu ver. A minha mãe passava os

dias a trabalhar, a as noites comigo no hospital. Eu ficava entregue a uma minha

vizinha, mas ela dava-me comer e não me fazia mais nada. A sério, nem sequer me

mudava a fralda, usa uma daquelas fraldas para idosos e usava a mesma durante o dia

inteiro, por isso sempre fui muito doente. Eu não sei quem é o meu pai, nunca o vi,

abandonou-me a mim e a minha mãe quando eu era demasiado pequena para ter

memórias, por tanto nem sei se sou parecida com ele ou não! Andei na pré-escolar mas

eu já desde essa idade que sou “a miúda esquisita”. Na primária a mesma coisa e agora

sou a “croma esquisita”, mas não me importo!

- Tens uma vida triste... – disse, beijando-a na testa. – É melhor ires dormir!

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Quarto Capítulo

Como te desejo em cada segundo da minha existência.

Como posso entender a matemática e a ciência,

Se não entendo a nossa paixão?

Não percebo como te amo tanto,

E cada dia ainda amo-te mais, para meu espanto.

Como bate o meu coração,

Pelo simples prazer,

De te desejar e querer…

Por apenas sentir o que se sente…

Por apenas te imaginar na minha mente…

amais deixaria alguém voltar a chamar a Matilde de esquisita e quem o fez ir-se-

ia arrepender.

Sim! Foi o primeiro feitiço que lancei diretamente à Matilde! Mas não tive

outra solução eu queria-a a dormir. Tinha que dormir... eu iria resolver aquilo.

Procurei nas coisas da Matilde uma fotografia da sua turma e enfeiticei, assim descobri

quem tinha gozado com a Matilde, descobri que tinham sido quase todos e quase todos

pediriam perdão.

Primeiro os rapazes, (através de uma imagem posso encontrar alguém, foi isso que fiz)

comecei pelo Daniel, dizia que a amava, mas antes tinha gozado com ela. Ele estava a

ver pornografia no computador, foi simples. Pus o ecrã branco e depois escrevi a

vermelho:

“MORTE!”

Por baixo escrevi a preto.

“Amanhã às dez da manhã, vais ligar a Matilde e pedir-lhe desculpas por tudo o que

fizeste!”

Foi suficiente para o assustar, depois a pornografia voltou ao seu ecrã e a mãe

apareceu no seu quarto, teve graça.

J

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Para alguns, entrei nos seus sonhos, a outros matei os seus animais de estimação... e

outras coisas... mas tinha a certeza que tinha resultado.

Na manhã seguinte, a Matilde acordou precisamente às nove e trinta e cinco, desceu as

escadas de uma maneira muito sonâmbula, deu-me os bons dias, prepare-lhe o pequeno-

almoço e começou a comer.

Mal terminou o seu pequeno-almoço, o telemóvel começou a tocar...

O meu plano começava a dar frutos.

De cinco em cinco minutos recebia um telefonema, e os olhos dela começaram a

olhar-me com medo. Ao fim de alguns telefonemas, desligou o telemóvel e disse:

- Como foste capaz? Eu não te pedi nada!

- Só te quero proteger.

- Não me estás a proteger! Estás a afastar todos os que conheço de mim! Eles foram

horríveis para mim, mas foi há muito tempo, águas passadas não moem moinhos!

Tentei passar a minha mão suavemente pelo seu rosto mas ela afastou-se de mim e

perguntei:

- Estás com medo de mim?

- Não sei bem...

- Estás com medo de mim?!

Dei um murro na parede, que teve muito impacto.

Ela recuou ainda mais.

- Desculpa! Não for por mal. Apenas te quero defender. Percebes? Quero tratar de ti,

como... como... – sussurrei baixinho. – Com se fosses minha...

Recuo ainda mais e disse:

- Como posso confiar em ti? Depois daquilo que fizeste aos que eu conheço?

- Eu posso desfazer tudo, se é isso que queres!

- Não, não podes! Não podes desfazer o que acabei de sentir, podes voltar atrás no

tempo e eu não me lembrar de nada disto, mas mesmo assim mais tarde ou mais cedo

vais voltar a fazer o mesmo! Isto é uma parte do que tu és e não o podes por para dentro

de ti só porque sim!

- Por favor, desculpa-me eu só te queria proteger! Não tenhas medo de mim, está bem?

- Mais ou menos... está bem e não está… Promete que não voltarás a fazer o mesmo!

- Não posso prometer, mas posso tentar.

- Então tenta! Mas não quero voltar a ver-te fazer algo parecido!

Passei o dia todo a tentar cumprir a minha promessa...

Page 28: Um talisma

Joana Silva

27

Mas não consegui voltar a toca-la... estava muito chateada comigo.

Amava-a tanto... que vê-la chateada comigo arrancava-me o coração e desfazia-o em

pedaços.

Vi que ficou com medo de mim, só desejei poder apagado tudo o que tinha feito.

É claro que consegui que volta-se a confiar em mim... mas demorou algum tempo.

Enquanto tudo isto ia acontecendo, os dois meses iam passando.

...

Tinha quase a certeza absoluta que a Matilde estava a dormir e comecei a dizer

coisas…

Alias, devia ter estado calado!

- Como me vou separar de ti? Amo-te demais...

Não queria deixar a Matilde mas queria ver as estrelas, queria sentir... não sei bem o

que queria sentir, mas era algo especial... tão especial como…

Eu queria que ela não tivesse que dormir, tal como eu, para poder leva-la a conhecer

aquilo que eu conheço. As coisas bonitas que conheço apesar de não alcançarem os

calcanhares de beleza Matilde.

...

Na manhã seguinte pude acordar ao lado dela, sabia que não ia reclamar (viajei no

tempo). E já tinha planos para aquele dia... era a coisa mais estúpida que podia visitar

com ela mas podia resultar.

Quando ela acordou e ia para falar, eu disse, interrompendo-a:

- Põe-te mais bonita do que já és, quero mostrar-te uma coisa.

- Eu só me levanto desta cama se me responderes a duas perguntas.

- Está bem, e quais são?

- A primeira, é porque não acabas-te o único beijo que me deste e a segunda, o que é

que estavas a dizer ontem à noite?

- Hoje não é o teu dia de sorte! – afirmei levantando-me.

- Porque dizes isso?

- Porque não te vou dizer o que queres. Talvez um dia! Descubras mas hoje não.

- Não me levanto da cama até dizeres.

- Queres apostar?

- Quero!

Page 29: Um talisma

Um talismã

28

Usei a minha magia para a colocar a flutuar. Ao mesmo tempo que os objectos da

cozinha começaram a prepara-lhe o pequeno-almoço.

- Acho que perdes-te a aposta. – comuniquei.

- Não, não perdi. E sabes porquê? Porque eu não me levantei tu levantaste-me!

- Estás de pé, não estás? É o que interessa!

Depois saí do quarto para deixar “a roupa vesti-la”.

Ia-me esquecendo, enfeiticei a cama para que se fizesse sozinha e para que ela não

pudesse voltar a deitar-se lá.

Depois de algum tempo desceu as escadas pelo seu próprio pé e falamos durante

algum tempo, sobre algo que mudou as nossas vidas para sempre.

...

Page 30: Um talisma

Joana Silva

29

Quinto Capítulo

Como o vento sopra leve...

Como o sol brilha bem alto...

Que o frio me leve,

Num só salto...

Como as estrelas são distantes...

Como a chuva é fria...

Que tudo seja como de antes...

Que me encha de alegria...

Como desejo voar...

Como desejo cantar...

Em todos os meus sonhos sou feliz...

Mas nesta vida, ainda, sou um aprendiz!

Quero voar bem alto...

Quero aprender a voar, num só salto...

Quero ser uma bailarina...

Isso está escrito na minha sina!

Como quero ver como as fadas...

Como quero ver como as sereias...

Como quero ver criaturas aladas...

Como todos as acham feias!

Como a magia é ilusão...

A magia enche-me o coração!

Eu sei que elas existem,

Não me digas que não!

Page 31: Um talisma

Um talismã

30

...

uando ela acabou de comer, desapareci e transformei a sua roupa num

vestido, ela suspirou:

- Lá vamos nós outra vez...

Pegou na sombrinha que tinha junto da porta de entrada, ouviu soar uma campainha,

abriu a porta e eu esperava-a com um ramo de flores e um beijo na face, para lhe fazer

uma proposta:

- Queres vir passear comigo?

- Achas que estou suficientemente bonita para ir? – perguntou apontado para toda ela,

como se ela já não fosse bonita o suficiente.

- Claro! Só há um problema, não vamos passear pelas ruas de Lisboa, mas sim, nas de

Condácia.

(Quando ela saiu de casa, tínhamos novamente recuado no tempo. Para o meu tempo.)

Abriu o meu chapéu-de-chuva preto (porque nos segundos seguintes começou a

chover).

...

Não gosto de partilhar coisas tão importantes como está, mas é necessário, se não

ninguém perceberá o que aconteceu em alguns segundos que mudaram a minha vida e a

da Matilde para sempre.

...

Depois de algum tempo desceu as escadas pelo seu próprio pé e suplicou fazendo uns

olhinhos que não consegui resistir:

- Por favor, diz-me a verdade!

- Está bem! Mas se depois nunca mais quiseres olhar para a minha cara, a culpa não é

minha! Bem, como sabes, sou um feiticeiro que não cumpre as regras desde o dia em

que nasceu. E claro, que isso trás consequências, para mim e para os que me rodeiam.

Então é assim: Eu tinha um destino muito importante, acho que já te contei isto… Mas

continuando, e durante muito tempo procurei “o meu destino”, sem saber ao certo o que

era ou o que devia de fazer, até ao dia em que te vi a olhar pela janela do teu quarto.

Apesar de vaguear pelo mundo em forma de fantasma, tu conseguias ver-me, eras a

única que podias faze-lo, e como nunca tinha visto ninguém como tu, decidi investigar.

Mas quando te olhei a primeira vez nos olhos senti que eras especial de alguma maneira.

Q

Page 32: Um talisma

Joana Silva

31

– Ela ouvia-me atentamente e comia o pequeno-almoço que lhe tinha preparado. – E a

verdade é que estou terrivelmente apaixonado por ti! Espera, não me julgues, ainda.

Deixa-me primeiro acabar o que estou a dizer.

- Eu não te julgo! – afirmou ela falando de boca cheia.

- E foi nesse instante que percebi que tu eras o meu destino, mas não percebia porquê

tu... até que senti um desejo por tomar os teus lábios nos meus. Bem, se quiseres saber

esse fio que tens ao pescoço é uma magia dos meus irmãos, sempre que o tiveres

contigo nunca estarás doente! Acho que já sabes o que querias saber.

- Por acaso até não! – mencionou de boca cheia.

- Então vou simplificar, eu amo-te! Eu sei que só te conheço há algum tempo, mas o

amor com feiticeiros é diferente... é mais rápido e mais profundo, é mais para sempre...

apesar de não fazer sentido.

- Depois disto, também tenho uma coisa para te dizer, mas primeiro preciso de saber

porque não acabas-te o teu beijo. – comunicou, bebendo, de seguida, um golo de leite.

- Bem, eu, eu, eu acho que não te posso, dizer isso.

- Ai, aí é que te enganas! Agora dizes!

- Espera, antes disso tenho de te dizer mais uma coisa, eu apenas posso estar dois

meses contigo.

- O quê?

- É assim, após dois meses de estar junto de ti sou obrigado a partilhar os meus

poderes contigo, mas não o posso fazer! Desculpa!

- Está bem! Eu compreendo, depois pensamos em alguma coisa.

- Isso quer dizer que não me odeias?

- Só respondo a essa pergunta quando responderes a minha.

Fui um estúpido! Só de pensar que ela podia não me amar! É claro que ela me ama, a

sua expressão facial nunca mudou, bem pelo contrário, quando eu disse “eu amo-te”, os

seus olhos brilharam para mim, ela amava-me e lembrei-me de uma coisa... “não há

amor pela aparência, apenas pelo coração” (era o que a minha irmã Dora me tinha dito),

era a hora de ela saber quem eu era. Não poderia continuar a mentir...

- E agora vou responder a tua pergunta. – Os seus olhos abriram ainda mais. – Eu não

continuei o beijo porque perdi os poderes quando senti a tua alma tocar a minha. E fugi

porque o que vês não é o que realmente sou. Eu estou enfeitiçado!

- Eu quero conhecer a tua cara, a tua verdadeira cara. Beija-me!

Page 33: Um talisma

Um talismã

32

Ela levantou-se da cadeira onde estava, coloquei as minhas mãos sobre as suas faces e

tomei os seus lábios... como se me tivesse transformado nela: Conseguia sentir os meus

lábios junto dos dela. Senti isso de duas maneiras diferentes, da maneira dela e da

minha. Senti o toque das nossas línguas novamente, de duas maneiras e ouvi os nossos

corações baterem ao mesmo ritmo.

Ela interrompeu o nosso beijo e viu tal como eu era, pensou: “para mim és lindo,

porque te escondes de mim?”, vi como ela admirava os meus olhos castanhos, depois

beijou-me e pensou, “como te digo que te amo?”

Quando os nossos lábios se descolaram, eu afirmei:

- Não precisas dizer! Eu já sei!

Foi isto que aconteceu!

Page 34: Um talisma

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33

Sexto Capitulo

Os contornos das palavras que me escreves fazem curvas... O sento das tuas palavras fazem-me lacrimejar...

Os meus olhos apenas vêm imagens turvas... Mas vêm o suficiente para saber o quanto me estás a amar!

Não vejo os teus olhos, sem sinto as tuas mãos contornarem-me...

Não sinto os teus lábios beijarem-me... Posso estar a enlouquecer, mas junto que sinto o bater do teu coração em mim!

O calor do teu corpo a aquecer-me, enfim... Sinto o desejo de me tomares nos teus braços, a corre-me nas veias!

Sinto as tuas carícias desde as mais bonitas, às mais feias!

Sinto que algo nos une. Algo nos funde!

Como do ferro ao carvão, Para lá dos nossos sonhos, para lá da imaginação!

Nessa noite, dormiu aconchega aos meus braços, mas seria a ultima vez que o faria…

Gosthaf

o outro dia pela manhã, tinha frio. Ele não estava ao meu lado, olhei para o

sofá e não estava lá.

Alguma coisa se passou pela minha cabeça e levei a mão ao peito para

ver se ainda lá estava o colar, mas tinha desaparecido. Como se tudo não tivesse

passado de um sonho.

Vasculhei as fotos que tinha no computador, estavam todas e todas inteiras, mas o

Gosthaf tinha desaparecido, procurei as fotos soltas e o mesmo.

Como podia aquilo ter acontecido? Eu continuava a senti-lo ali, tinha que sentir... O

meu coração doía tanto!...

N

Page 35: Um talisma

Um talismã

34

Fui até à janela mas via novamente todos os espíritos daquela rua, como de antes…

Ouvi a minha mãe subir as escadas que ligavam o meu quarto ao resto da casa e corri

para a cama e fingi que dormia.

- Preparada para as aulas?

- Aulas? Já? Onde estão os meus livros novos?

- Na sala, eu disse-te ontem.

Não me disse a mim. Sim, à minha gota astral, que ficava no meu quarto enquanto eu

ia passear com o Gosthaf, mas ela só dizia “está bem”, “já vou, mãe”, “não me apetece”

e “diz que não estou”, ele disse que a podia aperfeiçoar mas isso demoraria algum

tempo e eu disse que não era preciso.

- Há quanto tempo é que não saiu de casa?

- Perto de dois meses, acho eu. Porquê?

“Só posso estar contigo durante dois meses”, ele tentou avisar-me! Amava-o tanto que

nunca me apercebi do tempo...

- Vou vestir-me e já desço.

De repente lembrei-me de algo. Ele tinha-me dado um vestido como presente e tinha

feito um alçapão mágico, guardara-o lá.

Abri-o e o teto do meu quarto encheu-se de estrelas. Ele não me tinha deixado sem

nada, depois de derramar uma lágrima sobre o vestido voltei a ouvir a sua voz:

“Desculpa, tentei avisar-te mas não percebes-te e não pude dizer mais, há algo que

nunca te disse diretamente mas dir-to-ei agora, e sempre que duvidares que te amei, que

te amo e que sempre te amarei ouve isto. Sempre que chorares em cima deste vestido

ouvirás a minha voz e verás o meu rosto. Vais sentir-te triste por não poder estar contigo

mas saberás que um bocadinho de mim estará sempre aqui!

Quero-te para mim!

Quero-te para sonhar!

Quero-te para te fazer feliz!

Quero-te para te amar!

Quero-te para seres minha!

Quero-te para sempre!

Quero-te para abraçar!

Page 36: Um talisma

Joana Silva

35

Quero-te eternamente!

Quero-te só por querer!

Quero-te simplesmente porque sim!

Quero-te apenas dizer,

Que só espero que me queiras a mim!”

Enquanto ouvia a voz dele a proclamar o poema, passavam imagens à frente dos meus

olhos de todos os momentos que tínhamos passado juntos.

No final do poema tudo foi sugado para dentro do alçapão como se ele fosse um

buraco negro.

Esgravatei a tampa do alçapão com as unhas, como se isso fosse mudar alguma coisa.

Acabei por dar por mim deitada no meio do chão a chorar que nem uma perdida.

Limpei as lágrimas e pensei “ele amava-me, ele não tem culpa de ter nascido morto,

ninguém tem, não podia estar comigo é apenas isso, o nosso destino estava traçado

desde da primeira vez que o tinha visto”.

Vesti-me, comi, lavei os dentes, peguei num caderno e numa caneta e enfie dentro de

uma mala de mão, tinha que ir à escola.

- Queres que te leve? – perguntou a minha mãe.

- Se me poderes levar para Condácia, agradecia, mas como não podes, o caminho para

a escola sei eu de core! Obrigado, mas não obrigado!

Sim, fui terrivelmente bruta para a minha mãe, mas saiu sem querer.

Chapei com a porta e saí.

Assim que passei os portões vermelhos da escola ouvi a voz do Daniel e não era para

me agradecer pelo que lhe tinha dito há meses atrás.

- Então, bruxa! Sem o teu amiguinho não vês nada! Ou és só cega! Bem, além de cega

agora também és surda ou muda ou as duas coisas?

Todos se riram.

- Se pudesses ver as duas crianças que trazem contigo, estavas calado. Estão muito

desiludidas! Não sou cega, mas não gosto de ver misérias. Não sou surda apenas vozes

de burros não chegam ao céu. E não sou muda apenas acho que não vale a pena gastar o

meu latim com algumas pessoas, e tu és uma delas!

- Então e o teu amiguinho fantasma?

Page 37: Um talisma

Um talismã

36

Para aquilo não tinha resposta e todos se riram, eu mandei uma gargalhada seca e

disse:

- Antes rir que chorar! Os meus paizinhos estão mortos e os meus tios mentiram-me,

mas vou-me rir da Matilde para a vida se tornar mais fácil. Isso não resulta comigo,

posso ignorar-te a vida toda!

Isso não era bem verdade, podia ignora-lo durante muito tempo, mas não toda a minha

vida.

Para minha felicidade as aulas não demoraram muito tempo a iniciarem-se.

Durante a aula de geografia lembrei-me de algo importante. Estávamos a dar os meios

de transportes e tive que sorri no meio da aula.

Lembrei-me da primeira vez que andei de eléctrico.

Vivo há anos em Lisboa mas apenas tinha visto um eléctrico ou dois há muitos anos

atrás.

“Um dia estávamos deitados de barriga para o ar sem nenhum de nós ter sono, aliás

sem eu ter sono, o Gosthaf não dorme, e exclamei:

- Nunca andei de eléctrico.

- Está bem! - disse ele. Continuamos a conversar a noite inteira e no outro dia de

amanhã, assim que acordei ele disse: - Veste calças!

Tomei o pequeno-almoço.

Ele pegou na minha mão e pela primeira vez saltei no espaço.

Em segundos estava numa rua de pedra calçada, com as casas a caírem-lhe em cima,

uma linha de ferro onde passam os eléctricos, flores nas varandas das casas e cheiro a

frango assado de uma churrasqueira ali perto.

Um eléctrico parou em frente a nós, o Gosthaf entrou à minha frente puxando-me por

uma mão.

Tirou umas moedas do bolso e pediu dois bilhetes.

Sentamo-nos nos bancos de trás e aproveitei um pouco da minha viagem assim, mas

fartei-me depressa.

Coloquei-me de joelhos em cima de um dos bancos, abri uma das janelas e coloquei a

cabeça, ou o que conseguia dela, do lado de fora. O eléctrico não andava muito depressa

mas assim podia apreciar o cheiro ao mesmo tempo que via tudo por onde passávamos.”

- Matilde estás a rir-te de quê? Nós também nos queremos rir! – disse a minha

professora.

- Os desenhos do meu manual são tão primitivos que me fazem rir! – menti.

Page 38: Um talisma

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37

Toda a turma riu, eu, pela primeira vez na minha vida, fui parar à rua.

Os meses que eu tinha passado com o Gosthaf tinham sido inesquecíveis.

Mas depois lembrei-me da maneira como ele me amava secretamente... saltei da

cadeira onde estava (de castigo) e comecei a chorar, entrei dentro de um cúbico nas

casas de banho da escola, tranquei-me lá dentro e comecei a chorar.

Dentro da minha mochila, tinha o colar que o Gosthaf me dera, deixei as minhas

lágrimas caírem em cima dele.

A casa de banho desapareceu e vi uma das coisas que tínhamos feito juntos.

No dia a seguir a andarmos de eléctrico, fomos até à praia, depois de um passeio pelo

centro comercial.

Deitamo-nos na areia e eu encontrei um buraquinho bem junto ao corpo dele,

adormeci.

Nunca tinha visto o que ele fazia quando eu estava a dormir, mas descobri naquela

casa de banho enfeitiçada.

A altura que a ilusão mostrava, eu ainda não sabia que ele me amava, apenas

desconfiava...

“- Amo-te! Daqui a tão pouco tempo vamos ter que nos separar...

Em seguida tocou-me ao de leve os lábios.”

Ele fazia-o como se fosse um castigo beijar-me, pois, a maioria das vezes depois de

me beijar derramava uma lágrima solitária sobre a minha face.

Na recordação que o meu colar em forma de meia-lua guardava, ele chorou sobre o

meu coração.

Instintivamente levei a mão ao meu coração, nesse momento vi-o...

Estava deitado em cima de uma cama com uma colcha azul escura a dar festas a um

cão com duas cabeças, e também me viu, os seus olhos distantes brilharam e olharam

para mim...

Amaram-me como sempre, ao tirar a mão de cima do meu peito, para lhe tocar na face,

tudo desapareceu.

Matilde

Os olhos dela fizeram-me lembrar de muita coisa.

Page 39: Um talisma

Um talismã

38

Aquela cor de azul fizeram-me lembrar, porque a amava, porque os meus pais tinham

morrido...

Malditas regras dos feiticeiros! Podia estar com ela se não tivesse nascido morto.

Tinha que lhe dizer a única maneira que tínhamos de estar juntos.

Fui aquela maldita casa de banho, mas ela não estava lá.

Apesar disso, encontrei algo bem mais importante, ela tinha deixado um recado para

mim:

“Se leres isto é porque eu tenho razão! Tu consegues ver-me!

Consegues sentir o que sinto... como quando nos beijamos. Por

favor, encanta mais sítios onde eu te possa ver...

Beijos, Matilde”

Depois de voltar ao meu quarto, de me sentar em cima da cama (de guardar

secretamente aquele pedaço de papel no interior do colchão daquela cama) e de voltar a

dar festas ao Luís Afonso, comecei a pensar em sítios que pudesse enfeitiçar...

Colocou as chaves na porta fazendo-as rodar, de seguida. A sua mala escorregou-lhe

pelo ombro, deixou-a permanecer no chão. As chaves voltaram a girar dentro da porta e

assim que esta se abriu os meus poderes puxaram-na até ao meu peito.

- Temos um minuto até eu me desfazer em pó!

Beijei-a.

Voltei a sentir tudo o que ela sentia... voltei a fazer parte dela...

Depois abriu os olhos e o colar que lhe tinha dado começou a flutuar exatamente no

sítio onde eu tinha estado e tocou-lhe com apenas um dedo...

Isso foi suficiente para fazer o espaço onde estava mudar...

As suas roupas transformaram-se num vestido vermelho (não era um vestido muito

volumoso, tinha mangas até meio dos braços, um grande decote que a fazia corar, e uma

fita branca a definir ainda mais a cintura).

Dois rapazes praticamente iguais, o Deodeto e o Benjamim meteram-se ao seu lado

(um do lado direito, outro do lado esquerdo), um tinha os olhos verdes, o outro tinha-os

pretos, ambos tinham os cabelos pretos, tinham, os dois, calças de ganga e t-shirt

vermelha, corpo musculado e partilhavam um sorriso encantador.

Page 40: Um talisma

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39

- Eu sou o Deodeto, - afirmou um. – E eu sou o Benjamin. – concluiu o outro as

apresentações. E os dois continuaram o discurso. – Somos irmãos do Gosthaf! – Eles

conseguiam ler a sua mente e perceberam que ela não se recordava do que lhe tinha

contado. – Somos os gémeos! – Continuava sem perceber. – Os que dividem os

poderes... – Dentro do seu cérebro surgiu um “ah”, e eles conseguiram-no ouvir

primeiro do que ela. Por isso, continuaram a dizer o que tinham que prenunciar. –

Vamos contar-te algo muito importante.

Cada um pegou num dos seus braços (cruzaram-nos como os noivos fazem), e o

Deodeto, que estava do seu lado esquerdo, sussurrou-lhe ao ouvido:

- Em primeiro lugar: Condácia, antes era uma terra de humanos e feiticeiros, mas

quando os humanos descobriram o que havia aqui... melhor, com todo o respeito pelo

mundo mágico...

- Espera lá! Há mais do que feiticeiros? – perguntou Matilde boquiaberta.

- Claro que há! – respondeu o Benjamin com um tom lógico.

- Até unicórnios? – Voltou a perguntar.

- Não, isso são criaturas míticas! – Mandou uma gargalhada e continuou o que ia

dizendo. – Um cavalo com um corno na testa é cómico! E estúpido! Era isso e existir

bruxas com rugas no nariz, como dizem os humanos! – Voltou a rir.

- Não existem bruxas? – questionou a Matilde.

- Claro que sim! Mas não são feias, nem velhinhas! São as criaturas mais bonitas e

com ar mais juvenil que alguma vez verás. Eu já namorei com uma bruxa, mas só cá

para nós, são umas rameiras do piorio! – contou-me o Benjamin, rindo-se mais um

bocadinho.

- Mano, posso acabar o que me cabe a mim dizer? Tagarela! – resmungou o Deodeto.

- ‘Tá bem, mau feitio! – retorquiu o Benjamin.

- Não vou começar à bulha, pois não? – interrogou ela.

- Se não estivesses aqui, sim, começávamos! Mas eu acabava! – gabou-se o Deodeto.

- Maninho, eu esmurraço palhaços como tu ao pequeno-almoço! – provocou o

Benjamin.

- Acabou aqui! – gritou ela antes que começassem a lançar feitiços um ao outro. – O

que estavas a dizer, Deodeto?

- Agora, já não me lembro!

Ele fê-los viajar para trás e para a frente no tempo e depois retomou o que dizia:

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- Antes de me chamares um imbecil deixa-me continuar o que tenho que dizer! Blá,

blá, com todo o meu respeito pelo mundo mágico mas vou citar o que os próprios

humanos disseram “os cabrões, sem pila, vamos queima-los a todos”. Como é óbvio,

fugimos antes disso acontecer, por isso queimaram toda a aldeia! Nós não somos como

os humanos e por isso, não abandonamos um sítio só porque tem um problema,

resolvemos esse problema, com ou sem magia. Reconstruímos Condácia e aqui apenas

moram feiticeiros. – Por fim o Deodeto conseguiu terminar o que queria dizer.

- Como óbvio, não te trouxemos aqui só para te dizer isto, porque isso seria estúpido!

– prosseguiu o Benjamin. – Para começar, temos que mudar o teu aspecto...

- Porquê? – interrompeu ela indignada.

- Deixa-me continuar se não esqueço-me do que decorámos! – declarou o Benjamin.

- Porquê? – Voltou a interromper.

- Porque a Dora nos obrigou! O Gosthaf hoje faz hoje anos! Ele nunca se lembra do

seu aniversário, porque costumam acontecer coisas más. Mas este ano vai ser diferente.

Não puderam estar muito tempo juntos, nem se puderam beijar, se não a nossa magia

não aguenta e o Gosthaf desfaz-se, literalmente, em pó! É a única coisa que o pode

matar... – contou o Benjamin.

- Ele sabe disto, não sabe? Ele foi ter comigo minutos antes de vocês os dois me

trazerem para aqui!

- Não! Ele não sabe de nada! Deve ser só coincidência. – exclamou o Deodeto.

Conseguiu ver o seu reflexo através da magia dos meus irmãos.

Estava ruiva, com a pele mais branca do que era costume, os seus lábios eram mais

encarnados do que alguma vez foram, as suas pestanas tinha crescido e o seu nariz

estava estranho, mas os seus olhos permaneciam iguais.

- Porque não me mudam a cor dos olhos? – perguntou intrigada.

- Porque poderás ter o cabelo de todas as cores que achares possíveis que o Gosthaf

sempre te reconhecerá através dos olhos, são especiais para ele... – disseram em coro.

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Sétimo Capítulo

Doces amargos sonhos que me enchem o coração.

Não digo mais que amo, aí, não digo, não!

Sonhos, esses, que me deixam feliz até ao acordar,

Mas toda a madrugada matreira os vem arrancar.

E lá fico eu, chorando, com a lembrança,

Que o amor daquela noite me enchera de esperança,

De um dia não voltar a acordar.

Com os olhos inundados de brilho,

De pele pálida, de olho descaído…

Espero que num dia a noite dure para sempre,

Esperarei que isso aconteça! Esperarei eternamente!

stávamos num penhasco, com a água do mar a bater nas rochas, a maré

estava cheia mas não estava furiosa e a tonalidade da água era de um azul

muito claro, a pedra que existia no penhasco tinha uma tonalidade vermelha,

como a atual cor o seu cabelo.

Os meus irmãos situavam-se atrás de mim e da Matilde, dando-lhe coragem para

avançar até mim. Conforme ela se ia aproximando de mim os meus irmãos começaram

em entoar um cântico.

Quando chegou perto de mim, não a consegui recolher. Travou o meu caminho para o

mar, colocando-se entre mim e o penhasco.

Por fim, consegui ver-lhe os olhos e nesse preciso momento desejou-me:

- Feliz aniversário!

Em seguida, abriu os braços e deixou-se cair sobre o ar.

Segui-a, completamente sem pensar.

E

Page 43: Um talisma

Um talismã

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Apanhei-a em plena queda, girei-nos, para ser o primeiro a embater na água e dessa

forma, ela não se aleijar.

Assim que consegui colocar o cabelo dela longe dos seus lábios, beijei-a.

Ouvi o som da chave a rodar na fechadura da porta de entrada da casa dela e

desapareceu dos meus braços… para trás deixou Condácia e acima de tudo, deixou-me a

mim.

- O que fazes aqui toda molhada? Matilde! Acorda! Matilde, o que se passa? –

perguntava a sua mãe assustada.

Estava encharcada com as roupas a pingar água, ainda tinha o gosto da minha boca na

sua, no entanto o feitiço dos meus irmãos tinha desaparecido.

Ela estava de novo no hall de entrada da sua casa, como se tudo tivesse sido uma

ilusão.

A Íris entrou pela porta do quarto, ela tinha o cabelo preto e olhos verdes. Tinha os

olhos da nossa mãe. Exceto quando tinha visões, fica com eles vermelhos. Informou:

- Vou mudar-te a cama!

- Claro mana, saio já daqui!

Quando passei por ela, a Íris prendeu-me o braço e os seus olhos ficaram vermelhos, a

sua pele pálida, com uma voz roca e distante disse:

- O passado foi brilhante, no vosso futuro só vejo lágrimas e sofrimento! Devias tentar

protegê-la e não afastares-te só porque tens medo que te aconteça algo de mau! Se

morreres, pelo menos tens uma justificação! – Após um minuto de silêncio, a sua voz

voltou a ser doce. – Talvez seja melhor seres tu a fazer a cama!

Não se apercebeu que tinha tido uma visão.

Percebi-o minutos depois. Quando o meu cérebro pensava no que ela tinha dito e

pensava o que queria ela dizer com aquilo...

Quando a minha cara mostrou o pânico de não perceber o que devia fazer, ela

perguntou:

- O que disse? O que posso fazer para te ajudar?

O que ela disse? Eu não tinha percebido. O que podia fazer para me ajudar? Nem

sequer desconfiava.

Um pensamento gritou por cima dos outros mas tinha intenções de o ignorar…

Page 44: Um talisma

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43

Mas não podia pensar nisso estava a ser injusto! Ia por em risco a vida dela por

egoísmo.

...

Dias depois da visão da Íris, ela veio ter comigo.

- Eu tento lembrar-me da visão que tive, mas ao contrário das outras, não consigo

lembrar-me! Diz-me o que eu disse, por favor!

- Não vou dizer! Já sei que depois cometes uma loucura.

- Não o faço! Prometo pela nossa mãe.

- “O passado foi brilhante, no vosso futuro só vejo lágrimas e sofrimento! Devias

tentar protegê-la e não afastares-te só porque tens medo que te aconteça algo de mau! Se

morreres, pelo menos tens uma justificação!” Foi isso que disseste mas ainda não

consegui perceber bem, o que querias dizer.

- É simples! Lembras-te do destino que falava a mãe?

- Sim, claro! Tenho isso gravado no meu coração.

- Pois a minha profecia é mesmo isso!

- Não percebo!

- É fácil! Como é que te tornaste um feiticeiro ainda mais poderoso que a mãe e o pai?

- Não sei!

- Porque não tens apenas os poderes da mãe e do pai! Quando transferes os teus podes

para alguém naquela pedra redonda, um pouco de poder fica nessa pedra e durante anos,

inúmeros feiticeiros transferiram poderes ali. Quando tu recebes-te os teus poderes,

esses poderes que lá estavam passaram para ti. Eu estava lá quando te deram os poderes,

era pequena mas lembro-me que a pedra partiu-se, a Dora ficou muito preocupada mas

não sei porquê...

- Porque eram poderes a mais para uma criança só! – disse a Dora entrando no meu

quarto. – Esses poderes só poderiam ser dados a um feiticeiro que os pudesse dividir!

Melhor, Gosthaf deverias de ser obrigado a fazê-lo!

- Mas como? Não posso fazer isso! – perguntei.

- Na verdade podes! – disseram os gémeos em coro. – Com os cabelos que retiramos

da Matilde, descobrimos que ela é feiticeira de primeiro grau. Vamos explicar são

dríades que tem casos com feiticeiros e nascem estas coisinhas. Elas têm poucos

poderes e a maioria tem o mau feitio das mães. Continuando... – prosseguiu o Deodeto.

– Elas são raras, mas preciosas para um feiticeiro puro, alguns dos seus poderes podem

permanecer no corpo dessas criaturas durante muito, muito tempo, são como depósitos.

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– continuo o Deodeto. - Nós sabemos que tu a amas, mas tem cuidado, porque a

qualquer momento se o teu corpo precisar dos poderes voltaram para ti, mas se morreres

ela passa a estar em teu lugar no mundo dos feiticeiros, e as dríades não são bem

vistas... – prosseguido o Benjamin. – Benjamin, estas a esquecer-te como é que ele pode

passar-lhe os poderes! Então, é assim se tu agora a beijares começas a transformar-te em

pó e morres, se ela morrer ao mesmo tempo que tu, alguns dos teus poderes passaram

para ela.

- Mas não temos certezas! – acrescentou o Benjamin.

- Mas como lhe digo que ela tem que se matar para poder receber um pouco dos meus

poderes e ficar comigo, visto que ela é tão nova e podem agora querer isso mas daqui a

algum tempo, não querer?

- Deixa isso comigo! – disse a Íris desaparecendo.

- Nada de magia! – pedi, mesmo que ela já não pudesse ouvir.

- Olá! – disse a Íris. – Sou a irmã do Gosthaf, ele mandou-me entregar-te um recado,

não foi bem isso, mas foi mais ou menos! Sou a Íris! Então é assim, o Gosthaf pode dar-

te uma parte dos seus poderes... se tiveres morta!

Não faço ideia do de passou pela cabeça da Matilde, mas depois de uma semana

inteira em que as lágrimas não lhe abandonaram os olhos, ela sorriu.

Minutos depois a íris voltou, tinha-se esquecido de parte do recado.

- Apenas te podes matar ao pôr-do-sol.

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Oitavo capítulo

Porquê parar agora se estou tão perto?

Mas o caminho acaba aqui? Decerto,

Que é errado dizer que acaba no fim.

Porque só acaba quando a lama desistir, é mesmo assim.

Uma nova etapa ou aprendizagem,

Apenas nos prepara para a passagem,

Para novos horizontes definir,

E para novas aventuras partir.

O sonho é o limite,

Do que o corpo permite.

eguei-lhe na mão e implorei:

- Não vás, prefiro morrer!

- Temos uma hipótese de estar juntos! Não vou desperdiça-la!

Beijei-a e tentei-a prender, mas estava a enfraquecer por estar ali com ela. Facilmente

afastou-me e mesmo assim não parava de enfraquecer. Os meus poderes estavam a

consumir-me por dentro.

O pôr-do-sol estava exatamente a meio, saltou para água mesmo ao lado do

monumento dos descobrimentos… mergulhou para se encontrar com a morte, deixando-

me a sofrer, só com a ideia que tudo aquilo podia não funcionar…

Senti o ar abandonar-lhe os plumões, mesmo antes de entrar dentro de água. Senti o

seu corpo ser tomado pela água fria. Ao mesmo tempo que sentia o meu a ser tocado

pelo sol e a desfazer-se. Mas a minha dor, a mim, não me interessava mas sim a que ela

estava a sentir… depressa percebi que o oxigénio lhe estava a faltar no cérebro, e ainda

mais depressa descobri que ela estava a morrer e apenas pensava em mim, não ligava à

dor, a nada… estava apenas a pensar em mim.

Não consegui continuar a ver e senti-la morrer. Usei os poucos poderes que não me

desobedeciam e salvei-a.

P

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Perdi, temporariamente, os poderes. Mas salvei-a, ainda inconsciente, saiu de dentro

daquela água gélida sobre os meus braços.

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Nono Capítulo

Nos contornos do teu rosto,

Vejo tudo a meu gosto.

Nos contornos do teu ser…

Bem, que posso eu dizer?

Há tanta coisa que não é perfeita!

E tanta coisa que ainda falta ser feita!

Há tanto ainda desconhecido…

E eu, só te quero comigo!

irei a venda dos olhos da Matilde e comuniquei:

- Esta é a nossa nova casa! Podes decora-la como quiseres!

- Quando dinheiro tenho para o fazer?

- Cerca de trinta milhões, chega?

- Claro que sim! – afirmou a Matilde, beijando-me em seguida. – Quando é que

recuperas os teus poderes?

- Talvez, daqui a cem anos. Ou mais.

- Já estarei morta?

- Claro que sim.

Os seus lábios voltaram a chamar por mim, e voltei a beija-la da mesma maneira que

no primeiro dia. Apaixonadamente.

Gosthaf

T

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Parte II

Prefácio

Dicas: Mesmo que o mundo acabe e tu sejas a única pessoa a existir no mundo, não te

esqueças de quem foste!

Não te esqueças dos demais.

Mesmo que todos digam que és superior, na realidade nunca serás mais do que os

outros.

Se fores a pessoa mais poderosa do mundo e se tiveres um destino traçado pelo teu

bisavô, faz o que ele diz. Ele sabe o que queres sem ter a necessidade de te perguntar.

(Esta dica é apenas válida para pessoas como eu! Que tenham poderes de Original e a

alma também! Que tenham medo de arriscar e de traçar o seu próprio destino. Na

verdade não senti necessidade de traçar o meu destino, o Godric sabia exatamente o que

eu queria.)

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Primeiro capítulo

Percorro pequenos caminhos.

Caminhos que desconheço.

Qual será o preço,

Dos teus doces carinhos?

O medo explode dentro de mim.

Mas este caminho não tem fim?

Fecho os olhos e imagino-me ai.

Não creio que seja muito longe daqui.

A música alegre ensurdece-me os ouvidos.

À minha volta vejo campos floridos.

Ouço pequenos barulho de socas a bater no estrado,

E doces vozes a cantar o fado.

Como tudo isto pode entrar no meu pequeno quarto?

Eu era uma feiticeira doida que não queria saber de nada nem de ninguém e

especialmente da minha mãe. Se morreu pronto acabou! Não tinha nada a ver com

isso... Separei-me da dupla que fazia com o meu pai e passei a estar numa de percorrer o

mundo sozinha. Esqueci-me de tudo...

Esqueci-me das carícias que a minha mãe me dava quando era criança, quando tentava

esconder os poderes que sempre tive dos humanos (era a única forma de poderemos

estar juntos, os meus pais não podiam entrar no mundo dos feiticeiros). Esqueci-me dos

beijos que ela me dava quando os meus olhos lacrimejavam, quando era adolescente e

lhe contava os meus problemas estúpidos de uma criança a crescer. Esqueci-me do que

o meu pai dizia-me ao ouvido quando era criança, enquanto a minha mãe ia à cozinha

buscar leite morno, porque mais uma vez tinha acordado a meio da noite com pesadelos

(“um dia esses pesadelos vão levar-te até a cura da tua mãe, querida”, eu pensava que

ela estava mesmo doente, mas agora sei que apenas o seu único defeito era a sua

mortalidade). Esqueci-me das vezes que ela tentava ajudar-me a estudar medicina

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mágica (mesmo nunca podendo aprender a usar esses feitiços tão importantes para um

feiticeiro). Esqueci-me de tudo o que os meus pais me deram! Todo o seu amor! Todo o

seu carinho!

Mas arrependi-me.

No dia em que descobri que estava a ser egoísta e que tudo tal como conhecia parecia

ir acabar, decidi que não podia continuar assim.

Eu era uma feiticeira normal, envelheci exatamente à mesma velocidade que os

humanos e quando completei os meus dezasseis anos parei (porque o meu pai apenas

tem dezasseis ou dezassete anos, nunca sobe bem ao certo).

Tirei um curso de medicina mágica, porque o meu pai me obrigou, mas não consegui

descobrir o que ele queria. E pensei que nunca iria conseguir...

Quando completei os meus cinquenta anos a minha mãe morreu, eu sabia que isso

mais cedo ou mais tarde iria acontecer, por isso, nem sequer chorei.

Mas com o tempo percebi que não tinha amigos, os feiticeiros eram assim, isolados. E

há certas coisas que não podia falar com o meu pai e ia guardando para mim... Mas por

vezes tinha que chorar sozinha.

Eu sempre dizia: “posso não ter mais nada, mas não quero acabar sozinha”, mas

esqueci-me do passado, ele devia ser tudo para mim...

Esqueci-me das minhas raízes, do que era... fui tão egoísta.

Naquele momento tentei mudar tudo o que fiz de errado, apesar de tudo o que eu fiz

estar escrito, ou pelo menos programado.

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Segundo capítulo

“O passado é o tempo subtil que esconde

o que os olhos jamais querem reviver.”

enho apenas setenta e sete anos, um metro e sessenta, sou morena e tenho os

olhos pretos, tenho as orelhas do meu pai (pontiagudas), os outros feiticeiros

afastam-se de mim por isso, pensam que sou a espécie de um elfo, o meu pai

diz que isso é bom, o medo também é sinal de respeito.

Eu não gostava muito de estar sozinha e de ser gozada por isso, mas habituei-me.

Ao início era uma das melhores na escola, mas depois... comecei a desleixar-me

porque estava cansada de tudo o que me rodeava, o meu pai passava a vida a dizer

“nunca estás bem com nada”, e na verdade não!

Passei trinta anos da minha vida naquela escola! Queriam que fizesse o quê? Fosse

feliz por ser gozada? Feliz por me sentir mal ao pé dos outros? Eu não sou mentirosa!

Conclui o meu curso fiz as malas e comuniquei:

- Estou farta! Vou-me embora!

O meu pai não me prendeu, não podia. Eu sou muito mais poderosa do que ele! Tenho

sangue de dríade, de humana e de feiticeira, é uma mistura estranha mas o que interessa

é que tenho muitos poderes. A probabilidade de alguém como eu nascer com poderes

era de um em mil, bem, mas mesmo assim cá estou eu!

O tempo em que a minha mãe era viva dizia que talvez eu fosse o destino deles os

dois, pois não tenham feito mais nada de especial, sem ser ter-me.

É verdade, eu sou filha única, não sei porquê mas os meus pais não puderam ter mais

filhos.

O facto mais curioso da vida dos mais pais, sem ser que não puderam ter mais filhos

do que eu, é que os meus pais só estiveram juntos durante tanto tempo porque o meu pai

perdeu os poderes (temporariamente) e era mortal (temporariamente).

Para começar, andei à procura do meu pai... é claro que isso seria fácil, era só usar o

feitiço de procurar (ou seja, podemos encontrar tudo o que queremos se desejarmos com

T

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muita força). Pensado bem nisso, porque será que ele não usou esse feitiço para

encontrar o que salvaria a minha mãe? (Pois, mas não se pode usar um feitiço sobre

outro.)

Ele (o meu pai) castigava-se a si mesmo, estava sempre a tentar matar-se, ele pensava

que podia voltar a ver a minha mãe do outro lado, mas ele estava proibido de atravessar.

Só se o mundo acabasse é que conseguiria atravessar o portal.

...

Ele estava em Condácia, num dos penhascos, atirava-se para as águas que o vento

enfurecia, o vento que saia das mãos do meu pai.

A pedra daqueles penhascos era vermelha e a água onde ele caía era cristalina.

Quando ele ia voltar-se a atirar, gritei:

- Pai! Pára, por favor. A culpa não é tua! É minha!

Chorava demais para ele não me levar a sériu. Vê-lo culpar-se por algo que eu fiz de

errado feria-me o coração.

Quando o som da minha voz penetrou os seus ouvidos, o salto que ele voltara a tentar

para se matar ficou incompleto. Ficou a pairar no ar e depois veio a voar até mim.

- Que queres? Vens voltar-me a dizer que a Matilde está morta e que não há volta a

dar?

Ele estava todo roto, molhado, a sua cara provocava-me tristeza, por isso abracei-o.

- Não! Eu quero dizer, que quero voltar a tentar. Quero voltar a tentar encontrar o

feitiço que trará de volta a mãe!

As suas roupas secaram a uma velocidade nunca vista por um humano, o seu cabelo

rapado cresceu alguns centímetros e voltou a ter as suas orelhas pontiagudas.

- Porque manténs um feitiço sobre as tuas orelhas? – perguntou ele, mudando

tragicamente o assunto. Passou uma mão sobre uma das orelhas e retirou o feitiço que as

mantinhas escondidas.

- Não gosto delas! Gozam comigo e a culpa é toda delas. – respondi, ele abraçou-me.

- A tua mãe adorava as minhas orelhas! Um dia também encontrarás alguém que goste

das tuas. O que é que te fez mudar de ideias?

- Nada! Mas comecei a pensar e vi que me tornei uma egoísta!

- Não acredito nesse nada, mas se não queres dizer, tudo bem!

- Por onde começamos, pai?

- Há quanto tempo estás no mundo dos humanos?

- Só em visitas aos tios é que estou em contacto com feiticeiros.

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- Há quanto tempo não usas poderes?

- Desde... o dia em que tive que provar que os tinha... – disse de maneira constrangida

não queria contar o que se tinha passado.

- Lembras-te como se mexe no tempo?

Meti as mãos à minha frente, fechei os olhos e citei algumas palavras mágicas. Mas a

única coisa que consegui fazer, foi uma nuvem aparecer em cima de mim.

- Pensei que estivesses pior! – comentou o meu pai. – Não disseste as palavras

correctamente! Lembras-te do sotaque?

- Zapasia! – Tentei novamente encher o céu de nuvens.

- Está mal! É Zarpasia! Tens muito que aprender...

Como ele gosta de fazer, pegou na minha mão (como se eu ainda fosse uma criança) e

levou-me até casa dos tios.

Detesto viajar no espaço e no tempo, o meu cabelo fica esquisito e além disso faz uns

zumbidos estranhos nos ouvidos, mas nunca questionei o meu pai se aquilo seria

normal.

- Mariana! Há anos que não nos vens visita! – afirmou a minha tia Íris agarrando-se a

mim, os seus olhos eram de mais! Eram verdes, como os da minha avó... ou é isso que o

meu pai me contava.

A verdade é que mudam de cor quando têm visões, ficam vermelhos, mas quando as

visões que tem são sobre mim, bem, fica com os olhos amarelos... estranho não é?

- Ama-lo, não é? – perguntou a minha tia Íris ficando com os olhos amarelos. – Mas

porquê? De que vale ama-lo? Não é assim nada de tão especial, pois não? – A sua voz

era fria e cruel, fez-me chorar, era a voz daquela que eu considerava a minha melhor

amiga. Ela tinha dito essas palavras no dia em que descobriu o meu grande segredo, não

aguentei mais, tinha que contar a alguém, o que sentia era tão forte para ficar escondido.

– És um nojo! Metes nojo! Amar aquela coisa, um humano qualquer? Onde já se viu! –

Depois os olhos da minha tia voltaram ao normal, mas já era tarde de mais, estava

desfeita em lágrimas. – Desculpa! Não queria dizer aquilo. Sabes como sou... Não me

controlo, desculpa!

Sabem, nunca pensei aprender a usar a magia tão depressa...

(Eu não sou alguém que gosta de se vingar em cima dos outros, prefiro ficar sozinha a

chorar no meu canto.)

... Mas aprendi! De alguma maneira, consegui saltar até um sítio no mundo onde

chovia muito. Era uma cidade, o sítio perfeito para me esconder, bem era o que pensava

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tinha que esquecer aquele humano... Não era nada de especial, acho que era apenas uma

atracção física, mas depois de a minha mãe morrer precisava de falar com alguém (e

quase toda a gente servia para isso) e qualquer que fosse o assunto conseguia-me encher

até rebentar-me em lágrimas. Pensei que podia confiar na pessoa com quem dividia o

quarto, mas enganei-me. Foi nesse dia que abandonei a escola! Todos souberam da

minha paixoneta, todos gozaram comigo... O meu pai não sabe, mas nunca acabei o meu

curso por causa disso.

Encostei-me a uma parede e comecei a chorar, não por ter amado um humano, mas

porque os tempos que estive na escola foram tão penosos, que chorar era a única coisa

que podia fazer.

Tinha vergonha do que era, de quem era e ainda por cima tinha feito tudo errado. A

culpa era toda minha, de a minha mãe não estar ali a beijar-me! Porque é que eu nunca

acabei o maldito curso?

(Porque nunca tinha sido corajosa para nada na vida.)

As paredes daquela cidade pareciam-me todas cinzentas, mesmo que não fossem. Via

tudo como me sentia por dentro, a chuva tentava levar-me as lágrimas mas não

conseguiu!

Eu só queria, pela primeira vez na vida, fazer algo certo, ou pelo menos que eu

achasse que estava certo!

Ouvi um grande estrondo, levantei-me, talvez fosse o que desejava, alguém, que

precisa-se da minha ajuda para... Não fazia ideia, mas poderia ser a minha oportunidade

de fazer algo certo.

Tive que rasgar a multidão para ver o que se passava, mas quando vi, fiquei sem

palavras...

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Terceiro capítulo

Actualmente, vibro com a emoção de receber as palavras que me dedica!

A minha experiência com as palavras, de todos, não facilita,

A tua expressão isso explica, mas faz de conta que não entendo, não direi

Que compreendi o que me citas, minhas palavras guardarei,

Para o dia que for conveniente partilhar os sentimentos,

Que, actualmente, enchem os meus pensamentos!

m cima de um carro amarelo, um táxi, que estava todo amaçado, ergue-se um

homem completamente nu e das suas costas nasciam umas asas enormes.

Não sabia que existiam anjos! Nem sabia de onde é que aquele tinha caído,

mas os humanos não o podiam ver, tornei-me invisível e ele também. Fiz toda aquela

mini multidão se esquecer de tudo.

As suas asas eram enormes! Quando se pensa num anjo, pensasse em bebés de

caracóis louros e lindos, mas ele era diferente! Não era bonito e não tinha o cabelo

louro, tinha-o bem negro mas os caracóis estavam lá.

Tinha os olhos castanhos, um nariz enorme, umas orelhas estranhas. Nunca antes tinha

visto um rosto como o dele, era alto de mais, era magricela e não tinha um corpo muito

musculado.

E as suas asas eram negras!

Peguei na mão dele e fiz-nos saltar para um telhado bem alto, onde ninguém nos podia

ver.

- Que fazes aqui? – perguntei-lhe espantada.

- Sou um anjo e até ter as asas completamente brancas não posso voltar para o céu.

- Como te chamas?

- Olavo.

Após alguns segundos, não aguentei mais à espera que ele pergunta-se o meu nome.

- Não perguntas o meu nome?

- Já o sei!

E

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- O quê?

- Já sei o teu nome!

- Como sabes?

- Sou um Anjo, posso saber isso. – Ele respondeu tão depressa e com uma lógica tão

grande que fiquei sem saber o que dizer. O Olavo aproveitou a oportunidade para

continuar o seu discurso: - Porque estavas a chorar?

- Porque... – Quase que ia contando a minha vida toda a um “anjo” que não conhecia

de lado nenhum e tinha acabado de cair daquilo que todos chamam de céu. – Não te vou

encher com os meus problemas!

Atirei-me do prédio a baixo, preparava-me para viajar no tempo mas ele apanhou-me

mesmo antes que pudesse usar a minha magia.

- Ajudaste-me! Obrigado por me tornares invisível e apagares da memória daquelas

pessoas o que viram. Agora estou a dever-te uma, se ajudar falar contigo, fá-lo com

muito gosto!

- Foste expulso do céu e podes voar? – mudei o assunto.

- Claro que posso! As minhas asas já começaram a ficar brancas nas pontas, vou

recuperando os meus poderes enquanto vou recuperando a cor das minhas asas. Mas

ainda não disseste porque choravas...

- Nem vou dizer! São problemas meus, não te vou maçar!

Ele não batia as asas, não precisávamos, estávamos numa corrente de ar e ele apenas

estava a planar sobre a cidade de Nova York (sei que era lá que estávamos porque o

meu pensamento naquela altura era de como é que se podem por uma mini floresta, a

Big Apple, no meio de uma cidade).

E vi como ele era grande, não era só as suas asas que eram enormes, ele também era!

Eu tinha um metro e sessenta e ele devia de ter mais uns vinte centímetros do que eu.

E as suas costas eram tão largas comparadas com as minhas.

Ele puxou-me para ele e abraçou-me contra o seu tronco, enquanto planávamos no

céu.

- Tal como a minha mãe fazia... – sussurrei.

- Tens saudades da tua mãe, é isso? – questionou ele.

- Não é isso! Está bem! Vou-te contar, também já não aguento mais! Não posso contar

aos meus tios, nem ao meu pai, nem a minha mãe e nem sequer tenho amigos...

- É isso mesmo! Não percebo nada do que dizes, mas diz. - interrompeu ele.

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- Não me interrompas, se faz favor! Se não esqueço-me de metade das coisas que

quero desabafar. Bem, não quero, mas tenho que falar com alguém! É verdade, tens

casa?

- Eu posso dormir a voar.

- Então vais para a minha e não resmungas! É a minha maneira de te agradecer por me

ouvires. Não respondas! Deixa-me dizer tudo o que tenho para dizer. Queres que te

conte toda a minha história ou basta dizer o que me apoquenta? – Ele não respondeu, e

esqueci-me que o tinha mandado estar calado, sou tão tontinha. – Podes responder,

desculpa!

- Não faz mal! Estás triste com algo, não me importo! Faz como quiseres para mim é-

me igual.

- Como não te quero maçar conto apenas o que me deixa triste... bem, o meu pai é um

feiticeiro imortal, a minha mãe uma feiticeira de primeiro grau e eu sou a feiticeira mais

poderosa da hierarquia dos feiticeiros! Mas não uso magia há muito tempo! Nem nunca

acabei o meu curso de medicina mágica e desculpa, que já estou a contar muito da

minha vida... Resumindo: sempre fui gozada a minha vida toda, a minha mãe morreu e a

culpa é minha, a minha tia fez-me lembrar de tudo isso, e é por isso que estava a chorar!

- Porque é que a culpa é tua?

- Não sei bem, mas é!

- Então talvez não seja tua. – declarou ele para me animar.

- É sim! Sou uma tonta, devia ter tentado arranjar um feitiço para tornar a minha mãe

imortal e em vez disso desisti da escola!

- Porque tinhas mais razões para desistir do que para não o fazeres.

Parámos sobre uma grande torre de betão e não consegui dizer mais nada, aquele

anjo... não sei bem como dizer, mas até aquele dia era o único que conseguia perceber o

que eu queria dizer.

Como eu gostava que o seu pai me tivesse dito o mesmo (aliás, como gostava de

conseguir falar com o meu pai como falava com o Olavo Tinha acabado de o conhecer

mas já o sentia como se fosse um amigo, devia de ser uma característica de anjo).

Vi mais um bocado das suas asas ficarem brancas.

- Bem, se só estou há tão pouco tempo contigo e as minhas asas já ficaram um

bocadinho brancas, acho que não me importo nada de ficar contigo até ter que regressar

ao céu! – afirmou ele sorrindo.

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- Vais ter que regressar? – perguntei com um pouco de tristeza na voz, mal tinha

ganho um amigo e já o ia perder.

- Claro! Mas poderei voltar para te visitar.

Depois abraçou-me. Eu dava-lhe por baixo do braço e rimo-nos por isso.

Peguei na mão dele e fomos para casa dos meus tios (eu normalmente dormia em

hotéis e como aquela é a casa do meu pai e dos meus tios não vão dizer que não, nem a

mim nem ao Olavo).

...

Na sala/biblioteca havia livros por todo o lado e os meus tios (Benjamin e Deodeto,

dois gémeos feiticeiros que tinham que dividir os poderes, apesar de serem muito

parecidos, à exceção dos olhos, interiormente eram completamente diferentes) voavam

sobre as estantes em busca de livros (pelo menos era o que parecia).

- Esta é a casa do meu pai e dos meus tios. – gritei para que se apercebessem que eu

estava ali e depois sussurrei ao ouvido do Olavo: - Aqueles são o Benjamin e o

Deodeto, saberás distingui-los pelos olhos. A minha tia Dora tem mau feitio e a Íris é

um pouco doida, têm dois filhos, Galileu e Guilherme, também são gémeos, têm dez

anos e são filhos do ex-namorado dela, o Afonso, têm poderes! É verdade o Galileu está

quase sempre com os meus tios gémeos porque partilham todos o mesmo grau de

inteligência, o Guilherme é escritor, anda a passear pelo mundo e a escrever livros...

- Com dez anos já escreve livros? – perguntou o Olavo admirado no mesmo tom de

sussurro.

- Sim, eles são como o meu pai, tornaram-se adultos em apenas algum tempo e são

como os meus tios gémeos aprendem muito depressa. Só falta falar do meu pai, ele é

muito solitário, é provável que não fale muito contigo.

- Olá Mariana! Olá Olavo! – disseram os meus tios e o Galileu que entrou na sala com

um grande livro na mão, fazendo magia para o ler todo em alguns minutos.

O Galileu não se preocupava muito com o seu aspecto e por isso tinha a barba por

fazer, e quando beijou a minha face, picou-me, andava de pijama pela casa e era muito

giro. Tinha os olhos verdes como a mãe e o resto era igual aos meus tios.

O Guilherme era o contrário do Galileu, era arrumado, solitário e tinha um coração

enorme, naquela altura estava apaixonado por uma humana da Suécia e andava a

aprender sueco para poder falar com ela (mas essa paixão não durou muito tempo). Era

igual ao pai. Cabelo negro, olhos negros e pele morena.

- Como é que eles sabem o meu nome? – perguntou o Olavo sussurrando.

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- Bem, é difícil de explicar, porque apesar de serem apenas parentes, como podes

reparar eles são idênticos em tudo. - Era verdade, o Benjamin andava apenas com uns

boxers vestidos e o meu tio Deodeto andava de boxers e camisola do pijama. – É como

se o Benjamin e o Deodeto fossem os verdadeiros país dele, do Galileu, - Fala o roto

para o nu, os meus tios e o meu primo não estavam no melhor estado possível mas eu

tinha um anjo nu ao meu lado. – A minha tia diz que é o dom do Galileu. Por isso, além

do Galileu ser um génio ainda consegue ler pensamentos e ouvir sons minúsculos que

outros ouvidos não conseguem ouvir, como os meus tios.

- A tua família é mesmo muito estranha! – afirmou ele num tom normal, visto que os

presentes naquela sala podiam ouvir o que quer quisesse.

A minha tia Íris pousou um tabuleiro em cima de uma mesa e com magia atirou alguns

livros para o chão.

- Café com leite para ti. – disse dando um beijo na testa do Galileu. – Dois cafés para o

Benjamin e o Deodeto, e dois chás para vocês os dois. Já calculava que nos viesses

visitar. Mas não sabia o que gostavas, por isso fiz chá!

- Ela vê o futuro! – declarei-lhe mentalmente.

- Como fizeste isso? – perguntou o Olavo.

- É o dom dela, querido! – contou a minha tia Íris com todo o carinho que sempre tem.

- Sim, consigo transmitir pensamentos para a cabeça de feiticeiros e não feiticeiros.

Apesar de todos os feiticeiros poderem transmitir pensamentos entre eles, mas eu posso

faze-lo com toda a gente.

- O Guilherme está quase a chegar! – comunicou o meu pai, entrando pela

sala/biblioteca (a sala estava enfeitiçada, crescia quando começava a encher), há muito

tempo que não o via assim animado.

A minha tia Dora apareceu pela porta que ficava por trás de mim e do Olavo e

sussurrou-nos aos ouvidos:

- Ele comeu cogumelos mágicos, estava tão triste que já não o conseguia ouvir a

lastimar-se!

- A tua família é doida! – exclamou o Olavo, alto de mais.

O meu pai ligou a grafonola mágica (dá musica de acordo com o nosso estado de

espírito), começou a ouvir-se kuduro, puxou o Olavo e agarrou-se a ele a dançar.

O rapaz estava abalado pelo que se passava naquela sala (três rapazes seminus a ler

livros, a minha tia Íris a fazer chá no ar, a minha tia Dora a rir à gargalhada enquanto o

meu pai e o Olavo dançavam).

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Um talismã

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Na cara do Olavo via uma pontinha de pânico, por isso fiz magia (aclamei o meu pai,

desliguei a musica, fiz os meus tios e o Olavo ficar vestido).

- Desculpa! Vem comigo, vou mostrar-te a casa! – Peguei-lhe na mão e puxei-o, sorriu

para mim, mas não disse nada.

Quando já tínhamos atravessado toda a sala e íamos entrar no hall das escadas, percebi

que divido as suas asas ele não conseguia passar nas portas.

- Talvez, não possa sair desta sala...

- Podes sim! - Fiz magia e as suas asas desapareceram. – ‘Tá descansado, as tuas asas

só estão assim para puderes estar dentro de casa, depois voltam ao normal.

Ele beijou-me a bochecha em forma de agradecimento.

A casa tinha três pisos e a cave, mas como era casa mágica estava sempre a aumentar e

a diminuir de tamanho.

Mostrei-lhe a casa toda. Na cave era onde guardavamos as armas, ele ficou um pouco

triste por saber que as usávamos para a guerra (apesar de ser meu amigo, é um anjo, se

eu decidisse declarar guerra a alguém ele nunca aprovaria). Depois, o rés-do-chão, a

nossa cozinha é enorme, temos uma lareira alentejana, um forno para cozer o pão e

também, temos uma parte moderna da cozinha (com fogão, micro-ondas, e tudo o que

há em qualquer cozinha). Ainda no rés-do-chão, temos a sala/biblioteca, expliquei-lhe

que não precisavamos de procurar o livro que queremos, basta desejarmos (é verdade,

antes a casa estava em Lisboa mas os meus tios decidiram muda-la para aquele local,

acabaram por se apaixonar por aquele lugar e continuaram lá durante muitos anos...),

mostrei-lhe a casa de banho (algo essencial), eram umas antigas cocheiras e ele achou

muita graça, visto que podia tomar banho de mangueira, de duche ou de emersão e que

temos uma divisão só para a sanita. Peguei nele e levei-o até ao laboratório dos meus

tios, é uma divisão semienfeitiçada, podemos entrar, ver, tocar mas não podemos alterar

nada do que lá está, a não ser as pessoas permitidas pelo feitiço (o Benjamin, o Deodeto

e o Galileu). Subimos para o primeiro andar, não lhe mostrei o quarto dos meus tios,

nem dos meus primos, nem do meu pai, estavam trancados com magia, eu conseguia lá

entrar mas ele não, por isso mostrei-lhe apenas as portas e claro, mostrei-lhe o meu

quarto, temos dois pisos que são só quartos, casa de banho, escritórios, algumas divisões

enfeitiçadas (disse-lhe as portas que ele não deveria atravessar, explique-lhe porquê e

ele ia dizendo “entendido”). O meu quarto, é na torre (originalmente, a casa tinha rés-

do-chão, primeiro andar e segundo andar, mas posteriormente acrescentaram a torre,

com magia), não é muito grande, apenas dá para a minha cama (quase gigantesca), um

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guarda-fatos (enfeitiçado, cabe lá dentro muita mais roupa do que deveria), uma

secretária (onde está o meu computador), uma estante com os meus livros da

universidade, e mais nada (o tecto está mais ou menos a cinco metros do chão).

Eu sei, referi que normalmente dormia em hotéis e assim, e é verdade, mas os meus

familiares fazem questão de manter o meu quarto assim para as poucas vezes que os

visito.

- Qual é o quarto que queres? – perguntei quando nos sentamos, os dois, em cima da

minha cama.

- Gostava de poder ficar do no teu quarto... – suspirou. – Mesmo no chão! – explicou

ele de forma apressada.

Fiz magia e uma nuvem aparecer entre o chão e o teto do meu quarto.

- Achas que assim estarás suficientemente perto do céu, para estares feliz?

Retirei-lhe o feitiço das asas para ele poder voar para a sua nuvem.

Ele aproximou-se de mim, abraçou-me, beijou-me o cabelo e sussurrou:

- Obrigado! Nunca ninguém fez tanto por mim... – pensei que ele ia chorar, mas ele

apenas sorria. As suas asas ficaram um pouco mais brancas, e os seus olhos mudaram

para verde.

- O que aconteceu aos teus olhos? – perguntei maravilhada com aquele tom de verde.

- O que vês, não é o meu verdadeiro eu! Quando um anjo caí na Terra o seu corpo, o

seu aspecto muda por completo, mas conforme as asas vão ficando brancas, a nossa

aparência vai regressando ao normal.

- Então, como é que tu realmente és?

- Não me sei descrever, mas prometo que um dia verás.

...

- O Guilherme chegou! – gritou a minha tia Dora (ela estava no rés-do-chão e eu na

minha torre, mas a sua voz devia ter-se espalhado por toda casa).

- Sobe, eu levo-te lá!

- Não obrigado, não me vou sentar em cima de ti, isso não é muito gentil da minha

parte!

- Vá lá! Só desta vez? – Não consegui dizer que não, ele fez beicinho.

Subi para as suas costas, era como montar um pégaso, sentei-me em cima das suas

nádegas e coloquei as minhas mãos nos seus ombros, tive cuidado com os meus braços

para não tocar as asas dele e enrolei as minhas pernas nas dele.

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Um talismã

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Abri todas as portas que eram necessárias com magia e ele descolou... nos sítios mais

apertados, voava com uma asa virada para o chão e outra para o tecto, sítios nos mais

largos (alarguei quase todos os corredores com magia para que as suas enormes asas

pudessem caber lá dentro), abria bem as suas asas e batia-as com força.

Chegámos a sala/biblioteca em segundos.

- Guilherme! – guinchei abraçando-me ao meu primo. - Que saudades! – Tive durante

algum tempo a abraça-lo com força, até que me lembrei que o Olavo estava ali. –

Desculpem a minha má educação, Guilherme este é o Olavo, Olavo este é o meu primo

Guilherme.

- Já tinha percebido! – gozou o Olavo comigo.

Dê-lhe uma chapada no ombro e ele fingiu que se desequilibrava, caiu no chão

brincando comigo. Sorriamos como duas crianças. Fez-me uma rasteira e caí em cima

dele, por centímetros que os nossos lábios não se tocaram.

- Woooow! – exclamou toda plateia que estava na sala.

Aprecei-me a sair de cima dele, aquilo era estranho e reparei que uma parte das suas

asas voltou a ficar negra.

- O que se passa com as tuas asas?

- Fiz algo errado, como anjo não o posso fazer, desculpa. – afirmou levantando-se,

tendo cuidado para não tocar em nada na sala.

- O que fizeste para seres castigado de imediato? – perguntei intrigada.

- Almejei-te!

- Tenho uma história linda para vos contar! – exclamou o Guilherme mudando de

assunto drasticamente.

Olhava nos olhos do Olavo, tentava dizer que não percebi o que queria ele dizer com

aquilo, ele percebeu exatamente o que os meus olhos queriam exprimir e desviou o

olhar, o Guilherme percebeu precisamente o que o Olavo disse mas ignorou-me... Havia

mistérios por desvendar, apesar de ainda ser cedo de mais para que eu o pudesse fazer.

Os restantes presentes nem sequer repararam nas palavras do Olavo.

Naquele momento calei o meu desejo para saber o que eles os dois me tentavam

esconder...

- Durante o século XV, mais coisa, menos coisa, existiu uma aldeia perdida nuns

montes, lá moravam feiticeiros mais poderosos do que alguma vez puderam imaginar!

A pedra onde o tio Gosthaf recebeu os seus poderes vem do antigo castelo deles! Era

mais uma fortaleza, só lá entrava quem eles queriam e podiam fazer tudo o que lhes

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apetecia... Mas por algum motivo renderam-se, com um acordo. A filha do rei, que era a

rapariga mais bonita e mais cobiçada por todo aquele reino casar-se-ia com o filho do

rei vencedor. Esse príncipe nunca poderia trair a princesa nem separar-se dela nem

tocar-lhe com um único dedo para a magoar, se não os espíritos daqueles feiticeiros

levantar-se-iam das suas sepulturas e acabariam com tudo o que aquela família tinha,

todos os seus súbditos, amigos, tudo o que eles conheciam. O príncipe cumpriu o

acordo. Mas ela não morria nem envelhecia. Ninguém desconfiava disso porque o

príncipe prometeu à rapariga que se alguém dissesse mal dela ou que a cobiçasse mais

do que ele ou que tenta-se fazer-lhe mal, ele mataria essa pessoa com as próprias mãos.

Eles apaixonaram-se tanto que quando ele tinha sessenta anos e estava à beira da morte,

ela passava todo o seu tempo a chorar porque não o queria perder. No dia em que ele

morreu, ela passou a sua alma a uma filha para morrer ao lado do príncipe e essa alma

foi sendo passada de mãe para filha durante anos e anos, até que as duas almas se

voltem a encontrar. O irónico é que segundo o que se sabe essas duas almas nunca se

chegaram a encontrar novamente.

- O que é que isso tem de lindo? – perguntei.

- O que tem de lindo? Oh, Mariana tem tudo de lindo! Ela amava-o tanto… Podia

esperar na terra para que a sua alma volta-se a reencarnar, mas não o fez. Preferiu

morrer com ele!

- Não. – corrigiu o meu pai. – Estás enganado, Guilherme, esta feiticeira tinha mesmo

que passar a alma, porque se ela era feiticeira, podia viver para sempre, mas as almas

têm que se esquecer daquilo que eram, se não nunca poderão voltar a apaixonar-se. Não

está certo que não seja assim, porque isso acontece desde há milénios atrás. As coisas

são mesmo assim, mesmo que mais tarde se apaixonem pela sua alma destinada vezes

sem conta.

O meu pai voltou para o livro que estava a estudar.

Pensei que não o devia incomodar mas a minha curiosidade não resistiu e perguntei:

- Então, porque não fizeste como a princesa? Porque não morreste ao lado da minha

mãe? Para poderem voltar a estar juntos.

- Porque o meu destino, não é o mesmo. – respondeu.

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Quarto capítulo

De um sonho sem asas para voar,

De um pedaço de papel resgado sem nada para recordar,

De um amor perdido, perco-me no teu olhar.

Perco-me de vez em quando, quando apetece,

Quando volto a mim, tudo o que sonho desaparece,

Tudo o que foi história depressa se esquece.

De pequenos pedaços de magia, sem rumo,

Sem destino, eu os arrumo,

Nas palavras que escrevo, nas que escrevi,

Nas partes do meu corpo, que pertencem a ti!

...

chas mesmo que o que o teu pai disse é verdade? – perguntou o Guilherme.

Estávamos no meu quarto, o Olavo estava deitado na sua nuvem de

barriga para baixo a olhar para mim e para o Guilherme, que estávamos

deitados de barriga para cima na minha cama.

- Penso que sim! E desconfio, que o meu pai pense que ele e a minha mãe tenham tido

essas duas almas...

- Tenham tido? E já não têm? E mesmo assim não sei, eu ouvi por fonte segura que

têm quase a certeza que as duas almas ainda não voltaram a encontrar-se. – perguntou o

Guilherme confuso.

- Não, se a história estiver certa, quem a tem sou eu!

- Então não faz sentido que o teu pai tenha tido a alma, mas a tua mãe sim! – declarou

o Guilherme.

- Porque dizes isso? – perguntei curiosa.

A

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- Olha lá, não faz muito sentido que o destino dos teus pais, que tinham tido duas

almas importantes, seja simplesmente e ter-te a ti! Mas faz todo sentido que a tua mãe

tivesse essa alma e que a te tivesse passado!

- Continuou a não perceber, porque raio tenho que ser eu a ter essa alma! É que não

faz lógica nenhuma!

- Tens razão! – assegurou o Guilherme.

...

- Vais dormir no meu quarto? – perguntei ao Guilherme.

- Posso?

- Estás á vontade! – exclamei. – Olavo, esta noite vai ser tipo, uma festa do pijama,

não queres também vir dormir cá em baixo?

- As minhas asas vão ocupar a tua cama toda! - afirmou ele.

- Se me deixares voltar a enfeitiçá-las, tem espaço para ti, aqui em baixo.

Dormimos os três na minha cama, foi a noite mais quente que alguma vez tive, o

Olavo deitou-se à minha esquerda e o Guilherme à direita.

Quando acordei, tinha o Guilherme a olhar fixamente para mim e o Olavo ainda estava

a ressonar.

O Olavo tinha-se tornado o meu terceiro primo, eu fazia aquilo com os meus primos

quando as minhas visitas à família eram muito escassas.

Quando o Guilherme reparou que eu estava acordada ficou muito envergonhado e

disse apressadamente:

- Preparei-te o pequeno-almoço!

- Quando eras criança a tua mãe é que costumava trazer-nos o pequeno-almoço!

- Pronto, apanhaste-me! Foi a minha mãe que nos preparou o pequeno-almoço.

Ele colocou um tabuleiro sobre o meu colo e foi buscar outro, por alguma razão não

fez simplesmente magia, mas ainda bem, porque o tempo em que ele esteve de costas

para mim, apreciei o corpo do Olavo e também, o seu rosto, ele tinha voltado a mudar...

- Bom dia, Mariana! – afirmou o Olavo, fazendo força com a cabeça contra o colchão

e bocejando.

- Bom dia... – Por algum motivo apeteceu-me tanto dizer “querido”, tive que reprimir

a minha língua e nunca acabei aquela frase.

Senti-me como se há muito tempo atrás aquilo já tivesse acontecido, era como se fosse

a coisa mais normal do mundo.

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- A minha mãe preparou-nos o pequeno-almoço, mas como estávamos a dormir, não

nos acordou. – informou o Guilherme.

Ainda bem que o Guilherme não conseguia ler mentes, como o irmão! Se não

repararia na bagunça em que estava a minha cabeça.

Era tão estranho, sentia que eles os dois estavam a tentar disputar-me. Sei que o

Guilherme era meu primo e que o conhecia desde o dia em que nasceu, ao contrário do

Olavo, que já era o meu melhor amigo (visto que não tinha outro amigo, bem, na

verdade era o meu melhor amigo porque havia um bichinho dentro de mim dizia que

podia confiar nele) apesar de só o conhecer desde do dia anterior.

O Guilherme trouxe o seu tabuleiro e o do Olavo, colocou-o um no seu colo e outro no

do Olavo, sentou-se ao meu lado, dei-lhe um beijo na bochecha, dei outro na do Olavo.

A sua pele era tão suave...

- De nada! – O Guilherme interrompeu o meu pensamento, tinha passado algum tempo

debruçada sobre o rosto do Olavo, apesar de ele não parecer estar incomodado.

- Desculpa! Obrigado! – Voltei a beijar a bochecha do Guilherme e ele voltou a sorrir.

- O que é que vamos fazer hoje? – perguntei.

- É que nem sequer desconfio! – afirmou o Olavo esticando pela última vez os braços.

- Por mim, ficava aqui o resto do dia, só nós! – anunciou o Guilherme.

- Bom dia! Posso-me deitar um bocadinho convosco? – perguntou o Galileu entrado

de rompão e de beiço descaído.

- O que se passou? – questionou o Guilherme (conhecia bem o seu irmão para saber

que ele nunca pediria aquilo se não estivesse com algum problema).

- Os tios, agora, andam só a pesquisar coisas sobre amor e eu não percebo nada disso!

Não está escrito nos livros, não compreendo! – desabafou o Galileu.

- Claro que não vais compreender se continuares a procurar em livros! – começou

Olavo, olhei para ele e ele olhou-me nos olhos. – É algo que está escrito no rosto de

alguém. É algo que se vê no olhar. É algo que sentes, mas que por mais maneiras

diferentes sintas, podes sempre dizer que é amor...

-... É algo, que não é como todos dizem e que se sente apenas no coração, mas sim,

sentes percorrer todo o teu corpo. – O Guilherme continuou o que o Olavo dizia e

desviei o olhar para ele, enquanto ele desviou o seu olhar para mim. – É algo tão

simples, mas faz sofrer tanto!

- É algo tão bom, mas é difícil de perceber! – concluiu o Olavo.

- Que bonito! – exclamei, alheia à conversa.

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De repente lembrei-me de que o Olavo me dissera no dia anterior, “almejei-te”, tudo o

que ele dizia parecia ser um puzzle muito difícil de resolver, mas ele era o meu melhor

amigo, por isso e só por isso, não pensei nada de mau.

- Isso não faz sentido nenhum! – declarou o Galileu, sentou-se entre mim e o

Guilherme.

- Nunca fará! – informou o Olavo.

- Então talvez nunca perceba! – comunicou o Galileu.

- Afinal o que é que vamos fazer hoje? – voltei a perguntar.

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Quinto Capítulo

O quanto felizes podem ser as mentiras...

O quanto tristes são as verdades...

Sobre mentiras, solidifico realidades!

Mentiras atrás de mentiras,

E são todas minhas!

Vivo num mundo de ilusão,

A correr atrás do tempo,

A realizar as loucuras do coração!

ui passear sozinha. Pois o Olavo ficou a falar com o meu pai sobre o Céu, o

Galileu foi novamente ter com os meus tios e o Guilherme foi escrever.

Fui a um dos meus sítios preferidos de quando era criança, a um ringue de

patinagem. Adoro patinar. Sentia-me mais perto do que nunca de estar perto do meu

grande sonho (ter as minha próprias asas), eu posso voar, mas não como gostaria. Adoro

a velocidade (apesar de não ser muita). Gosto de pensar em quanto estou em cima dos

patins. Gosto de sentir as dores nas pernas quando me esforço de mais. Gosto de tudo o

que os patins me proporcionam e acima de tudo gosto da sensação de ser livre, algo que

para mim, sem ser quando estou a andar de patins, é uma sensação completamente

desconhecida.

A verdade é que nunca passo muito tempo a patinar, há sempre alguma coisa que me

interrompe. E daquela vez não foi exceção.

- Patinas bem! – afirmou o Olavo.

- O que fazes aqui?

- Procurei-te pela casa, depois de terminar a conversa com o teu pai mas não te

encontrei, por isso perguntei-lhe onde estavas. E ele deu-me isto. - Ergueu a mão e vi

um colar em forma de meia-lua, igual ao que a minha mãe usava. – Disse que sempre

F

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72

que te quisesse encontrar isto diria onde estás... parece que é verdade, porque aqui estás

tu.

Como podia o colar da minha mãe encontrar-me? Eu tinha o mesmo sangue que ela,

sim. Mas como é que aquilo podia funcionar assim?

- Temos que ir para casa! – exclamei.

- Mas porquê? Eu gostava de ter ver patinar mais um pouco... – pediu ele.

- Noutro dia, prometo! – Mas porque raio ando eu a promete-lhe coisas? E que por

acaso tinha muitas intenções de cumprir?

Peguei-lhe na mão e teletransportei-nos.

- Guilherme, por favor ocupa um bocadinho o Olavo.

- Para quê? – perguntou o Guilherme.

- Preciso de falar com o meu pai, por favor!

O Guilherme chamou o Olavo e disse:

- Vou ensinar-te o jogo da família, anda!

O meu primo Guilherme era tão prestável e sorri para ele, mas acho que interpretou

mal o meu sorriso porque quando o retribuiu foi de uma maneira diferente.

Subi para o primeiro andar e entrei no escritório do meu pai (ele estava lá, agarrado às

recordações).

- Explica-me porque carga de água o colar da mãe consegue encontrar-me.

- Já viste bem como o Olavo te vê?

- O que queres tu dizer com isso? – perguntei sem perceber o que queria ele perguntar

com aquilo e fazendo-me esquecer porque razão estava ali.

- Vem cá! – Guiou-me até à janela e por coincidência do lado de fora estava o

Guilherme e o Olavo a jogar. Por coincidência, o Olavo olhou para a janela onde eu

estava, os nossos olhos encontraram-se, o meu pai continuou a falar mas eu não ouvia

nada do que ele dizia, estava completamente distraída no olhar do Olavo. – Percebes o

que estou a dizer?

- Desculpa, não ouvi.

- Mariana! Estás a apaixonar-te, isso não pode acontecer! Ele pode ficar cá em casa e

ser teu amigo, mas não te podes apaixonar por ele! Ele não é a alma do príncipe! Não

percebes? Tens que encontrar a alma certa! Ele não pode ser a alma certa, é um anjo! Os

anjos são as almas com asas e são sempre e exatamente a mesma alma! Mariana, eles

caiem do céu, com uma idade qualquer, com ou sem asas, podem viver anos na terra e

por vezes, a maioria das vezes quando se apaixonam, parece que morrem, mas não!

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Apenas voltam para o céu e fazem isso vezes sem conta! A maioria das vezes não se

lembram nem do céu nem das vidas passadas na terra e outras vezes lembram-se… mas

resumindo, ele nunca será a alma certa.

- E porque raio tenho que encontrar a alma certa?

- Porque, bem, não sei bem a ligação entre isso e a tua mãe, mas sei que se encontrares

a alma certa e se a beijares o teu maior desejo realiza-se!

- E porque não aconteceu isso com a mãe e contigo? Ou com outro feiticeiro qualquer?

- Porque não existe mais nenhum nem com o teu sangue nem com os teus poderes!

- Isso não faz sentido!

- Quase nada nesta vida faz sentido!

- Então, eu beijo o Olavo e nós passamos a saber se ele é ou não a alma certa!

- Não! – gritou o meu pai. – Se isso acontecer e se ele for a alma certa, nesse beijo não

vai acontecer nada. Tu tens que estar irremediavelmente apaixonada pela alma e a alma

por ti para que isso dê resultado!

- Está bem, está bem. Vou lá para fora para ao pé deles... – afirmei ignorando o meu

pai.

Que estupidez! Eu estar a apaixonar-me pelo Olavo? Éramos apenas amigos! Duvido

muito que ele sentisse mais do que isso por mim!

Desci as escadas a correr e atravessei a cozinha, novamente. a correr mas tive que

parar para dar um beijo na bochecha da minha tia.

- Queres provar uma das minhas bolachas?

Peguei numa e trinquei.

- Perfeitas, como sempre! – elogiei de boca cheia.

Abri a porta, corri para junto deles. Não sei bem como, o meu pai conseguiu colocar

um colar no meu bolso do meu casaco amarelo, com pintas de várias cores diferentes.

Quando parei de correr, esse colar começou a flutuar, tinha corrente fina que segurava

uma pequena criatura que se assemelhava a um anjo, tinha cabelo comprido, as asas

estavam erguidas para cima e os seus cotovelos estavam apontados para o ar, apesar de

ter as mãos encostadas as faces, pernas unidas, estava despida e tinha um corpo esbelto

de mulher, todo o colar (incluindo a criatura) tinha um tom avermelhado.

Esperava que assim que parasse de subir no ar, começasse a mexer-se e me dissesse

alguma coisa sobre a minha mãe (porque achava que encontrar a minha mãe não tinha

nada haver com a alma que me estava destinada, se eu fosse a tal princesa feiticeira, mas

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eu nem sequer acreditava nisso, e era uma opção que na minha cabeça não existia), mas

isso não aconteceu.

Parou no meio do ar, abriu um portal à nossa volta e enviou-nos (a mim, ao Olavo e ao

Guilherme) para outra dimensão.

...

Fui a primeira a acordar, não sei porquê mas desmaiamos.

Ao meu pescoço, tinha a tal criatura, achei melhor, não retirá-la do meu pescoço e

atira-la para bem longe, mas foi essa a minha primeira ideia.

Olhei à minha volta, não fazia ideia de onde estava. Um planalto com pinheiros

grandes, o chão quase todo coberto por rochas e vi uma coisa a flutuar igual à que tinha

ao pescoço.

- Por fim, chegas-te! Estou à tua espera desde o dia em que nasceste, é pena que só

agora que tenhas vindo. Vejo que o teu bisavô cumpriu a promessa, uma feiticeira

poderosa à qual as sarpiras deveriam jurar lealdade! – contou e seguidamente fez uma

vénia.

- Desculpe, não entendi. – expliquei educadamente.

- Há quanto tempo tens essa sarpira ao teu peito?

- Há alguns minutos... – Calculei que a sarpira a quem ela se referia era a criatura que

tinha ao pescoço.

- Isso quer dizer que até agora nunca tinhas ouvido falar da nossa existência?

- Isso mesmo!

- Então eu passo a contar. Nós somos como fadas, mas as fadas servem para o

encantamento, as sarpiras são como anjos pequeninos que têm poderes próprios, como

os dos feiticeiros, e não dependem da natureza para sobreviver, como as dríades. Há

muito tempo atrás, associávamo-nos aos feiticeiros e ambos ficávamos mais fortes, mas

havia feiticeiros gananciosos que queriam mais do que uma sarpira, que era apenas o

que lhe era destinado, e isso fez muitos roubarem os poderes das suas sarpiras de

origem, matarem-nas e roubarem sarpiras de outros feiticeiros, não podemos ser

apanhadas quando não estamos associadas, por isso destruímos as nossas alianças com

todos os feiticeiros, excepto com um. Essa sarpira que tens ao pescoço foi a única que

prometeu proteger-te se assim o desejasses e esperar que pudesses tomar essa decisão...

- Porquê eu? – perguntei interrompendo.

- És especial!

- O meu pai disse exatamente o mesmo! Estão a esconder-me algo, não é?

Page 76: Um talisma

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- És inteligente! Sim, é algo que não te posso contar, se o fizer tudo pode ser alterado,

mais cedo ou mais tarde descobrirás tudo. Mas cedo ou mais tarde, a tua sarpira sairá

dessa metamorfose e poderás conhece-la, até lá sabes onde nos encontrar, procuramos

se precisares de alguma coisa.

Milhões de sarpiras tornaram-se visíveis e fizeram-me uma vénia, só pensei “porquê

eu”.

Uma luz branca começou a consumir-me a mim, ao Olavo e ao Guilherme (apesar de

eles terem passado o tempo todo adormecidos) mas precisava de fazer mais uma

pergunta:

- Como é que vos encontro?

- Deseja-nos!

...

Acordei com minha tia Íris a dar-me chapadas.

- O que se passou? – perguntei, sabia exatamente o que se tinha passado mas achei que

devia de ser um segredo meu, talvez um dia, meu e do Olavo.

- Tropeçaste e desmaias-te, acho eu. – afirmou a minha tia.

Pois sim, mais uma mentira! Como se um feiticeiro só por bater com a cabeça

desmaiasse, todos eles sabiam mais do que eu.

Olhei para a minha roupa e estava toda suja, “prefeito” pensei, tinha uma boa desculpa

para subir e ir enfrentar o meu pai (novamente).

- Oh! Estou toda suja... vou mudar de roupa! – disse, não mostrando o meu

temperamento.

Corri (quase voei) para dentro de casa e a minha cara parecia que ia explodir.

Cheguei ao escritório do meu pai, retirei cuidadosamente o colar (visto que era uma

criatura) e coloquei em cima da sua secretária.

- Eu não sirvo apenas para trazer a mãe de volta, pois não? Eu sou mais do que aquilo

que alguma vez contas-te, não sou? E tu já sabias daquela história muito antes de o

Guilherme a contar! Porque raio é que me mentiste? E porque raio o colar da mãe me

encontrou? Não me respondeste a essa pergunta! O que é isto das sarpiras?

- Sem dúvida, não saíste à tua mãe!

- Não desvies o assunto!

O meu pai levantou-se e começámos os dois aos gritos.

- Achas mesmo que te posso responder a isso? Se pudesse já o tinha feito, não achas?

Tu não partiste simplesmente porque sim! Apenas não tinhas respostas a algumas

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perguntas porque nem sabias que elas existiam, tinhas a sensação que tinhas que partir,

deixei-te ir porque não sou eu que te posso dar essas respostas! E porque sabia que

voltavas!

- Tenho a certeza que podes responder a algumas coisas!

- O que são sarpiras? Já sabes o que são! Não, não serves apenas para trazer a tua mãe

de volta, o teu destino é muito mais do que isso! Sim, és muito mais do que aquilo que

julgas e tens mais poderes do que tu própria pensas! Sim, sabia daquela história e até

mais do que o Guilherme sabe, mas não a posso contar, vais ter que a descobrir

SOZINHA! O colar da mãe encontrou-te porque a planta que está dentro dele é mágica

e porque aquele idiota ama-te mais do que alguém no mundo terá coragem de o fazer!

Menti-te porque não fui eu que criei isto em que estás metida! Foi o teu bisavô, o

Godric! E sabes porquê? Porque ele era um corno e teve filhos com quase todas as

espécies sobrenaturais, antes de se apaixonar pela tua bisavó antes de ter a Sara e antes

de a nossa família começar a existir! – Deixou-se cair sobre a cadeira, respirou fundo,

mudou o tom de voz e continuou: - Eu amo-te, eu não menti por opção mas sim, por

necessidade! E ainda há tanta coisa por descobrires...

Nunca terminou a sua frase. Perdi a força nos joelhos e tive que me sentar no chão a

chorar.

- Então porque te encontrei tão desesperado?

- Porque nesse tempo perdi a esperança que voltasses.

De alguma maneira desejei que o Olavo voltasse a fazer o que fez quando me

conheceu. Levar-me “dali para fora”.

- Porque é que tudo tem que me complicar a vida?

O Olavo entrou pela porta dentro e olhou para mim.

- O que te aconteceu?

- Por favor tira-me daqui! – pedi.

Ele pegou em mim ao colo e levou-me para fora daquela casa, deixei a minha sarpira

em cima da secretária do meu pai, mas naquele momento não podia preocupar-me com

isso.

Abracei-me mais ao pescoço dele enquanto voávamos. Encaixei o meu rosto num dos

seus ombros e chorei, as minhas lágrimas eram frias e por algum motivo que

desconhecia, ele estava despido, mas não se arrepiou com as minhas lágrimas. Apenas

dizia:

- Estou aqui, vai correr tudo bem.

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77

Depois parou de bater as asas, ficamos a planar.

- O que se passou?

- Tudo! - Voltei a chorar.

- Acho que vou sempre encontrar-te a chorar.

Conseguiu retirar um sorriso da minha cara.

Aterrou no meio de uma floresta, sentou-me debaixo das folhas de uma árvore

enorme, de seguida sentou-se ao meu lado e fixou o olhar no chão.

- Porque estás nu?

- Ia tomar banho.

- Desculpa teres ouvido a gritaria.

- Não ouvi gritaria nenhuma.

- Então como sabias que precisava de ti?

- Desejaste-me.

- Como sabes que te desejei?

- Não sabia! – Encolheu os ombros e olhou-me o rosto. – Senti-o.

- Os anjos sentem isso, assim?

- Não! Só eu! – Voltou a fixar o olhar no chão.

- É, tipo, o teu dom? – questionei, sorridente.

- Não!

- Então é o quê? Estás a deixar-me curiosa!

- Ainda não me contaste o que se passou naquele escritório. – Desviou o assunto.

- Primeiro responde à minha pergunta! – exigi.

- É que nem penses nisso! – desafiou.

E começou a fazer-me cócegas. Depois de alguns minutos, voltámos a ser sérios.

- Gostava muito que te sentisses bem para poderes contar-me o que se passou... –

declarou.

- Sabes? Eu não conto porque acho que chorei por uma razão estúpida. – Enquanto eu

falava deitei-me sobre a terra apesar de ele continuar sentado. – O meu pai apenas

respondeu às minhas perguntas e eu afinal não estava preparada para as respostas...

precisava que ele me tivesse preparado para isto.

- Podes tirar-me as asas para me puder deitar ao teu lado? - Ele deixou escapar um

sorriso quando fiz o que ele me pediu, talvez o meu pai tivesse mesmo razão... Não, não

tinha, ele era apenas um amigo e eu tinha a certeza que não podia passar disso... –

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78

Obrigado! Podes continuar, por favor? – pediu em forma de pergunta, mas era quase

uma ordem.

- Disse que sou mais poderosa do que penso, que não sirvo apenas para trazer a minha

mãe de volta, blá, blá, blá. – Encobri a parte das sarpiras e o que o meu pai disse sobre o

Olavo. Ele deitou-se a meu lado e pôs um braço por trás da minha cabeça. – Disse que

me mentira desde há muito tempo mas que a culpa não era dele! Não podia fazer nada,

porque aquele era o meu destino e pronto, foi tudo!

- Quero saber o que se esconde por trás desse blá, blá, blá!

- Que gostas de mim. Eu sei! É uma loucura...

- Ele tem razão! – interrompeu-me e sorriu.

- Sim, eu sei, gostas de mim como amiga, eu também gosto de ti! – Sabia que estava

certa (tinha quase a certeza). O sorriso dele desapareceu. Não me apeteceu questiona-lo

por isso.

- Acho que ainda tens mais alguma coisa escondida por trás desse blá!

- Disse mal do meu bisavô...

- Falta um blá!

- Esse não te posso contar!

- Vá, eu não conto a ninguém. Palavra de escuteiro!

- Mas tu não és escuteiro! – Sorri e rebolei mais para cima dele.

- Não faz mal! Passo a ser!

Farto-me de pressa, de tudo por isso não me apeteceu estar muito tempo a discutir.

- Está bem! Eu não desmaiei, viajei para outro mundo e conheci umas criaturas

chamadas sarpiras. São, tipo, anjos... Como tu! Mas são pequeninas... Contaram-me a

sua história e juraram-me lealdade mas não me disserem porquê, ou porquê eu.

Percebes? Ninguém me diz o que sou apesar de todos o saberem! Além de mais falaram

no meu bisavô, o Godric. Nunca o conheci, mas esconde um segredo tão grande...

- Temos que descobrir quem era o teu avô! – Colocou-se de pé e estendeu-me a mão

para que eu também me pudesse levantar. – Mostra-me as minhas asas, se estiverem

suficientemente brancas, posso ver tudo o que o teu bisavô fez!

Fiz as suas asas aparecerem, ele colocou-as à sua frente e disse:

- Vamos ver se isto resulta!

Puxou-me para o seu peito, colocou-me de costas para ele, colocou as suas asas à

minha frente, como se me quisesse proteger de algo, segurou-me com os seus braços,

apertou-me contra o seu peito, fiquei alguns centímetros acima do chão (mas ele

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continuava a ser muito maior do que eu). Colocou a cabeça para trás (porque deixei de

sentir o seu queixo tocar-me a cabeça) e gritou, à sua volta o vento girava com muita

força, arrancava as ervas mais fracas, fazia as árvores tremerem, até mesmo quebrar

alguns ramos, e as folhas voarem (mas nunca tirou as asas daquela posição para eu

continuar protegida). Quando parou de gritar voltou a encostar o rosto à minha cabeça e

sussurrou-me ao ouvido:

- Vai tudo passar muito depressa, para poderes ver tudo, ainda não podia usar esta

magia, vou ser castigado...

Vi o rosto do meu bisavô, ele falava para mim como se estivesse à espera que aquilo

acontecesse:

- Mariana, que bonita que és! Desculpa esconder-te tanta coisa, mas vais perceber

que era a única maneira que tínhamos de que o teu destino fosse cumprido. Não é algo

necessário, para encontrares a tua alma ou recuperares a tua mãe mas isso torna a

história mais difícil, não? Um dia aprendes! – Enquanto o meu bisavô falava, apreciei o

seu rosto. Tinha olhos azuis como os da minha mãe, lábios finos como os da minha

mãe, nariz fino como o da minha mãe, cabelo louro e encaracolado, comecei a

questionar-me porque ele era tão idêntico à minha mãe. E ele respondeu-me: - Calma!

Cada resposta a seu tempo! – Olhei para o seu corpo, tinha umas calças negras de pano

e uma camisa banca, trazia consigo uma bengala e prosseguiu o seu discurso: - Olha

para trás... – Olhei, vi o rosto do Olavo, ele estava a sofrer com as dores da magia, da

magia que não devia de ter usado... – Não podemos deixa-lo sofrer assim. – Concordei

com o Godric. Bateu com a bengala no chão e fez espalhar-se uma onda de magia (o

Godric estava numa planície com erva fresca e rasteira, algumas árvores aqui e outras

acolá, um lindo dia de sol). Permaneceu em silêncio, olhei para trás, o Olavo tinha

desmaiado e desaparecido daquela magia. Fui puxada e as imagens começaram a dançar

à minha volta, eram imagens leves como um reflexo na água, toquei numa e ouvi a voz

do meu bisavô (novamente):

- Boa escolha, o início!

Estava numa sala do século, talvez do seculo XV onde estavam sete homens, um deles

era o Godric, liderava o grupo e começou a falar:

- “Caros irmãos, depois...” - O Godric apareceu ao meu lado, surpreendendo-me, e

começou a contar-me: - Estes são meus irmãos, sim... a história que o Guilherme te

contou, é a nossa história. Nem mesmo o teu pai sabe a história toda mas tu saberás! A

princesa era a minha irmã mais nova, eu era o mais velho. Cabia-me a mim ficar com o

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reino e com tudo. Mas todos nós amávamos muito a nossa irmã e ela amava aquele

rapaz... Sem poderes alguns, então fizemos tudo aquilo que o Guilherme te contou. Eu

fui o único que não fiquei preso na gruta porque tinha que me certificar que o rei e o

príncipe cumpriam o seu acordo. Nunca pensei que o fizessem! Estava à espera de

ressuscitar todos aqueles que morreram pela minha irmã mas eles cumpriram a sua

palavra... A minha irmã tinha um dom, sabia todas as almas que estavam destinadas e

sabia todas as que reencarnavam... Antes de morrer pediu-me para que as almas deles

voltassem a encontrar-se, não, disse que não!

Mudou o que eu deveria de ver. À minha frente apareceram todos os casos que ele

teve com mulheres...

- Durante muitos anos não me preocupei com isso, nem onde estavam as almas deles,

nem nada disso. Não quero o teu perdão porque estou morto e não preciso disso para

nada, mas tenho que te explicar que nunca me apaixonei. O meu pai jamais me deixaria

estar com mulheres que não fossem possíveis esposas e senti-me tentado. As minhas

hormonas também não ajudaram. Amei quase todas! Tive inúmeros filhas e filhos mas

nenhuma se assemelhou tanto a mim como a tua mãe, a Matilde, e por ironia no seu

futuro, aparecia a alma da minha irmã, é óbvio que fiquei frustrado por ter esquecido a

minha irmã, mas depois conheci a Sofi. Apaixonei-me loucamente por ela e o destino

tratou do resto. Ela está grávida. Bem agora tenho que te dizer que fui um feiticeiro tão

poderosos que ainda há fragmentos da minha magia no mundo, este é um deles. Eu

sabia o que aquele anjo ia fazer e sabia o meu destino, fiz este encantamento antes de

passar os poderes à tua bisavó, espero que ela não demore muito tempo a chegar ao pé

de mim, e espero que encontres a tua alma depressa... Eu vou ver, sabes? Quando veres

isto, é provável que esteja do outro lado, mas consigo ver-te, não consigo fazer magia

para este mundo mas vejo tudo. Agora, o futuro vais descobri-lo sozinha, já sabes a

história da tua família... Ah, a sarpira que está no colar é tua prima, têm alguns dos

meus poderes. Como todos os meus filhos! Dica: terás que os reunir, pelo menos

aqueles que ainda estão vivos, ou a quem dei o meu nome... Faz parte do teu destino,

sabes?

Estalou os dedos e tudo desapareceu. Como se depois de me contar aquilo tudo,

pudesse apenas estalar os dedos e desaparecer?!

Estava de novo na floresta, virei-me para sorrir ao Olavo... ele estava deitado no chão

a contorcer-se de dores, apenas um bordo das suas asas estavam brancas, tinha perdido

quase todos os seus poderes.

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- Desculpa, desculpa... – comecei a pedir, quando caí de joelhos ao lado dele. – A tia

Dora vai tratar de ti.

Coloquei uma mão em cima do seu peito e quando pisquei os olhos estávamos em

cima da mesa da cozinha.

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Sexto capítulo

É em ti que neste momento estou a pensar.

Aliás desperdiço grande parte do meu tempo,

Com o meu pensamento,

A tentar-te agarrar.

Guardo secretamente palavras,

Com esperança de um dia as citar.

Penso em coisas parvas,

A que um dia nos venhamos a chatear.

Achar que te amo é uma loucura,

Mas se disser que quero ser tua,

Já soa tão bem…

Tudo que falta sabes também…

minha tia Dora ia começar a refilar quando percebeu que o Olavo estava

em sarilhos.

- O que se passou com o rapaz? – perguntou, começando a procura dos

frascos com as ervas mágicas.

- Usou magia que não devia, o... – Ia contar que o Godric tinha dito que não ia deixar

o Olavo sofrer mas não foi isso que aconteceu, e dei comigo a pensar se podia mesmo

confiar nele. Mas depressa percebi que era a minha única esperança...

- Chama todos, preciso de mais poderes! – Em seguida começou a sussurrar: - Nunca

mexi no mundo dos anjos, vou ser castigada, vou ser castigada...

Deixei de a ouvir, tive que me concentrar para projectar a minha voz muito mais alto

do que conseguiria sem recorrer à magia.

- Todos, agora, na cozinha, JÁ!

Todos apareceram segundos depois. A tia Dora colocou umas ervas por cima do Olavo

e ele adormeceu, apesar de o seu corpo continuar a mover-se desordenadamente. Sobe

A

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as ordens da minha tia, colocaram-se todos à volta da mesa onde a minha tia cozinhava,

deram as mãos fazendo um círculo e magia (excluíram-me desse circulo), entoaram um

feitiço em conjunto, mas não aconteceu nada. Voltaram a tentar, com o mesmo

resultado, nada.

- Desculpa... – declarou a minha tia Íris, de um segundo para o outro os seus olhos

ficaram amarelos e continuou: - Nem todas as magias são as que os feiticeiros

conseguem fazer, os humanos também têm a sua magia apesar de não terem poderes!

Ninguém reparou no que a Íris disse porque não fazia qualquer sentido, mas eu não

esqueci as suas palavras.

Com magia levaram o Olavo para a minha cama, ficaria ao lado dele até que

acordasse, prometi-lhe isso (sem ele me ouvir).

Algum tempo depois de estar no quarto, o meu pai entrou.

- Deixas-te isto em cima da minha secretária, pertence-te. – informou entregando-me a

minha sarpira.

Saiu do meu quarto e olhei para a sarpira.

- Quem me dera que pudesses despertar e que me pudesses dizer como posso ajudar o

Olavo. – sussurrei-lhe ao ouvido, mas não aconteceu nada.

Olhei o Olavo e pelo que parecia as suas dores eram cada vez maiores, contorcia-se

cada vez mais... Não o podia deixar sofrer assim! Ele estava assim porque me ajudou e

isso não era justo.

Coloquei a minha sarpira no bolso do casaco e subi para a cama. Se o que o meu pai

dizia fosse verdade, assim que beija-se o Olavo, ele ficaria melhor porque o meu desejo

seria salva-lo.

Fechei os olhos e avancei lentamente sobre os seus lábios, quando estava a milímetros

dos seus lábios duas mazinhas impediam-me de beija-lo.

Era um Sarpira do tamanho de uma Barbie e disse-me:

- É que nem penses nisso! Não podes desperdiçar um desejo assim. – Colocou as mãos

sobre a testa dele e desenho uma estrela, ele parou de se contorcer. – Eu sou a tua

Sarpira, chamo-me Priscila e para tua sorte, tenho o poder de curar anjos.

- Mas que coincidência! – pensei alto.

- Ele deve dormir por mais uma hora, mas as asas dele vão demorar algum tempo a

recuperar. – continuou. A Priscila era o inverso da sua metamorfose de ferro, era muito

branca, cabelo louro e liso apanhado numa trança, olhos castanhos e grandes, nariz

muito recto e muito bicudo, lábios carnudos, covinhas no rosto, pestanas curtas e

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sobrancelhas grossas. Tinha muitas características que ficaram lindamente separadas

mas nela nem por isso. Tinha um vestido branco que acabava por cima do joelho e com

alças, tinhas a espécie de uma coroa de flores brancas que fazia o seu cabelo parecer

ainda mais claro. – Acho que possuo tempo para te dizer o que tenho para dizer.

- Antes disso posso fazer-te uma pergunta? – questionei.

- Claro.

- Porque não tens a mesma forma que no colar?

- Porque essa é a minha metamorfose, esta é a minha verdadeira forma! Vou continuar

o que te queria dizer, eu não sou a tua sarpira simplesmente porque sim, e não espero

por ti há tanto tempo apenas porque me apetece. Eu sou tua parente, sou filha do teu

bisavô ou avô, como lhe preferires chamar...

(“Olha que novidade”, pensei ironicamente.)

- Acho que prefiro dizer que sou tua prima! É mais fácil!

- Então sou tua prima!

Contei-lhe a história resumida daquilo que o meu bisavô disse e o que vi.

- O meu bisavô disse que tenho que encontrar os teus irmãos, como é que vou

conseguir fazer isso?

- Não devias preocupar-te mais em encontrar a alma?

- Dever, devia... – Olhei para o Olavo, e continuei: - Mas talvez não o queria!

Estava outra vez a ficar triste quando a Priscila bateu palmas e afirmou:

- Vamos à procura dos meus irmãos! Precisamos de mapas de anos, para nos situarmos

mais ou menos no tempo, se começarmos do início é mais fácil para nos irmos situamos

mas pelo fim é mais fácil de perguntarmos aos descendentes qual é o seu irmão mais

velho, por exemplo eu sou a mais velha de todos e não conheço nenhum irmão.

- Isso já é um começo, em que ano nasceste?

- Acho que foi em 1178!

Fiz uma marca aparecer sobre um pedaço de papel que estava no chão do meu quarto.

- Espera lá! Tu és filha do Godric, certo?

- Sim!

- Como é que o Godric e a tua mãe tiveram relações... tu percebes, se há uma diferença

tão grande de tamanhos?

- A minha mãe era a sarpira do meu pai, ele conseguia mudar de tamanho e foi assim,

que eles conseguiram coiso. Depois o meu pai traiu-a, ela ficou destroçada e grávida de

mim, ela morreu na minha nascença e eu fui criada por amigas da minha mãe.

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- Desculpa a minha curiosidade! E quanto aos outros filhos do Godric, acho que a

minha família pode ajudar, chama o meu pai. – pedi.

Peguei no papel e desci até à sala/biblioteca. Em alguns segundo estavam todos na

sala/biblioteca (todos, menos o Olavo).

- A Priscila conta-vos tudo, preciso de fazer uma coisa.

Viajei até à minha torre pensei em escrever um recado mas não me recordava se lhe

tinha perguntado se ele sabia ler, por isso deixei uma mensagem temporal.

Não me lembrava se sabias ler ou não e por isso preferi deixar

uma mensagem temporal.

Estamos na biblioteca, e se não estivermos, não te preocupes, não

estamos muito longe.

Beijos, Mariana

No final na mensagem sorri e pisquei o olho (porque quando ele visse a mensagem

viria a minha cara).

- Encontramos um! – berrou a Priscila assim que me viu.

- Encontraram o quê? – perguntou o Olavo, aparecendo nas minhas costas.

- Desmaiaste durante o feitiço. O meu bisavô disse que tenho que encontrar todos os

meus primos, a Priscila é minha prima... bem, é mais tia do que prima, ela também é

irmã da minha mãe!

- Que confusão! – exclamou o Olavo.

- Sim, é! Encontramos mais um, agora temos que ir ter com ele, mas deves querer

descansar mais um pouco porque ainda não deves ter recuperado. – referiu a Priscila.

- Estou bem! – afirmou o Olavo.

- Se assim é... para onde é que nos vão levar? – perguntei. A Priscila fez-me ler-lhe os

pensamentos (de uma forma que nunca tinha feito antes, eu só consigo ouvir os que me

transmitem e transmitir para vários tipos de criaturas, normalmente não consigo entrar

na cabeça de alguém), e fez-me visualizar uma imagem, apertei com força a mão do

Olavo (é um facto irrelevante mas fez-me sorrir), a minha tia Íris fez um feitiço para o

vestir, visto que depois de me “raptar”, ele ainda não se tinha vestido, ele não se

importava mesmo nada com a nudez. A Dora soprou-me um beijo. A Priscila sentou-se

no meu ombro como um papagaio empoleirado no ombro de um pirata. – Estou no sítio

certo?

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Um rapaz mulato, de cabelo curto e bem encaracolado, do mesmo tamanho que eu,

olhos azuis iguais aos da minha mãe (assim que vi os olhos dele, tudo dizia que era o

meu “primo”), olhar franzido e triste, tinha roupas velhas e um rebanho de ovelhas.

Abraçou-se a mim e disse:

- Finalmente me encontras!

Largou-me.

- Como sabias que vinha? – perguntei meio sem pensar.

- Sou o mais novo e depois de a minha mãe morrer, o meu pai disse que era um dos

mais velhos, de muitos filhos que ele tinha e que um dia alguém viria à minha procura.

Sempre pensei, é que fosses mais velha!

- Isso quer dizer que vens connosco? – perguntou o Olavo um pouco assombrado pela

rapidez dos acontecimentos.

- Se tiverem espaço para as minhas ovelhas, já lá estou! – respondeu o rapazito, e foi ai

que me lembrei que nem sequer sabia o nome dele.

- Alguns hectares de floresta chegam? Já agora, como é que realmente te chamas? –

questionei.

- Samuel! E sou um goblin, um goblin guerreiro! – Ser um goblin explicava o seu

tamanho, mas não a sua cor. – Bem, meio goblin, a minha mãe é um cruzamento de um

goblin com um humano, mas gosto de dizer que sou um goblin!

- Desculpa a pergunta mas o que é um goblin? - perguntou a Priscila.

Ele soltou uma gargalhada e declarou:

- É por isto que gosto de ser um goblin! Nunca ninguém sabe o que são! – E voltou a

rir. – São tipo sapos, mas os originais conseguem mudar de forma, nunca ninguém nos

conhece porque normalmente vivemos em grutas. Os originais não têm mais do que um

metro e por vezes são confundidos com duendes, o que os irrita muito, mas somos

verdes e por vezes têm mesmo a pele igual à dos sapos. Eu sou outro tipo de goblin, a

minha mãe vivia entre os humanos, e assemelhava-se muito a eles, tirando a parte que

era uma guerreira deste mundo, não quero ofender a memória da minha mãezinha, mas

ela tinha o aspecto que todos os humanos desejam numa mulher! É alta, tem as pontas

do cabelo verde mas é apenas dois ou três centímetros o resto é preto, é mulata e cada

parte do seu corpo parece fotocópia de uma estátua da antiguidade... E eu não sou nada

parecido com ela!

Ele orgulhava-se muito da mãe, apesar de pelo seu olhar perceber que ele sabia, que

ele tinha nascido de um caso de uma só noite e isso fazia sentir que a sua mãe era uma

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galdéria (tinha uma mentalidade antiga). E pelo que parecia, o meu bisavô só gostava de

mulheres bonitas.

- Mas que tipo de guerreira era a tua mãe? – perguntei muito curiosa.

- Ela é uma semi feiticeira, tem poderes de vários feiticeiros, mesmo de muitos

feiticeiros, chama-se Claire. Ela nasceu na Gália, é por isso que tem esse nome!

- Mas os negros e os gauleses nunca se chegam a conhecer! – declarei.

- Não para os humanos, mas para as criaturas mágicas nunca houve esse tipo de

limites! – explicou o Samuel.

- O tempo está a passar, temos que voltar. Temos que continuar a pesquisa! – avisou a

Priscila.

- Mas vais ter que me contar, como são os poderes dos goblins!

- Consegue transportar todos nós, incluindo as ovelhas? – perguntou o Olavo.

E fez-se um clique na minha cabeça, tinha-me esquecido completamente das ovelhas!

Nunca antes tinha transportado animais.

Primeiro as ovelhas, depois as pessoas (tinha intenções de nos chamar humanos mas

nenhum de nós o era).

As ovelhas, larguei-as nos hectares de floresta que pertencem à minha família. O que

não são ovelhas nem humanos (podia chamar criaturas mágicas, mas isso pode ser

levado como uma ofensa.)

Vendo bem as coisas, a minha mãe era filha do Godric e a minha avó também,

estavam as duas mortas!

Não as teria de ressuscitar? Aliás, aquilo tudo já não era para trazer a minha mãe de

volta? Que confusão, que o raio de minha família tinha! Não sabiam ser uma família

normal? Um pai e uma mãe, um avô e uma avó, que envelheciam, morriam, eu chorava

e pronto?

Mas não! Nasci numa família de feiticeiros, em que o meu bisavô já teve mais

mulheres do que eu já tive, na vida toda, cuecas (digo mulheres e não feiticeiras ou

outra criatura qualquer, porque primeiro, ainda não sei quantas foram e segundo não sei

o que eram). Os meus avós eram dois apaixonados, que até tiveram de morrer juntos

(mas agradeço-lhes muito, se não eu não existia). Os meus tios, não há um que tenha o

cérebro a cem por cento! O meu pai está apaixonado pela minha mãe há anos (não o

critico, até acho bonito), e a minha mãe, está morta porque o meu pai era o único

feiticeiro no mundo que não pode partilhar poderes no mundo, nem sei bem ao certo do

que morreu mas acho que foi de ataque cardíaco.

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E depois como é que eu me posso sentir normal, tendo uma família tao anormal?

E ainda esqueci-me de contar, a história das melhores amigas da minha avó,

apaixonaram-se por rapazes do século XIX e a minha avó fê-las viajar para trás no

tempo, só para elas viverem felizes com eles no tempo das carroças! É normal?

Nunca tive assim tão apaixonada, mas não sei se dispensava tudo o que tinha só por

amar alguém tanto assim!

Quando acordei do meu monólogo mental, estavam todos a espera que respondesse a

alguma pergunta que nem sequer tinha ouvido!

- O que é que disseram?

- Estavam-te a perguntar porque razão receberam uma carta em casa a dizer que não

acabaste a universidade. – sussurrou-me o Olavo.

Bolas! Estava a espera que aquilo nunca viesse para casa. Aliás, que eu estivesse em

casa quando o meu pai a recebesse! Opah, agora o que digo? Não me vou rebaixar, pois

não?

Não iria contar o que sofri, não o queria reviver!

- Deve estar enganado! – afirmei sorridente.

- Acabei de confirmar isso, e não, não está! – comunicou a tia Dora.

E agora? Fui apanhada.

- Já sou maior e vacinada acho que não tenho que vos dar justificações da minha vida!

O meu pai pegou-me por uma orelha e disse:

- Minha menina, em primeiro lugar, até aos cem anos não és maior de idade! Sabes

isso muito bem! Apenas no mundo dos humanos é que já és. E enquanto viveres

debaixo do mesmo teto que eu vais ter que me dar justificações!

- ‘Tá bem! Mas pode ser em privado e esse privado pode incluir eu, tu e o Olavo?

O meu pai viajou no espaço. Peguei na mão do Olavo e entrei no espaço temporal do

meu pai. Fomos parar ao escritório dele.

- Podes começar a contar. – pediu o meu pai friamente.

Peguei na mão do Olavo para me dar coragem.

- Durante todos os anos que estive naquela escola fui gozada... até os caloiros gozavam

comigo! E tu fizeste-me jurar que não podia usar a minha magia contra outro feiticeiro

por mais furiosa que tivesse e nunca o fiz, mas foi esse o meu grande mal! Se os tivesse

ensinado quem realmente sou...

- Tem calma, esse dia vai chegar! E é só esse o problema? O Deodeto e o Benjamin,

dão-te o resto do curso! E já encontrámos outros dos teus primos, aliás dois. São

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gémeos e pensam que são humanos mas também tem uma ponta de magia e sabe disso,

acho que vão gostar de vir para o nosso mundo, nunca se habituam ao mundo deles.

Eu e o Olavo fomos até a sala, pegamos na Priscila e saltamos no tempo (o meu pai

tinha-me mostrado uma foto quando chegamos à sala e disse “Porto, Portugal”). Quer

acreditem quer não, nunca tinha ido ao Porto. Toda a minha vida vivi em Lisboa, assim

que meti lá os pés tive pena de nunca ter visitado aquela cidade... era mesmo muito

bonita...

“Não é aí” disse-me o meu pai mentalmente e voltei a viajar.

Fui parar a uma rua cheia de gente e pensei: “pôssas, esqueci-me das asas do Olavo”,

dei dois passos para tentar encontrar os filhos do meu bisavô e percebi “a Priscila”.

Em segundos enviei os dois para a casa do meu pai, não podia procurar pessoas

normais no mundo dos humanos com duas criaturas que todos aqueles nunca tinham

visto.

Fiquei sozinha e por momentos perdi-me nas vitrinas das lojas, tudo o que mostravam

era tão bonito... Há tanto tempo que não vinha ao mundo dos humanos para fazer

compras que já estava desatualizada na moda...

Continuei a andar e pensei se eles saberiam quem eu era, como aconteceu com o

Samuel. Pensei melhor, não, eles eram meio humanos por isso, nem pensar, nem sequer

devem desconfiar que eu existo!

Olhei para as casas que me rodeavam eram altas, coloridas e cobertas de flores. O

cenário era feliz mas as pessoas não sorriam. Havia esplanadas com muitas pessoas

sentadas a ler jornais e livros, ao mesmo tempo que outros conversavam, mas as pessoas

não se sentiam felizes, havia algo nelas que não estava completo.

Se tivessem a minha vida, já deviam de ser mais felizes! Viver eternamente é fixe, mas

não o aconselho a ninguém, pode ser muito aborrecido se de vez em quando não houver

uns mistérios aqui e outros acolá, para se desvendar.

Continuando, o chão era de calçada e o dia estava lindo, o céu estava limpo e o sol

brilhava.

Continuei a procura-los...

Vi um rapaz e uma rapariga pintados da cabeça aos pés e interroguei-me, “será que

isto os torna diferentes?”

Depois vi-os mudar a cor do corpo e pronto, estava tudo dito.

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Meti uma mão em cima do rapaz, outra em cima da rapariga (eles não se aperceberam)

e puxei-os para o meu mundo.

Eles ficaram muito admirados mas ninguém disse nada, por fim o rapaz disse:

- Fixe! Mas porque estamos aqui?

- Porque são filhos do meu bisavô. Ele teve vários filhos e o meu destino é reunir-vos

para poder... Ainda não sei para que tudo isto! Eu sou feiticeira, se quiserem fazer.

...

Eles foram muito simpáticos, o Tobias e a Tabita, pois nunca tinham conhecido o pai e

até aquele momento não tinham percebido porque razão eram diferentes dos outros e

tinham poderes estranhos, expliquei-lhes e eles acharam graça, a atribui-lhes um quarto,

como ao Samuel e continuei a pesquisa.

Voltei a pegar na folha onde tinha registado os nascimentos e tinha-me esquecido de

registar o do Samuel.

- Samuel, em que ano nasceste? – O Guilherme de alguma maneira percebeu que era

isso que eu ia perguntar.

- 1734.

- Pai, em que ano nasceu a mãe? – perguntei.

- Ela foi para o mundo dos humanos em 1996, por isso deve ter sido nesse ano que

nasceu!

- Não pode pai, ela viveu oitenta e quatro anos, assim o Godric já tinha morrido

quando ela nasceu! – retorqui.

- Porque ele viveu em Condácia e não no mundo dos humanos, aqui as coisas são

diferentes de lá, e ele passava a vida a saltar no tempo. – explicou o meu pai, as coisas

estavam a tornar-se loucas em relação a ordem cronológica dos acontecimentos, porque

o meu bisavô estava sempre a saltar no tempo. Agora percebo, porque raio os feiticeiros

não deviam ter esse poder!

- Mariana, temos uma surpresa para ti! – disseram o Galileu, o Benjamim e o Deodeto

em coro. - Encontramos um livro em que regista todos os nascimentos de maneira

mágica, e os pais das crianças também! Ou seja, aqui estão todos os que precisão de

encontrar!

Abri o livro e pensei “Godric”, primeira folha que me apareceu foi Priscila Sem

Apelido 1178, sarpira, filha de uma sarpira, Gonabi Sem Apelido, e de um feiticeiro,

Godric de Barbosa, nasceu com dom: curar anjos.

Page 93: Um talisma

Um talismã

92

O livro voltou a mudar de página e dizia: Samuel de Barbosa 1734, meio goblin, filho

de uma meio goblin, Claire de Gália, e de um feiticeiro, Godric de Bayrro, nasceu com

dom: guerreiro; pode transformar-se noutros seres.

O livro foi mudando de página vezes consecutivas.

Tobias de Sarbória 1888, onem, filho de um anjo, Eliana de Sarbória, e de um

feiticeiro, Godric de Bayrro, nasceu com dom: ver a morte dos outros.

Tabita de Sarbória 1889, onem, filha de um anjo, Eliana de Sarbória, e de um

feiticeiro, Godric de Bayrro, nasceu com dom: consegue trazer animais da morte.

Sara de Siqueira 1889, feiticeira pura, filha de uma humana, Sofi de Siqueira, e de um

feiticeiro, Godric de Bayrro, nasceu sem dom.

Matilde Alves 1961, feiticeira de primeiro grau, filha de uma dríade, Catarina

Carvalho, e de um feiticeiro, Godric de Bayrro, nasceu com dom: consegue ver os

mortos.

O Godric queria-os todos nós unidos, mas porquê? Havia algo, que ali, não estava

certo! E porque tinha mudado de apelido?

Todos os filhos do meu bisavô estavam na sala, excepto a minha Avó, a Sara, e a

minha mãe, a Matilde.

A mosquinha voltou! Aquilo não fazia sentido, tinha a sala com treze criaturas de

espécies diferentes, e o que tínhamos em comum? Poderes de um feiticeiro! Mas não

podia ser um feiticeiro qualquer, porque depois de morto eu continuava a fazer-lhe a

vontade, ele sabia o que me ia acontecer, ele sabia tudo! Sentia que tudo o que me

rodeava fazia parte de um grande feitiço!

Senti a minha cabeça andar à roda e o tempo parou, para os outros, mas para mim não!

- Parabéns! Descobriste! Tudo isto fui eu que criei, filhos nascer com dons, pois esses

dons puderam ajudar-te! Achas mesmo que iria ser assim tão fácil encontrar os meus

filhos? Eu percorri a terra durante dois mil anos até encontrar a Sofi! Já agora, a

resposta é sim! – Aquela mensagem era mais um pedaço de magia que o meu bisavô

não levara para a cova.

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Joana Silva

93

Sétimo Capítulo

Só me quero aconchegar nos teus braços!

Não quero ouvir a tua voz…

Quero estar ao teu lado e darmos os mesmos passos!

Não quero saber de nada nem de ninguém.

Só quero estar junto de ti, contigo estou bem!

Neste mundo sinto-me a sós.

Não sei porque choro, nem sequer sei porque te amo…

Mas sei de uma coisa, preciso de ti!

Não daqui a algum tempo, mas agora e para mim.

O tempo é tão curto, que a palavra curto é muito grande para o descrever.

E se tudo acabar amanhã? Nunca te poderei dizer…

Tabita era uma rapariga determinada e só queria que tudo aquilo acabasse

(enfeiticei-lhe os pensamentos). Tinha o cabelo bastante comprido (até

meio das suas costas) e de um castanho facilmente confundido com ruivo,

claro, encaracolado como o do Godric, mas era uma das únicas que não tinha os olhos

azuis, tinha os olhos castanhos. Era um anjo mas só não tinha asas que o provassem, e

não tinha alma. Tal como eu, é imortal e infértil! Os onem não podem ter filhos pois os

Originais (os primeiros feiticeiros à face da Terra) acreditavam que os onem não

podiam ter filhos porque a maioria das vezes nasciam de loucuras em que os feiticeiros

eram jovens de mais para saberem o que estavam a fazer e acreditavam que os anjos

eram uns anormais que nem sequer deviam ter direito a viverem, então enfeitiçaram-

nos.

Eu por outro lado não posso ter descendência porque não posso passar dos dezasseis

anos e o meu corpo nunca está preparado para ter descendência.

Era alta, e bastante bonita, tinha um rosto pouco comum e umas sobrancelhas em que

muito lhe definiam os olhos, quase que apostava que era modelo.

A

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Um talismã

94

O irmão por semelhança, era alto, tinha o cabelo encaracolado e mais escuro, era

igualmente bonito, o seu sorriso era tão bonito que qualquer rapariga poderia sentir-se

tentada a beija-lo, as suas sobrancelhas eram grossas e sexies. Os seus lábios tinham um

toque mágico, e isso devia ser uma qualidade de anjo, porque o Olavo também os tinha.

Ombros largos e protectores.

Mas depois de olhar para eles os dois, percebi o que o meu bisavô queria dizer.

- O Godric era um Original? – interroguei-me em voz alta.

- Ding! Ding! Ding! Acertaste! – berrou o Godric dentro da minha cabeça o que fez as

minhas pernas vacilar e cair no chão.

- Que se passa? – perguntou a Dora.

- O Godric é um Original! Já me encontrei com ele uma vez e ele agora consegue

entrar dentro da minha cabeça sempre que querer!

- Gosthaf! Tens poderes de um Original! E pior, a Mariana ainda é mais poderosa do

que tu! O que é ela? – gritou a minha tia Dora abraçando-se a mim.

- Ela é que é um Original, eu não...

- Exatamente! – exclamou o Galileu.

- Sim! – expus. – Num dos encontros que o Godric me deu, disse que ele era o único

da sua aldeia que tinha sobrevivido para ter a certeza, que o príncipe cumpriria o seu

acordo, a história que o Guilherme contou! Se os outros morreram todos... aquela aldeia

era aldeia dos Originais, Bayrro é aldeia dos Originais, eles estão todos mortos! Todos

nós nesta sala descendemos dele! E é impossível que a mãe esteja mesmo morta! – disse

isto mais para o meu pai do que para o resto da sala. – Eu tenho a alma da princesa, -

afirmei com uma ponta de tristeza na voz. - Foi o Godric que me disse, eu devo ser uma

Original! Mas vocês não. Apenas tem poderes vindos de um Original!

- Vou preparar as camas! – afirmou a tia Íris, num tom muito neutro como se eu não

tivesse dito nada de especial.

- Eu faço-lhe companhia. – declarou a Tabita.

- Vou tratar das ovelhas! – indicou o Samuel.

- E eu faço-te companhia! – disseram o Guilherme e o Tobias.

- Sendo assim eu e o Olavo vamos dar um giro!

Quando ia para partir, o meu pai pegou por uma orelha e afirmou:

- Isso é que não vais! Vais estudar!

E passei o resto da tarde a tentar acabar um curso que devia ter feito em doze meses na

universidade para feiticeiros.

Page 96: Um talisma

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...

- Primo, lembraste de dizeres que não sabias o que era o amor? – perguntei.

- Sim, porquê?

- Por nada, só queria saber se ainda achas o mesmo, vi-te a deitares olhinhos a Tabita.

Deixei o meu primo corado, pois estávamos a meio do jantar (é a única refeição do dia

que fazemos para podermos estar todos juntos, não sentimos a necessidade de comer

como os outros, a minha tia Dora sente a necessidade de fazer comer, porque é o que ela

mais gosta de fazer mas a maioria das vezes, como não a comemos, ela vai até um lugar

qualquer dos humanos e dá-lhes essa comida aos mais desfavorecidos) mas o Olavo

nem esta refeição fez connosco, ele não tem sistema digestivo, bem ele é parecido com

os humanos por fora mas dentro a única coisa que se assemelha é o coração (aprendi

isso com os meus tios na minha primeira aula do último ano de universidade), o coração

bate porque eles apaixonam-se facilmente e porque é daí que vem a magia deles.

Ele sentou-se ao meu lado na mesa e observou-nos a jantar. Ao contrário dos anjos, os

onem, precisam de comer, aliás eles comem mesmo muito! O goblins também. Mas as

sarpiras não comem carne, apenas folhas de árvores e algumas ervas, devido ao seu

tamanho, também não comem muito.

Durante o jantar falamos de assuntos sobre feiticeiros, e decidimos que tenho que ir até

ao Bayrro, não sei se ainda é assim que a aldeia se chama mas irei descobrir.

...

Depois de um bom banho, teletransportei-me para o meu quarto. Estava nua e o Olavo

já estava deitado na sua nuvem.

- Vou-me vestir, não olhes! – disse tapando-me com a toalha, assim que descobri que

o Olavo estava no quarto.

Ele não fez o que lhe pedi (desde que a Priscila me fez ler-lhe os pensamentos de

tempos a tempos consigo ler a mente dos que me rodeiam), ele tentava decorar todas as

imagens possíveis do meu corpo para quando voltasse para o céu, não se esquecer de

como eu era.

Mas eu não me importei que ele me mirasse, achei engraçado. Era o primeiro rapaz

que fazia aquilo, e talvez, em toda a minha vida, fosse o único.

- Preciso de falar com alguém, posso falar contigo? – perguntou ele descendo da sua

nuvem assim que me vesti.

- Claro. – respondi.

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Um talismã

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Abri a minha cama e deitei-me nela. Deixei uma ponta das cobertas para fora do lugar

correcto para que ele percebe-se que podia, novamente, dormir na minha cama.

- Se queres que me deite ao teu lado tens que me tirar as asas! – resmungou ele, estalei

os dedos e ele ficou sem asas, deitou-se ao meu lado aconchegando os dois, fez-me virar

de costas para ele e apertou-me contra o seu peito, encostou a sua cara no meu ouvido e

começou a falar em forma de sussurro: – Não quero ser mal-educado, obrigado por me

salvares das memórias dos humanos e deixares-me vir para a tua casa. Mas acho que

este mundo não é mesmo para mim. Não percebo porque fazes o que o teu bisavô diz,

porque juntas-te todos estes filhos dele e não percebo porque ficas triste por não

conseguir fazer tudo sozinha. Eu sei que não conheço muitas raparigas mas tenho a

certeza que a Tabita não fazia o mesmo. E também não percebo porque a Priscila

esperou tanto tempo por ti, não entendo aquelas comparações malucas que os teus tios e

o teu primo Galileu fazem com as almas. E não compreendo qual é a importância de

seres uma Original. Aliás ao saber o que eras para mim não mudou o que sentia por ti,

para mim és igual, eu gosto de ti, és linda e sinto-me bem contigo, qual é a diferença?

Acho que este mundo não é o correcto para mim!

- Obrigado pelos elogios. É importante saberem que sou uma Original porque isso

significa que não há ninguém mais poderoso que eu. Eu compreendo-te, eu também não

sei porque faço tudo isto, é o destino que me guia. Mas tenho uma pergunta. Se isto tudo

não é aquilo que queres porque continuas aqui?

- Porque o que eu quero está no centro de tudo isto.

Virei-me para ele.

- E o que é que queres?

- Talvez não te possa dizer! Pode estragar a nossa amizade, prefiro ver-te do que

perder-te!

- Não estou a perceber.

- Lembras-te quando disse “almejei-te”?

- Sim, o que têm?

- Almejar significar desejar arduamente! Eu amo-te! Desde o dia em que te vi que sei

que tu eras o meu destino! E quando comecei a ficar com as asas brancas por apenas

falar contigo, isso ficou ainda mais claro. Não é algo muito nobre mas tudo o que eu

quero é beijar-te! Quero ter-te só para mim, quero defender-te, quero-te para sempre...

Eu juro que o ia beijar, porque era isso que eu queria mas lembrei-me que só poderia

dar o meu primeiro beijo a alma certa. Comecei a chorar.

Page 98: Um talisma

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- Desculpa, eu quero-te beijar mas não o posso fazer! Tenho que encontrar a alma

certa.

Ele beijou-me uma face e disse abandonado a minha cama:

- Compreendo, é o teu destino. Por favor volta-me a pôr as asas, tenho que partir.

Estalei os dedos e viu-o partir, saiu pelo porta do meu quarto, eu continue a chorar, fui

até à janela e viu avançar sobre as árvores da floresta em pleno voo.

Cai sobre os joelhos e chorei cada vez mais. Não percebi porque me sentia tão triste

mas era como se um pedaço de mim tivesse sido arrancando, um pedaço que não se

auto-regenerava. Acabei por adormecer sobre o parapeito da minha janela com as faces

em lágrimas.

...

No outro dia pela manhã acordei na cama, tinha os meus tios e o meu pai à minha

volta. O meu destino viria novamente arrancar-me do meu mundo e levar-me o Olavo.

- Não fiques assim, anima-te! Nem sempre o inferno é só tormentas e escuridão! –

afirmou a minha tia Íris sorrindo.

- O que queres dizer com isso? – perguntei.

- O que a Íris quer dizer é que tudo tem uma razão e deves ver o lado bonito da dor.

- Como pode ter a dor um lado bonito? – questionei.

- Que tipo de dor sentes? – interrogou o Benjamim por cima da minha pergunta.

- Como se me tivessem arrancado um pedaço de carne do meu peito. – Foi a maneira

mais fácil que arranjei de explicar o que sentia.

Olharam admirados uns para os outros, o meu pai fez um sinal com a mão e todos

saíram do meu quarto à exceção o meu pai, que beijou-me a testa e sentou-se ao meu

lado.

- O lado bonito da dor é que aprendes coisas com ela, coisas que não poderias aprender

de outra forma.

- O Galileu e a Tabita gostam um do outro, não é? – Mudei tragicamente de assunto,

porque as lágrimas começaram a tentar sair dos meus olhos.

- Sim.

- Porque todos tinham caras de enterro?

- Porque este mundo já não é seguro.

- O que queres dizer?

- Querida, vou tentar dizer isto da maneira mais simples que existe. Tu tens dois dias

para encontrar o teu verdadeiro amor, até o mundo acabar. Tens que encontrar alguém

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que te ame tanto quanto tu o amas, é muito complicado encontrar alguém assim. Eles

têm medo que não consigas cumprir o teu destino. – Demorei um pouco de tempo a

absorver tudo o que o meu pai dissera.

- Mas porquê?

- Lembras-te de eu te contar que há alguns anos atrás houve muitas dríades a morrerem

por causas desconhecidas?

- Sim.

- Quando isso aconteceu um espaço temporal foi aberto, absorve toda a magia, desde

alguns dias para cá muitos feiticeiros têm perdido os seus poderes, e até há alguns que

desapareceram, acho que é isso que aconteceu.

- Oh pai, porque não me disseste mais cedo que a alma que me está destinada é alguém

que eu amo profundamente?

- Pensei que fosse lógico!

- Para mim não era! Eu amo profundamente o Olavo, mas ele partiu ontem à noite! Ele

declarou-se a mim e eu não o pude beijar à espera de encontrar a alma certa! Tu não

sabes como o amo! Eu matava-me por ele neste preciso momento se não tivesse que

salvar meio mundo!

O meu pai começou a sair do quarto e quando ele ia fechar a porta pedi:

- Podes de uma vez por todas contar-me a verdade sobre tudo o que estou a viver?

- Agora sei tanto como tu!

Mentiu-me, vi os seus dedos cruzados.

...

Vesti-me e desci até a sala/biblioteca.

Quando lá cheguei a Priscila veio ter comigo.

- Hoje temos que ir ao Bayrro, não podemos adiar mais a viagem. – disse-me a

Priscila. – Já me estava a esquecer! Que cabeça a minha... – Voou pela sala e por trás de

um livro tirou uma pena negra. – O Olavo não teve coragem de entregar-te esta pena,

será uma das últimas a ficar branca, por isso assim saberás quando ele vai partir.

A pena era enorme e eu queria que ela tivesse um lugar importante no meu corpo.

Com um elástico que trazia no pulso apanhei o cabelo num carrapito redondo e espetei a

pena nele.

A única maneira de salvar o mundo não deveria ser apenas beijar quem realmente

amo, encontraria outra solução.

– Vou ao Bayrro, alguém vem comigo?

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Oitavo Capítulo

“Como se esquece um anjo?”

ali estava eu no Bayrro, tinha a esperança de realmente saber a verdade!

Bem, a verdade é que desde que decidi voltar a procurara minha mãe, tenho-

me esquecido de que na realidade tudo isto começou porque quero voltar a

ver o meu pai feliz e quero voltar a ter o carinho da minha mãe, mas não é isso que

tenho feito!

Tenho andado a procura da família perdida e saber realmente qual é o meu destino!

Parece tonto e fora de tudo o que disse, mas na realidade também andava um

bocadinho à procura da minha alma. E encontrei-a!

É o Olavo, sem dúvida…

E choro quando digo isto... Porque deixei-o partir... Estava a pensar na minha mãe e

voltei a fazer alguém que eu amo sofrer. Primeiro a minha mãe, agora o Olavo. Eu sou

um desastre...

A mão da Tabita caiu sobre o meu ombro e fez-me acordar dos meus pensamentos.

Olhei para ela e para o Tobias e eles deram as mãos e começaram por explicar:

- Quando damos as mãos assim, conseguimos ver os mortos. A tua mãe tem uma coisa

para te dizer.

Fecharam os olhos apertaram as mãos com força e as mãos que estavam livres

apontaram para a frente e delas saíram uns raios azuis.

Apareceu a minha mãe, mas não com a forma que ela morreu, mas com a imagem que

tinha quando era mais nova.

Era tão parecida comigo... no cabelo, na cara e até mesmo de corpo.

- Cresceste tanto! Já não és a minha pequenina! Há, e não te preocupes comigo e com

o pai, estaremos juntos mais depressa do que pensas, cumpre apenas o teu destino...

Estava à espera que a minha mãe disse-se coisas como “salva-me, estás mais perto do

que nunca, salva-me” ou então “tu e o Olavo não são as almas certas”, mas não.

Mandava-me ralhar com os meus tios e para esquecer a minha motivação para tudo isto.

E

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Boa! Agora vou lutar pelo que o Godric guardou para mim e depois logo vejo o

propósito! Sim, acho que sem dúvida alguma é uma boa razão para encher a minha linda

cabecinha com problemas…

Quando acordei dos meus pensamos, (mais ou menos dois segundos depois de a minha

mãe desaparecer) a Tabita e o Tobias tinham dois monstros a arrancar-lhes sangue pelo

pescoço, o Samuel a tentar salva-los e a Priscila a fugir.

Lindo! Era só o que mais me faltava! Uns mauzões para me estragar ainda mais o dia!

Era um rapaz baixo (mesmo baixo, devia ter para aí um metro e quarenta e poucos),

cabelo castanho, curto e oleoso (soltei um interjeição de nojo quando reparei nesse

pormenor). Vestia-se todo de preto e tinha num sapato com salto e outro sem, não

contive o riso foi inevitável. O salto chegava-lhe a meio da barriga da outra perna. E

tinha uma capa como o super-homem.

- Riste do meu aspecto, vadia? – protestou ele irritado.

Voltei a rir.

- Tu é que metes nojo e eu é que sou vadia?

Depois a realidade entrou dentro de mim, tinha dois primos (que descobrira à meia

dúzia de horas) que estavam a ser decapitados por uma espécie de vampiros.

Tinha que os salvar!

Comecei a lutar ao lado do Samuel, fiz uma espada aparecer para mim e outra para ele,

(porque ele, antes, lutava apenas com o corpo).

Ele matou dois ou três e eu matei dois, mas eles eram no mínimo uns doze (para além

dos que estavam mortos).

Com uma magia qualquer, manhosa, meteram o Samuel a dormir.

Eles estavam interessados em mim! Parei de lutar. Era inútil continuar a faze-lo!

Dentro de mim o medo consumia as minhas respirações, o meu coração, tudo! Não

havia uma ponta de mim que não tivesse medo...

Não! Já estou a mentir! Havia uma ponta de mim que tinha um medo profundo por o

que iria acontecer e outra ponta que desejava que o Olavo estivesse ali para me defender

(não é que não o fizessem bem sozinha, mas precisava dele para ganhar forças para

combater).

- Escusas de desejar o teu anjo! – disse o nojento. Conseguia ler-me as emoções.

Raios! – Chamo-me Nicolau e sou uma metade de onem com uma metade de vampiro.

A minha mãe era uma vampira, o meu pai era um anjo. Estou aqui para te roubar o que

a tua família me tirou.

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- Se é esse o teu problema, eu também sou infértil! – afirmei assombrada.

- Eu não sou infértil! Os feiticeiros não entrêvem nesse tipo de coisas no mundo dos

vampiros. Só quero a minha mãe de volta!

- E o que tenho eu a ver com isso?

- Olha, ali o Jorge é filho do teu querido bisavô, como o destino dele era amar uma

galdéria e nasceu sem poderes, por isso rejeitou como filho. – O rapaz deu um passo em

frente e era igualzinho ao Godric, olhos azuis, cabelo louro e encaracolado e estrutura

mediana. – A Gonabi é a antiga sarpira do Godric, a Priscila não nasceu de uma relação

amorosa, a Gonabi foi violada. As sarpiras depois de perderem os poderes tornam-se

humanas e sim o vampirismo passa-se por uma mordedura. A minha mãe era uma

senhora de vida, porque até no mundo mágico alguns têm que fazer serviços menos

próprios e o Godric depois de a usar, matou-a... Mesmo à minha frente e disse para mim

“metes-te comigo e eu faço-te o mesmo”. Por isso estou à espera que ele apareça para te

salvar para eu dizer “agora quem mata quem”. Já me estava a esquecer, conheces?

Um dos seus capangas (sem capuz) apareceu com a boca cheia de sangue e numa das

mãos trazia o meu pai com a traqueia partida e morto.

Comecei a chorar desoladamente.

O rapaz com a boca coberta de sangue afirmou:

- Foi difícil de o matar, é um bom lutador, mas já está! Na verdade é muito delicioso!

Interrogava-me como conseguiam matar se o meu pai era totalmente imortal.

- Querida, os vampiros têm um veneno capaz de matar qualquer criatura, exceto anjos.

– declarou dando-me uma festa no rosto. Apeteceu-me cuspi-lhe para cima, contive-me.

Não queria acelerar a minha morte.

- Foge para o passado. – sussurrou calmamente o Godric nos meus ouvidos para que

os vampiros não notassem.

Um buraco qualquer rosa começou a abrir atrás deles e eles foram morrendo, pensei

que aquela coisa apenas os sugasse, mas não.

Começou a sugar rapidamente tudo que o rodeava, casas, alcatrão, pedras de calçada,

terra, o corpo do meu pai, o da Tabita, o do Tobias, até os vivos (os homens que

mataram uma parte da minha família) e até a pena que o Olavo me deu... enfim tudo.

E dentro do buraco via as coisas a partirem-se como se fossem vidro e transformarem-

se em areia, enquanto iam gritando (ou seja, “os vivos” sentiam toda aquela dor).

Fiquei sem reacção. Entrei em pânico. Fiquei completamente imóvel. Que podia eu

fazer?

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E por mais estranho que pareça, só desejei que o Olavo não aparecesse para me salvar,

tinha medo que ele fosse sugado...

É irónico, mas não estava preocupada com a minha vida, estava preocupada com o

facto de não querer que o Olavo morresse, não primeiro que eu. Aliás nem queria saber

se ele morria ou porque raio morria, porque isso me causaria uma dor tão grande... era a

mesma coisa que terem que me amputar uma perna.

Mas o meu desejo não se concretizou!

O Olavo apareceu e tentou tirar-me daquele lugar, mas quando o vi esqueci-me do

buraco e comecei a perder a noção do que fazia... falando de maneira atrapalhada.

- Eu não te disse ontem, porque não pude mas tenho que te dizer! Eu amo-te! Eu

almejo-te! Ou como raio se diga... e se vou morrer só quero que me beijes, só quero

saber qual é o gosto da tua boca...

Mas nunca cheguei a acabar a minha frase, ele beijou-me como se não houvesse

amanhã!

Na verdade, naquela situação poderia mesmo não haver amanhã... mas que se lixasse,

estava no sítio certo e na altura certa, porque estava com a pessoa certa.

Coloquei os braços a volta do seu pescoço e deixei-me ir, como ele estava muito

curvado, pegou no meu rabo (não pegou com uma mãozinha e segurou-me no ar, não,

não foi assim que o fez, colocou uma mão em cada uma das minhas nádegas e puxou-

me para cima), enrolei as pernas a volta da sua cintura, e assim ficámos da mesma altura

(finalmente).

Largou a minha boca durante alguns segundos e afirmou:

- Por vezes a falar pareces uma metralhadora a disparar. Não te calas!

E voltou a colar os nossos lábios.

Notas, se algum dia beijares um anjo com as asas muito negras:

Não te arrepies, a língua dele é mesmo fria;

Se sentires o corpo dele a mudar de baixo de ti, não abras os olhos, vais

estragar o momento;

Se sentires as penas dele a fazerem-te cócegas na barriga, não te assustes

ele apenas tenta deixar a sua marca no teu corpo;

Os seus lábios parecem fogo comparados com a língua, são mesmo muito

quentes (todo o seu corpo, exteriormente, é quente);

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A boca dele é mágica e o corpo também, por isso sentirás mais prazer do

que com outra criatura qualquer;

E se ele desaparecer a meio ou depois do beijo é sinal que eras o destino

dele.

As suas costas alagaram mesmo por baixo dos meus braços, tive que esticar mais os

braços para os meus cotovelos tocarem-lhe os ombros, desci alguns centímetros

(continuando no colo dele) ou seja, o seu tamanho diminuiu, mas não muito. O seu

corpo endureceu por baixo do meu, os seus músculos começaram a desenvolver-se,

pareciam balões a encher (ele é mesmo muito musculado, acreditem). E, mesmo com os

olhos fechados, senti a sua cara a mudar, o seu nariz recuou e as suas bochechas

também mudaram. Mas os seus lábios não mudaram... apenas se tinham tornado mais

mágicos, pelo menos para mim.

- Sabes que tenho que ir, não sabes? – perguntou logo a seguir a separarmos as bocas.

- Mas agora?

- Sim.

- E quando te volto a ver?

- Temos as almas destinadas, tu não morres e eu virei várias vezes à Terra para estar

contigo. Ou pelo menos, procurar-te-ei...

Ao contrário do dia em que o conheci tinha as asas totalmente brancas.

Tinha os olhos verdes, continuava muito alto, mas o seu corpo ficara musculado, o seu

rosto continuava estranho, mas não era feio, era fascinante e lindo.

Eu acredito que a característica do rosto deveria ser estranha por ele ser um anjo.

As orelhas deixaram de ser estranhas, eram completamente normais. O seu nariz,

realmente ficou mais pequeno e as bochechas mudaram porque o seu rosto também

mudou.

- Último desejo? – pediu ele quebrando o silêncio que eu fiz sentir.

- Quero ficar contigo só para mim!

- Posso dar-te tudo, menos isso.

- Então... uhh, quero saber qual é o teu dom?

- Prometes que não te ris?

- Juro.

- Posso concretizar sonhos...

Ri-me.

Page 105: Um talisma

Um talismã

104

- Prometeste!

- Não, jurei e quem mais jura mais mente.

Rimos os dois.

- Tenho mesmo que ir... desculpa...

- Tudo bem! Mas da próxima vez que caíres do céu, vem um bocadinho mais

pequenino, coitado do taxista a quem partiste o carro... ficou sem emprego.

Voltou a rir.

Voltou a beijar-me e reparei num pormenor (antes de ele me beijar claro, não gosto de

ter os olhos abertos quando ele me beija, posso estragar o momento), ainda mantinha ao

pescoço o colar da minha mãe, se realmente me amasse poderia encontrar-me em

qualquer parte do mundo.

Pela primeira vez, bateu com força as asas e não me levava ao seu colo, chegou tão

alto que deixei de o ver e depois qualquer coisa brilhou no céu. Devia ser ele…

Sentei-me naquele lugar.

E pouco tempo depois o Samuel acordou.

- Que se passou? – perguntou.

- Acabou tudo! Está na hora de regressares!

Ele não fez mais nenhuma pergunta e partiu.

Vi a destruição que o buraco causara, pensava no meu pai e como é que aquilo lhe

podia ter acontecido. Pensei como é que o Galileu iria lidar com a notícia da Tabita.

Mas não sabia nada do Tobias, se teria família, se tivesse, o que aconteceria? Tudo por

quase nada. Pensei em como a Priscila era cobarde por fugir quando mais precisava dela

mas fora isso que aconteceu. Paciência, águas passadas não moem moinhos.

Tentei imaginar o meu pai e minha mãe juntos, mas não conseguia imaginar isso. E

chorava pensando que eles nunca voltariam a ser felizes... mas só um pouco mais tarde é

que me apercebi de que realmente não voltaria a ver o meu pai, aquilo, era para

sempre...

E nesse preciso momento caiu uma pena a meu lado.

Uma pena do Olavo era branca, quando a vi coloquei a mão no cabelo e vi que tinha

perdido a outra, tinha caído no buraco. Segurou-a, ela vinha um bilhete que dizia.

“Podes pedir o teu desejo quando decidires. Podes

pedir tudo, menos que eu volte! E depois de pedires o

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desejo ficas com a pena. E sei escrever, sou um anjo,

não sou burro!

Olavo”

...

Voltei para casa.

Bem, demorei muito tempo a voltar para casa, tive que voltar a Nova Iorque. Tive que

voltar a ver o sítio exato onde caíra o meu anjo. Mas não faço ideia porque a minha

magia me levou lá. Adotei uma frase do discurso do meu bisavô (com ligeiras

modificações): e que o destino trate do resto.

Assim que meti um pé dentro de casa ouvi os gritos da Priscila e fui andando o mais

devagar que consegui sem arrastar os pés para ver a razão dos seus gritos.

Quando cheguei a sala/biblioteca vi a Priscila amarrada a uma cadeira com a minha

família lá. Hora de dar às notícias:

- Tio Benjamim, tio Deodeto e Galileu, enganaram-se, a minha mãe nunca teve a alma

da princesa nem nenhum dos outros teve a alma de algum antepassado da família, há

muito tempo que essa alma deixou de passar de mãe para filha. O meu pai morreu, a

Tabita e o Tobias também e eu só não morri porque o Olavo salvou-me. O resto do

mundo mágico também não desapareceu porque encontrei a minha alma, era o Olavo.

Ele já regressou ao céu. Desculpa as notícias, Galileu. E o Samuel partiu, voltou para o

seu mundo.

- Não faz mal, também não estava assim apaixonado por ela, era mais só uma atracção.

– respondeu o Galileu.

- Como ‘tas a lidar com a morte do teu pai e a partida do Olavo? – perguntou o

Guilherme realmente preocupado.

- Acredito que o meu pai está neste momento com a minha mãe, - Tirei a pena do

bolso, – e o Olavo estará comigo em quase todo o lado. E prometeu voltar.

O Guilherme abraçou-me e sussurrou-me ao ouvido:

- Tens que resolver o problema da Priscila.

Fui ao pé da Priscila e tirei-lhe a fita-cola que tinha na boca. O meu pensamento

naquele momento foi “e eu é que sou a metralhadora”, a mini anjo é que parecia uma

bala a falar...

- Desculpa, dou-te os meus poderes para me perdoares, o medo consumiu-me e fugi,

não me mates por favor! Por favor!

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Um talismã

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- Isso é uma óptima proposta. Eu não queria-te castigar, mas fugiste sem mais nem

menos, é o mínimo que posso fazer, mas não fico com a totalidade, apenas o teu dom...

Assim foi suguei-lhe o seu dom e o meu corpo aceitou-o bem.

...

Beijei cada rosto da minha família e dirigi-me para o meu quarto. Vesti uma camisa de

dormir e abri a cama, estava pronta para dormir o resto do dia, alguém nesse preciso

momento bateu à porta do meu quarto.

- Pode entrar. – disse.

O Guilherme entrou no meu quarto, avançou ferozmente até estar ao meu lado.

- O Olavo não é o único que te ama. E neste momento, ele está muito longe para te

poder proteger, cuidar de ti, acarinhar-te ou amar-te...

- O que queres dizer com isso? – perguntei intrigada.

- Eu também te amo!

Colocou uma mão por trás do meu pescoço, outra no fundo das minhas costas e

beijou-me...

Foi completamente diferente do beijo do Olavo mas não posso dizer que não senti

nada.

- Não preciso de uma resposta agora, pensa no que se passou... – pediu batendo com a

porta. – A proposta fica em aberto.

Fiquei ali imóvel sem saber o que fazer.

...

No outro dia de manhã acordei com olhos postos na pena... e já sabia o que queria de

desejo.

- Quero ver se os meus pais estão juntos.

Pedi sem ter esperança que acontece-se.

Minutos depois a pena brilhou, duas nuvens cinzentas desceram da nuvem do Olavo

(ainda não a tinha tirado do meu quarto, ainda tinha esperança que ele volta-se

depressa), uma ganhou a forma do meu pai e outra a forma da minha mãe. Abraçaram-

se.

- Sim, querida, estamos juntos, novamente. Obrigado. – Sopraram-me um beijo e

desapareceram.

A partir desse dia guardei a pena numa caixa e fui tirando-lhe as marcas do tempo

(limpando-lhe o pó) até deixar de acreditar que ele voltasse. Acabei por guardar a caixa

no sótão.

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Joana Silva

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Nono Capítulo

Adoraria em mil palavras coloridas,

bonitas e garridas,

pintadas com bolas e meio floridas...

Adoraria com as pontas dos dedos,

que carregam na recordação,

antigos pesadelos...

Sonhos pintados de cores berrantes,

cores de verão,

Sonhos que jamais serão como de antes!

Adoraria poder-te mostrar,

o que bruma da história não quer desvendar!

Quinhentos e setenta e sete anos depois

asei-me com o Guilherme. Estive casada com ele até perceber que mais que

quisesse nunca o poderia amar, ou pelo menos nunca amaria tanto quanto

amara no passado.

Tive vários homens na minha vida, mas nunca mais consegui encontrar o tal. Era rica

porque morava no mundo dos humanos e simplesmente fazia o dinheiro aparecer.

Como era uma tia solteirona tomava conta dos filhos da Dora (a Joana e o Romeu), a

Íris não voltou a ter filhos, tinha um negócio de sucesso e também não podia cuidar dos

seus netos, o Galileu apaixonou-se por uma onem e também não tinha filhos, mas o

Guilherme tinha oito (Malaquias, Tomás, Francisco, Barbará, Sara, Maria, Rodrigo e

Henrique, disse os nomes por ordem de nascimento), e todos da mesma humana, ela

morrera ao dar a luz o último filho, o Guilherme jurou não ter mais nenhuma mulher na

sua vida. Como não percebia muito de crianças, vivíamos juntos, na mesma casa, para

C

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que eu pudesse cuidar delas. O Benjamin e o Deodeto, cada um, tinham apenas um filho

e tinham sido acidentes com bruxas que não conheciam de lado nenhum e nunca

descobriram ao certo o paradeiro dos filhos (eles sempre tiveram um fraquinho por

bruxas, eles diziam que meninas com minissaias e bastante oferecidas eram o seu

género).

Por outras palavras, sou a única solteira da família, até o meu pai e a minha mãe estão

juntos.

Quanto aos estudos, acabei o curso de medicina mágica e muitos outros... mas prefiro

cuidar dos meus sobrinhos.

E era aquilo a minha vida, naquele momento!

...

- Crianças, já estamos atrasadas!

O Guilherme ajudou os rapazes a porem os laçarotes e eu atei os laços das meninas, a

Dora ia casar-se era o seu grande dia.

Eu tinha um grande vestido branco até aos pés de costas abertas e sem mangas nem

alças, a parte de baixo do vestido ganhava volume como se fosse o vestido de uma

princesa. Tinha alguns brilhantes aqui e acolá e era tudo.

Eu parecia a noiva, mas era assim que a Dora queria, todos iriam de branco porque ela

queria ir de azul esverdeado e assim distinguir-se no meio de todos, como era a dama de

honor tinha um fato especial e por isso o meu fato tinha tanto volume.

- AHHH! – gritava a tia Dora, levei as crianças para uma casinha à parte e fui para

junto da Dora para ver o que se passava. – O meu ramo parece uma coroa de flores para

um defunto! – voltou a gritar.

- Podia ser pior! – disse rindo. – Eu vou comprar-te um ramo novo.

- As rosas têm que ser azul esverdeado, como o meu vestido! Só um bocadinho mais

azuis! – gritou novamente.

Sim, eu sei. Uma festa de casamento no Mosteiro dos Jerónimos? Os paparazzi e tudo

o que tenha a ver com comunicação para os humanos estão proibidos de entrar. Desde

que não haja ninguém a tirar fotos para esse tipo de coisas podem entrar. Sabem, é que

daqui a quinhentos anos continuamos cá e não queremos ser descobertos que não

morremos nem envelhecemos, tudo vai acontecer naquele local porque a Matilde era de

Lisboa e a minha avó, a Sara, era de Portugal, a língua dos feiticeiros tem um certo jeito

de português e todos os feiticeiros falam português! E como é óbvio o chamado Bayrro

ficava em território português e talvez isso explique o nosso carinho por Portugal.

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Joana Silva

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Comprei umas rosas brancas e fiz magia. A Dora nem ia notar, é difícil de saber se é

magia ou não. Tenho poderes de Original por isso é difícil de os outros feiticeiros

saberem quando estou a usar magia ou não.

Fui até ao carro que trazia a tia para procurar uma fita e achei uma com uma cor

parecida com a das rosas e atei as rosas com isso.

Sai do carro e vi um rapaz muito alto à minha frente.

Tinha os olhos verdes, o cabelo castanho claro, tinha vestido umas calças de ganga e

um t-shirt a dizer “always out of time...”.

- Diz o que me tens a dizer e sê rápido, tenho mais do que fazer. – afirmei.

- Nunca pensei que te esquecesses de mim! Nem nunca pensei que te casasses sem ser

comigo. Nem que perdesses a minha pena...

Olavo... pensei... o ramo escorregou das minhas mãos e o que disse foi:

- Raios! E agora?

- Não te preocupes, não precisas de te casar, dou-te um bom motivo para não o fazeres.

Sabes que ainda te amo, não sabes?

E beijou-me, como me beijara há quinhentos anos e sim, aquilo era uma óptima razão

para não me casar, se o casamento fosse meu, mas não era! Fiz magia para o ramo de

flores voltar para a minha mão e quando ele me soltou a boca, afirmei:

- O casamento não é meu, é da Dora. Não te vás embora, vou só entregar-lhe o ramo.

Entrei na igreja a correr, entreguei o ramo à Dora, dei um beijo ao Guilherme e gritei:

- O Olavo voltou!

Voltei a correr e quando cheguei a porta do Mosteiro dos Jerónimos ele não estava lá.

Fui ao carro e ele estava sentado no banco do condutor com um chapéu de motorista

posto, sentei-me no banco de trás e ele perguntou:

- Para onde, menina?

- Para onde quiseres ir!

Partimos no carro que supostamente era o da Dora e por isso tinha latas atadas no

pára-choques traseiro. Fazia barulho e desfilamos por uma parte de Lisboa assim, depois

transportei-nos para Condácia.

Ele explicou-me que só naquela altura conseguiu abdicar de ser anjo, ou seja, não tem

as asas mas consegue fazer magia. E o resto da minha história... é um segredo!

Só posso dizer que a verdade sobre quem sou e de onde vim... bem, pela primeira vez

deixei de procurar as respostas dessas preguntas, mas a resposta encontrou-me...

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Mas posso dizer que eu e o Olavo vivemos realmente felizes para sempre!

Mariana

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