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PROGRAMA 1
CHEGADA A PORTUGAL
Portugal é um país com uma área total de cerca de noventa e dois mil Km2.
Ocupa o extremo oeste da Europa, na zona ocidental da Península Ibérica e é
delimitado a norte e este por Espanha e a sul e oeste pelo Oceano Atlântico.
Compreende ainda os Arquipélagos dos Açores e da Madeira, no Atlântico Norte.
É um país rico pela sua história e diversidade. Independente desde 1139,
possui as fronteiras mais antigas da Europa e é a primeira nação deste continente
europeu a usar uma única língua: o português.
Podemos dizer que a diversidade de Portugal pode ser apreciada em quatro,
ou cinco, grandes blocos: o Norte, o Centro, o Sul e as Ilhas, que formam duas
regiões autónomas: a dos Açores e da Madeira.
Nesta série de programas vamos conhecer essa diversidade e também alguns
aspectos da língua portuguesa, na companhia de três amigos...
António: – Olá! Eu sou o António Silva. Estou no aeroporto à espera de um grande
amigo meu, o João Tavares. Ele vem passar as férias a Lisboa e vem com a prima, a
Ana Paula. O avião já aterrou, por isso acho que estão quase a aparecer ali ...
(...)
António: - João! Estou aqui! ...
João (para a Ana): – Olha o António! Está ali! (Para o António) – Que bom! Ainda bem
que estás aqui! Que bom voltar a ver-te! Como estás?
António: – Estou óptimo, obrigado.
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João: – Este é o meu amigo António. (Para o António) - E tu, lembras-te da minha
prima Ana Paula? (Para os dois) Vocês já se encontraram, lembram-se?
Ana: – Claro que me lembro! (Para o António) - Que prazer em voltar a vê-lo! Como
está?
António: – Lembro-me perfeitamente. (Para a Ana) - Para mim também é um prazer
voltar a encontrá-la.
João: – Mas porque é que vocês não se tratam por tu? Deixem-se de cerimónias.
António: – Com certeza. Também concordo.
Ana: – Também acho. É muito mais prático.
António: – Então, a viagem? Foi boa?
Ana: – Boa, mas um bocado cansativa...
João: – Claro! Para a Ana todas as viagens são cansativas... É natural... Ela traz
sempre tantas malas!
António: – Bem, eu tenho ali o carro para vos levar ao hotel. Tenho pena de não vos
receber em minha casa, mas... tenho um apartamento muito pequeno...
João: – Por favor. Não tens de ter pena... nem tens de te incomodar connosco. Está
muito bem assim. Nós estamos de férias, podemos ficar no hotel, podemos passear e
fazer o que nos apetecer. Tu tens o teu trabalho. Encontramo-nos nos teus tempos
livres...
Ana: – Claro! Não tem importância. Podemos perfeitamente descobrir a cidade
sozinhos...
(...)
João: – Estou espantado! Não me lembro de nada disto! Há tanto tempo que não
venho cá!...
Ana: – Bem... está muito diferente!... É natural! Tudo muda com o tempo...
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António: – Pois é! Há muitas coisas novas e outras antigas. Continua a ser uma
cidade de contrastes. Vocês vão gostar muito de Lisboa... e de Portugal inteiro!.
João: – Acho que sim! Quero ver tudo...
Ana: – Bom, tudo é impossível... mas eu também quero passear... Quero conhecer
um bocadinho da história portuguesa, quero fazer compras; quero comer aqueles
petiscos de que os meus pais falam tantas vezes...
António: – Ah! Isso é o mais fácil....Estou a ver... Planos não vos faltam!...
João: – Podes crer...
António: – E já cá estamos. Este é o vosso hotel.
(...)
Recepcionista: – Boa tarde. Façam favor....
João: – Boa tarde. Temos uma reserva de dois quartos individuais. Um em nome de
João Pedro Tavares ... e outro em nome de Ana Paula Martins.
Recepcionista: – Só um momento.... Ah! Exactamente. Cá está: A Sr.ª D. Ana Paula
tem o quarto n.º 806. tem uma vista muito bonita para a cidade. O Sr. Tavares tem o
quarto n.º 817 com vista para o castelo e para o rio
João: – Óptimo! Adoro ver água... e barcos... E tem varanda?
Recepcionista: – Tem, tem. Tem uma varanda. Não se importam de preencher aqui
esta ficha com os vossos dados pessoais? Depois vou precisar dos vossos
passaportes também. É só por um instante.
João: - Com certeza.
Recepcionista: – Muito obrigada. Aqui têm as chaves. O elevador fica à direita. Os
quartos ficam no 8º andar.
Ana: - Obrigada.
João: - Muito obrigado
António: – Bom. Então agora deixo-vos à vontade. Amanhã telefono, mas ficam com
o meu número de telemóvel
João: – Obrigado por tudo, António. Não te preocupes connosco.
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Ana: – Obrigada, António. Gostei de voltar a ver-te. Até amanhã.
A Ana e o João acabam de chegar ao aeroporto de Lisboa, onde encontram o
António, um amigo do João. Os cumprimentos entre os dois rapazes surgem
naturalmente. Depois, de um modo um pouco mais formal, a Ana é apresentada ao
António.
Este programa, por ser o primeiro, alerta para convenções sociais que se
estabelecem entre falantes. São especificidades da língua que revelam adequação a
contextos e situações, ora mais informais ora mais formais, de que são bom exemplo
as formas de tratamento. Neste programa, abordamos ainda os diferentes modos
de que dispomos em português para referenciar o outro, para nos
apresentarmos ou apresentarmos alguém e ainda para agradecermos. Falaremos
também da distinção entre os verbos SER e ESTAR.
1. FORMAS DE TRATAMENTO
Terão, provavelmente, notado que no início do diálogo as formas de tratamento
usadas entre o António e o João diferem daquelas que surgem entre o António e a
Ana. É possível sentir-se que há uma maior familiaridade entre os dois rapazes porque
estes se conhecem há mais tempo e têm uma relação de amizade mais longa. Vamos
rever:
João: - Que bom! Ainda bem que estás aqui! Que bom voltar a ver-te! Como estás? Ana: – Claro que me lembro! Que prazer em voltar a vê-lo! Como está? João: – Mas porque é que vocês não se tratam por tu? Deixem-se de cerimónias.
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Vemos que são usadas duas formas que diferem ligeiramente entre si e
revelam dois modos de uso de língua: um uso informal e um uso formal.
Informal
Formal
“Que bom voltar a ver-te! Como estás?”
“Que prazer em voltar a vê-lo! Como está?”
Estruturalmente, estes dois processos mostram a utilização do verbo na 2ª
pessoa no primeiro exemplo (uso informal) e na 3ª pessoa no segundo (uso formal):
Informal
Formal
Estás (tu)
Está (você, o Senhor, a Senhora, ...)
Por isso, a imediata intervenção do João, perguntando naturalmente por que
razão eles não se tratam por “tu”, irá provocar uma uniformização das formas de
tratamento usadas por estes três jovens amigos. Vejamos em mais pormenor:
Informal
Formal
+ Formal
- Como estás? Verbo -2ª pessoa singular (TU ) - Como estão? verbo 3ª pessoa plural (VOCÊS )
- Como está? verbo - 3ª pessoa singular (VOCÊ) - Como estão? verbo 3ª pessoa plural (VOCÊS)
- Como está, o senhor X? verbo - 3ª pessoa singular (O SENHOR) - Como estão, os senhores? verbo 3ª pessoa plural (OS SENHORES)
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Na situação analisada surge a diferença entre o uso de “tu” e de “você”. De
facto, ainda que de forma breve, apercebemo-nos já de alguma diferença quanto à sua
utilização, não só pela forma verbal seleccionada, como pelo grau de formalidade que
envolve:
A segunda pessoa do singular do verbo, com ou sem explicitação do pronome
‘tu’, contém uma marca de grande familiaridade. É usada normalmente entre
amigos e entre colegas de trabalho de faixas etárias iguais ou próximas.
A terceira pessoa do singular do verbo é usada com ‘você’ e apresenta um
grau de maior formalidade em relações de trabalho entre colegas ou noutras
relações sociais entre pessoas sem proximidade familiar.
Habitualmente, no português de Portugal, “você” não é usado de forma
explícita, ao contrário do que acontece com o português brasileiro, onde o seu uso é
muito mais alargado. Contudo, não é difícil encontrar, em Portugal, situações em que
”você” é usado explicitamente. Por exemplo, pode, em muitos casos, constituir marca
de poder hierárquico, vindo do superior para o subordinado; pode também ser uma
marca de expressão de intimidade em certas camadas sociais altas.
Expressões como “o Senhor” ou “os Senhores” são formas de cortesia
bastante mais formais do que “tu” e mesmo mais formais do que “você”. Ocorrem
quando não existe qualquer grau de familiaridade entre os interlocutores.
O uso restritivo de ‘Vós’
Ainda uma nota de atenção quanto ao uso restrito do pronome “vós”. Trata-se
de um pronome de uso muito circunscrito à região norte do país. Nas restantes regiões
é habitualmente substituído por “vocês”, ou por “os Senhores”, usando a forma
verbal correspondente à 3ª pessoa do plural.
Vocês já se encontraram, lembram-se?
(Vós já vos encontrastes, lembrais-vos?)
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2. REFERENCIAR O OUTRO
Também o modo como nos apresentamos e nos dirigimos ou nos referimos ao
outro pode obedecer a recursos diversos. Observemos como os nossos jovens amigos
se referem entre si e como são referidos pela recepcionista do hotel:
Entre Amigos...
- Eu sou o António... - Olha o António! - Este é o meu amigo António. - E tu, lembras-te da minha prima Ana Paula? Para a Ana todas as viagens são cansativas...
A recepcionista do hotel... A Srª D. Ana Paula tem o quarto nº 806 (...) O Sr. Tavares tem o quarto nº 817...
Podemos verificar que, informalmente, nos dirigimos ao nosso interlocutor
usando o nome próprio precedido do artigo definido. Mas quando, em português,
os nomes próprios de indivíduos fazem parte da nossa memória histórico-cultural
colectiva, então o artigo definido é geralmente omitido (são exemplos disso “Pessoa
escreveu a Mensagem” ou “Os Maias foram escritos por Eça de Queirós”).
Quando os interlocutores têm um contacto profissional ou circunstancial, o uso
da língua torna-se formal. Recorre-se a outros processos, como, por exemplo, fazer
anteceder o nome próprio ou o apelido de expressões que indicam o género: “o
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Senhor” e respectivo apelido (no caso masculino); “a Senhora Dona”, com nome
próprio (no caso feminino). Pode acrescentar-se ainda a indicação de algumas
profissões, como por ex.: “Senhor Dr.”, “Sr. Eng.”, com ou sem apelido:
Informal
Formal
O João... a Ana ... o António... (artigo + Nome próprio)
O Sr. Tavares.... A Sr.ª D. Ana Paula Masc. (artigo + Senhor + Apelido) Fem. (artigo + Senhora + Dona + Nome próprio)
Quando alguém se apresenta, ou apresenta alguém, fá-lo frequentemente de
um modo mais informal. No entanto, também aí pode haver processos mais
elaborados em função de situações específicas, em que o artigo é omitido. Vejamos
os exemplos:
2.1 APRESENTAR-SE:
Informal
Formal
- Olá. Eu sou o António.
- O meu nome é António Santos. - Chamo-me António Santos.
2.2 APRESENTAR ALGUÉM:
Informal
Formal
- Este é o meu amigo António. - E tu, lembras-te da minha prima Ana Paula? Vocês já se encontraram, lembram-se?
- Apresento-lhe o Sr. Dr. Mateus. - Tenho o prazer de apresentar a Sr.ª D. Margarida Campos.
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3. AGRADECER
Embora nem sempre se verifique na prática, a fórmula básica de
agradecimento varia em género e número, de acordo com a pessoa que fala. Como
vemos no exemplo, o João agradece dizendo ‘obrigado’, enquanto a Ana diz
‘obrigada’:
De acordo com a pessoa que fala:
João: - Obrigado!
Ana: - Obrigada!
Apesar desta norma, constata-se uma tendência para a utilização da forma
masculina singular por parte dos falantes em geral.
4. SER - ESTAR
Quem fala português desde que nasceu, provavelmente, não se apercebe da
existência de dois verbos com significados bem distintos mas que correspondem a um
único verbo em outras línguas. É o caso dos verbos “SER” e “ESTAR”.
Vamos observar alguns exemplos retirados do diálogo ocorrido entre os nossos jovens
amigos:
Eu sou o António. Este é o meu amigo António. A viagem foi boa. É natural! Este é o vosso hotel.
Estou no aeroporto. Olha o António! Está ali! Como estás? Estou óptimo! Nós estamos de férias.
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Partindo destes exemplos, é possível perceber a existência de uma
propriedade de carácter permanente (ex.: “Eu sou o António”, “Este é o meu
amigo”) que ocorre com o verbo “SER” e de outra propriedade transitória e
temporária que ocorre com o verbo “ESTAR” (ex.: “Estou no aeroporto”, “nós
estamos de férias”). Nestas frases, facilmente se compreende que se trata de
contextos que não permitem a troca do verbo. Seria agramatical dizer :
“*eu estou o António” ou “*Este está o meu amigo António”
Assim como também seria agramatical proferir:
“¨*eu sou no aeroporto” ou “*eu sou de férias”
No entanto, apesar da clareza destes contextos, é possível que ocorram
situações em que só pelo uso do verbo é possível interpretar a frase. Vejamos o que
acontece com os seguintes exemplos:
1. “Lisboa está muito diferente” 2. “Lisboa é muito diferente do Porto”
No primeiro exemplo, “Lisboa está muito diferente”, encontramos
propriedades transitórias ou temporárias: A cidade está diferente porque mudou, tem
prédios novos, cresceu, apresenta alterações em relação a um estado anterior.
No segundo exemplo, “Lisboa é muito diferente do Porto”, apercebemo-nos
de propriedades permanentes, contextualizadas por “ser”. Trata-se de uma
propriedade duradoura: Lisboa é diferente do Porto, é única.
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Vamos agora saber um pouco mais sobre Portugal, o país que tem as
fronteiras mais antigas da Europa.
No Norte de Portugal localiza-se uma área de densa vegetação e com uma
profunda riqueza histórica. Com efeito, foi a partir daqui que se iniciou o processo de
reconquista cristã, no início do séc. XII, facto que deu origem à formação do reino de
Portugal.
No Centro encontram-se os contrastes do mar e da serra associados a
memórias antigas, perpetuadas em lugares e tradições. São populares muitas histórias
de feitos heróicos de resistência à dominação romana nos primeiros séculos da nossa
era, em que se destaca Viriato, bem recordado na cidade de Viseu.
A cidade de Coimbra, cidade universitária por excelência, possui uma das
universidades mais antigas da Península Ibérica e uma vida intimamente ligada aos
estudantes. Muito próximo, as ruínas romanas da cidade de Conímbriga recordam
origens bem mais antigas.
O vale do rio Tejo possui características que evidenciam uma transição para
sul do país. De facto, este rio parece dividir o território a meio: o Norte mais
montanhoso, mais húmido e mais fresco; o Sul, mais plano, mais seco e mais quente.
Na região Sul, sobressaem as vastas planícies do Alentejo. O verde das
lezírias dá lugar ao dourado das searas de trigo e a grandes extensões de terra onde
os rebanhos procuram descansar à sombras dos sobreiros.
A cidade de Évora, classificada como Património Mundial pela Unesco,
apresenta monumentos de épocas bastantes diversas, dos quais se destaca o Templo
de Diana, construção romana do séc. II.
Estendendo-se mais para sul os terrenos vão ficando mais secos e menos
povoados. Algumas formações montanhosa preparam a entrada no Algarve, região
com características marcadamente mediterrânicas, muito conhecida pelas suas praias,
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mas onde se sente ainda a grande influência da cultura árabe que ali se manteve entre
os séculos VII e XIII.
A cerca de mil quilómetros para sul, em pleno Oceano Atlântico, o arquipélago
da Madeira surpreende pela beleza contrastada entre as suas principais ilhas: a de
Porto Santo e a da Madeira. Aí, é possível percorrer as estações do ano em um só dia:
Verão junto ao mar, Primavera nas encostas altas do litoral, Outono nas do interior e
Inverno nos cumes mais altos.
A cerca de 1400 quilómetros a oeste de Lisboa, fica o arquipélago dos Açores,
formado por nove ilhas, algumas delas mantendo ainda vulcanismo activo. É um
conjunto de ilhas mágicas, muito diversas entre si, e que conservam tradições que
remontam aos primeiros anos da sua colonização. Prova disto é a classificação de
Património mundial da Humanidade atribuída ao centro histórico de Angra do
Heroísmo e à Paisagem da Cultura do vinho da Ilha do Pico. São prova também as
festas já milenares da devoção ao Divino Espírito Santo, cujas raízes se perdem no
tempo...
PROGRAMA 2
TRANSPORTES URBANOS
A cidade de Lisboa é o centro de uma vasta área metropolitana, com mais de 2
milhões de habitantes e com mais de 3 mil quilómetros quadrados, abrangendo os
concelhos das duas margens do rio Tejo. Só a área urbana ocupa cerca de 84
quilómetros quadrados, aproximadamente, e tem à volta de 500 mil habitantes.
É, por isso, fácil de compreender o movimento diário de deslocações entre a
periferia e a cidade e dentro da cidade: são aproximadamente 4 milhões de pessoas
em movimento, das quais 3 milhões nos seus transportes particulares.
Com a evolução crescente dos transportes privados, regista-se um aumento dos
congestionamentos nos acessos à cidade e uma crescente dificuldade em gerir todo
este afluxo de trânsito.
Em Lisboa existem duas grandes empresas de transporte público que, ajudam
de forma decisiva nas deslocações dentro da cidade. São elas o Metropolitano de
Lisboa e a Carris.
A Ana e o João vão utilizar os transportes públicos. Querem ir para o
Cais do Sodré de Metro, porque é mais rápido e é uma maneira diferente de conhecer
a cidade...
Ana: – Ora bem, João, nós queremos ir para o Cais do Sodré, não é? Ora o Cais do
Sodré fica na linha verde, de acordo com esta planta. Em que linha é que estamos
agora?
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João: – Deixa ver... estamos na linha amarela...a linha girassol. Bem, vamos ter de
mudar de linha em algum sítio.
Ana: – Nem queiras saber, vamos ter de mudar de linha duas vezes.
João: – Tens a certeza? Não há um percurso mais directo, Ana?
Ana: – Haver, há, mas a volta é muito longa. Vê lá se não tenho razão: implica andar
para trás até ao Campo Grande e percorrer, praticamente, toda a linha verde. A outra
hipótese é ir até ao Marquês de Pombal, são só três estações, mudar para a linha azul
até à Baixa/Chiado e, depois, passar para a linha verde. O Cais do Sodré é logo a
seguir.
João: – Estamos longe! Espero que a gente não se perca.
Ana: – Lá estás tu a ser agoirento! Não te preocupes, que deve haver indicações
claras. Se não houver, perguntamos a alguém. Quem tem boca, vai a Roma.
João: – Ah, isso perguntas tu!
Ana: – Podes ficar descansado. Olha, vamos ali à bilheteira perguntar à funcionária.
Ana: – Bom dia. Nós queríamos ir para o Cais do Sodré. Temos de mudar de linha
duas vezes, não é?
Funcionária: – Sim, é a melhor opção.
Ana: – Nós não temos nenhuma planta do Metro. Importa-se de nos dar uma?
Funcionária: – Até dou duas: uma para cada um! O percurso é mais simples do que
parece. Se, por acaso, se perderem, podem pedir ajuda um colega meu.
João: – E que tipo de bilhete é que nos aconselha?
Funcionária: – Depende. Se vão andar muito de Metro, talvez seja melhor um bilhete
de dez viagens. Se vão também andar de autocarro, podem optar por bilhetes
combinados ou pelo passe. O que é que preferem?
Ana: – O que é que achas, João?
João: – Para já, dê-nos dois bilhetes e, depois, logo vemos.
…
João: – Obrigado.
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Ana: – Vamos andando.
Este programa reporta-se às acções da Ana e do João, quando se preparam
para apanhar um meio de transporte, neste caso o Metropolitano de Lisboa. Faremos
referência a formas de expressar dúvida e desejo/expectativa. Abordaremos, ainda,
aspectos relacionados com o verbo haver e com o uso de determinados registos de
língua. Vamos, então, prestar atenção aos excertos que se seguem:
1. EXPRESSAR DÚVIDA
“Tens a certeza? Não há um percurso mais directo, Ana?”
O João e a Ana encontram-se numa estação de metro e tentam delinear o
melhor percurso a seguir para atingirem o seu destino. No excerto que vimos, o João
duvida que a leitura que a Ana fez do mapa da rede do metro seja a correcta. Por
outras palavras, o João expressa dúvida em relação à acção da Ana. Poderia tê-lo
feito de outras maneiras; observem, agora, os exemplos que se seguem (só o primeiro
faz parte do diálogo):
EXPRESSAR DÚVIDA
1. “Tens a certeza? Não há um percurso mais directo, Ana?”
(Não+presente do indicativo – frase interrogativa)
2. “Se calhar há um percurso mais directo, Ana?”
(se calhar+indicativo)
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3. “Possivelmente há um percurso mais directo.”
(possivelmente+indicativo)
4. “Não haverá um percurso mais directo?”
(não+futuro do indicativo – frase interrogativa)
5. “Talvez haja um percurso mais directo.”
(talvez+conjuntivo)
As primeiras três frases recorrem ao presente do indicativo e são estruturas
muito comuns em português. Convém realçar que a expressão se calhar ocorre
tendencialmente em contextos informais. A quarta frase apresenta o futuro do
indicativo, facto que lhe confere um cariz mais formal. Por fim, o quinto exemplo
recorre a outro vocábulo muito comum na língua portuguesa, talvez. Este advérbio
tem a particularidade de ser seguido por uma forma verbal conjugada no modo
conjuntivo, neste caso o presente do conjuntivo.
1.1. VERBO HAVER
Há uma forma verbal que, embora não esteja directamente relacionada com a
expressão de dúvida, ocorre em todos os exemplos que tiveram oportunidade de ver.
Já sabem qual é? Exacto, o verbo haver, conjugado no presente do indicativo (no
caso de há), no futuro do indicativo (no caso de haverá) e no presente do conjuntivo
(no caso de haja). Uma vez chegados a este ponto, há que fazer alusão a
características específicas deste verbo:
1.1.1. O verbo haver pode ser sinónimo de existir, tal como se verifica no excerto
retirado do diálogo:
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“Tens a certeza? Não há um percurso mais directo, Ana?”
“Tens a certeza? Não existe um percurso mais directo, Ana?”
Nestas fases, há significa o mesmo que existe. Passemos, agora, as mesmas
frases para o plural:
“Tens a certeza? Não há percursos mais directos, Ana?”
“Tens a certeza? Não existem percursos mais directos, Ana?”
Tal como se pode constatar ao analisarmos estas frases, o verbo haver, quando
significa o mesmo que existir, embora se use em todos os tempos gramaticais,
apenas se utiliza na terceira pessoa do singular (é aqui o caso de há).
1.1.2. No presente do indicativo, o verbo haver, seguido da preposição de (haver
de), liga-se-lhe por um hífen nas formas monossilábicas, isto é, só com uma sílaba. É
o que podemos observar nas frases que se seguem e que não fazem parte do diálogo:
PRESENTE DO INDICATIVO DAS FORMAS MONOSSILÁBICAS DO VERBO
HAVER+HÍFEN+DE
Eu hei-de encontrar o percurso mais directo
Tu hás-de encontrar o percurso mais directo
Ele/ela há-de encontrar o percurso mais directo
A Ana e o João (eles) hão-de encontrar o percurso mais directo
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O mesmo não se passa quando a preposição de é antecedida por uma forma
com mais de uma sílaba do verbo haver, ora vejam:
PRESENTE DO INDICATIVO DAS FORMAS COM MAIS DE UMA SÍLABA DO
VERBO HAVER +DE
Nós havemos de encontrar o percurso mais directo
Vós haveis de encontrar o percurso mais directo
Antes de continuarmos, deixem-me dizer-vos que a segunda pessoa do plural
do verbo haver (haveis de) tem uma ocorrência extremamente rara, sendo substituída
no uso pela forma da terceira pessoa do plural – hão-de.
1.1.3. Ainda no âmbito do excerto que estamos a tratar, gostaríamos de chamar a
vossa atenção para a grafia da forma flexionada há. Existem mais vocábulos na língua
portuguesa que se pronunciam da mesma maneira, mas que se escrevem de maneira
diferente e que não veiculam o mesmo significado. Conseguem lembrar-se de
exemplos? Vejamos estes outros excertos do diálogo:
1.“Ah, isso perguntas tu!”
2.“Olha, vamos ali à bilheteira.”
Ah (interjeição)
à (contracção da preposição a + o artigo definido feminino singular a)
pronunciam--se da mesma maneira que há, mas possuem significados diferentes.
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Na primeira frase, Ah é uma interjeição. Reparem na sua grafia, o h encontra-se
em posição final e a palavra não tem qualquer acento gráfico. Na segunda frase, à
corresponde à contracção da preposição a + o artigo definido feminino singular a. O
acento gráfico desta palavra é um acento grave, ao contrário da forma verbal há que
tem um acento agudo.
2. EXPRESSAR DESEJO/EXPECTATIVA
“Espero que a gente não se perca.”
O João e a Ana estão prestes a iniciar a sua viagem de metro. Todavia, o João
continua a mostrar algum receio e dá voz ao seu desejo/à sua expectativa de não se
perderem. Reparem como o faz:
“Espero que a gente não se perca.”
Espero que… + presente do conjuntivo do verbo perder
Estamos perante uma atitude e um sentimento do João, quando este se mostra
expectante em relação à hipótese de se perderem no metropolitano. Nesta situação,
faz uso do verbo esperar seguido da conjunção que e do modo conjuntivo, neste
caso do presente do conjuntivo. Poderia ter optado por frases diferentes, para atingir a
mesma finalidade comunicativa:
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EXPRESSAR DESEJO/EXPECTATIVA
1. “Vamos lá a ver se a gente não se perde.”
Vamos lá a ver… + presente do indicativo do verbo perder
2. “Faço votos para que a gente não se perca.”
Faço votos para que… + presente do conjuntivo do verbo perder
3. “Oxalá a gente não se perca.”
Oxalá… + presente do conjuntivo do verbo perder
A primeira frase inclui o verbo perder conjugado no presente do indicativo. As
frases número dois e três empregam o verbo perder, conjugado no presente do
conjuntivo.
No caso do diálogo entre a Ana e o João, que são duas pessoas da mesma
idade e da mesma família, que se conhecem há muito tempo, deparamos com um
registo bastante informal. Daí a utilização da expressão a gente. Esta expressão (que
corresponde à 3ª pessoa do singular) poderia ser substituída por uma outra, se o
contexto assim o exigisse. A ocorrência mais formal da mesma frase seria: “Espero
que (nós) não nos percamos.” O pronome pessoal nós pode não aparecer. É,
contudo, recuperável, devido à conjugação do verbo que se lhe segue: percamos.
Observem:
“Espero que a gente não se perca.”
“Espero que (nós) não nos percamos.”
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Continuemos o programa de hoje com algumas breves referências lexicais
relacionadas com a temática dos transportes:
LÉXICO
Andar de metro / autocarro/ táxi / comboio /eléctrico
ir de metro / autocarro/ táxi / comboio /eléctrico
apanhar um meio de transporte = tomar um meio de transporte
a paragem do autocarro ou do eléctrico
a bilheteira, local onde se adquirem os bilhetes
Vamos terminar com uma expressão idiomática.
“Quem tem boca vai a Roma”
Certamente já terão ouvido esta expressão. Vamos passar a explicá-la. Pela
notoriedade da cidade, pela sua importância ao longo dos tempos, Roma entrou no
imaginário europeu. Daí terem resultado expressões como esta. “Quem tem boca vai
a Roma” traduz o peso histórico da Cidade Eterna, tanto como sede do Império
Romano, quanto como cidade onde se situa o Vaticano, local de residência do chefe
máximo da Igreja Católica. Refere-se ao facto de que quem sabe perguntar, chega
onde quiser ir.
Prossigamos, agora, com uma, necessariamente breve, apresentação do
sistema de transportes públicos da cidade de Lisboa.
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As primeiras estações foram construídas nos anos cinquenta do século XX e
tinham já uma preocupação estética na construção de ambientes que diminuíssem a
sensação de se estar num espaço subterrâneo. Desse primeiro período, há dois
nomes de referência: o arquitecto Keil do Amaral, que criou o modelo de estação tipo e
a pintora Maria Keil, que assumiu os revestimentos das estações. De facto, apesar dos
recursos limitados, conseguiram colocar o Metropolitano de Lisboa como exemplo de
criação de espaços públicos. Em 1988, com o prolongamento da rede do metro, surge
uma outra geração de espaços. São inauguradas novas estações entre Sete Rios e o
Colégio Militar e entre Entrecampos e a Cidade Universitária.
A ideia original de decorar os espaços públicos dentro das estações do Metro foi
recuperada e levada mais a sério. Por isso, foram convidados quatro artistas
contemporâneos já conhecidos na área das artes plásticas para decorar os azulejos
que revestiam as estações. Rolando Sá Nogueira decorou a estação das Laranjeiras
com...laranjas, claro! Inteiras, cortadas ou em cachos realçam de forma alegre e
descontraída as paredes daquela estação associando-a ao nome do local.
Júlio Pomar encontrou nos esboços de figuras da cultura ibérica a sua forma de
se associar ao Alto dos Moinhos... D. Quixote de La Mancha estará para sempre
ligado aos moinhos... Manuel Cargaleiro foi o escolhido para a estação do Colégio
Militar e encheu-a de letras... A decoração da Cidade Universitária foi entregue a Maria
Helena Vieira da Silva que usou o seu estilo inconfundível para homenagear o local
com o seu painel «Le Métro». Manuel Cargaleiro fez a transposição desse painel para
azulejo. Nele Helena Vieira da Silva quis retratar simbolicamente a multidão anónima.
Surgem ainda duas grandes corujas e olhos que simbolizam o Conhecimento, a
Sabedoria e a Razão com uma ligação directa ao local. Em 1990, aprovado um novo
Plano de Expansão da Rede, que se desenvolveria até 1999, de novo se avançou com
a renovação de novas estações. São excelentes exemplos a estação do Campo
Pequeno, a cargo do escultor Francisco Simões, que a integrou também na linha
histórica do local, e também a estação do Martim Moniz que evoca outras memórias,
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que foram incrustadas nas paredes recordando tempos bem mais antigos da conquista
da cidade de Lisboa.
Gracinda Candeias fez uma caracterização multicultural enquanto José João de
Brito trabalhou o tema da conquista de Lisboa realçando o episódio de Martim Moniz.
Podemos dizer, com algum orgulho, que Lisboa possui um Metropolitano muito bonito
e moderno, em que é agradável viajar e onde foram minimizados os receios e algum
possível desconforto de espaços subterrâneos.
Fundada em 1872, a Carris tem vindo a actualizar-se permitindo viagens cada
vez mais confortáveis ligando todos os pontos da cidade. Todos os que precisam de
se deslocar em Lisboa sentirão necessidade de recorrer a um autocarro, a um
eléctrico ou mesmo a um elevador da Carris. A história desta empresa está
intimamente ligada ao aparecimento dos primeiros eléctricos em Portugal. Com efeito,
a 17 de Novembro de 1873 foi inaugurada a primeira linha de «americanos» entre a
actual Estação de Santa Apolónia e a zona de Santos. Em 31 de Agosto de 1901 teve
início o serviço de Carros Eléctricos. Nos anos seguintes foi electrificada a rede
existente, apareceram mais carreiras, aumentou o número de carros, o primeiro
importado dos Estados Unidos, mas que depois de 1924 passam a ser construídos
nas oficinas da Empresa. Em 1940, a Carris comprou seis autocarros para reforçar o
transporte de visitantes para a para a Exposição do Mundo Português, que se
realizaria nesse mesmo ano em Belém. Como consequência, em 1944, foi inaugurado
oficialmente um serviço de autocarros. Com os anos, o número de autocarros superou
o dos carros eléctricos. Estes ficaram limitados a toda a área mais central e antiga da
cidade conferindo um ambiente muito genuíno a todos os bairros por onde passavam.
Entretanto os autocarros, mais fáceis de se expandir, acompanhavam o
desenvolvimento urbano atingindo facilmente novos bairros populacionais.
Gradualmente os eléctricos foram ficando reduzidos a áreas cada vez mais
restritas. Hoje, são muito poucas as linhas existentes e, por serem as que restam de
um passado recente, têm uma marca saudosista e atraente para o turismo.
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No entanto, um novo dinamismo parece estar em curso tanto em eléctricos como em
autocarros. De facto, assiste-se à renovação da frota com novos eléctricos, por causa
das suas características ecológicas; há já uma nova geração de carros eléctricos, mais
confortáveis e mais rápidos, em áreas específicas da cidade. E também os novos
autocarros, bem equipados e confortáveis, facilitam a deslocação em Lisboa,
substituindo, com vantagem, os transportes particulares.
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PROGRAMA 3
EM BELÉM
Belém é paragem obrigatória para quem passa por Lisboa. Com situação
privilegiada junto ao rio Tejo, na parte ocidental da cidade, é um local de memórias
que evoca momentos da história nacional ligada à época dos Descobrimentos e possui,
por isso, um encanto especial. Podemos chegar de autocarro, ou de eléctrico, mas
encontramos sempre um ambiente aberto que surpreende pela grandiosidade do
espaço e pela diversidade de monumentos que envolvem a grande Praça do Império.
É, de facto, um espaço de contrastes arquitectónicos onde monumentos do séc. XV se
confrontam com outros de estilos arquitectónicos muito diversos construídos mais
recentemente e se misturam com jardins, museus e parques. Entre o Mosteiro dos
Jerónimos e a Torre de Belém, construídos para recordar lugares e celebrar uma
época de expansão marítima, surge, ao longo do séc. XX, um Padrão dos
Descobrimentos, construído em 1960, e um moderno Centro Cultural, que data do
início dos anos 90.
É um desafio planear um passeio por Belém porque a quantidade de locais a
visitar é grande e diversificada. É preciso descobrir e sentir outros tempos mas, por
isso mesmo, este ambiente vai fascinar a Ana e o João.
_____________________________________________________________________
Ana: - Este passeio de autocarro foi muito agradável. O percurso é bonito... Sente-se
a ligação entre a cidade e o rio.
João:- É, não é? Também acho. De um lado, os restaurantes nas docas, os cais, os
espaços verdes, as esplanadas... e o rio, claro!
2
Ana:- E do outro lado surge a cidade! Ainda reparei nalguns edifícios grandes. Se
calhar são edifícios importantes, mas eu não sei o que são.
João:- Eu não consegui tirar os olhos do rio! Aquele longo passeio relvado parecia
estar a convidar-me para ir andar a pé, ir por ali fora, junto à água.
Ana:- Bom remédio! Podemos passar por lá na volta, no regresso para o hotel.
Fazemos o percurso a pé.
João:- Pois sim! Tu és capaz de aguentar porque estás habituada a andar a pé, mas
eu…
Ana:- Deixa-te de coisas! Andar a pé faz bem. Ainda por cima é tudo plano. É mais
fácil!
João:- De facto, também é uma forma de vermos a Ponte 25 de Abril assim, em toda
a sua extensão. Há bocado, quando por lá passámos, reparei naquelas estruturas
todas e impressiona, mesmo só vista de baixo, não achas?
Ana:- É verdade. A propósito de ponte, gostava tanto de atravessar o rio para ver
Lisboa da outra margem. Deve ser giro, sobretudo do alto do Cristo-Rei.
João:- Ai por favor!!!. Hoje não! Tem pena de mim.
Ana:- Claro que não! Para hoje já temos programa mais do que suficiente. Mas
amanhã, ou depois, podíamos ir de comboio, não? Ou de barco. Atravessar o rio num
daqueles Cacilheiros também deve ser muito giro.
João:- Agora que falas em barcos, esqueci-me de te dizer que há barcos que fazem
cruzeiros no Tejo, sabias?
Ana:- Não. Como é que soubeste?
João: - Foi há um ou dois dias. Li num folheto turístico, lá no hotel. Há uns mais
longos, outros mais curtos. Mas todos passam por baixo da Ponte 25 de Abril.
Ana:- É uma boa ideia para um destes próximos dias.
João:- Por mim, tudo bem. Se quiseres, até podemos ir “à descoberta dos mares sem
fim”!
Ana:- Com certeza! Até estamos em Belém, no sítio certo! Bom! Para já, onde é que
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eu estou agora, exactamente?
João: - Em frente ao Palácio de Belém, a residência oficial do Presidente da
República. Não estás a ver a guarda?
Ana: - Hum! Se aqui é o Palácio, então a Praça do Império é daquele lado, à esquerda.
Olha! Já estou a ver o Mosteiro dos Jerónimos.
João: - Ah! Exactamente. Vamos embora.
******
Ana: - Espera aí! Que engraçado! Lê o que está escrito no chão, na calçada:
Pastéis de Belém, 1837.
João: - Pastéis de Belém? Já ouvi falar nisso. São aqueles que se comem ainda
quentinhos, com canela e açúcar em pó. Não olhes para mim com essa cara. Eu só
estou a reproduzir o que vem nos guias. Nunca comi nenhum.
Ana: - Quero provar... Será que nos dão a receita? Ouvi dizer que é segredo.
João: - Agora não precisas de receita: é mesmo só comer. Vamos lá ao ataque dos
pastéis de Belém!
Ana:- És tão guloso! Acho que consegues ser mais guloso do que eu.
João:- Esta Praça é mesmo muito bonita!
Ana:- Aqui estamos sempre a pensar nos Descobrimentos.
João: - E não é só isso. Impressiona-me olhar à volta e ver, quase lado a lado, estes
monumentos de épocas tão diferentes, com características tão diferentes e tão bem
enquadrados.
Ana: - É verdade! O Mosteiro dos Jerónimos é do século XVI. Repara neste
rendilhado da pedra. A minha mãe fala muitas vezes da Torre de Belém. Lá também
vamos encontrar a Cruz de Cristo e outros motivos do gótico manuelino com
representações da natureza e pormenores ligados ao mar.
João:- Pois é. E agora olha para ali, aquele edifício muito mais moderno. Tem ar de
construção militar. De repente, parece uma fortaleza.
Ana: - Só estou a vê-lo de longe mas parece um contraste muito bem conseguido.
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Sabes o que te digo? Não saio daqui sem ver tudo ou quase tudo!
João:- Bom! Estamos agora a começar.
Ana:- Começamos pelo Mosteiro dos Jerónimos. Aqui temos a Igreja de Santa Maria
de Belém e os claustros para ver.
João: - Agora, podemos ir ao Centro Cultural de Belém. A seguir, passamos para o
outro lado da linha do comboio, pela passagem subterrânea, vemos o Padrão dos
Descobrimentos, a Rosa dos Ventos e vamos até à Torre de Belém. Concordas?
Ana: - Hum... não sei! Acho que, depois do Mosteiro, preferia ir ver primeiro o Padrão
e a Torre e guardar o CCB para o fim.
João: - Posso saber porquê?
Ana: - Por várias razões. Vamos andar imenso a pé. Quero ver o Padrão, a Rosa dos
Ventos e, sobretudo, a Torre, em pormenor. No regresso, vai saber muito bem
descansar na esplanada do CCB, virada para o rio.
João: - Está bem. Pode ser. Ficamos um pouco mais no CCB para saber que
exposições e espectáculos é que há em cartaz.
******
Ana:- Ai... que bom!! Que bem que se está aqui! Sabes? Por mim, ficava aqui o resto
do dia, até ao anoitecer.
João: - Que pena! Agora que eu estava a pensar em voltar a pé para o hotel... por
aquele passeio relvado junto ao rio, lembras-te?
Ana: - O quê?
******
Hoje, a Ana e o João foram conhecer Belém. Envolvidos pela presença histórica do
local, eles conversam sobre o que vêem à sua volta. Nos comentários que fazem
ouvimo-los algumas vezes utilizar estruturas linguísticas que merecem atenção. São
elas as construções estar a + infinitivo, algumas expressões adverbiais de
duração formadas com o verbo haver e a expressão de vontade.
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1. O PROGRESSIVO- ESTAR A + INFINITIVO
Existem na língua portuguesa mecanismos que conferem uma perspectiva
dinâmica ao processo de transformação de um determinado tipo de situação em outro.
Por exemplo, tomemos uma frase como:
Eles comem pastéis de Belém
Faremos, naturalmente, uma interpretação de carácter mais geral,
considerando esta frase como um acto habitual. Nesta acepção, a forma verbal
“comem”, no presente do indicativo, remete para um hábito, significando que eles têm
por costume comer pastéis de Belém com alguma regularidade. Tal acontece num
número ilimitado de vezes e ao longo de um período de tempo não delimitado, mas
que inclui o tempo em que se fala.
Agora, analisemos a frase:
Eles estão a comer pastéis de Belém
Esta frase apresenta uma perspectiva dinâmica. Produz uma transformação da
anterior, Eles comem pastéis de Belém, conferindo-lhe a característica de estar a
decorrer. Estamos perante a construção estar a + infinitivo, uma das mais frequentes
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em português. É uma construção que expressa uma progressão do que está a
acontecer no momento em que se fala.
Vamos rever e ouvir os exemplos do diálogo:
João:- Em frente ao Palácio de Belém, a residência oficial do Presidente da
República. Não estás a ver a guarda?
Ana: - Hum! Se aqui é o Palácio, então a Praça do Império é daquele lado, à
esquerda. Olha! Já estou a ver o Mosteiro dos Jerónimos.
******
Ana:- Aqui estamos sempre a pensar nos Descobrimentos
******
Ana: - Só estou a vê-lo de longe mas parece um contraste muito bem conseguido
******
João: - Que pena! Agora que eu estava a pensar em voltar a pé para o hotel... (...)
A construção em análise é formada pelo verbo estar, pela preposição a e por
um infinitivo verbal, como se pode ver nos exemplos:.
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PROGRESSIVO: Estar a + infinitivo
• Não estás a ver a guarda?
• Já estou a ver o Mosteiro dos Jerónimos.
• Aqui estamos sempre a pensar nos Descobrimentos.
• Só estou a vê-lo de longe...
• Agora que eu estava a pensar em voltar a pé...
Trata-se, de facto, de formas de presente progressivo, que remetem para uma
acção que decorre no momento em que é referida. Tal acção caracteriza-se também
por ter uma duração no tempo e por não estar completa ou por não ter chegado ao fim.
Esta construção admite, naturalmente, a inclusão de advérbios e de locuções
adverbiais no seu interior, ou seja, entre estar e a preposição a. É o que o acontece,
por exemplo, em:
Aqui estamos sempre a pensar…
Vemos que o advérbio sempre aparece entre o verbo e a preposição. O mesmo
acontece se o substituirmos por uma locução adverbial, como, por exemplo:
Estamos neste preciso momento a pensar
É interessante observar que em algumas regiões do sul de Portugal e no Brasil,
este infinitivo é normalmente substituído pelo gerúndio, com a omissão da preposição
a:
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Estou vendo o Mosteiro dos Jerónimos.
Aqui estamos sempre pensando nos Descobrimentos.
Surgem assim construções com estar + gerúndio do verbo principal, como
em: estou vendo, estava pensando.
2. EXPRESSÕES DE DURAÇÃO COM O VERBO HAVER
No programa anterior vimos várias especificidades do verbo haver. Hoje
encontramos este verbo, unicamente na 3ª pessoa do singular, a integrar expressões
adverbiais relacionadas com localização de tempo e simultaneamente a medir, de
forma mais precisa ou mais indefinida, o intervalo de tempo que decorre até ao
momento da enunciação, ou seja, até ao momento em que se fala.
Vejamos as ocorrências no diálogo:
João: - De facto, também é uma forma de vermos a Ponte 25 de Abril assim, em toda
a sua extensão. Há bocado, quando por lá passámos, reparei naquelas estruturas
todas e impressiona, mesmo só vista de baixo, não achas?
*******
João: - Foi há um ou dois dias. Li num folheto turístico, lá no hotel.
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Quando o João diz “há bocado quando por lá passámos...” a expressão há
bocado remete para uma situação que ocorreu há pouco tempo atrás, mesmo que
não se saiba exactamente há quantos minutos ou há quantas horas. Esta expressão é
usada em contextos informais.
Na expressão seguinte, o João já é um pouco mais concreto ao localizar e
medir o momento, aquele momento em que leu o folheto no hotel, facto que aconteceu
há um ou dois dias. Como estas, muitas outras expressões podem ser construídas a
partir desta forma há.
Os quadros que se seguem procuram exemplificar a diversidade de expressões
temporais que podem ser formadas deste mesmo modo:
Há bocado bocadinho
As expressões de tempo há bocado e há bocadinho são muito
frequentemente usadas para indicar um período de tempo curto mas não bem
delimitado. Pode ir de alguns minutos – bocadinho - a um período mais alargado, que
chega a atingir algumas horas – bocado.
Com a forma há é também possível construir expressões de duração
indefinidas não-contáveis, como mostram os exemplos do quadro:
Há
muito pouco algum bastante
tempo
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E também é possível construir expressões plurais de duração, contáveis e não
contáveis, associando a forma há a palavras que exprimem claramente períodos de
tempo, como podemos ver neste quadro:
Há
um(a) uns /umas dois /duas três ... cerca de + nº (1, 2,...) muitos poucos alguns bastantes
segundo(s) minuto(s) hora(s) dia(s) semana(s) mês/meses ano(s) ....
É perfeitamente possivel dizer, por exemplo, que um evento aconteceu há 5
minutos, ou há cerca de 2 horas, ou que a Ana esteve em Portugal há 10 anos ou há
cerca de 10 anos. Ou ainda que o João não vinha cá há muitos anos, ou há bastantes
anos.
3. EXPRESSAR VONTADE
A Ana, cheia de curiosidade sobre o que a cerca, exprime a sua vontade: ela
não quer perder a oportunidade de experimentar e de conhecer um pouco mais. Para
isso, ela manifesta a sua vontade. Vejamos como ela o faz:
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João: - Pastéis de Belém? Já ouvi falar nisso.
Ana: - Quero provar... Será que nos dão a receita? Ouvi dizer que é segredo.
******
Ana: - Por várias razões. Vamos andar imenso a pé. Quero ver o Padrão, a Rosa dos
Ventos e, sobretudo, a Torre, em pormenor. No regresso, vai saber muito bem
descansar na esplanada do CCB, virada para o rio.
Ela usa o verbo querer e o infinitivo de outro verbo. Esta é uma das
construções seleccionadas por querer. É um verbo usado para exprimir vontade e
pode seleccionar frases completivas de infinitivo não flexionado. É o que acontece
nestes dois exemplos do diálogo. A Ana quer provar os pastéis e também quer ver o
Padrão dos Descobrimentos e a Rosa dos Ventos. Vejamos o quadro:
EXPRESSAR VONTADE
QUERER + VERBO NO INFINITIVO
• Quero provar pastèis de Belém.
• Quero ver o Padrão, a Rosa dos ventos e sobretudo a Torre.
Bom, por mim despeço- me. Até ao próximo programa. De seguida, poderá
ainda descobrir um pouco de Belém, um local carregado de história.
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Quando se chega à enorme Praça do Império, o olhar incide, naturalmente,
sobre o Mosteiro dos Jerónimos. Para trás ficam muitos exemplos de épocas
passadas, dos tempos da monarquia. É o caso do Palácio de Belém, residência oficial
do Presidente da República, do Jardim Agrícola Tropical, com plantas exóticas
oriundas de África, da Praça Afonso de Albuquerque em frente do Palácio, das
casinhas coloridas dos séc. XVI e XVII, que contrastam com os edifícios mais
modernos.
No entanto, é a presença do Mosteiro que se impõe ao visitante, não só pela
beleza mas também como um símbolo da riqueza da época dos Descobrimentos e da
arquitectura manuelina. Foi mandado construir pelo rei D. Manuel I por volta de 1501,
pouco depois de Vasco da Gama ter regressado da Índia. No interior, os claustros
formam um conjunto harmonioso entre arcadas em abóbada e colunas em pedra
esculpida, sempre rendilhada, que contornam um jardim muito tranquilo. A Igreja
impressiona pela abóbada e pelos elegantes e delicados pilares que se erguem como
se fossem palmeiras criando o ambiente adequado à reflexão e à descoberta da paz
interior. A Ordem de S. Jerónimo foi responsável pelo mosteiro até 1834, ano em que
as ordens religiosas foram extintas em Portugal.
Anos depois foi acrescentada a ala moderna, em estilo neomanuelino, que é
hoje ocupada pelo Museu Nacional de Arqueologia. Um pouco mais adiante, o Museu
da Marinha, na ala oeste do Mosteiro, mostra, entre muitas e diversas colecções, a
evolução ocorrida na construção das caravelas e das naus que foram tão importantes
na travessia dos oceanos e na descoberta das rotas marítimas.
Ainda para o lado esquerdo, o Planetário procura mostrar planetas, estrelas e
outros mistérios do céu à noite.
O lado oeste da Praça do Império é ocupado pelo Centro Cultural de Belém,
cuja arquitectura bastante moderna se harmoniza em simplicidade com a imponência
do local. A sua inauguração coincidiu com a presidência portuguesa da Comunidade
Europeia em 1993. A partir de então, tornou-se um espaço muito activo dedicado às
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artes de onde se destacam a música, o teatro, a fotografia e o design. Os seus cafés
virados para o rio são um agradável ponto de encontro para quem quer estudar ou
simplesmente encontrar amigos e conversar.
Na margem do rio Tejo ergue-se, em frente do Mosteiro, o Monumento aos
Descobrimentos, construído em 1960 para comemorar os 500 anos da morte do
Infante D. Henrique, o Navegador. Tem a forma de uma caravela e recorda todos os
que participaram no desenvolvimento dos Descobrimentos. Do alto dos seus 52
metros, para além de uma fantástica vista sobre toda a Praça do Império, estuário do
Tejo e margem sul, é possível ver uma enorme rosa-dos-ventos embutida no chão
onde estão desenhadas as rotas dos diversos caminhos percorridos pelos
descobridores portugueses durante os séc. XV e XVI. Foi uma oferta da República
Sul-Africana.
Indo ainda mais para oeste, junto ao rio, somos surpreendidos com outra
pérola da arquitectura manuelina: a Torre de Belém. Foi construída entre 1515 e 1521,
sob ordem de D. Manuel I, para funcionar como fortaleza por entre as águas do rio
Tejo. A sua beleza exterior deve-se ao conjunto de galerias abertas, às torres de vigia
em estilo árabe, às ameias em forma de escudos e, ainda, ao rendilhado das pedras
esculpidas com cordas e nós náuticos. A vista das salas existentes nos três andares
da torre é notável. No terraço, uma imagem da Senhora do Bom Regresso, virada para
o mar, constitui ainda um símbolo de protecção para os marinheiros.
Olhando para terra a partir da Torre, no sentido norte, podemos ainda ver ao
fundo, no cimo de uma colina, uma pequeníssima capela, a Ermida de S. Jerónimo,
também de estilo manuelino muito sóbrio, orientada para a foz do rio Tejo. Também
ela parece enquadrar todo este espaço rematando com simplicidade a riqueza de todo
este ambiente comemorativo de uma época de aventura e descoberta.
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PROGRAMA 4
CONHECER A CIDADE
Lisboa fica na margem direita do Tejo, a 17 km do Oceano Atlântico. A cidade
tem cerca de 500 000 habitantes, mas a “grande Lisboa” estende-se a várias
localidades próximas, atingindo quase 2 milhões. A parte mais antiga ocupa um
espaço distribuído por sete colinas, como um anfiteatro que se abre alegre para o rio.
Na antiguidade, foi um local privilegiado no comércio entre o Mediterrâneo e o
Atlântico. Por isso, foi ocupada por diversos povos, até que, em 1147, D. Afonso
Henriques, o primeiro rei de Portugal, a conquistou aos mouros. Diz a lenda que o rei
atribuíu esta vitória ao Mártir São Vicente, cujo corpo, recolhido no Algarve, foi trazido
para Lisboa numa nau guardada por dois corvos. Ainda hoje, é o padroeiro da cidade,
encontrando-se simbolicamente perpetuado na bandeira e no logotipo da Câmara
Municipal de Lisboa.
Já recuperados da viagem, a Ana e o João têm um desafio pela frente: descobrir a
cidade...
João: – Ana, hoje temos o dia por nossa conta... O António não pode estar connosco.
O que é que vamos fazer?
Ana: – Acho que podemos ir dar uma volta. Já temos aqui um mapa da cidade,
podemos ver onde ficam as zonas mais interessantes de Lisboa.
João: – Pois é. Podemos pensar aonde queremos ir ... e planear. Para isso, vamos
ver o que fica mais perto ... o que fica mais longe.... onde podemos ir a pé... onde é
melhor ir de autocarro...
2
Ana: – ... ou de metro! Ouvi dizer que o Metropolitano de Lisboa tem estações muito
bonitas... modernas...
João: – É verdade, é... Eu sei. São decoradas por artistas portugueses muito
conhecidos.
Ana: – Há um sítio aonde eu quero ir... mas não sei se podemos ir de metro...
João: – Aonde?
Ana: – É ao Palácio de Queluz. Fica cá em Lisboa ou não?
João: – Não, tonta. O Palácio de Queluz fica em Queluz, como o próprio nome indica!
Não é longe, mas, de qualquer maneira, fica fora da cidade. Acho que ainda são aí
uns 15 quilómetros... E não podemos ir de metro. Só de comboio.
Ana: – Está bem. Antes disso ainda há muitos sítios para ver...
João: – Se há! E como não podemos ver todos, vamos escolher alguns...
Ana: – Concordo... Temos mesmo de planear. É por isso que o mapa nos vai ser útil...
Onde fica Belém?... Eu sei que há muita coisa para visitar em Belém... mas não sei se
fica para norte... se fica para esquerda... se para a direita...
João: – Tens toda a razão. Belém... Belém... Olha fica junto ao rio Tejo, fica a oeste.
Se calhar, podemos ver o pôr do sol!... É lá que fica o Mosteiro dos Jerónimos, não é?
Ana: – Exactamente. E a Torre de Belém também fica lá... e o Centro Cultural de
Belém... e o Padrão dos Descobrimentos...
João: – Estou espantado! Tu estás muito bem informada...
Ana: – Mais ou menos... Os meus pais falaram-me muito de Belém... parece que têm
muitas recordações da Torre... E eu prometi tirar fotografias. Também li algumas
coisas e tenho umas notas escritas. Gosto de saber o que há para ver... Já agora, vê
também... onde é que fica o Parque das Nações... é o sítio onde foi a Expo 98, aquela
exposição mundial, lembras-te?
João: – Sim, sim. Lembro-me de ouvir falar nisso.
Ana: – É uma zona nova, moderna. É o contrário de Belém que é uma zona antiga...
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João: – Olha ... aqui no mapa... Expo... ... não... Parque das Nações.... aahh ... olha,
fica mesmo no outro extremo da cidade... Também fica junto ao rio, mas para oriente.
De facto, Lisboa é uma cidade virada para o rio.
Ana: – Ah! Pois é! Mas sabes o que é que eu acho?
João: – O que é?
Ana: – Belém fica longe!... O Parque das Nações também fica lá longe!... Acho que
hoje podemos dar uma volta aqui mais perto do hotel... podemos andar a pé e assim
vamos conhecer um pouco destes bairros, não achas?
João: – Concordo. Assim temos tempo de planear com calma. Até podemos pedir
ajuda ao António...
Ana: – Exactamente... Que boa ideia!
João: – O que é que há aqui mais perto para ver? Da janela do meu quarto vê-se o
Castelo... Fica lá mais acima. Se calhar; podemos lá ir, não? Não parece longe, mas
vamos ter muito que subir ...
Ana: – Não faz mal. É um bom exercício!... e da janela do meu quarto vê-se o rio...
que fica lá mais abaixo. Assim, depois descemos até ao rio... vamos percorrer as
colinas... Afinal estamos na cidade das sete colinas, não é?
João: – Ai é?
Ana: – Li isso num guia turístico... e basta olhar das janelas dos nossos quartos! Há
sítios altos e sítios baixos... Acho que hoje vamos andar a subir e a descer...
João: – É como tu dizes: é um bom exercício...
Ana: – Mas de vez em quando paramos, para descansar...
Hoje a Ana e o João estão a fazer planos para descobrir um pouco da cidade.
Com a ajuda do mapa, procuram alguns dos locais de Lisboa e pedem e fazem
sugestões para o seu primeiro passeio.
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Neste programa, vamos observar algumas das construções usadas na língua
para pedir e dar informações sobre orientação, para pedir e fazer sugestões e
para pedir opinião.
1. PEDIR SUGESTÃO / OPINIÃO / INFORMAÇÃO
Para fazer um pedido a Ana e o João usam, naturalmente, frases
interrogativas. Observemos estes excertos do diálogo:
João: – Ana, hoje temos o dia por nossa conta. O António não pode estar connosco.
O que é que vamos fazer? Queres ir dar uma volta?
******
Ana: – Belém fica longe!... O Parque das Nações também fica lá longe!... Acho que
hoje podemos dar uma volta aqui mais perto do hotel... podemos andar a pé e
assim vamos conhecer um pouco destes bairros. O que achas?
******
João: – O que é que há aqui mais perto para ver? Da janela do meu quarto vê-se o
Castelo... Fica lá mais acima. Se calhar; podemos lá ir, não? Não parece
longe, mas vamos ter muito que subir ...
PEDIR SUGESTÃO
[O] que [é que] vamos fazer?
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PEDIR OPINIÃO
O que achas?
PEDIR INFORMAÇÃO
[O] que [é que] há aqui mais perto para ver?
Nestes exemplos podemos, desde logo, distinguir dois tipos de estruturas
diferentes para construir frases interrogativas.
Um dos tipos caracteriza-se por ter uma estrutura sintáctica igual à da frase
declarativa que lhe corresponde. É o caso desta frase produzida pelo João: “Queres ir
dar uma volta?”. Apenas se distingue da declarativa afirmativa correspondente pela
curva entoacional:
Interrogativa
Declarativa Afirmativa
“Queres ir dar uma volta?”
“Queres ir dar uma volta.”
Estas frases não utilizam qualquer constituinte interrogativo e exigem uma
resposta afirmativa ou negativa. São, por isso, chamadas interrogativas totais ou de
sim, não:
INTERROGATIVAS TOTAIS OU DE SIM , NÂO
1. - Queres ir dar uma volta? - Sim.
2. - Queres ir dar uma volta? - Não.
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Passamos agora às interrogativas parciais, que se caracterizam pela
presença de constituintes interrogativos, ou seja, de pronomes, adjectivos ou
advérbios interrogativos. É o caso das restantes frases interrogativas apresentadas
nos exemplos:
INTERROGATIVAS PARCIAIS
1. O que é que vamos fazer?
2. O que achas?
3. O que é que há aqui mais perto para ver?
Na sua construção, constatamos a presença de um constituinte interrogativo –
o primeiro “que”. Podemos verificar também que, embora estas três frases
interrogativas sejam idênticas na sua estrutura, há uma alteração de ritmo nas duas
intervenções do João. É uma alteração provocada pela sequência ou expressão “é
que”:
“O que é que vamos fazer?”
“O que é que há aqui mais perto para ver?”
As perguntas do João poderiam igualmente ser formuladas sem ser utilizada a
sequência “é que”:
“O que vamos fazer?”
“O que há aqui mais perto para ver?”
7
Do mesmo modo, a pergunta proferida pela Ana “O que achas?” seria
igualmente possível se fosse proferida “O que é que achas?”:
“O que achas?”
= “O que é que achas?”
A expressão “é que” começou a ser usada no Português Moderno. Surge
frequentemente em situação de fala informal e espontânea, tanto em frases
interrogativas como em frases afirmativas. Esta sequência apresenta-se como uma
forma fixa e não pode ser interrompida. Ocupa uma só posição na frase: antecede
sempre o sintagma verbal. Observemos mais uma vez alguns exemplos de uso da
expressão “é que”:
O que é que vamos fazer? = O que vamos fazer?
O que é que achas? = O que achas?
O que é que há aqui...? = O que há aqui..?
Onde é que fica Belém? = Onde fica Belém?
2. PEDIR E DAR INFORMAÇÃO SOBRE LOCALIZAÇÃO ESPACIAL
A Ana está muito interessada em encontrar no mapa os locais que quer visitar.
Observemos como o João transmite à Ana a informação que esta lhe pede e que
expressões linguísticas usa para indicar a localização dos diversos sítios no mapa:
8
Ana: – Concordo. Temos mesmo de planear. É por isso que o mapa nos vai ser útil.
Onde fica Belém?... Eu sei que há muita coisa para visitar em Belém... mas
não sei se fica para norte... se fica para esquerda... se para a direita...
João: – Tens toda a razão. Belém... Belém... Olha fica junto ao rio Tejo, fica a oeste.
Se calhar, podemos ver o pôr do sol!... É lá que fica o Mosteiro dos Jerónimos,
não é?
******
Ana: – Já agora, vê também onde é que fica o Parque das Nações... é o sítio onde foi
a Expo 98, aquela exposição mundial, lembras-te?
****
João:– Olha ... aqui no mapa... Expo... ... não... Parque das Nações.... ah ... olha, fica
mesmo no outro extremo da cidade... Também fica junto ao rio, mas para
oriente. De facto, Lisboa é uma cidade virada para o rio.
******
Ana:– Belém fica longe!... O Parque das Nações também fica lá longe!... Acho que
hoje podemos dar uma volta aqui mais perto do hotel... podemos andar a pé e
assim vamos conhecer um pouco destes bairros. O que achas?
É de notar a frequência com que é usado o verbo “ficar”. Tem aqui o
significado de “estar situado” ou “localizar-se”. Trata-se de um verbo copulativo
que, em certos contextos, é equivalente a “ser”. Assim é perfeitamente possível
perguntar, em vez de “onde fica Belém aí no mapa?”, “onde é Belém aí no
mapa”.
“Onde fica Belém aí no mapa?” =
“Onde é Belém aí no mapa”.
9
Como verbo copulativo, o verbo “ficar” é um verbo de ligação ou verbo de
significação indefinida. Isto significa que é um verbo que selecciona apenas uma
oração pequena, cujo núcleo pode ser adjectival, nominal, preposicional ou adverbial.
Nos exemplos concretos extraídos do diálogo, em que tem o significado de “localizar-
se” ou “estar situado”, encontramos núcleos adverbiais, como:
Olha... cá está! fica junto ao rio Tejo.
O Parque das Nações também fica longe.
Torre de Belém também fica lá.
O verbo “ficar” também selecciona núcleos preposicionais, como:
...mas não sei se fica para norte... se para sul ... fica no outro extremo da cidade...
... fica a oeste
3. FAZER SUGESTÕES
O João e a Ana já sabem que têm muito para ver em Lisboa, por isso a Ana apresenta
algumas sugestões ao João. Vamos rever como o faz:
Ana: – (...) Já temos um mapa da cidade. Podemos ver onde ficam as zonas mais
interessantes de Lisboa.
******
Ana: – (...) Olha! Podemos ir a Belém.
******
10
Ana: – (...) podemos ir ao Parque das Nações.
******
Ana: – (...) podemos ir ao Parque das Nações.
Nestes exemplos aparece a construção formada pelo verbo modal poder,
associado a formas infinitivas de outros verbos. Poder é usado aqui para fazer uma
sugestão, exprimindo um certo grau de probabilidade e incerteza.
PODER + INFINITIVO
podemos podemos podemos podemos
ver ir dar passear
Para melhor compreendermos o desafio que a Ana e o João têm pela frente,
vamos todos conhecer um pouco da cidade de Lisboa...
Lisboa, vista do Tejo, é uma cidade luminosa, alegre, com uma diversidade de
recantos bem nítidos entre as duas pontes: a mais antiga, a Ponte 25 de Abril,
construída em 1960, e a Ponte Vasco da Gama, construída aquando da Exposição
Universal de Lisboa, em 1998.
Entre colinas, a Baixa de Lisboa, constitui o centro da capital e é, quase toda,
uma reconstrução do século XVIII, como consequência do terramoto de 1755. As ruas
paralelas e perpendiculares revelam, ainda hoje, o tipo de comércio e de actividades
que nelas se desenvolvia. A Rua Augusta é a mais elegante ligação entre a Praça do
Comércio e o Rossio, através do Arco Triunfal, que comemora a reconstrução da
11
cidade depois do terramoto. Quando visto do Rossio, este arco enquadra a estátua
equestre do rei D. José I, na Praça do Comércio.
Em volta, nas colinas que rodeiam a Baixa, estendem-se os bairros mais
populares, com ruas mais estreitas, com vida própria, onde as pessoas se sentem
mais próximas e onde a cidade fica mais intimsta. Distinguem-se Alfama, a este, com
o Castelo no cimo, e o Bairro Alto, a oeste, muito conhecido pelos inúmeros pequenos
bares e restaurantes, juntamente com casas de fados. Alfama é um bairro com
características mouriscas. Conserva ainda um certo ambiente do casbá, com ruelas e
escadarias.
Por cima, bem no alto desta colina, o Castelo de S. Jorge, com os seus jardins
e a cidadela, sobressai no horizonte. É memória da conquista de Lisboa aos Mouros
em 1147 e um magnífico miradouro sobre a cidade e o rio.
Mais a baixo, a Sé, em estilo românico, é igualmente um marco que acompanha a
história da cidade até aos nossos dias. Muito perto fica a pequena igreja de Santo
António. O Santo mais popular de Lisboa é celebrado anualmente, no dia 13 de Junho,
com festas em todos os recantos. O Bairro Alto, na colina do lado oeste, é também um
local agradável, onde pequenas oficinas e tascas convivem com uma vida nocturna
activa e diversificada. Algumas casas de fados têm aí o seu lugar, assim como
algumas das salas de espectáculos mais representativas: o Teatro da Trindade, o
Teatro S. Luís e o Teatro S. Carlos, este último conhecido pelas suas épocas de
ópera.
O Chiado é uma zona de lojas elegantes, boa para compras. A Rua do Carmo
e a Rua Garrett são duas das principais artérias comerciais que sobem da Baixa até
ao Bairro Alto. Para quem não quer subir a pé pode optar por usar o elevador da
Glória, um funicular construído nos finais do século XIX (1885) ou o elevador da Santa
Justa. Este elevador é uma interessante obra neogótica, construído em 1902, por
Raoul Mesnier du Ponsard, discípulo de Gustave Eiffel, e sobe 45 metros na vertical.
No cimo, muito perto, o Convento do Carmo, monumento gótico acabado em 1423.
12
Abriga actualmente um importante museu Arqueológico. A Igreja mantém as ruínas
provocadas pelo terramoto de 1755 e são especialmente visíveis do Rossio ou do
Castelo.
A cidade prolonga-se ao longo da margem do rio Tejo, no sentido da foz até
Belém, zona intimamente ligada à época dos Descobrimentos. Dois monumentos,
pertencentes ao Património Mundial da Humanidade, merecem um destaque especial:
O Mosteiro dos Jerónimos, que comemora o regresso das naus de Vasco da Gama da
Índia e a Torre de Belém, situada à beira-rio, na área de partida das caravelas. Ambos
foram mandados construir por D. Manuel I nos inícios do século XVI. Em sentido
contrário, ao olharmos para o extremo oriental da cidade, deparamo-nos com o Parque
das Nações, local onde se realizou a Exposição Universal de Lisboa, em 1998.
Tal como em Belém, também aqui é evocada a época dos Descobrimentos,
através de uma das suas figuras mais representativas: Vasco da Gama, que passou o
cabo da Boa Esperança, em 1489, e abriu caminho para a Índia. Assim, existe a Torre
Vasco da Gama, com uma vista panorâmica única sobre Lisboa e a margem sul, e a
Ponte Vasco da Gama, a segunda ponte que liga Lisboa ao sul do país, com 18 km,
13 dos quais em tabuleiro sobre o rio.
O Parque das Nações é um espaço moderno e alegre, que contém exemplos
únicos de arquitectura contemporânea: é o caso da Gare do Oriente, com as
impressionantes abóbadas geométricas que cobrem as plataformas ferroviárias; o
Pavilhão de Portugal, com uma enorme pala em betão suspensa como se fosse uma
vela de um barco e o Oceanário, o segundo maior do mundo, localizado num cais
rodeado de água.
PROGRAMA 5
CAFÉS LITERÁRIOS
Portugal tem uma grande diversidade de cafés e de pastelarias, desde as
casas com «história» e «tradição» a locais mais recentes e descontraídos. Existem,
em frente a alguns destes estabelecimentos, agradáveis esplanadas, donde pode,
tranquilamente, admirar-se o rio enquanto se saboreia um café.
As cafetarias, comummente designadas «cafés», são um local de encontro e de
convívio social. O convite para se «ir tomar um café» é claramente um apelo ao
encontro, um pretexto para se sair de casa, ver os amigos e «dar dois dedos de
conversa».
As pastelarias são locais ideais para, a meio da tarde, se fazer um pequeno
lanche. Além de sandes e dos típicos salgados, pode deleitar-se com a deliciosa
pastelaria portuguesa, que é extremamente diversificada e sempre apetitosa.
Os primeiros cafés portugueses surgiram em Lisboa, em meados do século
XVIII – os chamados «Botequins». Ao longo da história, alguns serão local de tertúlia
literária, de discussão cultural e de debate político e ideológico. Destes «cafés
literários», outrora centros de cultura, chegaram até nós, em Lisboa, o Martinho da
Arcada, o Café Nicola e a Brasileira e no Porto, o Majestic.
João: – Onde preferes ficar? Sentamo-nos aqui ou ali, mais ao fundo?
Ana: – A mim, tanto me faz! Olha, esta mesa está livre, sentamo-nos já aqui!
Ana: – Depois desta caminhada o que me apetece mesmo é descansar...
João: – E a mim também!
1
Ana:– Apetece-me mesmo ficar aqui uns instantes... a sentir Lisboa... a “saborear”
este espaço... Já reparaste no encanto desta praça e, sobretudo, deste café?...
João: – Saborear o espaço? E um prego, não? O retorno às origens deixou-te muito
poética, primita!
Ana: – Pois tu continuas na mesma! Um bom garfo é sempre um bom garfo, a
“barriga” vem primeiro! Mas tens razão, vamos pedir! Também já vou tendo um
bocadinho de fome! Disseste que querias comer o quê, repete lá?... Um prego?...
João: – Ah! Afinal “a intelectual” precisa das explicações aqui do comilão, não é?
Podes contar comigo... sei tudo sobre comida portuguesa! Um prego é uma sandes de
bife de vaca! Às vezes a tua tia fazia lá em casa, para os lanches...Quando ficava com
saudades...!
Ana: – É verdade, já me lembro!
João: – Olha, agora ainda fiquei com mais vontade de comer um prego! Até sinto água
na boca!
Ana: – Um prego? Não sei! A mim, não me apetece nada carne de vaca... não gosto
muito... Prefiro porco! É menos rijo e mais saboroso.
João: – Então aconselho-te a pedires uma bifana - um bife de porco no pão! Ou se
quiseres algo igualmente típico mas mais ligeiro, uma empadinha de galinha ...ou um
ou dois pastéis de bacalhau, sei lá... isto para não ires para a tosta mista ou para o
cachorro-quente, que isso comes tu em qualquer lado!
Ana: – Ah, é isso mesmo! Aceito a tua sugestão: vou comer uma bifana... Olhe, por
favor! Desculpe!
Empregado: - Boa tarde!
Ana: - Boa tarde!
João: – Boa tarde!
Ana: - Era um prego e uma bifana, se faz favor!
Empregado: - Sim, senhora! E para beber?
João: - Eu queria uma imperial.
2
Empregado: - E a Senhora?
Ana: - E eu gostava de um refrigerante...oh, não, desculpe, traga-me antes um sumo
de laranja natural, se não se importa!
Empregado: - Hum...desculpe...Sumo de laranja natural não temos. Poderá ser um
sumo de máquina ou um sumo...?
Ana: - Pode ser um sumo de máquina, sem gás!
Empregado: - Sem gás...
Ana: - Olhe, de maçã...
Empregado: - Sim, senhora.
João: – Sabes, Ana, tens razão quanto a esta praça – é um local mesmo encantador!
Ana: – É! É Majestosa e imponente! Vês aquela estátua ali no centro? ... É de D.
José!... que reinava em 1755... quando foi o terramoto que praticamente arrasou
Lisboa!
João: – É um bom exemplo da Arquitectura Pombalina – repara que tem um traçado
absolutamente simétrico. Aliás, uma das estátuas ali do Arco da Rua Augusta
representa o próprio Marquês de Pombal... o que foi responsável pela reconstrução da
cidade depois do terramoto.
Empregado : – Ora aqui está! O prego, para quem é?
João : – É para mim! A bifana é para a Senhora.
Empregado: – Um prego para o Senhor e uma imperial.
João: – Obrigado.
Empregado: – Uma bifana para a Senhora e um sumo de maçã.
Ana: – Muito obrigada.
Ana: – Bom apetite!
João: – Obrigado. Igualmente.
João: – Então, que tal? Está bom?
Ana: –Hum! Esta bifana está óptima!
3
João: – Então, já podemos pedir o café? Uma bica, como se diz aqui em Lisboa! No
Norte, só se usa “café”!
Ana: – Curiosa, essa diferença regional! Mas eu não queria um café muito forte.
João: – Então pede um carioca, que é um café fraquinho - a não ser que queiras um
descafeinado ou um nescafé! Eu cá vou pedir uma bica curta escaldada (uma italiana)!
João: – Por favor, trazia-nos um café curto e um carioca?
Empregado: – Sai um carioca e uma bica bem tirada!
Ana: – Ó João...! Já viste bem onde vamos tomar café? Por este local passaram
algumas das mais importantes personalidades do mundo político, cultural e artístico
português...
João: – Sim... Eça de Queirós, Cesário Verde, Almada Negreiros, Fernando Pessoa...
E tu já pensaste nas discussões... nas ideias inovadoras que aqui terão surgido?...
exactamente neste local... à volta destas mesmas mesas de café?
Ana: – Pois! Por exemplo, Fernando Pessoa escreveu aqui a Mensagem!
João: – Sob o efeito inspirador de uma aromática chávena de café!
Bem-vindos, senhores telespectadores, a mais um FALAMOS PORTUGUÊS.
Acabámos de assistir a uma situação de comunicação num café. A Ana e o João,
sentados na esplanada do Martinho da Arcada, em Lisboa, conversam sobre comida
ligeira e ao mesmo tempo apreciam o local que os envolve.
Hoje abordamos, portanto, uma área temática fundamental na comunicação do
dia a dia: a área temática das refeições ligeiras. Vamos também aprender a fazer o
pedido da nossa refeição correctamente, segundo as convenções sociais exigidas por
esta situação.
Ora bem! Comecemos por explicar sucintamente o que se considera uma
refeição ligeira em Portugal. Uma refeição ligeira, como a própria designação indica, é
uma refeição leve, em regra cozinhada e servida rapidamente, e que pode constituir
um almoço breve ou um lanche reforçado:
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REFEIÇÃO LIGEIRA - refeição leve, em regra confeccionada e servida rapidamente, que pode constituir um almoço breve ou um lanche reforçado.
1. FAZER UM PEDIDO
Vamos agora ver como pode formular-se um pedido em português (por
exemplo, num estabelecimento comercial), tendo em conta as normas sociais que
devem regular este acto comunicativo. Observemos novamente a Ana e o João e
reparemos no modo como eles fazem o seu pedido ao empregado. A vossa atenção,
por favor!
Ana: - Olhe, desculpe!
Empregado: - Boa tarde!
Ana: - Boa tarde!
João: – Boa tarde!
Ana: - Era um prego e uma bifana, se faz favor!
Empregado: - Sim senhor! E para beber?
João : - Eu queria uma imperial.
Empregado: - E a Senhora?
Ana: - E eu gostava de um refrigerante...oh não, desculpe, traga-me antes
um sumo de laranja natural, se não se importa!
Empregado: - Hum...desculpe...Sumo de laranja natural não temos. Poderá
ser um sumo de máquina ou um sumo...?
Ana: - Pode ser um sumo de máquina, sem gás!
Empregado: - Sem gás.
Ana: - Olhe, de maçã
Empregado: - Sim senhor.
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1.1 PRÍNCÍPIO DA CORTESIA E FÓRMULAS DE DELICADEZA
Gostaríamos de chamar a vossa atenção para um primeiro aspecto: como
puderam notar, a Ana e o João, ao efectuarem o pedido, dirigem-se ao empregado de
uma forma educada, delicada, segundo mandam as convenções sociais e o chamado
“princípio da cortesia”. A Ana diz:
– Era um prego e uma bifana, se faz favor! – (...) traga-me antes um sumo de laranja natural, se não se importa!
FÓRMULAS E
EXPRESSÕES DE DELICADEZA
Se faz favor Se não se importa Desculpe
“Se faz favor”; “desculpe” e “se não se importa” são fórmulas e
expressões de delicadeza. São utilizadas nestas circunstâncias para suavizar o
pedido, para o efectuar com cortesia.
1.2 FAZER UM PEDIDO – PRETÉRITO IMPERFEITO
Vamos agora dar atenção às formas verbais utilizadas pelos nossos amigos no
acto de fazer o pedido:
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FORMAS VERBAIS/ FAZER UM PEDIDO
Pretérito Imperfeito
- Era um prego e uma bifana, se faz favor! - Eu queria uma imperial! - E eu gostava de um refrigerante!
São usadas formas verbais como :
- “ERA” - pretérito imperfeito do indicativo do verbo SER;
- “QUERIA” - pretérito imperfeito do indicativo do verbo QUERER;
- “GOSTAVA” - pretérito imperfeito do indicativo do verbo GOSTAR.
Em português, é extremamente frequente, em situações de comunicação como
aquela a que assistimos, usar-se o pretérito imperfeito do indicativo para formular o
pedido: como vimos, podemos utilizar o pretérito imperfeito do verbo SER (“era”), mas
também o pretérito imperfeito de outros verbos, entre eles os usados para expressar
desejo ou vontade (como é o exemplo dos verbos QUERER (“queria”) e GOSTAR
(“gostava”).
É preciso sublinhar que o pretérito imperfeito não tem aqui um valor temporal.
Por vezes, quando fazemos um pedido desta natureza e o nosso interlocutor tem
muita intimidade connosco, podemos até ouvi-lo “brincar” com a situação,
respondendo-nos, por exemplo, “- Queria uma imperial? Então agora já não a quer,
não é assim?”. Na verdade, o pretérito imperfeito nesta situação não se reporta a uma
acção do passado. Tem neste caso um valor contextual ou modal. Destina-se aqui a
modalizar o discurso de acordo com regras sociais: a atenuar o pedido, a efectuá-lo
7
com polidez e cortesia, como já explicámos. É, de facto, também expressão de
delicadeza.
1.3 FAZER UM PEDIDO – PRESENTE DO INDICATIVO
Vamos agora reparar que o pretérito imperfeito, em algumas das nossas
frases, tem um valor de presente do indicativo. Pode, com efeito, ser substituído pelo
presente no acto de fazer o pedido.
FORMAS VERBAIS/ FAZER UM PEDIDO
Pretérito Imperfeito = Presente do Indicativo
Era/ É um prego e uma bifana, se faz favor! Eu queria /quero uma imperial!
Há que chamar a atenção, no entanto, para o seguinte: embora o presente do
indicativo também possa, com efeito, ser usado para se fazer um pedido em
português, a sua utilização pode ser sentida como menos cortês e delicada do que a
utilização do pretérito imperfeito. A utilização do presente do indicativo corresponde
também, por vezes, a um registo de menor formalidade.
1.4 FAZER UM PEDIDO – CONDICIONAL
Noutros enunciados, o pretérito imperfeito surge com um valor de condicional
de cortesia:
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FORMAS VERBAIS/ FAZER UM PEDIDO
Pretérito Imperfeito = Condicional
E eu gostava de um refrigerante =
E eu gostaria de um refrigerante.
“Eu gostava de um refrigerante!” equivale a dizer “Eu gostaria de um
refrigerante” (é, de facto, a mesma coisa). O pedido pode ser feito, deste modo,
também com o condicional. À semelhança do imperfeito, o condicional também não
tem aqui informação temporal mas sim modal. O condicional assinala, neste último
enunciado, um desejo, manifestado com muita elegância e suavidade. Trata-se, no
fundo, de um pedido, mas feito com muito boa educação, de uma forma extremamente
delicada. A utilização do condicional corresponde a um registo mais formal e menos
coloquial do que a utilização do imperfeito.
1.5 FAZER UM PEDIDO – IMPERATIVO
Vejamos ainda a frase da Ana:
– (...) desculpe, traga-me antes um sumo de laranja natural, se não se importa!
É possível utilizarmos o imperativo para fazermos um pedido. O modo
imperativo é realizado pelo conjuntivo na 3ª pessoa do singular (assim como na 1ª e 3ª
pessoas do plural) - esta questão será abordada detalhadamente no próximo
programa.
9
Quando usamos o imperativo e estamos a fazer um pedido, é muito importante
utilizarmos “atenuadores de ordem”, como as expressões de cortesia “desculpe”, “se
não se importa”, para evitarmos que o nosso pedido pareça rude ao destinatário.
2. ACEITAR SATISFAZER O PEDIDO
O empregado, ao espontaneamente aceitar satisfazer o pedido feito pela Ana,
usa a expressão “sim senhor”. E agora, muita atenção! Parece haver uma tendência
no português europeu para o uso de “sim senhor” eliminando a concordância de
género e número, como se esta fosse uma expressão fixa, invariável. No entanto, de
acordo com a tradição gramatical, e no contexto que vimos, tal expressão varia em
género e em número, consoante as pessoas a quem nos dirigimos.
Assim:
Resposta a um homem
Sim, senhor!
Resposta a uma mulher
Sim, senhora!
Resposta a vários homens
Sim, senhores!
Resposta a várias mulheres
Sim, senhoras!
Se nos dirigirmos a um homem usamos “sim, senhor! mas se o nosso
interlocutor for feminino usamos “sim, senhora!”
Passemos agora à descodificação de algumas expressões usadas no diálogo.
10
3. ALGUMAS EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS:
No diálogo, a Ana, dirigindo-se ao João, utiliza expressões como “ Um bom
garfo é sempre um bom garfo” e “a barriga vem primeiro”! O que quererão dizer
estas expressões?
“ser um bom garfo”
A expressão significa “ser um grande apreciador de gastronomia, alguém que
se entrega aos prazeres da boa mesa”.
“a barriga vem primeiro”
A barriga vem primeiro é uma expressão fixa que significa que a principal
preocupação de alguém é a comida e que esse alguém pensa primeiro em comer e só
depois noutros assuntos.
Bom, pela minha parte, por hoje é tudo! Convido-os agora a conhecerem
alguns cafés onde se fez a História de Portugal – alguns cafés com história! Referimo-
nos a cafés portugueses que se inserem na tradição dos cafés-tertúlia, por onde
passaram muitas figuras importantes da cultura portuguesa. Fiquem para ver!
O Martinho da Arcada situa-se na Praça do Comércio, sob as suas elegantes
arcadas neoclássicas. Este café-restaurante foi inaugurado em 1782, no período
pombalino, pelo próprio Marquês de Pombal. É um dos mais antigos cafés lisboetas.
Junto à entrada, do lado esquerdo, no espaço revestido a azulejos brancos,
destaca-se a figura de Fernando Pessoa. O local fazia parte da vida diária deste
poeta. Aqui se entregava à inspiração, rabiscando alguns dos seus extraordinários
11
poemas; aqui se refugiava, na companhia de Almada Negreiros e de Mário de Sá
Carneiro. Quando este último morreu, Pessoa sente a sua falta. Escreve, saudoso e
inconformado:
É como se esperasse eternamente A tua vinda certa e combinada Aí em baixo, no Café Arcada Quase no extremo deste continente
Três dias antes de morrer, por aqui terá passado uma última vez Fernando
Pessoa e tomado um derradeiro café.
A Brasileira é outros dos locais emblemáticos da vida do poeta. Aqui reuniam
os modernistas portugueses e entre eles, Pessoa e Sá Carneiro. Na esplanada do
café, uma estátua em bronze, da autoria de Lagoa Henriques, imortaliza os momentos
que Fernando Pessoa aí passou.
Em 1905, quando o espaço abriu, começou por ser um ponto de venda do café
proveniente do Brasil. Passou depois a casa de café, com um projecto do arquitecto
Norte Júnior. Na fachada, distinguem-se três portas envidraçadas, no cimo das quais
existe uma figura masculina a tomar café. Conta-se que neste café terá nascido a
expressão, tão lisboeta, “uma bica bem tirada”, quando um empregado pediu ao seu
colega um café servido com esmero.
O Café Nicola é também um dos primeiros cafés lisboetas, inaugurado no
século XVIII. O poeta Bocage, um dos maiores poetas portugueses do mesmo século,
ficará eternamente ligado ao seu nome. Destemido e rebelde, aí levou uma vida de
boémio, conspirando contra o despotismo do regime político da altura, defendendo os
direitos humanos, analisando os problemas do país. Do espaço original deste café,
nada resta. A sua configuração actual, de estilo déco, data dos anos 30 do séc. XX.
No entanto, no interior, uma estátua de Bocage lembra a associação eterna entre o
poeta e o café.
12
13
Em 1921, na Rua de Santa Catarina, no Porto, abre um luxuoso café
aristocrático, seguindo a tradição dos elegantes cafés parisienses. Da autoria do
arquitecto João Queirós, é inicialmente chamado Elite e é frequentado pela alta
burguesia portuense e por figuras célebres portuguesas. São exemplos o aviador
Gago Coutinho e a actriz Beatriz Costa.
Passa a chamar-se Majestic em 1922. O seu estilo Arte Nova remete-nos para
o Porto dos anos vinte, da “Belle Époque”. A sua grande sala rectangular ostenta
tectos de gesso, cuidadosamente decorados. Em ambas as paredes laterais, existem
bancos corridos, forrados a cabedal. Os espelhos de cristal de Antuérpia conferem ao
local um brilho requintado. Entre os espelhos, erguem-se colunas de capitéis
ornamentados.
Por aí passaram nomes da cultura portuguesa como Teixeira Pascoaes, José
Régio ou Amadeu Sousa Cardoso. Aí se debateram ideias literárias e artísticas.
Presentemente, continua a ser palco de acontecimentos culturais: recitais de piano e
de poesia, lançamentos de livros, exposições de pintura. Continua a ser visitado por
figuras públicas portuguesas, a par dos turistas e dos clientes habituais, muito
diversificados.
PROGRAMA 6
TERMALISMO EM PORTUGAL
Todos os que precisam de melhorar o seu estado de saúde ou forma física
podem encontrar nas águas portuguesas o alívio pretendido. Do solo português
brotam inúmeras nascentes de águas minero-medicinais, que pelas suas
características físico-químicas e temperatura são adequadas ao tratamento de uma
grande diversidade de doenças.
Em Portugal, as estâncias termais concentram-se, sobretudo, no Norte e na
região centro. Algumas têm como enquadramento cenários paisagísticos de extrema
beleza natural.
No nosso país, a tradição do termalismo remonta, pelo menos, aos romanos.
Este povo trouxe consigo o hábito de tomar águas medicinais quentes. Com o
objectivo de aproveitar as propriedades terapêuticas das águas, aqui construiu muitas
termas, em diferentes localidades. Ainda hoje, as fontes de águas termais são
designadas caldas, do latim CALIDAS, que significava “quentes”. A palavra passou a
integrar topónimos portugueses relativos a localidades onde se verifica a existência de
termas, como por exemplo: Caldas da Rainha, Caldas de Aregos, Caldas de Vizela,
Caldas do Gerês.
Também do latim provém a designação do frequentador de termas, daquele
que busca o poder curativo das águas: aquista – do latim aqua.
Este, antes de optar por uma estância termal, começa por ir ao médico...
Ana: – Boa tarde, Senhora Doutora! Dá licença?
1
Médica: – Boa tarde! Faz favor! Entre, entre!
Médica: – Faça favor de se sentar! Só um momentinho que eu já a atendo! Ana: –
Com certeza!
Médica: – Ora bem! Senhora D. Ana Paula Martins! É a primeira vez, não é? Não
tinha cá ficha!
Ana: – É sim, Senhora Doutora! É que eu não moro cá! Vim cá passar uns tempos e
olhe...
Médica: – Adoeceu...está-se mesmo a ver! Não podia ter escolhido melhor ocasião?
Não se vem de férias a Portugal para se ficar doente!
Ana: – E logo agora, que eu estava a gostar tanto de tudo!
Médica: – Ah, mas isso é mesmo assim! Estas coisas não escolhem dia nem hora!
Bom... mas diga lá, então... De que é que se queixa?
Ana: – Olhe, tenho tido uma pontinha de febre! E dores no corpo e na cabeça...
Médica : – Mas tem tirado a febre?
Ana: – Tenho sim! Até comprei um termómetro de propósito na farmácia! Tenho tido
trinta e sete e nove, trinta e oito...
Médica: – Hum...Estou a ver... Não é bem “uma pontinha de febre”... Já é mesmo
febre! E há quanto tempo está assim?
Ana: – Ora, deixe-me ver... hoje é o terceiro dia.
Médica: – Hum... tem tido dores de garganta?
Ana: – Sim, dói-me um bocadinho!
Médica: – Deixe-me ver, então! Abra a boca! Diga: “AAAAAH”...
Ana: – AAAAAH....
Médica: – Está um bocadito inflamada! Mas não tem pontos brancos! Bem, vamos
puxar a camisola para cima...para eu a poder auscultar... Respire fundo! Agora tussa!
Disse que tinha dores na cabeça...? Onde, exactamente?
Ana: – Onde, Doutora? Não sei... Acho que me dói a cabeça toda!
2
Médica: – Bem me pareceu! Não tem dores na cabeça... o que tem é dores de
cabeça! Em português, ter uma dor na cabeça é ter uma dor localizada num ponto
específico da cabeça... por exemplo, quando se bateu com a cabeça nalgum lado!
Ana: – Ah! Pois, não é esse o caso! Eu apanhei foi uma forte constipação!
Médica: – Pois... E ficou com dores de cabeça...
Ana: – Bom, estou a ver que tenho de vir mais vezes à consulta... para aprender mais
português!
Médica: – Esperemos que não! Não vai ter de ficar de cama mas vai fazer o
tratamento que lhe vou receitar! É alérgica a algum medicamento?
Ana: – Que eu saiba, não, Senhora Doutora!
Médica: – Vai tomar estes comprimidos de doze em doze horas. E tome este xarope
três vezes ao dia! Vai ficar boa num instante! Sã que nem um pero!
Ana: – Oh! Que pena! E eu a pensar que me ia mandar para as termas!
Médica: – Lamento decepcioná-la... não é caso para isso! Mas, sabe, não vamos
para as termas só quando temos uma doença! Também podemos ir por outras
razões... para fugir à agitação da cidade... para descansar, descontrair... É o chamado
“termalismo de bem estar”!
Ana: – E em Portugal, já há muita oferta desse termalismo? Por exemplo, se eu
pudesse dar um salto a umas termas... qual é que a Senhora Doutora me
recomendava?
Médica: – Bom...
Bem-vindos, Senhores Telespectadores, ao sexto programa do FALAMOS
PORTUGUÊS. Hoje assistimos a uma situação de comunicação num consultório
médico. A Ana constipou-se, adoeceu e teve de recorrer à ajuda de um médico. No
diálogo, vimos algumas estruturas linguísticas e algum vocabulário relacionados com o
corpo humano, com a doença e com o atendimento e o tratamento médico.
3
Neste programa, iremos também ver como pedir e dar autorização ou
permissão, como dar ordens ou instruções e ainda formas de tratamento
formais.
1. PEDIR/CONCEDER AUTORIZAÇÃO/PERMISSÃO
Como certamente repararam, a Ana e a médica encontram-se numa situação
de formalidade. Assim, o uso que fazem da língua é guiado, sobretudo, pelo princípio
da delicadeza, pois os dois interlocutores assumem comportamentos convencionais
de cortesia. Ao chegar à porta do consultório, a Ana empurra-a delicadamente e
cumprimenta a médica : deseja “Boa tarde” (que é uma forma de saudação para o acto
de CUMPRIMENTAR). Depois, pede a autorização da médica para entrar e esta
concede-lhe a sua permissão. Observem atentamente!
Ana: – Boa tarde, Senhora Doutora! Dá-me licença? Médica: – Boa tarde! Faz favor! Entre, entre!
Vimos que a Ana, para pedir autorização ou permissão para entrar, usa uma
frase interrogativa, empregue com muita frequência em português nestas situações:
“Dá-me licença?”.
PEDIR AUTORIZAÇÃO/
PERMISSÃO
DAR AUTORIZAÇÃO/
PERMISSÃO Dá-me licença [...]? Posso entrar? Com licença!
Faz favor! Entre, entre. Ora essa! Com certeza!
Mas há outras formas de pedir permissão em português. Vejamos mais
algumas: a Ana poderia ter utilizado a frase interrogativa “Posso entrar?” Neste caso
4
utilizaria o verbo modal poder no presente do indicativo (“posso”) + o verbo
principal no infinitivo (“entrar”); Poderia também ter utilizado apenas a expressão
de cortesia “com licença”.
Para conceder autorização à Ana e dar o seu assentimento para esta entrar, a
médica utiliza a fórmula de delicadeza “faz favor”. Diz-lhe ainda “Entre, entre”.
Trata-se de uma frase imperativa realizada pelo conjuntivo. A forma verbal “entre”
está no presente do conjuntivo mas tem um valor de imperativo.
A médica poderia ainda ter respondido com a expressão interjectiva “Ora
essa!” ou com a locução adverbial “Com certeza!”. Chamamos a atenção para a
grafia da locução adverbial “com certeza” – composta pela preposição “com” + o
nome “certeza”. É um erro muito comum em português escrever-se esta expressão
como se fosse uma única palavra, o que está incorrecto. Deixamos aqui apenas a
advertência! Trata-se de duas palavras e não de uma só!
2. FORMAS DE TRATAMENTO FORMAIS
O grau de formalidade de uma situação condiciona o que dizemos e o modo
como o fazemos. Deste modo, as formas de tratamento utilizadas são determinadas
pela situação em que usamos a língua. Lembremos as formas de tratamento usadas
pela Ana e pela médica para se dirigirem uma à outra:
Médica: – Ora bem! Senhora Dona Ana Paula Martins! É a primeira vez, não é? Não tinha cá ficha! Ana: – É sim, Senhora Doutora!
O reconhecimento da posição ocupada pelos locutores na relação social tem
reflexo na selecção das formas de tratamento que cada um utiliza para se dirigir ao
outro. Desta forma, a Ana e a médica seleccionam formas de tratamento diferenciadas
consoante a posição que cada uma ocupa na relação social. Vemos que para se dirigir
5
à médica, a Ana usa a forma de tratamento “Senhora Doutora” e utiliza sempre o
verbo na terceira pessoa do singular. Por sua vez, a médica dirige-se-lhe como
“Senhora Dona”.
3. DAR ORDENS/INSTRUÇÕES
Vamos agora abordar algumas formas de DAR ORDENS/INSTRUÇÕES em
português. Ao realizar o atendimento médico, a médica pede informações sobre o
estado de saúde da Ana e, à medida que a consulta se vai desenrolando, vai dizendo
à Ana como esta deve proceder para que possa analisar o seu estado de saúde. No
fim, dá-lhe ainda algumas instruções sobre como deve tomar os medicamentos
prescritos/receitados. Estejam atentos ao excerto!
Médica: – Abra a boca! Diga: “AAAAAH”...
Médica: – Respire fundo!
Médica: – Agora tussa!
Médica: – (...) E tome este xarope três vezes ao dia!
Como viram, para incentivar a Ana a realizar determinadas acções, a médica dá-lhe
determinadas instruções. Usa formas verbais como “abra” (“Abra a boca”), “diga”
(Diga “AAAAH”...), “respire” (Respire fundo!), “tussa” (Agora tussa!) ou “tome” (E
tome este xarope...).
6
DAR ORDENS ORDENS/
INTRUÇÕES
Abra a boca Diga “AHHHH”... Respire fundo! Agora tussa! E tome este xarope (...)
Estas formas são formas do presente do conjuntivo que surgem em frases
imperativas. Em português, usa-se o presente do conjuntivo nestas circunstâncias
para substituir as formas que faltam ao imperativo. Expliquemos melhor este aspecto.
Vamos exemplificar com o verbo “respirar”:
IMPERATIVO – frases afirmativas
Respira! (tu) Respirai! (vós)
O imperativo conjuga-se sem sujeito expresso e gramaticalmente só tem as
formas de segunda pessoa do singular (caso de Respira! – “tu”) e de segunda pessoa
do plural (exemplo de Respirai! – “vós”).
Devemos sublinhar dois aspectos fundamentais do uso do imperativo:
- as formas do imperativo ocorrem exclusivamente em frases afirmativas;
- actualmente, a forma de segunda pessoa do plural do imperativo, que outrora
também se aplicava a interlocutores singulares para denotar uma grande deferência
(“respirai”), já não é utilizada em grande parte de Portugal. Esta forma foi susbtituída
no uso pela terceira pessoa do presente do conjuntivo. Em vez de “respirai” diz-se hoje
“Respire” (“você”) ou “Respirem” (“vocês”).
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DAR ORDENS/ INSTRUÇÕES (imperativo e conjuntivo)
Afirmativa
Negativa
Respira! (tu) – IMPERATIVO Respire! (você) - CONJUNTIVO Respiremos! (nós) - CONJUNTIVO Respirem! (vocês) - CONJUNTIVO
Não respires! (tu) - CONJUNTIVO Não respire! (você) - CONJUNTIVO Não respiremos! (nós) - CONJUNTIVO Não respirem! (vocês) - CONJUNTIVO
O presente do conjuntivo com valor de imperativo emprega-se também para a
primeira pessoa do plural (“respiremos”- nós). Utiliza-se igualmente o conjuntivo
sempre que a frase é negativa.: “não respires – tu”; “não respire – você”; “não
respiremos –nós”; “não respirem – vocês”.
Gostaríamos ainda de chamar a vossa atenção para o seguinte: as frases com
uso do imperativo (frases imperativas) podem ser diferentemente interpretadas
consoante o contexto situacional e linguístico em que surjam. Assim, uma mesma
frase imperativa pode ter uma leitura de ordem, de instrução, de pedido, etc.
Devemos ter cuidado com a entoação que damos a uma frase, de acordo com o
significado que lhe queiramos imprimir. Não devemos esquecer que uma mesma frase
pronunciada com entoações diferentes pode ter em português diferentes significados.
Imaginemos os seguintes contextos:
A mãe diz para a filha
- Soube que te portaste mal na escola! Conta-me tudo imediatamente! – Ordem!
Uma amiga diz para outra
- Como é que foi ontem com o João? Conta-me tudo imediatamente! – Pedido!
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4. ALGUMAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS
Para finalizarmos, vamos esclarecer o significado de algumas expressões do
texto. A médica afirma:
“Estas coisas não escolhem dia nem hora”
Quer a médica dizer com isto que há situações que não são previsíveis. Diz
ainda que a Ana vai ficar “Sã que nem um pero!”.
“ ficar ou ser sã/são que nem um pero”
Esta expressão significa ficar/ser muito saudável.
Neste momento, resta-me despedir, até ao próximo programa, mas vou ainda
convidá-lo a conhecer alguns locais termais de Portugal! Fique connosco e conheça
algumas termas portuguesas.
As Termas de S. Pedro do Sul, as mais frequentadas de Portugal, situam-se
no distrito de Viseu, no concelho de S. Pedro do Sul, povoação do Banho.
Na margem esquerda do Vouga, numa paisagem idílica, construíram os
romanos um Balneum – balneário termal constituido por diversas estruturas, como
evidenciam os presentes vestígios arqueológicos. Desta histórica denominação
provém o nome actual da vila – Banho!
Ao longo dos tempos, os seus banhos sulfurosos quentes foram ganhando
fama e atraindo gentes de todas as classes sociais, ansiosas por aliviar os seus
males.
9
Conta a lenda que D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, tendo sido
informado das propriedades terapêuticas destas águas, aqui buscou a cura para uma
fractura de uma perna, após a Batalha de Badajoz.
Também aqui passou férias a última rainha de Portugal, recebendo as termas o
seu nome: “Thermas da Rainha D. Amélia”.
As novas instalações, em funcionamento desde 2001, estão dotadas do mais
moderno equipamento e tratam, entre outras, doenças do aparelho respiratório,
reumáticas e músculo-esqueléticas.
Localizadas em Trás-os-Montes, no distrito de Vila Real, concelho de Chaves,
as Termas de Vidago encontram-se inseridas num deslumbrante cenário paisagístico,
no coração do centenário e maravilhoso Parque Natural de Vidago. Os seus lindos
edífícios “Belle Époque” merecem também ser admirados.
Do termalismo clássico ao recente conceito de termalismo de bem-estar, estas
termas oferecem uma grande diversidade de programas, direccionados quer para a
cura de doenças quer para o relaxamento e libertação do stress.
Uma completa estrutura turística, que inclui piscinas, campo de golfe, campo
de ténis, etc., proporciona ao visitante uma férias inesquecíveis.
Nas Termas de Vidago tratam-se doenças do sangue, do sistema nervoso, do
aparelho respiratório, do aparelho digestivo e da pele.
As Termas da Curia situam-se em plena região da Bairrada, envoltas por um
lindíssimo parque com uma área de 14 hectares, que contribui para o repouso e
tranquilidade dos aquistas.
No seu enquadramento, destacam-se frondosas e verdejantes matas, cujos
caminhos se podem percorrer, passeando por entre as centenárias árvores ou
andando de bicicleta.
Assume também relevo um enorme lago artificial, de cerca de 1km de
perímetro, rodeando uma Ilha que se encontra unida às margens por características
pontes.
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As águas da Curia, afamadas desde o tempo dos romanos, curam doenças
músculo-esqueléticas, do aparelho circulatório e do aparelho urinário.
A estância termal das Caldas do Gerês localiza-se num vale de denso
arvoredo, entre a fecundidade dos lagos e a magia da montanha, em pleno Parque
Natural da Peneda-Gerês. O cenário é aqui verdadeiramente paradisíaco – 70 000
hectares de maravilhosa flora e interessante fauna chamam a atenção de todos os que
aí procuram refúgio.
O primeiro estabelecimento termal foi construído no Gerês no século XVIII,
embora as referências à qualidade das águas venham de longa data. Recentemente
remodelado, conta hoje com o suporte de uma alargada estrutura turística, que
proporciona a prática de montanhismo, natação, canoagem, ténis, equitação, pesca e
grande diversidade de desportos náuticos.
As águas do Gerês, das mais fuoretadas de Portugal e da Europa, são
benéficas para as afecções do aparelho digestivo e do aparelho circulatório.
60 kms a norte de Lisboa, encontram-se as Termas do Vimeiro. O verde do
mar desenrola-se à sua frente, contribuindo, com as várias tonalidades do arvoredo,
para uma perfeita sensação de calma e de tranquilidade.
Ao mesmo tempo, são um local ideal para o lazer e divertimento, pois a
estrutura turística que as complementa inclui praia, piscinas, discotecas, golf, ténis,
picadeiro, SPA, etc.
As indicações terapêuticas das águas abrangem patologias do aparelho
circulatório, do aparelho respiratório, do aparelho digestivo e da pele.
No concelho da Mealhada, entre o majestoso arvoredo da Serra do Buçaco, na
sua encosta poente, situa-se a estância termal e turística do Luso-Buçaco.
O aquista pode aí usufruir da pureza e frescura do ar, no enquadramento
paradisíaco da luxuriante floresta secular da Mata Nacional do Buçaco. No seu interior,
fontes de águas cristalinas, regatos murmurantes, ermidas, avenidas toldadas de
espessa vegetação, fazem as delícias do visitante. Aí se encontram o convento de
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12
Santa cruz do Buçaco e o Palace Hotel do Buçaco – sumptuoso palácio do séc XIX,
expoente máximo do Neo-Manuelino.
A água do Luso é benéfica no tratamento de doenças do aparelho circulatório,
respiratório, urinário e músculo-esqueléticas.
A freguesia de Monfortinho situa-se na encosta da Serra de Penha Garcia,
junto à margem direita do Rio Erges, um afluente do Rio Tejo que faz fronteira com
Espanha. Pertence ao concelho de Idanha-a-Nova e dista cerca de 70 Km de Castelo
Branco. Na Serra, na nascente da Fonte Santa, brotam ancestrais águas minerais, que
alimentam as famosas Termas de Monfortinho. As propriedades terapêuticas destas
águas quentes são conhecidas, pelo menos, desde o século XVIII. Tratam afecções do
aparelho digestivo, ginecológicas e da pele.
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PROGRAMA 7
MUSEUS DE LISBOA
Lisboa é hoje um destino de grande prestígio internacional, apresentando
recursos de enorme qualidade e variedade cultural. Para tal muito contribui a riqueza e
diversidade museológica. Visitaremos hoje alguns museus de Lisboa mas estamos
longe de esgotar a oferta.
A Ana começa a sua visita pela Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva. A
Fundação está instalada na antiga Real Fábrica de Tecidos de Seda, do século XVIII.
O objectivo principal deste Museu é divulgar a obra destes dois pintores. Assim, a
colecção permanente do Museu apresenta duas obras emblemáticas, Composition, de
1936, de Helena Vieira da Silva e L’Enfant au Cerf Volant, de 1935, de Arpad Szenes.
Entre os vários quadros expostos no Museu, salientam-se os auto-retratos que
ilustram bem os seus temperamentos e posturas plásticas diferentes e a enorme
cumplicidade entre ambos. Podemos admirar ainda as obras abstractas inspiradas em
paisagens de Arpad Szenes, com as suas cores suaves e quentes e as cidades e
bibliotecas de Helena Vieira da Silva.
Enquanto a Ana está neste Museu, o João visita outro museu, o Museu dos
Coches. Este foi criado em 1905, por iniciativa da Rainha D. Amélia de Orléans e
Bragança, mulher do Rei D. Carlos I. Este Museu fica situado no edifício do antigo
Picadeiro Real do Palácio de Belém. Possui uma colecção única de viaturas de gala e
de passeio dos séculos XVII a XIX. A maioria destas viaturas pertencia à Casa Real
2
Portuguesa. Este museu permite compreender a evolução dos meios de transporte
usados pelas cortes europeias até ao surgimento do automóvel. Destacam-se ainda o
coche único e muito antigo do Rei Filipe II, construído em Espanha em finais do século
XVI e início do século XVII, e ainda os coches da embaixada do Marquês de Fontes
usados na visita ao Papa, em 1716.
Após as visitas aos museus, a Ana e o João encontram-se no Jardim das
Amoreiras.
_____________________________________________________________________
João: – Desculpa lá o atraso, Ana.
Ana: – Não tem importância. Eu também cheguei há poucos minutos.
João: – Nem sabes o que me aconteceu no Museu dos Coches. Acho que não vais
acreditar...
Ana: – Mas diz lá. O que é que te aconteceu?
João: – Imagina lá que tocou o alarme de incêndio e toda a gente teve de sair. Até
vieram os bombeiros e tudo. Apanhei cá um susto...
Ana: – Eu não acredito....
João: – Acredita que é verdade. Felizmente, tratou-se de um falso alarme e minutos
depois mandaram-nos entrar.
Ana: – Cá para mim, isso até deve ter sido divertido.
João: – Achas divertido, porque não estiveste lá. A princípio assustei-me um pouco,
aquela sirene que não parava de tocar …e as pessoas a sairem à pressa. Mas quando
nos disseram que era um falso alarme, fiquei mais descansado. Ainda me fartei de rir!
Ana: – E ao menos valeu a pena a visita?
João: – Sim, claro. É um museu único. Não há outro na Europa, nem no Mundo. Vi
coches tão variados, uns simples, outros luxuosos. São três séculos de História. Tive
uma vontade enorme de entrar num qualquer e...
Ana: – Mas não entraste, pois não?
João: – Não, claro que não. Não me deixavam. Ou querias que fosse preso?
3
Ana: – Coitadinho. Pobre João.
João: – E a tua visita, como foi?
Ana: – Bom, a minha visita ao Museu Vieira da Silva foi muito tranquila. Não soou
nenhum alarme, nem ninguém tentou roubar nenhum quadro! Mas, mesmo assim, foi
emocionante.
João: – Porquê?
Ana: – Porque achei tudo muito interessante. Que colecção fantástica! As cores, o
espaço, a luz. Bem, é indescritível. Vale mesmo a pena visitá-lo.
João: – Pois é.. Mas terá de ficar para a próxima visita a Lisboa. Há ainda tantas
coisas que queria ver...
Ana: – Tens razão. Não se pode ver tudo...
João: – Olha, Ana, trouxe-te esta pequena lembrança que comprei na loja do museu.
Espero que gostes.
Ana: – Obrigada, João. É muito giro. Como é que adivinhaste que eu fazia colecção
de porta-chaves? Eu não te comprei nada. Que vergonha!
João: – Não faz mal. Isso é uma coisa tão insignificante. Comprei também uns lápis
para oferecer a uns amigos.
Ana: – Muito obrigada. Foste muito simpático.
João: – E que tal se fôssemos beber qualquer coisa? Quando desci do autocarro, vi
um café, uma pastelaria com um ar agradável. Fica muito perto daqui.
Ana: – Boa ideia, João. Estou mesmo a precisar duma bebida quente e dum bolinho.
Não comi mais nada depois do pequeno-almoço.
João: – Também estou cheio de fome.
Ana: – Eu até tenho a barriga a dar horas!
João: – És mesmo uma exagerada, Ana.
Ana: – Li no guia que a Basílica da Estrela é aqui perto. Achas que ainda lá podemos
ir hoje?
4
João: – Oh, Ana, tem dó de mim. Estou muito cansado e mortinho por chegar ao
hotel.
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Acabámos de assistir ao encontro da Ana e do João no Jardim das Amoreiras,
depois de terem visitado o Museu Vieira da Silva - Arpad Szenes e o Museu dos
Coches, em Lisboa. Eles falam sobre aquilo que viram nesses museus. Neste
Programa, vamos abordar o Pretérito Perfeito do Indicativo para relatar eventos no
passado e ainda os Pronomes Pessoais Objecto, conhecidos também como
Pronomes Clíticos.
1. RELATAR EVENTOS NO PASSADO
Em português usa-se o Petérito Perfeito do Indicativo para relatar ou referir
eventos acabados. É um tempo do passado e que marca o momento em que
determinado evento ou estado terminou. O Petérito Perfeito do Idicativo tem
geralmente como ponto de referência temporal o momento da fala ou da enunciação.
Vejamos então três excertos do diálogo:
João: - Desculpa lá o atraso, Ana.
Ana: - Não tem importância. Eu também cheguei há poucos minutos.
João: - Nem sabes o que me aconteceu no Museu dos Coches. Acho que não vais
acreditar...
Ana: - Mas, diz lá. O que é que te aconteceu?
João: - Imagina lá tu que tocou o alarme de incêndio e toda a gente teve de sair. Até
vieram os bombeiros e tudo. Apanhei cá um susto.
******
Ana: - Bom, a minha visita ao Museu Vieira da Silva foi muito tranquila. Não soou
nenhum alarme, nem ninguém tentou roubar nenhum quadro. Mas, mesmo assim, foi
emocionante.
João: - Porquê?
5
Ana: - Porque achei tudo muito interessante. Que colecção fantástica. As cores, o
espaço, a luz. Bem, é indescritível. Vale mesmo a pena visitá-lo.
******
João: - Olha, Ana, trouxe-te esta pequena lembrança que comprei na loja do museu.
Espero que gostes.
Ana:- Obrigada, João. Como é que adivinhaste que eu fazia colecção de porta-
chaves? Eu não te comprei nada. Que vergonha!
Vamos agora destacar as formas verbais usadas pela Ana e pelo João.
RELATAR EVENTOS NO PASSADO
PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO
(1) Eu também cheguei há poucos minutos.
(2) Tocou o alarme....
(3) ... vieram os bombeiros ....
(4) Apanhei cá um susto.
(5) Bom, a minha visita ao Museu Vieira da Silva foi muito tranquila.
(6) Não soou nenhum alarme ....
(7) ... nem ninguém tentou roubar nenhum quadro.
(8) ... como é que adivinhaste ...?
(9) ... eu não te comprei nada.... .
As formas verbais em análise são formas do Pretérito Perfeito do Indicativo,
usadas pelas personagens para referirem o que lhes aconteceu num momento
passado, antes de se encontrarem. Como se pode ver nestes exemplos, o Pretérito
Perfeito do Indicativo marca sempre o momento em que um evento ou estado
terminou.
6
2. PRONOMES CLÍTICOS
Já de seguida, vamos abordar a sintaxe dos Pronomes Pessoais Objecto ou
Clíticos. São eles:
PRONOMES CLÍTICOS
me, te, o, a lhe, se, nos, vos, os, as, se, lhes
Vejamos alguns exemplos do diálogo:
(1) “Trouxe-te esta pequena lembrança.”
(2) “Eu não te comprei nada.”
(3) “Não se pode ver tudo.”
(4) “Não me deixavam.”
Como se pode observar nas frases apresentadas, a colocação destes
pronomes apresenta variações. Os pronomes surgem quer depois do verbo, ou seja,
em posição enclítica, como é o caso do exemplo (1) – como podem verificar, o clítico
surge aqui depois da forma verbal “trouxe” -, quer antes do verbo, isto é, em posição
proclítica, como nos exemplos (2), (3) e (4).
O padrão mais frequente de colocação do clítico em português europeu é
depois do verbo, ligando-se a este por um hífen. Esta posição é denominada ênclise.
Vejamos novamente alguns exemplos do diálogo:
7
(5) “Trouxe-te esta pequena lembrança.”
(6) “(...) assustei-me um pouco.”
(7) “(...) vale a pena visitá-lo.”
(8) “tratou-se de um falso alarme.”
O pronome clítico -o- na frase 7, surge à direita da forma infinitiva - visitar - e por
razões fonológicas apresenta a forma - lo.
A colocação do pronome clítico antes do verbo, conhecida como próclise,
verifica-se em contextos tão diversos como:
• com a negativa;
• com as frases subordinadas;
• com o operador Qu- ,
• e ainda com alguns advérbios:
A) FRASES NEGATIVAS
(9) ... não te comprei nada.
(10) ... não se pode ver tudo.
B) FRASES SUBORDINADAS
(11) ... quando nos disseram.
C) FRASES COM O OPERADOR QUE ANTES DO VERBO
(12) O que (é que) te aconteceu?
D) FRASES COM ADVÉRBIOS: AINDA, BEM, JÁ ANTES DO VERBO
(13) Ainda me fartei de rir!
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Em português europeu é também possível colocar o clítico junto de um verbo
do qual o clítico não depende. Vamos observar a frase com um verbo causativo,
mandar.
(14) Felizmente, tratou-se de um falso alarme e minutos depois mandaram-nos
entrar.
Dá-se então a subida do clítico, ou seja, este é colocado junto do verbo
causativo, mandar.
O pronome pode ainda surgir no interior da forma verbal na chamada posição
mesoclítica. Isto acontece com as formas do Futuro (vd.ex.15] e do Condicional
(vd.ex.16). No entanto, este tipo de construção tem origem na gramática do Português
antigo e está em regressão, quer dizer, começa a ser cada vez menos utilizada. Estes
exemplos não fazem parte do diálogo:
(15) Ver-nos-emos no próximo verão.
(16) Dir-te-ia se o soubesse.
3. ALGUMAS EXPRESSÕES
No diálogo, ouviram-se algumas expressões, que passamos a explicar. Por
exemplo, ouviu-se o João dizer :
João:- Oh, Ana tem dó de mim. Estou muito cansado e mortinho por chegar ao hotel.
A expressão ter dó de alguém significa que se tem pena de alguém:
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ter dó de alguém = ter pena de alguém
E o João acrescentou ainda “...Estou muito cansado e mortinho por chegar
ao hotel”. A expressão estar mortinho/mortinha por fazer alguma coisa significa que
se deseja muito fazer algo. A expressão poderia ser substituída por uma equivalente,
como por exemplo “estou ansioso por chegar ao hotel “:
estar mortinho/mortinha por fazer alguma coisa = desejar muito fazer alguma coisa
E, finalmente, ouvimos ainda no diálogo a Ana dizer:
“Eu até tenho a barriga a dar horas!” Esta expressão significa que se tem muita
fome. É claro que o seu uso é muito informal.
ter a barriga a dar horas = ter muita fome
Por hoje é tudo. Agora espero que gostem da proposta que vos fazemos de
visistarem alguns museus em Lisboa.
____________________________________________________________________
O Museu do Chiado fica situado no centro histórico de Lisboa, ocupando parte
do antigo convento de S. Francisco. Foi fundado em 1911 e reconstruído em 1994.
A colecção de arte portuguesa, que abrange o período de 1850 até à actualidade,
constitui a mais importante colecção nacional de arte portuguesa contemporânea.
Destacamos assim as obras de Silva Porto, de Columbano Bordalo Pinheiro, de
Fernando Lanhas, de Joaquim Rodrigo e de René Bértholo.
A actual casa-museu Dr. Anastácio Gonçalves foi mandada construir pelo
pintor José Malhoa ao arquitecto Norte Júnior e foi distinguida com o prémio Valmor de
1905. É uma moradia de dois pisos, constituída por dois corpos distintos, mas
10
articulados entre si, de tendências neo-românicas, com elementos da «casa
portuguesa» e alguns aspectos de Arte Nova. Foi adquirida pelo Dr. Anastácio
Gonçalves em 1932. Apresenta uma colecção de pintura portuguesa dos séculos XIX
e XX , além da colecção de porcelana chinesa e de mobiliário português e
estrangeiro. Da colecção de pintura fazem parte obras de Malhoa, de Columbano, de
Silva Porto, de António Ramalho e de João Vaz. A porcelana chinesa data dos séculos
XVI e finais do século XVIII. Quanto ao mobiliário português, podem ver-se
exemplares dos séculos XVII e XIX, destacando-se especialmente as peças da época
de D. José e de D. Maria I.
O Museu Nacional de Arte Antiga está instalado num palácio do século XVII,
construído para os Conde de Alvor. O Marquês de Pombal adquire-o em 1770, ficando
na posse da sua família por mais de um século. O museu propriamente dito foi
inaugurado em 1884 e é também conhecido pelo museu das janelas verdes, dada a
cor das suas janelas.
O museu alberga uma colecção de pintura portuguesa e europeia do século
XIV a meados do século XIX. Destacamos os Painéis de S. Vicente de Fora e um
retrato de D. Sebastião de Cristóvão Morais, as obras neo-clássicas de Domingos
Sequeira e ainda obras de artistas estrangeiros como Piero della Francesca, Bosch,
Durer, Cranach e Rafael entre outros. Possui ainda uma importante colecção de
escultura, fundamentalmente de cariz religioso, como por exemplo, estátuas de Cristo,
da Virgem e de Santos em pedra e madeira, policromas. Na capela de Santo Alberto,
podemos ver o presépio de Machado de Castro do século XVIII. Existe ainda uma
colecção rica de ourivesaria portuguesa e europeia, assim como objectos medievais e
do período dos Descobrimentos.
A colecção de arte de Calouste Gulbenkian está reunida no Museu
Gulbenkian. O museu foi inaugurado em 1969 e faz parte do legado deixado a
Portugal pelo multimilionário arménio. O acervo inclui peças do Antigo Egipto, vidros
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islâmicos, tapetes persas e turcos, porcelanas chinesas e ainda objectos de Arte
Nova.
O Centro de Arte Moderna da Gulbenkian inclui obras de artistas
portugueses contemporâneos. Destacam-se o famoso retrato de Fernando Pessoa no
Café Irmãos Unidos de Almada Negreiros e os trabalhos de Eduardo Viana, Amadeu
Souza - Cardoso, Paula Rego, Graça Morais, Rui Sanches e Teresa Magalhães.
1
PROGRAMA 8
PARQUE DAS NAÇÕES
O Parque das Nações corresponde ao local em que decorreu a Exposição
Mundial de Lisboa em 1998 e onde foram revitalizados com enorme sucesso terrenos
da parte oriental da cidade que estavam em estado de degradação. Abrange 340 ha,
em 5 km de frente para o estuário do Tejo, com uma notável requalificação do
ambiente em toda a área e possui as infra-estruturas tecnologicamente mais
avançadas da cidade de Lisboa. É um espaço moderno, inovador, não só pelo respeito
ambiental em que se desenvolve mas também por apresentar uma nova concepção de
vida urbana. Rodeado por áreas residenciais, de negócios e outros serviços, o Parque
apresenta locais de exposições, de espectáculos e de lazer que se integram
plenamente na vida quotidiana da cidade.
A Gare do Oriente é um ponto obrigatório para quem usa os transportes
publicos, como o Metro, o autocarro ou o comboio e um marco imponente para quem
visita o próprio Parque das Nações e a Vila Expo.
O António decidiu levar os seus amigos, Ana e João, a conhecer um pouco da
beleza deste espaço...
Ana: – Gostei muito da arquitectura da Gare do Oriente... Parecem palmeiras
estilizadas! Já repararam?
João: – Ah! É verdade. Não tinha reparado... De facto, ao longe parecem mesmo
palmeiras ...
2
Ana: - E a Ponte Vasco da Gama? É tão elegante, não é?
António: – É verdade. Como o rio aqui é muito largo, a ponte parece que nunca mais
acaba... São cerca de 12 quilómetros... é enorme! Tem uma construção muito
moderna. Mais tarde podemos atravessá-la. É muito bonita...
João: – Eu também gostei muito do Centro Comercial... Quando entramos até parece
que estamos dentro de um barco...
António: – Pois é. Agora é tudo muito bonito... mas vocês haviam de ver isto antes...
A mim, no princípio fazia-me confusão... Era completamente diferente; mas agora
acho que ficou muito giro.
João:- Quem diria...
António: - Vocês sabiam que toda esta parte nova da cidade, antes da Expo, era uma
zona muito degradada? Havia aqui muita poluição... muita desorganização ... era uma
zona portuária. Não era nada agradável para passear...
Ana: – Ai era?!!
António: – ... e também havia pequenas indústrias, mas era tudo muito desordenado!
havia uma refinaria, havia depósitos vários ... desde produtos petrolíferos a aterros
sanitários... Havia um pouco de tudo mas sem nenhuma preocupação com o
ambiente! ... Era uma lixeira!
João: – Sério? Não posso acreditar... Isto está tão bonito aqui mesmo à beira rio...
Ana: – Eu não consigo imaginar uma lixeira aqui! Estes espaços tão verdes... tão
agradáveis para passear ... para descansar...
António: – Pois é! Agora não parece possível... mas antes era uma zona muito
desagradável...
João: – Isto é um espaço bastante grande, não é?
António: - É! é uma área muito grande...São para aí uns 340 ha... Ainda são uns 5 km
de frente para o rio.
3
Ana: – Ai! Vocês adoram falar de números! Mas isso, a mim, não me diz nada! Só sei
que estamos num sítio agradabilíssimo... Aqui só sinto vontade de andar... andar...
andar... É extraordinário este Jardim Garcia de Orta... E o cheirinho destas plantas?
António: – É! Isto é uma miniatura de outros continentes... Vocês encontram aqui
plantas de locais exóticos: Brasil, S. Tomé e Príncipe, Goa ... Na sua maioria são
plantas medicinais. Vocês sabem quem era Garcia de Orta?
João: – Eu não sei.
Ana: – Nem eu... Não faço a mínima ideia.
António: – Era um médico do séc. XVI.... que estudou e que desenvolveu as
propriedades curativas das plantas. Viveu muitos anos em Goa. Foi lá que contactou
com especialistas árabes e hindus... E tinha um jardim onde criava plantas raras...
Ana: – Daí este jardim tão giro! Tem uns recantozinhos tão acolhedores... É o que eu
digo: só apetece andar...
António: – Pois é, mas nós temos ainda muita coisa para ver... Por exemplo, temos
de ir ver o Oceanário. Acho que vocês vão gostar... É um aquário gigante. Há um
silêncio extraordinário lá dentro e, ao mesmo tempo, vemos os movimentos tranquilos
dos peixes que passeiam na nossa frente... Até parece que estamos mesmo dentro do
mar...
Ana: – Ai é?! Também quero ir ver... com certeza...
João: – Olha a novidade! Não sabes dizer mais nada? Tu queres sempre ver tudo...
António: - Reparem! Como estamos aqui, podemos apanhar o teleférico para lá. A
entrada é aqui ao lado e a saída fica na outra ponta, mesmo junto do Oceanário.
Ana: – Que excelente ideia António! De facto a entrada é ali mesmo...
João: – Óptimo! Fazemos o percurso pelo ar... e ficamos com uma ideia do conjunto
deste Parque tão giro...
Hoje foi o dia de descobrir a área mais moderna da cidade de Lisboa: o Parque
das Nações. Na companhia do António, a Ana e o João passearam por todo o Parque
4
e, naturalmente, não só manifestaram as suas opiniões e o seu agrado sobre o que
viram como também ouviram descrições sobre as transformações ocorridas naquele
espaço. É em volta das construções linguísticas usadas para exprimir opinião e
entusiasmo e para descrever comparativamente o passado e presente que vamos
reflectir hoje. Abordaremos ainda o verbo “haver” como auxiliar.
1. EXPRESSAR OPINIÃO
A Ana e o João estão bastante entusiasmados; não conseguem parar de
pensar sobre o que viram e exprimem-no de várias maneiras. Vamos analisar a forma
como manifestam a sua opinião e as estruturas que utilizam:
Ana: – Gostei tanto da arquitectura da Gare do Oriente... Parecem palmeiras estilizadas! Já repararam?
****
João: – Eu também gostei muito do Centro Comercial... Quando entramos até parece que estamos dentro de um barco...
****
António: – Pois é. Agora é tudo muito bonito... mas vocês haviam de ver isto antes... A mim, no princípio, fazia-me confusão... Era completamente diferente; mas agora acho que ficou muito giro.
António: – Pois é, mas nós temos ainda muita coisa para ver... Por exemplo, temos de ir ver o Oceanário. Acho que vocês vão gostar... É um aquário gigante. Há um silêncio extraordinário lá dentro e, ao mesmo tempo, vemos os movimentos tranquilos dos peixes que passeiam na nossa frente... Até parece que estamos mesmo dentro do mar...
Nestes excertos do diálogo encontramos várias construções que se repetem e
que expressam opinião. De facto, recorre-se repetidamente a verbos como “achar” e
“parecer” integrados, ou não, em estruturas mais complexas. Podemos sistematizá-
5
los nos quadros que se seguem: - verbo achar tem aqui o significado de ‘ter
impressão’, ‘ter opinião subjectiva’, ‘pensar’, ‘considerar’. Nestes exemplos, forma
frases complexas: uma frase superior (ou subordinante) constituída pela própria forma
verbal ‘acho’ e outra que lhe é subordinada, ou seja, que é seleccionada por ela.
As frases subordinantes são completivas (ou integrantes), isto é, são frases
que têm uma função de complemento da frase superior, introduzidas pelo
complementador Que, como as que aqui estão representadas: [que ficou giro]; [que
vocês vão gostar].
Nestes exemplos a selecção da frase subordinante é feita pelo verbo. Trata-se
de uma completiva verbal:
No entanto, é igualmente possível construir frases, que podem ser simples ou
complexas, com Achar + Adjectivo, como por ex.: ‘Acho giro’; ‘Acho óptimo’; etc.,
ou com advérbio: ‘Achar bem’, ‘Achar mal’:
ACHAR
Acho [ que ficou giro ] Acho [ que vocês vão gostar ]
COMPLETIVA VERBAL
Achar [ que...]
COMPLETIVA ADJECTIVAL
COMPLETIVA ADVERBIAL
Achar [ giro...] Achar [ óptimo...]
Achar [bem...] Achar [mal..]
6
Estas frases podem seleccionar frases completivas adjectivais e adverbiais não
finitas (com verbos no infinitivo). Será, por exemplo, o caso de:
COMPLETIVA ADJECTIVAL
Achar + adjectivo [ ... ]
Acho giro fazermos este passeio.
COMPLETIVA ADVERBIAL
Achar + advérbio [ ... ]
Acho bem irmos para o Oceanário.
Quanto ao verbo ‘parecer’, recordemos os exemplos retirados do diálogo:
Parecem palmeiras Parecem mesmo palmeiras Parece [ que nunca mais acaba ] Parece [ que estamos dentro de um barco ] Parece mesmo [ que estamos dentro do mar ]
É de notar os significados diferentes do verbo ‘parecer’ e consequente
diversidade do seu comportamento estrutural. Aqui limitamo-nos essencialmente aos
dois tipos de ocorrências no texto: “parecem palmeiras” e “parecem mesmo
palmeiras”.
7
´Parecem palmeiras’ – está aqui implícita uma comparação de formas: os
arcos ogivais são semelhantes a palmeiras. Nesta construção o verbo é flexionado
normalmente.
Mas os exemplos do diálogo também nos mostram que este verbo se pode
referir a algo que é aparente. Assim, nas frases “parece que nunca mais acaba” e
“parece que estamos dentro de um barco” o verbo tem um significado perceptivo,
comunica-nos uma impressão ou uma sensação. Apresenta-se flexionado unicamente
na 3ª pessoa do singular e selecciona frases completivas finitas como objecto
(complemento) directo, usando o complementador Que, tal como acontece com o
verbo anterior ‘achar’:
Parecer = ser semelhante a; ser parecido com; ter o aspecto de;
Parecem palmeiras Parecem mesmo palmeiras
Parecer (3ª pessoa do sing.) + [que] = dar a impressão; dar a sensação
Parece [ que nunca mais acaba ] Parece [ que estamos dentro de um barco ]
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2. DESCRIÇÃO (PASSADO VS PRESENTE)
O António explicou aos seus amigos a mudança que se verificou naquele
espaço. Para isso teve de fazer uma comparação entre o passado e o presente, ou
seja, como era antigamente aquela área por oposição ao que é actualmente. Vamos
rever o que ele disse:
António: – Pois é. Agora é tudo muito bonito... mas vocês haviam de ver
isto antes... A mim, no princípio fazia-me confusão... Era completamente
diferente; mas agora acho que ficou muito giro.
Vocês sabiam que toda esta parte nova da cidade, antes da Expo, era uma
zona muito degradada? Havia aqui muita poluição... muita desorganização...
era uma zona portuária. Não era nada agradável para passear...
António: – ... e também havia pequenas indústrias, mas era tudo muito
desordenado! Havia uma refinaria, havia depósitos vários ... desde
produtos petrolíferos a aterros sanitários... Havia um pouco de tudo mas sem
nenhuma preocupação com o ambiente! ... Era uma lixeira!
António: – Pois é! Agora não parece possível... mas antes era uma zona
muito desagradável...
Reconhecemos nestes excertos a predominância de verbos conjugados no
Pretérito Imperfeito. O Pretérito Imperfeito do Indicativo é um tempo gramatical com
informação de passado, mas num espaço não delimitado, ao contrário do que
acontece com o Pretérito Perfeito do Indicativo, como vimos no programa anterior.
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Podemos observar a relação entre os advérbios de tempo utilizados com o
tempo presente e com o Imperfeito: “agora” está directamente ligado ao tempo
presente. “Antes” refere-se a um tempo alargado no passado.
3. VERBO HAVER COMO AUXILIAR
Podemos constatar ainda que o verbo haver se repete no seu uso impessoal
com o significado de “existir”, como já vimos em um programa anterior.
António :– ... e também havia pequenas indústrias... havia uma refinaria ... havia depósitos vários ... havia um pouco de tudo
Enquanto impessoal, este verbo é conjugado em todos os tempos gramaticais
mas apenas na 3ª pessoa do singular:
Há, havia, houve, haja, houvesse (e tempos compostos tem havido, etc..)
No entanto, aparece no diálogo uma forma diferente:
TEMPO PRESENTE
TEMPO PASSADO
Agora é tudo muito bonito Agora não parece possível
Antes da Expo era uma zona muito degradada , não era nada agradável, havia muita poluição Antes era uma zona muito desagradável
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António: – (Pois é. Agora é tudo muito bonito... ) mas vocês haviam de ver isto antes...
O António usa aqui uma outra construção com ‘haver’ enquanto verbo auxiliar:
Haver de + Verbo no infinitivo. Neste caso, “haver” é flexionado em todas as
pessoas verbais. “haviam de ver” é equivalente a “tinham de ver” ou “deviam ter visto”.
Tal como os nossos amigos, vamos agora fazer uma visita orientada pelo
Parque das Nações... Eu despeço-me, até ao próximo programa!
A Expo 98 foi, de facto, uma oportunidade para criar um novo e moderno
conceito de espaço urbano. A partir de uma área desordenada e poluída foi possível
criar espaços requalificados, recuperando o ambiente e a paisagem e fazendo um
planeamento urbano de acordo com as necessidades de uma cidade ideal. Surgiram
assim áreas residenciais, equipamentos e serviços, com infra-estruturas urbanas
ambientalmente integradas, que contribuíram de forma decisiva para a modernização
e internacionalização de Lisboa.
As principais zonas habitacionais situam-se junto à Marina e ao Parque Tejo e
proporcionam de forma harmónica uma interligação com o rio e com os abundantes
espaços verdes. De facto, um terço dos 340 ha foi reservado a espaços verdes, que
vão ao encontro das necessidades dos residentes e profissionais da zona.
Estes têm escolas, espaços de lazer e infra-estruturas desportivas, um hospital
e outros serviços complementares.
As empresas beneficiam de um espaço urbano com as mais recentes
tecnologias. Tanto as zonas residenciais como o Centro de Negócios são
complementados por grande variedade de serviços, restauração e comércio
oferecidos, em parte, pela Estação do Oriente e pelo Centro Vasco da Gama.
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Pela sua grandiosidade arquitectónica, a Estação do Oriente é uma obra que
se impõe ao olhar de qualquer pessoa. Da autoria do arquitecto espanhol Santiago de
Calatrava, procura harmonizar a cidade com o rio ao mesmo tempo que constitui uma
plataforma multimodal de transportes urbanos, interurbanos e internacionais.
Os Cafés, esplanadas e restaurantes, espalhados um pouco por todo o Parque,
oferecem momentos de descontracção aos muitos visitantes que, especialmente aos
fins de semana, para ali vão passear.
Depois de sair da Estação do Oriente e atravessar o Centro Vasco da Gama
entramos num ampla área pedonal para toda a frente ribeirinha ao longo da qual, para
norte e para sul, se localizam grandes pavilhões, que acolhem as mais diversas
actividades.
Para o lado esquerdo encontramos o Pavilhão Atlântico, de forma oval, que é
um grande recinto multiusos onde se têm realizado espectáculos e competições
desportivas para grandes multidões.
Paralelamente, junto ao rio, os Jardins Garcia de Horta reúnem muitas
espécies vegetais provenientes das regiões percorridas pelos portugueses em
homenagem ao médico e botânico renascentista.
Por fim, a Torre Vasco da Gama, tendo por trás a ponte com o mesmo nome,
evoca a epopeia marítima dos portugueses. Poder-se-ia dizer que estamos perante
uma Torre de Belém do séc. XXI. A sua silhueta simboliza as naus dos
Descobrimentos: em baixo tem a forma de proa, a viga vertical é o mastro, a estrutura
metálica branca toma o aspecto de uma vela ao vento e o miradouro, lá em cima,
assemelha-se muito ao cesto da gávea. Do alto dos seus 140 metros temos acesso a
uma vista panorâmica sobre Lisboa, o rio Tejo e áreas circundantes.
Usando o teleférico, podemos voltar para o lado sul, enquanto ficamos com
uma visão mais geral do Parque. Ao chegarmos, descobrimo-nos junto do Oceanário,
o maior da Europa. Este é a grande atracção para adultos e crianças. No seu interior,
um gigantesco tanque central (com com 35 metros de largo e 7 de profundidade,
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contendo cerca de 7 milhões de litros de água do alto mar) oferece um permanente e
extraordinário bailado aquático, executado por peixes grandes e pequenos, num
cenário de elegante tranquilidade.
Os quatro cantos são ocupados por quatro aquários mais pequenos que
reproduzem os ecossistemas dos quatro oceanos (Atlântico, Antárctico, Pacífico e
Índico).
Muito perto, o Pavilhão do Conhecimento – Centro Ciência Viva apresenta
muitas exposições activas, onde é possível tocar, experimentar e descobrir muitas
áreas científicas e tecnológicas.
Retomando o sentido da Estação do Oriente, não podemos deixar de apreciar
o Pavilhão de Portugal, da autoria do arquitecto Siza Vieira, com um enorme espaço
coberto por uma, aparentemente leve, pala de betão suspensa de dois pórticos e
reforçada por tirantes de aço inox. É, sem dúvida, uma prodigiosa obra de
engenharia.
Um pouco por todo o lado há lugares especiais consagrados à arte urbana
onde é possível ver, tocar, sentir e avaliar diversas propostas artísticas...
PROGRAMA 9
SINTRA
28 Kms a norte de Lisboa, na zona litoral, situa-se a deslumbrante Serra de
Sintra. Ergue-se a cerca de 528 ms de altitude e serpenteia por uma extensão de 10
kms, na direcção noroeste - sudoeste, até atingir o Oceano Atlântico.
No sopé desta serra, abrigada pela sua encosta, aninha-se uma formosa vila,
habitada desde tempos remotos por inúmeros e diferentes povos - a vila de Sintra.
Em Sintra, o Homem e a Natureza, associados no fluir histórico, criaram um
cenário de extrema beleza e raridade, único no mundo. Distintas épocas históricas
deixaram aqui os seus testemunhos bem vivos.
De visita a Sintra, os nossos amigos Ana e João, acompanhados pelo António,
vão empreender uma extraordinária viagem ao passado. Venham daí com eles,
conhecer um pouco de Sintra.
António: – Olhem, ali...no cimo da serra... lá no alto... Aquilo ali é o Castelo dos
Mouros!
João: – Uau! Fabuloso! Que cenário deslumbrante!
Ana: – Parece mesmo que saiu dum conto de fadas! Tem o seu “quê “ de mágico, não
tem? Faz lembrar aquelas lendas medievais... das mouras encantadas !
António: – Ah, mas se achas mágico, espera até chegares lá acima! Quando vires a
vista... a profundidade da serra e o mar, ao fundo ...
Ana: – E o palácio de que nos falaste, António? Aquele que disseste que também
íamos visitar?
1
António: – Qual? O da Pena ou o de Seteais?
Ana: - Aquele que também fica no alto duma colina!
António: – Ah! O Palácio da Pena! Fica num outro cume, ligeiramente mais acima...
mas não consegue ver-se daqui! Já o vamos ver, a caminho de Seteais!
João: – Sabes qual é altitude a que o palácio fica, António?
António: – Claro! Fica a quinhentos metros de altitude!
Ana: – E a distância...? Qual é a distância a que se encontra da vila?
António: – Fica situado a 4 quilómetros e meio daqui, do centro histórico!
Ana: – Olha, então se calhar até podíamos ir a pé... Quanto tempo se leva, mais ou
menos, a chegar lá acima...?
António: – Bem, a pé...sempre a andar...leva-se cerca de meia-hora... talvez um
pouco mais... mas não te esqueças de que o percurso é muito íngreme... convém
parar de vez em quando! É um bocadinho cansativo! E eu hoje, como tínhamos
combinado, também gostava de vos mostrar o Palácio de Seteais e a Quinta da
Regaleira...
Ana: – Tens razão, temos de aproveitar bem o tempo!
António: – Olhem, hoje ficam a conhecer o caminho... depois até podem voltar cá os
dois... apanham o comboio em Entrecampos... são cerca de 45 minutos!
João: – E achas que vale mesmo a pena fazer-se o percurso a pé?
António: – Vale a pena, sem dúvida... Repara... vale a pena pelo contacto com a
natureza! Além disso, vão-se encontrando mansões, fontes...! Enfim, pode conhecer-
se mais de perto a “paisagem cultural de Sintra”!
Ana: – Pois é, Sintra foi classificada pela UNESCO como Património Mundial... E ficou
inscrita sob essa designação, não foi? - “paisagem cultural de Sintra”!
António: – Foi, foi... e hoje ao fim do dia vão perceber bem porquê! Quando
estivermos lá em cima, vão reparar na encosta da serra: avistam-se imensos edifícios
antigos, no meio do arvoredo...
João: - Mas o quê? Palacetes ?...
2
António - Palacetes, igrejas, quintas aristocráticas... das mais diversas épocas
históricas...
Ana: – É, de facto, surpreendente!
João: - Há aqui uma mistura única de sítios culturais e naturais!
Ana :– Bem dizia o meu pai que não há outro lugar em Portugal como Sintra!
João: – Bom... Está a fazer-se tarde! Não é melhor começarmos a visita? O que é que
vamos ver primeiro?
Ana: – Talvez seja melhor começarmos aqui pelo centro histórico, não?
António: – Sim, vamos passear um pouco aqui pela “Vila Velha” – desenvolveu-se na
Idade Média! Vão poder ver muitas ruas estreitas... construídas em declives... com
escadinhas, becos...
João: - Marcas da presença muçulmana, não?
António: – Parece que sim! Afinal, os árabes estiveram aqui mais de quatro séculos!
Ana : – E o Castelo dos Mouros? O Castelo dos Mouros foi construído pelos árabes,
António?
António: - Pelo menos, foi dominado por eles até... Olha, foi até que Lisboa passou
para as mãos dos cristãos...em meados do século XII... mas dessa fortaleza pouco
resta – parece que o castelo foi quase totalmente reconstruído no século XIX, por D.
FernandoII!
Ana : – D. Fernando II? D. Fernando II construiu o Palácio da Pena! Estive a ler sobre
isso ontem!
João : – Ah! O Palácio da Pena foi construído por D. Fernando II. Não sabia! Quando
estou convosco aprendo sempre imenso! Esse palácio tem muitas cúpulas, muitos
minaretes, não tem? Faz lembrar a arquitectura islâmica!
Ana :– Ah, mas isso é porque é uma construção romântica, João! Tem uma mistura
muito grande de estilos... também tem um torreão, a lembrar a Idade Média!
António : – É uma construção exuberante... tem muitas assimetrias, reentrâncias e
desníveis... olha, é mesmo o oposto do Palácio de Seteais!
3
Ana: – Seteais e a Pena foram construídos em épocas diferentes, não foi?
António: – Pois foi! Olha, de facto, aqui em Sintra, construiram-se muitos palácios no
século XIX, mas Seteais foi construído no período Pombalino! Tem um traçado
simétrico, muito equilibrado... muito elegante! E tem um arco do triunfo donde pode
ver-se o Palácio da Pena – até parece mesmo que está emoldurado!
Ana : – Já percebo porque é que homens como Lord Byron, Christien Andresen ou
mesmo Richard Strauss ficaram tão impressionados com Sintra!
João : – Ou Eça de Queirós!
António: – Olha, daqui a pouco vamos passar pelo Lawrence’s ...aquele hotel que
está sempre a ser referido na obra dele!
Ana : - Bem... Vamos andando?
António : – Vamos lá!
Hoje, a Ana, o João e o António foram passear a Sintra. Ao conversarem, vão
referindo situações relacionadas com o que observam. Neste programa, vamos
aprender a referir situações através de conjugações verbais diferentes,
tradicionalmente designadas “voz activa” e “voz passiva”. Vamos, assim, aprender a
construir frases activas e frases passivas.
1. CONSTRUÇÕES ACTIVAS E CONSTRUÇÕES PASSIVAS
Se estiveram atentos à conversa dos nossos amigos, viram que a Ana e o João
se referem, por exemplo, à construção do Palácio da Pena por D. Fernando II através
de construções frásicas diferentes, em que o verbo aparece numa conjugação
diferente, embora tais frases transmitam, no essencial, a mesma ideia. Ouçamos
novamente a Ana e o João!
4
Ana: - D. Fernando II construiu o Palácio da Pena.
João: – Então o Palácio da Pena foi construído por D. Fernando II!
As frases proferidas pela Ana e pelo João mostram-nos que a acção expressa
pelo verbo pode ser perspectivada de uma forma activa ou de uma forma passiva.
A frase “D. Fernando II construiu o Palácio da Pena”, proferida pela Ana - frase
(1) - está na forma activa .
A frase proferida pelo João, “O Palácio da Pena foi construído por D. Fernando
II - frase (2) - está na forma passiva.
Construções Activas vs Construções Passivas
(1) D. Fernando II construiu o Palácio da Pena (ACTIVA)
(2) O Palácio da Pena foi construído por D. Fernando II (PASSIVA)
Em termos discursivos, a utilização da forma activa ou da passiva resulta de
uma escolha do locutor, da perspectiva em que este quer apresentar a situação.
Constatamos que em (1) o locutor opta por apresentar a situação na perspectiva do
agente - D. Fernando II. O agente é a entidade que controla uma dada situação.
D. Fernando II é o agente pois é ele quem intencionalmente constrói – quem manda
construir, bem entendido - o Palácio da Pena.
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Já em (2) o locutor decide perspectivar a acção do ponto de vista do paciente -
o Palácio da Pena. O paciente é tradicionalmente visto como a entidade que sofre o
processo significado pelo verbo. O Palácio da Pena é o paciente pois sofre aqui o
processo de construção.
1.1. CONSTRUÇÕES ACTIVAS
A fim de compreendermos as transformações que ocorrem da forma activa
para a passiva, comecemos por analisar uma construção activa:
CONSTRUÇÃO ACTIVA:
D. Fernando II construiu o Palácio da Pena.
SUJEITO COMPLEMENTO DIRECTO
Nesta frase activa temos, naturalmente, um elemento que desempenha a
relação gramatical de sujeito. O sujeito é a entidade acerca da qual se faz uma
afirmação e, neste caso, permite responder à pergunta “quem?”. “Quem construíu o
Palácio da Pena?” - “D.Fernando II”; portanto, “D. Fernando II” é o sujeito
gramatical da frase. “O que é que construiu D. Fernando II?” – “o Palácio da Pena”!
Então, “o Palácio da Pena” é o complemento directo (ou objecto directo). O verbo
“construir” é um verbo transitivo directo, pois, como vemos, selecciona um
complemento directo, que ocorre à sua direita.
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Vamos agora aprender a transformar esta frase, conferindo-lhe um sentido
passivo. Vejamos a mesma situação (a construção do palácio por D. FernandoII)
referida pelo João:
1.2. TRANFORMAÇÕES ACTIVA/PASSIVA
ACTIVA: D. Fernando II construiu o Palácio da Pena.
(SUJEITO) (COMPLEMENTO DIRECTO)
PASSIVA: O Palácio da Pena foi construído por D. Fernando II.
(SUJEITO) (COMPLEMENTO AGENTE DA PASSIVA)
“O Palácio da Pena”, o complemento directo da construção activa (1), torna-se
o sujeito da construção passiva (2).
“D. Fernando II”, o sujeito da construção activa (1), vai cumprir a função de
complemento agente da passiva na frase (2), precedido da preposição “por” (mais
raramente, pode também ser precedido de “de”).
Centremos agora a nossa atenção na forma verbal da voz passiva (2): vemos
que “construiu” deu lugar a “foi construído” .
construiu foi construído
(pret. perfeito) (pret. perfeito + part. passado)
7
O exemplo mostra que a forma verbal da passiva é formada pelo verbo auxiliar
“ser”, no mesmo tempo do verbo principal da voz activa, seguido do particípio passado
do verbo principal da activa. Como na voz activa o verbo “construir” está no
pretérito perfeito (“construiu”) vai dar lugar na voz passiva a uma forma verbal
composta, em que o verbo “ser” também aparece no pretérito perfeito (“foi”),
seguido do particípio passado de “construir”(“construído).
Relativamente à forma verbal da voz passiva, há alguns aspectos que
gostaríamos ainda de sublinhar:
- devemos ter em conta que a forma verbal tem de concordar em número com
o sujeito, isto é, deve seguir a regra normal de concordância sujeito-verbo; vejamos a
frase do texto:
“Esses dois palácios foram construídos em diferentes épocas”
O sujeito (“esses dois palácios”) está no plural; logo a forma verbal também
tem de estar, naturalmente, no plural (“foram construídos”);
- no caso de verbos com particípios duplos, é o particípio irregular (a forma
forte) que em geral ocorre nas construções passivas; reparem nas frases que
passamos a apresentar:
“O menino foi salvo pelo bombeiro.”
“A carta foi entregue pelo carteiro.”
8
“O menino foi salvo pelo bombeiro” – nunca “foi salvado”! “A carta foi
entregue pelo carteiro” – nunca foi entregada!
É muito importante realçar que a transformação da voz activa para a voz
passiva só pode ocorrer quando existe nela um complemento directo, isto é, quando
o verbo principal da frase activa é um verbo transitivo directo ou transitivo directo e
indirecto (verbos que seleccionam complemento directo e indirecto).
1.3. PASSIVAS DE -SE
Em português, também é possível construir frases passivas com o clítico –se,
que passamos a apresentar abreviadamente. Na tradição gramatical, estas passivas
recebem o nome de “passivas reflexas” ou “passivas pronominais”. Estejam atentos
ao exemplo, por favor!
António: - De facto, aqui em Sintra, construiram-se muitos palácios no séc XIX!
As passivas de –se são passivas em que o verbo é acompanhado de um
elemento clítico –se (se estão recordados, falámos destes elementos no programa 7).
Vejamos alguns aspectos da sua estrutura:
PASSIVA DE -SE:
Construiram-se muitos palácios (...)
SUJEITO
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O sujeito da frase é “muitos palácios” – como o sujeito é plural, o verbo
também tem de estar no plural!
O clítico “-se” passivo representa a função de agente (o agente é sempre
indeterminado nestas passivas – quem construiu estes palácios? Não se determina! O
agente não é determinado!)
Vimos hoje algumas características de alguns tipos de passiva. Agora convido-
vos a conhecerem um pouco mais da vila visitada pelos nossos amigos! Por mim, até
ao próximo programa!
A surpreendente paisagem natural do concelho de Sintra é constituída por três
grandes zonas, de características distintas: a faixa costeira, a zona agrícola e a serra
de Sintra.
De desenho extremamente recortado, a faixa costeira apresenta altas escarpas
e acentuadas falésias. Estas projectam-se no Atlântico até ao Cabo da Roca, o ponto
mais ocidental da Europa Continental, onde, segundo Camões, “a terra se acaba e o
mar começa”.
A norte do Cabo da Roca, em frente das arribas rochosas surgem línguas de
fina areia, formando maravilhosas baías e praias, muito procuradas no Verão.
A Praia das Maçãs, a Praia Grande e as Azenhas do Mar são alguns exemplos
destas praias.
Os mares que banham a costa de Sintra são bastante favoráveis à prática de
desportos náuticos como o surf ou o bodyboard.
Três-quartos da superfície do concelho são ocupados pela faixa agrícola – no
suave relevo dos férteis terrenos agrícolas, desenvolveram-se pequenas aldeias e
vilas: Colares, Almoçageme, Mucifal, entre outras povoações, emprestam um
pitoresco muito próprio à região.
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Outrora designada “Monte da Lua” devido à forte tradição de cultos astrais aí
registada, a Serra de Sintra é um local encantador, pleno de atracção e de magia.
Nela destacam-se dois tipos de paisagem: o Grande Jardim - denso manto de
frondoso e verdejante arvoredo - e a Serra Brava - área de matas e de clareiras de
pequenos arbustos.
Sintra usufrui de um micro-clima único, no país e na região mediterrânica. É
muito apreciada pelas suas condições climáticas particulares, que se traduzem em
verões frescos e aprazíveis e invernos solarengos e doces. As brumas matinais
envolvem muitas vezes o cume da serra, conferindo a todo o cenário um maior
mistério e encantamento. Este micro-clima é sem dúvida responsável pela exuberante
vegetação que cobre as encostas da serra.
Ao longo dos tempos, a corte e a nobreza foram procurando Sintra como local
de descanso e de lazer. Num enquadramento natural grandioso e soberbo, foram
construindo, na vila e na vertente norte da serrania, os seus majestosos palacetes e
quintas, de estilos artísticos marcados.
Hoje, Sintra é um local de extraordinário interesse natural e cultural, tendo sido
classificada pela Unesco em 1992 como “paisagem cultural de Sintra”.
Em Sintra, são visíveis marcas das diversas etapas da história do homem e do
próprio planeta.
É o caso da imponente pista de Dinossauros de Carenque, com cerca de 100
milhões de anos.
Da pré-história, chegou até nós um interessante conjunto de Toloi e de Antas.
Em S. Miguel de Odrinhas, reúne-se o espólio arqueológico relativo à ocupação
romana.
O Castelo dos Mouros, edificado num dos cumes rochosos da serra,
provavelmente no século VIII, é um testemunho da presença muçulmana. As suas
muralhas sinuosas, de cintura dupla, em que se erguem cinco torreões, acompanham
o acidentado do relevo. Em 1147, com a conquista de Lisboa e de Santarém por D.
11
12
Afonso Henriques, o castelo passa definitivamente para as mãos dos cristãos. Ao
longo dos séculos, por ocasiões diversas sofreu intervenções e obras de reedificação.
Localizado na Vila Velha, no centro histórico de Sintra, O Paço Real é um
notável conjunto arquitectónico. Foi mandado construir no século XV por D. JoãoI, a
partir de um corpo central aí existente. Obedecendo às irregularidades do terreno,
foram sendo acrescentadas outras partes ao longo de diversos períodos históricos,
sendo de destacar a intervenção de D. Manuel I. No edifício, elevam-se duas enormes
chaminés cónicas, verdadeiro ex-libris da vila. De todo o conjunto desprende-se uma
imagem de exotismo e de franca assimetria, que não compromete a harmonia geral.
Com o movimento romântico dá-se o apogeu do desenvolvimento de Sintra. A
sensiblidade estética romântica encontra na mítica paisagem sintrense o pano de
fundo perfeito. O Palácio da Pena, mandado erigir por D. Fernando II no sítio onde se
erguia um antigo convento, é o expoente arquitectónico máximo do Romantismo em
Portugal. De cunho revivalista, demonstra o gosto pelo exótico e pelo orientalizante.
Envolvendo o palácio, o rei projectou o Parque da Pena para simular uma
manifestação espontânea e efusiva da natureza. Fontes, lagos, cascatas, falsas
ruínas, miradouros, proliferam entre mais de 2000 espécies de plantas.
A Quinta de Regaleira é uma clara evocação do passado áureo dos
Descobrimentos portugueses. Num estilo predominantemente neo-manuelino,
apresenta elementos góticos e clássicos. A sua profusão decorativa remete para uma
intensa simbologia de carácter esotérico. Nesta quinta foi construído um poço
iniciático, que se crê ter sido usado em rituais de iniciação maçónicos.
Foram inúmeras as figuras históricas que se renderam ao deslumbramento de
Sintra. Lord Byron chamou-lhe “o glorioso Eden”; Hans Christian Andersen aí
vislumbrou a sua querida Dinamarca. As indizíveis maravilhas de Sintra impressionam
de forma marcante todos os que por aí passam.
1
PROGRAMA 10
QUOTIDIANO NA CIDADE
Passear por Lisboa ao sabor do acaso é desvendar um rico universo sensorial.
Cheiros, cores e sons saturam os nossos sentidos, evocando memórias de outros
tempos.
Uma luminosidade ímpar, crua e branca, invade e preenche todos os espaços.
Reflecte-se no rio, que a devolve, ampliada. Há uma graça feminina, doce e
rejuvenescida, nesta cidade milenar. No imaginário poético, Lisboa é sempre retratada
como mulher, como mostra o poema de Eugénio de Andrade:
LISBOA
Alguém diz com lentidão:
«Lisboa, sabes...»
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.
Eu sei. E tu, sabias?
Eugénio de Andrade
A Ana e o João vão hoje andar por Lisboa sem destino certo, com o objectivo
de sentirem o pulsar da cidade...
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Ana: - Ah!... Finalmente, um dia sem programa! Vai saber-me tão bem!
João: - Queres mesmo andar por aí, à toa, ao sabor da inspiração do momento?
Ana: - Claro. É bom andar na rua, no meio das pessoas, ao ritmo delas.
João: - Bom... de facto é uma forma de se conhecer uma cidade mas não sei se estou
disposto a chegar à noite sem conseguir mexer-me...
Ana: - Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o jornal... Isso é lá contigo! Vou
eu sozinha…
João: - Nem penses! Ainda te perdias... e depois lá tinha eu de ir à polícia... ou andar
à tua procura por becos e vielas! Vá, vamos embora!
Ana: - Decidiste-te!... Vais ver que ainda acabamos por descobrir sítios que não vêm
nos roteiros... e que são óptimas surpresas!
João: - Ainda tenho de aprender essa!… Andar ao acaso!...
Ana: - Tanta gente! Que movimento!
João: - Não viste há bocadinho, na televisão, a informação sobre o trânsito? Agora a
cidade está a encher!... Há engarrafamentos por toda a parte: nas pontes, nas vias
rápidas... estações de comboios, metro, autocarros...
Ana: - E , se calhar, nos barcos também, não?
João: - Claro! A maior parte das pessoas que trabalha aqui na cidade, mora do outro
lado do rio, na periferia. Por isso, a cidade é como um balão: enche-se de manhã e
esvazia-se à noite.
Ana: - Essa imagem de encher e esvaziar é engraçada!
João: - E real. É mesmo isso que acontece nas grandes cidades... Lisboa não podia
ser excepção! E nós, como é que vamos andar por aí?
Ana: - Olha... para já, a pé! Quando estivermos cansados logo se vê.
João: - Podíamos arranjar uma bicicleta...
Ana: - Se Lisboa fosse uma cidade plana, contavas comigo. Assim, com tantas
colinas, sempre a subir e a descer... é um bocadinho complicado!
João: - Não é tanto assim. Naquele passeio junto ao rio é bem plana....
3
Ana: - Pois sim... mas por lá já nós andámos.... Agora temos outros cantos para
descobrir....
João: - Bom! Então eu proponho que comecemos com o célebre cafezinho. Ninguém
funciona sem uma bica, mesmo que tenha acabado de tomar um bom pequeno-
almoço...
Ana: - Deixa lá ver as horas... Estamos bem. O.K., aceito.
João: - Já sabia que aceitavas, ainda para mais se o cafezinho for acompanhado com
um bolo.
Ana: - Ai um bolinho, então vamos lá!
João: - Sabem tão bem a esta hora do dia, acabadinhos de fazer, não é?
João: - Duas bicas, se faz favor.
Ana: - ... e, já agora, um pastelinho de nata também, se faz favor
João: - Olhe, dois…
Ana: - Acho que me vai saber muito bem. E hoje sou eu que pago. Quanto é?
Empregado: - Cinco e dez. Muito obrigado.
Ana: - Obrigadinha.
João: - Então, obrigado, Ana! Obrigadinho!
Ana: - De nada. Não tens de quê. Logo, pagas tu. Não penses que te escapas...
...
Ana: - Então, João? Valeu a pena este dia sem programa?
João: - Nem me digas nada! ... Estou morto de cansaço!
Ana: - Mas valeu a pena, ou não?
João: - Claro que valeu! Há muita coisa de que não me vou esquecer.
Ana: - Acho que andámos em quase todos os meios de transporte...
João: - Para não falar no que andámos a pé...
Ana: - Mas vimos muito da Lisboa antiga e da Lisboa moderna.
João: - E, como tu dizias, este andar à toa, sem destino, levou-nos a locais muito
interessantes.
4
João: - É que não foi só a confusão da Baixa e das avenidas mais movimentadas.
Foram também os cantinhos sossegados das zonas residenciais.
Ana: - Os cheiros das lojinhas de fruta e de flores... o cheiro a maresia, junto ao rio...
Os jardins... E as compras, claro! Fartei-me de comprar coisas... Gostei imenso! Foi
um dia em cheio.
João: - Também gostei muito... de tudo!
Ana: - Se não estivesse tão cansada, ainda gostava de ir às Docas, a um daqueles
barzinhos, ouvir música.
João: - Queres? Confesso que hoje de manhã estava com receio das tuas loucuras
mas agora estou prontíssimo para sair outra vez, se quiseres...
Ana: - Querer, queria. Mas vendo bem, hoje já não dá. É melhor irmos descansar.
João: - Então, fica para outro dia. Mas não te esqueças!
Ana: - Estou cheia de sono. Vou-me deitar.
João: - Eu também vou já.
Ana: - Até amanhã! Boa noite e dorme bem!
Chegámos a mais um programa da série Falamos Português, no qual iremos
abordar aspectos relacionados com as frases condicionais. Faremos, ainda, referência
ao verbo andar e aos diminutivos. Tivemos a oportunidade de acompanhar a Ana e o
João num passeio por Lisboa. Logo no início do diálogo deparamos com uma
intervenção de Ana de que vos quero falar um pouco:
1. Frases Condicionais Factuais ou Reais
Como já viram, a Ana está determinada a andar pelas ruas de Lisboa com, ou
sem, a companhia do João. Recordemos o início deste diálogo:
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João: - Bom... de facto é uma forma de se conhecer uma cidade mas não sei se
estou disposto a chegar à noite sem conseguir mexer-me...
Ana: - Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o jornal... Isso é lá contigo!
Vou eu sozinha…
É sobre esta intervenção da Ana que pretendo reflectir um pouco. Ela diz ao
João que não se importa de ir sozinha, se este preferir ficar no hotel. Estamos perante
uma construção condicional. Estas apresentam uma grande diversidade de estruturas
sintácticas. Na sua realização mais frequente, são formadas por duas orações em que
a oração que exprime a condição é começada por se. Analisemos o excerto seguinte
mais em pormenor:
FRASE CONDICIONAL
“Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o jornal... [Isso é lá contigo!] Vou
eu sozinha…”
oração condicional + oração condicionada
Com efeito, a oração começada por se exprime uma condição e por esse motivo
se designa oração condicional: “Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o
jornal…”. Todavia, neste exemplo concreto a oração seguinte: “Isso é lá contigo!”
não exprime a consequência dessa condição, assume-se, antes, como um comentário
a essa condição. Neste caso, a consequência vai surgir na terceira oração, ou seja, na
oração condicionada: “Vou eu sozinha…”. Posto isto, vamos, agora, ver a relação de
dependência semântica que se estabelece entre a oração condicional e a oração
condicionada:
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FRASES CONDICIONAIS FACTUAIS
”Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o jornal... (…) 1.Vou eu
sozinha…”
2.Irei eu
sozinha…”
3.Fica!”
oração condicional + oração condicionada
Se+presente do indicativo + 1. presente do indicativo
+ 2. futuro do indicativo
+ 3. imperativo
Na oração condicional em análise encontramos o verbo querer conjugado no
presente do indicativo, ao passo que na oração que exprime a consequência, ou
condicionada, encontramos o verbo ir conjugado no presente do indicativo também.
Estas construções condicionais são factuais, porque se presume que o conteúdo das
duas proposições se verifica no mundo real. Geralmente, neste tipo de orações
condicionais factuais ou reais a oração que exprime a condição está no modo
indicativo no tempo presente. A oração condicionada pode estar, também, no modo
indicativo, mas no presente (na frase 1), ou no futuro (na frase 2), ou no modo
imperativo (na frase 3). Falaremos mais sobre as construções condicionais num
próximo programa.
2. Verbo andar
Este programa, que narra um passeio pela cidade de Lisboa sem se referir a um
local específico, contém expressões que permitem mencionar áreas da cidade, não
divulgando o nome das mesmas. Prestem atenção:
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João: - Queres mesmo andar por aí, à toa, ao sabor da inspiração do momento?
Ana: - Claro. É bom andar na rua, no meio das pessoas, ao ritmo delas.
(…)
João: - Nem penses! Ainda te perdias... e depois lá tinha eu de ir à polícia... ou
andar à tua procura por becos e vielas!
(…)
João: - Ainda tenho de aprender essa!… Andar ao acaso!...
(…)
João: - E, como tu dizias, este andar à toa, sem destino, levou-nos a locais muito
interessantes.
Estas intervenções, retiradas do diálogo entre a Ana e o João, constituem
exemplos de generalizações em relação a um local concreto: Lisboa. O João e a Ana
não nomeiam os locais por onde andaram, uma vez que o seu objectivo não era
conhecê-los em si mesmos, mas sim como parte integrante de um todo maior: a
cidade. Já repararam, certamente, num verbo que ocorre com frequência na
sequência que vos mostrei… Exacto, estou a reportar-me ao verbo andar. Este verbo
é usado em expressões como andar à toa, andar ao acaso, por exemplo. Pode,
ainda, usar-se com a preposição por, em expressões como andar por aí ou andar
por Lisboa. Todas estas ocorrências do verbo andar conferem realce ao modo como
a Ana e o João estão a planear o seu passeio a Lisboa, isto é, sem um plano
detalhado. Este verbo implica movimento.
Contudo, há ocorrências deste verbo que merecem uma chamada de atenção,
uma vez que não parecem tão próximas do significado mais óbvio do verbo. Vejamos
as frases seguintes que não são provenientes do diálogo:
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1. O José andou na Universidade Aberta = o José frequentou a Universidade
Aberta
2. O José andou com a Maria = o José namorou com a Maria
Na frase 1, andar em equivale a frequentar; na frase 2, andar com
corresponde a namorar com.
3. Diminutivos
João: - Bom! Então eu proponho que comecemos com o célebre cafezinho. Ninguém
funciona sem uma bica, mesmo que tenha acabado de tomar um bom pequeno-
almoço...
Ana: - Deixa lá ver as horas... Estamos bem. O.K., aceito.
João: - Já sabia que aceitavas, ainda para mais se o cafezinho for acompanhado
com um bolo.
Ana: - Ai um bolinho, então vamos lá!
João: - Sabem tão bem a esta hora do dia, acabadinhos de fazer, não é?
João: - Duas bicas, se faz favor.
Ana: - ... e, já agora, um pastelinho de nata também, se faz favor
João: - Olhe, dois…
Ana: - Acho que me vai saber muito bem. E hoje sou eu que pago. Quanto é?
Empregado: - Cinco e dez. Muito obrigado.
Ana: - Obrigadinha.
João: - Então, obrigado, Ana! Obrigadinho!
Nesta sequência, a Ana e o João recorrem com frequência a várias palavras
que terminam da mesma forma: em –inho. Esta partícula constitui um sufixo e permite
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a formação de novas palavras. Este fenómeno designa-se derivação por sufixação.
Por outras palavras, a derivação por sufixação ocorre quando se juntam sufixos às
palavras primitivas:
DERIVAÇÃO POR SUFIXAÇÃO COM –INHO
1. café+inho = cafezinho
2. bolo+inho = bolinho
3. pastel+inho = pastelinho
4. acabado+ inho+s = acabadinhos
5. obrigado+inho = obrigadinho
Os diminutivos dos substantivos acentuados perdem o respectivo acento gráfico
na formação do diminutivo. Por isso, café faz cafezinho. Os três primeiros exemplos
são casos de processos de derivação de nomes. Os últimos dois constituem casos de
processos de derivação de particípios passados. Por um lado, o particípio passado
também se chama adjectivo verbal, exactamente porque assume frequentemente a
função de qualificador, de modificador de um nome: na frase os bolinhos
acabadinhos de fazer, o vocábulo acabadinhos deixa implícito a qualidade de os
bolinhos serem muito recentes. Por outro lado, o sufixo –inho, um sufixo que veicula o
significado de pequenez, de diminuição, é muitas vezes usado, paradoxalmente, para
intensificar o sentido da palavra ou frase. É o caso da fórmula de agradecimento
obrigadinho. É de salientar o valor afectivo dos sufixos diminutivos (como - inho),
Antes de terminar, gostaria ainda de fazer referência à seguinte expressão:
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“Nem penses! Ainda te perdias... e depois lá tinha eu de ir à polícia... ou andar à tua
procura por becos e vielas!”
O João, ao usar esta expressão, “por becos e vielas” não quer dizer que vai à
procura da Ana em becos e em ruas estreitas. Ele está a querer dizer que não
pretende andar a vasculhar toda a cidade, incluindo as zonas mais recônditas, à
procura da prima.
E chegámos ao fim de mais um programa. Obrigado pela vossa atenção.
Fiquem agora com uns breves apontamentos sobre o quotidiano da cidade de Lisboa.
Mesmo na azáfama do dia-a-dia, a beleza de Lisboa impõe-se, pura e
transparente.
O quotidiano nesta cidade é semelhante ao de tantas outras capitais europeias.
Por volta das sete horas da manhã, ou talvez um pouco antes, começam a acordar as
enormes cidades-dormitório que se foram agigantando, a poucos quilómetros, na
periferia. Para muitos, tem início mais um dia de oito horas de trabalho. Há que chegar
às nove horas, sem atrasos, ao emprego.
Entre as oito e as dez horas da manhã é hora de ponta. O frenesi toma conta
de todos os locais: filas intermináveis de carros prolongam-se pelas principais vias de
acesso à cidade, desembocando nas suas principais avenidas e praças. O tabuleiro da
Ponte 25 de Abril fica coberto de automóveis; aqueles que, vindo também da margem
sul, preferem viajar despreocupadamente, utilizam o comboio da ponte ou fazem a
travessia do Tejo de barco. Os tradicionais cacilheiros cumprem a sua intemporal
romaria, com destino ao Terreiro do Paço, e conferem uma nota colorida ao rio. Os
catamarans ganham-lhe em modernidade, mas não em pitoresco.
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Nos comboios da linha de Sintra e de Cascais chegam magotes de gente, de
todas as idades, profissões e etnias que, apressadamente, se entranham e
disseminam na cidade.
Os mercados animam-se de vida... desprende-se o cheiro da fruta madura e
paira no ar... tons diversos, da terra e do pomar, abrem o apetite ao comprador...
Floristas, com as suas bancadas ou cestas de flores, enfeitam
inadvertidamente as praças ou recantos de ruas com matizes vários...
Lisboa é uma cidade alegre, com boas condições para viagens de trabalho e
de lazer. Conta hoje com um conjunto de infra-estruturas e equipamentos de
excelência para a realização de eventos profissionais, como congressos e encontros,
de que são exemplo a FIL, no Parque da Nações, e o Centro de Congressos de
Lisboa.
A partir de cerca das seis da tarde, a agitação das ruas vai sossegando, o
bulício encaminha-se novamente para os bairros periféricos... terminou mais um dia na
cidade... o sol, incandescente, esconde-se no rio...
O tempo passa por Lisboa mas ela, na sua história ancestral, será sempre
“menina e moça”:
Lisboa, menina e moça
No castelo, ponho um cotovelo
Em Alfama, descanso o olhar
E assim desfaz-se o novelo
De azul e mar
À ribeira encosto a cabeça
A almofada, na cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo
Lisboa menina e moça, menina
Da luz que meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura
Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida
No terreiro eu passo por ti
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Mas da graça eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha, sorri
És mulher da rua
E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que soube inventar
Aguardente de vida e medronho
Que me faz cantar
Letra: Ary dos Santos e Joaquim Pessoa Música: Fernado Tordo e Paulo de Carvalho
Canta: Carlos do Carmo
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PROGRAMA 11
GASTRONOMIA PORTUGUESA
A riqueza e variedade da gastronomia portuguesa têm sido referidas em alguns
textos dos mais conhecidos escritores portugueses, como é o caso de Eça de Queirós.
Em qualquer das suas obras, as referências gastronómicas são inúmeras, chegando a
atingir refeições completas. As alusões gastronómicas associam-se quase sempre à
caracterização das personagens, ao seu carácter e à sua condição social e contribuem
indubitavelmente para o retrato da sociedade da época.
Ouçamos um pequeno excerto de uma das obras de Eça de Queirós, Os
Maias.
“– Vilaça, Vilaça — advertiu o abade, de garfo no ar e um sorriso de
santa malícia — não se deve falar em latim aqui ao nosso pobre
amigo... Não admite, acha que é antigo... Ele, antigo é...
– Ora sirva-se desse fricassé, ande, abade — disse Afonso — que eu
sei que é o seu fraco, e deixe lá o latim...
O abade obedeceu com deleite; e escolhendo no molho rico os bons
pedaços de ave, ia murmurando:
– Deve-se começar pelo latinzinho, deve-se começar por lá... É a base; é
a basezinha!“
******
2
As especialidades típicas das várias regiões são feitas a partir de produtos locais e de
saberes ancestrais. Utilizam-se muito as especiarias trazidas pelos navegadores
portugueses na época dos Descobrimentos: a pimenta, a canela, o caril e o gengibre,
entre outras. Os portugueses trouxeram também para a Europa o arroz e o chá do
Oriente, o café e os amendoins de África, o ananás, o tomate e a batata da América.
É um pouco deste mundo que o António quer mostrar à Ana e ao João. Empregado: – Boa noite
Todos:– Boa noite.
António: – Queríamos uma mesa para três pessoas.
Empregado: – Com certeza. Os senhores querem esta aqui ou aquela ali?
António: – Pode ser aquela ali.
Ana: – Que bonita cervejaria!
João: – Reparem nos azulejos. Que interessantes que são.
António: – Sabem que esta cervejaria ocupa as antigas instalações do Convento dos
Frades Trinos?
João: – Não, não sabia.
Ana: – Eu também não.
António: – O convento foi destruído pelo terramoto de 1755. Mais tarde, em meados
do século XIX, inauguraram aqui a fábrica da cervejaria. Parece que usavam as
receitas monásticas no fabrico da cerveja.
Empregado: – Desculpem, os senhores, já escolheram?
António: – Ainda não. Só um momento, por favor. Já têm alguma ideia do que vão
pedir?
Ana: – Não, eu ainda não.
João: – António, precisamos da tua ajuda. O que é que nos sugeres?
3
António: – Bom, a escolha não é nada fácil ... Estes pratos são todos óptimos!
Querem peixe ou carne?
Ana: – Eu preferia peixe...
António: – Para mim, tanto faz.
Ana: – O que são os pratos do dia?
António: – São pratos que estão quase prontos. Por isso, são mais rápidos. Se
estiverem com muita fome e não quiserem esperar muito tempo...
Ana: – Então, eu talvez queira um prato do dia. Estou cheia de fome.
António: – E se começássemos a comer as entradas?
Ana: – António, o que é isto?
António: – São croquetes de carne. Prova, que são bons.
António: – Ana, disseste que querias peixe, não foi?
Ana: – Sim, sim.
António : – No peixe, temos: bacalhau à Brás, linguado grelhado, arroz de tamboril
com camarão....
Ana : – O que é isso?
António: – Arroz de tamboril?
Ana: – Sim.
António: – É um prato de arroz com uma variedade de peixe, o tamboril. É um peixe
muito saboroso. Este prato tem também camarão. É mesmo muito bom . E aqui
fazem-no bem.
António: – Nas carnes, temos bife à portuguesa, arroz de pato, espetada de novilho e
iscas com...
Ana: – Iscas?!
João: – Sim, iscas. O teu prato preferido, Ana. Não foste tu que disseste que
gostavas muito de bifinhos de fígado?
Ana: – Eu?! Nunca poderia ter dito tal coisa! Nunca provei! Aliás, não me parece que
goste mesmo nada disso.
4
António: –Mas olha que é bom! Iscas com elas…
Ana: – Com elas?!
António: – Sim, com batatas, claro!
Ana: – Nem com batatas, nem sem batatas! Não quero iscas, obrigada.
António: – E nas sobremesas, há leite creme, pudim flan, o famoso arroz doce,
salada de fruta e ...
Ana: – Chega, chega, António. Já estou a ficar com água na boca.
António: – Muito bem, Ana. Já conheces expressões bem portuguesas.
João: – Mas o que é que vamos então pedir?
António: - Bom, eu não sei se estão de acordo mas talvez sugerisse uma dose de
arroz de tamboril para os três. O que acham?
Ana: – Acho óptimo.
João: – Também concordo.
António: – Para começar, podíamos pedir umas sopas. Há caldo verde e creme de
marisco.
Ana: – Para mim, um caldo verde. Gosto muito de caldo verde.
António: – E tu, João? Que sopa queres?
João: – Para mim, sopa, não. Obrigado.
António: – Não?!
João: – Sopa, é coisa que eu não aprecio lá muito.
António: – Então porque não pedes uma entrada? Eu sugeria-te talvez uma saladinha
de polvo.Já alguma vez provaste?
João: – Não, ainda não. Talvez peça então uma saladinha de polvo. É isso mesmo
que vou pedir. Petiscos destes só mesmo em Portugal.
António: – Olha, aproveita enquanto cá estás.
João: – E se escolhêssemos as bebidas? António, o que é que nos aconselhas?
António : – Bom, com arroz de tamboril pode ser um vinho branco. Mas, como
estamos numa cervejaria, e se pedíssemos umas cervejas bem fresquinhas?
5
Ana: – Por mim, escolham à vontade.
João: – A Ana parece que queria muito provar uma cerveja.
Ana: – Não, não brinques comigo. Eu vou pedir uma água sem gás.
António e João: – ÁGUA?!
João: – A água enferruja. E tu tens uma saúde de ferro.
Ana: – Bom, posso provar um pouco de cerveja, mas...
João: – Linda menina! Assim soa melhor!
António: – Um dia não são dias...
Empregado: – Os senhores já escolheram?
António: – Sim, já. Para começar era um caldo verde, um creme de marisco e uma
saladinha de polvo.
Empregado: – E para prato principal?
António: – Uma dose de arroz de tamboril para três pessoas.
Empregado: – E para beber?
António: – Uma água natural sem gás e duas imperiais bem fresquinhas, por favor.
António: – Então, digam-me lá. O que é que fizeram hoje?
João: – Nem te conto. O diabo desta menina quando lhe dá para andar, ninguém a
pára.
Ana: – Que exagerado que ele é. Fomos à praia, lá na outra banda e andámos um
pouquinho à beira-mar.
João: – Andámos quilómetros, queres tu dizer. Imagina lá tu que fomos a pé da Costa
da Caparica até à Fonte da Telha! E se ao menos tivéssemos parado para descansar.
Mas, não...Por fim, já não sentia os pés!
António: – Não me digas!
João: – E como ela anda depressa!
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Vimos a Ana, o João e o António a jantarem num restaurante português. Neste
programa, abordaremos algum vocabulário relacionado com a referida situação de
comunicação e ainda os seguintes conteúdos linguísticos: o Pretérito Imperfeito do
Conjuntivo para fazer uma sugestão, o advérbio talvez e os adverbiais temporais
já, ainda não, já não e ainda.
Vamos começar por rever duas sequências do diálogo em que as personagens
usam o Imperfeito do Conjuntivo para fazerem uma sugestão.
Ana: – Então, eu talvez queira um prato do dia. Estou cheia de fome.
António: – E se começássemos a comer as entradas.?
******
João: – E se escolhêssemos as bebidas? António, o que é que nos aconselhas?
António: – Bom, com o arroz de tamboril pode ser um vinho branco. Mas, como
estamos numa cervejaria e se pedíssemos umas cervejas bem fresquinhas?
Observemos então as frases do diálogo:
1. FAZER UMA SUGESTÃO
Vamos agora registar as frases com as ocorrências do Pretérito Imperfeito do
Conjuntivo.
FAZER UMA SUGESTÂO
PRETÉRITO IMPERFEITO DO CONJUNTIVO
(1) E se começássemos a comer as entradas.?
(2) E se escolhêssemos as bebidas?
(3) ... e se pedíssemos umas cervejas bem fresquinhas?
7
Nas frases apresentadas, verificamos que é feita uma sugestão. É intenção do
locutor incentivar o(s) alocutário(s), o(s) interlocutor(es), a fazerem algo (como comer
as entradas, escolher as bebidas, pedir umas cervejas...) As frases são introduzidas
pelo conector se e seguidas do Imperfeito do Conjuntivo. Todas estas frases
poderiam ser antecedidas por [Seria bom/ Era bom]: “Seria bom se começássemos
a comer as entradas.” ou “Era bom se escolhêssemos as bebidas”.
Quanto à formação do Imperfeito do Conjuntivo, este forma-se a partir da 3ª
pessoa do plural do Pretérito Perfeito Simples do Indicativo, a que se retira a
terminação – ram e se acrescenta – sse.
FORMAÇÃO DO IMPERFEITO DO CONJUNTIVO
����
PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO (3ª Pessoa do Plural)
Ex: Eles escolheram os pratos.
����
...se eles escolhessem os pratos
...se eu escolhesse
...se ele escolhesse os pratos
...se nós escolhêssemos os pratos
2. ADVÉRBIO: TALVEZ
Observemos agora algumas frases do diálogo com o advérbio talvez.
Recordam-se certamente de ter ouvido:
8
António: – Bom, eu não sei se estão de acordo mas talvez sugerisse uma dose de
arroz de tamboril...
Nesta frase, o advérbio talvez está colocado antes do verbo e exige o uso do
Conjuntivo. A frase apresenta uma leitura de futuro.
Observe-se agora por exemplo, o contraste com a frase seguinte:
António: – (...) Eu sugeria-te talvez uma saladinha de polvo
Neste exemplo, o advérbio talvez está colocado depois do verbo, encontrando-se
este por isso no Imperfeito do Indicativo.
3. ADVERBIAIS TEMPORAIS
Vamos rever duas sequências do diálogo para observarmos o uso dos adverbiais
temporais: já , ainda não.
Empregado: – Desculpem, os senhores, já escolheram?
António: – Ainda não. (...) Já têm alguma ideia do que vão pedir?
Ana: – Não, eu ainda não.
******
Empregado: – Os senhores já escolheram?
António: – Sim, já.
9
(1)... os senhores, já escolheram?
(2) ... Ainda não. (...) Já têm alguma ideia do que vão pedir?
(3)... Não, eu ainda não.
(4) Os senhores já escolheram?
(5) Sim, já.
Os enunciados escolhidos apresentam os advérbios temporais já, ainda não.
O valor aspectual destes advérbios temporais marca a oposição entre um estado de
coisas acabado e um estado de coisas inacabado. Quando usamos ainda não, o
estado de coisas é considerado inacabado. O António usa ainda não para dizer ao
empregado que não terminou a sua escolha. Por oposição, quando usamos já,
estamos a descrever um estado de coisas acabado. O António utiliza o advérbio já
para indicar ao empregado que terminou a sua escolha. Vejamos agora outros
exemplos que não constam do diálogo:
JÁ NÃO
AINDA
– Já não quero mais,
obrigado.
– Ainda tenho fome.
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Observemos agora um quadro – síntese, com os adverbiais temporais:
ADVERBIAIS
TEMPORAIS
Valor aspectual-
Acabado
Valor aspectual-
Inacabado
Já
Já não
Ainda
Ainda não
Salientamos que estes advérbios surgem geralmente antes do verbo.
4. VOCABULÁRIO
Vejamos ainda algum vocabulário relacionado com a situação de comunicação
abordada neste programa: jantar num restaurante.
• (o) prato do dia: prato que faz parte da ementa diária de um restaurante e
que já está confeccionada.
• (o) bacalhau à Brás: prato de bacalhau desfiado com batatas fritas, tudo
envolvido em ovo.
• (a) espetada de novilho: pedaços de carne de animal bovino de pouca idade
assadas num espeto.
• (a) sobremesa: trata-se da fruta ou doce que se come no fim de uma refeição.
• (o) arroz doce: doce feito à base de arroz cozido em leite
• provar: comer ou beber uma pequena quantidade de um alimento para se
verificar o seu sabor ou a sua qualidade.
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5. EXPRESSÕES
Durante o diálogo, ouviram certamente algumas expressões e que eu vou
passar a explicar.
“...E eu tenho uma saúde de ferro.” : “ter uma saúde de ferro” significa “ter uma
boa saúde”
“ ...Um dia não são dias...”: dia em que se pode fazer uma excepção.
“...Já estou a ficar com água na boca”: expressão usada quando queremos dizer
que alguma coisa é ou nos parece muito saborosa. Esta expressão é sempre usada
em contextos gastronómicos.
Por hoje é tudo. Agora espero que gostem da proposta que vos fazemos de
descobrirem a gastronomia portuguesa. Pela minha parte, despeço-me. Até ao
próximo programa.
______________________________________________________________
Uma refeição típica consta de aperitivos que podem ser azeitonas, pão e
manteiga, queijinhos variados, provenientes de regiões como o Alentejo, as Beiras ou
os Açores, ou presunto, enchidos e pequenos pratos de salada como, por exemplo, a
salada de polvo. Seguem-se a sopa, um prato de peixe ou de carne. Depois pede-se
fruta ou doce para sobremesa e termina-se com um café.
Depois das entradas, vem a sopa nas suas diversas variedades: de legumes,
de tomate, de marisco, de cação, açorda alentejana ou sopa da pedra, esta com
origem num conto tradicional popular e que se serve com uma pedra dentro. A mais
famosa destas sopas é o caldo verde, feito com couve portuguesa cortada em tiras
finas e servida com rodelas de chouriço.
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Devido à sua localização e ao facto de possuir uma longa costa, a gastronomia
portuguesa distingue-se pelos seus mariscos e peixe de grande qualidade. De entre
os vários pratos de peixe destacamos o cherne, a pescada, o linguado, o pargo, as
lulas, o salmonete, o peixe-espada, o carapau, cozidos ou grelhados e as sardinhas
assadas nos meses de Verão, os vários tipos de caldeiradas, o polvo guisado, o bife
de atum da Madeira e o bacalhau que, apesar de pescado longe da nossa costa, se
tornou famoso na nossa culinária. Come-se bacalhau durante todo o ano, mas
especialmente na noite de Consoada.
Mas em Portugal apreciam-se também os peixes de água doce, como a
lampreia e o salmão do Minho, as trutas da Serra da Estrela e dos Açores.
O marisco também é muito apreciado, especialmente nos locais junto à costa.
Aí encontram-se camarões, lagosta, sapateira, santola, mexilhões, amêijoas,
cadelinhas, caranguejos. O marisco serve-se cozido, frito ou feito na cataplana.
Apesar de Portugal ter fama pelo seu peixe, a carne possui um lugar muito
especial na gastronomia portuguesa. As opções são muitas e incluem a carne de
vaca, de porco, de borrego e de cabrito, que pode ser assado em forno de lenha.
De entre os vários pratos, o cozido à portuguesa é talvez o mais popular. Tem
como acompanhamento arroz, legumes, feijão e é feito com variadas carnes: vaca,
porco, frango e enchidos. Na ilha de S. Miguel, nos Açores, pode-se saborear o
famoso cozido das Furnas, confeccionado com várias carnes, enchidos, batata doce e
legumes, cozido lentamente em panelas enterradas em caldeiras vulcânicas.
O coelho é também um prato muito apreciado, podendo ser preparado de
variadas maneiras, conforme os usos e costumes das diferentes regiões.
Os pratos de carne de porco são igualmente muito saborosos, destacando-se o
famoso leitão assado da Bairrada.
As sobremesas...são de «comer e chorar por mais». O gosto dos portugueses
por doces parece ter origem no tempo da ocupação mourisca, sendo a doçaria do
Algarve, feita com amêndoas, um bom exemplo.
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Nos séculos XVII e XVIII, os conventos ganharam fama pela confecção dos seus bolos
e doces. Nos doces destacam-se os ovos moles de Aveiro e o pão de Rala de Évora,
feito com gila e massa de amêndoa.
A gastronomia portuguesa pode ser apreciada em diferentes locais, entre os
quais se contam as tascas, os restaurantes, as marisqueiras e as cervejarias. As
tascas são baratas e servem petiscos variados. Os restaurantes são geralmente mais
formais e têm maior escolha de pratos. No entanto, existe também uma diversidade
enorme de restaurantes. As marisqueiras servem sobretudo pratos de marisco,
enquanto as churrasqueiras têm grelhados na brasa.
As pousadas têm restaurantes tradicionais onde é possível comer
especialidades gastronómicas muito bem confeccionadas e apresentadas com
requinte. A Pousada de Palmela fica situada no cimo de uma enorme colina, podendo
daí desfrutar-se de uma vista panorâmica de rara beleza. A Pousada foi construída no
interior do castelo, integrando ainda os claustros de um convento aí existente. A uma
certa austeridade associa-se, por isso, o conforto que se espera de espaços como
estes. Pelos claustros chega-se às galerias. As escadas enquadradas sob arcos
abobadados desembocam no refeitório.
PROGRAMA 12
FAZER COMPRAS
O Rossio foi em tempos passados e de certo modo ainda é o centro mais
importante de Lisboa. Ao longo dos tempos tem sido palco de touradas, festivais e
paradas militares. Actualmente, esta Praça espelha a diversidade cultural da cidade.
Os seus sóbrios edifícios pombalinos estão ocupados por lojas de pronto-a-vestir,
sapatarias, joalharias, retrosarias, recordações, artesanato, livrarias e cafés.
O Rossio funciona como porta de entrada para uma das zonas mais comerciais
da Baixa lisboeta onde ainda sobrevive o comércio tradicional. É nesta zona da Lisboa
que a Ana e o João decidem fazer compras depois de tomarem o pequeno-almoço.
Ana: – Ouviste o boletim meteorológico? Parece que vai estar um forno, nos próximos
dias.
João: – É verdade, queria falar contigo sobre isso mesmo. Eu não trouxe roupa para
este tempo. Tu reparaste como aquela senhora ia vestida!?
Ana: – Então não! Não viemos até cá para morrermos de calor. Nunca pensei que
pudesse fazer tanto calor em Portugal, mesmo na altura do tempo quente.
João: – E agora? Eu não me dou bem com o calor, sabias?
Ana: – Não te aflijas! Temos o pretexto ideal para irmos às compras. Calha bem, com
as promoções. Olha lá, tu que estás sempre de guia em punho, onde é que achas que
deveríamos ir?
1
João: – Bem… o comércio em Lisboa é como em todo o lado: grandes superfícies e
comércio tradicional.
Ana: – As grandes superfícies são todas iguais. Só têm uma vantagem: protegem-nos
das agruras do tempo.
João: – Sim, e agora devem estar fresquinhas…
Ana: – Pois! Mas o pequeno comércio atrai-me muito mais. Afinal sempre estamos a
tentar conhecer o país.
João: – Lá terá de ser… Vamos à Baixa? Parece que a zona em redor da Rua
Augusta tem muitas lojas e sempre podemos ir de Metro.
Ana: – Tu mandas.
João: – Ana, ficam-me bem, não achas?
Ana: – Ficam-te muito grandes e é preciso subir a bainha… Já viste o preço? São
muito caras.
João: – Livra! Vou experimentar outras.
Ana: – Ó João, essa cor não te fica bem, pareces mais gordo!
João: – Não me importo. O preço é bem mais acessível. Além do mais, sinto-me bem
nestas.
Ana: – Como queiras. Pelo menos são do tamanho adequado… Olha, vamos levar
estas toalhas de praia também. Estão em conta e com este calor vamos ter
oportunidade de ir até lá.
João: – Ainda bem que viemos para a Baixa. Encontrámos tudo quanto
precisávamos… E essas sandálias? Tens a certeza de que não te estão apertadas?
Ana: – Não, são o meu número. Então? Já estás mais fresquinho? Eu cá preferia que
tivesses comprado as castanhas, mas era preciso subir a bainha e ainda por cima
eram demasiado caras.
João: – O que me interessa, é que sejam confortáveis. E até foram baratas, estavam
em promoção!
2
Ana: – Olha agora que já estamos preparados, vamos passear. Brrr! O ar
condicionado deve estar no máximo! Vamos para o sol…
João: – Muito tu gostas de apanhar calor!
Ana: – Olha o elevador de S. Justa.
João: – E se subíssemos?
Ana: – Boa ideia! A vista deve ser sublime.
João: – Cá estamos. Há um café no topo do elevador.
Ana: – Óptimo! Estou mesmo a precisar de tomar uma bebida fresca, antes de
regressar ao hotel.
Acabámos de acompanhar a Ana e o João numa ida às compras pela Baixa
lisboeta. O dia estava muito quente e o João não parecia ter muita vontade de se
aventurar lá fora. Porém, após a argumentação da Ana, deixou-se convencer. Neste
programa, vamos falar da partícula lá e de onomatopeias. Abordaremos, também,
formas de expressar atitudes e sentimentos e de reagir a certificação de compreensão.
1. EXPRESSAR ATITUDES E SENTIMENTOS
1.1. EXPRESSAR RESIGNAÇÃO
“Lá terá de ser…”
Repararam na expressão proferida pelo João para expressar uma atitude
resignada? É uma estrutura modal comum na língua portuguesa, construída com ter
de + infinitivo. Trata-se, aqui, de verbalizar uma atitude a que o João se sente
obrigado. No entanto, o João poderia ter optado por uma outra maneira de expressar a
sua atitude resignada. Ora vejam:
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EXPRESSAR RESIGNAÇÃO
1.“Lá terá de ser…”
(lá + ter de + infinitivo do verbo ser)
2.“O que tem de ser tem muita força!”
(frase exclamativa construída com ter de + infinitivo)
As duas expressões utilizam a já mencionada estrutura com ter de + infinitivo
(usada genericamente em português para expressar necessidade ou obrigação),
mas na primeira, o verbo ter está conjugado no futuro do indicativo e, na segunda, no
presente do indicativo.
1.2. EXPRESSAR DESAGRADO
“Olha agora que já estamos preparados, vamos passear. Brrr!”
A Ana exprime o seu desagrado em relação ao ambiente demasiado frio que se
faz sentir no interior da loja, devido ao facto de o ar condicionado estar regulado para
uma temperatura demasiado baixa, o que lhe não agrada. Vejamos, então, outras
maneiras de expressar desagrado, a que a Ana poderia ter recorrido:
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EXPRESSAR DESAGRADO
1. “Não gosto do ar condicionado tão frio!”
(advérbio não+verbo gostar+preposição de)
2. “… Não suporto o ar condicionado tão frio!”
(advérbio não+verbo suportar)
3. “… Brrr!” = que frio!
As duas primeiras frases, que estão na forma negativa, são similares no seu
significado, apenas variando o verbo empregue. A expressão não gostar de é muito
comum, mas não suportar veicula uma noção de desagrado mais forte. Por seu lado,
a frase 3 distingue-se das outras. Como? Reparem na forma como a Ana termina a
sua intervenção:
“Brrr!” = “Não gosto do ar condicionado tão frio!”
A exclamação Brrr podia ser substituída pela frase: “Não gosto do ar
condicionado tão frio.” Esta palavra transmite uma mensagem compreensível para
todos os falantes. Brrr é uma onomatopeia, isto é, uma palavra que reproduz, com os
recursos da língua e de forma aproximada, um som natural; ora vejam:
5
As onomatopeias podem ser constituídas por:
• simples conjuntos de fonemas sem estrutura vocabular, ou seja, sem
vogais de apoio (como, por exemplo, brrr, pfff, zzzzz),
• ou podem ser verdadeiras palavras (pumba, catrapuz, cacarejar, miau).
2. REAGIR A CERTIFICAÇÃO DE COMPREENSÃO
“Pois! Mas o pequeno comércio atrai-me muito mais.”
Antes de terminarmos a sessão de hoje, vamos reflectir um pouco sobre este
excerto produzido pela Ana. Ao organizar o seu discurso, ela garante ao João, que o
tinha compreendido mas que discordava dele. Através desta palavra, pois, a Ana
expressa uma oposição, ou restrição, ao que foi dito. Ela não estava, de facto,
interessada em andar dentro dos centros comerciais. Estamos perante uma palavra
que pode ter sentidos opostos em português. De acordo com a entoação, ela pode
significar “sim” ou “não”. Vejamos outras opções que a Ana poderia ter tomado, para
atingir o mesmo objectivo:
MANIFESTAR COMPREENSÃO
1. “Pois! Mas o pequeno comércio atrai-me muito mais.”
2. “Sim! Mas …”
3. “Percebi (perfeitamente)! Mas …”
4. “Compreendi (perfeitamente)! Mas …”
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Estas quatro frases permitiriam à Ana comunicar ao João que o compreendera,
mesmo não concordando com ele. Nos dois primeiros casos são utilizadas
exclamações: pois (na frase 1) e sim (na frase 2), vocábulos muito comuns na língua
portuguesa e que, nestas frases, desempenham o mesmo papel (manifestar
compreensão). As frases 3 e 4 atingem a mesma finalidade. No entanto, a presença
(eventual) do advérbio perfeitamente confere-lhes mais ênfase.
Bem, peço-vos, agora, que dediquem a vossa atenção aos próximos momentos
do nosso programa de hoje, que tecem algumas considerações sobre alguns locais da
Baixa de Lisboa, visitados pela Ana e pelo João. Até ao próximo programa.
Embora popularmente conhecida como Rossio, o nome oficial desta praça
pretende ser uma homenagem ao rei D. Pedro IV. No seu centro, ergue-se a estátua
deste monarca, o primeiro imperador do Brasil independente. Na base desta, as quatro
figuras femininas são alegorias à Justiça, à Sabedoria, à Força e à Moderação,
qualidades atribuídas a D. Pedro IV.
Esta praça foi dos primeiros locais de Lisboa a ser calcetado, em meados do
século XIX. Os padrões ondulantes a preto e branco foram dos primeiros desenhos
usados na decoração dos pavimentos da cidade. Hoje, já só resta uma pequena
secção central.
No lado norte da praça fica o teatro Nacional D. Maria II. A história deste Teatro
não se pode dissociar do triunfo do Romantismo e da burguesia portuguesa do século
XIX. O escritor e político Almeida Garrett foi então incumbido por Passos Manuel de
edificar o Teatro Nacional para aí se apresentar um repertório dramatúrgico nacional.
A inauguração ocorreu no dia 13 de Abril de 1846, data do aniversário da rainha D.
Maria II. A peça que por esta ocasião subiu à cena foi o drama histórico em 5 actos O
Magriço e os Doze de Inglaterra, original de Jacinto Aguiar de Loureiro. A partir de
então, o Teatro Nacional adoptou também a designação de “D. Maria II.”
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Toda a área foi completamente arrasada pelo grande terramoto de 1755 e
reconstruída de acordo com novos modelos urbanísticos. O grande impulsionador
desta obra foi o Primeiro-ministro do Rei D. José, o Marquês de Pombal. É por essa
razão que esta zona é designada por Baixa Pombalina.
O pensamento iluminista dominante no século XVIII foi influência determinante
no plano de reconstrução implementado. Este baseava-se numa direcção planificada
de ruas alinhadas, com opções arquitectónicas assentes em regulamentos de
construção, incluindo normas anti-sísmicas, a chamada gaiola pombalina. O sistema
urbanístico obedecia a traçados de eixos de composição em que a simetria era
obrigatória, pretendendo destacar-se nos extremos os monumentos e as estátuas, por
exemplo, a Rua Augusta com o arco triunfal, após o qual, no seu eixo, se colocou a
estátua equestre de D. José.
Nas ruas próximas, instalaram-se diversas corporações, designação dada às
diferentes profissões que se agrupavam nas diversas artérias. É por isso que ainda
hoje encontramos nomes alusivos a tais profissões: Rua Áurea ou Rua do Ouro, Rua
da Prata, Rua dos Fanqueiros, Rua dos Douradores, Rua dos Correeiros, Rua dos
Retroseiros, entre outros. Actualmente, esta zona da cidade encontra-se repleta de
lojas, constituindo um imenso centro comercial ao ar livre. A actividade comercial da
capital é, aliás, muito diversificada. Lisboa dispõe, também, de vários centros
comerciais modernos espalhados por todo o perímetro urbano.
Ao sair do Rossio para a Rua do Ouro, encontra-se o Elevador de Santa Justa,
um dos ex-libris de Lisboa que celebrou, em 2002, cem anos. É obra do arquitecto de
origem francesa, Raoul Mesnier du Ponsard, nascido no Porto. Ponsard foi o
responsável por projectos de sistemas de elevadores de transporte público em várias
localidades do país. Com uma estrutura composta de duas torres metálicas
geminadas, de 45 metros de altura, a sua elegância chama a atenção. No topo, onde
originalmente se situavam as máquinas a vapor, há agora uma esplanada panorâmica,
com vista privilegiada sobre a baixa lisboeta. O elevador de Santa Justa, o “rei dos
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9
elevadores de Lisboa,” foi o último dos nove ascensores de Lisboa a ser construído e
um dos quatro que ainda estão em funcionamento – Lavra, Glória e Bica.
O Rossio vai enfrentar novos desafios no século XXI, tal como o resto da cidade
de Lisboa. O maior centro comercial ao ar livre da cidade permanecerá, no entanto,
como um testemunho da história da capital de Portugal e como ponto de encontro
entre todos aqueles que por ali passam.
O quotidiano deste lugar especial continuará a desenrolar-se sob o olhar atento
daquele a quem presta homenagem, D. Pedro IV.
1
PROGRAMA 13
AROMAS E SABORES
Os Portugueses gostam de conviver em volta de uma mesa colorida e
aromática onde a conversa aparece naturalmente enquanto se saboreia e se petisca.
Podem ser os sabores do mar, os sabores do campo, os sabores da serra,
dependendo do local em que se estiver. Também a tradição tem uma palavra a dizer,
a diversidade é grande porque os petiscos necessitam de toda a espécie de temperos,
ervas aromáticas, especiarias e para os complementar tornam-se imprescindíveis: o
pão, o queijo e o vinho.
Cada região tem os seus aromas e os seus sabores concretos e tudo tem
importância: das terras mais altas surgem os queijos, as carnes, os enchidos fumados
e alguns vinhos; das terras planas vêm o pão, o vinho, os frutos, os legumes, as
saladas; do mar aparecem as amêijoas, a sapateira, as ostras, o camarão...
O António quis mostrar um pouco desta diversidade aos amigos, por isso,
convidou-os a provar alguns petiscos.
Ana: – Mas que é isto? António! Que cheirinho é este que anda no ar... Hum...
Tantas coisas boas!
António: – É só para vocês verem... e provarem, claro! São alguns petiscos bem
portugueses.
Ana: – Os meus pais tinham razão... De facto, nada como estar em Portugal para
descobrir outros sabores...
João: – e cheiros! Eu não resisto! Posso comer qualquer coisa, António?
2
António: – Claro. Foi para comerem tudo isso que vos convidei...
Ana: –Ah, estes queijos! Que perdição! Eu adoro queijo. São de leite de cabra? É que
eu adoro queijo de cabra...
António: – Não só... mas também! Tens aqui um de Niza que é mistura de ovelha e
cabra. E este da Ilha... que é de vaca.
João: – Da Ilha? Qual? Se calhar é das Berlengas, não?
Ana: – Que disparate João! As Berlengas só têm gaivotas... E, que eu saiba, as
gaivotas não dão leite...
António: – Não ligues, Ana. O João estava a brincar....
Ana: - É dos Açores, não é?
António: – Exacto. É da ilha de S. Jorge. Tem um sabor forte, quase picante. É muito
bom. Mas vocês têm aqui mais variedades.... para todos os gostos... Há aqui
queijinhos frescos... para comer com sal e pimenta... e aquele ali é bem
curado, é de Évora. Estes são de meia cura. São de várias regiões do país... e
todos diferentes uns dos outros. Por exemplo, o da Serra da Estrela não tem
nada a ver com o de Azeitão, apesar de serem os dois de ovelha.
João: – Porquê?
António: – Não sei bem, mas tem a ver com o tipo de alimentação... com a altitude
dos pastos... com o clima... sei lá! Olha, só sei que há muitos factores
envolvidos...
Ana: – É curioso. Não imaginava nada que havia diferenças... para mim, ovelha é
ovelha!... igual em qualquer parte do mundo. Hum mas este é delicioso... Ai!
Tão bom!!!
António: – Esse aí é de Azeitão... É da Serra da Arrábida. Fica aqui perto, entre
Lisboa e Setúbal.
João: – E este chouriço?
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António: – Ó João! Não é chouriço! Pensas que é tudo igual? Não. Há imensas
diferenças. Esse é um paio. É alentejano e é óptimo. Provem... é um dos meus
preferidos! O chouriço é aquele mais fininho. Assado, também é muito bom...
João: – De facto... Não tenho palavras.... Isto é delicioso. Preciso de pão...
Ana: – O que é isto, António? Parecem azeitonas.
António: – Exactamente. São azeitonas bem picadinhas. É um aperitivo que eu adoro
fazer... Também serve como molho para temperar peixe cozido, por exemplo.
Ana: – Nunca comi temperadas assim.
António: – É natural... Só eu é que as sei fazer.... Têm alhos bem picadinhos,
coentros, salsa, azeite, sal, pimenta e vinagre! Põe em cima de um bocadinho
de pão.
João: – E o vinho?
António: – Ah, é verdade João! Já me esquecia...Obrigado por me teres lembrado!
Isto sem vinho não tem graça. Comprei um tinto que me parece óptimo para
estes petiscos. É da Estremadura.
Ana: – Isto é demasiado para mim! Tenham dó desta ignorante. Açores... Serra da
Estrela... Estremadura... Ajudem-me! Preciso de um mapa... Já nem sei para
que lado me vire...
António: – Tem calma. Lá iremos! Agora aconselho-te a saborear...
João: – A Ana? Ter calma??? Isso é fácil de dizer... Acho que ainda não a conheces!
Calma é coisa que ela não tem.
Ana: – Pronto! Lá está ele!
João: – Ah! Pois não... Não páras enquanto não vires o mapa...
António: – Isso é muito fácil de resolver... Um mapa de Portugal já eu aqui tenho.
Mas, mais importante do que tudo isso, é saber onde, e quando, é que há
feiras de gastronomia e tasquinhas. Aí é que vocês podem comer petiscos a
sério. No ano passado fui à festa gastronómica de Santarém! Comi tanto... e
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bebi tanto! Tinha imensos petiscos! Mas feiras destas é coisa que não falta em
Portugal inteiro!
A descoberta de novos aromas e sabores desperta manifestações de surpresa
e reacções de sociabilidade. A Ana e o João foram envolvidos neste ambiente por
terem sido convidados pelo António para provarem (e cheirarem...) alguns petiscos
regionais. Neste programa, vamos observar algumas expressões de surpresa e
algumas situações de uso do infinitivo flexionado em português.
1. EXPRESSAR SURPRESA E ADMIRAÇÃO.
Os nossos amigos estão muito surpreendidos com a diversidade de petiscos
que encontraram em casa do António. E demonstram-no através de algumas
realizações exclamativas muito concretas. Vamos revê-las:
Ana: – Mas que é isto? António! Que cheirinho é este que anda no ar...Hum…
Tantas coisas boas!
Ana: – Ai estes queijos! Que perdição! Eu adoro queijo. São de leite de cabra?
É que eu adoro queijo de cabra.
João: – De facto... Não tenho palavras.... Isto é delicioso. Preciso de pão... Ai! Tão
bom!!!
António: – (...) Aí é que vocês podem comer petiscos a sério. No ano passado fui à
festa gastronómica de Santarém! Comi tanto... e bebi tanto!... Tinha imensos
petiscos! Mas feiras destas é coisa que não falta em Portugal inteiro!
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As frases exclamativas podem caracterizar-se por processos prosódicos
através de um alongamento quer da vogal tónica da palavra em realce quer da curva
entoacional, normalmente ascendente.
“Comi tanto... bebi tanto!...”
Em “Comi tanto... bebi tanto...” os verbos, ‘comi’ e ‘bebi’, são acompanhados
do advérbio de intensidade ‘tanto’.
Mas as frases exclamativas podem também ser constituídas por nomes
simples antecedidos, ou não, de palavras de grau, como nos exemplos:
“tantas coisas boas!”
“tão bom!!!”
No primeiro caso, o nome é antecedido pelo indefinido que concorda em
género e número com o nome: ‘tantas coisas’. No segundo caso, é o advérbio de
intensidade ‘tão’ que antecede o adjectivo ‘bom’.
Igualmente bastante frequente é a construção de frases exclamativas –Q que
ocorrem com quantificadores-Q em posição inicial de frase. É o caso dos exemplos:
“Que cheirinho ....”
“Que perdição!”
Estamos então perante expressões nominais (porque contêm um nome, claro)
iniciadas pelo quantificador ‘Que’.
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2.ALGUMAS OCORRÊNCIAS DO INFINITIVO FLEXIONADO EM PORTUGUÊS
O António convidou os amigos com o propósito, ou melhor, com a finalidade de
lhes mostrar um pouco dos petiscos tradicionais portugueses. Ao explicar por que
razão os convidou, usa estruturas complexas interessantes que podem ser analisadas.
Vamos rever os exemplos usados no texto:
António: – É só para vocês verem... e provarem, claro! São alguns petiscos bem
portugueses.
António: – Claro. Foi para comerem tudo isto que vos convidei...
De facto, ele usa uma forma muito frequente para explicitar a finalidade em
português: a preposição 'para’, seguida da forma flexionada do infinitivo. O português
é uma das poucas línguas no mundo em que se pode flexionar a forma infinitiva dos
verbos. Isto quer dizer que é possível, em português, atribuir pessoa ao infinitivo para
todos os verbos de qualquer conjugação. Tem ainda a particularidade de não conter
qualquer forma irregular.
INFINITIVO FLEXIONADO
eu provar
eu comer
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tu provares
ele, você provar
nós provarmos
vós provardes
eles, vocês provarem
tu comeres
ele, você comer
nós comermos
vós comerdes
eles, vocês comerem
Recordemos os exemplos do diálogo:
• É só para vocês verem... e
provarem
• Foi para comerem tudo isto que vos
convidei
Nestes exemplos concretos, estamos perante frases que exprimem finalidade e
são iniciadas pela preposição ‘para’, que aqui desempenha a função de
complementador. Estas frases são complementos do verbo da frase anterior, o que
origina orações não finitas, isto é, com o verbo no infinitivo. Estas frases mantêm uma
relação de dependência semântica com a oração antecedente ou principal.
Poder-se-ia dizer a mesma coisa recorrendo ao conector ‘para que’.
Obteríamos então uma frase equivalente, embora mais formal. Trata-se igualmente de
frases finais, que complementam a frase principal. No entanto, são orações finitas,
porque o verbo é temporalmente conjugado.
Observemos o quadro:
É só para que vocês vejam ... e provem, claro!
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Foi para que comessem tudo isso que vos convidei.
As formas verbais seriam flexionadas no modo conjuntivo, no presente ou no
imperfeito, em concordância com o tempo do verbo da oração principal:
A primeira, que contém o verbo da frase principal no presente: ‘é’, obriga a que os
verbos da frase final estejam no presente do conjuntivo: ‘vejam’ e ‘provem’.
A segunda, porque o verbo da frase principal ‘convidei’ está no pretérito
perfeito, obriga à concordância com o Pretérito imperfeito do modo conjuntivo
‘comessem’. Esta frase inclui um processo de ênfase de que falaremos mais adiante.
Na sua leitura mais simples equivale a “Convidei-vos para comerem tudo isso” ou
“Convidei-vos para que comessem tudo isso”
Mas o diálogo mostra ainda outros exemplos de uso do infinitivo pessoal.
Recordemos os excertos:
António – (...) São de várias regiões do país... e todos diferentes uns dos outros. Por
exemplo, o da Serra da Estrela não tem nada a ver com o de Azeitão, apesar
de serem os dois de ovelha.
António – Ah, é verdade João! Já me esquecia...Obrigado por me teres lembrado!
Isto sem vinho não tem graça (...)
Estamos perante outras situações diferentes de uso do infinitivo flexionado,
diferentes da expressão de finalidade que analisámos. No primeiro caso, o conector
concessivo ‘apesar de’ introduz uma oração concessiva infinitiva (com o infinitivo
flexionado).
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O da Serra da Estrela não tem nada a ver com o de Azeitão, apesar de serem os
dois de ovelha.
O da Serra da Estrela não tinha nada a ver com o de Azeitão, apesar de serem os
dois de ovelha.
Poder-se-ia substituir por ‘embora’ e teríamos uma oração finita, com o verbo
no modo conjuntivo concordando com o tempo da oração principal. Seria, então,
equivalente a:
O da Serra da Estrela não tem nada a ver com o de Azeitão, embora sejam os dois
de ovelha.
O da Serra da Estrela não tinha nada a ver com o de Azeitão, embora fossem os
dois de ovelha.
Já a frase
Obrigado por me teres lembrado!
é uma oração causal infinitiva iniciada pelo conector ‘por’. Também aqui existe uma
relação de dependência semântica entre duas frases. Neste caso, o valor semântico
da causalidade é a razão, ou o motivo, pelo qual o António agradece. A forma infinitiva
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ocorre sobre o auxiliar ‘ter’ porque se usa aqui o infinitivo composto como expressão
de passado. Podemos obter a mesma expressão de causalidade se colocarmos duas
orações finitas iniciadas por um conector como ‘porque’, ‘visto que’, ‘uma vez que’,
entre outros. Estes podem iniciar uma oração no modo indicativo em qualquer tempo.
Será, por exemplo:
Obrigado porque me lembraste.
Obrigado visto que me lembraste
Obrigado uma vez que me lembraste
Etc..
Esta breve análise pretendeu apenas alertar muito sumariamente para a
diversidade das construções infinitivas em português. Muito fica por dizer sobre a
riqueza da sua utilização.
Vamos agora retomar o convite do António e descobrir um pouco mais deste
outro lado da cultura portuguesa que está directamente relacionado com os aromas e
os sabores de cada região.
Eu despeço-me, até ao próximo programa!
Petiscar é uma palavra curiosa em português. Pode ser interpretada de duas
formas distintas. Uma que significa “comer pouco,” outra alerta para alimentos
saborosos, bem temperados, que podem ser comidos, cada um deles, em pequenas
quantidades, mas em grande variedade e, de preferência, acompanhados de um bom
vinho!
11
E se cada região já é tão diferente, a combinação de todos esses sabores
vindos de todas as regiões do país revela tradições de extraordinária riqueza cultural.
Pela diversidade entre litoral e interior e pelas características orográficas do norte, do
centro, do sul e das ilhas, Portugal apresenta uma enorme variação quanto a sabores,
aromas e formas de confecção daquilo que, só, aparentemente, poderão ser produtos
iguais.
Se não, vejamos: as regiões produtoras de cereais, como, por exemplo, o trigo
no Baixo Alentejo, ou o milho no norte transmontano e Beiras, apresentam tipos de
pão que vão desde pão alentejano ao pão de Mafra, ao pão de milho, ao pão de
centeio.
As regiões produtoras de carne de porco especializaram-se na fabricação de
enchidos e de carnes fumadas que diferem do norte para o centro e para o sul. As
alheiras de Mirandela, os diversos tipos de linguiças e chouriços, paios, salpicões e
presuntos das Beiras e Alentejo, rivalizam com os petiscos de peixe e marisco do
litoral.
As regiões do litoral, influenciadas pela presença do mar, têm desenvolvido
modos originais de cozinhar peixes, mariscos, bivalves e outros petiscos marinhos.
As regiões de pastagem com produção de leite, sejam de serra ou de planície,
produzem naturalmente queijos, cada um com características próprias, que vão do tipo
de pasto ao processo de fabrico e às formas de maturação. Existem actualmente 14
zonas geográficas de produção conhecidas como “Denominação de Origem
Protegida,” que abrangem quase todo o país e correspondem maioritariamente a
queijos de ovelha e cabra no continente e de vaca nas ilhas dos Açores.
Esta denominação de Origem obriga a uma produção controlada de acordo
com regras precisas que passam pelas condições de produção do leite, higiene de
ordenha, até à conservação do leite e fabrico do queijo.
É incontornável a fama do queijo da Serra, produzido nos distritos de Viseu e
Guarda em volta da Serra da Estrela. É feito a partir de leite de ovelha, sobretudo nos
12
meses de Novembro a Março, e consoante a sua maturação pode ser mais
amanteigado ou mais denso ou curado. Tem um aroma e um paladar inconfundíveis e
é um dos mais internacionais queijos portugueses.
Igualmente muito conhecido e semelhante no processo de fabrico, mas
diferente em sabor, o queijo de Azeitão é produzido apenas nos concelhos de Azeitão,
Setúbal, Sesimbra e Palmela. Caracteriza-se por ter um paladar silvestre de uma serra
virada para o mar.
Com sabores bastante diferentes, os queijos produzidos na Beira Baixa e no
Alentejo, normalmente de ovelha, têm em muitos casos mistura com leite de cabra e
caracterizam-se por paladares bastante intensos e processos de maturação bastante
longos.
Os pequenos queijos de Évora têm uma consistência dura e cor amarelada e
um sabor ligeiramente picante e acidulado; os queijos alentejanos de Nisa e de Serpa
possuem cada um características bastante distintas e muito apreciadas.
O queijo de S. Jorge é um queijo de vaca com um paladar forte e ligeiramente
picante, produzido na ilha de S. Jorge, nos Açores. Poder-se-ia dizer que é o maior
queijo português porque se apresenta em grande formato podendo pesar até mais de
10 quilos.
Portugal tem várias zonas de origem controlada e os vinhos de mesa, todos
reflectem um carácter individualizado do solo. As regiões vinícolas estão demarcadas
e mostram como têm personalidade própria: os vinhos do Dão, do Douro, da Bairrada,
do Alentejo ou do Algarve entre outros.
Para além dos vinhos verdes do Minho, naturalmente gaseificados, excelentes
para acompanhar marisco e peixe, há regiões demarcadas muito conhecidas. É o caso
dos vinhos do Douro muito frutados e de cores fortes. Os tintos acompanham
geralmente carnes e queijos de sabor intenso. Os do Dão, a norte da Serra da Estrela,
são aveludados e excelentes vinhos de mesa. Os tintos combinam com carnes
picantes e queijos.
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Os brancos, mais suaves e aromáticos, também acompanham bem os queijos
característicos da região.
Os vinhos do Alentejo são a companhia ideal para todas as especialidades
alentejanas.
De igual modo, no Ribatejo e Vale do Tejo, na Estremadura até Setúbal e no
Algarve, são produzidos vinhos de óptima qualidade que são os complementos
perfeitos para todos os seus produtos regionais.
O Vinho do Porto é um vinho natural, produzido unicamente a partir de uvas da
região demarcada do Douro. O carácter único do vinho do Porto deve-se ao clima
particular da região, às castas utilizadas e ao modo como é feita a fermentação,
respeitando normas de produção e de envelhecimento rigorosas. Existem actualmente
três tipos de vinho do Porto: Branco, Ruby e Tawny. As características do aroma,
corpo e sabor do vinho do Porto são inconfundíveis. É um vinho de fama internacional,
envelhecido e exportado a partir da cidade do Porto de que herdou o nome.
O vinho da Madeira é um vinho licoroso, produzido na ilha da Madeira há mais
de 300 anos. A produção deste vinho é feita a partir de determinadas castas especiais,
como a Tinta Negra Mole e a sua fabricação é também muito especial. Possui um
aroma e um paladar original, além de várias tonalidades. É um vinho de reputação
mundial.
Os vinhos do Porto e da Madeira são vinhos para momentos de festa e de
convívio, sendo servidos como aperitivos ou digestivos.
1
PROGRAMA 14
PRATICAR DESPORTO
Lisboa possui, dispersos pela cidade, vários espaços onde se pode praticar
desporto: municipais e privados, grandes e pequenos. Integrados em bairros de menor
dimensão ou em áreas institucionais, como o Estádio Universitário, existem para todos
os gostos e os lisboetas não se furtam a usá-los.
O Parque do Calhau, situado no bairro com o mesmo nome, é um parque
natural, onde as pessoas se podem dedicar à prática de exercício físico, ou,
simplesmente, relaxar do stress quotidiano, num ambiente aprazível. O António
convidou os seus amigos para usufruir deste agradável espaço ao ar livre.
António: – Ora bem, já cá estamos. Toca a mexer!
João: – Bem precisamos! Depois do que comemos ontem...
Ana: – Falem por vocês. Eu só vim, porque me arrastaram...
João: – Não sejas piegas! Vais ver que vais gostar.
Ana: – Mas onde é que nós estamos, afinal?
António: – Numa zona que os lisboetas já vão conhecendo e é muito agradável: o
Parque do Calhau.
João: – Do Calhau?! O que é isso?
António: – É outra forma de dizer pedra.
Ana: – Tem então o nome do bairro onde se situa. É que eu reparei na placa no início
da rua…
2
João: – Pois está claro!
António: – Basta de conversa! Vamos fazer o circuito de manutenção.
Ana: – Ó António... que estrada é aquela?
António: – É o Eixo Norte-Sul. Sem ele, o trânsito de Lisboa ainda seria mais caótico,
se é que isso é possível…
Ana: – Deixa cá ver se acerto… o Norte fica para a nossa esquerda…
António: – Correcto.
João: – Então isso quer dizer que prà direita fica o Sul... logo o Eixo Norte-Sul vai
desembocar na Ponte 25 de Abril, não é?
António: – Afirmativo. Vê-se logo que vocês já vão tendo uma ideia geral da cidade.
Ana: – Que engraçado… parece um moinho!
António: – Parece, não! É o moinho das Três Cruzes, um dos poucos que restam na
cidade.
João: – Olha, lá vai mais um com uma camisola da selecção.
António: – Sim. Tudo o que é selecção nacional, seja qual for a modalidade, equipa
assim, de vermelho e verde e, claro, com as quinas. São o símbolo de Portugal.
João: – A propósito, por que razão é que se vêem bandeiras nacionais em algumas
janelas e varandas?
António: – Isso tem a ver com o orgulho que os portugueses sentiram, quando se
organizou cá o Europeu de Futebol. Se vocês tivessem cá estado na altura, então é
que tinham assistido a um espectáculo inesquecível.
João: – Agora o espectáculo vai repetir-se com o Mundial da Alemanha: PORTUGAL!
PORTUGAL!
Ana: – Então? Ó tagarelas, não se deixem atrasar!
João: – Aquela está a armar-se em carapau de corrida. Ela já vai ver...
António: – Estou com vontade de comer.
Ana: – Sabes se há aqui algum café?
António: – Não é preciso. Tenho uma surpresa. Trouxe uma merenda.
3
João: – O que é isso? Algo que se coma?
António: – Algo que se come e que se bebe. E que tal irmos para o Parque das
Merendas? O tempo está bom e não há nada melhor do que merendar depois de um
bom exercício. Já venho!
Ana: – Associação Portuguesa de Educação Ambiental.
João: – Está no sítio ideal, nem parece que estamos no meio de Lisboa!
António: – Chegou a comida!
João: – Do que é que estamos à espera, já comia qualquer coisinha... mas não me
apetece ficar sentado.
Ana: – Também acho. E se fôssemos comendo e andando ao mesmo tempo?
António: – Até sabe melhor!
No programa de hoje, em que acompanhámos a Ana, o João e o António a
praticar desporto de manutenção, vamos abordar alguns aspectos relacionados com
frases condicionais, com o uso do vocativo e com a contracção de palavras. Faremos,
também, uma referência breve a formas de expressar opinião.
1. FRASES CONDICIONAIS CONTRAFACTUAIS OU IRREAIS
O António quis chamar a atenção dos amigos para um acontecimento no
passado. Para isso coloca a hipótese “se vocês tivessem cá estado”. É uma hipótese
irreal porque sabemos que não se verificou. Observemos o excerto do diálogo:
“Se vocês tivessem cá estado, então é que tinham assistido a um espectáculo
inesquecível.”
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Tal como já tínhamos referido no programa 11, a propósito das construções
condicionais factuais, esta frase é constituída por duas orações que mantêm entre si
uma relação de dependência semântica. Chama-se oração antecedente ou
condicional à oração de cujo conteúdo proposicional depende semanticamente o
conteúdo proposicional da outra oração, a que se atribui o nome de condicionada ou
consequente. Ora vejamos:
FRASE CONDICIONAL
“Se vocês tivessem cá estado, então é que tinham assistido a um espectáculo
inesquecível.”
oração condicional/antecedente + oração condicionada/consequente
A oração condicional ou antecedente (se vocês tivessem cá estado) enuncia
o facto que condiciona a oração condicionada ou consequente (então é que tinham
assistido a um espectáculo inesquecível), ou seja, a oração que exprime a
consequência. Uma vez chegados a este ponto, observemos, agora, o tipo de relação
de dependência semântica que existe entre estas duas orações. A oração antecedente
(se vocês tivessem cá estado) dá a entender que a Ana e o João não estiveram em
Portugal no período de tempo em que ocorreu o evento referido anteriormente; a
oração consequente (então é que tinham assistido a um espectáculo
inesquecível) revela a consequência: a Ana e o João perderam um espectáculo
inolvidável. Por outras palavras, esta frase estabelece uma relação entre proposições
que se verificam em mundos alternativos ao mundo real. Podemos, assim, depreender
que estamos perante uma frase condicional contrafactual ou irreal. Atente-se no
quadro seguinte:
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FRASES CONDICIONAIS CONTRAFACTUAIS
1.“Se vocês tivessem cá estado, então é que tinham assistido a um espectáculo
inesquecível.”
se + pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo + pretérito mais-que-perfeito
composto do indicativo
A frase 1 utiliza o pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo na oração
condicional ou antecedente, e o pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo na
oração condicionada ou consequente.
Esta mesma frase poderia ocorrer da seguinte forma e com o mesmo
significado:
FRASES CONDICIONAIS CONTRAFACTUAIS
2. “Se vocês tivessem cá estado, então é que teriam assistido a um espectáculo
inesquecível.”
se + pretérito mais-que-perfeito conjuntivo + condicional perfeito
Vemos que a frase poderia ocorrer com o condicional perfeito na oração
condicionada ou consequente e manteria o mesmo significado.
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2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O VOCATIVO
O vocativo é usado para chamar, ou interpelar, o interlocutor. Expressa-se por
meio de formas interpeladoras. Vejamos os exemplos retirados do diálogo:
Ana: – Ó António... Que estrada é aquela?
(…)
Ana: – Ó tagarelas, não se deixem atrasar!
Reparem na forma como a Ana chama a atenção do António e do João; nos
dois excertos, sobressai a partícula Ó, observemos:
“Ó António, …”
“Ó tagarelas, …”
Este Ó (com acento agudo) é uma interjeição indicativa de chamamento ou
invocação. Constitui uma expressão de cariz invocativo, isolada do resto da frase por
vírgula, que nomeia a pessoa a quem o falante se dirige e designa-se vocativo.
“Ó António, dá-me o livro.” = maior ênfase
“António, dá-me o livro.” = menor ênfase
Tanto podemos dizer: “Ó António, dá-me o livro” como: “António, dá-me o
livro.” A diferença reside na ênfase que se quer dar à pessoa chamada ou invocada.
Ou seja, o recurso à interjeição Ó confere mais ênfase à frase em que foi usada.
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Antes de avançarmos, deixem-me que vos alerte para o seguinte: convém não
confundir a interjeição Ó do vocativo, com a interjeição Oh!, indicadora de admiração.
Interjeições são as palavras com que, de maneira espontânea, exprimimos vivamente
as nossas emoções. São frequentes nas frases exclamativas e costumam ser
acompanhadas de ponto de exclamação. Vejamos:
1. “Oh! António, está chover!” (surpresa/admiração)
2. “Oh! António, esqueci-me do guarda-chuva!” (desalento)
Na frase 1, temos uma interjeição que veicula surpresa, enquanto que a frase 2
exprime desalento.
3. CONTRACÇÃO DE PALAVRAS
Como certamente sabem, na oralidade, a velocidade de elocução, isto é, a
velocidade a que falamos, favorece o desaparecimento de vogais não acentuadas. É o
que se passa neste excerto:
“Então isso quer dizer que na direcção oposta fica o Terreiro do Paço... prà
direita, não é?”
Quero aludir, muito brevemente, à forma sincopada da preposição para: pra.
Esta forma é usada na oralidade e pode contrair-se com os artigos ou pronomes o, a,
os, as, reparem:
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para + o, a, os, as = prò, prà, pròs, pràs
Deixem-me alertar-vos para o facto de todas estas formas contraídas se
escreverem com acento grave. O mesmo acontece quando se verifica na língua
escrita a contracção da preposição a com o artigo a (como por ex.: eles vão à
ginástica) ou com qualquer forma do demonstrativo iniciada igualmente por a-, como
aquele, aquela, etc.. Na língua ocorre a contracção, sempre com acento grave.
Vejamos:
Eles vão à ginástica [ir a + a ginástica]
Eles vão àquele ginásio [ir a + aquele ginásio]
4. EXPRESSAR OPINIÃO
O António, ao apresentar a cidade aos amigos, deixa passar o que sente,
integrando a sua própria opinião no discurso. Observemos o que diz:
Ana: – Mas onde é que nós estamos, afinal?
António: – Numa zona que os lisboetas já vão conhecendo e é muito agradável:
o Parque do Calhau.
Esta afirmação do António tem por finalidade formular um juízo valorativo
pessoal em relação ao local onde a Ana, o João e ele próprio se encontram. Ele dá
uma informação objectiva, “os lisboetas já vão conhecendo”, e associa-lhe (usando a
conjunção e) a sua própria opinião: “e é muito agradável”!. Observem outras formas de
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formular um enunciado com o mesmo sentido (apenas a frase 1 está incluída no
diálogo):
EXPRESSAR OPINIÃO
1.“É uma zona que os lisboetas já vão conhecendo e é muito agradável.”
2. … e quanto a mim é muito agradável.”
3. … e para mim é muito agradável.”
4. … e em minha opinião é muito agradável.”
Na primeira frase, o António utiliza simplesmente o verbo – neste caso o verbo
ser, aqui conjugado no presente do indicativo –seguido do adjectivo agradável
Nas outras frases são introduzidas expressões que sublinham que o juízo de
valor que está a ser feito pelo locutor tem um carácter pessoal, resulta da sua opinião:
a frase 2 recorre à expressão “quanto a mim”; a frase 3 possui uma estrutura similar,
substituindo “quanto a mim” por “para mim”; já na frase 4 optou por usar-se a
expressão “em minha opinião”.
Vamos terminar o programa de hoje com uma expressão idiomática:
armar-se em carapau de corrida = pretender ser
muito esperto
Esta expressão é usada em contextos irónicos e tem um carácter pejorativo. É
usada quando se pretende aludir a alguém que age, tendo-se em conta de muito
esperto.
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Fiquem, agora, com alguns momentos dedicados aos espaços destinados à
prática desportiva em Lisboa, e não só. Até ao próximo programa.
O parque mais conhecido da capital é o Parque de Monsanto. Espaço com
vastas áreas de mata diversificada, oferece imensas possibilidades para actividades
de lazer. É um parque repleto de contrastes onde as zonas de clareira são
interrompidas por um denso arvoredo que permitem ter acesso a bonitas vistas sobre
a cidade e o rio.
O Parque Florestal de Monsanto foi criado em 1934 por Duarte Pacheco. A
melhor forma de o conhecer é a realização de uma visita ao Espaço Monsanto,
localizado na encosta norte do Parque. Esta instituição fomenta o conhecimento da
natureza junto das crianças urbanas que raramente contactam com o mundo natural.
Refira-se que muitas das calçadas de Lisboa são de pedra extraída de Monsanto.
O Estádio Universitário data dos anos 50 do século XX e tem sido alvo de
vários melhoramentos. Como o nome indica, é frequentado maioritariamente pelos
estudantes das Instituições de Ensino Superior situadas nas proximidades. O
Complexo Desportivo Universitário é constituído por:
• estádio de honra, campo relvado e pista de atletismo;
• circuito de manutenção;
• pistas de atletismo;
• pavilhões polidesportivos onde se realizam muitas vezes competições
interescolares;
• campos de ténis;
• ginásio;
• campos de futebol;
• e campos de grandes jogos;
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O Estádio Universitário de Lisboa disponibiliza um vasto leque de instalações
desportivas, das quais importa destacar, pela sua dimensão actual e número de
utentes, o Complexo de Piscinas.
Outro espaço é o Parque da Bela Vista, que tem cerca de 85 hectares e
oferece zonas de lazer e de prática desportiva. O relevo natural, a paisagem e o facto
de estar no centro da cidade fizeram deste parque o preferido da organização do Rock
in Rio, um importante evento musical, que veio divulgar o Parque da Bela Vista junto
do grande público.
Há modalidades desportivas que despertam a atenção dos portugueses, como
por exemplo:
• o andebol;
• o hóquei em patins, modalidade na qual Portugal detém um longo e rico
palmarés;
• o atletismo, outra modalidade na qual o país se tem destacado;
• a vela;
• o judo;
• e o tiro, entre outras.
O futebol constitui o denominado “desporto-rei” em Portugal, tal como em
muitos países e tem marcado presença no panorama internacional quer a nível
clubístico, quer a nível das selecções nacionais. Com efeito, os três grandes clubes
portugueses, o Sport Lisboa e Benfica, o Futebol Clube do Porto e o Sporting Clube de
Portugal são instituições com pergaminhos reconhecidos aquém e além fronteiras.
Juntos conquistaram vários títulos internacionais, entre os quais pode destacar-se a
conquista da Taça UEFA, em 2003 e da Liga dos Campeões, em 2004, pelo Futebol
Clube do Porto, sob a orientação do treinador José Mourinho.
Durante o Verão de 2004, Portugal foi o organizador da fase final do
Campeonato da Europa de Futebol. Construíram-se e remodelaram-se dez estádios,
um pouco por todo o país. Não podemos deixar de aludir a uma obra arquitectónica de
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grande envergadura, que foi erguida a propósito desta competição desportiva: o
Estádio Municipal de Braga.
Obra projectada pelo arquitecto Souto Moura assume-se como um ponto de
referência na paisagem urbanística da capital do Minho. O estádio possui capacidade
para trinta mil espectadores. Os topos são ocupados pelo perfil da encosta do monte,
sobre a qual a estrutura foi erigida. As pontes construídas pela civilização Inca, do
Peru, serviram de fonte de inspiração à cobertura.
Durante o Euro 2004, a população portuguesa empenhou-se, a fundo, no apoio
à selecção portuguesa. As janelas e as varandas encheram-se de bandeiras e
cachecóis com as cores da bandeira nacional: o vermelho e o verde. Apesar do
campeonato ter sido ganho pela selecção da Grécia, a boa carreira da equipa nacional
deu azo a grandes festejos que percorreram o país na sua totalidade.
1
PROGRAMA 15
FESTAS E TRADIÇÕES
Os muitos povos que, ao longo dos tempos, passaram pela Península Ibérica
deixaram marcas em Portugal através de uma grande diversidade cultural. Encontram-
se muitos vestígios celtas, romanos, árabes, entre outros, nas festas e nos trajes
populares, dispersos um pouco por todo o país.
De todos os vestígios da Península Ibérica, talvez os Pauliteiros de Miranda
sejam os mais evidentes na sua exuberância. Conservam ainda os seus trajes únicos
bem coloridos e, com os seus paus, reproduzem antigas danças guerreiras com
origem ou influências que se supõe serem celtas. Estas terão sido bem conservadas
pela sua localização geográfica lá por detrás dos montes, como indica o nome desta
região, Trás-os-Montes.
A Ana e o João visitam o António, em sua casa, e conversam sobre as
tradições e as festas populares...
António: - Até que enfim que conseguiram arranjar um bocadinho para conversarmos
tranquilamente!
Ana: - É verdade! Já não era sem tempo...
António: - Pelos vistos têm andado num virote...
João: - Podes crer! Mas da última vez que aqui estivemos, comemos que nem uns
abades!
Ana: - Pudera! Com todos aqueles petiscos...
2
António: - A intenção era estarmos juntos. O resto foi só para vos recordar os nossos
paladares portugueses.
Ana: - E foi mesmo muito bom. Acho que não vou esquecer aqueles queijos... e as
azeitonas... Estavam saborosíssimas...
João: - E agora, olha... cá estamos outra vez!
António: - Sempre que queiram!
João e Ana: - Obrigadíssimo/a, António!
António: - Então, contem-me lá! O que é que descobriram de novo? Ou o que é que
querem saber?! Se eu puder ajudar...
Ana: - Pois... A verdade é que o tempo é pouco para tudo o que queremos ver...
Ontem à noite, por exemplo, vimos um programa bastante interessante na televisão.
Era sobre festas populares... tradições portuguesas...
João: - É verdade. Tinha imensa informação... eu não consegui fixar nem metade...
Acho mesmo que já não me lembro de nada…
António: - Ah!... Festas tradicionais... sim… conheço alguma coisa. Pelo menos do
Norte… …Minho… Trás-os –Montes… Beiras…!
João: - Ainda bem. Que bom. Assim até nos podes ajudar a descobrir mais coisas...
Eu não conheço quase nada do Norte, tirando alguma coisa sobre aquelas romarias
mais populares de Viana do Castelo...
António: - Ah! as Festas da Senhora d' Agonia! Olha, tenho aí livros sobre isso tem
imensas fotografias dos trajes minhotos, que são riquíssimos... e até de outras
tradições menos conhecidas, como os Caretos e os Pauliteiros de Miranda, de Trás-os
Montes...
João: - A propósito de Pauliteiros e de Trás-os-Montes, lembro-me que falaram de
Miranda... do Douro, acho eu. É lá que há duas línguas, não é?
António: - Exactamente. Falam Português naturalmente, mas as pessoas mais velhas
também falam o Mirandês. Agora também é ensinado nas escolas. Assim as crianças
aprendem-no. É uma forma desta língua tão antiga não se perder.
3
João: - Acho muito boa ideia.
Ana: - Foi pena que não tivessem falado disso... Mas mostraram tanta coisa! Eu,
daquilo que vi, gostei especialmente dos trajes. Os Pauliteiros, com aquelas saias,
com aquelas meias de riscas, o chapéu cheio de fitas e flores...
João: - Tem ar de ser uma tradição bem antiga... E, ainda por cima, a baterem com os
paulitos uns nos outros, enquanto dançam... Será que não se aleijam de vez em
quando?
António: - Não... Não é assim tão violento!... É uma dança de homens,
uma espécie de dança guerreira… Simulam defesa e ataque. Há várias explicações
sobre as suas origens… Parece que estão ligadas aos celtas...
João: - Olha, sabes de que é que eu gosto? É dos trajes das mulheres do Minho
António: - Aqueles fatos....todos bordados... até as chinelas!
Ana: - Levam muitos fios de ouro ao pescoço, não é?
António: - Pois é. São autênticas fortunas que passam de pais para filhos, posso
garantir-vos! Mas olhem que na zona Centro também há festas muito interessantes...
Estou a lembrar-me da Festa dos Tabuleiros, em Tomar, e da Feira do Cavalo, na
Golegã.
João: - Daqui a pouco temos a Ana a refilar porque também quer saber coisas da terra
dela... ou melhor, da terra do pai.
Ana: - Ah! Claro! As minhas raízes estão no Alentejo... No tal programa de televisão,
mostraram as Festas do Povo de Campo Maior. Fiquei fascinada!
João: - Quando é que são?
António: - São sempre no início de Setembro e são, de facto, muito bonitas.
Ana: - Só o trabalho que deve dar fazer tantas flores de papel!... Quem é que paga?
António: - Eles lá se organizam... Há um responsável, o “cabeça de rua”, que é a
pessoa que se encarrega de recolher os donativos dos moradores... e até dos que são
de lá mas que estão fora. As flores... essas são feitas sobretudo pelas mulheres, ao
serão, sempre em segredo.
4
Ana: - E Marvão? Como é? O meu pai costuma falar muito de Marvão. Diz que é muito
bonito...
António: - Também concordo com ele. Vale a pena a visita. É uma vila construída
toda dentro de muralhas, mesmo junto à fronteira com Espanha... comparam-na a um
ninho de águias porque fica a cerca de 900 metros de altitude, no cimo dum penhasco.
É de uma beleza!... Nem imaginam!...
João: - Por este andar, com tanta coisa interessante que tens para nos dizer, acho
que a conversa vai durar até de manhã...
António: - Nunca ouviste dizer que "as conversas são como as cerejas"? Encadeiam-
se umas nas outras... Uma conversa puxa outra... Temos muito tempo… A noite ainda
é uma criança!
Hoje, a Ana e o João foram visitar o António. A propósito da sua conversa,
falaremos de alguns pronomes indefinidos, de alguns quantificadores indefinidos e de
alguns quantificadores universais. Vamos ainda abordar o significado de algumas
expressões próprias do português.
1. PRONOMES INDEFINIDOS
Ao longos destes programas, vimos que a Ana quer sempre ir a todo o lado e
ver sempre tudo. Vamos ouvi-la novamente!
Ana: - A verdade é que o tempo é pouco para tudo o que queremos ver, não é...?
5
“Tudo” trata-se de um “pronome indefinido”.
Tudo
pronome indefinido
É um pronome porque substitui, no discurso, um nome: neste caso, as coisas a
que a Ana se refere. A Ana disse “O tempo é pouco para tudo o que queremos ver”
mas também poderia ter dito “O tempo é pouco para as coisas que queremos ver”.
O tempo é pouco para tudo o que queremos ver/
O tempo é pouco para as coisas que queremos ver/
O tempo é pouco para todas as coisas que queremos ver/
Os pronomes indefinidos são assim chamados porque designam algo,
identificado de forma vaga ou imprecisa. Este pronome indefinido, “tudo”, refere-se
aqui ao conjunto ou à totalidade das coisas, sem faltar nenhuma, que a Ana e o João
querem ver: “todas as coisas”. Assim, o pronome indefinido “tudo” exprime uma ideia
de quantidade.
Este pronome indefinido é invariável, isto é, não varia em género, número ou
pessoa. O mesmo se passa com o indefinido que é seu antónimo, “nada”, e que
exprime uma ideia de “vazio”.
tudo = todas as coisas
6
É o que acontece na frase do João que vamos ouvir já de seguida:
Em “todas as coisas”, “todas” é um quantificador pois está antes do nome e
especifica-o. Especifica a quantidade, o número ou parte das coisas referidas. É um
quantificador da totalidade, também chamado quantificador universal.
2. QUANTIFICADORES UNIVERSAIS
Os quantificadores universais remetem para conjuntos universalmente
considerados, referindo todos os elementos desses mesmos conjuntos.
Este quantificador “todo” é variável em género e número, de acordo com a
realidade a que se refere: “todas as coisas” / “toda a coisa”/ “todo o ser”/ “todos os
seres”.
tudo ≠ nada
João: - (...) Na verdade, acho mesmo que já não me lembro de nada...
todas as coisas
toda a coisa
todo o ser
todos os seres
7
Além de “todo, toda, todos, todas” também são quantificadores universais
variáveis em género e número “ambos” e “ambas”: “ambos os rapazes” /”ambas as
raparigas”.
Os quantificadores “todo” e “ambos” são seguidos de artigo definido.
Mas também podem aparecer seguidos de outro determinante, como mostra a
frase da Ana.
“Aqueles” é um determinante demonstrativo porque nesta situação implica um
certo afastamento temporal do locutor (da Ana) relativamente àquilo que refere:
“aqueles petiscos” são “os petiscos que comeram no outro dia”. Os demonstrativos
têm valor deíctico porque situam no espaço ou no tempo.
Voltando ainda aos quantificadores universais, gostaríamos de sublinhar que
há alguns que não admitem a presença de artigo definido. É o caso de “qualquer” e de
“cada”.
ambos os rapazes
ambas as raparigas
todas as coisas
ambos os rapazes
Ana: - Pudera! Com todos aqueles petiscos...
8
De referir que “qualquer” apenas apresenta flexão em número. Não varia em
género: qualquer rapaz /qualquer rapariga. Chamamos a atenção para seu plural:
quaisquer rapazes/ quaisquer raparigas:
O quantificador “cada” é invariável (não varia em género nem em número).
3. QUANTIFICADORES INDEFINIDOS
Na conversa entre os três amigos ocorrem ainda outro tipo de quantificadores,
diferentes dos que vimos até agora. Vamos ver alguns excertos do diálogo:
qualquer homem
cada homem
qualquer rapaz /qualquer rapariga
quaisquer rapazes/ quaisquer raparigas
cada revista
cada jornal
Ana: - (...) ontem à noite, por exemplo, vimos um programa bastante interessante
na televisão. Era sobre festas populares... tradições portuguesas...
João: - Olha! Tinha tanta informação... eu não fixei nem metade... na verdade,
9
No excerto a que assistimos existem alguns “Quantificadores indefinidos”. Os
quantificadores indefinidos de quantidade exprimem a quantidade de forma imprecisa
ou indeterminada. É o exemplo de “tanta” em “tinha tanta informação”.
“Tanta” acentua a quantidade de informação que o programa apresentava.
“Alguma”, em “Eu conheço alguma coisa”, é também um quantificador
indefinido de quantidade.
Relativiza o conhecimento do António acerca das festas populares.
Como se constata nestes exemplos, os quantificadores “tanto” e “algum”
variam em género (aqui vemo-los no feminino) e, naturalmente, também variam em
número.
4. ALGUMAS EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS
Antes de terminarmos os nossos comentários de hoje, vamos ainda apresentar
o significado de algumas expressões do português.
acho mesmo que não me lembro de nada!
António: - Ah! As festas tradicionais... sim... eu conheço alguma coisa...
Tinha tanta informação...
Eu conheço alguma coisa...
António: - Ah! Pelos vistos, têm andado num virote, ham!
10
“Andar num virote” significa andar muito ocupado, atendendo a muitas coisas
ao mesmo tempo. É uma expressão que se emprega num registo de língua popular ou
mesmo familiar. Tem como sinónimos expressões como “andar num corrupio”, “andar
numa correria”, “andar numa roda viva”.
Vamos ver ainda mais algumas expressões:
Como o António explica, e muito bem, “As conversas são como as cerejas”
significa que um assunto traz sempre outro à conversa. Quando tocamos num assunto
surge sempre um outro. Daí a comparação que a expressão estabelece entre as
conversas e as cerejas... quando tiramos uma cereja de um monte delas, há sempre
outras que vêm atrás, presas à primeira... Esta expressão tem como sinónimo uma
outra: conversa puxa conversa!
andar num virote
andar num corrupio
andar numa correria
andar numa roda viva
António: - Então, nunca ouviste dizer? As conversas são como as cerejas...
Encadeiam-se umas nas outras... Uma conversa puxa outra... Há muito tempo... A
noite ainda é uma criança!
As conversas são como as cerejas...
Conversa puxa conversa...
11
Finalmente, “a noite ainda é uma criança” significa que estamos ainda no
princípio do serão, o nascer do dia ainda vem longe.
Fiquem ainda connosco para saberem um pouco mais sobre as festas
tradicionais portuguesas.
O Norte de Portugal é terra de importantes romarias, festas em honra de um
santo de devoção local e muitas vezes coincidentes com feiras onde se transaccionam
produtos agrícolas, artesanato e outros.
Viana do Castelo, cidade situada no Alto Minho, na foz do Rio Lima, tem uma
das mais conhecidas festas: a Romaria da Senhora da Agonia.
Atrai todos os anos muita gente, entre habitantes da cidade, peregrinos vindos de
longe e muitos curiosos. Acontece por volta do dia 20 de Agosto, durante um longo
fim-de-semana. Há dois grandes momentos que marcam esta festa:
• a procissão ao mar: os pescadores levam a imagem da Nossa Senhora da
Agonia num barco para a barra e todos os barcos a acompanham, numa
mostra da devoção das gentes do mar;
• e o cortejo etnográfico, que reflecte os usos e costumes das gentes de Viana
do Castelo. Nele adquire um especial relevo a mulher de Viana, percorrendo
uma parte da cidade com a diversidade dos seus trajes rústicos e
profusamente bordados, os seus lenços coloridos, os cordões e cruzes de ouro
maciço e os corações e brincos em filigrana.
Esta grande festa transmite a expressão viva da cultura vianense e do modo
de ser das gentes minhotas.
A noite ainda é uma criança
12
Uma outra festa, cuja origem se perde no tempo, é a festa dos Tabuleiros,
em Tomar. Está directamente ligada ao culto do Espírito Santo, que marcou
profundamente a Idade Média portuguesa. Os tabuleiros são conjuntos artisticamente
construídos com pães, para os mais desfavorecidos, e são empilhados em forma de
cilindro e ornamentados com flores e fitas coloridas. Estas construções deviam, de
acordo com a tradição, ter a altura de cada uma das raparigas que, vestida de branco
o transportava à cabeça. No cimo, apresentam uma coroa e uma pomba branca,
símbolo do Espírito Santo. A procissão dos tabuleiros desfila pelas ruas de Tomar,
numa manifestação de rara beleza e significado, normalmente no período da Páscoa.
As Festas do Divino Espírito Santo realizam-se por todo o Arquipélago dos
Açores, a partir do domingo de Pentecostes até ao Verão. Estas festas, de origem
medieval, vieram para os Açores com os primeiros povoadores. A invocação do
Espírito Santo durante as catástrofes naturais que frequentemente atingiram o
arquipélago e a fama dos seus milagres, a vida difícil e o isolamento das ilhas muito
contribuíram para que o culto se instalasse e perdurasse até aos nossos dias.
As festas do Espírito Santo são uma demonstração viva do espírito devoto e
alegre do povo açoriano e tornaram-se assim nas mais tradicionais de todo o
arquipélago dos Açores. O ponto principal das festas atinge-se com a distribuição dos
diferentes tipos de pão (pão doce, pão de mesa e pão de água) e vinho de cheiro por
toda a gente. O encerramento de todas estas festas é sempre grandioso. É com
enorme entusiasmo que se assiste a uma espantosa demonstração de fogo de
artifício, que ilumina a última noite festiva.
1
PROGRAMA 16
PORTUGAL, UMA SOCIEDADE MODERNA
A Internet revolucionou os espaços de convívio como, por exemplo, os cafés.
Estes sempre foram um lugar privilegiado para se conversar e trocar ideias com
amigos e colegas, enquanto se bebe um café ou se saboreia um capucino. A
comunicação alargou-se de tal modo que hoje é possível comunicar em tempo real
com pessoas em qualquer parte do Mundo. Estes espaços passaram a designar-se
cibercafés. Têm frequentemente no seu nome palavras relacionadas com o mundo
cibernético, sugerindo desde logo a possibilidade de se ter acesso à Internet. Neste
programa, vamos acompanhar a visita do João e da Ana a um cibercafé.
__________________________________________________________
Ana: – João, o que é que eles te disseram sobre a Internet?
João:– Bom, não me pareceu nada caro. Quanto mais usarmos, mais barato fica.
Ana: – É o normal. Como é que vamos fazer então?
João: – Eu sugiro que comecemos com meia-hora. Deve ser suficiente para vermos
os nossos e-mails, não achas?
Ana:–Acho pouco tempo. Não te esqueças de que temos de procurar informações
sobre a Madeira e os Açores.
João: – Que cabeça a minha!Tens toda a razão. Já me tinha esquecido disso.
2
Ana:– Que tal começarmos com uma hora para cada um de nós? Depois, se
precisarmos de mais tempo, podemos sempre pagar mais meia-hora.
João:– Olha, Ana, disseram-me ainda que se usarmos uma hora ou mais, temos
direito a um café.
Ana:– Excelente! Estou mesmo a precisar duma bica!
****
Ana:– João, já terminaste de escrever os teus postais?
João:– Estou quase a terminar... só preciso de escrever mais estes dois postais.
Ana:– Não sei como ainda tens paciência para escrever postais... Para mim, postais
só no Natal. E, mesmo assim... Sempre que posso, envio mensagens, SMS ou MMS.
João:– É claro que eu também prefiro escrever e-mails! Aliás, uso bastante o correio
electrónico, mas quando não há outro remédio...
Ana:– E, quanto menos se escreve postais ou cartas, menos se gosta de escrever,
não é verdade?
João: – Ana, diz-me lá, qual é o postal que devo enviar aos meus avós? Este aqui do
castelo de S. Jorge ou este com várias vistas de Lisboa?
Ana:– Sei lá. Os dois são bonitos. Mas, deixa-me ver melhor... Quanto mais olho
para este aqui com o castelo, mais gosto dele. O castelo é tão bonito!
João:– Obrigado. Então, vou enviar-lhes este. Vão adorar!
Ana:– Olha o que eu encontrei aqui sobre a Madeira.
João: – Mas, tu já conheces a Madeira, não conheces?
Ana:– Sim, fui lá uma vez, há muitos anos. Era eu ainda uma criança. Quase já nem
me lembro de nada...João. Achas que podemos pedir ao António para imprimir umas
folhas?
João:– Sim, claro. Tenho a certeza que ele não se importa. Mas, diz-me lá, o que é
que tu tanto precisas de imprimir?
Ana:– Não sejas curioso, João. Que mania!
João:– Olha quem fala!
3
Ana:– É que eu gravei numa pendisk as informações sobre a Madeira que encontrei
na net.
João: – Não acredito, Ana. Tu trouxeste uma pendisk! Não há dúvida que as
mulheres pensam sempre em tudo! Será que te posso pedir um favor, Ana?
Ana:– Hum! Deixa-me pensar... Talvez sim, talvez não...
João:–Vá lá, Ana. Não sejas assim. Afinal, os amigos são para as ocasiões, não
achas?
Ana:– Que descarado me saíste tu! Queres usar a minha pendisk, não é verdade? .
João:– Como é que adivinhaste?
Ana:– Já te conheço há muito tempo.
João:– E quanto mais me conheces, mais gostas de mim.
Ana:– Tens cá uma lata! Deixa-te de conversas e toca a despachar, se não hoje não
saímos daqui. Toma lá a pendisk! E depois, deixa-me ver o que encontrares sobre os
Açores.
João: – Sim, claro.Obrigado, Ana.
Ana:– Logo que terminares, vamos dar mais um passeio por Lisboa. Por isso,
despacha-te lá.
João:– Mas, estou quase pronto. É só mais um minutinho!
Que lindo! Ana, não queres vir comigo aos Açores?
Ana:– Claro, que gostava muito de ir lá . Mas desta vez tenho de ir à Madeira ... por
razões sentimentais, claro.
João:– Razões sentimentais? Vá lá , Ana, confessa-te.
Ana:– Não é o que estás a insinuar...é que os meus avós maternos eram de lá.
João:– Bom, está bem. Eu compreendo. Mas, olha que os Açores são
deslumbrantes...e para não falar da minha companhia,claro
Ana:– Tu não desistes. És mesmo teimoso!
João:– Ana, alguém que tu conheces bem manda-te saudades. Adivinha lá quem é.
Ana:– Não faço ideia nenhuma. Ah! Já calculo quem seja...
4
João:– Agora vou então procurar as informações sobre os Açores. E tu, Ana,
encontraste muita coisa sobre a Madeira no tal site?
Ana:– Sim, encontrei. Mas ainda me faltam as informações sobre os preços dos
bilhetes de avião.
João:– Boa ideia, Ana. Será que também me podias ver os preços para os Açores?
Ana:– Claro, João.
João: – Obrigado, Ana.
Ana:– Se nos sobrar tempo, podemos ainda fazer chat com aqueles nossos amigos
que estão sempre on-line!
João:– Estão sempre em linha, queres tu dizer!
__________________________________________________________
Neste programa vamos abordar o Futuro do Conjuntivo em construções
hipotéticas, as construções que traduzem proporcionalidade e ainda algumas
expressões do português.
Vamos começar por rever duas sequências do diálogo passado no Cibercafé em que
as personagens usam o Futuro do Conjuntivo.
Ana:– Que tal começarmos com uma hora para cada um de nós? Depois, se
precisarmos de mais tempo, podemos sempre pagar mais meia-hora..
João:– Olha, Ana, disseram-me ainda que se usarmos uma hora ou mais, temos
direito a um café.
****
Ana:– Se nos sobrar tempo, podemos ainda fazer chat com aqueles nossos amigos
que estão sempre on-line!
João:– Estão sempre em linha, queres tu dizer!
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1. FUTURO DO CONJUNTIVO E CONSTRUÇÕES HIPOTÉTICAS
Observemos agora algumas frases do diálogo.
CONSTRUÇÕES HIPOTÉTICAS
FUTURO DO CONJUNTIVO
1. “...se precisarmos de mais tempo, podemos sempre pagar mais meia-hora..”
2. “...se usarmos uma hora ou mais, temos direito a um café.”
3. “Se nos sobrar tempo, podemos ainda fazer chat com aqueles nossos amigos
que estão sempre on-line!”
As frases 1, 2 e 3 são construções hipotéticas. São frases que apresentam um
maior ou menor grau de incerteza ou de probabilidade. De um modo geral, o tempo
verbal usado neste tipo de construções é o Futuro do Conjuntivo, como em 1. “...se
precisarmos de mais tempo...”; em 2. “...se usarmos uma hora ou mais...” ou em 3.
“Se nos sobrar tempo...” Na frase principal ou subordinante destas frases, temos o
Presente do Indicativo. Ora, vejamos: (1) “...podemos sempre pagar mais meia-
hora...”;(2) “...temos direito a um café”; (3) “...podemos fazer chat com aqueles
nossos amigos...”
6
2. CONSTRUÇÕES QUE TRADUZEM PROPORCIONALIDADE
Comecemos por rever uma sequência do diálogo em que as personagens
usam um tipo de construção que traduz proporcionalidade.
(1)“Quanto mais usarmos, mais barato fica.”
(2)“Quanto menos se escreve postais ou cartas, menos se gosta de escrever...”
(3)“Quanto mais olho para este aqui com o castelo, mais gosto dele.”
(4) “E quanto mais me conheces, mais gostas de mim.”
Estas frases proporcionais são introduzidas por conectores correlativos. Os
conectores correlativos exprimem quantificação ou grau de intensidade. Observemos
o quadro-resumo:
CONECTORES CORRELATIVOS
Quanto mais..., (tanto) mais
Quanto menos..., (tanto) menos
7
3. ACTOS DE FALA
Quanto aos actos de fala, destacamos a expressão da irritação na seguinte
sequência:
Ana:– Não sejas curioso, João. Que mania!
E a expressão da censura neste excerto:
Ana:– Tu não desistes. És mesmo teimoso!
Vejamos agora o quadro-síntese:
ACTOS DE FALA
IRRITAÇÃO: “Que mania!”
CENSURA: “És mesmo teimoso.”
4. EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS
As expressões que destacamos no diálogo e que passamos a explicar são:
1. “Os amigos são para as ocasiões “ significa que se deve pedir ajuda aos amigos
quando se precisa.
8
2. “Tens cá uma lata.” significa ter descaramento ou atrevimento.
Na primeira frase “os amigos são para as ocasiões” significa que devemos
pedir ajuda aos amigos quando precisamos. No diálogo, esta frase foi dita com ironia;
Na segunda frase, a expressão “tens cá uma lata” significa que se tem
descaramento ou se mostra atrevimento.
Sugerimos que fiquem ainda connosco para conhecerem melhor Portugal. Hoje
apresentamo-vos alguns aspectos de modernidade da sociedade portuguesa.
_______________________________________________________________
Em Portugal, o primeiro cibercafé terá aparecido no ano de 1995 em Lisboa.
Mas este género de estabelecimentos tem vindo a crescer de tal modo que é possível,
hoje em dia, encontrá-los em pequenas cidades ou vilas pelo país. Neles, alugam-se
computadores à hora, compra-se material informático, imprimem-se páginas de um
documento, enviam-se mensagens de correio electrónico, fazem-se chats, vídeo-
conferências ou telefona-se usando voz IP. E tudo isto enquanto se come ou bebe
alguma coisa.
Num estudo realizado em 2004 concluía-se que 54% da população portuguesa
usava computador e cerca de metade da população afirmava ter computador em casa.
O mesmo estudo indicava que 43% dos portugueses utilizava a Internet, enquanto
31% dos inquiridos afirmava ter conexão à Internet em casa, mas ainda eram poucos
os que tinham acesso à Internet de Banda Larga. Estes dados têm vindo a sofrer
alterações positivas nos últimos anos devido aos incentivos proporcionados à
população. A Sociedade da Informação e da Comunicação criou nos cidadãos
portugueses novas expectativas em vários domínios como na educação, na cultura, na
9
economia, no entretenimento e nos serviços. A explosão da Internet veio permitir a
divulgação do conhecimento e da informação de forma rápida.
O desenvolvimento das novas tecnologias permitiu também modernizar as
empresas existentes e criar outras, com capacidade criativa, permitindo-lhes assim
competir num mundo cada vez mais globalizado. Portugal não foi excepção neste
domínio. Surgiram empresas inovadoras, competitivas e com projectos arrojados.
É o caso da Via Verde Portugal, empresa constituída em 2000, que faz a
gestão de sistemas electrónicos de cobrança de serviços, como as portagens. Nos
últimos anos, alargou o pagamento a postos de combustíveis e a parques de
estacionamento. A cobrança destes serviços faz-se através de um identificador
colocado no veículo e o equipamento colocado na via ou em qualquer outro local.
Nos telemóveis, Portugal também foi bastante receptivo. A taxa de adesão é
superior aos 100%, havendo mais telemóveis que habitantes. Por isso, as operadoras
têm vindo a diversificar a oferta de serviços, no sentido de tentarem fidelizar os seus
clientes. De entre os vários serviços, destaca-se o acesso móvel à Internet através de
tecnologias de 3ª geração.
No domínio da Educação, não pode deixar de referir-se que as escolas
públicas portuguesas estão, desde Janeiro de 2006, ligadas à Internet em Banda
Larga. Pretende-se com esta medida promover o uso das novas tecnologias na
Educação e esbater assim as assimetrias regionais. Salientamos ainda o projecto
denominado Escola Virtual que se baseia nas tecnologias da Informação e da
Comunicação. Este projecto apresenta na Internet todos os conteúdos programáticos
das várias disciplinas, concebidos por pessoas especializadas e recorrendo à
integração de recursos multimédia. Trata-se de um modelo de aprendizagem muito
inovador e que utiliza as mais modernas Tecnologias da Informação e da
Comunicação.
A introdução do cartão electrónico em algumas escolas portuguesas surge no
seguimento de um esforço para modernizar a escola e melhorar a qualidade de vida
10
de todos os seus participantes. Assim, o dinheiro vivo deixa de existir na escola e
todos os pagamentos nos vários serviços, como a papelaria e o refeitório, são feitos
através do cartão. Este introduz também uma maior celeridade no acesso aos
serviços, deixando de existir filas. O cartão pode também ser usado na biblioteca ou
na sala de computadores. Para além disso, o cartão permite um maior controlo do
encarregado de educação em relação ao seu educando, autorizando ou não a saída
deste do recinto escolar e conhecendo ainda rapidamente as suas faltas e notas.
Na Indústria de Moldes para Plásticos, Portugal ocupa um lugar de relevo, a
nível mundial. A maioria das empresas ligadas a esta área localiza-se na zona da
Marinha Grande. São na generalidade pequenas e médias empresas, PME’s, mas a
sua produção é reconhecida pela enorme precisão e excelente relação
qualidade/preço. Produzem geralmente os moldes para as Indústrias automóvel,
electrónica, de embalagem e de electrodomésticos. Esta indústria tem sabido
acompanhar a modernização dos tempos, investindo em alta tecnologia e apostando
na especialização dos seus empregados.
Portugal tem-se destacado também na produção de embalagens de plástico
para as maiores empresas do mundo nas áreas da alimentação, da limpeza e da
indústria automóvel. Produzem-se assim milhões de embalagens em plástico para
guardar produtos tão variados como margarinas, água, leite, iogurtes, produtos de
limpeza e óleos lubrificantes. Os produtos produzidos têm-se conseguido impor no
mercado internacional pela sua qualidade, utilidade e originalidade no design.
Portugal tem-se modernizado muito nestas últimas décadas. Terá de continuar
a fazê-lo com determinação, audácia e muita criatividade, se quiser competir com os
outros países da União Europeia e do Mundo.
1
PROGRAMA 17
MADEIRA
As regiões Autónomas dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira são dois
destinos com características bem diferentes para quem quer conhecer o outro lado de
Portugal: o Portugal insular.
O Arquipélago da Madeira fica a cerca de mil quilómetros a sul de Portugal
continental e a 600 km do continente africano e é formado pelas ilhas da Madeira e do
Porto Santo, além de outros ilhéus. Descoberto e colonizado nos princípios do séc.
XV, surpreende pela beleza contrastada das suas principais ilhas: a extensa praia de
areia branca de Porto Santo e a diversidade geológica da Ilha da Madeira, com picos
montanhosos, florestas e muito casario disperso pelas encostas.
A Ana e o João queriam conhecer estas duas realidades mas como não tinham
muito tempo, decidiram separar-se; assim, cada um foi em busca do que mais
atractivo sentia para si. A Ana, que gosta tanto de andar e sentir a natureza
atravessando paisagens intensas, foi à Madeira, porque lá podia andar pelas levadas
no meio de vistas deslumbrantes e penhascos, entre a serra, o céu e o mar.
Reencontraram-se em Lisboa, depois destas suas experiências. Neste
programa a Ana contou ao João as suas impressões de viagem...
Ana: – Tive tanta pena que não tivesses ido comigo, João! Não podes imaginar a
beleza daquelas paisagens... É ainda mais bonito do que eu supunha!...
2
João: – Bem, eu acho que imagino... Como é uma Ilha, deve ser parecida com S.
Miguel, não? Deve haver muitas lagoas, muitas vistas calmas para o mar...
Ana: – Não, João! Nada disso! A Madeira não tem nada a ver com os Açores... Eu
lembro-me bem. Quando visitei os Açores com os meus pais, vi zonas planas por
entre os montes, as fajãs, que é onde se cultiva muita coisa, não é?
João: – Exactamente. É muito bonito...
Ana: - Mas na Madeira praticamente não existem fajãs... ou existem muito poucas...
As que existem são muito pequenas porque a ilha é mesmo muito montanhosa. Olha!
Imagina uma folha de papel muito amarrotada... põe-na em cima de água.... é a ilha...
com montanhas e picos muito altos... e vales muito fundos... Agora imagina estradas
que serpenteiam por essas montanhas e muitas casinhas espalhadas e nos sítios
mais incríveis... Há imensa vegetação... muita água... muitos regatos... e as levadas...
É lindo!...
João: – Então as estradas devem ter muitas curvas, não?
Ana: – Lá isso é verdade; mas agora anda-se muito bem... é muito mais fácil do que
há 10 anos atrás. Ultimamente têm aberto tantos túneis, têm construído tantas
estradas novas e viadutos que se torna muito fácil atravessar a ilha.
João: – A sério?
Ana: – É impressionante! Por exemplo, ainda não há muitos anos demorava-se mais
de duas horas para se ir do Funchal a S. Vicente, que fica no lado norte... agora leva-
se pouco mais de meia hora.
João: – Que diferença!!! É muito bom!
Ana: – É óptimo para as pessoas. É claro que, quem quer passear e ver a paisagem,
vai pelas estradas mais estreitas que sobem e descem os montes e leva mais tempo.
Mas quem precisa de se deslocar rapidamente de um lado para o outro, vai pelas vias
rápidas, mais largas, com muitos túneis... e quase sem curvas...
João: – Então de que é que gostaste mais?
3
Ana: – Olha que é difícil de dizer. A paisagem é fantástica: há sempre o verde da
vegetação e o azul forte do mar. É óbvio que adorei os caminhos ao longo das
levadas! Têm paisagens de cortar a respiração! Alguns são mesmo difíceis de
percorrer porque são muito estreitos e à beira de precipícios... com o mar lá muito em
baixo... Há quem faça estes caminhos todos...
João: – A pé???
Ana: – Claro. Lá não cabem carros ... nem bicicletas... e em grande número das
levadas é mesmo preciso ter cuidado! É preciso ver bem onde se põe o pé... Anda-se
muito... mas depois há sempre uma poncha e uma espetada à nossa espera... para
retemperar forças!
João: – Poncha?
Ana: – Ah! É uma bebida muito popular feita com aguardente de cana, mel e limão... é
uma delícia....
João: – Estou a ver... E a capital?
Ana: - O Funchal tem imenso movimento... É uma cidade muito agradável. À noite é
tão bom passear junto ao mar!... não faz frio... O clima é sempre ameno.
Ah! E no Domingo havia bandas de música a tocar em vários pontos da cidade!
João: – A sério?
Ana: – É verdade! E ranchos folclóricos também! Iam andando pela rua, depois
chegavam a um largo e começavam a dançar... Elas têm umas saias com riscas
verticais muito coloridas. Foi muito engraçado.
João: – Sei. Já vi em várias revistas.
Ana: – E devias ter visto o Bailinho da Madeira. É curioso. Não faço ideia nenhuma
por que razão é que eles dançam semi-dobrados. Deve haver uma razão qualquer!
Não me lembrei de perguntar a ninguém.
João: – O quê?! Tu falas pelos cotovelos... e não perguntaste a ninguém? Como pode
ser possível? Eu nem acredito...
Ana: – Eu quase só falei com outros turistas... E acho que falei muito pouco!
4
João: – Deixa-me rir! Tu achas que falas pouco?!!!
Ana: – É verdade. Mesmo agora a falar contigo, apesar de tudo o que já te disse,
ainda não te consegui contar nada da viagem. Acho mesmo que tenho de lá voltar
porque ficou muita coisa por ver.
A Ana gostou bastante de tudo o que viu na Ilha da Madeira e contou ao João
alguns dos momentos da sua viagem. Vamos observar neste programa algumas
formas de construção da concordância em frases negativas, a expressão de
modalidade com o verbo “dever” e o valor de algumas expressões de passado.
1. EXPRESSAR NEGAÇÃO
Em português as frases negativas são normalmente introduzidas pelo
marcador de negação “não”. Este marcador de negação, “não”, é colocado antes do
verbo que nega, ou seja, em posição anterior ao constituinte negado.
Ana: – (...) Não podes imaginar a beleza daquelas paisagens...
Ana: – (...) À noite é tão bom passear junto ao mar!... Não faz frio.
Ana: – (:..) não faço ideia ...
É também possível usar simultaneamente o marcador “não” e quantificadores
negativos na mesma frase. Esses quantificadores negativos podem ser, por exemplo,
nada.
5
Ana: – Não, João! Nada disso! (...)
A frase “nada disso” é equivalente a “não é nada disso”.
Nada disso! = Não é nada disso!
Trata-se de um processo de intensificação da negativa que tem como objectivo
explicitar a intenção do locutor em relação àquilo que é referido. O locutor poderia ter
dito apenas “Não é isso”. No entanto, prefere enfatizar aquilo que diz:” Não é nada
disso”. Dizer “não é nada disso” significa dizer “é o contrário disso”, “é o oposto
disso”. Observemos outro exemplo semelhante do diálogo:
Ana: – (...) É curioso. Não faço ideia nenhuma por que razão é que eles
dançam semi-dobrados.
O locutor poderia ter dito apenas “Não faço ideia”. Em vez disso, opta mais
uma vez por enfatizar o que diz, recorrendo ao marcador de negação Não e a um
quantificador negativo: nenhuma: “Não faço ideia nenhuma”.
O português permite, em certas frases, a presença de mais de um constituinte
negativo, como é caso das frases que vimos: Não... nada; Não...nenhuma.
2. DEVER + INFINITIVO
Neste diálogo, ocorrem várias frases construídas com o verbo dever +
Infinitivo. Trata-se de mais uma forma de modalidade em português, à semelhança
6
do que acontece com poder + infinitivo. Como vimos em programas anteriores,
poder + infinitivo tem o valor de “possibilidade”.
No caso concreto do verbo dever + infinitivo, um dos seus significados está
associado a “probabilidade” e à manifestação de um certo grau de incerteza. Vejamos
os exemplos do diálogo:
João: – (...) Como é uma Ilha, deve ser parecida com os Açores, não?
Deve haver muitas lagoas, muitas vistas para o mar...
João: – Então as estradas devem ter muitas curvas, não?
Todos estes exemplos revelam expectativas do João. Ele refere-se a uma
realidade que não conhece, ou seja, à Madeira, baseando-se naquilo que conhece dos
Açores. São frases que explicitam uma ideia de probabilidade e podem ser
substituídas por outras estruturas, de igual significado:
deve ser parecida com os Açores, não?
provavelmente é ... parecida com os Açores, não?
é provável que seja parecida com os Açores, não?
deve haver muitas lagoas
provavelmente há muitas lagoas...
é provável que haja muitas lagoas
devem ter muitas curvas, não?
provavelmente têm ... muitas curvas, não?
é provável que tenham muitas curvas, não?
A mesma ideia está contida nesta frase da Ana “Deve haver uma razão qualquer”.
7
Ana: – (...) Deve haver uma razão qualquer!
Ela considera que “provavelmente” há uma razão qualquer para eles dançarem
semi-dobrados. Mas um outro sentido, bem diferente de probabilidade, tem a frase:
“devias ter visto o Bailinho da Madeira”.
Ana: – E devias ter visto o Bailinho da Madeira.
Aqui está contida a ideia de sugerir, ou melhor, de envolver o João numa
situação que este não conhece. Poder-se-ia mesmo dizer que equivale a “É pena que
não tenhas visto o Bailinho da Madeira ...” .Embora não se verifique no diálogo, a
construção dever + Infinitivo pode ter ainda um outro significado. Está relacionado
com “necessidade” e com “obrigatoriedade”. Será, por exemplo, o caso de:
O senhor deve apanhar um táxi para chegar ao aeroporto. [necessidade]
Ele deve obedecer imediatamente à ordem da polícia [obrigatoriedade]
Ainda uma particularidade deste verbo modal dever: não é usado no Pretérito
Perfeito do Indicativo e raramente surge no Futuro do Conjuntivo. Nesses casos é
normalmente substituído por ter de.
Ele teve de apanhar um táxi para chegar ao aeroporto
8
3. EXPRESSÃO DE TEMPO PASSADO PRÓXIMO: O PRETÉRITO PERFEITO
COMPOSTO
O Pretérito Perfeito Composto é formado pelo auxiliar ter no presente do
Indicativo e o Particípio Passado de outro verbo. Como tempo gramatical, apresenta
características particulares em português, que o distinguem de muitas outras línguas.
De facto, este tempo marca um aspecto iterativo, isto é, de repetição, e também de
duração, de algo que se inicia no passado mas que perdura até ao presente, até ao
tempo em que se fala, podendo ainda prolongar-se no futuro. Vejamos estes
exemplos retirados do diálogo:
Ana: – (...) Ultimamente têm aberto tantos túneis, têm construído tantas
estradas novas e viadutos que se torna muito fácil atravessar a ilha.
A Ana quis efectivamente explicar ao João que a abertura de novos túneis e a
construção de novas estradas são actividades que começaram há um tempo não
especificado e continuam a decorrer. Este tempo pode conter também uma leitura de
iteratividade, isto é, de repetição ao longo do tempo. Esta leitura pode ser apoiada
pela presença de advérbios ou de expressões adverbiais. A presença do advérbio
“ultimamente” reforça a marcação de um tempo indeterminado bastanto vago, não só
quanto ao seu início como também quanto ao seu termo.
4. EXPRESSÃO “FALAR PELOS COTOVELOS”
Uma breve nota para alertar para uma expressão usada pelo João. Ele acha
que a Ana é muito faladora, por isso diz:
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João: – O quê?! Tu falas pelos cotovelos... e não perguntaste a ninguém?
“Falar pelos cotovelos” é uma expressão muito frequente para caracterizar
pessoas que falam muito e com grande desembaraço. É usada num registo de língua
familiar.
Vamos agora passear um pouco pela Ilha da Madeira e fazer o reconhecimento
do ambiente que a Ana viveu e quis descrever ao João...
Apesar de ser muito montanhosa, a Ilha da Madeira é quase
inteiramente aproveitada para produção agrícola. Para isso, ao longo do tempo foram
sendo escavados socalcos, que criam espaços planos pelos montes para o cultivo de
produtos agrícolas, e foi desenvolvido um sistema de irrigação, formado por inúmeros
canais – as levadas. As levadas designam-se assim porque “levam” a água do Norte
da Ilha para outras zonas do sul onde ela é mais escassa. Os caminhos de
manutenção dos canais formam passeios pedestres de indiscutível beleza um pouco
por toda a ilha e não têm qualquer acesso por estrada. Uns são mais longos, outros
mais curtos, uns podem ser visitados por amadores, outros só por caminhantes
treinados porque passam por caminhos íngremes e desafiam o equilíbrio, outros
mostram cascatas que se precipitam em vales profundos, mas todos eles possuem a
magia do contacto directo com a natueza. No total, esses canais correspondem a
mais de 2000 km e alguns datam dos pricípios do séc. XVI.
Por todos os cantos e no meio das luxuriantes florestas existem locais próprios
para as famílias se reunirem em alegres piqueniques, com espaços próprios onde se
podem grelhar as tradicionais espetadas...
10
A cidade do Funchal, a capital, é um enorme anfiteatro que se espraia pelos
montes circundantes da baía. Esta tem a forma de um porto natural onde os barcos
dos pescadores convivem com barcos de recreio na marina e com os cruzeiros
transatlânticos no cais... Entre a Cidade Velha, de ruelas estreitas, a leste, e a zona
turística, de grandes hotéis, a oeste, fica o coração da cidade, com o seu importante
centro histórico, no qual, a Sé, acabada de construir em 1514, é um dos símbolos mais
representativos.
Aos domingos, a alegria é tónica da cidade. Grupos folclóricos animam a baixa
do Funchal cantando e dançando, entre muitas outras, o seu tão característico
Bailinho da Madeira. Os jovens dançam curvados, recordando os tempos em que os
escravos dançavam assim por não poderem erguer os olhos para ver os seus
patrões...
O Mercado dos Lavradores é um cartão de visita da Madeira. Ali é possível
encontrar um pouco de tudo o que é produzido na Ilha, desde produtos agrícolas e
peixe, até objectos em verga, frutas e também, flores, muitas flores. A Ilha oferece
enorme variedade de flores exóticas. Entre elas, as orquídeas e as estrelícias que são
o ex-libris da Madeira.
Lá no alto, a capela da Senhora do Monte domina a paisagem. É possível subir
no teleférico e descer no tobogã, uma espécie de trenó feito em verga com deslizantes
de madeira, empurrado por dois condutores que o guiam, travando com as suas
próprias botas. É um transporte típico usado apenas no Monte que data de 1850 e é,
sem dúvida, uma forma bastante original de descer. Depois, um cálice de um dos
deliciosos tipos de vinho da Madeira ajuda a recuperar o fôlego...
Muito perto do Funchal há uma pitoresca vila de pescadores que preserva no
nome a existência de antigas colónias de lobos marinhos: é Câmara de Lobos, um dos
centros mais importantes de pesca do peixe-espada. Este peixe é mais uma das
especialidades da Madeira. É pescado à linha e vive a cerca de 800 metros de
11
profundidade. Frito ou grelhado, com ou sem banana, não há restaurante que não o
tenha na ementa.
O resto da Ilha, agora muito acessível graças à rede viária com túneis, que
torna mais prática a travessia dos montes, mostra-se muito diversificado: é fácil visitar
as piscinas naturais de Porto Moniz no extremo oriental, subir à simpática aldeia de
Santana a 400 metros de altitude para ver as originais casas, descer à enseada
mimosa de Porto da Cruz, subir aos cumes do Pico do Arieiro, descobrir o miradouro
da Eira do Cerrado e descer àquila vila perdida lá em baixo no fundo dos montes que
dá pelo nome de Curral das Freiras, passar pela Camacha para ver o artesanaoto e ir
até às falésias de S. Lourenço no extremo mais ocidental... e, de regresso ao Funchal
pelo Machico, passar por baixo da gigantesca pista de aterragem do aeroporto de
Santa Cruz....
1
PROGRAMA 18
AÇORES
A região Autónoma do Arquipélago dos Açores é um destino cheio de magia
para quem quer conhecer um pouco mais de Portugal. As nove ilhas açoreanas ficam
a cerca de 1 400 quilómetros a oeste de Lisboa e espalham-se pelo Atlântico norte ao
longo de 650 Km, reunidas em três grupos: o grupo oriental, com as Ilhas de Santa
Maria e São Miguel, onde se situa a capital Ponta Delgada; o grupo central, com as
ilhas Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial; e o grupo ocidental, com as duas
pequenas e mais isoladas ilhas: Flores e Corvo. Estas ilhas têm vulcanismo activo
porque estão isoladas na linha Dorsal Média Atlântica, uma das linhas de afastamento
das placas da crosta terrestre.
O João, que prefere ambientes tranquilos mas que ao mesmo tempo tem um
fraquinho por vulcões, foi à Ilha de S. Miguel e ficou com pena de não ter tempo para
visitar as outras ilhas...veio deslumbrado!
Reencontrou-se com a Ana em Lisboa, depois destas suas experiências, e
contou-lhe as suas impressões de viagem.
João: – A minha viagem foi mesmo muito diferente da tua.... Pelo que contas da
Madeira, não encontro muitas semelhanças...
Ana: – Mas também deves ter muita coisa para contar sobre S. Miguel, não?
Gostaste?
João: – Vim apaixonado!
2
Ana: – São bonitas, as açoreanas?!
João: – Ó Ana! Não é nada disso! Pelo que me disseste, a Madeira deve ser uma Ilha
com muita gente... com muito movimento.... muito activa, digamos assim...
Ana: – A Ilha da Madeira, sim. O Porto Santo talvez seja mais calmo!
João: – Pois... é que em S. Miguel sente-se uma tranquilidade enorme... é difícil de
descrever... Sente-se... Pronto!
Ana: – Acho que te entendo... A Madeira é uma ilha com muita gente! O Funchal está
completamente cheio de turistas...
João: – Talvez seja isso! Em Ponta Delgada... turistas... não há muitos, não! Aliás, a
cidade é como se fosse o reflexo de toda a Ilha. Cheira a tranquilidade por
todos os cantos... E pelo que me disseram, é mesmo uma característica de todo
o Arquipélago açoreano: em terra, predomina o verde... com muitas hortênsias
azuis a separar terrenos e estradas... e com salpicos pretos e brancos... são as
vacas a pastar!!!
Ana: – Mas que bucólico... Tanta paz deve ser para compensar a actividade
vulcânica...não? Eu lembro-me de ter ouvido falar num tremor de terra há
poucos anos, não foi?
João: – Foi. Mas foi no mar, muito perto da Ilha Terceira. Acho que foi em 1998...
2000... Mas mais famoso do que esse tremor de terra foi a erupção dos
Capelinhos em 1957 na Ilha do Faial... Eu não fui lá, mas pelas fotografias que
vi, deve ter sido medonho... Houve quem se assustasse!...
Ana: – Mas quem é que não se assusta com um tremor de terra?... As pessoas lá
devem sentir muitos tremores de terra, não?
João: – Não. Acho que deve haver alguns, mas como são pequeninos, ninguém nota.
No entanto, em S. Miguel há alguns sítios onde se sente mesmo aquela força
natural, telúrica. Apesar de a última erupção ter sido em 1630, há várias fontes
de água quente e, junto da Lagoa das Furnas, por exemplo, há muitas
3
fumarolas e cheira imenso a enxofre. Eles chamam-lhes caldeiras e fazem lá
um cozido sensacional. Imagina tu! É um cozido único!
Ana: – Cozido? Cozido de quê?
João: – ... de hortaliças e vários tipos de carnes e enchidos. É tudo metido numa
panela grande, é tapado e depois põem a panela dentro dum saco. Com a
ajuda de uma corda, colocam-na num buraco, no chão. Ao fim de umas cinco
ou seis horas... quando se abre aquela panela... Hum... que cheirinho!
Ana: – Já te estou a ver deliciado com o cozido! Ou não fosses tu o comilão-mor!
João: – Podes crer. Comi muito... mas uma vez não são vezes... E soube tão bem!...
Ana: – Deve ser saboroso... E depois, que mais é que viste?
João: – As paisagens!... São todas deslumbrantes... Quando vinha das Furnas, passei
por Vila Franca do Campo, uma cidade muito bonita. No mar, mesmo em frente,
mais ou menos a um quilómetro, há um ilhéu que é o que resta de uma cratera
antiga e que forma a baía mais deliciosa que alguma vez vi! É praticamente
circular, tem cerca de 150 metros de diâmetro.
Ana: – Uau! Deve ser giro!
João: – É fabuloso! Infelizmente passei por lá já tarde e fiquei pouco tempo, porque
apanhei o último barco! Era o último do dia. Para lá ia vazio... mas era também
o último para voltar... E vinha completamente cheio! Nem imaginas...
Ana: – Podias ter vindo a nado...
João: – A nado?! Bom... Lá poder, podia! Era só um quilómetro... mas talvez fosse
um bocadinho cansativo.
Ana: – Bom! Pelos vistos, gostaste mesmo!
João: – Adorei! Tenho de voltar lá com mais tempo... Não tenho palavras para
descrever... As Lagoas são lindas! A Lagoa do Fogo tem uma cor verde
esmeralda... é inacreditável! Ah! E aquela lagoa das Sete Cidades, com uma
metade verde, outra metade azul... como os olhos da princesa e do pastor...
Ana: – O quê? Tu sentes-te bem?
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João: – Ah! Pois... Tu não sabes a lenda daquela lagoa... Diz a lenda que uma
princesa...
O João veio encantado com a sua visita à Ilha de S. Miguel, no Arquipélago dos
Açores. Na sua conversa com a Ana, ele descreve essa experiência e usa algumas
construções linguísticas que podemos observar mais atentamente. Seleccionámos
para hoje uma reflexão sobre formas de indeterminação e uma breve análise sobre o
uso e omissão do artigo definido com nomes geográficos.
1. INDETERMINAÇÃO DE SUJEITO
Sabemos que em português é frequente construir frases sem explicitar o
sujeito, já que o podemos reconstituir pela própria flexão do verbo. Isto é possível,
porque o português é uma língua de sujeito nulo. Por exemplo, tomemos a frase
proferida pelo João:
- Vim apaixonado!
O verbo, na primeira pessoa do singular – vim – indica-nos que o sujeito da
frase é o pronome eu. O sujeito está, neste caso, subentendido.
No entanto, em português nem sempre há um sujeito com referência definida, como
no exemplo apresentado. Casos há em que o sujeito pode ser indeterminado, ou seja,
não tem uma referência definida. Em português, há várias formas de tornar o sujeito
indeterminado. Vamos olhar para alguns dos exemplos do texto:
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João: – Pois... é que em S. Miguel sente-se uma tranquilidade enorme... é difícil de
descrever... Sente-se... Pronto!
João: – Talvez seja isso! Em Ponta Delgada... turistas... não há muitos, não! Aliás, a
cidade é como se fosse o reflexo de toda a Ilha. Cheira a tranquilidade por
todos os cantos... E pelo que me disseram, é mesmo uma característica de
todo o Arquipélago açoreano...
João: – ... de hortaliças e vários tipos de carnes e enchidos. É tudo metido numa
panela grande, é tapado e depois põem a panela dentro dum saco. Com a
ajuda de uma corda, colocam-na num buraco, no chão. Ao fim de umas cinco
ou seis horas... quando se abre aquela panela... Hum... que cheirinho!
Constatamos que existem aqui duas formas diferentes de exprimir o sujeito
indeterminado. Uma recorre à terceira pessoa do singular do verbo, acompanhada do
pronome se; É o caso de:
SUJEITO INDETERMINADO: SE
sítios onde se sente...
quando se abre
� a outra usa o verbo na terceira pessoa do plural, como nos exemplos:
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SUJEITO INDETERMINADO:
3ª PESSOA PLURAL
pelo que me disseram
depois põem a panela
colocam-na num buraco
2. USO E OMISSÃO DO ARTIGO COM NOMES GEOGRÁFICOS
Uma outra questão interessante em português prende-se com o uso e com a
omissão do artigo definido junto de nomes geográficos e de topónimos, ou seja, junto
de nomes de localidades. Os artigos definidos têm a função de determinar (ou
apresentar) o nome que os segue.
Encontramos alguns exemplos no diálogo que ouvimos há pouco. Vejamos:
João: – A minha viagem foi mesmo muito diferente da tua.... Pelo que contas da
Madeira, não encontro muitas semelhanças...
***
João: – Foi. Mas foi no mar, muito perto da (Ilha) Terceira. Acho que foi em 1998...
2000... Mas mais famoso do que esse tremor de terra foi a erupção dos
Capelinhos em 1957 na Ilha do Faial...
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João: – (...) As Lagoas são lindas! A Lagoa do Fogo tem uma cor verde
esmeralda... é inacreditável! Ah! E aquela lagoa das Sete Cidades com uma
metade verde.
De acordo com a regra geral, cada nome (ou substantivo) é precedido do artigo
que o apresenta no discurso. O artigo está normalmente presente no caso concreto de
nomes de países, de regiões, de continentes, de oceanos, de mares e de
arquipélagos. É o que acontece com a maioria dos nomes geográficos, como por
exemplo, os nomes de oceanos ( o Atlântico, o Pacífico, o Índico), de mares ( o
Mediterrâneo, o Mar Negro) e de rios (o Tejo, o Amazonas, o Mississipi).
o Atlântico, o Pacífico...
o Índico, o Mediterrâneo...
o Tejo, o Amazonas, o Mississípi
É também o que acontece com a maioria dos nomes de países (o Brasil, a
Àfrica do Sul, os Estados Unidos) e de ilhas (as Honduras, a Madeira, os Açores ).
o Brasil, a Àfrica do Sul, , os Estados Unidos,
as Honduras, , a Madeira, os Açores, etc..
8
No entanto, há casos de países em que o artigo é omitido. É o que se verifica
com países como:
Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Goa, Macau,
Timor, Marrocos, Israel, Cuba, Malta
Com os nomes de localidades, o artigo é, normalmente, omitido.
E é o caso da grande maioria dos nomes de cidades:
Ponta Delgada, Vila Franca do Campo, Lisboa, Madrid, Paris, Tóquio,
Estocolmo, Dakar, Luanda, Sidney, Los Angeles.
No entanto, quando os topónimos correspondem a um nome comum existente
na língua, verifica-se frequentemente a presença do artigo. Vejamos os exemplos:
Ana: – (:..) O Funchal está completamente cheio de turistas...
João: – (...) Mas mais famoso do que esse tremor de terra foi a erupção dos
Capelinhos em 1957 na Ilha do Faial... (...)
João: – (:..) há várias fontes de água quente e, junto da Lagoa das Furnas, por
exemplo, há muitas fumarolas e cheira imenso a enxofre.
João: – As paisagens!... são todas deslumbrantes... Quando vinha das Furnas,
passei por Vila Franca do Campo, uma cidade muito bonita.
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As palavras “lagoa” ou “furnas” são palavras comuns do vocabulário quotidiano.
Lagoa refere um pequeno lago e furnas são cavidades naturais existentes em rochas.
Palavras como “Funchal” e “Faial” também são oriundas do vocabulário comum,
embora possam ter um sentido menos transparente. Funchal significa um local onde
havia grande concentração de funcho, uma planta herbácea de crescimento
espontâneo; e Faial quer igualmente dizer um local onde havia muitas faias, plantas
também de crescimento espontâneo. Assim, “funchal” e “faial” formam-se
respectivamente a partir de “funcho” e de “faia”, nomes das plantas que nasciam
espontaneamente no local onde surgiram as cidades que designam, a que se veio
juntar o sufixo –al, que quer dizer conjunto, ou colectivo de determinada planta, árvore,
etc.
Assim, sintetizando, normalmente os nomes de cidades só admitem a presença
de artigo quando têm origem num nome comum. Recordamos aqui mais alguns nomes
de outras cidades que são usadas com o artigo. Por exemplo:
O Porto, o Rio de Janeiro, a Guarda, a Praia, a Cidade Velha
3. EXPRESSÂO DO PORTUGUÊS
Ao referir-se ao barco que liga Vila Franca do Campo ao Ilhéu, o João disse
que vinha ‘apinhado’ ou vinha ‘à pinha’. É uma maneira informal de explicar que o
barco trazia muita gente, vinha completamente cheio, não cabia mais ninguém.
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Vir apinhado ou à pinha = vir muito cheio de
gente
E agora chegou o momento de irmos conhecer um pouco deste paraíso que o
João visitou.
As nove ilhas que constituem este arquipélago são conhecidas pelas
paisagens vulcânicas, pela flora abundante e pela tranquilidade. Possuem condições
ideais para quem gosta de se isolar, de passear calmamente ou de entrar pelo mar
num barco à vela.
A Ilha de S. Miguel é a maior e também a mais povoada das ilhas do
Arquipélago. Com 90 km de comprimento e entre 8 a 15 km de largura, contém
excitantes paisagens vulcânicas com caldeiras que resultam de antigas erupções e
com nascentes termais em vários pontos da ilha. O Vale das Furnas é um dos ex-libris
da ilha. É uma enorme caldeira rodeada por flores e vegetação frondosa onde
repousam as águas transparentes e tranquilas da Lagoa das Furnas. Nas suas
margens, as sulfaradas vulcânicas, as caldeiras, com água fervente e borbulhante com
o seu característico cheiro a enxofre e o calor do próprio terreno, criam um espaço
único onde se desenvolvem as cozinhas naturais como o famoso «cozido». Existem
muitas nascentes de água termal a diversas temperaturas.
Diferente, mas igualmente fascinante, a lagoa do Fogo de águas límpidas azul-
turquesa, ocupa a cratera de um antigo vulcão. Em dias de sol, aquela pequena praia
de areia lá ao longe é um local paradisíaco para um piquenique! A ocidente, a Lagoa
das Sete Cidades, com 12 km de perímetro, possui o fascínio da conjugação de duas
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lagoas, uma azul e outra verde que, como diz a lenda, teriam sido formadas com as
lágrimas de uma princesa e de um pastor que tiveram os seus amores contrariados.
A Ilha Terceira é a mais desenvolvida das ilhas do grupo central. Angra do
Heroísmo, a capital, declarada Património Mundial em 1983, teve um papel importante
ao longo da história como ponto estratégico de ligação entre Europa, África e América.
O interior é predominantemente verde mas no litoral norte há zonas áridas cobertas de
lava. Nos Biscoitos estes campos de lava formam piscinas naturais muito frequentadas
no verão.
A Ilha do Pico deve o seu nome à montanha que domina toda a ilha e que
constitui o ponto mais alto de Portugal com 2351 metros de altitude. A região ocidental
é caracterizada pela cultura da vinha, cultivada entre muros feitos de pedras de lava
soltas. Estas formam paisagens classificadas pela UNESCO, desde 2004, como
Património Mundial.
Na frente do Pico, separada por um canal de 8 km, a Ilha do Faial é muito
conhecida pela marina da bonita cidade da Horta. Pela sua localização geográfica, é
paragem quase obrigatória para os veleiros que cruzam o Atlântico Norte. As
tripulações têm por hábito deixar nas paredes do cais os seus cartões de visita
tornando muito alegre o ambiente em volta. Esta ilha, o Faial, ficou igualmente
conhecida pela erupção do vulcão dos Capelinhos em 1957-58. São bem visíveis as
marcas que deixou quer pela extensão de cinzas quer pelo farol meio soterrado que ali
permanece.
O que une toda a comunidade açoreana são as Festas do Espírito Santo
comuns a todas as ilhas que têm lugar no domingo de Pentecostes. Preparadas
durante as sete semanas depois da Páscoa, envolvem rituais muito antigos que
apenas aqui ficaram preservadas. Estas festas, trazidas para as ilhas pelos primeiros
colonos portugueses no século XV, constituem ainda hoje uma forte tradição que junta
familiares emigrados em países como a América do Norte, Brasil e outros.
1
PROGRAMA 19
AUTORES CONTEMPORÂNEOS ENCONTRO COM JÚLIO POMAR
Numerosas figuras portuguesas sobressaem actualmente no panorama
artístico e cultural internacional. Para darmos só alguns exemplos, poderemos falar do
arquitecto Siza Vieira… da pintora Paula Rego…do pintor Manuel Cargaleiro…do
escultor João Cutileiro e da pintora Graça Morais.
Entre estas figuras de projecção mundial, incluiu-se o pintor e escultor Júlio
Pomar, a cuja obra daremos hoje particular atenção.
Júlio Artur da Silva Pomar nasce em Lisboa, a 10 de Janeiro de 1926.
Frequenta Belas-Artes, primeiro em Lisboa e depois no Porto. A sua obra, plena de
liberdade criadora, manifesta uma acentuada diversificação de processos e evidencia
um percurso multifacetado e singular.
Hoje, a Ana e o João passaram a tarde numa livraria. Foram procurar
conhecer alguns autores portugueses de projecção internacional.
João: – Então, Ana? Satisfeita com os livros que comprámos?
Ana: - Com os que comprámos, sim! No entanto, não consigo deixar de pensar nos
que não pudemos comprar... Acredita: ainda gostaria de ter comprado muitos mais...
João: – Ou não fosses tu uma leitora inveterada...
Ana: - Sou realmente uma leitora inveterada! Mais ainda: orgulhosa e saudavelmente
inveterada!
João: – Sim, está bem! Justifica-te. És mas é compulsiva!
2
Ana: – Sim, mas de forma sã! Sãmente compulsiva, se me permites!
Ana: - Ainda te digo mais: um dia, se eu tivesse dinheiro suficiente, gostaria de abrir
uma livraria... Olha, se não conseguir voltar (se ficar por lá...) abro uma livraria
especializada em livros portugueses!
João: – Desce à terra, Ana! Não te conhecia essa faceta de jovem empresária!
Embora até perceba esse teu sonho! Com tantos autores portugueses para conhecer
melhor! Era juntar o útil ao agradável!
Ana: - Sim, há inúmeras personalidades portuguesas cujos percursos têm sido
brilhantes! E merecem mesmo ser conhecidos!
João: – Os livros que comprámos referem-se só a alguns exemplos: Paula
Rego...Júlio Pomar ...
Ana: - Passa-me aí o livro sobre Pomar! É um dos maiores nomes da pintura
portuguesa! Representado nas mais diversas galerias mundiais!
João: – Das artes plásticas, se não te importas! Tem pintura, mas também desenho,
escultura, cerâmica, gravura, ilustração... Não te lembras da decoração mural em
azulejo, da estação de metro do Alto dos Moinhos!?
Ana:- Ah, sim, já me lembro: imagens de Camões, Bocage, Fernando Pessoa e
Almada Negreiros! Mas é a pintura que me fascina: repara nesta profusão de cores!
João: – Pois é! Eu adoro este azul! Os azuis e os vermelhos são muito vivos... muito
exuberantes, não é?
Ana: - No entanto, estão em harmonia perfeita... tal como a ligação do creme e do
preto!
João: – O que mais me impressiona são os animais: tigres, macacos, tartarugas,
porcos, vistos de vários ângulos, nas mais diversas perspectivas...
Ana: - Que animal é esse, nessa pintura? Mostra! Deixa-me ver!
João: - Calma! Toma lá! Apressadinha!
Ana: - Gosto muito de Pomar mas as telas de Paula Rego também têm imensa força!
Sobretudo a imagem da mulher! Tem um impacto muito grande! Ora vê lá!
3
João: – Repara nos corpos, nas mais diversas posturas...
Ana: - E os rostos, as mãos, as pernas e os pés! São impressionantes! Transmitem
sentimentos muito intensos!
João: – Cada quadro, parece ser uma cena duma história! Leva-nos a imaginar o que
irá acontecer a seguir!
Ana: – Agora por história, tens de ler José Saramago. É um notável contador de
histórias!
João: – O que ganhou o prémio Nobel da literatura aqui há uns anos?
Ana: – Esse mesmo. Foi galardoado em 1998! Este livro é dele!
João: – É um autor muito traduzido, não é?
Ana: – Se é! Está traduzido em mais de vinte e cinco línguas... mas aconselho-te a
leitura em português! Tem outro encanto!
João: – Ouvi dizer que tem um estilo muito característico...
Ana: – Inconfundível, mesmo! Por exemplo, nunca utiliza travessão para indicar as
falas das diferentes personagens!
João: – E o leitor, não perde o fio à meada? Não deve ser nada fácil de ler!
Ana: – Autores como ele nunca são muito fáceis! Mas não tenhas receio que não te
vais perder! O que é curioso é exactamente isso: o leitor nunca se perde, nunca
confunde os interlocutores! O domínio da técnica narrativa é perfeito... e as histórias
envolventes, fantásticas!
João: – Bom, já me convenceste! Vou ter muito que ler! Mas hoje, gostava de passar
os olhos por este livro sobre Siza... Ainda te lembras do Pavilhão de Portugal, no
Parque das Nações?
Ana: - Claro! É um edifício emblemático – com aquela pala, de betão armado, a cobrir
a Praça Cerimonial!
João: – Embora seja de betão armado, parece levíssima. É um feito de engenharia
extraordinário! O material é contínuo... não tem juntas!
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Ana: - Também são dele a estação de metro Baixa-Chiado e o próprio Plano de
Reconstrução do Chiado – toda a zona foi recuperada de forma a conservar o mesmo
ambiente que tinha antes do incêndio de 1988!
João: - Deve ter sido um enorme desafio! Não é à toa que a sua obra é conhecida
por todo o mundo! Tem mesmo uma vasta obra no estrangeiro!
Ana: – O que é que tens mais aí? Mostra lá!
João: – Tenho um livro sobre o mestre do cinema português – Manoel de Oliveira!
Depois vês!
Ana: – E eu ainda aqui tenho um sobre João Cutileiro – que fez a escultura ao 25 de
Abril... a que está no cimo do Parque Eduardo VII!
João: – Há tantos autores portugueses notáveis, que me apetecia conhecer melhor!
Ana: – Olha, se eu um dia tivesse dinheiro...
João: – Já sei! Abririas uma livraria! Entretanto, enquanto isso não acontece, talvez
seja melhor pensarmos em poupar um bocadinho mais...
Ana e João: - Para comprarmos mais uns livritos..
Hoje, a Ana e o João quiseram conhecer melhor a obra de alguns autores
portugueses. A propósito da sua conversa, abordaremos alguns advérbios e o modo
de formação do plural de alguns nomes e de alguns adjectivos.
1. ADVÉRBIOS
Os advérbios constituem uma classe de palavras muito heterogénea. Usam-se
para modificar diversos tipos de constituintes numa frase. Por exemplo, se eu disser
“ouçamos atentamente a Ana e o João”, “atentamente” é um advérbio e utilizo-o
para me referir à maneira ou modo como quero que ouçamos a Ana e o João: “com
atenção”, “de forma/ de maneira atenta” . No excerto que vamos ver a seguir, a Ana
5
usa advérbios para “confirmar” o que é dito e para “precisar” ou “ajustar” ligeiramente o
sentido do que é dito.
1.1. ADVÉRBIOS EM - MENTE
João: - Ou não fosses tu uma leitora inveterada...
Ana: - Sou realmente uma leitora inveterada! Mais ainda: orgulhosa e
saudavelmente inveterada!
João: – Sim, está bem! Justifica-te. És mas é compulsiva!
Ana: – Sim, mas de forma sã! Sãmente compulsiva, se me permites!
1.1.1. MODO DE FORMAÇÃO
Em português, muitos advérbios são derivados de adjectivos com o sufixo –
mente. No excerto que revimos, “realmente”, “saudavelmente” e “sãmente” são
advérbios derivados de adjectivos por sufixação. Vejamos cada um dos exemplos:
Formação de Advérbios em -mente
(1) realmente (real + -mente)
(2) saudavelmente (saudável + -mente)
(3) sãmente (sã + -mente)
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No exemplo (1), “realmente” forma-se a partir do adjectivo “real”, a que se
juntou o sufixo –mente. No exemplo (2), “saudavelmente” forma-se a partir do
adjectivo “saudável” + o sufixo –mente; de referir que mesmo que os advérbios em –
mente derivem de adjectivos com acento circunflexo ou agudo, como é aqui o caso de
“saudável” (palavra com acento agudo), não são acentuados graficamente.
Os exemplos (1) e (2) demonstram que quando os adjectivos são uniformes
(isto é, têm a mesma forma para o género masculino e feminino, como é o caso de
“real” e de “saudável”) o sufixo –mente vem juntar-se a esses mesmos adjectivos para
formar o advérbio.
No exemplo (3) temos o advérbio “sãmente”, sinónimo de “saudavelmente”,
formado a partir do adjectivo “sã”, que significa “saudável”, + o sufixo –mente. “Sã”
é a forma feminina do adjectivo masculino “são”.
O exemplo (3) demonstra que quando o adjectivo é biforme (apresenta uma
forma para o masculino – “são”- e outra para o feminino – “sã”) o advérbio é formado
a partir da forma feminina do adjectivo, a que se junta o sufixo.
No caso do advérbio derivar de adjectivos com til (~) , é de salientar que o
advérbio conserva o til (~) do adjectivo que lhe deu origem, pois este sinal serve para
marcar a nasalação da vogal.
Reparem agora na seguinte frase da Ana:
Ana:- Mais ainda: orgulhosa e saudavelmente inveterada!
Sempre que, numa frase, ocorra uma sequência de dois ou mais advérbios em
– mente, só o último costuma receber o sufixo.
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Vamos ver mais um exemplo; imagine-se a frase que se segue:
“A Ana falou séria, espontânea e admiravelmente”
Nas sequências de dois ou mais advérbios em –mente (em que só o último,
como vimos, recebe o sufixo), os advérbios que surgem antes dele apresentam-se na
forma feminina e conservam a acentuação.
1.2. CLASSIFICAÇÃO E POSIÇÃO DE ALGUNS ADVÉRBIOS NA FRASE
Vamos falar agora da classificação e da posição de alguns advérbios na frase.
Comparemos os exemplos que foram dados:
(1) Ana: - Mais ainda: orgulhosa e saudavelmente inveterada!
João: – Sim, está bem! Justifica-te. És mas é compulsiva!
Ana: – Sim, mas de forma sã! Sãmente compulsiva, se me permites!
***
(2) João: - Ou não fosses tu uma leitora inveterada...
Ana: - Sou realmente uma leitora inveterada!
No exemplo (1), a Ana afirma que é “orgulhosa e saudavelmente
inveterada” e “sãmente compulsiva; os advérbios “saudavelmente” e “sãmente”
modificam os adjectivos “inveterada” e “compulsiva” (através do seu uso, a Ana
explicita que é uma leitora “inveterada”, mas de maneira saudável e “compulsiva”, mas
de uma “forma sã”).
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Os advérbios em análise são advérbios adjuntos porque estão junto de um
outro termo da frase, do qual dependem (neste caso, esse termo é o adjectivo). A
posição dos advérbios adjuntos na frase não é móvel.
Os advérbios que modificam adjectivos posicionam-se na frase antes do
adjectivo que modificam: vemos que “saudavelmente” está antes de “inveterada” e
“sãmente” antes de “compulsiva”.
No caso de os advérbios modificarem verbos em tempos simples figuram na
frase depois do verbo: é o caso do exemplo que vimos há pouco:
“A Ana falou séria, espontânea e admiravelmente”
Os advérbios “séria, espontânea e admiravelmente” são colocados a seguir à
forma verbal “falou”.
No exemplo (2), quando a Ana diz “Sou realmente uma leitora inveterada”, o
advérbio “realmente” exprime a atitude do falante, isto é, o ponto de vista do
enunciador, sobre os factos enunciados; através da sua utilização, a Ana reconhece a
verdade da afirmação do João, que insinua que ela é “uma leitora inveterada”. Estes
advérbios designam-se disjuntos, pois não modificam um dado elemento específico
dentro de uma frase mas toda uma frase, globalmente considerada.
Ao contrário dos advérbios adjuntos, os advérbios disjuntos caracterizam-se
normalmente pela mobilidade, pela possibilidade de poderem ocupar diversas
posições na frase:
A) - Sou realmente uma leitora inveterada!
B) – Realmente, sou uma leitora inveterada!
C) – Sou uma leitora inveterada, realmente!
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A Ana utiliza o advérbio no meio da frase mas poderia tê-lo utilizado no início ou no
fim. Assim, poderia ter dito “Realmente, sou uma leitora inveterada” ou “Sou uma
leitora inveterada, realmente”.
2. PLURAL DE NOMES E DE ADJECTIVOS EM –L
Abordemos agora, de forma muito rápida, a formação do plural de nomes e de
adjecivos terminados em –l. Trataremos a formação do plural de nomes e de
adjectivos em –l ao mesmo tempo, uma vez que a formação do plural dos adjectivos
segue a regra de formação do plural dos nomes. Vejam o exemplo que apresentamos:
João: – O que mais me impressiona são os animais (...)
Ana: - Que animal é esse, nessa pintura?
Como observaram, a Ana usa o nome singular “animal” e o João o seu plural
“animais”.
Nomes e adjectivos terminados em –al formam o plural em –ais .
No diálogo ocorrem ainda nomes ou adjectivos terminados terminados em –el,
-il e -ul. Os nomes e os adjectivos terminados em –el formam o plural em –eis
(exemplo dos adjectivos “notável/”notáveis”).
Os nomes e os adjectivos terminados em –il formam o plural também em –eis
(adjectivos “fácil” /”fáceis”).
Os nomes e os adjectivos terminados em –ul (átono/ não acentuado) formam o
plural em –uis (caso os nomes “azul/”azuis).
Finalmente, nomes e adjectivos terminados em –ol (de que não vimos exemplo
no diálogo) formam o plural em –óis (nomes “farol”/”faróis”):
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Vimos hoje advérbios em –mente e o modo de formação do plural de alguns
nomes e de alguns adjectivos.
Agora convido-vos para um breve encontro com Júlio Pomar!
É no âmbito do neo-realismo, a partir dos anos 40, que a obra de Júlio Pomar
começa a ganhar destaque nacional – o autor é considerado o expoente máximo do
neo-realismo.
A fase neo-realista prolongar-se-á de 1946 a 56. Desta fase destacam-se: O
Gadanheiro, de 1945 e O Almoço do Trolha, de 1946-50.
No Gadanheiro, nos movimentos do trabalho perpassa força que se adivinha
heróica.
A personagem central de O Almoço do Trolha, acocorada e encolhida, revela
também, por contraste, uma enorme força latente. É a obra mais emblemática do
realismo de intervenção social.
Nestas, figuras de trabalhadores anónimos preenchem quase toda a tela,
agigantando-se, com os seus corpos entre o deformado e o escultórico, transformados
em heróis do quotidiano.
Plural de nomes e adjectivos terminados em -l
Singular
Plural
-al (animal)
- el (notável)
- il átono (fácil)
- ol (farol)
- ul (azul)
- ais (animais)
- eis (notáveis)
- eis (fáceis)
- óis (faróis)
-uis (azuis)
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A partir de 1957, Pomar envereda por um neo-figurativismo lírico, de que é
exemplo Maria da Fonte. Os contornos começam a ficar indistintos e assistimos a
uma certa fragmentação e escurecimento.
Tal caminho irá conduzir ao surgimento, em 1964, da importante série da
Tauromaquia.
Nos anos 70, entra num período marcado por processos de colagens, em que
ganham relevo as cores lisas, as formas recortadas.
Em curso desde 68, a temática erótica é explorada numa série em que o
erotismo adquire um tom explícito.
De 1979 a 1982, produz a série dos Tigres, inspirada na novela Tigres Azuis,
de Jorge Luís Borges.
As figuras de animais, numa efabulação delirante, desempenham um saliente
papel no trabalho de Pomar. No seu “bestiário pessoal”, além de tigres, sucedem-se,
entre outros, gatos, tartarugas, macacos, porcos e até traças…
Sobre o seu bestiário, diz-nos Pomar… [excerto de entrevista a Pomar]
Na década de 80, volta-se para a cultura portuguesa, retratando
personalidades emblemáticas da nossa história cultural: é o caso de Camões ou de
Fernando Pessoa. Em Lusitânia no Bairro Latino, de 1985, vemos Mário de Sá-
Carneiro, Santa Rita Pintor e Amadeu de Sousa Cardoso.
Hellmut Wohl, falando sobre a pintura de Pomar, assinala que a partir de 80 se
dá uma mudança na obra deste, inaugurada num estilo de grande amplitude pictórica
e de cores e de grande liberdade gestual – o «estilo tardio» da obra de Pomar. O
trabalho de maior destaque desta fase é a Caça ao Snark, triptícos baseados no
poema Hunting of the Snark, de Lewis Carroll.
Júlio Pomar é também um nome ligado à azulejaria.
Camões, Fernando Pessoa e Almada Negreiros surgem, em 1989, representados no
enorme painel da estação do Alto dos Moinhos.
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Destaca-se igualmente como importante retratista, tendo pintado, entre muitos,
o retrato de António Lobo Antunes ou de Mário Soares.
1
PROGRAMA 20
ARTESANATO PORTUGUÊS
O artesanato português é de uma enorme riqueza e variedade, reflectindo a
relação criativa do artesão com a matéria-prima da sua região e com a sua cultura.
As louças têm características únicas, destacando-se pelos motivos e cores. O
talento e a genialidade de Bordalo Pinheiro manifestam-se nas suas naturezas mortas,
como o pote das ginjas ou o gato e o rato.
As mulheres de Viana do Castelo souberam muito bem reproduzir a natureza
observada, estilizando-a nos seus bordados.
A lenda do galo de Barcelos está associada à cidade de Barcelos e é quase
um símbolo do país.
Neste programa, a Ana e o João descobrem a enorme riqueza e diversidade do
artesanato português.
Ana: - João?
João: - Hum, sim... Quem fala?
Ana: - Sou eu, a Ana.
António: - Ai, desculpa, não estava a reconhecer a tua voz.
Ana: - Estavas a dormir?
2
João: - Não faz mal. Estava só a passar pelas brasas. São quase horas de jantar. Diz
lá.
Ana: - Podes vir ter comigo cá abaixo?
João: - Posso. Porquê? Aconteceu alguma coisa?
Ana: - Não. Está tudo bem. Mas, encontrei aqui uma coisa gira.... Lembras-te dos
folhetos e das brochuras que temos sobre artesanato português?
João: - Sim... e do livro que compraste. E depois?
Ana: - E depois?! Olha, nem de propósito! Nós ontem a falarmos de artesanato e eu
acabei de assistir aqui, por acaso, a um bocadinho de um programa sobre artes e
ofícios tradicionais em Portugal.
João: - Porque é que não me avisaste?
Ana: - Nem deu tempo. Foram mesmo só uns minutitos... E além disso, fiquei cheia de
pena de não o ter visto todo!
João: - Que pena!
Ana: - Vá... mas anda lá! Desce lá! Quero contar-te tudo, enquanto está fresquinho e
me lembro de todos os pormenores!
João: - Ok. Desço já.
******
João: - Então conta lá o que viste. Com tanto entusiasmo...
Ana: - Olha, eu já imaginava que o artesanato português era um nunca mais acabar...
Mas ainda supera as minhas expectativas, sabes? Eu não vi o princípio do programa,
mas ainda vi peças tão bonitas… azulejos, tecelagem, cerâmica decorativa, vitrais ... E
mostraram pessoas a trabalhar e tudo... Acho que era uma escola de artes e ofícios
tradicionais aqui em Lisboa.
João: - Ah, que giro. Se conseguíssemos descobrir onde fica, podíamos lá ir.
Ana: - Ah, isso era uma excelente ideia, só que eu não sei onde fica. Bem, mas isso
depois vemos na net, mais tarde.
João:- Boa ideia. Temos com certeza pano para mangas.
3
Ana:- Se queres dizer que temos muito por descobrir, tens toda a razão.
João: - Olha, há uma coisa de que tu não gostas nada mas que te tem deixado colada
a todas as montras que encontramos pelo caminho.
Ana: - Ah, já sei. A joalharia. Nem me fales! Sabes é que eu perco-me por isso… um
anelzinho moderno… de prata ou ouro, tanto faz. Eu não sou esquisita.. Olha e outra
coisa que também adoro são aqueles lenços minhotos , cheios de cor… Aliás, se
passarmos por um, não resisto a comprá-lo.
João: - Eu vi lenços desses numa loja aqui perto! Era uma loja com muitos bordados
e rendas. Até tinha lá imensos bordados da Madeira. Olha, e aquelas rendas feitas
com aqueles pauzinhos todos. Ficava todo baralhado com tantos pauzinhos.
Ana: - João, esses "pauzinhos" chamam-se bilros.
João: - Bilros?!!! Que nome esquisito! Qual será a origem?
Ana: - Ah, não faço ideia... mas tem ar de qualquer coisa que se perde no tempo....
Mas, espera, pelos vistos diz aqui que são típicos de Vila do Conde e de Peniche.
João: - Olha e aqui temos tapetes.
Ana: - O que eu gostava de ter um tapete destes! Mas é impossível. São tapetes
murais. E são feitos na região de Portalegre… Hum! Ah, mas isto é aqui artístico no
verdadeiro sentido da palavra… Olha, repara. Reproduzem obras de artistas como
Vieira da Silva, Almada Negreiros, , Maria Keil, entre outros... Bem, eu nem faço ideia
do preço por metro quadrado!...
João: - Esquece. Esses também são só para ver e apreciar... em museus!
Ana: - Sim, mas há também os Arraiolos… bordados à mão…
João: - Oh e os azulejos que estão aí por todo o lado: nas igrejas, nos palácios, nos
jardins, nas estações de metro, até no meio do trânsito, como ali ao pé do Jardim
Zoológico, lembras-te?
Ana: - João, ainda não fomos ao Museu do Azulejo. Temos de lá ir.. Amanhã?
João: - Boa ideia! vamos de manhã.
4
_____________________________________________________________
No diálogo vimos a Ana e o João a falarem sobre artesanato. Neste programa
vamos estudar o uso do imperativo para se fazer um pedido, o uso do vocativo e um
tipo particular de frases exclamativas muito usadas na oralidade.
1. FAZER UM PEDIDO
Vamos observar algumas sequências do diálogo em que é feito um pedido.
Ana: - Vá... mas anda lá! Desce lá! Quero contar-te tudo, enquanto está fresquinho e
me lembro de todos os pormenores!
******
João: - Então conta lá o que viste. Com tanto entusiasmo...
Ana: - Olha, eu já imaginava que o artesanato português era um nunca mais acabar...
Mas ainda supera as minhas expectativas, sabes?
******
Ana:- (...) Olha, repara. Reproduzem obras de artistas como Vieira da Silva, Almada
Negreiros, Maria Keil, entre outros...
Vejamos então agora as frases:
FAZER UM PEDIDO: USO DO IMPERATIVO
1. Anda lá!
2. Desce lá!
3. Olha...
4. Olha, repara!
5. Conta lá ...
5
Todas as frases apresentadas no quadro são expressão de um pedido por
parte do locutor. Verificamos que na sua construção se usa o imperativo. Apesar das
frases imperativas serem geralmente consideradas expressão de ordem, é frequente
também expressarem um pedido, um conselho ou uma exortação. Todas as frases
acima são exemplo de um pedido. No entanto as frases 3, 4 apresentam também um
valor pragmático, principalmente fático, i.e., as frases são usadas para chamar a
atenção do interlocutor.
O contexto situacional em que as frases se inserem são determinantes para a
interpretação de ordem ou pedido. Por isso, afirmámos que as frases apresentadas
expressavam um pedido. Mas agora vejamos novamente a frase 5.
5. Então conta lá o que viste
Se esta frase fosse proferida num tribunal, estaríamos perante uma ordem e não
um pedido. É o contexto que nos permite identificar se a frase se trata de uma ordem
ou de um pedido.
Antes de terminar, chamo a vossa atenção para a partícula de realce ou enfática,
lá. Esta é muito usada na oralidade e serve para aumentar a importância dada à ideia
expressa, não modificando contudo o valor lógico da frase. Está intimamente ligada à
entoação, à expressividade do locutor e ao contexto em que é proferida. Vejamos
novamente as frases do diálogo:
1. Anda lá!
2. Desce lá!
3. Conta lá ...
6
2. VOCATIVO
Ana: - João, esses "pauzinhos" chamam-se bilros.
O vocativo consiste num sintagma nominal (SN) que apenas invoca o
destinatário do enunciado. Assim, o termo João não está subordinado a nenhum outro
elemento da frase. Serve apenas para chamar com maior ênfase essa pessoa. Este
termo de entoação exclamativa é separado da frase por uma vírgula. Se quisermos
ainda dar mais ênfase à frase, fazemos preceder o vocativo da interjeição ó.
- Ó João, esses "pauzinhos" chamam-se bilros.
O vocativo com ou sem a interjeição é muito usado na oralidade em português.
3. FRASE EXCLAMATIVA
Observemos agora a frase:
O que eu gostava de ter um tapete destes!
Trata-se de uma frase exclamativa muito frequente na oralidade. O sintagma - O que –
é colocado em posição inicial de frase. Esta frase realiza um acto ilocutório expressivo
ou seja exprime o estado psicológico do locutor relativamente a um determinado
estado de coisas descrito no enunciado. Esta frase poderia ser parafraseada por outra:
Como eu gostava de ter um tapete destes!
7
4. VOCABULÁRIO
Agora, vejamos a sequência do diálogo:
João: - Eu vi lenços desses numa loja aqui perto! Era uma loja com muitos bordados
e rendas. Até tinha lá imensos bordados da Madeira. Olha, e aquelas rendas feitas
com aqueles pauzinhos todos. Ficava todo baralhado com tantos pauzinhos.
Ana: - João, esses "pauzinhos" chamam-se bilros.
João: - Bilros?!!! Que nome esquisito! Qual será a origem?
1. “Ficava todo baralhado com tantos pauzinhos.”
2. “Bilros?! Que nome esquisito! Qual será a origem?”
1. Ficava todo baralhado significa ficava completamente confuso.
2. Que nome esquisito significa que nome estranho.
1. ficar todo baralhado = ficar completamente confuso
2. esquisito = estranho
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5. EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS
E, para terminarmos, recordemos algumas expressões do diálogo e tentemos
conhecer o seu significado.
1.“Estava só a passar pelas brasas.”
Passar pelas brasas = dormir um sono leve e curto; dormitar
2. “o artesanato português era um nunca mais acabar...”
Ser um nunca mais acabar...” = existe tanta variedade que não é possível
nomear todos os elementos.
3. “temos pano para mangas”
ter pano para mangas = ter muito para fazer
_____________________________________________________________________
Algum artesanato apresenta ainda hoje um aspecto utilitário ou está relacionado
com festas populares ou religiosas.
A cestaria tem origem muito remota no nosso país e utiliza espécies arbóreas
autóctones.Tem uma importância significativa na vida doméstica e rural. Fabricam-se
os mais variados objectos em junco, madeira, verga ou palha.
A transformação da lã e do linho adquiriu também uma enorme importância. Os
tecidos produzidos em lã, em algodão e em linho permitiam às comunidades locais
fabricar peças de vestuário e de uso doméstico. Ainda hoje são muito apreciados os
lençóis e as colchas de linho, os cobertores de lã e as mantas de trapos.
9
Mas longe vão os tempos em que estes objectos satisfaziam apenas as
necessidades das populações. Hoje produz-se para vender e para exportar. As
pessoas exigem agora objectos mais sofisticados mas que relembram a tradição e arte
de outrora.
Quem não conhece as famosas rendas de bilros de Peniche e de Vila do
Conde? É uma renda feita com minúcia, destreza e sobretudo muita paciência, não se
distinguindo nela o direito do avesso.
Os bordados de Viana do Castelo são inconfundíveis. Os motivos são
inspirados em animais domésticos, flores e folhas ou elementos geométricos bordados
com linha de algodão azul, vermelha e branca.
Os bordados de Niza, os famosos alinhavados, são executados à mão com
muita paciência e perícia, apresentando motivos inspirados na flora local.
Ninguém pode ficar indiferente às rendas e aos bordados em panos de linho
dos Açores.
E que dizer então dos bordados no vestido de baptizado, nas toalhas, nos
lenços, executados com tanta beleza, minúcia, riqueza e imaginação?
A tapeçaria de Portalegre, com o seu ponto característico feito em lã, tem vindo
a adquirir notoriedade, em virtude da recriação original de obras de alguns pintores
portugueses como, por exemplo, Almada Negreiros, Maria Helena Vieira da Silva e
Maria Keil.
Os tapetes de Arraiolos provêm de uma vila alentejana com o mesmo nome.
São tapetes bordados à mão com fios de lã e sobre tela. São uma das expressões
mais verdadeiras do artesanato regional. Os desenhos mais tradicionais apresentam
plantas e animais e são bastante coloridos.
Trabalha-se com requinte e arte materiais nobres como o estanho, a prata, a
filigrana e o ouro. Produzem-se peças sofisticadas, modernas ou tradicionais que se
exportam e adquirem reputação internacional.
10
Na Marinha Grande trabalha-se o vidro de uma maneira singular e original,
onde tradição e modernidade andam de mãos dadas. Apesar da crise enfrentada pela
indústria vidreira, o vidro continuou a ser produzido e manuseado com cuidado, arte e
empenho nas fábricas da Marinha Grande, impondo-se no mercado internacional pela
sua grande qualidade e originalidade
Quanto à tradição de trabalhar o barro, ela persiste em várias regiões. Quem
não conhece as características bilhas da região de Niza, «as cantarinhas», com as
suas pedrinhas brancas cuidadosamente cravadas no barro vermelho, como de
verdadeiros diamantes se tratassem?
Ou os conhecidos «bonecos» de Estremoz que retratam com simplicidade e
alguma ingenuidade várias figuras populares e religiosas.
O azulejo passou também a ser usado como suporte para a produção artística,
considerando-se hoje que se trata de uma manifestação original da cultura portuguesa,
onde é possível observar a história, a mentalidade e o gosto de um povo ao longo de
várias épocas. Mas o azulejo está presente em diversos palácios e igrejas por esse
país fora. Mencionamos apenas alguns: o Palácio Nacional de Sintra, a Quinta da
Bacalhoa, a Igreja de Jesus e o Palácio dos Marqueses da Fronteira.
O artesanato revela a alma e a arte de um povo que tem sabido guardar as
suas tradições e adaptá-las às necessidades e aos gostos dos tempos.
1
PROGRAMA 21
NO CASTELO DE S. JORGE
Os séculos de História deste país estão patentes um pouco por toda a
capital. A colina mais alta de Lisboa exibe um dos castelos mais simbólicos de
Portugal. Com efeito, o Castelo de S. Jorge tem sido fiel acompanhante de Lisboa
desde tempos idos. Recebeu o nome de S. Jorge: o militar que se fez santo.
Uma das lendas mais conhecidas referentes a S. Jorge gira em torno da sua
bravura ao salvar uma virgem das garras de um dragão. A devoção a este santo foi
propagada, em Portugal, pelos ingleses que acompanharam Afonso Henriques na
conquista de Lisboa, no século XII. Mas foi só durante o reinado de D. João I que o
castelo foi colocado sob sua protecção. O Mestre de Avis, acérrimo devoto de S.
Jorge, tornou-o então padroeiro nacional.
Hoje a Ana e o João vão conhecer o Castelo de S. Jorge.
Ana: – Companheiro João, está na altura de empreendermos uma viagem ao
passado.
João: – A História de Portugal é um mundo vasto. Por onde é que começamos a
nossa viagem?
Ana: – Vou-te dar uma pista. Diz-me um local de Lisboa que seja visível de longe e de
muitos sítios.
João: – o Rio Tejo.
Ana: – Não, mas não estás longe.
2
João: – O Aqueduto das Águas Livres.
Ana: – Ainda não. Pensa em arquitectura militar...
João: – Já sei! O Castelo de Lisboa!
Ana: – Correctíssimo. Ficas já a saber que esse era o nome do castelo, antes de ser
conquistado, aos Mouros, por D. Afonso Henriques, em 1147, com o auxílio dos
Cruzados a caminho da Terra Santa. Desde então, é o Castelo de ...
João: – ... de S. Jorge. Também já vi isso no guia. O Santo que luta contra um dragão
montado no seu cavalo.
Ana: – Mas que bem! Que letrados que nós somos!
João: – Anda, vem daí.
Ana: – Segundo o guia, estamos na Porta Martim Moniz. Sabes quem foi?
João: – Já ouvi falar. Mas, para ser sincero, devo admitir que não sei quem foi.
Ana: – Pois ouve só, a lenda que envolve o seu nome parece uma cena retirada dum
filme.
João: – Conta lá, despacha-te.
Ana: – Durante uma das muitas investidas contra o castelo, durante o cerco de
Lisboa, o intrépido Martim Moniz impediu que esta porta se fechasse a custo da sua
própria vida.
João: – Quero mais detalhes.
Ana: – Pois bem, o seu corpo ficou entalado entre os dois batentes e permitiu que os
cristãos liderados por D. Afonso Henriques entrassem na cidade.
João: – Ui! Deve ter doído!
Ana: – Mas tu pensas que isso o impediu de continuar? Ouve o resto: ferido
gravemente, Martim Moniz entrou com os companheiros e fez ainda algumas vítimas
entre os inimigos, antes de cair morto. D. Afonso Henriques quis honrar a sua valentia
e o sacrifício da sua vida ordenando que esta entrada passasse a ter o nome de
Martim Moniz.
João: – Nada que o Martim Moniz não merecesse!
3
Ana: – O povo diz que foi D. Afonso Henriques que mandou colocar o busto do herói
num nicho de pedra, onde ainda hoje se encontra, junto à Praça de Martim Moniz.
João: – Ah! Então, é daí que eu conhecia o nome.
Ana: – Provavelmente.
João: – Vamos andando, Ana. Quero visitar a Igreja de Santa Cruz.
Ana: – E não te esqueças da Olispónia!
João: – O quê?!
Ana: – Uma exposição multimédia que recria a Lisboa do séc. XVI.
João: – Agora percebo o que tu querias dizer com a história da viagem ao passado…
Ana: – Imagina só o que as pedras deste lugar já testemunharam...
João: – Deste lugar e de outros espalhados por este país. Afinal, são mais de
oitocentos anos de história.
Ana: – É verdade. Promete-me que não me deixas ir embora sem irmos a Guimarães.
João: – Está descansada. Estou a ver que D. Afonso Henriques te levou a pensar na
cidade berço.
Ana: – Bem sabes, que sempre fui uma apaixonada por História...
João: – Deixa lá o Condado Portucalense para outro dia. Agora estamos no Castelo
de S. Jorge. Que mais é que tu leste sobre este local?
Ana: – Vejamos... presume-se que o Castelo remonte a 48 A.C., ainda no tempo dos
Romanos ... Ah! Ouve só: o Monólogo do Vaqueiro, de Gil Vicente, “fundador” do
teatro português, foi representado aqui.
João: – Estou a tentar imaginar a cena...
Ana: – Fica sabendo que foi escrito e representado pelo próprio Gil Vicente na câmara
da rainha, em 1502, para comemorar o nascimento do príncipe D. João, futuro D. João
III.
João: – Queres dizer que a família real vivia aqui?
4
Ana: – No Paço Real da Alcáçova, a antiga Alcáçova Mourisca, desde o reinado de D.
Dinis. Todavia, mudaram-se para o Paço da Ribeira, mandado construir por D.
Manuel.
João: – Porquê?
Ana: – D. Manuel não gostava de viver no Castelo. Depois houve um terramoto em
1531 que danificou o Paço da Alcáçova.
João: – As pessoas falam muito no terramoto de 1755 e quase ninguém se lembra
que houve outros que marcaram a história desta cidade.
Ana: – Não posso deixar de pensar nos povos que já terão passado por este castelo...
por esta cidade.
João: – Dos Romanos, dos Árabes e dos Cristãos, lembro-me eu.
Ana: – Fora o resto.
João: – Sentemo-nos um pouco. Quero apreciar a luz deste local.
No programa de hoje, iremos abordar aspectos relacionados com os advérbios
e com as interjeições. Faremos, ainda, alusão a formas de expressar dor e suposição
com o futuro composto do indicativo.
1. ADVÉRBIOS
Ana: – Vou-te dar uma pista. Diz-me um local de Lisboa que seja visível de longe e
de muitos sítios.
João: – O Rio Tejo.
Ana: – Não, mas não estás longe.
João: – O Aqueduto das Águas Livres.
Ana: – Ainda não. Pensa em arquitectura militar...
João: – Já sei! O Castelo de Lisboa!
5
Nas frases proferidas pela Ana, encontramos três advérbios: não, longe e
ainda. Os advérbios são palavras invariáveis que modificam vários tipos de
constituintes da frase, como por exemplo os verbos, tal como pode ser visto na frase.
“mas não estás longe,” em que não modifica o verbo estar.
“Diz-me um local de Lisboa que seja visível de longe e de muitos sítios.”
“Não, mas não estás longe.”
“Ainda não. Pensa em arquitectura militar...”
Olhemos, agora, com mais atenção para estes advérbios. Em duas destas
frases o verbo está subentendido e depreende-se do contexto do diálogo, neste caso,
entre a Ana e o João:
1. “Não, …” = (não acertaste no nome do local a que me refiro)
2. “Ainda não.” = (ainda não acertaste no nome do local a que me refiro)
Na frase 1, o advérbio não corresponde à frase “não acertaste no nome do
local a que me refiro.” Na frase 2, os advérbios ainda não equivalem à frase “ainda
não acertaste no nome do local a que me refiro.”
Já dissemos que os advérbios podem modificar um verbo, completando a
acção por ele expressa. Porém, nem todos os advérbios o fazem da mesma maneira.
Com efeito, não, longe e ainda possuem diferenças entre si.
6
Classificação
Não – advérbio de negação
Longe – advérbio de localização espacial
Ainda não – adverbial temporal.
O advérbio não transmite o significado de negação, conferindo, por isso, um
carácter negativo a uma frase, como por exemplo: “mas não estás longe.” Os
advérbios longe e ainda indicam uma localização, seja ela no espaço: “Diz-me um
local de Lisboa que seja visível de longe e de muitos sítios,” ou no tempo: “Ainda
não” (o João, até àquele momento, não acertou). Exprime aqui um valor aspectual
inacabado, que vimos num dos programas anteriores.
2. EXPRESSAR ATITUDES E SENTIMENTOS – DOR
Ana: – Pois bem, o seu corpo ficou entalado entre os dois batentes e permitiu que os
cristãos liderados por D. Afonso Henriques entrassem na cidade.
João: – Ui! Deve ter doído!
Esta exclamação do João, que se refere à dor que Martim Moniz terá,
certamente, sentido, retoma algo de que já falámos num programa anterior - as
interjeições. “Ui!” é aqui uma interjeição. Estas são frequentes nas frases exclamativas
e costumam ser acompanhadas de ponto de exclamação. Observem, agora, mais
formas de expressar dor em português:
7
EXPRESSAR DOR
1.“Ai!/Ui! Deve ter doído!”
2. “Dói-me imenso (o braço)!”
3. “Cuidado, estás a magoar-me!”
As interjeições são as palavras com que, de maneira espontânea,
exprimimos vivamente as nossas emoções. Assim, é perfeitamente natural que
ocorram neste contexto, tal como a frase 1 exemplifica. As frases 2 e 3 não recorrem
a interjeições. Aqui expressa-se dor através do uso dos verbos doer e magoar,
respectivamente, e também devido ao facto destas frases serem exclamativas. A não
ocorrência de interjeições confere-lhes menos ênfase do que se estas tivessem sido
utilizadas.
3. EXPRESSAR SUPOSIÇÃO COM O FUTURO COMPOSTO DO INDICATIVO
Ana: - Não posso deixar de pensar nos povos que já terão passado por este castelo...
por esta cidade.
A Ana, influenciada pela relevância histórica do castelo de S. Jorge, imagina
quem terá pisado aquelas pedras. Reparem como o faz:
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“Não posso deixar de pensar nos povos que já terão passado por este castelo...
por esta cidade.”
(Verbo auxiliar ter no futuro do indicativo + o particípio passado do verbo
principal passar)
A Ana utiliza o futuro composto do indicativo (terão passado) para exprimir a
probabilidade, a suposição sobre factos passado. Esta forma verbal composta é
construída com o verbo auxiliar ter no futuro do indicativo, seguido do particípio
passado do verbo principal passar.
4. EXPRESSÕES
Ana: – É verdade. Promete-me que não me deixas ir embora sem irmos a
Guimarães.
João: – Está descansada. Estou a ver que D. Afonso Henriques te levou a pensar na
cidade berço
Antes de terminarmos, gostaria de fazer referência à expressão cidade berço,
usada pelo João. Encontramo-nos em presença de uma expressão com valor
metafórico e que remete para o início da existência da nação, isto é, para o
nascimento de Portugal. Guimarães foi o berço de Portugal e a sua primeira cidade
capital e, assim, ganhou o direito a este cognome
Fiquem, agora, com uns breves apontamentos sobre a longa história do castelo
de S. Jorge.
O Castelo de S. Jorge foi durante vários séculos a casa oficial da família real
portuguesa. Em 1531, um terramoto afectou gravemente as estruturas do Castelo. Foi
9
então que D. Manuel I, o Venturoso, se mudou para o Paço da Ribeira, no actual
Terreiro do Paço.
A partir daí, as grossas paredes passaram a servir para guardar presos e
militares. O terramoto de 1755 abalou as suas estruturas. Sofreu trabalhos de restauro
durante o regime do Estado Novo, já em pleno século XX. O Castelo terá começado a
ser edificado pelos árabes.
Ao ocupar uma das colinas mais altas de Lisboa, oferece vistas magníficas.
Por outro lado, quem se encontra na zona mais baixa da cidade tem a oportunidade de
apreciar a sua grande dimensão, que lhe é conferida pelas muralhas maciças nas
quais se podem contar onze torres. Uma delas, a Torre Ulisses, que protegia a entrada
principal do recinto, é, na actualidade, um miradouro.
Regressando ao interior do Castelo, deparamos com um espaço ajardinado,
com fontes, pavões reais e cisnes e, como não podia deixar de ser, com a estátua de
D. Afonso Henriques. O Castelo de S. Jorge não foi o único edifício a sofrer abalos
violentíssimos que se registaram na manhã do dia 1 de Novembro de 1755.
Há acontecimentos que, embora não mereçam honra de feriado nacional ou
de celebrações festivas, marcaram a Humanidade de uma forma global e em várias
dimensões. O Terramoto de 1755 constitui um evento que se inscreve, com toda a
propriedade, nesta categoria. Este acontecimento teve repercussões em toda a
Europa e nas manifestações artísticas da época. Voltaire, autor francês do século
XVIII, foi um dos que se lhe referiu num poema de sua autoria, facto que testemunha o
interesse que este marco da História de Portugal ainda desperta na actualidade.
Ó míseros mortais! Ó terra deplorável!
De todos os mortais monturo inextricável!
Eterno sustentar de inútil dor também!
Filósofos que em vão gritais: «Tudo está bem»;
Vinde pois, contemplai ruínas desoladas,
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Restos, farrapos só, cinzas desventuradas,
os meninos e as mães, os seus corpos em pilhas,
membros ao deus-dará no mármore em estilhas,
desgraçados cem mil que a terra já devora,
em sangue, a espedaçar-se, e a palpitar embora,
que soterrados são, nenhum socorro atinam
e em horrível tormento os tristes dias finam! (…)
Voltaire. O Poema sobre o Desastre de Lisboa. Trad. Vasco Graça Moura.
Lisboa: Alêtheia Editores, 2005. 35.
Numa palavra, Lisboa continua indelevelmente ligada à tragédia que a
mutilou, há 250 anos. Soube, no entanto, fazer das fraquezas forças e partir dos
escombros para uma modernização que se impunha.
1
PROGRAMA 22
POR LISBOA ANTIGA
Eu canto para ti Lisboa à tua espera
Teu nome escrito com ternura sobre as águas
E o teu retrato em cada rua onde não passas
Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio.
(excerto de «Canção com Lágrimas»
de Manuel Alegre, Adriano Correia de Oliveira)
A Ana e o João deambulam por uma cidade que se perde no tempo e no
coração dos poetas.
João: – Está na hora de prosseguirmos a nossa viagem pelo passado, Ana… Vamos
Ana.
Ana: – Estou aqui tão bem… Bem, nem pareço eu mesma…
João: – Não discordo! Mas temos de ir andando, não te esqueças que tu queres ver
tudo!
Ana: – Pronto! Já despertei.
João: – Cicerone, indica o caminho!
Ana: – Vamos passear pela Lisboa medieval.
João: – Estás a referir-te aos bairros circundantes do Castelo de S. Jorge?
Ana: – Tal e qual! Temos a Mouraria, a Madalena, a Graça, o Castelo, a Sé…
João: – …e Alfama!
2
Ana: – De quem é esta estátua?
João: – Deixa ver… S. Vicente. Repara só no barco com dois corvos!
Ana: – É uma nau. É o símbolo da cidade.
João: – Anda ver a vista do Tejo, Ana. É única.
Ana: – Tens razão.
João: – As ruas aqui em volta são tão estreitas!...
Ana: – E parece que quem as desenhou não conhecia a linha recta.
João: – Travessas, becos, pequenos largos e escadinhas… Faz-me lembrar um
casbá, não achas?
Ana: – Pudera! Esta é uma área que tem imensa influência árabe, com as suas ruelas
a subir e a descer.
João: – As frontarias são giras. Olha as sacadas!
Ana: – Deixa-me que te diga que esta zona da cidade já foi uma das áreas mais ricas
de Lisboa.
João: – Explica lá, que tu já tens o guia na mão e eu não quero cansar as minhas.
Ana: – Saíste-me cá um espertinho… Antes da Idade Média, esta zona era habitada
por gentes com posses e elevado prestígio social.
João: – E o que é que mudou?
Ana: – Bem, a cidade cresceu e os terramotos obrigaram essas pessoas a mudar-se
para outras áreas da cidade.
João: – O próprio D. Manuel I deixou o Paço da Alcáçova.
Ana: – E por falar em mudanças, já vimos um bocadinho de Alfama! Se percorrermos
a Rua de S. Tomé, vamos dar à Calçada da Graça. Não queres ir até lá?
João: – Eu nem me atrevo a dizer que não! Tu matavas-me! A menina “quero ver
tudo!”
Ana: – É que no cimo da Calçada encontramos a Igreja de Nossa Senhora da Graça e
o miradouro!
3
João: – Está bem. Convenceste-me com o miradouro. Mas tens de me prometer que
depois voltamos ao Largo das Portas do Sol para ver o Museu de Artes Decorativas!
Ana: – Está combinado.
João: – Ana, eu lembro-me dos meus pais falarem do Panteão Nacional. Não é por
aqui?
Ana: – Efectivamente, não é longe. O guia diz que também se chama Igreja de Santa
Engrácia.
João: – Ainda bem que viemos cá! Gosto muito de edifícios do estilo Barroco.
Ana: – Mas não penses que este edifício era o original. O primeiro caiu em 1681,
durante uma tempestade.
João: – Esta cidade não tem falta de desastres naturais!
Ana: – Isso é assim em todos os lugares do mundo, João. É a Mãe-Natureza!
João: – Se esta igreja é um Panteão, quem é que estará lá sepultado?
Ana: – Segundo o guia, o Panteão abriga os monumentos fúnebres de heróis e de
diversas personalidades da História de Portugal.
João: – Isso já eu sabia!
Ana: – Até lá está a Amália Rodrigues!
João: – Entremos, que ainda temos de ir ver o Museu de Artes Decorativas.
Ana: – Aqui vou eu!
Vamos, hoje, abordar formas de expressar resignação e alguns aspectos
relacionados com o grau do advérbio bem e com o uso hiperbólico da língua. Logo no
início do diálogo deparamos com uma intervenção de Ana de que vos quero falar um
pouco:
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1. EXPRESSAR RESIGNAÇÃO
João: – Está na hora de prosseguirmos a nossa viagem pelo passado, Ana… Vamos Ana.
Ana: – Estou aqui tão bem… Bem, nem pareço eu mesma…
João: – Não discordo! Mas temos de ir andando, não te esqueças que tu queres ver tudo!
Ana: – Pronto! Já despertei.
No excerto que acabámos de ver, a Ana aparenta estar com pouca vontade de
continuar o seu percurso por Lisboa, uma vez que está a usufruir da beleza do espaço
onde se encontra. Ao ser confrontada com a inevitabilidade da partida, resigna-se e
levanta-se. Utiliza, então, a palavra “pronto.”Ela poderia ter optado por uma outra
alternativa. Ora vejamos:
EXPRESSAR RESIGNAÇÃO
Pronto!
Que remédio!
O que é que se há-de fazer?
O que é que hei-de fazer?
Note-se que a palavra “pronto” é muitas vezes usada como um regulador da
comunicação. Na oralidade, é frequentemente utilizada para dar um assunto como
concluído e passar para outro. Nestas acepções a palavra é invariável, não admitindo
qualquer flexão.
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2. GRAUS DO ADVÉRBIO BEM
“Estou aqui tão bem…”
Regressemos, agora, ao tema dos advérbios. Estes últimos, relembro, são uma
classe de palavras bastante heterogénea e complexa. São palavras invariáveis que
modificam outros constituintes da frase como, por exemplo, os verbos, completando a
acção por eles expressa. Alguns advérbios são graduáveis, isto é, admitem flexão em
grau. Quando são graduáveis, tal como se verifica com o advérbio de modo bem, têm
superlativo absoluto sintético, observem:
Superlativo absoluto sintético de bem:
“Estou aqui optimamente…”
Superlativo absoluto analítico:
Superlativo absoluto analítico de bem:
“Estou aqui muito bem…”
Podem então ser modificados por advérbios com valor quantitativo:
“Estou aqui tão bem…”
(tão – advérbio com valor quantitativo + advérbio bem)
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Surgem também em construções comparativas, como vamos observar nas
seguintes frases:
GRAUS DO AVÉRBIO BEM
Comparativo de inferioridade de bem:
“Estava aqui pior do que (estava) no hotel…”
Comparativo de igualdade de bem:
“Estava aqui tão bem como (estava) no hotel…”
Comparativo de superioridade de bem:
“Estava aqui melhor do que (estava) no hotel…”
Note-se que há advérbios que não se flexionam em grau porque o próprio
significado não admite variação de intensidade. Exemplos: aqui, ali, lá, hoje, amanhã,
anualmente.
3. USO HIPERBÓLICO DA LÍNGUA
Ana: – E por falar em mudanças, já vimos um bocadinho de Alfama! Se percorrermos
a Rua de S. Tomé, vamos dar à Calçada da Graça. Não queres ir até lá?
João: – Eu nem me atrevo a dizer que não! Tu matavas-me! A menina “quero ver
tudo!”
Esta intervenção do João leva-nos a aludir, de modo muito ligeiro, ao uso de
recursos estilísticos, concretamente, num registo de língua familiar. “Tu matavas-me!”
exclama o João, com humor, para a sua prima Ana, que já conhece bem. Claro está
que a Ana não iria cumprir esta ameaça, se o João se recusasse a fazer o que ela
7
queria. Estamos perante um uso hiperbólico da língua. A hipérbole consiste no
emprego de termos exagerados, a fim de pôr em destaque determinada realidade. Por
outras palavras, o João pretende realçar que não se atreveria a não fazer o que a Ana
queria, pois esta ficaria muito irritada com ele.
4. INTERJEIÇÃO: PUDERA!
João: – Travessas, becos, pequenos largos e escadinhas… Faz-me lembrar um
casbá, não é?
Ana: – Pudera! Esta é uma área que tem imensa influência árabe, com as suas
ruelas a subir e a descer.
Permitam-me que me refira ao modo exuberante como a Ana expressa a sua
concordância com o António. Ela recorre à palavra Pudera!. Esta corresponde a uma
interjeição, quando usada neste contexto, marcado por uma carga emocional; assim
se justifica o uso do ponto de exclamação. Esta interjeição tem origem no pretérito-
mais-que-perfeito do indicativo do verbo Poder. Se a Ana tivesse querido, poderia ter
optado por um outro enunciado, como estes que vos propomos:
“Pudera! Esta é uma área que tem imensa influência árabe, com as suas ruelas
a subir e a descer.”
“Não admira! …”
“É evidente! …”
“É claro! …”
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Obrigado pela vossa atenção e não deixem de acompanhar, a seguir, uma
breve digressão pela história de Lisboa.
As excelentes condições naturais oferecidas pelo seu porto fluvial depressa
atraíram as atenções. Os Fenícios, grandes navegadores da altura, fundaram pelo ano
800 a.C. um núcleo urbano a que chamaram Alis Ubbo. Os romanos concederam-lhe
a categoria de município e atribuíram-lhe o nome de Felicitas Julia. A civilização árabe
também passou por Lisboa até esta ser conquistada pelo primeiro rei de Portugal, D.
Afonso Henriques, em 1147.
Em meados do século XIII, Lisboa é elevada a capital do reino, substituindo
Coimbra. A sua relação com o rio adquire ainda mais destaque com a aventura dos
Descobrimentos, que se desenrola nos séculos XV e XVI. O país viveu uma era de
grande prosperidade. São os anos das viagens de Vasco da Gama e de outros
navegadores que sulcam os mares em busca de novas terras. Um dos motivos que
terá contribuído para o sucesso desta empresa terá residido na facilidade com que os
portugueses entabulavam relações, comerciais e pessoais, com outros povos. Aliás, a
Ana e o João já visitaram algumas das magníficas pérolas da arquitectura que esses
séculos nos deixaram: o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, por exemplo.
Esta cidade conheceu, também, momentos mais conturbados. Além dos
terramotos que sempre visitaram Lisboa, de tempos a tempos, a capital portuguesa foi
também palco de convulsões sociais e políticas. Lembram-se da Revolução de 1383-
85, desencadeada pela morte de D. Fernando? E da posterior subida ao poder de D.
João I, o primeiro rei da dinastia de Avis?
No século XVI, em 1580, Portugal perde a independência para Castela, que
só virá a recuperar 60 anos mais tarde, em 1640. Isto para não falar da Revolução dos
Cravos, já no século XX, sobre a qual vos falaremos no próximo programa.
Voltando ao passado, e mantendo-nos fiéis à ligação Lisboa – rio Tejo, há
que fazer referência ao ouro que vinha do Brasil no século XVIII, que muito veio ajudar
9
na reconstrução da cidade, marcada por uma obra emblemática: o Aqueduto das
Águas Livres, cuja construção já se tinha iniciado antes do grande cataclismo que
marcou este século. Lembremo-nos ainda que a cidade de Lisboa tinha sido destruída
pelo terramoto de 1755.
O século XIX assistiu à chegada do comboio. E do primeiro sistema de
iluminação pública.
O século seguinte testemunhou um contínuo crescimento da cidade, algumas
vezes desordenado, de que resultaram construções em bloco, que não privilegiaram
espaços verdes e zonas de lazer. No entanto, o encanto de Lisboa e a sua relação
com o rio não foram afectados. Veja-se o caso das Docas e do Parque das Nações.
Espera-se que o esforço de modernização empreendido nesses anos tenha
continuação nos alvores deste novo milénio.
Apesar de todas as vicissitudes que marcaram a história de Lisboa ao longo
dos tempos, a essência da cidade continua viva e a servir de inspiração aos poetas.
Olhemos para Lisboa através dos olhos de uma poetisa: Sophia de Mello Breyner
Andresen.
Lisboa
Digo:
« Lisboa»
Quando atravesso – vinda do sul – o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
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Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
- Digo para ver
Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética II 1977
PROGRAMA 23
O DIA DA LIBERDADE
No dia 25 de Abril de 1974, Portugal acordou para uma nova fase do seu devir
histórico. O “25 de Abril” ou “Revolução dos Cravos” vinha pôr fim a 50 longos anos de
ditadura militar.
Ana: – Cá estamos nós, no celebérrimo Largo do Carmo! Este é um dos locais mais
célebres do 25 de Abril!
João: – Mas olha, ninguém diria!
Ana: – Pois é! Toda esta tranquilidade, esta calma... os pombos a esvoaçarem... a
bebericarem do chafariz... as pessoas a irem calmamente comprar o jornal ali ao
quiosque... Até parece que o local nunca conheceu agitação...
João: - Mas conheceu! E não foi pouca!
Ana: - Eu tinha mesmo de vir aqui! Fui construindo uma imagem deste sítio, a partir
das descrições do avô! Lembras-te? Sempre nos falou tanto do dia da revolução...
João: - E ficava com um brilhozinho no olhar... notava-se um orgulho, um
contentamento...
Ana: – Pudera...! Foi um homem que viveu “na carne” a opressão... e lutou sempre...
na clandestinidade... por isso, não admira nada!
João: – Não, não admira nada! ! O avô foi um forte opositor à ditadura...
Ana: – Um forte opositor? Um acérrimo opositor...
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João: - Era um grande homem, o nosso avô! Olha, o que sei do 25 de Abril, foi ele
quem me ensinou...
Ana: – Sim, contava-nos tudo, tim-tim por tim-tim! Tudo com muitos pormenores...
João: – E com muita vivacidade! Lembras-te dos discos que às vezes punha a tocar,
naquele gira-discos, que havia lá em casa dele?
Ana: – Era a chamada música de intervenção – tinha um carácter de combate e de
denúncia! Recordas-te da “Grândola Vila Morena”, do Zeca Afonso?
João: – Aquela canção que foi transmitida no dia 25 de Abril pela Rádio? Que foi uma
das senhas da revolução?
Ana: - Sim, essa mesma! O avô explicava-nos sempre isso! Ai... Como é que era a
letra?
João e Ana: – “Grândola vila morena/Terra da fraternidade/ O povo é quem mais
ordena/ Dentro de ti ó cidade!”.
Ana: - Fantástico, João! Ainda nos lembramos perfeitamente!
João: – Mas o primeiro sinal para iniciar as operações tinha sido emitido na véspera...
Ana: – Ah! Pois tinha! Era uma canção do Paulo de Carvalho. Chamava-se...
João: - “E depois do Adeus”! Após ouvirem o sinal, os Capitães de Abril começaram
a cumprir a sua missão. É preciso ser-se corajoso!
Ana: – Sim ! Porque todos os que se opunham ao regime eram severamente
perseguidos... eram presos, torturados...
João: – É difícil imaginarmos tempos assim! Nós, que sempre vivemos em
Democracia e Liberdade! Por isso é que o avô queria que soubéssemos!
Ana: – Claro! Mas mesmo assim, não é fácil imaginarmos a vida, o dia a dia das
pessoas! Já pensaste no que seria a vida num país onde não podias estar a falar na
rua com mais duma pessoa? Vinha a polícia de costumes e dispersava os grupos de
mais de duas pessoas! Eram considerados “ajuntamentos”, imagina...
João: – E podias ser multada se não tivesses “licença de porte de isqueiro”!
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Ana: – A esta distância, parece ridículo! Mas a existência das pessoas tinha imensas
limitações: por exemplo, nas escolas, rapazes e raparigas não se misturavam! Tinham
salas, corredores e até recreios separados!
João: – Mas acho que ainda pior do que isso era não haver liberdade de expressão...
Ana: – Estás a referir-te ao “lápis azul” da censura, não é?
João: – Pois! Os censores riscavam com um lápis azul tudo o que considerassem
subversivo – a imprensa e as artes eram completamente controladas: teatro, cinema,
literatura, música, tudo passava pelo crivo da censura!
Ana: - Olha! Não vamos mais longe – o próprio Zeca Afonso, de quem falámos há
pouco! Foi preso pela PIDE!
João: – Claro! Também, a cantar “coisas” como “Eles comem tudo/ E não deixam
nada”!
Ana: – Isso era um protesto muito forte contra a injustiça na distribuição da riqueza...
Porque alguns eram riquíssimos mas o povo, esse era paupérrimo!
João: – Mas Zeca Afonso chega mesmo ao ponto de denunciar os assassínios
cometidos pela polícia. Olha, é o caso d’ “A morte saiu à rua”!
Ana: – É inimaginável! Se alguém te acusasse, mesmo que fosse mentira, vinham os
interrogatórios, os espancamentos, às vezes mesmo a morte...
João:- De facto, não deve haver nada pior do que viver-se com medo!
Ana: – Deve ser mesmo péssimo! Já viste bem? Às vezes, viver-se com medo do
próprio vizinho? Com medo até da sombra da esquina...
João: – Por isso, quando os militares controlaram certos locais estratégicos e a
situação estava dominada, o povo começou a festejar, a vir para a rua...
Ana: – Imagina este largo como o avô o descrevia: apinhado de gente, em cima dos
tanques do exército... tudo a gritar palavras de ordem... os militares e o povo, lado a
lado...
João: – O Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, teve de acabar por se render...
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Ana: – A alegria era tanta que o povo espetava cravos nas espingardas dos
soldados...
João: – Era finalmente a liberdade!
Ana: – Para muitos, era uma espécie de “madrugada”! Sophia de Mello Breyner diz
exactamente isso. Queres ouvir?
Ana: – Esta é a madrugada que eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo/ Onde
emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo!
Hoje, a Ana e o João visitaram o Largo do Carmo. O local, pela sua importância
histórica, levou-os a falar sobre o 25 de Abril. A propósito da sua conversa,
abordaremos adjectivos (os graus de alguns adjectivos e a sua posição na frase).
1. ADJECTIVOS
Os adjectivos qualificativos, como a própria designação indica, exprimem qualidades
das entidades que qualificam. Alguns adjectivos qualificativos, como já vimos em
programas anteriores, são graduáveis – isto é, podem ser modificados por expressões
de grau. Estão nesta condição os adjectivos que apontam para qualidades que
admitem uma gradação, uma escala de valores (por exemplo, uma dada realidade
pode ser “bonita” em escalas diferentes: “bonita”; “tão bonita como outra”; “menos ou
mais bonita do que outra”; “muito bonita”; “bonitíssima”; etc.).
Na conversa a que hoje assistimos, a Ana e o João utilizam muitos adjectivos
graduados . Atenção ao excertos que se seguem:
1.1. GRAUS DOS ADJECTIVOS
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Sequência 1:
Ana: - Cá estamos nós, no celebérrimo Largo do Carmo! Sabias que este é um dos
locais mais célebres do 25 de Abril?
Sequência 2:
João: – Não, não admira nada! ! O nosso avô foi um forte opositor à ditadura...
Ana: – Um forte opositor? Um acérrimo opositor, diz antes assim...
Sequência 3:
Ana: – Porque alguns eram riquíssimos mas o povo, esse era paupérrimo!
A Ana, para qualificar as entidades a que se refere, utiliza adjectivos no grau
superlativo; a maior parte dos adjectivos do excerto estão no grau superlativo absoluto
sintético. A Ana recorre ao superlativo absoluto sintético para apresentar as
qualidades das entidades no seu grau máximo: diz-nos que o largo do Carmo é um
local “celebérrimo” (equivale ao superlativo absoluto analítico extremamente
célebre ou extremamente famoso), que o avô foi um “acérrimo opositor” à
ditadura (isto é, um opositor “mais do que forte”, extremamente forte ou
extremamente acre), que alguns eram “riquíssimos” (ou seja, extremamente
ricos), mas que o povo era “paupérrimo” (extremamente pobre).
Superlativo Absoluto Sintético
Celebérrimo (= extremamente célebre)
Acérrimo (= extremamente acre/ forte)
Riquíssimo (= extremamente rico)
Paupérrimo (=extremamente pobre)
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Já de seguida, vamos ver melhor como se forma em cada um destes exemplos o grau
superlativo absoluto sintético.
1.1.1. FORMAÇÃO DO GRAU SUPERLATIVO ABSOLUTO SINTÉTICO
Como já foi abordado em programas anteriores, em português o superlativo absoluto
sintético forma-se, em muitos casos, com o sufixo –ÍSSIMO .
No que diz respeito particularmente aos adjectivos terminados no grau normal em -co,
após a queda da vogal final –o, mudam o c em qu antes de receberem o sufixo:
RICO [RIC(O) + ÍSSIMO ] RIQUÍSSIMO
Vemos que em “RICO” o “–o” cai, desaparece, o “C” muda para “QU” e junta-se
depois o sufixo –ÍSSIMO para formar o superlativo abosoluto sintético.
Mas há também adjectivos cujo superlativo absoluto sintético nos chegou directamente
do latim. São cultismos, palavras cultas, que nos chegaram por via erudita:
Grau Normal
Superlativo Absoluto Sintético
CÉLEBRE
ACRE
POBRE
CELEBÉRRIMO (do latim celeberrĭmu-)
ACÉRRIMO (do latim *acerrĭmu-)
PAUPÉRRIMO (do latim pauperrĭmu-)
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“Celebérrimo”, superlativo absoluto sintético de “célebre”, chegou-nos do latim
“celeberrimu-“; “acérrimo”, superlativo absoluto sintético de “acre”, provém do latim
“* acerrimu-“ e “paupérrimo”, superlativo absoluto sintético de “pobre”, vem do latim
“pauperrimu-“.
Estas formas de superlativo tendem a ocorrer em registos discursivos bastante
cuidados.
De salientar que alguns dos superlativos absolutos sintéticos ditos “eruditos” têm
também uma forma popular, formada , com o sufixo –íssimo, a partir do adjectivo:
Adjectivo
Forma erudita
Forma popular
pobre
paupérrimo
pobríssimo [pobr(e) +-íssimo]
Assim, neste caso, para o adjectivo “pobre” temos a forma erudita “paupérrimo” a par
da forma popular “pobríssimo”.
1.2. CASOS PARTICULARES DE COMPARATIVO E DE SUPERLATIVO
Alguns adjectivos apresentam formas particulares para expressar a quantificação:
Ouçamos a Ana e o João:
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João: – Mas acho que ainda pior do que isso era não haver liberdade de
expressão...
João: - De facto, não deve haver nada pior do que viver-se com medo!
Ana: – Deve ser mesmo péssimo!
Normal
Comparativo de
Superioridade
Superlativo Absoluto
Sintético
MAU
BOM
PEQUENO
GRANDE
PIOR
MELHOR
MENOR
MAIOR
PÉSSIMO
ÓPTIMO
MÍNIMO
MÁXIMO
“Pior” é o comparativo de superioridade de “mau”; “péssimo” é o superlativo
absoluto sintético. À semelhança do que se passa com “mau”, também “bom”,
“pequeno” e “grande” têm formas próprias de comparativo e de superlativo: “bom”,
“melhor”, “óptimo”; “grande”, “maior”, “máximo”; “pequeno”, “menor”,
“mínimo”.
2. POSIÇÃO DO ADJECTIVO NA FRASE
Vamos agora dar atenção às posições que os adjectivos qualificativos podem ocupar
na frase, bem como ao valor semântico associado a cada posição.
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Certos adjectivos qualificativos podem ocorrer na frase em duas posições diferentes:
antes ou depois do nome que qualificam.
Cada uma das posições veicula um significado particular, ou seja, um mesmo
adjectivo em posições diferentes suscita diferentes interpretações. Vejamos o seguinte
excerto:
João: - Era um grande homem, o nosso avô!
Como certamente repararam, o João coloca o adjectivo “grande” antes do nome;
“grande” assume, desta forma, o significado de “notável, querendo dizer de valor
superior”;
Mas imaginemos que o João colocava o adjectivo a seguir ao nome e dizia, por
exemplo, “O nosso avô era um homem grande”; nesta posição, “grande” significaria
então “de estatura elevada”.
um grande homem (= notável)
um homem grande (= de estatura elevada)
Sintetizando: os adjectivos que designam qualidades objectivas, objectivamente
observáveis e muitas vezes até passíveis de medida, são colocados depois do nome.
O adjectivo tem assim um valor descritivo, que remete para o seu sentido inerente,
”não figurado”; alguns destes adjectivos, da classe de qualidade objectiva, podem ser
colocados antes de alguns nomes; o significado do adjectivo deixa então de ser
9
objectivo e passa a avaliativo; por vezes, nesta situação, o adjectivo adquire um valor
expressivo.
Vejamos exemplos de adjectivos de uso muito frequente em português, cuja
significação muda consoante a sua posição na frase:
amigo velho (= idoso) / velho amigo (= amigo de longa data);
pessoa rica ( = endinheirada) / rica pessoa (= bondosa; boa);
homem pobre (= sem recursos) / pobre homem (= sem sorte)
Se temos um “amigo velho” quer dizer que temos um amigo idoso, mas se temos um
“velho amigo” temos um “amigo de longa data”, não necessariamente idoso; uma
“pessoa rica” é alguém endinheirado, com recursos materiais, mas “uma rica pessoa”
é alguém bondoso, com qualidades humanas superiores; “um homem pobre” é um
homem sem recursos materiais mas um “pobre homem” é um homem “sem sorte”, um
“coitado”.
Terminámos a explicação de hoje dedicada aos adjectivos; vamos agora aprender um
pouco mais sobre a história recente de Portugal, que ficou marcada pela “Revolução
dos Cravos” – o 25 de Abril.
Em 28 de Maio de 1926, um golpe de estado tinha terminado com a Primeira
República, extinguido todas as instituições políticas democráticas e instaurado no país
uma ditadura militar, que se afiguraria duradoura.
António Oliveira Salazar viria a ser a personalidade política central do regime
então iniciado. Começa por ser Ministro das Finanças, mas depressa determina toda
10
a orientação política do governo. É nomeado Presidente do Conselho em 1932, cargo
que ocupa até 1968, quando adoece gravemente em virtude de uma queda e é
substituído por Marcelo Caetano.
A constituição de 1933 inaugura um regime político que ficou conhecido como
Estado Novo. Preconiza um estado forte, centralizador e antidemocrático, cuja
actuação será marcada pelo autoritarismo.
O referido sistema político controla todas as actividades económicas e sociais
do país através dum rígido intervencionismo económico-social. O nacionalismo
corporativo dificulta o surgimento de movimentos sindicais.
Uma das traves mestras do governo é o seu severo imperialismo colonialista.
Portugal mantém violentamente, sob condenação das Nações Unidas, o último império
colonial do mundo ocidental.
Desde 1961, trava, no Ultramar, uma sangrenta Guerra Colonial. Iniciada em
Angola, na sequência de acções repressivas contra trabalhadores angolanos, estende-
se em 1963 à Guiné e depois a Moçambique.
Na metrópole, as mulheres assistem, impotentes e inconsoláveis, ao embarque
de milhares de jovens combatentes, para uma guerra que lhes rouba os seus jovens
filhos, namorados e maridos.
Todos irão esperar ansiosamente “o grande dia” – o dia do regresso, do
reencontro. Salazar apela ao cumprimento do dever, ao sentido de patriotismo. Apela
à heroicidade, mas os rostos que nos chegam da guerra só espelham desespero e
incompreensão.
A Guerra do Ultramar transformou-se num dos maiores motivos de oposição ao
governo. Levanta, por diversas vezes, fortes movimentos de contestação estudantil.
Tais lutas são acentuadas em 1972, quando o estudante Ribeiro dos Santos, do
MRPP, é morto a tiro pela PIDE, no decorrer de uma manifestação.
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Com efeito, a PIDE, polícia política do Estado Novo, é o instrumento da
repressão, silenciador de todas as vozes discordantes. Os opositores ao regime são
perseguidos, presos ou são forçados à clandestinidade e ao exílio. É o caso de Álvaro
Cunhal e de Mário Soares.
Portugal, seguindo o lema do “orgulhosamente sós”, está votado ao isolamento
internacional. A dura censura exercida sobre as artes e a cultura leva a
intelectualidade portuguesa também ao exílio.
A partir de Agosto de 1973, “os capitães de Abril” começam a reunir
clandestinamente. Pouco a pouco, delineia-se um movimento – o Movimento dos
Capitães - a favor duma revolução, contra o regime e a guerra colonial.
O “Movimento das Forças Armadas” – MFA – é a força militar que no dia 25 de
Abril de 1974 depõe o governo ditatorial e conduz à restauração da Democracia.
Na sequência imediata da Revolução, a sociedade portuguesa presencia rápidas
alterações:
- são libertados os presos políticos e a Pide é extinta;
- a Pide, a polícia política do Estado Novo, é extinta e alguns informadores, os
Pides, são presos;
- o povo, exultante, aplaude o regresso ao país dos líderes do partido socialista
e comunista;
- a 1 de Maio de 1974, comemora-se, pela primeira vez em Portugal, o Dia do
Trabalhador;
- cessou a Guerra Colonial e a 27 de Julho de 1974 é reconhecido o direito à
independência das colónias portuguesas;
- as primeiras eleições livres ocorrem no dia 25 de Abril de 1975.
Durante os anos que se seguiram à Revolução, desenrola-se um período de forte
contestação das autoridades tradicionais e de luta laboral e social. Os músicos e
12
13
cantores, tanto tempo privados de voz, fazem eco das preocupações revolucionárias
no “canto de intervenção”.
Mas os valores conquistados por Abril levarão o seu tempo a germinar, a
implantar-se na mentalidade e no modo de vida dos portugueses.
Hoje, no dealbar do séc. XXI, Portugal é um país livre, democrático e plural onde a
abertura ao mundo e o multiculturalismo, sobretudo depois da adesão à CEE, em
1986, são uma realidade cada vez mais acentuada.
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1
PROGRAMA 24
NO PORTO
O Porto prosperou com o comércio desde que as rotas mercantis dos romanos
cruzavam o Douro. Soube ainda aproveitar as riquezas geradas pelas descobertas
marítimas portuguesas dos séculos XV e XVI. Posteriormente, o comércio dos vinhos
com a Inglaterra compensou a perda do comércio das especiarias. O Porto constitui
hoje um centro industrial importante e é a segunda cidade do país.
A Ana e o João decidem por isso visitar o Porto, também conhecido como
Cidade Invicta, título atribuído pela rainha D. Maria II, devido à coragem dos seus
habitantes, durante o cerco da cidade pelos Miguelistas.
__________________________________________________________
Ana: - Que azulejos interessantes. A maior parte deles são alusivos a episódios da
História de Portugal.
João: - Mas também há representações de festejos populares e religiosos. Sabias que
o autor destes azulejos foi Jorge Colaço?
Ana: - Que ignorância, a minha! Quem foi ele?
João:- É o mesmo autor dos painéis do Palace Hotel do Buçaco e da Igreja dos
Congregados aqui no Porto.
Ana: - Como sabes essas coisas? Andaste a ler o meu guia, não é verdade?
João:- Enquanto dormias. Mas, toca a despachar. Temos milhentas coisas para ver
aqui no Porto.
2
João:- Gostei imenso da casa. É obviamente dos anos 30. As linhas são Art Déco. O
seu proprietário teve muito bom gosto.
Ana:- Achei a casa linda, mas os jardins são magníficos.
João:- Parece que o proprietário da casa solicitou a colaboração de artistas
estrangeiros para o desenho destes jardins.
Ana:- O projecto foi, sem dúvida, bem conseguido. Quanto à casa, achei-a bonita,
mas prefiro coisas mais modernas como aquela casa que vimos na Av. Dos
Combatentes daquele arquitecto, o da reconstrução do Chiado em Lisboa. Como era o
nome dele?
João:- Siza Vieira. É o mesmo que desenhou a Faculdade de Arquitectura aqui do
Porto.
Ana:- Eu sei. Que edifícios espectaculares!
******
Ana:- Estou a gostar do ambiente da cidade e das pessoas aqui do Porto.
João: Acho que visitámos muitas coisas, mas ainda ficou tanto por ver.
Ana:- Ficaria aqui mais tempo, se pudesse.
João:- Dir-se-ia que gostaste do Porto.
Ana:- Eu diria antes que me apaixonei por esta cidade e por estas gentes.
João:- E não vimos tudo. Gostaria tanto de ter visitado a Igreja de Santa Clara. É uma
igreja renascentista. Ou a Igreja de São Francisco. Parece que o seu interior do século
XVIII surpreende todos os visitantes. Imagina lá que há mais de 200 kg de ouro no
altar, nas colunas e nos pilares. E para não falar no Museu Soares dos Reis. Que
pena!
Ana:- Mas talvez ainda tenhamos tempo amanhã de manhã. Se nos levantarmos
cedo, é claro.
João:- Se não fosses tu, não ficaríamos a conhecer tão bem o Porto.
Ana:- Mas, vá lá, João, o que é sabes sobre o Museu Soares dos Reis?
3
João:- Bom, sei que fica num palácio construído em finais do século XVIII. Pertencia
a uma família rica do Porto. Mais tarde, a família real adquiriu-o para sua residência. E
só muito mais tarde é que se tornou no Museu Soares dos Reis. Sabes quem foi
Soares dos Reis, não sabes?
Ana:- Já ouvi falar. Era um escultor, não era?
João:- Sim, do século XIX. Li no teu guia que é o autor da escultura O Desterrado e
que está no Museu. Mas, parece que há muitas coisas para ver no Museu, desde
pintura a ourivesaria.
Ana:- Não sei se te diga ou não, mas...lembras-te do prometido?
João:- Eu cá não prometi nada.
Ana:- Não?! Caves do vinho do Porto, diz-te alguma coisa? Creio que te lembras bem.
João:- Ainda te lembras disso? Apenas o tinha sugerido. E já foi há tanto tempo!
Ana:- Deixa-te de lamentações... Descansamos um pouco aqui nestes jardins e
depois continuamos a visita, faça sol ou faça chuva.
João:- E parece que chuva é coisa que aqui não falta. Tenho a impressão de que
continuamos a treinar-nos para alguma maratona!
Ana:- Não faças fitas. Se queremos aproveitar bem a estadia no Porto, devemo-nos
esforçar um pouco.
João:- Pobre de mim!
Ana:- Mas não achas boa ideia?
João:- Lá achar, acho. Só não sei se sobreviverei.
_____________________________________________________________________
Acompanhámos a visita da Ana e do João à cidade do Porto. Agora, vamos retomar
algumas frases do diálogo para abordar o uso do Condicional, a sintaxe dos clíticos e
ainda para explicar o significado de algumas expressões do português.
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1. Uso do Condicional
Vejamos novamente um excerto do diálogo:
Ana:- Estou a gostar do ambiente da cidade e das pessoas aqui do Porto.
João:- Acho que visitámos muitas coisas, mas ainda ficou tanto por ver.
Ana:- Ficaria aqui mais tempo, se pudesse.
João:- Dir-se-ia que gostaste do Porto.
Ana:- Eu diria antes que me apaixonei por esta cidade e por estas gentes.
João:- E não vimos tudo. Gostaria tanto de ter visitado a Igreja de Santa Clara. É
uma igreja renascentista. Ou a Igreja de São Francisco. Parece que o seu interior do
século XVIII surpreende todos os visitantes. Imagina lá que há mais de 200 kg de
ouro no altar, nas colunas e nos pilares. E para não falar no Museu Soares dos Reis.
Que pena!
Observemos agora algumas frases que acabaram de ouvir no diálogo.
USO DO CONDICIONAL
1.Ficaria mais tempo, se pudesse.
2.Dir-se-ia que gostaste do Porto.
3.Eu diria antes que me apaixonei por esta cidade e por estas gentes.
4.Gostaria tanto de ter visitado a Igreja de Santa Clara.
5.Se não fosses tu, não ficaríamos a conhecer tão bem o Porto.
As frases que estamos a ver apresentam o Condicional com valor modal.
Assim, em (1) o condicional é usado como uma probabilidade feita sob uma condição:
se a Ana pudesse (condição) ficaria mais tempo (era provável que ficasse mais
tempo); em (2) faz-se uma suposição provável – ou seja, pela reacção da Ana, o João
5
supõe que ela tenha gostado do Porto; em (3) é feita uma eufemização – isto é, a Ana
declara ter-se apaixonado pelo Porto mas de uma forma eufemística, suavizada; em
(4) exprime-se um desejo e em (5) usa-se o condicional para exprimir uma certa
irrealidade.
O ponto de perspectiva temporal nestas frases não é o passado. Como
dissemos logo no início, destaca-se nestas o seu carácter modal. Não apresentam
características temporais mas sim gramaticalizam as opiniões das personagens.
Contrastem-se as frases em análise com a frase seguinte, que não está no diálogo:
O ponto de perspectiva temporal desta frase é o passado. Aqui o condicional
usa-se para perspectivar o futuro mas a partir do passado (ontem).
2. Sintaxe dos Clíticos
Vejamos agora mais umas frases do diálogo e observemos a sintaxe dos
pronomes clíticos que correspondem às formas átonas do pronome pessoal.
SINTAXE DOS CLÍTICOS
1. Dir-se-ia que gostaste do Porto.
2. Creio que te lembras bem.
3. Ainda te lembras disso?
4. Apenas o tinha sugerido.
5. Tenho a impressão de que continuamos a treinar-nos...
6. Ontem a Ana encontrou um colega e este convidá-la-ia para ir ao teatro.
6
6. Se queremos...., devemo-nos esforçar.
Em 1, observamos que o pronome objecto está colocado entre a forma infinitiva
e os afixos flexionais. Trata-se de uma sobrevivência da gramática antiga do
português. Em 2., o pronome surge antes do verbo porque se trata de uma frase
subordinada. O complementador- Qu atrai o clítico para a posição antes do verbo. Na
frase 3, o clítico surge antes do verbo porque temos uma frase interrogativa e além
disso iniciada com um operador de focalização -ainda. Em 4., o clítico precede o
verbo. O advérbio de focalização apenas atrai o clítico para uma posição antes do
verbo. Em 5., observamos que o pronome clítico ocorre à direita da forma infinitiva. No
entanto, também seria possível fazê-lo preceder o verbo aspectual - continuar a... A
frase poderia ser dita do seguinte: Tenho a impressão de que nos continuamos a
treinar...
Na frase 6, o clítico surge depois do verbo modal dever. No entanto, também
seria possível colocar o clítico depois da forma infinitiva. Ambas as frases estariam
correctas. Assim, a frase poderia ser dita:
Se queremos..., devemos esforçar-nos...
7
3. Actos de fala
Quanto aos actos de fala, destacamos a expressão de desejo e de pena.
Vejamos novamente um pequeno excerto do diálogo:
Ana:- Estou a gostar do ambiente da cidade e das pessoas aqui do Porto.
João: Acho que visitámos muitas coisas, mas ainda ficou tanto por ver.
Ana:- Ficaria aqui mais tempo, se pudesse.
João:- Dir-se-ia que gostaste do Porto.
Ana:- Eu diria antes que me apaixonei por esta cidade e por estas gentes.
****
João:- E não vimos tudo. Gostaria tanto de ter visitado a Igreja de Santa Clara. É
uma igreja renascentista. Ou a Igreja de São Francisco. Parece que o seu interior do
século XVIII surpreende todos os visitantes. Imagina lá que há mais de 200 kg de
ouro no altar, nas colunas e nos pilares. E para não falar no Museu Soares dos Reis.
Que pena!
ACTOS DE FALA
• Para se expressar desejo:
“Gostaria tanto de ....”
• Para expressar pena:
“Que pena!”
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4. Expressões do Português
Vamos agora recordar algumas expressões do diálogo e explicar o seu significado.
1.“Temos milhentas coisas para ver aqui no Porto.”
2. “Faça sol ou faça chuva.”
3. “Não faças fitas.”
A frase 1 “Temos milhentas coisas para ver aqui no Porto” trata-se de um
exagero, de uma hipérbole, que significa que se tem muito para fazer, sendo aqui
locais para visitar ou ver. A frase 2 “Faça sol ou faça chuva” significa em qualquer
circunstância. A frase 3 “Não faças fitas” significa não dar nas vistas, não agir de forma
exagerada. Esta expressão é utilizada num registo de língua bastante informal.
Agora espero que gostem da proposta que vos fazemos para conhecerem o
Porto
______________________________________________________________
O centro histórico do Porto merece uma visita. Comecemos a nossa visita pelo
Terreiro da Sé. Aqui podemos ver a Sé, a casa do Cabido e o Palácio Episcopal. A Sé
foi alvo de intervenções ao longo dos séculos, apresentando hoje uma enorme
variedade de estilos. Os tesouros artísticos da Sé merecem ser visitados. Num dos
claustros gótico e abobadado observam-se os painéis setecentistas de azulejos de
rara beleza.
Na rua D. Hugo pode ver-se a Casa-Museu Guerra Junqueiro, propriedade
daquele poeta do século 19.É um edifício setecentista, de estilo barroco, atribuído a
Nicolau Nasoni.
Se descermos as escadas até ao Cais da Ribeira, zona típica, chegamos ao
Barredo – bairro de aspecto medieval.
9
Pela rua de S. João, chegamos ao Largo de S. Domingos onde se erguia o
convento com o mesmo nome. Mas, entre 1787 e 1832, o edifício sofreu vários
incêndios, ficando quase totalmente destruído, restando-lhe agora a fachada
recuperada.
Na Rua de S. Bento da Vitória, pode visitar-se o Mosteiro com o mesmo nome.
Este mosteiro é considerado um dos edifícios religiosos mais importantes e
imponentes da cidade do Porto Ao fundo da Rua de S. Bento, avista-se a Ponte e a
Bolsa.
Na Cadeia e Tribunal da Relação, estiveram presos Camilo Castelo Branco e
Ana Plácido e ainda o famoso Zé do Telhado, assaltante da região, que ajudava os
mais necessitados e que faz hoje parte do imaginário popular.
Nicolau Nasoni, arquitecto de origem italiana, figura importante no panorama
artístico do século XVIII, da cidade do Porto. É da sua responsabilidade a fachada da
Igreja da Misericórdia, a transformação da Sé e o conjunto dos Clérigos, considerado
um magnífico exemplar do barroco. Se descermos a Rua dos Clérigos podemos
apreciar a Av. dos Aliados e a Praça da Liberdade. A Ribeira também merece ser
descoberta.
Se caminharmos até à Ponte de D. Luís, projectada por um discípulo de Eiffel no
século XIX, poderemos observar toda a zona envolvente, como o casario de cores
fortes, desde o Cais até à Sé, considerada hoje Património Mundial pela UNESCO.
A Praça da Ribeira foi até ao século XIX, o centro da actividade comercial da
cidade. Actualmente, esta zona atrai muitos turistas pelos restaurantes e espaços
nocturnos existentes. Veja-se ainda na Ribeira, a Igreja de São Francisco: a sua
fachada austera, gótica não nos deixa adivinhar a talha dourada existente no seu
interior. Mas o interesse e património histórico da cidade do Porto não se esgotam
nestas zonas.
Há muito mais por descobrir nesta cidade encantadora, como por exemplo a
Fundação de Serralves, com a sua casa e jardins magníficos, o Coliseu, fundado em
10
1941 e desenhado por Cassiano Branco, o Estádio do Dragão do arquitecto Manuel
Salgado e a Igreja de Cedofeita, do século XII, considerada a mais antiga do Porto.
O edifício da Bolsa, de estilo neoclássico, é um edifício centenário e um dos
mais emblemáticos da cidade.
Podem ainda visitar-se as Caves do Vinho do Porto, em Vila Nova de Gaia ou
fazer-se um passeio de barco.
A cidade do Porto é considerada pela UNESCO como sendo «cidade
património mundial». É uma cidade cheia de monumentos históricos, cafés antigos,
mercados, restaurantes e ruas estreitas. No entanto, a sua verdadeira beleza está na
força e singularidade do seu rio, o rio Douro, um dos maiores da Península Ibérica.
O Porto é actualmente um próspero centro urbano mundialmente conhecido
pelo seu vinho, pelos seus monumentos, pelas suas actividades culturais.
1
PROGRAMA 25
POR ALDEIAS E VILAS DE PORTUGAL
Neste programa apresentaremos um percurso por algumas aldeias e vilas
históricas portuguesas. Seleccionámos apenas aquelas que apresentam hoje alguma
originalidade arquitectónica e despertam a curiosidade dos visitantes.
A Ana e o João não têm tempo para descobrir todo o país, recorrem, por isso,
a livros e a DVD temáticos, esperando num futuro próximo a oportunidade de visitar
estes pitorescos recantos.
******
Ana:- Olha, João, encontrei estes dois livros sobre Portugal que me parecem
interessantes. E tu, encontraste algum DVD?
João:- Encontrei este e gostaria que o víssemos juntos. Será que nos deixam visioná-
lo? Deixa-me perguntar àquele funcionário.
Ana:- Custe o que custar, temos de visitar apenas uma cidade por região. O que
achas, João?
João:- Concordo contigo. Proponho Évora ou Beja no Alentejo
Ana:- E no centro, talvez, Coimbra. Talvez se possa dar um pulinho até ao Buçaco.
João:- Buçaco! Mas o que é que tu queres fazer no Buçaco? Só há árvores e plantas
ou haverá algo mais do que isso?
Ana:- Não digas uma coisa dessas, João. É verdade que o Buçaco é uma floresta
antiga, um verdadeiro jardim botânico.
2
João:- Será como dizes, mas não acredito.
Ana:- Mas, para que não te restem dúvidas, vou ler-te o que está escrito aqui no guia.
Ana:- O Buçaco foi retiro monástico no século XVI. Os monges ergueram capelas e
caminhos de contemplação. Do seu mosteiro, poder-se-ão ainda ver os claustros, a
capela e algumas celas de monges. Uma placa recordar-lhe-á que Wellington dormiu
numa das celas forradas a cortiça. Poderá ainda ver o monumento à Batalha do
Buçaco e que assinala a vitória de Wellington em 28 de Setembro de 1810.
João:- Ana, basta de História!
Ana:- E há ainda o Palace-Hotel do Buçaco, mandado construir pelo Rei D. Carlos I
em 1888 e terminado em 1907.
João:- Então, o hotel terá cerca de 100 anos! Deve ser interessante.
Ana:- Interessante e caro, a avaliar pelo seu aspecto. Não é certamente para as
nossas bolsas!
João:- Haverá, com certeza outros hotéis mais baratos lá perto.
João:- E se víssemos agora algo sobre Coimbra?
Ana:- Boa. Duvido que seja mais completo do que este guia. É excelente, este guia.
Até dá sugestões de lugares onde se pode comer e dormir.
João:- Vá lá Ana, eu sei que estás mortinha por ler o que diz o guia.
Ana:- Coimbra foi terra Natal de seis reis e sede da mais antiga Universidade de
Portugal. Do largo da Portagem, na Baixa, até à Praça do Comércio, encontrará lojas,
bares, restaurantes e pastelarias. Num dos recantos, poderá visitar a Igreja de São
Tiago com a sua fachada simples, um restauro do século XII, possuindo no seu interior
um retábulo rococó em talha dourada. Na Igreja de Santa Cruz estão sepultados os
dois primeiros reis de Portugal. Poderá ainda visitar a Igreja do Carmo com um
retábulo do sec. XVI e a Igreja da Graça também do mesmo século. A Sé Velha, em
estilo fortaleza, é considerada um dos mais belos edifícios românicos portugueses. A
Sé Nova fica perto da Universidade e foi fundada em 1598 pelos jesuístas.
3
A Universidade foi fundada por D. Dinis em 1290 e é uma das mais antigas do Mundo.
Do outro lado do Mondego, temos os conventos de Santa Clara e que estão muito
ligados a Santa Isabel e a D. Inês de Castro que aí foi apunhalada em 1355. Uma
lenda conta-nos que surgiu aí uma nascente, a Fonte dos Amores, que pode ser vista
nos Jardins da Quinta das Lágrimas.... diga -se lá o que se disser, Coimbra tem muito
encanto.
João:- E lá bem no Norte, não podemos deixar de visitar Braga.
Ana:- Há tantos outros lugares que eu gostava de visitar.
João:- Pois é. Também eu. Mas não é possível ver tudo desta vez. Temos de cá
voltar, Ana. O que diz o livro sobre Braga? Gostas tanto desse guia!
Ana:- Lá estás tu outra vez a falar no guia. O que vale é que eu faço ouvidos de
mercador!
Ana:- As Igrejas, as mansões do século XVIII e os magníficos jardins dão a Braga um
encanto muito especial. Se pensa visitar Braga, poderá começar por um pequeno
passeio no centro histórico, junto à Praça da República, a praça central, onde se pode
ver a Torre de Menagem do século XIV. Poderá ainda ver a impressionante Sé. Se se
interessar por igrejas, poderá visitar a Capela dos Coimbras do Século XVI e a Igreja
de Santa Cruz, no estilo Barroco do século XVII. Muitas das mansões de Braga datam
do período barroco, tal como o Palácio do Raio e a Cãmara Municipal, ambos
atribuídos ao arquitecto do século XVIII, André Soares da Silva.
João:- Mas já que gostas tanto de Natureza, podíamos dar um salto ao Parque
Nacional de Peneda-Gerês.
Ana:- Adivinhaste os meus pensamentos! Gostava imenso de conhecer esse parque,
mas nem me atrevia a fazer a sugestão. Dizem que é de uma enorme beleza natural.
Parece que até há garranos à solta.
João:- Garranos?! Que raio de bichos são esses?
Ana:- São cavalos e éguas baixos e robustos!
João:- Estou impressionado contigo, Ana.
4
Ana:- E agora mais a sul, muito mais a sul.. Vejamos o que se pode visitar em Évora.
Évora ganhou fama sob os romanos e floresceu na Idade Média como centro de
aprendizagem e de artes. Poderá admirar a praça do Giraldo com a fonte de 1571, o
Templo romano construído no século II ou III d.c. O convento dos Lóios, do século XV,
é agora uma luxuosa pousada onde se pode dormir nas celas e jantar nos claustros. A
Sé que demorou 50 anos a construir e que mais parece uma fortaleza. A igreja da
Misericórdia do sec. XVIII e a Igreja de Nª Sraª da Graça do sec. XVI, a Igreja de S.
Francisco do sec. XV com a capela dos ossos do sec. XVII e a Universidade.
Ana:- Aconteça o que acontecer, não me vou embora sem passar pelo Algarve. Há
praias lindíssimas!
João:- Como a de Arrifana na costa oeste. É abrigada pelas falésias e tem uma vista
espantosa. Conheço-a e não me importo nada de lá voltar.
Ana:- Ou a praia de Beliche, que apesar de ficar “no fim do Mundo”, tem bonitas
formações rochosas. Ou ainda a praia do Camilo. É lindíssima!
João:- Ou a Ria Formosa, uma reserva natural que vale a pena conhecer.
Ana:- Acho que ficamos a conhecer Portugal de lés a lés.
A Ana e o João querem partir à descoberta de Portugal. Neste programa, vamos
abordar a expressão de dúvida, de incerteza, através do uso do futuro do indicativo.
Vamos ainda apresentar frases concessivas e finalmente conhecer o significado de
algumas expressões do português.
1. EXPRESSÃO DE DÚVIDA/ INCERTEZA
A dúvida, a incerteza, é marcada no diálogo pelo uso do Futuro do Indicativo.
Este não marca geralmente uma localização temporal. Introduz antes no enunciado uma
fonte de incerteza, sendo considerado por isso modal.
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Vejamos novamente um excerto do diálogo:
Ana:- O Buçaco foi retiro monástico no século XVI. Os monges ergueram capelas e
caminhos de contemplação. Do seu mosteiro, poder-se-ão ainda ver os claustros, a
capela e algumas celas de monges. Uma placa recordar-lhe-á que Wellington dormiu
numa das celas forradas a cortiça. Poderá ainda ver o monumento à Batalha do
Buçaco e que assinala a vitória de Wellington em 28 de Setembro de 1810.
João:- Ana, basta de História!
Ana:- E há ainda o Palace-Hotel do Buçaco, mandado construir pelo Rei D. Carlos I
em 1888 e terminado em 1907.
João:- Então, o hotel terá cerca de 100 anos! Deve ser interessante.
Ana:- Interessante e caro, a avaliar pelo seu aspecto. Não é certamente para as
nossas bolsas!
João:- Haverá, com certeza outros hotéis mais baratos lá perto.
Vejamos então algumas frases do diálogo:
EXPRESSÃO DE DÚVIDA/ INCERTEZA: FUTURO DO NDICATIVO
1. Do seu mosteiro, poder-se-ão ainda ver os claustros, a capela e algumas celas de
monges. Uma placa recordar-lhe-á que Wellington dormiu numa das celas forradas a
cortiça. Poderá ainda ver o monumento à Batalha do Buçaco.
2. Então, o hotel terá cerca de 100 anos!
6
3. Haverá, com certeza, outros hotéis mais baratos lá perto.
4. Será como dizes, mas não acredito.
Em 1 o futuro apresenta uma possibilidade, antecipada ao leitor/turista.
Chamamos a vossa atenção para a construção da frase com os pronomes clíticos “se”
e “lhe”.: “Do seu mosteiro, poder-se-ão ainda ver os claustros...” e “Uma placa
recordar-lhe-á ---“. Como já vimos em programas anteriores, esta posição do clítico,
alojado entre a forma infinitiva “poder” “recordar” e os afixos flexionais “ão” e “á”,
chamada posição mesoclítica, é uma reminiscência da gramática antiga da língua
portuguesa.Na frase 2,o uso do futuro exprime um cáculo aproximado. Na frase 3, o
futuro é usado para expressar uma hipótese. Na frase 4 temos uma concessão com
dúvida.
2. FRASES CONCESSIVAS
Vamos rever duas sequências do diálogo para abordarmos as frases
concessivas com repetição do verbo. Estas frases apresentam de algum modo uma
relação contrastiva.
Ana:- Custe o que custar, temos de visitar apenas uma cidade por região. O que
achas, João?
João:- Concordo contigo. Proponho Évora ou Beja no Alentejo.
*****
Ana:- Aconteça o que acontecer, não me vou embora sem passar pelo Algarve. Há
praias lindíssimas!
João:- Como a de Arrifana na costa oeste. É abrigada pelas falésias e tem uma vista
espantosa. Conheço-a e não me importo nada de lá voltar.
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FRASES CONCESSIVAS
1. Custe o que custar, temos de visitar apenas uma cidade por região.
2. Aconteça o que acontecer, não me vou embora sem passar pelo Algarve.
3. …diga-se lá o que se disser, Coimbra tem muito encanto.
Trata-se de frases concessivas com repetição de verbo. Nestas frases,
observamos a ocorrência de uma situação que contrasta com aquilo que se esperaria.
Observamos ainda a presença do conjuntivo nas frases concessivas, conferindo-lhes
um carácter modal
4. EXPRESSÕES
Vamos agora recordar algumas expressões do diálogo e explicar o seu significado.
1. “O que vale é que eu faço ouvidos de mercador!”
2. “…ou a praia de Beliche, que apesar de ficar no fim do Mundo, tem bonitas
formações rochosas.”
3. “Acho que ficamos a conhecer Portugal de lés a lés.”
Na frase 1, fazer ouvidos de mercador significa fingir-se que não se ouve. Na frase
2, ficar no fim do Mundo significa ficar num lugar longínquo, muito longe. Na frase 3,
conhecer Portugal de lés a lés significa conhecer Portugal de uma ponta à outra.
Conhecer Portugal em toda a sua extensão.
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Agora espero que gostem da proposta que vos fazemos para descobrirem
Portugal.
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Castelo Rodrigo ergue-se no cimo de um monte vizinho da Serra da Marofa.
Esta antiga vila fortificada foi testemunha de um acontecimento importante das guerras
da Restauração. Para além das casas do burgo, há a Igreja Matriz, dedicada a Nossa
Senhora do Rocamador, de traça românica e fundada no século XII para apoiar os
peregrinos que se dirigiam a Santiago de Compostela.
Marialva fica situada no alto de um monte rochoso, entre Celorico e Foz Côa.
É uma cidadela medieval portuguesa, cujas origens parecem ser anteriores à
colonização romana. Foi um burgo próspero nos séculos XII e XIII, mas é hoje pouco
habitada. Possui quatro portas de entrada: a do Anjo da Guarda, a do Monte, a de
Nascente e a da Traição. Junto à Porta do Anjo, no exterior da muralha, fica a Ermida
de Nossa Senhora dos Remédios e a Igreja de São Pedro.
Nesta cidadela, existe também uma Torre de Menagem, um pelourinho e uma
das entradas para a cisterna. Existem ainda as Igrejas de São Tiago e a Capela do
Senhor dos Passos, de estilo neoclássico.
Sortelha é uma aldeia de granito, situada perto da Covilhã. Conserva o seu
aspecto medieval na arquitectura das suas casas de granito. Dentro das muralhas,
destacam-se, no largo do Pelourinho, uma construção quinhentista dominada pela
Torre de Menagem e pela cisterna. As ruas são estreitas e os largos pequenos. As
casas de granito apresentam alguns traços manuelinos. A Igreja Matriz é dedicada a
Nossa Senhora das Neves.
Castelo Novo fica situado numa das encostas da Serra da Gardunha e é
considerada uma localidade bem conservada do ponto de vista arquitectónico. Perto
do castelo, destacam-se a Torre de Menagem e a Igreja Matriz. Na Praça dos Paços
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do Concelho, temos a casa da Câmara do século XV e o Pelourinho. O largo da Bica é
dominado pelo Chafariz do mesmo nome do século XVIII.
O pico onde se ergue a aldeia de Monsanto domina a planície à sua volta. E lá
no alto, está o castelo que foi conquistado aos mouros por D. Afonso Henriques em
1165. A caminho do castelo, encontram-se as típicas casas em granito, janelas com
cortinas de renda, o miradouro e as ruínas da capela românica de S. Miguel.
Salientamos ainda a Torre de Menagem e a Igreja Matriz ou Igreja de S.
Salvador. As ruas são estreitas, empedradas e acolhedoras. Perto, vê-se a Torre de
Lucano do século XIV com o seu relógio. Nesta aldeia viveu o médico e escritor
Fernando Namora.
Monsanto como tantas outras aldeias e vilas, tem um miradouro com uma vista
deslumbrante.
Piódão mantém os traços medievais e surpreende pela disposição em anfiteatro
das casas feitas de xisto. As ruas são pequenas e sinuosas e desembocam aqui e
além em pequenos largos ou surgem escadinhas com degraus de xisto.
No largo da entrada, temos a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, toda
caiada de branco, apresentando uma arquitectura religiosa de matriz popular.
Esta aldeia é rodeada pela Serra do Açor e pelos rios Alva e Ceira, afluentes do
Mondego.
Óbidos foi uma localidade com alguma importância. O seu castelo e conjunto
urbano estão hoje classificados. A Porta da Vila apresenta uma magnífica capela -
oratório do século XVIII, revestida a azulejos.
O Museu Municipal possui boas colecções de pintura, particularmente de
Josefa de Óbidos e de Arte Sacra.
A Igreja Matriz de Santa Maria foi, sucessivamente, templo visigótico, mesquita
e novamente igreja cristã.
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A Igrejas de S. Pedro, em estilo gótico, reconstruída depois do terramoto de
1755 e a Igreja da Misericórdia, com a bandeira pintada em 1590 por Diogo Teixeira,
merecem ser visitadas.
Marvão foi conquistada por D. Afonso Henriques aos mouros. O seu castelo é
uma fortificação orientada estrategicamente para a fronteira. O passeio pelas ruas
desta vila é um prazer, devido à beleza das suas ruas e das casas caiadas e com
vasos de flores coloridas nas janelas.
Fora das muralhas, temos o convento de Nossa Senhora da Estrela, mosteiro
franciscano de século XV, de estilo gótico. Salientamos ainda a cidade romana de
Ammaia. O seu desaparecimento deu origem a algumas lendas na memória popular.
Monsaraz fica situada no cimo de uma colina de onde se avista vasta planície
alentejana. Foi um castro pré-histórico. Vêem-se ainda hoje na região monumentos
megalíticos, como por exemplo o Menir de Outeiro, o Menir de Belhoa e o Cromeleque
do Xerez.
O primitivo castro foi romanizado e mais tarde ocupado sucessivamente por
visigodos e mouros. Só em 1252, D. Sancho II, com o auxílio dos Templários,
consegue conquistá-la definitivamente. Em 1412 foi doada a D. Fernando por D. Nuno
Alvares Pereira, seu avô.
Hoje, a riqueza de Monsaraz vem-lhe sobretudo do conjunto urbano. No largo
D. Nuno Álvares Pereira, vê-se a Igreja Matriz que tem no seu interior um fresco,
representando as fases da Justiça terrena.