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A Libertação Dos Condicionamentos -Jiddu Krishnamurti

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  • J. KRISHNAMURTI

    A LIBERTAO DOS

    CONDICIONAMENTOS

    Ttulo do original: Talks in Saanen 1968

    Authentic Report

    Sumrio A Crise da Humanidade (1)..................................................................................................................7 O Maior Problema do Homem (2)......................................................................................................17 Do Condicionamento Humano (3).....................................................................................................28 Libertao Interior (4)........................................................................................................................37 Que o Amor (5)................................................................................................................................44 Trs Coisas Relevantes (6).................................................................................................................51 O Medo (7).........................................................................................................................................59 Sofrimento, Morte, Amor (8).............................................................................................................68 As Virtudes da Meditao (9).............................................................................................................77 Viver Significa Agir (10)....................................................................................................................87

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    A CRISE DA HUMANIDADE (1)

    DESDE o primeiro dia e em toda a durao destas reunies, espero que todos ns sejamos aplicados. de crer que a maioria de ns veio ter aqui com a idia de passar umas horas de folga, olhando os montes e as montanhas, os vales verdejantes e as guas correntes; para fruir um pouco de sossego, encontrar-se com amigos, palestrar e divertir-se um pouco. Tudo isso est muito certo, mas, para que estas reunies nos sejam verdadeiramente proveitosas e significativas, devemos ter seriedade.

    Problemas tremendos esto desafiando os entes humanos, e, vivendo neste mundo insano e estpido, cabe-nos ser ponderados. Os que, no mago do prprio ser, so realmente ardorosos - no por efeito de neurose ou em conformidade com um dado princpio ou compromisso - esses demonstram possuir aquela peculiar e indispensvel seriedade.

    Observando o que se est passando no mundo - estudantes em revolta, ameaas de guerra, pobreza extrema, dios e distrbios raciais, etc. - sentimo-nos confusos. Temos ouvido explicaes inmeras, dadas por filsofos, pelos intelectuais, pe los telogos, sacerdotes, socilogos, pelas burocracias organizadas, etc. Mas, explicaes nos so de pouca utilidade; e, mesmo quando conhecemos a causa de todas essas perturbaes, nem por isso estamos habilitados a resolver o problema. Durante estas reunies, seremos, como indivduos e como entes humanos, pessoas responsveis. Iremos descobrir se h possibilidade de resolvermos os problemas de nossa existncia, a agitao, o caos, a aflio e o imenso sofrimento nela existentes, interior e exteriormente. Cumpre-nos, evidentemente, dissipar a escurido que criamos em ns mesmos e em outros. E esta a razo por que, no meu sentir, devemos ter seriedade.

    H indivduos que so srios um tanto neuroticamente; pensam que, seguindo certos princpios ou uma certa crena, dogma ou ideologia, e praticando-os persistentemente, so pessoas srias. Mas, no so srios esses indivduos; eles crem, e sua crena gera um peculiar estado de desequilbrio. Devemos, pois, estar sumamente vigilantes, para sabermos o que significa "ser srio".

    V-se que as ideologias exercem uma extraordinria influncia na vida do homem, em todo o mundo, e que essas ideologias esto dividindo os homens em grupos - republicanos, democratas, "a direita", "a esquerda", etc. Elas separam os homens e, por sua prpria natureza, se convertem em "autoridade". Os que, nessas ideologias, assumem o poder, o exercem tiranicamente, democraticamente, ou cruelmente; isso se pode observar em todo o mundo. Ideologias, princpios e crenas no s dividem os homens em grupos, mas tambm impedem, efetivamente, a cooperao, a qual realmente necessria neste mundo: cooperar, trabalhar juntos, atuar juntos - e no, um atuando de uma maneira, porque pertence a um dado grupo, e outro atuando de maneira diferente. A diviso resulta inevitavelmente da crena numa ideologia. A ideologia, seja comunista, seja socialista, capitalista, etc., separa os homens e gera conflito.

    O "ideologista" no um homem srio; no enxerga as conseqncias de sua ideologia. Para ser srio, ele tem de repudiar, completa e totalmente, as divises nacionais e religiosas, rejeitar tudo o que falso; ter ento, talvez, a possibilidade de tornar-se real e verdadeiramente srio. Cabe-nos construir um mundo de todo diferente - um mundo sem nenhum ponto de contato com o mundo atual, de desatinos e conflitos, de competio, crueldade, brutalidade e violncia.

    S a pessoa religiosa verdadeiramente revolucionria. No h outro revolucionrio; ainda que um homem se diga revolucionrio da extrema esquerda ou do centro, no revolucionrio. Aquele que se diz da "esquerda" ou do "centro" est ocupado com apenas um fragmento da totalidade e, ainda, quebrando esse fragmento em outras e diferentes partes; no de modo nenhum uma pessoa verdadeiramente revolucionria. O homem autenticamente religioso - no sentido profundo dessa palavra - que o verdadeiro revolucionrio, porquanto est fora da esquerda, da direita ou do centro. Compreender isso e cooperar estabelecer uma ordem social diferente. Se pudssemos lanar fora todas aquelas infantilidades, penso que poderamos tornar-nos "o sal da terra". Esta a nica razo por que aqui estamos reunidos; no h outra razo. Vs no ides ganhar nada de mim, nem eu de vs. O que absolutamente essencial no pode achar-se em torno de uma ideologia. Isso me parece bem bvio, historicamente e na realidade de cada dia. O que est sucedendo no mundo mostra-nos a diviso e o conflito das ideologias. Nenhuma ideologia, por superior e grandiosa que seja, pode promover a cooperao; poder criar uma tirania destruidora, da direita ou da esquerda, mas de modo nenhum estabelecer a cooperao da compreenso e do amor. S h cooperao quando nenhuma autoridade existe. Esta uma das coisas mais perigosas do mundo - a "autoridade". Sempre se assume

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    autoridade em nome de uma ideologia, ou em nome de Deus ou da Verdade; e o indivduo ou o grupo que assumiu tal autoridade no tem aptido para estabelecer uma ordem mundial.

    Espero estejais escutando sem vos deixardes mesmerizar por palavras ou, qui, pela "intensidade" do orador; que estejais participando nessas coisas junto com ele. Portanto, desde o comeo destas palestras, devemos compreender bem claramente pelo menos este ponto: a seriedade exige no aceitao da autoridade, inclusive a deste orador. Certas pessoas - infelizmente vindas do Oriente - alegam ter tido extraordinrias experincias e ser capazes de mostrar o caminho a outros, ensinar-lhes uma certa palavra que lhes possibilitar meditar da melhor maneira. No sei se vos deixasses cair em tais armadilhas - como tem acontecido a muita gente, a milhares e milhes de pessoas. Essa autoridade impede um ente humano de ser "a luz de si mesmo". Quando cada um de ns for sua prpria luz, s ento estaremos aptos a cooperar, a amar, s ento haver um estado de comunho entre ns. Mas, se tendes vossa particular autoridade, seja a autoridade de um indivduo, seja a de uma experincia que vs mesmos conhecesses, ento essa experincia, essa autoridade, essa concluso, essa posio fixa vos impedir a comunho. S a mente que est de fato livre pode comungar, cooperar.

    Durante estes dias, peo-vos vos mostreis verdadeiramente judiciosos, no aceitando a autoridade de ningum, nem aquela que em vs mesmos cultivasses, baseada na experincia , no saber, nas numerosas concluses a que chegasses, e tampouco a autoridade deste orador. S quando livre, realmente livre, uma pessoa capaz de aprender; ela , ento, ao mesmo tempo instrutor e discpulo. Muito importa compreender isto, porque desta matria que vamos tratar em todos estes dilogos e palestras.

    Cada um de ns deve ser, para si prprio, tanto o instrutor como aquele que instrudo. Isso s se torna possvel quando se percebe a importncia de vermos, de observarmos, por ns mesmos, as coisas tais como so. Em geral, estamos pouco cientes de nosso interior. No sei se j observastes as pessoas que esto sempre a falar de si; da posio que a si prprias atribuem na vida: "Eu, em primeiro lugar; tudo o mais secundrio." Para que possa haver cooperao, comunho e comunicao entre ns, claro que tem de desaparecer essa barreira - "Primeiro eu, e tudo mais secundrio." O "eu" assume desmedida importncia e se manifesta de inmeras maneiras. Eis porque se torna perigosas as organizaes, embora tenhamos necessidade de organizao. Os que se acham testa de uma organizao ou empunham o poder da organizao se tornam gradualmente a fonte da "autoridade". E com tais pessoas impossvel cooperar, comungar.

    Ns temos de criar um mundo novo. Isto no so meras palavras, uma mera idia: temos realmente de criar um mundo totalmente diferente, onde, como entes humanos, no vivamos a batalhar uns contra os outros e a entredestruir-nos; onde um indivduo no domine outro com suas idias ou seu saber; onde cada ente humano seja realmente, e no teoricamente, livre. Porque s nessa liberdade se pode estabelecer a ordem no mundo. Vamos, pois, se possvel, desembaraar-nos da rede que tecemos em redor de ns mesmos, a qual impede a cooperao, a qual nos separa e cria tanta ansiedade, e tristeza, e isolamento.

    Seria verdadeiramente maravilhoso se, no encerramento destas reunies, cada um de ns pudesse partir daqui dizendo: "Tenho-a" (a liberdade). Isso no significa "possu-la", mas, sim, que, por vs mesmos, tereis visto que sois totalmente livre, que vos tornastes um ente humano cheio de vitalidade, energia, clareza, "intensidade". Isso poder parecer muito; mas, a menos que acontea, continuaremos a criar no mundo aflies sem conta, e guerras, como a que ora se est travando, pela qual somos ns os responsveis, e no os americanos e os norte-vietnamitas; cada ente humano por ela responsvel. E os que porventura vivem neste pas, onde h tanta segurana, esses tambm so responsveis. E somos igualmente responsveis pela diviso que est ocorrendo no mundo, no apenas ideologicamente, mas tambm religiosamente. Vede, pois, por favor, que temos de devotar nossa mente e nosso corao a, esse trabalho. Ele no exige muito esforo intelectual. O intelecto nunca resolveu coisa alguma; pode inventar teorias, explicaes, pode enxergar a fragmentao e criar mais fragmentos, mas, sendo ele prprio um fragmento, no pode resolver o problema da existncia humana. Tampouco podem resolv-lo o emocionalismo e o sentimentalismo - que so tambm reaes de um fragmento.

    S podemos agir totalmente (no fragmentariamente), quando vemos o problema humano em seu todo, e no apenas fragmentos dele. Qual , pois, o problema? Qual o problema humano total, essencial, que, uma vez compreendido, uma vez visto, assim como se v uma rvore ou uma nuvem formosa, todos os demais problemas sero resolvidos? Nessa base, pode-se agir. Que essa percepo total, esse ver total? Eu vo-lo estou perguntando, e cabe-vos achar a resposta. Se esperardes por minha resposta, para a aceitardes, a resposta no ser ento vossa, e eu me tornarei a "autoridade" - coisa que detesto. Assim, qual a vossa resposta, como ente humano que vive neste mundo cheio de agitao, de perturbaes, revolues, onde h

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    esta terrvel diviso entre os homens, uma sociedade imoral, a imoralidade religiosa dos sacerdotes; ao verdes tudo isso estendido vossa frente, ao verdes a agonia do homem qual vossa resposta? Como agis, em face desse problema? Ou, por pertencerdes a uma parte, a um fragmento, quereis converter os demais fragmentos ao vosso prprio fragmento (o que, afinal, uma infantilidade); ou percebeis a fragmentao, e esse prprio ver d-vos uma percepo total. Qual , pois, para vs, o problema essencial, a questo essencial, o desafio nico, que, se for completamente resolvido, todos os outros problemas se dissolvero, sero compreendidos ou superados?

    No achais verdadeiramente interessante descobrirdes o problema essencial da vida sem serdes guiado pelo psiclogo, o filsofo, o telogo, ou por Krishnamurti - sem serdes guiado por ningum: descobri-lo por vs mesmos? Como o descobrireis? Talvez no tenhais pensado nisso, ou, se pensastes, como ireis descobrir esse essencial requisito ou problema? Ireis perguntar a outrem? No, decerto, porque isso buscar uma autoridade. O que a autoridade diz no tem realidade; o que interessa o problema mximo, e vs que tendes de descobri-lo. Se no estais a procurar ningum para ajudar-vos a descobrir o problema central, o problema verdadeiro, que fareis ento? Como o ireis descobrir? Vede, por favor, que esta uma pergunta muito sria.

    Em primeiro lugar, algum de vs j fez a si prprio tal pergunta, j perguntou a si prprio se existe um problema essencial, cuja compreenso dar a soluo de todos os outros problemas secundrios? Se a no fizestes, ento eu a fao. E, se a escutais - como espero esteja is fazendo - como ireis descobrir aquele problema essencial? Por meio do pensamento, pelo refletir nele e pensar em cada problema, cada particularidade, cada fragmento, absorvendo-vos cada vez mais nesse trabalho e chegando, por fim, a uma concluso: "Eis o problema essencial"? Pode o pensamento ajudar-vos? Pode uma indicao, por mais sutil que seja, ajudar-vos? Porque, se dela dependerdes, vos vereis novamente perdido. Assim, o pensar a respeito daquele problema no dar a soluo, dar?

    Qual a natureza do pensamento? O pensamento, como se pode observar, brota da memria acumulada. Observai esse fato em vs mesmos! O desafio este: Qual a problema essencial da vida? Um desafio novo; se a ele "respondeis" com base no pensamento, vossa resposta procede da memria acumulada e, por conseguinte, do "velho". Isso bem claro, no?

    Se me conservo apegado ao meu hindusmo e s respectivas supersties, crenas, dogmas, tradies e demais absurdos - e surge minha frente uma coisa nova, s sou capaz de "responder" com base no "velho". Mas, vendo que essa resposta do "velho" no representa o meio de descobrir o problema essencial, no quero mais depender do pensamento, seja da pessoa mais erudita, seja de meu prprio pensamento. Ponho, assim, de lado (por favor, fazei-o, enquanto falamos), completamente, o emprego do pensamento como meio de descobrimento. Isso possvel? Parece fcil - mas, podeis faz-lo? Isso significa - em presena de um desafio totalmente novo - olh-lo com olhos novos, com lucidez. E o pensamento, por mais racional e sagaz e douto que seja, no traz esclarecimento. Vejo, pois, que o pensamento no o meio de descobrir "o essencial" e, portanto, no pode participar nesta busca, nesta investigao. Sois capaz disso (pr de lado o pensamento)? Se sois, isso significa que o pensamento, que velho e est sempre a interferir, deixa de impor-se e de dominar. E, ento, que sucede? Verificai-o vs mesmos, por favor. Quando j no estais a buscar com base em vosso condicionamento, isso significa que alijastes toda a carga do passado.

    O que estou tentando comunicar-vos com efeito muito simples. Compete-vos descobrir uma nova maneira de viver e de agir, descobrir o que significa o amor. E, para esse descobrimento, no podeis servir-vos dos velhos instrumentos que possus: o intelecto, as emoes, a tradio. Temos manejado e utilizado continuamente esses instrumentos, e no conseguimos criar um mundo diferente, uma nova mentalidade. Portanto, eles so de todo inteis. Tm seu valor prprio em certos nveis da existncia, mas no valem nada quando se trata de descobrir uma maneira de viver totalmente nova. Em outras palavras: a crise atual no se acha no mundo, mas em nossa prpria conscincia. No se trata de descobrir como pr fim guerra, ou reformar as universidades, ou dar mais trabalho ou menos trabalho e maiores salrios, etc. Nesse nvel no se encontra nenhuma soluo; toda reforma produz mais complicaes. A crise est na prpria mente, na vossa mente, na vossa conscincia. E, a menos que saibais reagir a essa crise, a esse desafio, tornareis - consciente ou inconscientemente - cada vez maiores a confuso, a aflio, a imensa angstia j existentes.

    Nossa crise se acha na mente, em nossa conscincia, e a ela compete-nos reagir totalmente. Qual a verdadeira reao, e qual o problema essencial? Obviamente, como j vimos, o pensamento, neste particular, no pode ajudar-nos. Mas isso no significa que tenhamos de ficar num estado vago, como que a sonhar, embotados. Quando j no fazeis uso do pensamento para descobrirdes o problema essencial da vida,

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    que sucede em vossa mente? Compreendeis esta pergunta? - estamos em comunicao uns com os outros? Respondei "sim" ou "no"! Para estarmos em comunicao, em comunho, temos de encontrar-nos no mesmo nvel, ao mesmo tempo, com a mesma intensidade - como no amor. Se respondeis "sim", isso significa que, por ora, rejeitasses o pensar como meio de descobrir. Ento, vs e eu, que vos falo, estaremos no mesmo nvel. Achamo-nos todos interessados em descobrir e no estais esperando que eu vos diga nada. Ao dizerdes a algum "amo-te", ou o dizeis indiferentemente, sem sinceridade - ou o dizeis com intensidade, com ardor - e se a outra pessoa se mostra indiferente, no h ento comunho entre ambos. S possvel a comunho quando ambas as partes se mostram igualmente "intensas", e no indiferentes ou reservadas. Quando um e outro do generosamente, isso produz uma extraordinria "intensidade"; j no h "um que d e outro que recebe".

    Assim, que pensais, que sentis, que vos parece ser o problema essencial da vida? Vamos deixar esta questo para a prxima tera-feira? Precisais de tempo para sobre ela

    refletirdes, conversardes com outras pessoas, ou desejais sentar-vos sombra de uma rvore ou em vosso quarto e deix-la vir a vs? Se estais contando com a ajuda do tempo, o tempo em nada vos ajudar. O tempo a coisa mais destrutiva que h.

    INTERROGANTE: Dissestes que o pensamento um produto da memria. Ora, percebo muito

    bem que a maioria de meus pensamentos so muito condicionados, mas no estou bem certo de que seja impossvel haver outra espcie de pensamento.

    KRISHNAMURTI: Existe pensamento que no seja condicionado? Ou todo e qualquer

    pensamento condicionado? Ora, todo pensamento , obviamente, reao da memria, reao da tradio, do conhecimento, da experincia, acumulados.

    Qual vos parece ser o problema essencial da vida? INTERROGANTE: Criar a harmonia. KRISHNAMURTI: Onde - dentro de ns, fora de ns, ou dentro e fora de ns? Como podemos

    criar harmonia fora de ns, se no a temos dentro de ns? A harmonia interior a que deve vir primeiro, e no a exterior. este o problema essencial? Ou, no provvel que a harmonia seja um resultado, e no um fim em si? Ela , acontece! como a gente estar gozando sade e sair para dar um passeio. Pode-se buscar a harmonia como um fim em si? Ns temos de descobrir a harmonia em ns mesmos. Isso requer nos examinemos profundamente, pois nesta questo esto implicados nossas contradies, esforos, disciplinas. Dizeis que a questo essencial pode ser a harmonia, mas talvez seja o prazer. Atentai nisso que acabamos de dizer: a questo essencial bem pode ser, na maioria dos casos, a nsia de prazer e da continuao e fortalecimento do prazer - do prazer que me vem da segurana, da experincia sexual, etc. O prazer um produto da deliberao, e no uma coisa em si. No sei se me estais entendendo bem. Encontro prazer fazendo alguma coisa; o faz-la me proporciona prazer; por conseguinte, esse "fazer" que me d prazer importante. O prazer no um fim em si, porm o resultado de um certo ato. , ento, este o desafio, a questo essencial?

    Considerai, por favor, o mundo, considerar tudo o que nele est ocorrendo - espantoso progresso tecnolgico, guerras, a sociedade prspera e a misria, a nao que luta contra outra nao, para sua prpria segurana, sua glria, etc. etc.

    Tudo isso est ocorrendo bem vossa frente. Se o olhsseis objetivamente, assim como examinais um mapa, tereis a resposta.

    INTERROGANTE: O desafio ou questo essencial a responsabilidade que as relaes impem. KRISHNAMURTI: "A responsabilidade que as relaes impem" - ser isso? INTERROGANTE: Em parte, apenas. KRISHNAMURTI: Sim, outra vez, um fragmento. "Relaes" - que significa isso? - estais em

    relao com pessoas, com indivduos, com o mundo, a natureza, com tudo o que est acontecendo? Como se pode estar em relao com tudo o que est ocorrendo - no apenas com vossa esposa ou marido: com tudo o

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    que est acontecendo no mundo? Como possvel isso, se estais isolado, se todos os vossos pensamentos, aes, ocupaes, palavras, vos esto isolando - quer dizer: "primeiro eu, e o resto que v para o inferno"?

    Bem, por hoje temos de parar. Mas, "ficai" com esta questo, aplicai vossa mente e vosso corao a ver o mundo tal qual , e no como pensais deveria ser. Vendo-o claramente, esse prprio ver poder dar-vos a resposta.

    7 de julho de 1968.

    O MAIOR PROBLEMA DO HOMEM

    (2)

    IMPORTA compreender o que cooperao e saber quando se deve e quando no se deve cooperar. Para se compreender o estado da mente que se recusa a cooperar, cumpre aprender, tambm, o que significa cooperar; ambas as coisas so importantes. Por certo, em regra cooperamos quando h interesse egosta, quando vemos lucro, prazer ou vantagem em cooperar. Ento, em geral, cooperamos de corpo e alma. Se estamos presos a um certo compromisso, a uma certa coisa em que cremos, ento, com essa "autoridade", esse ideal, cooperamos. Mas, tambm, parece-me da maior importncia aprendermos quando no se deve cooperar. Em regra, se estamos dispostos a cooperar, mostramo-nos desinclinados a compreender o que significa "no cooperar". As duas coisas so, em verdade, inseparveis. Importa compreender que, se cooperamos em torno de uma idia, em torno de uma pessoa, se tomamos posio em relao a uma coisa e em torno dela cooperamos, essa cooperao cessa infalivelmente: ao acabar-se o interesse em tal idia, em tal autoridade, dela nos desprendemos e tratamos de cooperar com outra idia ou outra autoridade. Sem dvida, toda cooperao dessa espcie se baseia no egosmo. E quando essa cooperao, em que h interesse egosta, j no produz lucro, nem vantagem, nem prazer, deixamos ento de cooperar.

    Compreender quando no se deve cooperar to importante como compreender quando se deve cooperar. A cooperao, cem efeito, deve provir de uma dimenso totalmente diferente. Sobre este assunto falaremos mais adiante.

    Em nossa ltima reunio perguntamos: Qual a questo essencial, o problema essencial da vida humana? No sei se considerasses este ponto, se nele refletisses. Mas, que pensais vs ser realmente o problema central da vida humana, como est sendo vivida neste mundo, com suas agitaes, seu caos, suas agonias e confuso, com os entes humanos a tentarem dominar uns aos outros, etc.? Eu gostaria de saber qual , para vs, o problema central ou "desafio" nico, ao verdes o que se est passando no mundo - conflitos de toda espcie, conflito estudantil, conflito poltico, diviso entre os homens, diferenas ideolgicas, por amor das quais estamos dispostos a matar-nos mutuamente, diferenas religiosas, a engendrarem a intolerncia, brutalidade sob vrias formas, etc. Vendo tudo isso acontecer diante de vossos olhos - vendo-o realmente, e no teoricamente - qual o problema central?

    Este que vos fala vai dizer-vos qual o problema central; tende a bondade de ouvir sem concordar, nem discordar. Examinai, olhai, vede se o que ele diz verdadeiro ou falso. Para descobrir o verdadeiro, cada um tem de olhar objetivamente, criticamente, e tambm intimamente. Olhar com aquele interesse pessoal que tendes ao atravessardes uma crise em vossa vida, quando todo o vosso ser est sendo desafiado. O problema central a completa e absoluta libertao do homem primeiro psicolgica ou interiormente e, em seguida, exteriormente. No h realmente separao entre o "interior" e o exterior; mas, para efeito da clareza, devemos primeiramente compreender a libertao interior. Cumpre-nos descobrir se h possibilidade de vivermos neste mundo em liberdade psicolgica, sem nos retirarmos "neuroticamente" para um mosteiro ou isolar-nos numa torre criada por nossa imaginao. Em nossa vida, neste mundo, este o nico "desafio": a libertao. Se, interiormente, no h liberdade, logo comea o caos, comeam as oposies e indecises, a falta de clareza, a falta de profundo discernimento - e, obviamente, tudo isso se manifesta no exterior. Pode-se viver em liberdade neste mundo - sem pertencer a nenhum partido poltico, nem comunista nem capitalista, sem pertencer a nenhuma religio, sem aceitar,nenhuma autoridade externa? Decerto, necessrio observar as leis do pas (manter-se direita ou esquerda da estrada quando se est

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    conduzindo um carro), mas a deciso de obedecer, de acatar as prescries, parte da liberdade interior; a aceitao da exigncia exterior, da lei exterior, emana da liberdade interna. - este, e nenhum outro, o problema central.

    Ns, entes humanos, no somos livres, levamos uma pesada carga de condicionamento, imposta pela cultura em que vivemos, pelo ambiente social, pela religio, etc. Assim, visto que estamos condicionados, somos agressivos. Os socilogos, os antroplogos e os economistas explicam essa agressividade. H duas teorias: ou herdamos essa agressividade do animal, ou a sociedade, que cada ente humano construiu, impele-nos, fora-nos a ser agressivos. Mas, o fato mais relevante do que a teoria: no importa se a agressividade vem do animal ou da sociedade: ns somos agressivos, somos brutais, incapazes de olhar e examinar imparcialmente as sugestes, idias ou pensamentos de outrem. Porque est assim condicionada, a vida se torna fragmentria. Nossa vida - o viver de cada dia, nossos dirios pensamentos e aspiraes, o desejo de aperfeioamento pessoal (uma coisa horrvel) - fragmentria. Esse condicionamento faz de cada um de ns um ente humano egocntrico, que luta no interesse de seu "eu", sua famlia, sua nao, sua crena. Surgem assim as diferenas ideolgicas - vs sois cristo, outro muulmano ou hindusta. Podeis tolerar-vos reciprocamente, mas, basicamente, interiormente, h uma profunda diviso, h desprezo, sentimento de superioridade, etc. Por conseguinte, esse condicionamento no s nos faz egocntricos, mas tambm, nesse prprio egocentrismo, h um processo de isolamento, de separao, de diviso, que torna absolutamente impossvel a cooperao.

    Perguntamos: possvel sermos livres? Podemos ns, na situao em que nos encontramos, condicionados, moldados por tantas influncias, pela propaganda, pelos livros que lemos, pelo cinema, o rdio, as revistas - tudo isso a martelar-nos e a moldar-nos a mente - podemos ns viver, neste mundo, completamente livres, no s conscientemente, mas nas razes mesmas de nosso ser? este - assim me parece o desafio, o problema nico. Porque, se no somos livres, no h amor: h cime, ansiedade, medo, domnio, cultivo do prazer - sexual ou outro. Se no somos livres, no podemos ver claramente e no h sensibilidade beleza. Isto no so simples argumentos em prol da "teoria" de que o homem deve ser livre; uma tal teoria se torna, por sua vez, uma ideologia, e esta, a seu turno, separa as pessoas. Assim, se, para vs, este o problema central, o desafio mximo da vida, no h ento nenhuma questo de serdes felizes ou infelizes (isso se torna uma coisa secundria), de poderdes ou no conviver em paz com outros, ou de serem vossas crenas e opinies mais importantes que as de outrem. Tudo isso so problemas secundrios, que sero resolvidos se o problema central for plena e profundamente compreendido e solucionado. Se, observando os fatos reais que vos cercam e os fatos reais existentes dentro de vs mesmos, sentis realmente que este o desafio nico da vida; se percebeis que a dependncia das idias, opinies e juzos de outrem, a venerao da opinio pblica, dos heris, dos exemplos, geram a fragmentao e a desordem; se vedes claramente todo o mapa da existncia humana, com suas nacionalidades e guerras, a separao entre seus deuses, sacerdotes e ideologias, o conflito, a angstia, o sofrimento; se vs mesmos vedes tudo isso, no como coisa ensinada por outrem, nem como idia ou aspirao - surge ento um estado de completa liberdade interior, no h medo da morte, e vs e o orador estais em comunho, em comunicao um com o outro.

    Mas se, para vs, no este o principal interesse, o principal desafio e perguntais se possvel a um ente humano achar Deus, a Verdade, o Amor, etc. - ento no sois livre e, nesse estado, como podeis achar alguma coisa? Como podeis explorar, viajar, com toda essa carga, todo esse medo que acumulastes atravs de sucessivas geraes? este o nico problema: possvel aos entes humanos serem realmente livres?

    Direis, talvez, que no podemos livrar-nos da dor fsica. A maioria de ns padecemos dores fsicas desta ou daquela espcie e, se sois realmente livres, sabereis o que fazer em relao a elas. Mas, se sentis medo, ento, porque no sois livre, a doena se tornar uma coisa sobremodo opressiva. Assim, se puderdes ver isso claramente, junto com o orador (sem que este vos tenha inculcado tal idia, vos tenha influenciado, falando-vos com tanta nfase que, consciente ou inconscientemente, a aceitais), haver, ento, entre ns, comunicao e poderemos descobrir juntos alguma possibilidade de nos tomarmos completa e totalmente livres. Podemos partir dessa base? Se comearmos a examinar e a compreender o problema, ento, sua enorme complexidade, sua natureza e carter se nos tornaro mais claros. Mas, se dizeis que isso "impossvel" ou "possvel", parastes de investigar, de penetrar no problema. Se me permitis sugeri-lo, no digais a vs mesmos " possvel" ou "no possvel. Certos intelectuais dizem: "Isso no possvel; portanto, tratemos de condicionar melhor a nossa mente, dando-lhe uma lavagem em regra, para depois faz-la submeter-se, obedecer, seguir, aceitar, tanto externamente, no plano tecnolgico, como interiormente:

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    seguir a autoridade do Estado, do guru, do sacerdote, do ideal, etc. E, se dizeis " possvel", trata-se nesse caso de uma mera idia, e no de um fato. Em geral, vivemos num mundo vago, irreal, ideolgico. O homem que est disposto a examinar profundamente esta questo, deve ser livre para olhar, ser livre para no dizer " possvel" ou "no possvel". Assim, para examinarmos a questo, sejamos livres no comeo; a liberdade no vem no fim.

    A questo esta: se possvel a um ente humano, a um indivduo que vive neste mundo, numa sociedade to complexa, tendo de trabalhar, manter casa, filhos, etc., tendo relaes ntimas - ser livre. possvel viverem um homem e uma mulher numa relao em que exista liberdade completa, no haja domnio, nem cime, nem obedincia - por conseguinte, numa relao em que haja amor? possvel?

    Como se pode ver alguma coisa claramente - as rvores e as estrelas, o mundo e a sociedade que o homem criou e que so vs mesmos - se no h liberdade? Se, abeirando-vos desta questo, a olhais com uma idia, uma ideologia, com medo, com esperana, com ansiedade, "sentimentos de culpa" e as respectivas agonias - bvio que no podeis ver claramente.

    Se vedes to claramente como o orador a importncia de um indivduo ser completamente livre - livre do medo, do cime, da ansiedade; livre do medo da morte e do medo de no ser amado do medo da solido e do medo de no conseguir livre de todos os temores - se este, para central, podemos ento partir da. A libertao total o nico problema da existncia humana, pois o homem vem buscando a liberdade desde o comeo dos tempos, embora dizendo "s h liberdade no cu, e no na Terra". Cada grupo, cada comunidade tem uma diferente ideologia acerca da liberdade. Rejeitando e lanando para o lado todas as ideologias, perguntamos se, vivendo agora neste mundo, temos possibilidade de ser livres. Se vs e eu percebemos ser este o nico desafio de nossa vida, podemos ento comear a descobrir por ns mesmos de que maneira irmos ao seu encontro, olh-lo, entrar em contato com ele. Podemos comear deste ponto?

    Em primeiro lugar, temos de seguir algum sistema ou mtodo, para alcanarmos a liberdade? Pensai bem nisso, senhores. Toda gente diz que h um mtodo: fazer "isto", fazer "aquilo", seguir "este" guru, seguir "este caminho", meditar "desta" maneira - um sistema, um mtodo de alcanar o alvo gradualmente, passo a passo, um molde a que devemos adaptar -nos, para, no fim, termos aquela extraordinria liberdade que todos os sistemas prometem. esta, pois, a primeira coisa que devemos investigar, no verbalmente, mas realmente, e, se ela no for verdadeira, nunca mais, em circunstncia alguma, aceitarmos qualquer sistema, mtodo ou disciplina. Vede, por favor, a importncia destas palavras: todo sistema implica a aceitao de uma autoridade que vos d o sistema; e a observncia desse sistema exige disciplina , a contnua repetio da mesma coisa, a represso de vossas prprias necessidades e reaes, a fim de serdes livre.

    Existe alguma verdade nesta idia de sistemas? Prestai toda a ateno a isto, tanto interior como exteriormente. Os comunistas prometem a Utopia, e o guru, o instrutor, o "salvador" diz: "Faa isto". Vede o que isso implica. No desejo tornar o assunto complicado demais, logo de incio (pois ele se tornar bem complexo, medida que formos prosseguindo), mas, se aceitais um sistema, seja numa escola, seja na poltica, seja interiormente, ento no h possibilidade de aprender, no h possibilidade de comunicao direta entre o mestre e o aluno. Mas, quando no h distncia entre o professor e o estudante, ambos esto examinando, raciocinando juntos e h liberdade para olhar e aprender. Se aceitais um regime rigoroso imposto por algum infeliz guru (eles esto muito em voga, atualmente, no mundo inteiro) e seguis esse regime, que est sucedendo realmente? Estais destruindo a vs mesmos, a fim de alcanardes a liberdade prometida por outro indivduo; estais entregando-vos completamente a uma coisa que pode ser totalmente falsa, totalmente estpida e irreal. Vejamos, pois, logo no comeo, bem claramente, essa coisa; se a virdes com clareza, a abandonareis completamente e nunca mais retornareis a ela. Quer dizer, j no pertencereis a nenhuma nao, a nenhuma ideologia, a nenhuma religio, a nenhum partido poltico; tudo isso, so coisas baseadas em frmulas, ideologias e sistemas que acenam com promessas. Exteriormente, nenhum sistema poder ajudar o homem. Pelo contrrio, os sistemas s serviro para separar os homens, como est sempre a acontecer no mundo. E, interiormente, aceitar outra pessoa como autoridade, aceitar a autoridade de um sistema viver no isolamento, na separao e, por conseguinte, sem nenhuma liberdade.

    Assim, como compreender e alcanar a liberdade - naturalmente, pois ela no uma coisa que temos de procurar s cegas, de agarrar ou de cultivar, j que tudo o que se cultiva artificial? Se perceberdes ser verdico o que estamos dizendo, os mtodos e sistemas de meditao no tero mais nenhum valor para vs; tereis, portanto, eliminado um dos principais fatores de condicionamento. Quando se v esta verdade que nenhum sistema pode, em tempo algum, ajudar o homem a ser livre, j se est livre dessa enorme mentira. Pois bem; podeis libertar-vos dos sistemas - no amanh, nem daqui a dias, mas agora, na realidade

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    presente? No poderemos ir mais longe enquanto cada um de ns no compreender isto, no abstratamente, como idia, porm vendo mesmo o fato de que nenhum sistema tem valor; o caso estar ento definitivamente encerrado. Poderemos conversar sobre este assunto, no com argumentos pr e contra, porm olhando-o realmente, examinando-o, apreciando-o juntos, como amigos, a fim de descobrirmos a verdade a seu respeito.

    Compreendeis o que estamos fazendo? Estamos vendo os fatores do condicionamento - vendo-os, sem nada fazermos em relao a ele. O prprio ver agir. Se vejo um abismo, atuo, h ao imediata. Se vejo uma coisa venenosa, no a toco - a inao instantnea. Estamos, pois, vendo este fato que um dos principais fatores do condicionamento a aceitao de sistemas, com autoridade e as sutilezas que ele implica? Podemos conversar sobre isto, ou o orador foi prolixo demais? Espero que no.

    INTERROGANTE: muito fcil entender-vos verbalmente; no terreno das idias, no muito

    difcil... KRISHNAMURTI: ...Mas deixar de aceitar a autoridade coisa bem diferente, no? Que quereis

    dizer, senhor, quando afirmais "No plano verbal eu vos entendo claramente"? Significa isso: "Ns estamos entendendo as palavras que proferis, estamos ouvindo as palavras?" - e nada mais? Estais ouvindo palavras e, obviamente, podem-se ouvir palavras completamente sem significao. A questo : Como escutar as palavras, de modo que esse prprio escutar seja ao mesmo tempo ao? Diz uma pessoa: "Intelectualmente compreendo o que estais dizendo - as palavras so claras e o raciocnio talvez seja mais ou menos vlido, mais ou menos lgico, etc. etc. Compreendo tudo intelectualmente, mas a ao no se verifica, no fico inteiramente livre da aceitao de sistemas." Ora, como lanar uma ponte sobre esse intervalo entre o intelecto e a ao? Est claro isso? "Compreendo intelectualmente, verbalmente, o que dissestes nesta manh, porm dessa compreenso no veio liberdade; como fazer esse conceito intelectual tornar-se ao imediatamente?" Mas, por que razo pensamos compreender intelectualmente? Por que damos a primazia compreenso intelectual? Por que se torna esta predominante? Compreendeis esta pergunta? Estou certo de que todos vs sentis que, intelectualmente, compreendeis muito bem o que o orador est dizendo; depois, perguntais a vs mesmos: "Como pr em ao esta compreenso?" Assim, a compreenso uma coisa, e a ao outra coisa, e estais lutando para juntar essas duas coisas. Mas, intelectualmente, existe alguma compreenso? No pode tal assero ser falsa e constituir uma barreira, um obstculo? Vede-a bem, olhai-a, observara atentamente, porque ela pode tornar-se um sistema - o sistema que todos usam: "intelectualmente compreendo". Esse sistema pode ser completamente falso. O que quereis dizer s isto: "Ouo o que estais dizendo; ouo as vibraes das palavras que me penetram nos ouvidos, e s isto, nada acontece." Isso a mesma coisa que um homem ou uma mulher ouvir pronunciar a palavra "generosidade", sentir vagamente a sua beleza e, entretanto, continuar com sua avareza, sua falta de liberalidade. Assim, no digais: "Compreendo", no digais: "Percebi o que dissesses", quando estivesses apenas ouvindo uma srie de palavras. A questo, pois, : Por que no percebeis a verdade que nenhum sistema produz liberdade, nem exterior nem interiormente, que nenhum sistema pode libertar o homem de suas aflies? Por que no vedes instantaneamente esta verdade? Este que o problema, e no como desfazer a separao entre a compreenso intelectual de uma coisa e pr em ao essa compreenso. Por que no percebeis esse fato em toda a sua realidade? Que vos est impedindo de v-lo?

    INTERROGANTE: Ns cremos no sistema. KRISHNAMURTI: "Cremos no sistema"' Por qu? Eis vosso condicionamento. Vosso

    condicionamento est sempre a ditar, a impedir-vos de perceber um dos principais fatos da vida, o qual condiciona o homem para aceitar o sistema de distino de classes, o sistema da guerra e o sistema que promete a paz e, por sua vez, destrudo pelo nacionalismo - outro sistema! Por que no percebemos essa verdade? por que temos algum interesse no sistema? Se vssemos a verdade a seu respeito, poderamos perder dinheiro, no conseguir emprego, ver-nos sozinhos num mundo to monstruoso e violento. Assim, consciente ou inconscientemente, dizemos: "Compreendo muito bem o que estais dizendo, mas no podemos p-lo em prtica."

  • 12

    INTERROGANTE: Senhor, para estarmos em comunicao convosco ou uns com outros, temos de achar-nos em movimento, e movimento requer energia. A questo : Por que s vezes somos capazes de produzir essa energia, e outras vezes no?

    KRISHNAMURTI: Ao ouvirmos esta pergunta, por que no vemos a verdade de que os sistemas

    so destrutivos, "separativos"? Para v-la, necessitais de energia, mas no tendes essa energia para a verdes agora, e no amanh. Acaso no tendes a energia necessria para a verdes agora porque sentis medo? Inconscientemente, bem no fundo, no existir uma resistncia a v-la, porque isso significa que tendes de abandonar o vosso guru, abandonar vossa nacionalidade, abandonar vossa ideologia particular, etc. etc. - e por isso dizeis "compreendo intelectualmente"?

    INTERROGANTE: O sistema impede-nos de ver essa verdade. KRISHNAMURTI: Exatamente. O sistema vos educa, vos estabiliza, vos d um emprego, e por

    isso no o questionais, nem exterior, nem interiormente. Mas no isso que estamos perguntando. Por que razo - enquanto escutais - no tendes energia para olhar? Para terdes a energia de que

    necessitais para olhar, deveis estar atento, aplicar vossa mente e vosso corao em olhar; por que no o fazeis?

    INTERROGANTE: Que se pode dizer ao homem que tem medo de olhar? KRISHNAMURTI: No podemos for-lo a olhar, bvio. No podemos persuadi-lo a olhar.

    No podemos prometer-lhe que, se ele olhar, ganhar alguma coisa. Podemos dizer-lhe: "Voc no precisa olhar o fato - o medo -, mas fique ciente dele." Mas ele pode responder: "No quero tornar-me cnscio do medo, no quero toc-lo, no quero sequer aproximar-me dele." No se pode, portanto, prestar-lhe nenhuma ajuda, porque esse homem est impedindo a si prprio de olhar; pensa que, se olhar, perder sua famlia, seu dinheiro, sua posio, seu emprego, numa palavra, sua segurana. Mas, vede o que est acontecendo - pois isso apenas uma idia: ele pode no perder a sua segurana. O que est acontecendo coisa muito diferente: O pensamento lhe diz "Cuidado, no olhe!" O pensamento gera medo, impedindo-o de olhar: "Se voc olhar, poder criar uma enorme confuso em sua vida" - como se ele j no estivesse vivendo em confuso! O pensamento, portanto, gera o medo e impede o percebimento da verdade de que nenhum sistema, neste mundo de Deus ou no mundo do guru, do "salvador", do comissrio, pode libertar qualquer pessoa.

    INTERROGANTE: Talvez no possamos perceber realmente o medo por no o conhecermos. KRISHNAMURTI: Oh, muito bem! Se no conheceis o medo, ento no h problema nenhum,

    sois livre; at as pobres aveznhas tm medo. Aceitar os sistemas como inevitveis um dos maiores obstculos existentes na mente humana. Esses sistemas foram criados pelo homem em sua busca de segurana. A busca de segurana por meio de sistemas est destruindo o indivduo, o que se torna bem bvio quando se observa o que se verifica fora de nos; a mesma coisa sucede em nosso interior. Meu guru e vosso guru, minha verdade e vossa verdade, meu caminho e vosso caminho, minha famlia e vossa famlia - tudo isso impede o homem de ser livre. A liberdade dar vida um significado diverso; o sexo ter diferente significao, haver paz no mundo, e no diviso entre os homens. Mas deveis possuir a energia necessria para olhar; quer dizer, olhar com a mente e o corao e no com olhos cheios de medo.

    9 de julho de 1968.

  • 13

    DO CONDICIONAMENTO HUMANO

    (3)

    ESTAMOS vivendo num mundo completamente fragmentado, um mundo onde se v luta

    constante de um grupo contra outro grupo, de uma ideologia contra outra, uma classe contra outra, etc. Tecnologicamente, observa-se um assombroso progresso e, contudo, h mais fragmentao do que nunca. E, observando-se objetivamente o que est ocorrendo, percebe-se a essencial necessidade de o homem aprender a cooperar. No temos possibilidade de trabalhar juntos em qualquer coisa que seja - a questo da "escola nova", a questo das relaes entre os homens, a questo de pr fim s guerras monstruosas a que estamos assistindo - se cada indivduo, se cada um de ns est a isolar-se numa ideologia, com sua vida baseada num princpio, numa disciplina, numa tcnica, numa crena, num dogma; sobre tais bases no h possibilidade de cooperao. Isso me parece to bvio, que dispensa discusso. E estivemos investigando se possvel demolirmos todos esses valores opostos que deliberadamente criamos, para que o homem tenha a possibilidade de ser livre.

    Dissemos que a liberdade, seja exterior, seja interior, no pode ser criada por meio de nenhum sistema - poltico ou econmico, comunista ou capitalista - nem tampouco por nenhuma organizao religiosa, ou pelo seguirmos um certo grupo insignificante, separado dos demais. Examinamos suficientemente esta matria na ltima reunio. Dissemos, tambm, que a liberdade no pode ser produto de nenhuma filosofia, de nenhuma teoria intelectual. Nesta manh, vamos examinar a possibilidade de cada um de ns tornar-se realmente livre de todo e qualquer sistema ou mtodo. E esta uma das coisas mais complexas e mais difceis de compreender. Falando em sistemas, queremos referir-nos no apenas ao fato exterior de seguir uma crena, um guru, um instrutor, uma determinada religio organizada, etc., mas tambm ao fato interior de seguir um certo hbito de pensamento, de viver em conformidade com uma certa crena, dogma ou princpio. Tudo isso constitui uma espcie de sistema. Somos, pois, forados a perguntar por que razo teima o homem em seguir um sistema. Em primeiro lugar, por que razo interiormente - vs e eu desejamos um sistema; e, em segundo lugar - externamente - que necessidade h de algum sistema? Por que necessitamos de qualquer sistema que seja? Todo sistema representa uma tradio, uma disciplina, um hbito, um certo conjunto de canais que a mente deve percorrer. Por que isso? Se abandonamos um dado conjunto de canais, logo adotamos outro.

    Dissemos ser impossvel haver paz, amor ou beleza, quando no h liberdade total; e que, evidentemente, no h possibilidade nenhuma de sermos livres, total e completamente, se, interiormente, psicologicamente, estamos a seguir um mtodo, um sistema, ou um determinado hbito que vimos cultivando h muitos anos ou h muitas geraes e que se tornou uma tradio. Por que fazemos isso? porque a mente est continuamente a buscar segurana, certeza? Pode ser livre, psicologicamente, uma pessoa que s busca segurana para si prpria? E, se no livre, como poder ela ver o verdadeiro atravs de um sistema ou tradio que promete, para o fim, a beleza, um inimaginvel estado mental?

    Pensai junto comigo sobre esta matria, ou, melhor, examinemo-la juntos. Se me permitis sugerir, no vos limiteis a ouvir palavras e mais palavras. Dizer "Intelectualmente, compreendo" fazer uma declarao absolutamente falsa. Ao dizermos que compreendemos intelectualmente, isso significa que ouvimos uma srie de palavras cujos significados compreendemos. Mas, "compreender" significa tambm ao imediata , e no: primeiro, compreender e, depois, talvez daqui a muitos dias, a ao. Vede a importncia deste problema; vede que a liberdade no possvel quando se est cultivando a aceitao ou a obedincia a uma dada ideologia ou tradio. Se vedes esse fato, realmente e no verbalmente, h ento ao imediata, abandonais instantaneamente tal ideologia ou tradio. Mas, se dizeis "verbalmente compreendo o que estais dizendo" - isso apenas uma fuga ao fato.

    Por que razo desejamos segurana, psicologicamente? Necessitamos, bvio, da segurana fsica, necessitamos de alimentos, roupas e morada. Mas, por que razo a mente busca a certeza, porque necessita de uma estrutura que se converter num sistema que nos garantir essa certeza? E porque insiste a mente em buscar sua prpria segurana, sua prpria proteo, sua prpria certeza? Pode a pessoa que, psicologicamente, est certa a respeito de alguma coisa, ser livre? - O que no significa que ela deva achar-se sempre num estado de incerteza. Isso faz surgir um problema de dualidade. O conflito, em qualquer forma, um desperdcio de energia; havendo dualidade, h conflito, e este, em essncia, um verdadeiro desperdcio

  • 14

    de energia. A pessoa que busca a certeza cria inevitavelmente o respectivo oposto. Buscar constantemente um estado em que no haja tribulaes, perturbaes, conflito, correr justamente para o oposto desse estado - a tribulao, a perturbao, o conflito. H incerteza e necessidade de certeza; entre essas duas coisas h conflito. E esse conflito em que nos vemos envolvidos, quase todos ns, um desperdcio de energia. Assim, porque busca a mente a certeza?

    (Barulho de um avio ao alto) Ouvistes o grande barulho que fez aquele avio ao passar. Antes, estveis atentos, e agora talvez

    acheis que seria melhor que ele no tivesse passado. Criais, assim, um oposto, resistindo ao barulho - um desperdcio de energia. Mas, se tivsseis ouvido aquele barulho sem nenhuma resistncia, isto , com toda a ateno, ele de modo nenhum vos teria turbado, no teria havido um "estado de barulho" em conflito com um "estado de ausncia de barulho".

    Estamos perguntando por que razo a mente anda sempre a buscar uma imagem, uma frmula que lhe garanta um estado de certeza, o qual se tornar um sistema. Embora a mente esteja incessantemente a buscar a segurana, um estado de certeza e permanncia, nunca indagamos se tal estado realmente existe. Ns o queremos, o exigimos, mas existe esse estado? Desejo uma relao permanente com meu amigo, minha mulher, e esse desejo de relao permanente constitui o sistema, a tradio, a estrutura que estabelecer, nessa relao, um estado de permanncia.

    Assim, pergunto a mim mesmo: "Porque no pode uma pessoa viver livre; porque se mantm apegada a frmulas e a sistemas?" - porque, evidentemente, ela sente medo e deseja uma certa imagem, um certo smbolo, frmula ou sistema a que apegar-se. (Observai isso em vs mesmos, por favor.) E quando uma pessoa fica apegada, com todas as foras, a alguma coisa, no s tem medo de perd-la, mas tambm esse prprio apego, esse prprio medo de perder, cria o respectivo oposto. Trava-se uma luta, uma batalha, entre o desejo de certeza e o medo de no a conseguir.

    Uma pessoa pode investigar se h, na vida, permanncia psicolgica, tentar descobrir se realmente possvel um tal estado. Mas, no pode ela descobrir que a vida um movimento constante, em que est sempre a surgir o novo? Ora, a mente no pode ver o novo, porque est sempre vivendo no passado - o passado, que o sistema. Quando dizeis "Sou cristo" ou "Sou hindusta", o passado que est falando, e no surge nada novo. Mas a vida, no seu movimento, s pode ser uma coisa maravilhosa. Esse movimento justamente o novo, que rejeitamos. liberdade.

    S h, para o homem, um problema, crise ou desafio central: tornar-se completamente livre. Enquanto ele estiver apegado a uma estrutura, mtodo ou sistema, no ter liberdade. Pode essa estrutura ser abandonada de todo, imediatamente? O condicionamento da mente, que vem sendo cultivado h muitos anos ou sculos, esse prprio condicionamento o sistema, a tradio, o hbito, etc. Enquanto a ele estiver sujeita, a mente jamais ser livre. Essa liberdade no se encontra no fim, no questo de, com o tempo, nos tornarmos livres. No existe tal coisa de "com o tempo nos libertarmos" - quer dizer, tornar-nos livres por meio de uma disciplina, de uma frmula. A frmula ou o sistema s serve para, de diferentes maneiras, tornar mais forte ainda o condicionamento; no d liberdade. A questo, por conseguinte, esta: condicionada como est, pode a mente libertar-se de todo o seu condicionamento, incontinente, porque, de outro modo, o condicionamento continuar existente sob diferentes formas? Podemos prosseguir da?

    Uma pessoa nasceu crist, catlica, ou pertence a um dos muitos ramos do protestantismo. Desde criana foi condicionada para crer num Salvador, nos sacerdotes, nos ritos, num Deus, etc. etc. Ou ela comunista, foi criada no comunismo, condicionada pelo que disse Lenine ou Marx. Surpreende-me a facilidade com que nos deixamos enredar por palavras; os comunistas substituram a palavra "Cristo" e a respectiva filosofia pela palavra "Lenine" e a respectiva filosofia. To facilmente nos deixamos colher numa rede de palavras! Estamos condicionados, e o desafio, a crise existente no todo da conscincia, que o homem deve ser livre; do contrrio, ele ir destruir a si prprio.

    Pode a mente livrar-se de todo esse condicionamento e tornar-se - realmente, e no verbal, terica ou ideologicamente livre? Eis o nico desafio, o nico problema de todos os tempos. Se tambm percebeis a importncia desta questo - se a mente capaz de descondicionar-se - podemos ento examin-la juntos. Nela esto implicadas vrias coisas. Em primeiro lugar, qual a entidade que ir descondicionar a mente condicionada? Compreendeis? Desejo descondicionar-me: nasci hindusta, fui criado numa certa parte do mundo com todas as respectivas influncias, disciplinamentos, livros, revistas, o que certas pessoas disseram ou no disseram. Essa presso constante moldou minha mente. E vejo que ela deve ser totalmente livre.

  • 15

    Como poder tornar-se livre? Existe uma entidade que a tornar livre? Diz-se que h uma entidade - chamam-na "Atman", na ndia, "alma" ou "a graa de Deus", no Ocidente - a qual, se lhe damos oportunidade, produzir aquela liberdade. Inculcam-me que, se eu viver justamente, se fizer certas coisas, seguir certas frmulas, certos sistemas, certas crenas, me tornarei livre. Assim, em primeiro lugar supe-se que existe uma entidade ou agente externo que pode ajudar-me a me libertar, que libertar a minha mente. Mas "fazer certas coisas" significa um sistema que ir condicionar-vos - como est sempre acontecendo. Os telogos e os tericos, bem como os vrios indivduos religiosos, tm dito: "Faam estas coisas, exercitem-se, meditem, controlem, forcem reprimam, sigam, obedeam, e vir ento aquele agente exterior e far um milagre: torn-los- livres." Vede como isso falso; entretanto, todas as religies o crem, cada uma sua maneira. Assim, se virdes esta verdade, que no h nenhum agente externo - Deus, 'ou como quiserdes cham-lo que libertar a mente condicionada, ento, toda a estrutura religiosa, de sacerdotes com seus rituais e suas murmuraes de palavras e mais palavras sem nenhuma significao, no ter mais sentido algum. Em segundo lugar, se de fato rejeitardes todas essas idias, como poder ser dissolvido o vosso condicionamento?

    Qual a entidade que o dissolver? Se rejeitais o agente exterior, "sagrado", "divino", deve haver ento alguma entidade que poder dissolv-lo. Quem ela? - O observador? O "eu", o "ego", que o observador? Atenhamo-nos a esta ltima palavra - "observador" - basta-nos ela. o observador que ir dissolver o condicionamento? Diz o observador: "Preciso ser livre e, portanto, tenho de livrar-me de todo o meu condicionamento." Reje itastes o agente exterior, divino, mas criastes outro agente: o observador. Mas, o observador difere da coisa que ele observa? Continuai a acompanhar-me, por favor. Estais compreendendo? Para nos libertarmos, dependamos de um agente externo - Deus, um salvador, um Mestre, um guru, etc. Se rejeitais tais agentes, deveis perceber ser necessrio rejeitar tambm o observador, que uma outra espcie de "agente". O observador produto da experincia, do conhecimento, do desejo de libertar-se, a si prprio, de seu condicionamento; diz: "Eu preciso ser livre." Esse "eu" o observador. O "eu" diz "Preciso ser livre". Mas, o "eu" diferente da coisa observada? Ele diz: "Estou condicionado, sou nacionalista, sou catlico, sou isto sou aquilo. o "eu", de fato, diferente da coisa que ele diz estar separada de si, a que chama "meu condicionamento"? Dessarte, est o "observador" - o "eu" que diz "sou diferente da coisa de que desejo libertar-me" - est esse "eu" realmente separado da coisa que ele observa? H duas entidades distintas, o observador e a coisa observada, ou s existe uma entidade nica - a coisa observada o observador, e o observador a coisa observada? (Isto se est tornando complicado demais?)

    Ao percebermos a verdade de que o observador a coisa observada, no h ento dualidade e, por conseguinte, no h conflito (que, como dissemos, desperdcio de energia). S h ento o fato: a mente condicionada. O fato no "eu estou condicionado e vou libertar-me do condicionamento". Assim, quando a mente percebe essa verdade, j no h dualidade, s h uma coisa: um estado de condicionamento, um estado condicionado - e nada mais! Podemos prosseguir deste ponto?

    Pois bem; estais percebendo, no como idia, estais percebendo realmente que s h o condicionamento, e no "eu" e o condicionamento, como duas coisas diferentes, sendo que uma delas, o "eu", est exercendo a vontade para libertar-se do "condicionamento", havendo, por isso, conflito? Ao vermos que o observador a coisa observada, no h conflito nenhum, o conflito foi totalmente eliminado. Assim, quando a mente v que s h um estado condicionado, que aconteceu? Eliminou-se a entidade que ia exercer a fora, a disciplina ou a vontade, a fim de libertar-se de seu condicionamento, e isso significa, essencialmente, que a mente eliminou por inteiro o conflito.

    Ora, vs o fizestes? Do contrrio, no poderemos ir mais longe. Em palavras mais simples: Quando vedes uma rvore, existe o observador, a entidade que v, e a coisa vista. Entre o observador e a coisa observada h espao; entre a entidade que v a rvore e a rvore h espao. O observador que v a rvore tem vrias imagens ou idias a respeito de rvores; atravs dessas inumerveis imagens ele v a rvore. Pode ele eliminar essas imagens - botnicas, estticas, etc. - de modo que possa olhar a rvore sem nenhuma imagem, nenhuma idia? J tentasses faz-lo? Se nunca o tentastes, se nunca o fazeis, no tereis possibilidade de examinar este outro problema que estamos investigando: o problema da mente que sempre olhou as coisas como "observador", como entidade diferente da coisa observada e, por conseguinte, com um espao, uma distncia, entre si, como "observador" e a "coisa observada" - tal como o espao que h entre a rvore e vs. Se sois capaz disso, de olhar uma rvore sem nenhuma imagem, sem nenhum conhecimento, ento o observador a coisa observada. Isso no significa que ele se torna a rvore (uma idia absurda), mas, sim, que desapareceu a distncia entre o "observador" e a "coisa observada". Isso no uma espcie de estado mstico, abstrato, inefvel; no significa cair em xtase.

  • 16

    Quando a mente rejeita o agente exterior, divino, mstico, etc. (uma inveno da mente que no soube resolver o problema de seu prprio condicionamento), quando a mente rejeita esse agente externo, inventa outro agente, o "eu", o "ego", o "observador", que diz "vou libertar-me de meu condicionamento". Mas o fato que s h uma mente num estado condicionado, e no uma dualidade, isto , uma mente que diz "estou condicionada, preciso ser livre, preciso exercer a vontade sobre meu estado condicionado". S h uma mente condicionada. Prestai toda a ateno a isto; se realmente escutardes com ateno, com vosso corao e vossa mente, vereis o que suceder. A mente est condicionada - s isso! - no h mais nada. Todas as invenes psicolgicas - relao permanente, divindade, deuses, etc. etc., nascem dessa mente condicionada. S ela existe e nada mais. Isso para vs um fato? Eis a questo; trata-se de uma coisa realmente extraordinria, se puderdes chegar at l. Porque, na observao s dessa coisa e de nada mais, comea a existir o estado de liberdade - que significa estar livre de todo conflito.

    Quereis debater - ou basta para hoje? INTERROGANTE: Podeis repetir a ltima sentena? KRISHNAMURTI: Eu disse que, se verdes claramente aquele estado, se o conhecerdes

    completamente, e vos tornardes cnscio, sem escolha, de que a mente est toda condicionada, conhecereis ento, ou comeareis a sentir, a "cheirar", a "provar" aquele extraordinrio estado de liberdade. Comeareis -- pois no o tereis ainda, e no deveis fugir levando apenas o cheiro do perfume.

    !NTERROGANTE: Se digo "minha mente est condicionada", nesse caso o "eu" est tambm

    condicionado; no sei, ento, o que mais resta. KRISIINAMURTI: Exatamente: se digo "eu estou condicionado", esse "eu" est tambm

    condicionado; que resta ento? S resta um estado condicionado. Vede, por favor, que s h um estado condicionado; mas a mente faz objeo a tal estado e quer achar um meio de sair dele. No diz: "Estou condicionado, e a me ficarei em quietude." Qualquer movimento de minha parte - qualquer movimento consciente ou inconsciente - movimento do condicionamento, pois no? Portanto, no h movimento nenhum, porm apenas o estado condicionado. Se puderdes "ficar com ele", completamente - sem vos tornardes neurtico, entendeis? - descobrireis ento a sada. Mas, perguntareis: "Quem a entidade que a descobrir?" No h tal entidade: a coisa comear por si. No sei se estais percebendo bem isto. A mente sempre tratou de fugir desse estado implacvel (o condicionamento)-, ela est condicionada desde a infncia, desde o comeo da vida, desde h milhes de anos, e por todos os meios - Deuses, sistemas, filosofias, sexo, prazeres, idias - tem tentado libertar-se desse estado condicionado, e o est ainda tentando quando diz: "Preciso transcend-lo." Assim, a mente condicionada, qualquer movimento que faa, qualquer movimento que siga, continua condicionada. Por conseguinte, perguntamos: Pode a mente ficar com o fato, s com o fato e nada mais? Compreendeis? "Ficar com o fato", aps rejeitar todo o sistema de gurus, mestres, instrutores, salvadores tudo o que o homem inventou para tornar-se livre.

    11 de julho de 1968.

  • 17

    LIBERTAO INTERIOR

    (4)

    CONSIDERO muito importante compreender e viver no estado em que a mente , a todos os respeitos, religiosa. Essa mente capaz - no abstrata ou teoricamente - de resolver todos os nossos problemas. A mente religiosa no leva nenhuma carga de ideologias, dogmas ou teorias; s a interessa o fato - o que - e transcender o fato.

    Nossa conscincia condicionada pela educao e por diferentes estados, herdados ou adquiridos, por contradies vrias e pelo conflito dos opostos. Parece-me bem bvio que esse estado mental condicionado s pode ser descoberto pela observao objetiva de ns mesmos. A "observao de ns mesmos" se nos afigura uma das coisas mais difceis do mundo - vermos a ns mesmos exatamente como somos, sem teorias de espcie alguma, sem desespero nem esperana, sem exigncias nem opinies: vermos simplesmente a ns mesmos. A menos que o faamos, no percebo de que maneira possamos transcender esse limitado e estreito crculo em que estamos vivendo.

    Como suscitar o estado de percebimento interior, em que possamos ver tudo o que est ocorrendo dentro de ns, sem parcialidades, sem suposies neurticas - possamos estar cnscios, sem escolha, dos fatos? No sei se alguma vez tentasses (no, psicanaliticamente) examinar cada pensamento, cada sentimento; descobrir a fonte de tal pensamento ou sentimento; ver, pelo exame do comportamento, sua causa e motivo, e as diferentes camadas (se se pode usar tal pa lavra) da mente, da conscincia. Ora, isso exigiria muito tempo e no nos levaria a parte alguma, porque o processo analtico supe "o analista", e este est condicionado: por conseguinte, tudo o que examinar ser visto atravs de seu estado condicionado. O processo analtico obviamente limitado, e no , portanto, o caminho certo. Deve haver uma maneira de nos olharmos totalmente, sem as complicaes da anlise introspectiva, etc.; deve haver um estado, uma maneira de olhar, de observar, capaz de revelar-nos todo o contedo da nossa conscincia. No sei se j inquir istes a esse respeito e, se o fizestes, qual vossa resposta? Compreendeis o problema? Os entes humanos esto condicionados; seus padres de conduta, seus pontos de vista, suas atividades, sua agressividade, seus contraditrios estados mentais - dio e amor, prazer e dor, desespero e esperana - a batalha constante que se verifica no campo da conscincia, a inveno de deuses, crenas, seitas - tudo isso produto da mente condicionada. Nossas nacionalidades, as divises entre pessoas, raas, etc., tudo isso o resultado da educao que recebemos e da influncia da sociedade que ns mesmos edificamos. Eis-nos, pois, em pleno campo da conscincia - desta nossa conscincia que, to obviamente, se acha condicionada. Como nos libertarmos dessa conscincia condicionada, completamente, de modo que no haja mais conflito de espcie alguma? Conflito, luta, batalha - tudo isso desperdcio de energia. Toda a nossa existncia se consome dessa maneira - um desejo oposto a outro, uma exigncia, um impulso, um instinto em contradio com outro. Tal nossa maneira de vida - e perguntarmos a ns mesmos se temos possibilidade de abandon-la de todo, e, se temos, como faz-lo? realmente possvel isso?

    Dissemos que os sistemas, filosofias e religies no deram liberdade ao homem; ele continua na priso em que converteu sua conscincia, e isso de modo nenhum liberdade. o mesmo que um prisioneiro, vivendo entre quatro paredes, dizer que livre. No livre; poder dar voltas no ptio da priso, mas a liberdade uma coisa totalmente diferente, acha-se inteiramente fora da priso. Vendo-se todo esse complexo* das relaes humanas, esse complexo de condicionamento, batalha, luta, medo da morte, solido, desespero, falta de amor, brutalidade, agressividade, temos possibilidade de libertar-nos dele, de ultrapass-lo completamente? Nenhum agente exterior pode socorrer-nos; o "agente exterior" outra inveno d mente condicionada, outra ideologia da mente que incapaz de descobrir a sada e, por conseguinte, necessita de uma crena. Ora, quando varreis tudo isso para o lado, resta-vos apenas o fato de que a mente est toda condicionada, tanto a mente consciente como a camada inconsciente, mais profunda. Se estamos cnscio desse fato, que sucede? Se me torno cnscio de que tudo o que fao, todo movimento de pensamento, todo meu esforo, se acha entre os limites desse condicionamento, que sucede ento? Entendeis esta pergunta? Percebo que minha mente e at mesmo todo o complexo de clulas cerebrais esto gravados do enorme peso do passado - memrias, experincia, conhecimentos, tradies, sistemas de comportamento, aceitos em nome da lei e da ordem e que, contudo, permitem a agresso, o assassnio mtuo, a mtua destruio pela palavra, os gestos, as aes. Ora, como posso tornar-me cnscio disso? Intelectualmente? (Tende a bondade de

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    acompanhar-me at o fim; no fiqueis meramente a escutar, a ouvir, mas acompanhai-me realmente.) Como posso tornar-me cnscio desse fato? Preciso perguntar a mim mesmo: "Que entendo por 'estar cnscio'?", "Como estou olhando o meu condicionamento?" bem bvio que, ao olh-lo, ou o condeno, ou o justifico, ou o aceito como inevitvel.

    (Por favor, olhai-o! Estais participando no que se est dizendo? Se no estais, no h ento comunicao entre vs e o orador, e no podemos ir mais longe. Se pudermos viajar juntos, haver ento um descobrimento - no pelo indivduo: um descobrimento, uma compreenso, uma percepo humana, total, e no uma percepo limitada).

    Assim, que entendemos por "percebimento de um fato"? Sinto que estou condicionado; isso um fato, e eu o percebo, dele estou cnscio, conheo-o; que significa isso? Existe alguma separao entre esse percebimento e a coisa percebida? Estou cnscio de meu condicionamento como uma pessoa que o observa "de fora"? Sei que somos agressivos, em palavras, em sentimentos, em atos. Sei-o como conhecimento, ou estou em comunho com o fato, no como uma entidade externa: uma comunho que se estabeleceu entre a entidade que est cnscia e a coisa de que est cnscia? Entendeis? Muito importa compreender isso. Dizeis "sei que estou condicionado"; ora, "sei" uma palavra muito complexa. Estivestes antes olhando o vosso condicionamento, aprendesses alguma coisa a respeito dele e dizeis "sei". Mas, dizendo "sei", j acumulastes conhecimentos a respeito dele, e com esses conhecimentos que o olhais. Mas, no nterim, a coisa, o condicionamento, est sujeita a modificar-se, e de fato se modifica. Por conseguinte, perigoso em extremo dizer "sei". Dizer "eu conheo voc" um absurdo. Ao dizerdes "conheo minha mulher, meu marido, meus filhos, meu amigo, meu Deus (este vem por ltimo) - isso significa que conheceis vossa esposa, ou vosso marido, ou vosso amigo, como eram h dois ou trs dias antes. Ora, no nterim, o amigo, o marido ou a esposa modificou se. Portanto, dizer "sei" (ou "conheo") errneo (se posso usar essa palavra). O conhecimento, pois, vos impede de olhar. Ora, posso "olhar" sem a experincia prvia, sem o conhecimento, isto , posso olhar de maneira nova, "com olhos novos"? A vida uma srie de experincias, conscientes ou inconscientes; as experincias, as influncias de vria espcie, as idias, a propaganda - tudo isso est constantemente a despejar-se e a deixar marcas em nossa mente. com essas marcas, memrias - na forma de conhecimento - que olhamos. Por conseguinte, minha viso nunca lmpida, clara. Posso olhar-me com olhos que nunca foram contaminados pela experincia? Por favor, prestai ateno a isso - e fazei-o. Fazei-o, e vereis algo. Se me olho com os olhos da experincia, com olhos que j viram tantas coisas por que passei - tragdias, pensamentos, desesperos e sofrimentos - esses olhos no podero ver nada claramente. Pode a mente libertar-se de todo o passado, para olhar?

    Pode a mente tornar-se cnscia de seu condicionamento, olh-lo sem nenhuma deformao, nenhuma parcialidade? Eis o problema. possvel olharmos qualquer coisa - a rvore, a nuvem, a flor, a criana, um rosto de mulher ou de homem como se a estivssemos olhando pela primeira vez? este com efeito, o problema central: olhar com liberdade.

    Liberdade significa "estar livre de todo o passado". O passado a cultura em que fomos educados, so as influncias sociais e econmicas, as peculiares tendncias de cada um de ns, os impulsos, os dogmas e crenas religiosas. Com esse passado queremos olhar-nos e, todavia, ns mesmos somos esse passado.

    H duas qualidades de liberdade. H a liberdade consistente em estar livre de alguma coisa - estar livre da clera, por exemplo. Mas libertar-se de uma coisa uma reao, no , obviamente, liberdade. Estar livre do nacionalismo no significa nada; todo homem verdadeiramente inteligente est livre desse veneno, mas isso no significa liberdade. H uma liberdade de espcie completamente diferente, um estado mental em que no existe esforo algum. Essa liberdade o amor. Este no existe quando dizeis: "Preciso aprender a amar, preciso "praticar amor", "Detesto as outras pessoas, mas vou lutar, vou tentar amar." Isso no amor. A liberdade um estado mental em que existe o amor, e este no o oposto do dio, do cime ou da agressividade. Quando se trata de opostos e estamos tentando livrar-nos de um deles para alcanarmos o outro, esse outro tem sua raiz em seu prprio oposto, no verdade? Por meio de conflito, a liberdade jamais ser compreendida.

    Voltemos pergunta "que significa estar cnscio?" Existe um percebimento daquela rvore, daquela nuvem, do capim cintilante, ao amanhecer; existe um percebimento dessas coisas sem nenhuma interferncia do pensamento ou do conhecimento, que causam diviso. Dissemos h dias: Olhai a rvore, ou a nuvem, ou qualquer coisa, sem nenhum espao. Vs o fizestes? Olhar para vossa esposa ou marido, para vossa amiga ou amigo, sem a respectiva imagem - j alguma vez fizestes isso? J vistes o que a imagem implica e se podeis livrar-vos dessas "implicaes", para que possais olhar? A est a chave de todo o

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    problema e, portanto, muito importa compreender isso. Quando no h separao entre o observador e a coisa observada, no h conflito e, por conseguinte, h ao imediata. Percebo que estou encolerizado. Se o observador uma entidade separada, v a clera como coisa separada, fora de si prprio. Quando h essa separao entre o observador e a coisa observada (a clera), o observador diz: "Preciso livrar-me dela", "Preciso reprimi-la", ou "Preciso compreend-la, descobrir a sua causa", etc. etc. Nisso h conflito, um estado de perturbao, pois estou tentando control-la, reprimi-la, ou a ela cedendo, racionalizando-a, justificando-a, etc. - tudo isso desperdcio de energia, devido ao conflito que acarreta. Mas, quando o observador percebe que ele prprio a coisa observada, pode ento ver que ele prprio a clera, que ele e a clera no so duas coisas separadas. Ao ver que ele prprio a clera, no h mais desperdcio de energia. Que sucede, que acontece ento? Vejo que estou encolerizado (todos vs conheceis esse estado) e no estou separado da clera, sou a clera e dela estou cnscio; no h separao. E, ento, que sucede? Quando no h esforo, ou luta, ou contradio, ou batalha, s uma nica coisa existe: aquilo que realmente . E "o que realmente " sou eu mesmo (o observador que pensava ser diferente da coisa observada). S existe aquele fato: a clera, o cime, o que quer que seja; cessou todo o movimento do pensamento contraditrio. Por conseguinte, h apenas percebimento, um ver em que no h diviso, nem contradio, e torna-se existente um novo estado de energia . Esse novo estado de energia dissolver completamente aquele fato.

    Ns necessitamos de energia em abundncia; para olhardes uma rvore, sem aquele espao, sem aquela separao entre a entidade que v e a coisa vista necessitais de muita energia e ateno, e precisais tambm de liberdade. A liberdade e a ateno devem estar sempre juntas. Isso amor - aquela qualidade de energia em que o observador no existe.

    Percebestes tudo o que estivemos dizendo? Falei cerca de quarenta e cinco minutos, e gostaria de saber o que ganhastes. Podeis dizer-me o que realmente aprendesses - no o que decorasses, reunindo umas poucas idias e explicaes, porm o que realmente tendes na mo, aps me terdes ouvido durante quase cinqenta minutos?

    INTERROGANTE: O ver uma fora "explosiva"? KRISHNAMURTI: Eu gostaria de saber porque o perguntais; descobri-o. - Vs vos sujeitastes a

    muitos incmodos e despesas para virdes aqui e me ouvirdes falar trs vezes por semana, durante uma hora, em cada uma destas manhs. E, chegando o vero, depois de ouvirdes dez ou duas palestras, que tendes na mo?

    INTERROGANTE: difcil exprimi-lo em palavras. KRISHNAMURTI: Difcil de exprimir em palavras? Sastes das aflies desta vida, ficastes livre

    de vossa desordem interior? INTERROGANTE: (Gravao inaudvel) KRISHNAMURTI: Minha senhora, no estamos aqui para nos confessarmos uns aos outros; pelo

    amor de Deus, no reduzamos a isso as nossas reunies. O que estamos perguntando se estivemos em comunicao - se h um estado de comunho entre o orador e vs, a respeito de uma certa coisa. Ao dizerdes a algum "Amo-te", esta nica palavra suficiente: comunicastes a algum um profundo sentimento, uma coisa real, e no meras palavras. E - se assim podemos expressar-nos - existe entre ns esse amor que e um verdadeiro estado de comunho, e no um mero sentimento ou emoo, nenhuma dessas futilidades, porm uma liberdade, um amor que faz de ns entes humanos totalmente diferentes? Afinal de contas, esta a finalidade destas reunies: abalar as prprias bases de nosso ser, a fim de descobrirmos uma dimenso completamente diferente. Podemos cometer erros, provavelmente os cometeremos, mas, ao cometermos um erro, devemos v-lo e "apag-lo" imediatamente; no fiquemos a "chafurdar" nesse erro. No sei se me entendesses bem. Vede, senhores, h um imenso trabalho para fazermos juntos, incumbe-nos uma enorme responsabilidade, o mundo se acha numa desordem medonha, num estado aterrador, e quando nos formos daqui, devemos ser entes humanos totalmente diferentes, totalmente responsveis, para trabalharmos na criao de um mundo diferente. Devemos ser revolucionrios, isto , dentro em ns deve operar-se uma profunda revoluo psicolgica.

    14 de julho de 1968.

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    QUE O AMOR

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    NO sei se alguma vez fizestes a vs mesmos uma pergunta fundamental, uma pergunta intrinsecamente sria e cuja resposta no dependa de outra pessoa, ou de alguma filosofia, algum instrutor, etc. Desejo, hoje, fazer uma pergunta de tal seriedade e de grande significao.

    Existe ao correta, correta em toda e qualquer circunstncia, ou s h, simplesmente, ao - nem "correta", nem "errada"? A "ao correta" varia conforme o indivduo e as circunstncias em que ele se v colocado. Como soldado, um indivduo pode perguntar: "Que ao correta?" Para ele, por se achar na frente de batalha, a ao correta , naturalmente, matar. E o indivduo que tem famlia, fechado entre as quatro paredes da idia de posse - minha mulher, meus filhos, meus haveres - para esse h tambm uma ao correta. E para o homem de negcios, em seu escritrio, existe, igualmente, ao correta. Vemos, assim, que a "ao correta" gera oposio: a ao individual oposta ao coletiva. Cada um alega que sua ao correta. O homem religioso, com suas crenas e dogmas particulares, pratica o que ele considera "ao correta", e esta o separa dos no crentes, dos que pensam ou sentem o contrrio do que ele cr. H a ao do especialista, que trabalha de acordo com seu saber especializado e diz: "Eis a ao correta." H os polticos com suas aes acertadas ou erradas, os comunistas, os socialistas, os capitalistas, etc. H este imenso rio da vida que inclui a vida dos negcios, a vida poltica, a vida domstica e tambm a vida em que h beleza, amor, bondade, generosidade, etc.

    Observando todas essas aes fragmentrias, geradoras dos respectivos opostos, interrogamo-nos: "Qual a ao que correta em todas as circunstncias?" Ou s h ao - nem certa, nem errada? Eis uma pergunta bem difcil de responder, at mesmo de fazer, porque, evidentemente, errneo matar, errneo estar apegado a um determinado dogma e agir em conformidade com ele.

    H os que, em presena desse problema, dizem: "Ns somos ativistas; (doutrina segundo a qual a vida ao e luta) no nos interessam filosofias, nem teorias, nem nenhuma espcie de ideologia especulativa; o que nos importa a ao, o "estar ativo". Existem ainda os que no querem saber de "estar ativos" e se retiram para os mosteiros, retiram-se para "dentro de si" e se refugiam num paraso deles prprios ou passam anos em meditao, esperando encontrar a verdade para, ento, de acordo com ela, agirem.

    Dessarte, observando esses fenmenos - as aes opostas e fragmentrias dos que dizem "Ns estamos certos", "Eis a ao correta", "Ela resolver os problemas do mundo", criando, a um s tempo, consciente ou inconscientemente, atividades opostas sua e, portanto, interminveis divises e atitudes agressivas - observando esses fenmenos, perguntamos: "Que podemos fazer?"

    Que podemos fazer, num mundo verdadeiramente medonho e brutal, num mundo onde se v tanta violncia e corrupo, onde o dinheiro, e s o dinheiro, tem importncia, e onde cada um est pronto a sacrificar os outros para alcanar poder, posio, fama; onde cada um quer e luta por impor-se, preencher-se, ser pessoa importante - que podemos fazer, que pode fazer o ente humano? No sei se fizestes alguma vez esta pergunta: "Que posso fazer, eu, que vivo neste mundo, onde se v tanta aflio, o enorme sofrimento que o homem est infligindo ao homem, as agonias que cada um de ns tem de suportar, nossas ansiedades, temores, "sentimentos de culpa", esperanas, desesperos?" Em presena desses fatos, se deles estamos verdadeiramente cientes, no se pode deixar de perguntar: Que posso fazer? Como respondereis a essa pergunta? Se a fizerdes com toda a seriedade, ela ter uma extraordinria intensidade e instantaneidade. Qual a vossa reao a esse desafio? V-se que a ao fragmentria - a "ao correta" - leva contradio, oposio, separao. O homem tem cultivado essa "ao correta", sob o nome de moralidade, observando um padro de conduta, um sistema em que ficou enredado e pelo qual condicionado. Para ele, h "ao correta" e "ao incorreta" as quais, por sua vez, produzem outras contradies e oposies. Da o interrogarmos: Existe uma ao que no seja correta nem incorreta - somente ao?

    No fiqueis apenas ouvindo uma srie de palavras e de idias, concordando ou discordando, aceitando ou rejeitando. Trata-se de um problema bem srio: Como viver no fragmentariamente, isto , uma vida no dividida em "famlia", "negcios", "religio", "poltica", "divertimentos", etc.

    Como viver uma vida completa, integral? Espero estejais fazendo a vs mesmos esta pergunta. Se estais, poderemos prosseguir juntos, num estado de comunicao, de verdadeira comunho, a respeito desta questo to importante e fundamental.

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    No Oriente, as pessoas tm seu prprio padro de comportamento. Dizem: "Ns, os brmanes, estamos certos, somos superiores, somos isto, somos aquilo; ns sabemos." Proclamam eles seus dogmas e crenas, sua conduta e moralidade e, entretanto, todos esto em oposio entre si, prontos a matarem-se uns aos outros ao primeiro sinal. Perguntamos, pois: Existe uma vida de ao no fragmentria, no isolada, no dividida? Como descobri-la? Pode ela ser descoberta por meio de explicaes verbais, mediante indicaes dadas por outrem? Deve ela ser descoberta porque, nunca tendo atuado de maneira completa, vos achais to cansado, to exausto, to desalentado, que precisais dessa coisa diferente? necessrio, pois, vermos claramente o motivo que temos ao fazermos tal pergunta. Se temos um motivo, de qualquer espcie que seja, nossa resposta no ter significao alguma, porque o motivo dita a resposta. A pergunta deve ser feita sem nenhum motivo, porque s ento se pode descobrir a verdade - a verdade relativa a qualquer questo. Ao formul-la, cumpre descobrir o mvel que nos impele. E, se algum motivo h - desejamos felicidade, desejamos paz no mundo, ou estamos cansados de tanta luta - ou se a razo de nossa busca da ao completa o cansao, o desespero, a ansiedade, a fuga, o preenchimento - ento, a resposta que teremos ser inevitavelmente limitada. Deveis, pois, estar muito atentos ao fazerdes esta pe rgunta a vs mesmos. Se a fizerdes sem nenhum motivo, estareis livres para olhar. Podemos prosseguir? muito difcil ser livre de "motivo"?

    Que , pois, ao - ao no fragmentria, que no "certa" nem "errada", que no cria oposio: a ao no dualista, que no gera conflito, antagonismos? Fazendo a vs mesmos essa pergunta com toda a seriedade, como descobrireis aquela ao? Cabe-nos descobri-la. Ningum vo-la pode dar, porque isso no seria um descobrimento individual; no seria uma coisa por vs mesmos alcanada, por terdes olhado com clareza, e que, portanto, nunca vos poderia ser arrebatada, nem destruda por nenhuma circunstncia. Ao fazer-se tal pergunta, o intelecto, com sua sagacidade - dados os fatos e circunstncias e vendo-se que toda ao contraditria gera conflito e, por conseguinte, aflio - poder dizer "Eu a descobrirei (a ao completa)" e dela fazer um princpio, um padro, uma frmula, segundo a qual ele ficar vivendo; mas, de acordo com essa frmula, estareis vivendo como antes, estareis novamente a gerar contradio, a imitar, a seguir, a obedecer. Ora, viver consoante uma frmula, uma ideologia, uma concluso viver uma vida de ajustamento, imitao, conformismo, por conseguinte, uma vida de oposio, dualidade, interminvel conflito e confuso. O intelecto no pode responder a essa pergunta, e tampouco o pensamento. O pensamento - como sabeis, se o examinasses profundamente, em vs mesmos - sempre dividido, jamais produzir unidade de ao. Poder produzir uma ao "integrada", mas qualquer ao resultante de uma integrao feita pelo pensamento gera inevitavelmente contradio.

    Vemos como perigoso o pensamento - o pensamento como reao da memria, da experincia, do conhecimento, de uma convico, etc. Vemos ainda que o pensamento, reao do passado, pode estabelecer, planejar uma maneira de vida e forar-se a si prprio a ajustar-se frmula que ideologicamente criou. E percebemos que isso significa conflito interior, porque, a, h "certo" e "errado", "verdadeiro" e "falso", "o que deveria ser" e "o que no ", "o que podia ter sido", etc. etc. Assim, se a mente puder fazer esta pergunta (que ao?) livre de motivo, livre do perigo da percepo intelectual e do ajustamento a uma ideologia por ela inventada ter uma resposta inteiramente diferente.

    possvel viver-se de maneira to completa e total que no haja aes fragmentrias? Vida ao; qualquer coisa que pensamos, sentimos ou fazemos ao. A vida movimento, um movimento infinito, mas ns a dividimos em presente, passado e futuro, em viver e morrer, e tambm em amor e dio, em nacionalidades. E agora estamos investigando se h um modo de vida - no ideolgico, porm real, em cada minuto da diria existncia - em que no haja contradio, oposio, fragmentao, em que o prprio viver seja ao completa.

    J refletisses sobre o que o amor? ele esta tortura que conhecemos? Essa espcie de amor poder ser bela no comeo quando dizemos a algum "amo-te" - mas depressa se dete riora, convertendo-se numa relao em que prepondera a posse, o domnio, o dio, o cime, a ansiedade, o medo.

    Essa espcie de amor prazer e desejo. O prazer do sexo e a presso do desejo mantido pelo pensamento que fica "remoendo" aquele peculiar prazer dia aps dia - eis o que chamamos amor. Amor ptria, amor a Deus, amor ao prximo nada disso tem significao, mera idia. Quando falamos em amor ao prximo, na igreja ou no templo, no isso o que estamos realmente pensando; estamos sendo hipcritas, porque j no dia imediato estamos prontos a destruir o nosso prximo, nos negcios, na competio, no desejo de uma posio melhor, de mais poder, etc. etc. Creio que no exageramos; estamos apenas enunciando o fato, que pode parecer desagradvel, mas nem por isso deixa de existir. Nesse amor h tambm "ao correta", e , "ao incorreta", ambas causadoras de vrias formas de conflito. amor isso - essa coisa

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    que aceitamos como sendo amor e que se tornou uma parte de nossa natureza? Instintivamente, procuramos esconder essa estrutura, porm, se a olhamos objetivamente, com seriedade, com olhos lmpidos, temos de perguntar se isso amor. No , decerto. E, vende-nos enredados no padro de conduta criado por ns mesmos, ou pela sociedade, no decurso de sculos, somos incapazes de libertar-nos, no sabemos o que fazer e, por conseguinte, h conflito entre o "amor correto" e o "amor incorreto", entre "o que deveria ser" e "o que ". A moralidade dessa estrutura , em verdade, imoral. Ao sabermos disso, criamos outra ideologia em oposio imoralidade e, conseqentemente, conflito. Mas - que amor? No quero vossa opinio, nem -vossa concluso, nem saber o que pensais a seu respeito; que interessa saber o que se pensa dele? S se pode descobrir o que o amor quando nos libertamos completamente daquela estrutura de cime, domnio, dio, inveja, desejo de posse - da estrutura do prazer.

    O prazer uma coisa que requer exame. No queremos dizer que o prazer "certo" ou "errado", pois isso nos levaria a vrias concluses e, portanto, a "oposies". Mas, no tocante maioria de ns, o amor est associado, estreitamente entrelaado com o prazer sexual e outros prazeres. E, se amor prazer, amor dor. Ora, se existe dor, h amor? No h, lgico; no entanto, continuamos pelo mesmo caminho. Podemos libertar-nos da estrutura, da tradio, da rede em que nos vemos embaraados, para descobrirmos, ou encontrarmos, aquele estado de amor que no prazer? - Ele se encontra "l longe", fora desta tenda; no est "c dentro" - em nosso ntimo.

    possvel uma vida em que o prprio viver seja a beleza da ao e do amor? No havendo amor, h sempre "ao correta" e "ao incorreta", causadoras de conflito e contradio. S h uma "ao nica", que vem do amor; outra qualquer ao produz contradio e conflito. O amor "agressivo" e "no agressivo". No me entendais mal; o amor no uma coisa pacfica, quieta, alojada "no fundo do poro" ou "l em cima" no cu. Quando amais, tendes vitalidade, mpeto, intensidade, h ao direta. Assim, podemos ns, entes humanos, entranhar-nos dessa "beleza atuante" que o amor?

    Seria verdadeiramente maravilhoso se todos ns, aqui neste pavilho, pudssemos encontrar esse amor - no como idia, no como uma coisa alcanvel especulativamente - para entrarmos numa diversa dimenso e, doravante, vivermos uma vida integral, completa, sagrada. Eis a vida religiosa; no h outra espcie de vida, outra espcie de religio. Esta vida pode resolver todos os problemas - porque o amor sobremodo inteligente, a mais alta expresso da sensibilidade e da humanidade. ele a nica e importante coisa da vida; ou dele nos deixamos entranhar inteiramente, ou no o fazemos. Se pudssemos, todos ns, entrar nesse estado naturalmente, com facilidade, sem nenhuma espcie de conflito ou de esforo, iramos viver uma vida diferente, uma vida de alta inteligncia, penetrao, lucidez. Essa lucidez que resolve todos os nossos problemas.

    INTERROGANTE: Significa isso que vs no fazeis planos? KRISHNAMURTI: Acho que no. Ao levantar-me, hoje de manh, eu tive de "fazer um plano"

    para vir aqui; vs tendes de "fazer um plano" quando precisais tomar um trem na hora certa. Vede - a inteligncia resolver todos os problemas. Tendo passado a vida a imitar, a aceitar, a obedecer, a ajustar-vos a certas frmulas, se vos tiram fora esta maneira de vida ou vs mesmo a abandonais por verdes quanto absurda, ficais como que perdido. Mas, se olhardes, observardes intimamente a estrutura, a frmula, o sistema de acordo com o qual estais vivendo, ento, dessa observao, nasce a inteligncia, e essa inteligncia atuar; essa inteligncia, por sua prpria natureza, livre.

    16 de jul