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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Aspiazu. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 5(gt25):1-15
A tecnologia como parte ou extensão de nosso eu:Interface cérebro-máquina, internet e liberdade
GT25 – Interdisciplinaridade em CTS
Cesar Aspiazu
Resumo: O distanciamento entre seres humanos e o meio ambiente natural é cada vez maior, grandeparte do que há ao nosso redor é artificial. Os processos sociais advindos da separação sociedade -natureza compõem a agenda da sociologia desde os seus primórdios, no período auge da revoluçãoindustrial, que, como o período retrata, revolucionou a humanidade, o mundo como um todo,tornando possível o avanço cada vez mais acelerado nas áreas de produção, transporte ecomunicação. Este artigo tem o objetivo de compreender sociologicamente como se dá a relação entreseres humanos e tecnologia, mais especificamente, o processo de estabelecimento das interfacescérebro-máquina (ICMs) a nível social. Busca-se investigar o ordenamento da natureza e da sociedadepela tecnologia, como a organização social e as crenças mudam de acordo com o avanço dastecnologias de informação e comunicação (TICs) na era da informação.
Palavras-chave: Tecnologias da Informação e Comunicação, Internet, Neurociência, Interface cérebro-máquina, Sociedade em Rede
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Desenvolvimento tecnológico
A interação entre seres humanos e tecnologia tem se desenvolvido de maneira
acelerada, na busca por formas de facilitar a vida, nos aproximamos do ponto em que torna-se
difícil definir fronteiras identitárias, a nossa participação em redes sociais de forma cada vez
mais ativa parece fazer com que haja uma imbricação espaço-temporal entre o imaginário de
mundos reais e virtuais, assim, as representações do social sobre espaços virtuais se
transforma, ao tempo em que as relações sociais se ampliam por meio deles, a nossa
participação parece se reduzir.
A internet é um ambiente que proporciona inúmeros benefícios na forma em que nos
comunicamos ao passo em que as consequências negativas, são também incalculáveis. A
produção e o acesso a informação, aparenta ser ilimitada e constante, paramos pouco para
observar as consequências desse processo. Nesse sentido é importante questionar o papel
social da tecnologia que estamos produzindo, o que estamos fazendo com ela e o que ela está
fazendo com nos.
Uma vez que na ponta do desenvolvimento científico e tecnológico1 os objetos de
pesquisa e manipulação são a própria origem e o futuro da vida, as agendas de pesquisa da
neurociência de sistemas e da neuroengenharia tornam-se particularmente interessantes para
investigar e refletir o impacto dessas novas tecnologias na sociedade. Os processos de
racionalização e mecanização da vida2 são constituintes da agenda sociológica. A construção
do mundo social se dá na medida em que mediamos nossas relações com os outros. No
momento em que estamos mudando as formas em que nos comunicamos, a forma em que
concebemos o mundo também se torna diferente.
Entender como os processos biológicos e desenvolvimento tecnológico pode intervir
no mundo social, se faz necessário para discutir aspectos éticos do atual desenvolvimento
tecnológico e científico, uma vez que começamos a intervir diretamente na lógica da vida.
Lógica pela qual poderíamos ser a combinação de seres humanos com a tecnologia que1 Entenda-se; áreas de maior atração, tanto no nível social quanto nos níveis econômico e político2 O processo de racionalização da vida foi amplamente desenvolvido por Max Weber e os processos de suamecanização e alienação ante a natureza pelo mundo do trabalho por Karl Marx
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estamos criando a partir da interface que temos com a tecnologia e como esta interface se
torna cada vez mais fluida a partir das possibilidades da crescente investigação na área de
ICMs. O cérebro poderia em vários níveis estar conectado à nuvem de informação, a
mediação com a internet é cada vez maior, nesse sentido, um smartphone com acesso a
internet, pode se ver funcionando como um cérebro eletrônico digital estendido.
As ICMs tornam-se cada vez mais concretas, por meio de uma nova versão da
internet a “brainet”3, poderíamos nos comunicar sem a necessidade de digitar ou pronunciar
uma única palavra. Somente através do pensamento (Nicolelis, 2011). As relações sociais
mudaram e se encontram em constante processo de transformação. A economia global se
tornou impensável sem a internet, as cadeias de distribuição, transação e consumo formam
relações sociais, a internet permeia os âmbitos sociais, político e econômico.
Na sociedade em rede (Castells, 2005; 2016), encurtar os fluxos de espaço tempo é
cada vez mais real, parece haver uma imbricação espaço temporal entre mundos reais e
virtuais. As redes de comunicação social, tendo o Facebook como maior expoente, permitem
uma circulação quantitativamente incalculável de ideias e pensamentos (De Masi, 2000). O
conhecimento parece tornar-se ilimitado e de fácil acesso, assim como a comunicação, por
meio da qual tornamo-nos simultâneos, pela sua velocidade abolimos a separação espacial,
viajamos cada vez mais rápido o espaço parece desaparecer, passamos a ser entidades com
identidades fragmentadas. A capacidade processual é limitada, o constante fluxo de símbolos
e informações fragmentados, podem co-produzir identidades fragmentadas, podemos ser ao
mesmo tempo agentes e produtos da internet, no momento em que está cada vez mais
centralizada.
Através do estudo e da análise do desenvolvimento tecnológico, as novas
possibilidades de exploração da vida por meio do avanço na área da biotecnologia, significa a
apertura a estudar também a influência desses mecanismos e de novas tecnologias na
evolução da espécie humana. As pessoas não estão preparadas para ter outra vida, estamos
dentro de um sistema mundo, um sistema que inicialmente moldou as características que nos
tornam humanos, em segunda instancia como seres autônomos, passamos a transformar o
3 Brainet: Rede de comunicação entre cérebros, análogo ao funcionamento da internet.
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ambiente natural como ele nos é oferecido, desenvolvendo técnicas e criando ferramentas para
tornar o processo de adaptação mais fácil.
Grande parte do que há ao nosso redor faz parte de nossa criação, é artificial,
chegamos em um ponto da história em que podemos intencionalmente interferir de maneira
direta na lógica em que o sistema da vida se desenvolve, por utilidade, nos colocamos em uma
situação em que é possível direcionar a evolução, não estamos limitados ao acaso da seleção
natural, podemos antever nosso futuro por meio da seleção artificial. Há mecanismos
tecnocientíficos e sociais que podem direcionar o rumo que a sociedade tomara (Cavalheiro,
2007).
Controvérsias no desenvolvimento tecnológico
O objeto aqui em análise poder-se-ia enquadrar na discussão entre o paradigma da
excepcionalidade humana e o novo paradigma ecológico da sociologia ambiental, todavia, a
proposta vai além das discussões sobre responsabilidade bioética (Sandel, 2013). Ao
investigar as promessas das neurociências a partir das ICMs. Como estas promovem a co-
produção da vida e da tecnologia (Jasanoff, 2004) como sistemas inseridos dentro de um
sistema maior na logica sistêmica de Luhmann (1991). Uma rede em que emergem os
híbridos, podendo explicar as realidades da experiência humana que emergem como
aquisições conjuntas de empreendimentos científicos, técnicos e sociais (Latour, 2012). A
divisão sociedade-natureza é uma criação humana, assim como a separação dos humanos e
não humanos4, suas propriedades e suas relações.
Assim, ao investigar como a sociedade aparece na construção das neurociências e
qual o lugar dos não humanos em sua própria construção como ICMs, encontraram-se
contribuições da abordagem pós social, ao desfazer a ruptura entre natureza e sociedade. Para
Bruno Latour (2012) os elementos não humanos, modificam as ações humanas. Por outro
4 Entendem-se por não humanos as criações humanas, de maneira particular, produções tecnológicas, as quais teriam capacidade potencial de intervir na realidade social, ao deixar de ser apenas artefatos, passam a ter agência.
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lado, para as neurociências há uma concepção mais clara e ampla dos não humanos, os quais
estariam redefinindo a sociedade.
Nesse sentido, as TICs e as biotecnologias são ferramentas cruciais no processo de
reconfiguração das mentes e corpos; essas ferramentas corporificam e impõem novas relações
sociais. A natureza e a cultura são reestruturadas: uma não pode mais ser o objeto de
apropriação ou de incorporação pela outra (Cordeiro e Neri, 2016). O ciborgue transgrede as
fronteiras, ele é um animal-humano-maquina, sem fronteiras físicas e, aparentemente, sem
fronteiras sociais.
Nossas máquinas são perturbadoramente vivas e nós mesmosassustadoramente inertes, portanto o eu último é libertado de todadependência no espaço. (Haraway, 2009)
Em um mundo pós-social, em que o acoplamento estrutural5 torna-se possível, os não
humanos interagem a tal modo em que esquecemos que são não humanos (Latour, 2012). A
ubiquidade e a invisibilidade dos ciborgues faz com que essas minúsculas e leves máquinas
sejam tão mortais. Eles são, tanto política quanto materialmente, difíceis de ver. Para
Haraway, a informática da dominação está em meio à mudança: de uma sociedade industrial,
orgânica, para um sistema informacional; de uma situação de “só trabalho” para uma situação
de “só lazer”.
Em um mundo cada vez mais globalizado, as fronteiras, geográficas, sociais e
tecnológicas, são cada vez mais sutis, muito difíceis de serem nomeadas e muito mais de
serem entendidas (Castells, 2005). Estamos no meio de uma revolução digital, iniciada nos
anos 1980 cada vez mais acelerada, que está mudando as maneiras de como interagimos uns
com os outros, como nos enxergamos e enxergamos o mundo, destacando o papel da
comunicação no processo de compartilhamento de significados e troca de informações,
Manuel Castells deixa isso claro em Redes de indignação e esperança, há espaços locais,
espaços globais e híbridos.
Os seres humanos criam significado interagindo com seu ambiente natural esocial, conectando suas redes neurais com as redes da natureza e com as
5 Entenda-se aqui de maneira abrangente, tanto no nível teórico, explicitado na teoria dos sistemas luhmanniana eno Manifesto Ciborgue de Donna Haraway, quanto prático por meio das ICMs.
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redes sociais. A constituição de redes é operada pelo ato da comunicação.Comunicação é o processo de compartilhar significado pela troca deinformações. Para a sociedade em geral, a principal fonte da produção socialde significado é o processo da comunicação socializada. (Castells, 2013)
Para Hubert Dreyfus (2001), devido à interconectividade dessas redes chegamos a
estágios de hiperaprendizagem e afastamento do real.
Nós agora vimos que o nosso corpo, incluindo nossas emoções e estados deânimo, desempenha um papel crucial na nossa capacidade de dar sentido àscoisas de modo a ver o que é relevante, na nossa habilidade de deixar ascoisas importarem para nós e, assim, desenvolver habilidades, no nossosenso da realidade das coisas, na nossa confiança em outras pessoas, nanossa capacidade de fazer os compromissos incondicionais que dão umsignificado fixo às nossas vidas e, finalmente, a nossa capacidade de cultivara intercorporeidade que torna possíveis eventos focais significativos. Seriaum erro grave pensar que nós poderíamos viver sem essas capacidadesincorporadas - regozijar-se de que a World Wide Web nos oferece a chancede nos tornarmos mentes mais e mais desincorporadas, distanciadas, ubíquasdeixando para trás nossos corpos situados e vulneráveis. Odesincorporamento crescente de informações leva a trade-offs difíceis.(Dreyfus, 2001)
A percepção da natureza e da sociedade, sendo construídas socialmente, mudam
paralelamente à mudança nos processos de comunicação. A interface social natural é
constantemente reorganizada por dispositivos tecnocráticos.
A internet, nossa maior ferramenta de emancipação, está sendo transformada em um
facilitador do totalitarismo. A internet é uma possível ameaça à civilização humana, a internet
fornece matéria, mas também molda o processo de pensamento ao tempo em que navegamos
no meio virtual tendo e dando acesso a quantidades incalculáveis de dados e conhecimento
(Carr, 2008). De um lado, uma rede de governos e corporações que espionam tudo o que
fazemos. De outro, os cypherpunks, entre outros ativistas e geeks que desenvolvem códigos e
influenciam políticas públicas. Foi esse movimento que gerou o WikiLeaks.
A rede mundial de computadores apresenta, como muitas tecnologias, umavariedade de usos possíveis. É, como a energia elétrica, a semente de umagama infinita de possibilidades, e semente poderosa: seu potencial ainda estásendo descoberto ao mesmo tempo que seu rumo vai sendo definido pelocaminhar tecnológico e pelo caminhar político. (Assange, 2013)
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Primeiramente, é importante deixar clara missão do WikiLeaks, que é receber
informações de denunciantes, divulgá-las ao público e se defender dos inevitáveis ataques
legais e políticos. Estados e organizações poderosas tentam rotineiramente abafar as
divulgações do WikiLeaks e, na qualidade de um canal de divulgação “de último caso”, essa é
uma das dificuldades que o WikiLeaks foi criado para suportar.
Julian Assange afirma que tem havido uma militarização do ciberespaço, no sentido de
uma ocupação militar. Quando nos comunicamos por internet ou telefonia celular, que agora
está imbuída na internet, nossas comunicações são interceptadas por organizações militares de
inteligência. Assim, fundamentando a revolução das comunicações high-tech – e a liberdade
que extraímos disso – está toda a economia de mercado moderna, globalizada, transnacional e
neoliberal. Na verdade tudo culmina nesse ponto. Esse é o auge, em termos de realização
tecnológica, do que a economia moderna globalizada e neoliberal é capaz de produzir.
Passamos de uma sociedade disciplinar no século XVIII a uma sociedade decontrole e a uma de vigilância total. O novo mundo da internet, abstraído dovelho mundo dos átomos concretos, sonhava com a independência. Noentanto, os Estados e seus aliados se adiantaram para tomar o controle donosso novo mundo – controlando suas bases físicas. A indústria de segurançatransnacional se desenvolveu ao longo dos últimos vinte anos, está cada vezmais barata. O nosso mundo é o mundo de todos, porque todo mundo jájogou seus detalhes mais secretos na internet. (Assange, 2013)
É difícil desassociar vigilância e controle. Precisamos lidar com os dois problemas.
O controle da internet seja pelos governos ou por corporações. Para os cypherpunks, é o
panóptico perfeito (Foucault, 1987). Os custos da interceptação em massa são cada vez mais
baixos. Atualmente é possível monitorar o usuário e seus dados, interceptar e armazenar tudo
permanentemente.
O movimento cypherpunk defende a necessidade e por que o software livre é
importante para uma sociedade livre. Para termos o potencial de sempre controlar a máquina,
não permitindo que ela nos controle. Precisamos ser capazes de punir os grupos que utilizam a
tecnologia de maneiras antiéticas e de forma a violar a privacidade dos cidadãos. O problema
é que nenhum dado, de nenhuma pessoa no planeta é totalmente secreto, as pessoas não
sabem que, ao usar seus cartões de crédito, deixam um rastro e quais são as implicações de
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dar dados pessoais a uma empresa. Entendemos de maneira restrita a liberdade de
informações e livre fluxo de informações. Se hoje os grupos dominantes têm a capacidade de
ter acesso a todos nossos dados e informações, compartilhadas ou não, então, porquê devemos
ou não filtrar o que compartilhamos, se é possível ter acesso a tudo.
Os cypherpunks apontam que o dispositivo final do usuário final, que é o cérebro, é
onde deveria ser feita a filtragem, e não pelo governo em nome do povo. Se as pessoas não
quiserem ver as coisas, bem, elas não são obrigadas. E nos dias de hoje temos as condições de
filtrar um monte de coisas, em todo caso (Assange, 2013).
A tecnologia como parte de nossa natureza
Ao tentar descobrir os mistérios da natureza promovemos a produção de
conhecimento e aceleramos o desenvolvimento científico e tecnológico de maneira
imprevisível (Mlodinow, 2015), o que torna possível mudar nosso ambiente natural e
interferir em nossa própria natureza, permitindo, talvez, que nossas mentes se libertem dos
limites físicos de nossos corpos. Os avanços de pesquisa e desenvolvimento, são
simultaneamente promissores e assustadores, principalmente nas áreas da biotecnologia,
robótica e das TICs, a tecnologia está em todas partes.
A experiência humana vem sofrendo alterações cognitivas e sensoriais significativas
em número e densidade. Os seres dialogam com máquinas a partir de comandos ainda
desferidos pelos dedos, fazendo com que a internet em todas as coisas seja experiência
concreta. (Squirra, 2015). Reconfigurada pela evolução tecno-cognitiva dos dias atuais,
desponta a possibilidade de o ser humano estar integrando uma imperceptível rede tecno-
cerebral coletiva, Esta se delinearia como um gigantesco sistema de conexões que, mediado
por tecnologias ubíquas e persistentes, estaria viabilizando uma internet “de mentes”, indo
além da internet “das coisas”. Exemplificando essa realidade, que deixa de ser ficção
científica, está Miguel Nicolelis, um dos brasileiros que mais desenvolveu pesquisas na área
da neuroengenharia, em Muito além do nosso eu afirma que:
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Nesse mundo novo, centrado apenas no poder dos relâmpagos cerebrais,nossas habilidades motoras, perceptuais e cognitivas se estenderão ao pontoem que pensamentos humanos poderão ser traduzidos eficiente eacuradamente em comandos motores capazes de controlar tanto a precisaoperação de uma nanoferramenta como manobras complexas de umsofisticado robô industrial. Nesse futuro, sentado na varanda de sua casa depraia, de frente para seu oceano favorito, você um dia poderá conversar comuma multidão, fisicamente localizada em qualquer parte do planeta, por meiode uma nova versão da internet (a “brainet”), sem a necessidade de digitar oupronunciar uma única palavra. Nenhuma contração muscular envolvida.Somente através de seu pensamento. Se esse exemplo não é suficientementesedutor, imagine se você de repente pudesse experimentar toda a gama desensações despertadas por um simples toque na superfície arenosa de umoutro planeta, milhões e milhões de quilômetros distante daqui, sem aomenos sair de sua sala de estar. Ou, ainda melhor, como você se sentiria casolhe fosse dado acesso a um banco de memórias de seus ancestrais remotos,de modo que pudesse, num mero instante, recuperar os pensamentos,emoções e recordações de cada um desses seus entes queridos, criandoassim, por meio de impressões e sensações vividas, um encontro de geraçõesque jamais seria possível de outra forma? Exemplos como esses oferecemapenas uma pequena amostra do que será viver num mundo muito além dasfronteiras do nosso eu, um mundo onde o cérebro humano se libertará,enfim, de sua sentença de prisão de milhões de anos, cumprida, desdetempos imemoriais, numa cela orgânica constritiva e limitada, vulgarmenteconhecida como corpo. A perspectiva dessa maravilhosa alforria, que hojeainda pode soar para alguns como magia, milagre ou alquimia, não maispertence ao domínio da ficção científica. Esse mundo do futuro estácomeçando a se delinear, diante de nossos olhos, aqui e agora. (Nicolelis,2011)
Essas possibilidades de futuro apontadas por Nicolelis são simultaneamente,
promissoras e perturbadoras, poderíamos nos tornar ciborgues, com exoesqueletos capazes de
reabilitar pessoas com necessidades especiais, mas ao mesmo tempo passiveis de ser
comandados, controlados, e servir como meios de comunicação, servir em confrontos
armados, como humanos extraordinariamente desenvolvidos, O Homem de ferro poderia se
tornar real (Nicolelis e Chapin, 2002). Deixaríamos a nossa mente a disposição de quem tem
mais poder ou recursos tecnológicos para acessá-la, ou poderíamos estar conscientes dos
processos de dominação. Talvez perderíamos o controle com a quantidade infinita de
informação disponível, seriamos livres mentes flutuantes ou transformaríamos nossas redes
neurais em redes sociais (Nicolelis, 2011).
A plasticidade neural é muito abrangente, incorporamos ferramentas e tecnologias ao
nosso corpo (Damásio, 2015; Ramachandran, 2014), mas não podemos nos reduzir a
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máquinas, seria possível desligar nosso cérebro dessas redes como fazemos com
computadores e smartphones - que para muitas pessoas hoje já é algo complicado -, ou nos
tornaríamos cada vez mais dependentes desse mundo virtual? (Nicolelis, 2017)
Na quarta revolução industrial o ciborgue parece despertar, (Haraway, 2009) as
fronteiras biológicas do corpo e do pensamento parecem se diluir, as ICMs são sutis, e os
limites físicos do corpo parecem deixar de existir. A função educativa da internet é
extraordinária, estamos em um processo de hiperaprendizado, mas afastados do real,
ocupamos espaços híbridos e criamos redes de comunicação, sem privacidade nem liberdades,
mas em vigilância total, talvez vivendo, virtualmente, dentro de um panóptico invisível, como
expressado por cypherpunks6.
Por outro lado Steven Johnson em seu Tudo que é ruim é bom para você, Afirma que
o espaço-informação é a grande realização simbólica de nosso tempo, no qual passaremos as
próximas décadas nos ajustando:
Estamos vivendo um período em que as tecnologias de rede da era digital, osinvestimentos do setor público (a própria criação da internet) e os incentivosorientados pelo mercado (a noção de “programação mais repetível”)juntaram-se para gerar uma tendência ascendente de complexidade nacultura. Também vale a pena destacar que um dos desafios recentes maissignificativos ao modelo capitalista da propriedade privada surgiuprecisamente da comunidade dos aficionados por videogame e tecnologia:softwares de código aberto, Wikipédia, compartilhamento de arquivos peer-to-peer, economias alternativas desenvolvidas em mundos virtuais, e assimpor diante. Se quisermos evidência de pessoas usando a mente para imaginaralternativas às estruturas econômicas dominantes de seu tempo,encontraremos muito mais experiências na cultura pop atual do que na dofinal dos anos 1970 e nos anos 1980. Graças a sua imersão nessa cultura emrede, a “garotada de hoje” está muito mais propensa a aderir a projetoscoletivos que operam fora dos canais tradicionais da propriedade comercial.E também está muito mais propensa a se ver como produtora de mídia,partilhando coisas só por gosto, do que a geração da passividade da TV quefoi descrita por Neil Postman. Ainda existe muito materialismo fútil, é claro,mas acho que a tendência é positiva. (Johnson, 2012)
Em A finança digitalizada. Edemilson Parana expõe a visão de um mundo futuro de
um dos clássicos da sociologia.
6 Ativistas e interessados em criptografia, com o objetivo de assegurar a privacidade.
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Max Weber compreende a técnica como parte de um processo de dominaçãodo mundo. A embasar sua Teoria da Ação Social está uma compreensãotécnica da racionalidade que, em última instância, se relaciona ao agir e fazertécnicos, bases cognitivas da mecanização do processo produtivo e doindustrialismo de seu tempo. (Parana, 2016)
Atualmente, na era da informação, Castells afirma que em um futuro com as
tecnologias de informação e comunicação, podendo compartilhar informação de maneira
consciente e esclarecida podemos reverter o processo em que nos situamos.
A promessa da Era da Informação representa o desencadeamento de umacapacidade produtiva jamais vista, mediante o poder da mente. Penso, logoproduzo. Com isso, teremos tempo disponível para fazer experiência com aespiritualidade e oportunidade de harmonização com a natureza semsacrificar o bem-estar material de nossos filhos. (Castells, 1999)
Considerações finais
Assim, ao ser a natureza que interessa às ciências sociais é a natureza já apropriada
pela ação humana (Fleury, Almeida e Premebida, 2014), o objetivo deste artigo foi investigar
a interferência das máquinas por meio das ICM´s sobre a formação da sociedade, a partir do
estudo das promessas das neurociências - possibilidades e limites - sobre as bases materiais
biofísicas da existência humana e sua condição ambivalente, como ser biológico e social, o
que causaria uma também ambivalência entre a biologia e a sociologia como disciplinas para
se estudar o humano em sua ecologia e sociabilidade (Buttel, 1992). Cabe destacar que as
ações não se dão de maneira unilinear, é interessante compreender o alcance do poder
explicativo das áreas em questão (Turner, 2014).
O discurso biológico legitima-se pelas inovações na área de saúde e pela centralidade dos
artefatos biotecnológicos no cotidiano das pessoas, ponto central nos debates públicos em torno da
verdade científica (Premebida, 2015). Procura-se assim entender como, a partir do momento que
tivermos computadores fazendo parte de nossa fisiologia, estaremos sujeitos a problemas semelhantes
e até mesmo piores do que aqueles que enfrentamos com a tecnologia atual (Bento e Calvo, 2010).
Parte da ficção científica parece ser desumana, ao tempo em que parece espelhar
nossa realidade, mudar nosso corpo é parte de nosso processo de evolução, tanto biológica
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quanto cultural. Transformamos a nós mesmos e o mundo a nossa volta, evoluímos com a
tecnologia, o que nos torna humanos, e algum dia, mais que humanos. Assim, o intuito desse
trabalho, é levar a reflexão sobre as concepções da interação entre seres humanos e tecnologia
por meio das ICMs e das TICs.
Como lidamos com elas e qual é seu conteúdo social é uma questão a ser debatida.
As tecnologias emergentes tratadas no decorrer deste artigo, em certa medida, já fazem parte
de nós, delegamos tarefas para a tecnologia, deixamos de nos desenvolver como seres
humanos ao tempo em que temos respostas imediatas para tudo, assim é mais fluida, mais
sutil e menos material, o que possibilita coisas impossíveis na teoria, sejam possíveis na
prática, nessa ubiquidade a tecnologia adquire maior poder, pois estamos numa fase em que
passamos de produtores de tecnologia a ser produzidos por ela, nossa natureza e nossa
construção identitária são dependentes dela.
Em parte, pode-se dizer que a neurociência começou a refletir debates éticos (Sakura
e Mizushima, 2010). Mas é preciso promover uma melhor governança da ciência, aumentar a
participação pública e incluir mais especialistas se quisermos utilizar tecnologias emergentes.
A sociologia deve se atentar a processos de desenvolvimento que, pela sua capacidade de
interferir nas bases materiais da existência humana, interferem também de maneira direta na
produção dos imaginários e das relações sociais.
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