nutrição na gravidez - ... pesquisas e práticas no campo da ciência da...
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16Síndrome da Imunodeficiência Adquirida enfoque nutricional
Feijoada completa desde que os portugueses ancoraram no Brasil
Chia as alegações e os estudos clínicos e experimentais
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Pau
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ISSN
217
6-84
63
Nutrição
Uma abordagem global
na gravidez
nest
lé
Ivan F. ZuritaPresidente da Nestlé Brasil
Direção Editorial: Ivan Zurita, Izael Sinem Jr. e Célia Suzuki
Consultor Editorial: Claudio Galperin
Colaboradores: Juliana Lofrese, Maria Helena Sato, Fernanda Tartarella e Letícia Vasconcelos
Editor: Claudio Galperin Jornalista-responsável: MTb 12.834 Assistente Editorial: Maria Fernanda Elias Llanos Assistente de Redação: Betina Galperin
Edição de Arte, Produção Gráfica e Pré-Media: D’Lippi Comunicação — (11) 3031.2900 Edição de Arte: Rosalina Sasaki
Arte-final: Ricardo Lugo Fotografia: Egydio Zuanazzi, Thinkstock e Shutterstock Capa: Shutterstock Revisão: Eliete Soares
Impressão: Matavelli Tiragem: 30.000 exemplares
Pesquisa e inovação no cerne de uma sociedade melhor
A revista Nestlé.Bio é um produto informativo da Nestlé Brasil destinado a promover pesquisas e práticas no campo da ciência da nutrição realizadas no país e no exterior, sob os cuidados de um criterioso processo editorial. Alinhada ao histórico papel da Nestlé no apoio à difusão da informação científica, a revista abre espaço para a diversidade de opiniões, que consideramos ser essencial para o intercâmbio de ideias e conceitos inovadores. As declarações expressas na revista não refletem necessariamente o posicionamento institucional da companhia com relação aos temas tratados.
editorial
Investir em pesquisa e tecnologia e, a partir delas, divisar novas alternativas para incrementar a qualidade de
vida são aspectos críticos para o desenvolvimento da sociedade. Esta edição da Nestlé.Bio nos proporciona
vários exemplos de como isto se dá.
Por um lado, as nutricionistas Márcia Regina Vitolo e Fernanda Rauber, da Universidade Federal de Ciências da
Saúde de Porto Alegre, nos oferecem um dossiê sobre o que há de mais atual em relação aos cuidados nutricio-
nais durante a gravidez.
Por outro, a nutricionista Maria Fernanda Elias Llanos, doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da Universi-
dade de São Paulo, nos mostra como o conhecimento da fisiologia de indivíduos idosos contribui para o desen-
volvimento de produtos nutricionais específicos para esta etapa da vida.
Nesta edição, também, a médica infectologista Simone Tenore e a nutricionista Celma Muniz Martins, ambas
da Universidade Federal de São Paulo, nos falam sobre como novas estratégias terapêuticas para Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida impactam o cuidado nutricional de pacientes portadores de HIV.
E, dentro dessa mesma lógica, um artigo escrito pelo editor da Nestlé.Bio revela o esforço de pesquisadores
para discernir as especulações midiáticas dos benefícios que a Salvia hipanica (chia) pode, com efeito, exercer
na saúde humana.
Finalmente, o prazer da comida também se faz presente neste número da Nestlé.Bio. Além da saga da feijoada,
desde a chegada dos portugueses ao Brasil, é possível empreender uma viagem gastronômica até o restaurante
madrileno Casa Botín. Frequentado por Goya e Hemingway, é considerado o mais antigo do mundo.
A todos, uma boa leitura.
Aguardamos seus comentários e sugestões no e-mail nestlebio@nestle.com.br, com seu nome completo, registro profissional, local de trabalho e cidade de origem. Trechos das mensagens poderão ser eventualmente publicados.
ÍNDICEintercâmbio ne
stlé
04palavraA nutricionista Celma Muniz Martins e a médica Simone Tenore, da Universidade Federal de São Paulo, discutem a abordagem nutricional de pacientes com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
09calendárioConfira os próximos encontros, congressos e simpósios voltados para temas ligados à nutrição.
10focoExiste fundamento científico para a repentina e estrondosa exposição da chia na mídia?
15 ponto de vistaIncluir ou não o glúten na dieta? A opinião das nutricionistas Hellen de Souza Coelho e Isa Maria Gouveia Jorge.
Sou nutricionista, trabalho na aréa de saúde pública e gostaria de parabeni-zá-los pela revista nestlé.bio. Sempre com assuntos diversifi cados e atuais da área de nutrição. regiane Messias.Varzelândia – Mg.
Gostaria de parabenizar a excelente revista nestlé.bio. Aproveitei muito os assuntos contidos nas últimas edições, pois sou nutricionista e trabalho com Nutrição Escolar e Nutrição em Serviço de Hemodiálise.Karin de Souza Pereira.tubarão – SC.
Sou coordenadora do curso de nutrição da Faculdade Mineirense e, se possível, gostaria de disponibilizar os exempla-res da revista nestlé.bio para os acadê-micos também. Profa. M. Sc. Aline Costa e Silva.Mineiros – go.
Sou estudante do curso de engenharia de alimentos da Universidade Federal de Campina Grande. A professora Este-fânia Fernandes Garcia, que é nutricio-nista, nos trouxe exemplares da revistanestlé.bio para discutirmos alguns ar-tigos e reportagens. Ficamos horas co-mentando as matérias e a importância de uma empresa de tão grande porte como é a Nestlé se empenhar em de-senvolver uma revista escrita de forma clara, objetiva e correta. Sabrina Fontes. Sousa – Pb.
30nutrição e culturaConheça o mais antigo restaurante do mundo, frequentado por Goya, Hemingway, Jackie Kennedy e Catherine Deneuve.
36resultadoProjeto de reestruturação da Divisão de Nutrição e Dietética do Hospital de Clínicas da Unicamp é o vencedor da primeira edição do Prêmio aos Profissionais da Carreira Paepe.
42sabor e saúdeAlém de prejuízo cognitivo, a deficiência de ferro na infância pode resultar em alterações estruturais do cérebro na vida adulta.
47leitura críticaTrabalho experimental propõe que os receptores de grelina alteraram a sinalização dopaminérgica e, com isso, influenciam a homeostase energética. Tal achado pode contribuir para a formulação de um tratamento antiobesidade com base molecular?
16conhecerFeijoada: um prato de história e sabor, de um canto a outro do Brasil.
21qualidadeConheça Nutren® Senior, suplemento oral completo, especialmente formuladopara atender às necessidades dos idosos.
26 dossiê bioAs nutricionistas Márcia Regina Vitolo e Fernanda Rauber, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, escrevem a primeira parte do artigo Nutrição e Gestação.
palavra
entrevista_Claudio Galperin
foto_Egydio Zuanazzi
O estudo multicêntrico conduzido pelo HIV Prevention Trial
Network, do qual participaram infectologistas brasileiros, envol-
veu 1.763 casais heterossexuais com apenas um dos cônjuges
infectado [1]. O parceiro portador do HIV (sem AIDS) deveria ser
virgem de tratamento e apresentar uma contagem de CD4 entre
350/mm3 e 550/mm3.
Quando comparados aos indivíduos do grupo placebo, os
que receberam drogas antirretrovirais exibiram uma taxa 20 ve-
zes menor de contaminação do parceiro não infectado.
Esse resultado, extraordinário, catalisou esforços para ter-
minar a epidemia global de AIDS de uma maneira impensável até
um ano atrás. Foi o que se viu, por exemplo, no fórum realizado na
Universidade George Washington, nos EUA, intitulado “O começo
do fim da AIDS” – com participação de Barack Obama, George W.
Bush e Bill Clinton, transmitido via streaming Internet.
Não há como ignorar o fato de que a contenção da epi-
demia da AIDS adentra, hoje, um novo patamar. Não há como
ignorar, tampouco, o crescente número de desafios que co-
meçam a se impor.
Como estabelecer uma logística eficiente em escala
mundial para identificar milhões de indivíduos infectados e
tratá-los precocemente? Existem recursos suficientes para
isso? A prescrição de antirretrovirais em grande escala não irá
aumentar a resistência do HIV?
Não são poucas as questões. O que, de certo modo, não
deveria surpreender ninguém. Quando se trata de ciência, no-
vas solução trazem, via de regra, novos problemas também.
Nesse sentido, gravitam aspectos pertinentes à nutri-
ção na Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV/AIDS) .
Se por um lado a terapia antirretroviral de alta eficácia (HAART,
do inglês: highly active antiretroviral therapy) melhorou dra-
maticamente a qualidade e a expectativa de vida desses pa-
cientes, por outro, intermediou o surgimento de comorbidades
metabólicas associadas a um aumento do risco cardiovascu-
lar. É sobre esse e outros aspectos vinculados à terapia nutri-
cional na SIDA que a nutricionista Celma Muniz Martins [a] e a
médica Simone Tenore [b], ambas da Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP), falam à Nestlé.Bio.
A palavra de Celma Muniz Martins e Simone Tenore
Em seu editorial de dezembro de 2011, a revista Science anunciou aquela que, no seu entender, era a mais importante descoberta científica do ano. Cotejada há tanto tempo pela comunidade científica, a hipótese de que o tratamento precoce com antirretrovirais poderia diminuir a transmissão do HIV estava finalmente provada.
a Nutricionista do ambulatório de Infectologia e do Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP.
b Médica do Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS – SP, Mestre em Infectologia e preceptora dos residentes de Infectologia da UNIFESP.
Aspectos nutricionais na Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
6 palavra
Quais as principais causas de desnutrição na SIDA?
O HIV pode provocar ou agravar a desnutrição pela diminui-
ção da ingestão alimentar, por um aumento das necessidades
energéticas e por afetar negativamente a absorção e o meta-
bolismo de nutrientes. Existem dois modelos de desnutrição
na SIDA: (i) a desnutrição proteico-calórica que se desenvolve
pela ausência ou redução da utilização de um nutriente, que
pode ser causada quando a ingestão alimentar é inferior às ne-
cessidades energéticas totais ou quando há má absorção de
nutrientes e (ii) a síndrome wasting, com perda involuntária de
peso corporal, sobretudo de tecido muscular.
O que caracteriza a síndrome wasting?
A síndrome wasting é definida como uma perda inexplicável
de mais de 10% do peso corpóreo, acompanhada de febre e
diarreia, não atribuíveis a outras condições associadas à SIDA,
como, por exemplo, as infecções oportunistas. Nesse contexto,
a perda de mais de 30% do peso corporal ideal está associada
com maior progressão da doença e maior taxa de mortalidade.
O que dizem os estudos sobre a qualidade da dieta de pacientes
portadores de HIV no Brasil?
O padrão alimentar é insatisfatório, especialmente entre aqueles com
anormalidades metabólicas e excesso de peso. Os dados são semelhan-
tes, quanto a porcentagem de sobrepeso e de obesidade, a estudos ameri-
canos e alguns estudos europeus [5-7].
Sobrepeso e obesidade já representam um problema de saúde
concreto para esta população?
Nos últimos anos, temos observado um claro aumento de sobrepeso e
obesidade, semelhante ao que tem ocorrido na população não infectada
pelo HIV. Já em 2004, um estudo realizado com 223 pacientes eviden-
ciou uma prevalência de 30,5% de sobrepeso e de 12,6% de obesidade
abdominal nesta população. Atualmente, a obesidade é o desvio do es-
tado nutricional mais importante, superando a desnutrição no grupo de
indivíduos portadores do HIV/AIDS em uso de HAART [5].
O que é a HAART e como ela impactou o prognóstico da infecção
pelo HIV?
A HAART é definida pela associação de antirretrovirais de classes diferen-
tes com o objetivo de suprimir a replicação viral e proporcionar o incre-
mento de linfócitos T CD4+, com melhora do sistema imunológico. Após
a sua introdução observamos uma redução significativa na morbidade
e mortalidade relacionada à SIDA. Com ela, a sobrevida hoje é próxima à
da população geral, além da melhora da qualidade de vida, a despeito dos
efeitos colaterais. Nesse sentido, é importante notar que a incidência de
desnutrição diminuiu muito com a introdução da HAART [8].
Quais os principais efeitos colaterais causados por ela?
Os antirretrovirais levam ao desenvolvimento de síndrome metabólica
(composta por dislipidemia e intolerância à glicose) que pode levar
ao desenvolvimento de diabetes, obesidade centrípeta e acúmulo de
gordura visceral, responsáveis por um grande aumento do risco cardio-
vascular. Outro efeito é a lipoatrofia, que consiste em redistribuição da
gordura corpórea, levando à diminuição de gordura na face, membros
superiores e inferiores.
Como a doença influencia o estado nutricional e o metabo-
lismo do paciente?
O paciente portador de HIV/AIDS tem alterações metabólicas
que promovem catabolismo proteico e alterações no metabo-
lismo dos ácidos graxos. Durante a resposta de fase aguda, ci-
tocinas pró-oxidantes são produzidas, levando a um aumento
da utilização de vitaminas antioxidantes, tais como vitamina A,
C e E, de forma a compensar o stress oxidativo [2,3]. Alguns
estudos demonstraram uma depleção de vitaminas do comple-
xo B, particularmente B2, B6 e B12 em indivíduos infectados
pelo HIV [4]. Essas vitaminas são importantes para um bom
funcionamento do sistema imunológico e sua deficiência está
relacionada a uma alta progressão da doença.
O paciente portador de HIV/AIDS tem alterações metabólicas que promovem catabolismo proteico e alterações no metabolismo dos ácidos graxos
palavra 7
A terapia nutricional pode contribuir para a redução desses efeitos?
A terapia nutricional pode minimizar os efeitos da HAART no que diz res-
peito às alterações lipídicas, à intolerância à glicose e à diminuição do
risco cardiovascular. Como alguns medicamentos da HAART podem in-
terferir na absorção e utilização de nutrientes, um bom planejamento nu-
tricional pode contribuir, também, para um melhor equilíbrio metabólico.
De maneira global, qual o objetivo da terapia nutricional e quando ela
está indicada?
O objetivo da terapia nutricional é avaliar a dieta, adequando-a de acor-
do com as necessidades nutricionais e dietoterápicas, levando em con-
ta os hábitos, o estágio da doença e as condições clínicas do paciente.
Espera-se que, após a adoção de condutas adequadas, ocorra a manuten-
ção ou a normalização dos indicadores do estado nutricional. Todo pacien-
te que faz parte de programas de controle e tratamentos de HIV/AIDS deve
ser indicado à terapia de intervenção nutricional.
Existe uma recomendação específica para macronutrientes?
A ingestão de macronutrientes, em proporções adequadas, deve ser a
mesma recomendada para a população geral adulta. Se houver neces-
sidade de ganho de peso, deve-se aumentar o aporte proteico [9]. No
caso de pacientes com obesidade e alteração do perfil lipídico, deve-se
restringir o consumo de lipídeos. A ingestão adequada de carboidratos,
entre 50% e 60%, é importante para evitar o uso de proteínas como subs-
trato energético [9,10].
E em relação aos micronutrientes?
A deficiência de micronutrientes causada por má alimentação, má ab-
sorção, interação farmacológica, estado metabólico alterado e perda de
fluidos por diarreia e vômitos é comum em portadores de HIV/AIDS. Estes
indivíduos podem apresentar deficiências específicas das vitaminas A,
B6, B12, C e E. A deficiência de ferro e a de folato também são comuns
[9,11], assim como a de selênio e zinco, relacionadas com alterações da
resposta imune com diminuição do CD4 e progressão da doença.
As recomendações gerais para vitaminas e minerais devem seguir a RDA
(do inglês Recommended Dietary Allowance), no caso de estabilidade da
doença. Embora exista a possibilidade de que elevadas doses de vitaminas e
minerais possam beneficiar pacientes HIV/AIDS, os estudos disponíveis são
pequenos e de curta duração, não existindo um consenso em relação a isso.
Existem evidências que justifiquem uma suplementação
dietética com ácidos graxos ômega-3?
Todos os ensaios clínicos que avaliaram a suplementação com áci-
dos graxos ômega-3 indicam um impacto positivo na redução dos
níveis de triglicérides séricos, principalmente quando acompanha-
dos de dieta adequada, evidenciando outra importante abordagem
terapêutica no manejo da hipertrigliceridemia [12-14].
E quanto à L-glutamina?
A suplementação dietética de L-glutamina tem se mostrado
benéfica na diarreia associada à HIV/AIDS, mitigando a perda
de eletrólitos e água. Ao mesmo tempo em que reduz o cata-
bolismo muscular, a glutamina serve como substrato energéti-
co para o enterócito e células do sistema imune, contribuindo
para a integridade da mucosa. Estudos sugerem que a glutami-
na previne a translocação de bactérias ou toxinas do lume in-
testinal para a circulação sistêmica e que sua suplementação
regula a utilização de aminoácidos pelas bactérias intestinais,
aumentando sua oferta na circulação [15,16].
A ingestão adequada de carboidratos, entre 50% e
60%, é importante para evitar o uso de proteínas
como substrato energético
Os probióticos podem contribuir de alguma maneira para
modular a doença?
O uso de probióticos contribui para a manutenção da microbiota
intestinal, o que concorre para um aumento da defesa imunoló-
gica da mucosa. Dessa maneira, os probióticos atuam contra a
colonização e a translocação de micro-organismos patogêni-
cos. Recentemente, um estudo conduzido por Hummelen e cols.
(2012) verificou que a suplementação com probióticos não se
acompanha de um aumento de CDA. No entanto, Cunningham-
-Rundles e cols. (2011) sugerem que bactérias probióticas pos-
sam estabilizar essa subpopulação de linfócitos T [17,18].
8 palavra
Do ponto de vista nutricional, quais aspectos dife-
renciam pacientes adultos de crianças portadoras
de HIV/AIDS?
As crianças portadoras do HIV são privadas do alei-
tamento materno. Em razão disso, têm uma composição des-
favorável da microbiota intestinal e ficam mais suscetíveis a
infecções. As crianças apresentam ainda um maior risco de má
absorção da lactose e de nutrientes que pode prejudicar seu
crescimento e desenvolvimento.
Quais os métodos mais indicados para avaliação nutricional
de pacientes com HIV/AIDS?
Entre os mais utilizados na prática clínica estão aqueles que
fornecem índices de adiposidade, como prega cutânea do trí-
ceps (PCT), índice de massa corpórea (IMC) e área de gordura
do braço. E, também, aqueles que avaliam a reserva proteica do
organismo como a circunferência e área muscular do braço (CB
e AMB). Tradicionalmente o resultado obtido pela comparação
da massa corporal em função da estatura (IMC) era tido como
um padrão para a avaliação do perfil antropométrico. Vários fa-
tores contribuíram para isso, como sua fácil aplicabilidade e o
baixo custo do método. Porém, para obtenção de melhores re-
sultados, é importante que se correlacionem os valores de IMC
com outras medidas independentes de composição corporal, a
massa de gordura corporal (MGC) ou o percentual de gordura
corporal (% GC). O nutricionista pode fazer isso por meio de um
adipômetro ou de um aparelho de bioimpedância.
Na experiência do seu grupo, qual o impacto do trabalho
colaborativo de médicos e nutricionistas no cuidado de
pacientes com HIV/AIDS?
O trabalho conjunto auxilia a adequação da dieta à condição
social e aos hábitos do paciente, e contribui para que ele tenha
uma melhor percepção da importância da alimentação saudá-
vel. Nossos pacientes em acompanhamento nutricional tiveram significativa redu-
ção de triglicérides, glicemia, colesterol total e LDL-colesterol, além de uma melhora
qualitativa e quantitativa da dieta.
No que diz respeito ao binômio nutrição/AIDS, quais as pesquisas mais im-
portantes ora em curso?
Muitos estudos estão voltados para a modulação de distúrbios metabólicos
por meio de intervenções nutricionais, a nutrição no paciente idoso com HIV e
o papel da vitamina D. A nutrigenômica é também uma das linhas de pesquisa
mais importantes no momento.
Uma última palavra sobre ações de curto prazo?
É fundamental que médicos e nutricionistas atuem de maneira coordenada
no controle do sobrepeso e da obesidade nesta população a fim de promo-
ver uma redução concreta do risco cardiovascular.
[1] Cohen MS, Chen YQ, McCauley M, et cols. Prevention of HIV-1 infection with early antiretroviral therapy. N Engl J Med. 2011 Aug 11;365(6):493-505. [2] Colecraft E. HIV/AIDS: nutritional implications and impact on human development. Proc. Nutr. Soc. 2008 Feb;67(1):109-13. [3] Friis H. Micronutrients and HIV infection: a review of current evidence. WHO, Department of Nutrition for Health and Development, 2005. disponível em: http://www.who.int/nutrition/topics/PN2_Micronutrients_Durban.pdf. [4] Piwoz EG, Bentley ME. Women’s voices, women’s choices: the challenge of nutrition and HIV/AIDS. J Nutr. 2005;135(4):933-7. [5] JAIME, Patrícia Constante et al. Prevalência de sobrepeso e obesidade abdominal em indivíduos portadores de HIV/AIDS, em uso de terapia antirretroviral de alta potência. Rev. bras. epidemiol. [online]. 2004, vol.7, n.1, pp. 65-72. ISSN 1415-790X. [6] Hendricks, K.M., Willis, K., Houser, P. & Jones, C. Y. Obesity in HIV-infection: dietary correlates. J. Am. Coll. Nutr. 2006;25, 321 – 331. [7] Duran ACFL, Almeida LB. Segurado AAC, Jaime PC. Diet quality of persons living with HIV/AIDS on highly active antiretroviral therapy. J. Hum. Nutr. Diet . 2008, 21, pp. 346 – 350. [8] Pinto, Vânia Eugénia Melo. Desnutrição no doente com infecção VIH/SIDA: Monografia : Undernutrition in patients with infection HIV/AIDS. Tese de Licenciatura. Universidade do Porto.2009. [9] Forrester JE & Sztam KA. Micronutrients in HIV/AIDS: is there evidence to change the WHO 2003 recommendations? Am. J. Clin. Nutr. 2011; 94 (suppl):1683S – 9S. [10] Expert Panel on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Cholesterol In Adults (Adult Treatment Panel III). Executive Summary of The Third Report of The National Cholesterol Education Program (NCEP). JAMA. 2001; 285: 2486–2497. [11] Fawzi W, Msamanga G, Spiegelman D, Hunter DJ. Studies of Vitamins and Minerals and HIV Transmission and Disease Progression. J. Nutr. 2005; 135: 938–944. [12] Peters BS, Wierzbicki AS, Moyle G, Nair D, Brockmeyer N. The Effect of a 12-Week Course of Omega-3 Polyunsaturated Fatty Acids on Lipid Parameters in Hypertriglyceridemic Adult HIV-infected Patients Undergoing HAART: A Randomized, Placebo-Controlled Pilot Trial. Clin. Ther. 2012;34:67 – 76. [13] Chapman MJ, Ginsberg HN, Amarenco P, et al. Triglyceriderich lipoproteins and high-density lipoprotein cholesterol in patients at high risk of cardiovascular disease: evidence and guidance for management. Eur Heart J. 2011;32:1345 – 1361. [14] Wohl D, Tien H, Busby M, Cunningham C, Macintosh B, Napravnik S, et al. Randomized study of the safety and efficacy of fish oil (omega-3 fatty acid) supplementation with dietary and exercise counseling for the treatment of antiretroviral therapy-associated hypertriglyceridemia. Clin Infect Dis. 2005; 41(10):1498-504. [15] Valencia E, Marin A, Hardy G. Impact of Oral L-Glutamine on Glutathione, Glutamine, and Glutamate Blood Levels in Volunteers. Nutrition 2002; 18:367 – 370. [16] Dai ZL, Li XL, Xi PB, Zhang J, Wu G, Zhu WY. L: Glutamine regulates amino acid utilization by intestinal bacteria. Amino Acids. 2012 Mar 24. [Epub ahead of print]. [17] Hummelen R, Hemsworth J, Changalucha J, Butamanya NL, Hekmat S, Habbema JD, Reid G. Effect of micronutrient and probiotic fortified yogurt on immune-function of anti-retroviral therapy naive HIV patients. Nutrients. 2011;3(10):897-909. [18] Cunningham-Rundles S, Ahrné S, Johann-Liang R, Abuav R, Dunn-Navarra AM, Grassey C, Bengmark S, Cervia JS. Effect of probiotic bacteria on microbial host defense, growth, and immune function in human immunodeficiency virus type-1 infection. Nutrients. 2011;3(12):1042-70.
reFerênCIAS
Leia na íntegra o trabalho Prevention of HIV-1 Infection with Early Antiretroviral Therapy, publicado no New England Journal of Medicine (2011).
Assista ao congresso “The Beginning of the End of AIDS” realizado na Universidade George Washington (EUA), em dezembro de 2011.
Conheça o documento "Terapia Nutricional na Síndromeda Imunodeficiência Adquirida (HIV/AIDS)" elaborado pelo Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina.
www.nestle.com.br/nestlenutrisaude/NestleBio.aspx
calendário>> Ao patrocinar e divulgar encontros científicos na área de Nutrição, a Nestlé
espera contribuir para que os profissionais de saúde possam debater e compartilhar suas experiências a partir da produção acadêmica mais recente. Confira alguns dos principais eventos que vão ocorrer nos próximos meses.
set.XVI Congresso Brasileiro de
Nutrologia >> 19 a 21
Paralelamente, acontecem o XVII Simpósio de Obesidade e Síndrome Metabólica, o X Annual Meeting International Colleges for Advancements of Medical Nutrition e o IX Fórum de Direito Humano à Alimentação Adequada. O evento é organizado pela Associação Brasileira de Nutrologia e será sediado em São Paulo (SP). Para mais informações e inscrições: www.mzpublicidade.com.br/congresso_2012/
XXII Congresso Brasileiro de
Nutrição >> 26 a 29
Com o tema central “Alimentação Adequada e Sustentabilidade Social”, o CONBRAN 2012 abordará novidades dos vários segmentos da Nutrição. Será sediado em Recife (PE) e englobará também o III Congresso Ibero-Americano de Nutrição, II Simpósio Ibero-Americano de Nutrição Esportiva, I Simpósio Ibero-Americano de Produção de Refeições e I Simpósio Ibero-Americano de Nutrição Clínica Baseada em Evidências. As inscrições podem ser feitas pelo site: www.asbran.org.br/conbran/
jun.V Congresso Brasileiro de Nutrição e Câncer
(CBNC) >> 20 a 23
Este encontro está focado nos avanços e nas novas perspectivas da nutrição no tratamento multimodal do câncer e ocorre simultaneamente ao Ganepão 2012, ao III International Conference of Nutritional Oncology (ICNO) e à II Edição do Prêmio Pedro Kassab – que contempla os melhores trabalhos em Nutrição Clínica e Nutrição e Câncer. O programa preliminar e as informações para inscrição estão disponíveis no site: www.ganepao.com.br
ago.16th World Congress of Food Science and Technology >> 5 a 9
Realizado pela primeira vez na América Latina, o congresso tem, nesta edição, o objetivo de promover a cooperação internacional entre cientistas e especialistas em alimentos. Acontece em Foz do Iguaçu, simultaneamente ao XVII Latin American Seminar of Food Science and Technology, ao Prêmio Jovem Cientista e ao Prêmio Global da Indústria de Alimentos. Para mais informações e inscrição on-line acesse: www.iufost.org.br
69° Curso Nestlé de Atualização em Pediatria >> 14 a 17
A próxima edição deste que é um dos mais tradicionais eventos da pediatria brasileira acontecerá no Rio de Janeiro (RJ). Os temas abordados são aqueles de relevância para o dia a dia dos médicos, tais como: nutrição, gastroenterologia, neonatologia, alergia, segurança da criança e do adolescente, entre outros. Para inscrições e acesso à programação científica, visite www.cnap2012.com.br/
VI Jornada de Atualização em Nutrição Pediátrica >> 23 a 25
A cidade de São Paulo receberá profissionais de saúde envolvidos e interessados em temas de nutrição em pediatria e alergia alimentar. O evento é organizado pelo Grupo de Apoio a Portadores de Necessidades Nutricionais Especiais (Instituto Girassol) e ocorre simultaneamente ao IV Simpósio Internacional de Alergia Alimentar. Para mais informações visite: www.girassolinstituto.org.br/ v-jornada-de-atualizacao-em-nutricao-pediatrica-e-iii-simposio-internacional-de-alergia-alimentar/
V Congresso Gaúcho de Atualização em
Pediatria >> 27 a 30
Simultaneamente, acontece o III Simpósio Sul-Americano de Pediatria. O objetivo central do encontro é a abordagem de temas que fazem parte da prática pediátrica em consultórios, ambulatórios e salas de emergência em hospitais. Durante o pré-congresso será realizado o tradicional Fórum de Valorização do Pediatra, aberto à participação de todos. Para mais informações e programação científica visite: www.gauchopediatria.com.br/
foco
por_Claudio Galperin
foto_Thinkstock e Shutterstock
A descoberta da Chia
O elevado teor de proteínas de alto valor biológico, de ácido alfa-linolênico e de fibras alimentares constitui uma das principais virtudes nutricionais da chia.
foco 11
A Mesoamérica é uma região que inexiste nas divisões clássicas da América. Do
ponto de vista político temos a do Sul, a Central e a do Norte. Segundo critério linguís-
tico-cultural, a Latina – que inclui o México, a América do Sul e a América Central – e a
Anglo-Saxônica, integrada pelos EUA e pelo Canadá. O que nos leva à pergunta: onde fica
a Mesoamérica, então?
O termo, cunhado pelo filósofo e antropólogo alemão Paul Kirchhoff, refere-se a
uma região do continente que inclui o sudeste mexicano, territórios da Guatemala, El
Salvador e Belize, e porções ocidentais da Nicarágua, de Honduras e da Costa Rica. Mais
do que isso, o vocábulo define uma macrorregião com traços culturais bem definidos,
compartilhados por civilizações indígenas da Era Pré-Colombiana – como os olmecas,
os astecas, os toltecas, os teotihuacanos e os maias.
Entre essas características, figuram aspectos arquitetônicos como a construção
de pirâmides e de grandes cidades, o emprego de um sistema de numeração vigesimal
e de uma escrita hieroglífica.
Parte importante da cultura mesoamericana – comparada por muitos ao nível
alcançado pelas grandes civilizações do Velho Mundo – diz respeito, ainda, ao desen-
volvimento da agricultura e à prática religiosa associada a xamãs, deidades naturais e
várias formas de sacrifício, inclusive humano. Na interssecção de ambos encontra-se a
fascinante história da Salvia hispanica L. – a chia.
Hibernação de 5 mil anosAo redor de 6000 a.C., caçadores-coletores que habitavam a Mesoamérica desen-
volveram práticas agrícolas, inicialmente com o cultivo de milho, abóbora e feijão. Esta
atividade, crítica para a transição do nomadismo para a constituição de assentamen-
tos urbanos, incluiu, séculos mais tarde, a domesticação da chia também.
Se por um lado suas propriedades nutricionais e mesmo medicinais renderam a
ela um lugar de destaque no cotidiano dos povos mesoamericanos, seu uso em rituais
pagãos fez com que os conquistadores espanhóis do final do século 15 e início do sé-
culo 16 limitassem seu plantio, condenando-a a um longo período de ostracismo.
Essa situação se reverteria de maneira ruidosa
recentemente, sobretudo a partir de 2010, quando a
chia tornou-se um dos mais espetaculares fenômenos
midiáticos na categoria dos chamados “alimentos que
precisamos comer.”
O elevado teor de proteínas de alto valor biológico,
de ácido alfa-linolênico (ALA), de fibras alimentares e
de minerais como cálcio, magnésio e potássio não dei-
xa dúvida a respeito das virtudes nutricionais da chia.
Haveria, contudo, uma base científica para justificar sua
tão alardeada indicação para condições clínicas que vão
do diabetes a doenças cardiovasculares?
As alegações e os estudos clínicos e experimentais
Em setembro de 2009, pesquisadores do Natural
Standard Research Colaboration dos EUA publicaram
uma extensa revisão da literatura sobre a chia com foco
na eficácia em seres humanos, dosagem, efeitos adver-
sos, utilização durante a gravidez e lactação, alteração
de ensaios laboratoriais e mecanismos de ação [1].
De acordo com ela – e com estudos clínicos e ex-
perimentais publicados desde então –, há um possível
efeito benéfico da S. hispanica em doenças neoplásicas,
doença arterial coronariana, hiperlipidemia, hipertensão
arterial, acidente vascular cerebral e diabetes.
12 foco
Existe, ainda, a sugestão de que a chia possa promover um aumento da performance
em atletas [2], diminuir o prurido em pacientes com doença renal terminal [3] e exer-
cer um efeito anticoagulante, antioxidante e antiviral [1]. Nos trabalhos clínicos, as
doses empregadas costumam variar entre 30 g e 40 g diárias de chia [1].
De modo geral, no entanto, essas evidências são, quando muito, inconclusivas.
Este é o caso, por exemplo, das pesquisas que examinam o impacto da S. hispanica em
fatores de risco para doenças cardiovasculares como a obesidade.
A condução de mais e melhores protocolos de pesquisa, que esclareçam o papel
da chia no tratamento ou na prevenção de qualquer uma das condições citadas, é tão
necessária quanto bem-vinda. Sobretudo quando se leva em conta seu valor nutricio-
nal e a segurança de seu consumo por indivíduos não alérgicos a ela [1]. Enquanto
aguardamos por eles, vejamos qual o racional por trás das hipóteses mais comumente
testadas no presente.
ObesidadeA ideia de que a chia pode contribuir para a perda de peso apoia-se na observação
de que ela aumenta cerca de 12 vezes de tamanho quando em contato com a água e
outros líquidos – o que levaria a uma lentificação do esvaziamento gástrico e a um
aumento da saciedade intermediada pelo sistema neuroendócrino.
Os estudos clínicos disponíveis – que avaliam, entre outros parâmetros, a ima-
gem corporal por absorciometria de feixe duplo, marcadores inflamatórios (como Pro-
teína-C reativa, Interleucina-6 e Fator de Necrose Tumoral Alfa) e de stress oxidativo
Preservados até hoje, dois códices do século 16 reú-
nem de maneira admirável a história da cultura Pré-
-Colombiana: o Códex Fiorentino – coordenado pelo
frei Franciscano bernardino de Saha-
gún, com suas 2.400 páginas e 2.000
ilustrações – e o Códex de Mendonza,
encomendado para Carlos V, imperador
do Sagrado Império romano e rei da
espanha, vinte anos após a conquista
do México. em ambos, encontramos
referências a pro-
priedades nutricionais, religiosas
e medicinais da chia.
(como Capacidade Antioxidante Total em Equivalência
ao Trolox) – foram incapazes, contudo, de demonstrar,
de maneira inequívoca, esta relação [1,4].
Ainda que a chia revele-se eficaz no combate à obe-
sidade é fundamental esclarecer aqueles que buscam
nela uma ferramenta mágica para emagrecer: perda de
peso está ligada à modificação de gasto de energia corpo-
ral, o que é alcançado, principalmente, com mudança de
hábitos alimentares e prática regular de atividade física.
Diabetes A afirmação de que a ingestão de S. hispanica
está associada a uma melhora dos fatores de risco car-
diovasculares em pacientes com diabetes tipo 2 (DM2)
tem por base investigações clínicas como aquelas reali-
zadas por Vuksan V. e cols [5,6].
Em um estudo randomizado, cego, do tipo crosso-
ver, pacientes receberam chia ou farelo de trigo por 12
semanas, sem alterarem sua medicação convencional.
Os resultados, encorajadores, revelaram uma associa-
ção positiva da chia com redução da pressão sistólica,
foco 13
dos níveis de Proteína-C reativa (PCR) ultrassensível e
do Fator de vonWilebrandt, com significativa diminuição
da hemoglobina glicada (A1C) e de fibrinogênio. Mais
recentemente, o mesmo grupo formularia a hipótese de
que uma redução da glicemia pós-prandial, obtida com a
ingestão de grãos integrais de chia, explicaria, em parte,
os efeitos cardioprotetores em pacientes com DM2 [6].
Doenças neoplásicasA presunção de que a S. hispanica possa exercer
algum impacto no câncer provem da observação de
que dietas que têm por base seu óleo podem diminuir
a taxa de mitose e aumentar a apoptose e a infiltração
de células T em neoplasias mamárias experimentais de
camundongos [7]. O fato de que a chia está associada à
inibição do crescimento tumoral e de metástases neste
modelo animal, embora encorajador, está longe de per-
mitir qualquer inferência a respeito de uma possível ati-
vidade antitumoral em seres humanos.
HiperlipidemiaEm razão de seu alto teor em ácidos graxos ômega-3 e de fibras alimentares, a
hipótese de que a chia possa influenciar positivamente quadros de hiperlipidemia e de
resistência à insulina (RI) tem sido testada.
Após induzir tais condições em ratos Wistar – alimentados com uma dieta rica em
sacarose (DRS) por 3 meses – Chicco AG. e cols. conduziram dois experimentos conce-
bidos para avaliar: (i) a capacidade de prevenir dislipidemia e RI em ratos alimentados
durante 3 semanas com DRS e (ii) a efetividade de sementes de chia na melhora ou
reversão dessas anormalidades metabólicas após 3 meses de DRS [8].
Os resultados mostraram que a chia foi eficiente em prevenir dislipidemia e RI em
ratos alimentados com DRS por 3 semanas (sem alteração da glicemia) e normalizar a
dislipidemia e a RI ao ser introduzida entre os meses 3 e 5 da dieta com DRS. De grande
importância, a chia mostrou-se efetiva, também, na redução da adiposidade viceral dos
animais submetidos à DRS.
Em fevereiro de 2012, um grupo de pesquisadores australianos também mos-
trou que a chia atenua sinais metabólicos, hepáticos e cardiovasculares causados por
um dieta rica em gorduras e carboidratos [9]. Comparados com o grupo alimentado
com esta dieta, os ratos suplementados com sementes de chia exibiram melhora da
sensibilidade à insulina e da tolerância à glicose, redução da adiposidade visceral, da
esteatose hepática e da inflamação cardíaca e hepática, sem que houvesse alteração
lipídica plasmática ou da pressão arterial.
Significativamente, observaram ainda uma importante redistribuição lipídica com
depleção de produtos da enzima Stearoyl-CoA-Desaturase-1. Enquanto C18:1trans-7
armazenou-se preferencialmente no tecido adiposo, o relativamente inerte C18:1n-9 o
fez em órgãos sensíveis como o fígado e o coração.
Quantidade por porção % VD*
Valor energético 15,8 kcal = 66,2 kJ 1%
Carboidratos 0,3 g 0%
Proteínas 0,5 g 1%
Gordura total 1,5g 2%
Saturada 0,2 g 1%
Monoinsaturada 0,6g **
Poli-insaturada 0,6g **
ômega-3 6,6 mg **
ômega-6 632 mg **
Fibra dietética 0,3 g 1%
Sódio 1,2 mg 0%
Cálcio 1,5 mg 0%
Ferro 0,2 mg 1%
Magnésio 8,6 mg 2%
Fósforo 16,7 mg 2%
Potássio 9,3 mg 0%
Zinco 0,2 mg 1%
Selênio 2,4 mcg 3%
Vitamina A 1,6 IU 0%
Niacina 0,1 mg 1%
Folato 2,9 mcg 1%
Fonte: USDA National Nutrient Database for Standard Reference. * %Valores diários de referência com base em uma dieta de 2.000 kcal ou 8.400 kJ. Seus valores diários podem ser maiores ou menores dependendo de suas necessidades energéticas. **VD não estabelecido
Informação nutricional – Porção de 2 g (1 colher de sopa)
Síndrome metabólica A conjectura de que certas dietas podem contribuir para uma melhora da síndro-
me metabólica (SM) apoia-se no fato de que fatores de risco para doenças cardiovas-
culares e diabetes, associados a ela, podem ser modulados positivamente pela adoção
de certos padrões alimentares.
Com base nisso, Guevara-Cruz M. e cols. avaliaram o efeito de uma dieta-padrão (DP)
composta por chia, proteína de soja, aveia e figo da Índia sobre marcadores bioquímicos da
SM, intolerância à glicose (IG) e área sob a curva (AUC) para glicose e insulina [10].
No estudo randomizado, os participantes seguiram
sua alimentação habitual, exceto por uma redução de
500 kcal, ao longo de 2 semanas. Em seguida, esta dieta
foi suplementada por uma bebida placebo (n=35) ou por
outra contendo a DP (n=32) – e consumida por 2 meses.
Todos os participantes apresentaram significativa
redução de peso, do índice de massa corporal e da cir-
cunferência da cintura no período de estudo. No entanto,
apenas o grupo submetido à DP exibiu diminuição sérica
de triglicérides, PCR e AUC para insulina e IG.
O estudo evidenciou, ainda, uma intrigante relação
entre a resposta à DP e um certo polimorfismo associado
a SM. Curiosamente, os indivíduos com a variante ABCA1
R230C exibiram elevação significativamente maior da
concentração de adiponectina do que aqueles com a
variante ABCA1 R230R. Produzida pelo tecido adiposo,
a adiponectina é uma citocina que, em níveis elevados,
está associada à maior sensibilidade insulínica, beta-
oxidação e proteção cardiovascular. Em contrapartida,
vários estudos apontam a associação de hipoadiponec-
tinemia ao surgimento de várias comorbidades perten-
centes ao universo da SM [11].
14 foco
Uma possível ação da chia na SM ainda carece, é claro, de investigações mais
aprofundadas. Ainda assim, o estudo em questão reforça a ideia de que alterações no
estilo de vida, envolvendo nutrição personalizada, podem ser mais efetivas se forem
levadas em conta as variações genéticas da população.
Cozinhando com chiaSubstituir ingredientes menos nutritivos por outros de maior valor nutricional –
sem comprometer o sabor das receitas – é uma prática de relevância para se constituir
uma dieta saudável. A chia é particularmente interessante dentro dessa lógica; sobre-
tudo se considerarmos sua grande capacidade para reter água e óleo – características
que fazem dela uma canditada natural como aditivo para produtos panificados e como
emulsão alimentar [12].
Em um estudo recente, observou-se que o gel de chia pode substituir até 25% da
quantidade de ovos ou de óleo em bolos, originando um produto com melhor balanço
nutricional, sem diferença significativa em termos de cor, textura e sabor [13].
Receitas de pão utilizando diferentes proporções de farinha de trigo integral e de
linhaça enriquecidas com ácido fólico e sementes de chia também foram desenvolvidas e
testadas com bons resultados, tanto do ponto de vista nutricional quanto sensorial [14].
Como já vimos, a chia possui um elevado teor de proteínas de alto valor biológico.
Destacam-se, por exemplo, suas quantidades de ácido glutâmico, arginina e ácido as-
pártico . Seu perfil de aminoácidos, contudo, revela-se deficiente no que diz respeito
às recomendações da FAO/WHO/UNU para crianças pré-escolares [12]. Em razão dis-
so, sua utilização como fonte de proteína isolada não é recomendada, devendo haver
suplementação com uma fonte rica em lisina, o aminoácido limitante.
Nas prateleiras de lojas de produtos naturais, a chia é encontrada sob a forma de
grão, farinha e óleo.
[1] Ulbricht C, Chao W, Nummy K, et al. Chia (Salvia hispanica): a systematic review by the natural standard research collaboration. Rev Recent Clin Trials. 2009 Sep; 4(3):168-74. [2] Illian TG, Casey JC, Bishop PA. Omega 3 Chia seed loading as a means of carbohydrate loading. J Strength Cond Res. 2011 Jan; 25(1):61-5. [3] Jeong SK, Park HJ, Park BD, Kim IH. Effectiveness of Topical Chia Seed Oil on Pruritus of End-stage Renal Disease (ESRD) Patients and Healthy Volunteers. Ann Dermatol. 2010 May; 22(2):143-8. [4] Nieman DC, Cayea EJ, Austin MD, et cols. Chia seed does not promote weight loss or alter disease risk factors in overweight adults. Nutr. Res. 2009 Jun;29(6):414-8. [5] Vuksan V, Whitham D, Sievenpiper JL, et cols. Supplementation of conventional therapy with the novel grain Salba (Salvia hispanica L.) improves major and emerging cardiovascular risk factors in type 2 diabetes: results of a randomized controlled trial. Diabetes Care. 2007 Nov; 30(11):2804-10. [6] Vuksan V, Jenkins AL, Dias AG, et cols. Reduction in postprandial glucose excursion and prolongation of satiety: possible explanation of the long-term effects of whole grain Salba (Salvia Hispanica L.). Eur J Clin. Nutr. 2010 Apr; 64(4):436-8. [7] Espada CE, Berra MA, Martinez MJ, et cols. Effect of Chia oil (Salvia Hispanica) rich in omega-3 fatty acids on the eicosanoid release, apoptosis and T-lymphocyte tumor infiltration in a murine mammary gland adenocarcinoma. Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids. 2007 Jul; 77(1):21-8. [8] Chicco AG, D’Alessandro ME, Hein GJ, et al. Dietary chia seed (Salvia hispanica L.) rich in alpha-linolenic acid improves adiposity and normalises hypertriacylglycerolaemia and insulin resistance in dyslipaemic rats. Br J Nutr. 2009 Jan; 101(1):41-50. [9] Poudyal H, Panchal SK, Waanders J, et al. Lipid redistribution by alpha-linolenic acid-rich chia seed inhibits stearoyl-CoA desaturase-1 and induces cardiac and hepatic protection in diet-induced obese rats. J Nutr Biochem. 2012 Feb; 23(2):153-62. [10] Guevara-Cruz M, Tovar AR, Aguilar-Salinas CA, et al. A dietary pattern including nopal, chia seed, soy protein, and oat reduces serum triglycerides and glucose intolerance in patients with metabolic syndrome. J Nutr. 2012 Jan; 142(1):64-9. [11] Garg MK, Dutta MK, Mahalle N. Adipokines (adiponectin and plasminogen activator inhhibitor-1) in metabolic syndrome. Indian J Endocrinol Metab. 2012 Jan; 16(1):116-23. [12] Olivos-Lugo BL, Valdivia-López MÁ, Tecante A. Thermal and physicochemical properties and nutritional value of the protein fraction of Mexican chia seed (Salvia hispanica L.). Food Sci Technol Int. 2010 Feb; 16(1):89-96. [13] Borneo R, Aguirre A, León AE. Chia (Salvia hispanica L) gel can be used as egg or oil replacer in cake formulations. J Am Diet Assoc. 2010 Jun; 110(6):946-9. [14] Justo MB, Alfaro AD, Aguilar EC, et cols. Integral bread development with soybean, chia, linseed, and folic acid as a functional food for women. Arch Latinoam Nutr. 2007 Mar; 57 (1):78-84.
reFerênCIAS
Conheça o perfil completo dos aminoácidos da chia e aprenda inúmeras maneiras de incorporá-la a uma dieta saudável.Confira as belíssimas ilustrações dos códices Fiorentino e de MendonzaConheça algumas receitas feitas com chia
www.nestle.com.br/nestlenutrisaude/NestleBio.aspx
ponto de vista
HELLEN DANIELA DE SOUSA COELHONutricionista, Mestre e Doutora em Saúde Pública pela FSP/USP, Professora Titular e Coordenadora do curso de Nutrição da UNIP.
ISA MARIA DE GOUVEIA JORGENutricionista, Doutora em Ciências na área de Nutrição em Saúde Pública pela FSP/USP e responsável pela supervisão de Saúde e Nutrição das creches e pré-escolas da COSEAS/USP.
Recentemente, o CRN–3 normatizou a atuação
do nutricionista em relação a dietas de exclusão do
glúten, complexo proteico encontrado nos produtos
que contêm trigo, centeio, aveia e cevada. O glúten
é formado pela hidratação das proteínas gliadinas do
grupo das prolaminas – e das glutelinas. Na panifi-
cação e no preparo de massas, as gliadinas são res-
ponsáveis pela viscosidade e as glutelinas pela elasti-
cidade. As prolaminas em geral representam 50% da
quantidade total do glúten e diferem de acordo com o
tipo de cereal: gliadina no trigo, secalina no centeio,
hordeína na cevada e avenina na aveia.
A restrição do consumo do glúten só deve ser
feita em situações estritamente necessárias, como é
o caso da doença celíaca, da dermatite herpetiforme,
da alergia ao glúten e da sensibilidade ao glúten. Para
tanto, é preciso obter o diagnóstico dessas doenças,
competência que cabe exclusivamente ao médico
(Parecer do CRN-3).
O diagnóstico da doença celíaca é complexo,
requer a biópsia de duodeno e exames relacionados
à imunidade com dosagem de anticorpos específicos.
Anemia que não responde ao tratamento com ferro,
deficiência de folatos e vitamina B12, linfoma, baixa
estatura, osteoporose, urticária crônica autoimune, ar-
trite, miopatias, atraso puberal, esterilidade, abortos de
repetição, neuropatia periférica, demência, depressão,
constipação crônica, úlcera aftosa recorrente, perda
de peso sem causa aparente são sintomas entre outros
que podem estar associados à manifestação da doen-
ça celíaca. Já a sensibilidade ao glúten é definida para
aqueles pacientes em que a doença celíaca e a alergia
ao glúten foram excluídas e que os sintomas ocorrem
após a exposição a esse complexo proteico.
Uma dieta sem glúten é muito difícil de ser se-
guida pelo paciente uma vez que restringe ou retira
a possibilidade de uma convivência social permeada
pela cultura alimentar. Desenvolver preparações isen-
tas de glúten também é um desafio. Além de ter de
substituir ingredientes que contêm glúten por outros
que sejam isentos como farinha de arroz ou mandio-
ca, amido de milho, fubá, polvilho e fécula de batata,
é preciso pesquisar e empregar outras técnicas de pre-
paro que contribuam para as características sensoriais
desejadas no produto. Na doença celíaca, a retirada do
glúten é permanente. Daí a importância do nutricio-
nista na conscientização do paciente sobre a doença,
seguimento da dieta e de oferecer opções alimentares
que contribuam para a alimentação saudável.
Ao se retirar indiscriminadamente o glúten da
dieta de pacientes com a finalidade de promover o
emagrecimento ou a diminuição dos níveis de coles-
terol plasmáticos, um sucesso imediato até é possível,
visto que mudanças radicais na dieta podem levar a
alterações metabólicas do organismo. Porém, é pre-
ciso enfatizar que a retirada de glúten restringe o
consumo de diversas preparações alimentícias que
têm um alto consumo pela população brasileira e que
são uma das principais fontes de carboidratos e de
energia da dieta. Produtos à base de farinha de trigo
têm seu uso tão habitual que ela foi eleita um dos
principais veículos na fortificação de alimentos para
o combate da anemia no Brasil.
É papel do nutricionista preservar, ao máximo, a
alimentação saudável dos pacientes, respeitando sua
identidade cultural e suas preferências alimentares e
tendo como referência o Guia Alimentar para a Popu-
lação Brasileira do Ministério da Saúde. A educação
alimentar, o incentivo aos hábitos alimentares e o es-
tilo de vida saudável são condutas que, no longo pra-
zo, asseguram aos indivíduos uma melhor qualidade
de vida, preservando sua cultura e convivência social.
Portanto, a prescrição de dietas de exclusão de
glúten deve apenas ocorrer em casos em que haja jus-
tificativa fisiopatológica comprovada, e não deve ser
adotada indiscriminadamente na dieta do brasileiro.
Incluir ou não o glúten na dieta?
Conheça o parecer do CRN-3 sobre a restrição ao consumo de glúten:
www.nestle.com.br/
nestlenutrisaude/
NestleBio.aspx
foto_Egydio Zuanazzi
conhecer
De um extremo ao outro do Brasil, cada um dá personalidade a ela ao seu modo.
Muda o tempero, a cor do feijão, a espessura do caldo, o corte do porco, o defumado da lin-
guiça, a pungência do molho. Prato com história cozida com vagar e parcimônia ao longo
dos séculos, desde que os portugueses ancoraram seus navios no Brasil.
A melhor parte do cozido, para além dos feijões, foi justamente o elemento de con-
fusão propagada sobre a suposta origem desta que é, sozinha, uma refeição completa. À
presença dos pertences associou-se um erro histórico: o de que teria sido criada pelos es-
cravos como uma maneira de aproveitar as “partes” do porco dispensadas pelos senhores
e mandadas às senzalas.
Feijoada, um
por _ Gabriela Moraes
Feijoada é comida que pede tempo de assimilação e reflexão.
cardápio completo
conhecer 17
O que é hoje, da maneira como a conhecemos, foi processo longo de mudanças e adaptações. Ou vem sendo, por ser receita de portas abertas, sem dono, e de casa cheia.
em sal e cozidas, lentamente, com feijão. Não o nosso preto ou mulatinho (como a feijoa-
da é feita ainda hoje na Bahia), e sim o branco.
Vale lembrar que o feijão, em Portugal, está presente em mesas camponesas e al-
deãs desde que foi para a Europa, depois do descobrimento da América. Um ingrediente
levado de um continente a outro, uma técnica e uma tradição trazidas para cá. Como ou-
tras tantas na história da alimentação no Brasil – e no mundo.
Condensa “fauna e flora num plano de seleção e (...) graduação calórica de alta pre-
cisão sensível”, como descreve Cascudo este prato, certamente o mais emblemático e
identitário da cozinha brasileira.
A feijoada é, principalmente na visão dos estrangeiros, dos turistas que vêm para
cá, “o” prato do país. Ainda que a culinária de um território tão grande quanto o Brasil
seja tão pródiga em preparos regionais, marcados pelo uso de ingredientes locais como
a mandioca, o milho e seus derivados. A farinha, a goma, o tucupi e a maniva do tubércu-
lo são amplamente empregados na cozinha do Norte, em pratos como o tacacá, o pato
no tucupi e o açaí com peixe e farinha-d’água. Ou o polvilho e os subprodutos do milho
na cozinha mineira, em seus angus e quitandas. O peixe, o coco e o quiabo na culinária
baiana. As frutas locais empregadas no Centro-Oeste, como o pequi, no arroz amarelado lá
preparado. Ou o afamado churrasco, tão cultuado no Sul.
O fato é que os portugueses, grandes admiradores
do sabor das extremidades suínas, já faziam lá um cozido
semelhante ao que hoje bradamos tão nosso e dificilmen-
te desprezariam tais pertences.
Como observa o folclorista e historiador Luís da Câ-
mara Cascudo em seu livro História da Alimentação no Bra-
sil [1], “pela Europa, notadamente latina ou sob sua nobre
influência, há um cozido de várias carnes, vaca, porco, car-
neiro, toucinho, legumes, hortaliças, pato, ganso, batatas,
com maior ou menor variedade, fervendo conjuntamente,
tornando-se prato tradicional, defendido pelo uso popular”.
Refere-se ao cozido português, que encontra para-
lelo no italiano bollito, nos espanhóis olla podrida, puche-
ro e fabada (das Astúrias) e nos franceses cassoulet e
pot-au-fou. Admitidas as diferenças e particularidades –
como o emprego do feijão-branco no cassoulet ou o adoci-
cado essencial dado ao bollito pelo acompanhamento da
mostarda de Cremona –, o cozido de carnes variadas é
um modo de preparo herdado por nós.
O sociólogo Carlos Alberto Dória, em um artigo
sobre a feijoada, questiona como poderia um prato que
“acaba com a gente”, comida pesada e de difícil diges-
tão, servida aos sábados, quando há tempo para “ji-
boiar”, ter sido inventado por escravos? “Criariam coisa
indigesta por vontade própria?”, pergunta-se o autor de
A Formação da Culinária Brasileira [2].
A origem do nosso cozido é atribuída especialmen-
te às regiões da Estremadura, das Beiras e do Alto
Douro, onde o porco era – e ainda é – valoriza-
do e aproveitado integralmente. E, claro,
o prato existia por lá antes mesmo
de os conquistadores portugueses
aportarem no Brasil pela primeira
vez. Todas as partes do animal,
orelhas, pés e rabo, conservadas
Não há como pensar em feijoada sem mencionar a importância da pimenta
18 conhecer18 conhecer
Uma história que começa com o feijãoOriginário da América tropical, da região andina,
o feijão (Phaseolus vulgaris L.) foi levado a Portugal no
século 16. Já fazia parte da alimentação indígena e era
chamado de comandá ou comaná (mesmo nome dado a
outras favas). Porém, como aponta a antropóloga Paula
Pinto e Silva no livro Farinha, Feijão e Carne-seca – Um
Tripé Culinário no Brasil Colonial [4], o consumo da legu-
minosa pelos nativos ocorria de forma secundária. Era
“cultivado em pequena escala nas roças intermediárias
feitas logo após a colheita do milho ou acompanhando
algum outro produto de subsistência”.
Para o paladar africano, segundo Cascudo, o feijão
estava acima do arroz, mas bem longe de ter prestígio
semelhante ao do milho, do amendoim, da mandioca, do
inhame e da macaxeira (aipim).
O fato é que, como diz a autora de Farinha, Feijão
e Carne-seca, “acostumadas aos grãos e cereais cozidos
em caldos gordos, as senhoras brancas encontraram no
feijão todas as qualidades necessárias para dar continui-
dade à tradição” de fazer pratos como o cozido, ao qual
estavam habituadas em seu país.
Aqui, porém, o preparo herdado dos colonizadores
ganhou, literalmente, outra cor. Foi também em solo brasi-
leiro que a feijoada deixou de ter legumes e verduras, dife-
rentemente da abundância de hortaliças empregadas no
cozido luso – no país europeu é feito com feijão-branco,
carne de vaca, fresca e seca, paio, presunto, toucinho,
lombo de porco, couve, repolho, cenoura e abóbora.
No Rio de Janeiro, como assinala Caloca Fernandes em seu livro Viagem Gastro-
nômica Através do Brasil [3], a feijoada “recebeu as bênçãos alegres do feijão-preto”.
O autor aventa a possibilidade de que a leguminosa de coloração escura possa ter sido
introduzida “por uma escrava na cozinha de sua senhora, numa hora de aperto em que
não tivesse encontrado o branco”. Sendo assim, ou não, a questão mais importan-
te a se notar é a maneira como a feijoada se disseminou pelo território nacional,
tornando o feijão-preto, tão caro aos cariocas, elemento essencial em boa
parte do país. Não, entretanto, em estados como a Bahia, em que o cozido
é necessariamente preparado com feijão-mulato (ou mulatinho), o que
dá ao cozido aspecto bem diferente da “feijoada carioca”. Ou brasileira.
No capítulo em que discorre sobre o binômio feijão-farinha, Cascudo
sinaliza que a “feijoada completa terá pouco mais de meio século”, já que
até finais do século 19 era mais modesta e rudimentar – a primeira edição da
obra do antropólogo potiguar é de 1967. “Feijão, charque, tico de toucinho, carne do
sertão, água e sal. Farinha sessada para comer.” As primeiras referências textuais à
feijoada em publicações brasileiras, aliás, são do século 19.
conhecer 19conhecer 19
Por um longo cozimentoDa mesma forma que a história da feijoada foi cozi-
da lentamente e pede reflexão demorada, o preparo desse
cozido rico, necessariamente gordo, untuoso e nutritivo,
é exercício culinário que pede tempo. Vagar. E também
paciência e dedicação.
A demora do cozimento tem motivo de ser. Há ciên-
cia no ponto. Da carne, do feijão, do caldo. Carnes original-
mente rijas, algumas com tendões, previamente limpas
para apartar pelos, peles e gorduras indesejáveis. Coste-
linhas, pedaços de lombo e nacos de carne-seca conser-
vados em sal passam por longo processo de dessalgação.
São demolhadas, com muitas trocas de água, junto de
rabos, orelhas e pés de porco. Perdem o excesso de sal.
Elimina-se também um tanto de gordura. Juntam-se as
carnes verdes, como costumavam ser chamados os cor-
tes frescos. E também as fatias generosas de paios, lin-
guiças e toucinhos. Vão ao fogo baixo até ficarem macias.
Só o suficiente. Aquele ponto preciso, no limiar, em que a
textura ainda é firme, porém não resiste ao trabalho
do garfo. O feijão tem também seu tempo certo de
entrar na panela, para manter a integridade e ponto
de mordida dos grãos que, ao mesmo tempo, doam
ao caldo sua cor, sabor e aroma.
A cozinha dos cozidos é – não há como ser dife-
rente – a cozinha da doação. Do intercâmbio, da troca, da
complexidade e da interação de sabores distintos da tal
flora e fauna. O toque de temperos que nós, brasileiros,
também incorporamos tão intrinsecamente à cozinha do
dia a dia de nossas casas por influência portuguesa.
O refogado de cebola e alho assimilado do modo de fazer luso. O toque de acidez do
vinagre, que ajuda, creem muitos, a tirar algum cheiro indesejável que porventura alguma
carne tenha. E aqui acrescentamos ainda outros cheiros. Há quem ponha, além de uma
folha de louro, um tanto de cominho, uma pimenta.
E, se em algum momento eliminou-se o uso de hortaliças no cozido, por outro lado
acrescentou-se, no serviço, couve refogada em azeite e alho, cortada finamente e apenas
“assustada” no fogo, de maneira a não perder o crocante da folha. Incorporou-se ainda o há-
bito essencial de consumir junto o arroz branco, cozido bem soltinho. E a farofa. Não haveria
como ser diferente. Cultivada em pequenas roças pela população indígena, bem antes da
chegada dos portugueses, a mandioca é a contribuição local ao prato.
As primeiras referências textuais à feijoada, em publicações brasileiras, são do século 19.
Com tudo isso, e também com o hábito de acrescentar um elemento cítrico e outro
picante, a feijoada aqui se transformou não em prato, e sim em refeição completa.
A clássica combinação de arroz com feijão permite melhora do perfil proteico des-
ses alimentos devido à participação dos aminoácidos metionina e lisina. Além disso, a
presença de ingredientes dos vários grupos da pirâmide alimentar garante riqueza de
nutrientes: proteínas de alto valor biológico, ferro, cobre, cromo, zinco, vitaminas B6,
B12, niacina e biotina (carnes); vitamina C, folato, carotenoides, potássio, magnésio,
fibras e compostos biativos (couve, laranja, tomate, cebola, alho, ervas aromáticas);
vitamina B1 (farinha); ácidos graxos e vitaminas E e K (óleos e gorduras).
Feijoada CompletaChico Buarque de Hollanda
Mulher, você vai gostar
Tô levando uns amigos para conversar
Eles vão com uma fome que
nem me contem
Eles vão com uma sede de anteontem
Salta cerveja estupidamente
gelada prum batalhão
E vamos botar água no feijão
Mulher, não vá se afobar
Não tem que pôr a mesa nem dá lugar
Ponha os pratos no chão,
e o chão tá posto
E prepare as linguiças pro tira-gosto
Uca, açúcar, cambuca de gelo, limão
E vamos botar água no feijão
Assista Chico Buarque cantando Feijoada Completa
Confi ra deliciosas receitas de feijoada e de feijoada leve da Cozinha Nestlé
www.nestle.com.br/nestlenutrisaude/NestleBio.aspx
bIblIogrAFIA[1] Cascudo, Luís da Câmara. História da alimentação no Brasil. Ed. Global. 3a Edição, 2011. [2] Dória, Carlos Alberto. A formação da culinária brasileira. Publifolha Ed. 1a Edição, 2009. [3] Caloca, Fernandes. Viagem gastronômica através do Brasil. Ed. Senac São Paulo. 9a Edição, 2009. [4] Silva, Paula Pinto. Farinha, Feijão e Carne-seca Um Tripé Culinário no Brasil Colonial. Ed. Senac São Paulo. 2a Edição, 2010.
As variações da receita tradicional acolhem pre-
ferências regionais, além das versões vegetariana e
light. As substituições realizadas nas duas versões
podem reduzir significativamente os teores de gordura
total, gordura saturada, colesterol, energia e sódio.
A laranja, incorporada por muitos no fim do cozi-
mento e habitualmente servida no fim da refeição, é,
junto do sumo de limão usado no molho e na caipiri-
nha, elemento importante para realçar os sabores já
tão marcantes da feijoada e que dão certa leveza ao
prato. E não há como pensar em feijoada sem mencio-
nar a importância da pimenta. Crua, em conserva ou
em molhos, é inseparável do prato.
Elaborada, a feijoada é acima de tudo comida
socializadora. Ninguém se dá ao trabalho de começar
dias antes demorado processo para servir uma ape-
nas. Nem duas. Como parece dizer o compositor Chico
Buarque de Hollanda em sua Feijoada Completa, é pre-
paro de encontro, prato para compartilhar, que requer
gente ao redor da mesa. Uma forma de celebração sem
pressa, cada vez mais rara no mundo que, em vez de
cultuar o slow, flerta com o fast.
20 conhecer20 conhecer
Mulher, você vai fritar
um montão de torresmo pra acompanhar
Arroz branco, farofa e a malagueta
A laranja-bahia ou da seleta
Joga o paio, carne-seca, toucinho
no caldeirão
E vamos botar água no feijão
Mulher, depois de salgar
Faça um bom refogado,
que é pra engrossar
Aproveita a gordura da frigideira
Pra melhor temperar a couve mineira
Diz que tá dura, pendura
a fatura no nosso irmão
E vamos botar água no feijão
qualidade
O envelhecimento é um processo complexo e na-
tural constituído por modificações fisiológicas e psico-
lógicas influenciadas por fatores intrínsecos, como a
genética, e extrínsecos, que incluem nutrição e estilo de
vida. O processo é acompanhado por uma progressiva
perda musculoesquelética e da força, levando à redução
da capacidade funcional e ao aumento do risco de de-
senvolvimento de doenças metabólicas crônicas. Essas
alterações afetam a funcionalidade, a mobilidade e o ní-
vel de independência dos idosos [1].
Em 2000, aproximadamente 10% da população
global era idosa, com previsão de crescimento acima
de 20% para 2050. O Brasil envelhece no mesmo ritmo,
sendo que, em 1991, as pessoas com mais de 65 anos
representavam 4,8% da população, em 2000, 5,8%, e em
2010, 7,4% — cerca de 14 milhões de pessoas [2].
O envelhecimento populacional e o aumento da
expectativa de vida condicionam a um novo espectro de
morbidades, ao mesmo tempo em que impactam de ma-
neira importante o sistema de saúde.
O idoso demanda mais os serviços de saúde, as
internações hospitalares são mais frequentes e o tempo
de ocupação do leito é maior, devido à multiplicidade de
patologias e complicações clínicas, quando comparado
a pessoas de outras faixas etárias. Alterações no peso
e nos níveis de albumina sérica após a alta hospitalar
Independência e por _ Maria Fernanda Elias Llanos
bem-estar na melhor idadedessa população, por exemplo, predizem uma elevada
taxa de readmissão hospitalar [3].
Nessa circunstância, profissionais da saúde, go-
verno, familiares e cuidadores seguem refletindo sobre
os aspectos relacionados à promoção da saúde, quali-
dade de vida, melhoria das tecnologias médicas e insti-
tuição de políticas públicas para o cuidado preventivo e
curativo dos idosos.
o processo de envelhecimento e seu impacto sobre o estado nutricional
Uma dieta equilibrada é reconhecida como funda-
mental para melhorar a longevidade, manter a boa saúde
e a qualidade de vida. Entretanto, a associação de alte-
rações fisiológicas ligadas ao envelhecimento e fatores
psicossociais exerce efeito negativo sobre o consumo
de alimentos e o metabolismo de nutrientes.
Dentre as alterações que influenciam diretamen-
te o bom estado nutricional encontram-se: diminuição
da sensação do paladar, declínio do fluxo salivar, difi-
culdade de mastigação, redução da secreção gástrica,
alterações hormonais, declínio no volume da secreção
pancreática e alteração de sua composição. Por sua vez,
os efeitos adversos secundários ao uso de múltiplos
medicamentos também contribuem para acentuar a má
condição nutricional [4].
O ritmo de perda musculoesquelética e o
declínio de massa magra dependem de variáveis
como idade, gênero e nível de atividade física. Por
volta dos 70 anos, em média, a perda aproxima-
-se de 40% em relação ao início da vida adulta. Ao
mesmo tempo, a atrofia dos órgãos (rim, fígado e
pulmão) aproxima-se de 10% ou 20% [7].
Dentre as diversas razões que levam à dimi-
nuição de massa magra está a ingestão inadequa-
da de proteínas e energia, que resultam no consu-
mo muscular e de outros tecidos para fornecimento
adequado de aminoácidos [8].
A síntese proteica muscular é 30% mais baixa
em idosos. Além disso, a capacidade de regeneração
do músculo esquelético diminui com a idade, sendo
mais difícil reverter o efeito da desnutrição proteico-
-energética e recuperar a musculatura perdida em
situações de stress, agudas ou crônicas [7, 8].
A perda gradual de tecido muscular associada
ao envelhecimento conduz à redução da força mus-
cular, que declina aproximadamente de 8%-10% por
década [7]. A perda de peso também é prevalente
com o aumento da idade e é o maior contribuinte
para o declínio funcional associado ao envelheci-
mento. Uma perda de peso de 5% durante um período
de três anos dobra a taxa de mortalidade [7].
Apesar de a desnutrição proteico-energética
ser uma ocorrência comum em pacientes geriá-
tricos, ela pode ser uma condição reversível, se
tratada adequadamente. As recomendações pro-
teicas variam de 0,8 a 1,5 g/kg peso/dia para o
idoso. Em casos de desnutrição existe a recomen-
dação de, no mínimo, 1 g de proteína/kg/dia e de
32 kcal/kg-38 kcal/kg de peso [9]
A suplementação proteica e energética em
idosos ajuda a atingir a ingestão recomendada, o
bom estado nutricional e a saúde musculoesquelé-
tica, sem prejuízo da alimentação regular.
Sistema/alteração nutriente afetado recomendação dietética
neuromuscular
• Diminuição da massa muscular e das células nervosas.
• Proteína (quantidade sintetizada pelo organismo diminui diariamente com a idade).
• Atingir requerimentos diários mínimos.
gastrintestinal
• Atrofia gástrica; secreção reduzida de ácido clorídrico.
• Anemia causada pela absorção reduzida de ferro, vitamina B12 e folato
• Trânsito intestinal diminuído: constipação, diverticulite, problemas pancreáticos.
• Ferro, vitamina B12 e folato.
• Fibras.
• Aumento da ingestão de ferro e vitamina B12, carnes vermelhas, fígado e cereais fortificados.
• Ingestão de fibras aumentada (25 g a 30 g).
Ósseo
• Absorção de cálcio reduzida. • Cálcio.• Ingestão de cálcio
suplementar, queijo e leite desnatado.
renal
• Função renal reduzida. • Proteína e aminoácidos. • Atingir requerimentos diários mínimos.
Função órgão Alteração com o envelhecimento Consequências
Mastigação/deglutição
• Dificuldade no estágio de deglutição e reflexos.
• Diminuição na produção de saliva e alterações na dentição.
• Redução do reflexo de tosse.
• Influências na escolha e variedade do alimento.
• Aumento na incidência de pneumonia aspirativa.
Secreção acidogástrica • Diminuída com gastrite atrófica. • Absorção diminuída da proteína
ligadora de vitamina B12 e cálcio.
Motilidade gástrica
• Esvaziamento lento para líquidos e mistura de sólidos + líquidos esvaziamento para sólidos preservado.
• Acloridria.
• Biodisponibilidade de minerais, vitaminas e proteína.
• Má absorção de algumas formas de ferro, cálcio e vitamina B12.
Cólon• Tempo de trânsito colônico aumentado.• Alterações na microflora.
• Constipação.
22 qualidade
Tabela 1: Alterações fisiológicas que acompanham o envelhecimento [5]
Tabela 2: Alterações do sistema gastrintestinal e consequências relacionadas [6]
qualidade 23
Micronutrientes: deficiências e recomendaçõesO resultado da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 mostrou
inadequação significativa na ingestão de micronutrientes entre a população
idosa, com destaque para a vitamina D (99,6% de inadequação entre homens e
99,4% entre mulheres) e o cálcio (85,9% de inadequação entre homens de 60 a
70 anos; 94,3% entre homens acima de 70 anos e 95,8% entre mulheres) [10].
VItAMInA d
Considerada um hormônio esteroide, a vitamina D fornece benefícios relacio-
nados à saúde óssea e muscular, desempenho físico, imunidade, sinalização me-
tabólica, diabetes, proteção contra doença cardiovascular, alguns tipos de câncer
e demência [11].
Sua forma ativa (calcitriol ou 1,25(OH)2D30) estimula a absorção de cál-
cio, atua sobre a mineralização óssea e regula a síntese e secreção do paratormô-
nio. A queda na concentração sérica de vitamina leva à absorção insuficiente de
cálcio, que se reflete no cálcio ionizado circulante [11].
Para a maioria dos adultos saudáveis, independentemente da idade, a recomen-
dação de vitamina D é de 600 UI-800 UI (15 µg-25 µg). Em indivíduos com alto risco
de deficiência, as doses variam entre 800 UI e 2.000 UI (20 µg/dia-50 µg/dia) [11].
São poucos os alimentos fontes de vitamina D, daí a dificuldade de manter
o nível sérico normal somente pela dieta, a menos que esta seja rica em óleo de
fígado de peixe e associada à adequada exposição diária ao sol [11].
CálCIo
O cálcio possui papel essencial no metabolismo ósseo e na função neuro-
muscular. Quando a ingestão alimentar é inadequada, ele é retirado das reservas
ósseas para a manutenção das concentrações séricas [12].
Estudos clínicos mostram que a suplementação de cálcio impacta positiva-
mente a saúde óssea, mas sua reabsorção pode ser prejudicada em idosos pela
redução do pH gástrico e do conteúdo de sais biliares, deficiência de vitamina D e
deficiente absorção de cálcio no intestino delgado [12,13].
Uma vez que a vitamina D aumenta a absorção de cálcio no intestino del-
gado, a combinação de ambas, em doses diárias de 20 µg-50 µg (800 UI-2.000
UI) de vitamina D e 1.000 mg de cálcio, resulta em melhora da força muscular,
prevenção de quedas e redução de fraturas [12].
ZInCo
Importante componente para o funcionamento do sistema imune, da saú-
de musculoesquelética e das funções cognitivas, o zinco exerce uma variedade
de ações estruturais e fisiológicas, essenciais às atividades antioxidantes, anti-
-inflamatórias e catalíticas [14].
O stress oxidativo associado ao envelhecimento
resulta em aumento da produção de marcadores inflama-
tórios e prejuízo cognitivo. A suplementação com zinco em
idosos tem sido associada à redução de marcadores de
stress oxidativo, como o fator de necrose tumoral alfa, e me-
nor incidência de infecções. Além disso, indivíduos suple-
mentados com antioxidantes parecem exibir risco menor
de declínio cognitivo [14].
FolAto
A ingestão de folato diminui com o avanço da ida-
de e sua absorção é prejudicada em indivíduos com gas-
trite atrófica, que afeta aproximadamente 10% a 50% dos
idosos [2].
Significativamente, o folato é necessário para a
divisão celular normal, o metabolismo de carbono na
síntese de RNA e DNA, as reações de metilação, o meta-
bolismo de aminoácidos e a função imune. Além disso,
as relações existentes entre folato e concentrações de
homocisteína sérica indicam que a vitamina é essencial
para a saúde cognitiva e cardiovascular [15].
VItAMInA b12
Assim como o folato, a deficiência de vitamina
B12 resulta em altas concentrações plasmáticas de ho-
mocisteína, conferindo um aumento do risco de doença
vascular e dano neurológico [2].
Sua absorção e a utilização em idosos estão ge-
ralmente prejudicadas, com sua deficiência afetando
aproximadamente 20% dessa população. Isso decorre
principalmente do comprometimento das funções gás-
tricas (como secreção adequada de fator intrínseco),
pancreáticas e intestinais [5].
A suplementação com folato pode mascarar a defi-
ciência de vitamina B12, razão pela qual é importante a
suplementação concomitante das duas vitaminas.
24 qualidade
ácidos graxos -3 e -6A ingestão de ácidos graxos monoinsaturados
-3 mostrou-se efetiva na redução de mediadores in-
flamatórios e na manutenção da saúde cognitiva em
indivíduos idosos [16].
Há evidências de que a suplementação de ácidos
graxos -3 e -6 influencia positivamente patologias
com componente inflamatório como, por exemplo, doen-
ça cardiovascular, artrite reumatoide, doença inflamató-
ria intestinal, pancreatite e asma. Devido às propriedades
pró-oxidativas e pró-inflamatórias do -6 e às proprieda-
des anti-inflamatórias do -3, uma razão baixa de -6:
-3 é recomendada, variando de 2:1 a 10:1 [16].
As principais fontes alimentares dos ácidos graxos
essenciais ômega-3 e ômega-6 são, respectivamente,
peixes (atum, salmão, sardinha) e óleos vegetais (milho,
soja, girassol).
Fibras prebióticasFibras com efeito prebiótico, particularmente fru-
to-oligossacarídeos (FOS) e inulina, atuam promoven-
do o crescimento de bactérias saudáveis e a produção
de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC). A eficácia dos
prebióticos pode ser mensurada pela capacidade de
aumentar a unidade formadora de colônias com a pro-
dução de ácido láctico pelas bactérias benéficas (espé-
cies bifidobacterium e lactobacillus) em detrimento de
bactérias intestinais nocivas [17].
A ingestão de 8 g de FOS/dia por idosos com saúde
fragilizada aumenta a quantidade de bifidobactérias na
microbiota, além de prevenir e combater a constipação
— efeitos estes mediados pela fermentação dos AGCC,
que estimulam o peristaltismo intestinal [18].
O inadequado consumo de fibras é provavelmente
o maior responsável pela constipação, que afeta 40% da
população idosa. Quando consumidas em quantidades
recomendadas, apresentam benefícios não apenas para
a função intestinal, como também na doença cardiovas-
cular, diabetes e câncer [19]
As fibras prebióticas também contribuem para a
modulação de processos inflamatórios e funcionamen-
to do sistema imune [19].
Densidade calórica – 1,5 kcal/mL
• Altos níveis de vitamina D (880 UI ou 22 µg em 2 porções) e Cálcio (960 mg/
2 porções) para auxíliar na força muscular [25,26] e otimizar a saúde óssea,
reduzindo o risco de quedas e fraturas [22, 27, 28]
• Altos níveis de proteínas (40 g em 2 porções) para auxiliar na síntese
muscular [20-23]
• Prebio1 mistura prebiótica de fibras (FOS e inulina) – auxílio na regularidade
intestinal [29, 30]
• EPA/DHA - ácidos graxos -3 e altos níveis de vitamina B12 e folato – auxílio
na saúde cognitiva [31, 32]
• Altos níveis de antioxidantes (zinco e selênio) para tratar o stress oxidativo e
a inflamação crônica do envelhecimento [33-36]
nutren® Senior: fórmula desenvolvida para idososA manutenção da adequada ingestão dietética é um fator essencial para a melho-
ra da longevidade e da qualidade de vida. Os profissionais de saúde têm como tarefa o
acompanhamento e o aconselhamento multiprofissional dos idosos, como estratégia
para minimizar as perdas inerentes à idade.
Nutren® Senior é um suplemento oral completo especialmente formulado para
atender às necessidades específicas dos idosos. Contém Act 3, uma combinação única
de cálcio, proteína e vitamina D, cuja ação sinérgica é fundamental para manter o bom
estado nutricional [20-22] e a saúde muscular e óssea [23, 24].
reFerênCIAS
qualidade 25
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Quantidade por 100 ml % Vd (*)Valor Energético Kcal/kJ 147/617 **Carboidratos g 12 **Proteínas g 10 **Gorduras Totais g 6,5 **Gorduras Saturadas g 1,0 **Gorduras Trans g 0 **Fibra Alimentar, das g 1,5 ** quais: Insolúvel g 0 ** Solúvel g 1,5 **Sódio mg 80 3%Cálcio mg 240 24%Ferro mg 1,7 12%Potássio mg 300 **Cloreto mg 200 **Fósforo mg 97 14%Magnésio mg 30 12%Zinco mg 2,3 32%Manganês mg 0,26 11%Cobre μg 195 22%Molibdênio μg 11 24%Iodo μg 19 15%Cromo μg 11 31%Selênio μg 17 50%Flúor mg 0,18 5%Vitamina A μg RE 169 28%Vitamina D μg 5,5 110%Vitamina E mg α TE 3,0 30%Vitamina C mg 16 37%Niacina mg 1,2 8%Ácido Pantotênico mg 1,1 22%Vitamina B6 mg 0,55 42%Riboflavina (Vit. B2) mg 0,38 29%Tiamina (Vit. B1) mg 0,29 24%Biotina μg 6,2 21%Ácido Fólico μg 87 22%Vitamina K μg 14 22%Vitamina B12 μg 0,92 38%Colina mg 70 13%Taurina mg 7,0 **Carmitina mg 13 **
* % Valores diários com base em uma dieta de 2.000 kcal ou 8.400 kJ. Seus valores diários podem ser maiores ou menores dependendo de suas necessidades energéticas.** VD não estabelecido.
dossiê bio
A segunda parte deste artigo — Nutrição na gestação — será publicada na edição de número 17 da Nestlé.Bio.notA do edItor
O ambiente intrauterino exerce importante
efeito sobre a saúde na vida adulta. Barker [1, 2]
sugeriu que a desproporção do tamanho ao nascer
do recém-nascido, devido às condições intraútero
desfavoráveis pela má nutrição energético/protei-
ca, está altamente correlacionada com o aumento
na incidência de doenças crônicas não transmis-
síveis durante os períodos mais tardios da vida.
As bases biológicas que sustentam esse conceito
da “programação fetal” são ainda especulativas. A
hipótese é a de que o feto se adapta ao meio in-
trauterino desfavorável com adaptações no sistema
homeostático para auxiliar na sobrevivência. Con-
tudo, se essas adaptações forem inconsistentes
com o ambiente pós-natal, podem ser prejudiciais
pelo aumento do risco de doenças crônicas. Assim,
o inadequado estado nutricional materno antes e
durante a gestação pode ter influência no desen-
volvimento de complicações para a mulher (diabe-
tes, pré-eclâmpsia, hipertensão) e para a criança
(prematuridade, retardo de crescimento uterino,
defeito do tubo neural, morte neonatal) [3].
Durante a gestação ocorrem várias adaptações
fisiológicas que afetam o sistema orgânico materno
e as vias metabólicas, como alterações hormonais
e do débito cardíaco. No primeiro trimestre, a saú-
de do feto vai depender da condição nutricional
materna pré-gestacional tanto em relação às re-
servas energéticas como de vitaminas, minerais e
oligoelementos. Por isso, as situações de náuseas
e vômitos, comuns neste período, e até a perda de
peso dentro dos limites considerados adequados
não prejudicam o feto. No segundo e no terceiro
trimestre, o meio externo vai exercer influência
direta na condição nutricional do feto. Assim, os
hábitos de vida (ganho de peso adequado, ingestão
adequada de energia e nutrientes, fator emocional)
e a qualidade da assistência pré-natal da gestante
irão ser determinantes nas consequências imedia-
tas e futuras tanto para mãe quanto para o feto [4].
FernAndA rAUberNutricionista, Mestre e
Doutoranda em Ciências da Saúde. Núcleo de
Pesquisa em Nutrição da Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre-RS.
MárCIA regInA VItoloNutricionista, Doutora em
Ciências Biológicas, Pós-doutorado em Nutrição.
Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre.
Nutrição na gestação
dossiê bio 27
Avaliação nutricionalO diagnóstico nutricional inclui a análise conjun-
ta da avaliação antropométrica, alimentar, bioquímica
e clínica. A adequada interpretação dos resultados de-
pende inteiramente do profissional, que, no seu proces-
so de avaliação, deve utilizar as diretrizes recomendadas
como meio e não como fim.
No primeiro trimestre, o ganho de peso da gestan-
te não é muito relevante, por isso a perda de peso de até
3 kg, a manutenção do peso pré-gestacional ou o ganho
de até 2 kg são situações previstas que não comprome-
tem a saúde da mãe e do feto. A partir do segundo e
terceiro trimestres, o ganho de peso adequado vai de-
pender do estado nutricional gestacional. O Institute of
Medicine [3] revisou as diretrizes para o ganho de peso
gestacional de acordo com estado nutricional estabele-
cido desde 1990. A tabela 1 mostra as recomendações
de ganho de peso semanal para gestantes de acordo
com índice de massa corporal (IMC) pré-gestacional.
Essas diretrizes não recomendam a perda de peso du-
rante a gestação, mesmo para as gestantes que iniciam
a gestação com excesso de peso. A recomendação de
ganho de peso reduzido nesses casos tem como objetivo
limitar possíveis prejuízos no crescimento e desenvol-
vimento neurológico do feto, em função das restrições
energéticas. Para a avaliação antropométrica durante a
gestação, o Ministério da Saúde recomenda a curva de
IMC por semana gestacional que é baseada na curva
chilena de Atalah.
Além da avaliação antropométrica, a avaliação die-
tética e dos parâmetros laboratoriais permite identificar
os erros alimentares que possam prejudicar a saúde ma-
terna e do feto e avaliar possíveis deficiências nutricio-
nais. É importante destacar que, devido às adaptações
fisiológicas da gestação, alguns parâmetros laboratoriais
podem se apresentar alterados, sem que isso prejudique
a gestante e/ou o feto [4].
obesidade e deficiências nutricionaisNo Brasil, a prevalência de excesso de peso já é
considerada um problema de saúde pública, pois se
apresenta elevada em todos os estágios da vida [5]. Es-
tudo realizado em seis capitais brasileiras encontrou
prevalência de 28% de excesso de peso pré-gestacional
[6]. Resultado semelhante ao estudo realizado com 315
gestantes da região metropolitana de Porto Alegre/RS,
que mostrou que 28% das mulheres apresentavam ex-
cesso de peso pré-gestacional, aumentando para 36,2%
e 46,0%, no segundo e no terceiro trimestre de gesta-
ção, respectivamente [7]. Esses dados são preocupantes
considerando evidências que mostram que o aumento da
média de ganho de peso gestacional tem desencadeado
aumento médio de 100 gramas a 150 gramas no peso
ao nascer [8]. Além disso, o excesso de ganho de peso
IMC pré-gestacional Ganho de peso total em kg Ganho de peso semanal no 2º e 3º trimestre (kg/semana)*
Baixo peso (< 18,5 kg/m2) 12,5-18 0,51 (0,44-0,58)
Eutrófica (18,5-24,9 kg/m2) 11,5-16 0,42 (0,35-0,50)
Sobrepeso (25,0-29,9 kg/m2) 7-11,5 0,28 (0,23-0,33)
Obesidade (≥ 30,0 kg/m2) 5-9 0,22 (0,17-0,27)
Tabela 1 – Recomendação de ganho de peso total e semanal durante a gestação de acordo com o IMC pré-gestacional
*Este cálculo assume ganho de peso de 0,5-2 kg no primeiro trimestre gestacional. Fonte: Adaptado de IOM, 2009.
28 dossiê bio
gestacional está associado com macrossomia, compli-
cações de parto, diabetes gestacional e pré-eclâmpsia
[3], além do aumento na prevalência de obesidade em
mulheres, devido ao ganho de peso extra manter-se por
longo prazo após o parto; e do risco de sobrepeso infan-
til [9, 10].
Destaca-se que o estado nutricional inadequado é
um fator de risco modificável e pode ser controlado por
meio de intervenções nutricionais efetivas. Estudo mos-
trou que orientações dietéticas específicas e implemen-
tadas de acordo com o estado nutricional da gestante fo-
ram efetivas para diminuir a velocidade de ganho de peso
de gestantes com excesso de peso, diminuindo, assim, o
risco de complicações gestacionais. Entretanto, enfatiza-
-se que as orientações dietéticas devem ser implementa-
das antes da 20ª semana gestacional [7].
As evidências ainda mostram que a obesidade e o
excesso de ganho de peso na gestação estão acompanha-
dos das deficiências nutricionais. A Organização Mun-
dial da Saúde estima que a prevalência mundial de ane-
mia em gestantes seja de 41,8%, atingindo 56,4 milhões
de gestantes [11]. No Brasil, os valores variam de 3,6% a
57,3% de acordo com a região do país e aumentando com
o avançar da gestação [12].
Apesar de o termo anemia ser utilizado como si-
nônimo para deficiência de ferro, não se pode ignorar
que determinações que consideram apenas os níveis de
hemoglobina abaixo de 11g/dl devem ser corretamente
denominadas de anemia, somente. A alta prevalência
de anemia ferropriva na gestação pode ser decorrente
do alto requerimento neste período associado à elevada
ocorrência de mulheres que já iniciam a gestação com
deficiência de ferro, considerando que a prevalência de
anemia em mulheres em idade reprodutiva é de 30%
[13]. A deficiência de ferro em mulheres em idade fértil
pode ser justificada pela perda menstrual que corres-
ponde a 0,51 mg de ferro por dia (além da perda basal
de 0,8 mg/dia) associada à ingestão insuficiente desse
nutriente [14]. Na gestação, a deficiência dietética do
mineral afeta as reservas de ferro materno, aumentando
a mobilização dos estoques para garantir as necessida-
des do feto, o que pode favorecer o aparecimento da
deficiência materna. Apesar disso, a gestação a termo
confere quantidades suficientes de ferro para o feto,
mesmo em situações de anemia ou desnutrição da mãe,
pois a eritropoiese fetal é assegurada utilizando-se as
reservas maternas, mesmo que sejam limitadas. Con-
tudo, a deficiência de ferro é observada em prematuros
já que a interrupção precoce do período gestacional nos
últimos meses impede a aquisição suficiente de ferro
para atender às necessidades orgânicas [15].
As consequências da anemia por deficiência de
ferro já são bem conhecidas, como o retardo de cres-
cimento intrauterino, baixo peso ao nascer, prematu-
ridade, crianças com reserva de ferro depletada e in-
suficiência cardíaca materna. A análise do ranking das
principais causas de anos de vida perdidos por morte
prematura e/ou por incapacidade mostrou que a defi-
ciência de ferro ocupou o 9º lugar entre as 20 causas
principais [16]. Das mortes maternas ocorridas no pós-
-parto imediato, 40% são de mulheres anêmicas, e, nos
casos de anemia severa, o risco estimado de morte ma-
terna pode ser vinte vezes maior quando comparado com
o grupo de não anêmicas, de menor mortalidade [17].
Apesar de a anemia por deficiência de ferro ser
a causa mais comum de anemia nutricional, a anemia
megaloblástica por deficiência de ácido fólico também
está associada a uma série de complicações gestacio-
nais. O folato tem papel na síntese de DNA e RNA
sendo importante para a proliferação celular durante
a gravidez, sobretudo nas primeiras semanas, por isso
a suplementação com ácido fólico deve ser oferecida
precocemente, a fim de evitar danos para o cresci-
mento e o desenvolvimento infantil, além de reduzir o
risco de defeito do tubo neural (DTN). Além disso, a
deficiência de folato está associada com sangramento,
aborto, descolamento de placenta, hipertensão especí-
fica da gravidez, prematuridade, baixo peso ao nascer
e fenda palatina [12].
Já a deficiência da vitamina B12 não é comum em
gestantes, porém quando existente pode aumentar o ris-
co de má-formação fetal. Quando há o processo megalo-
blástico pela deficiência de ácido fólico, os depósitos da
vitamina B12 podem ser depletados pelas demandas da
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dossiê bio 29
gravidez; isto também pode ocorrer quando há antece-
dentes da deficiência dessa vitamina. A deficiência ou a
inadequação de vitamina B12 nas gestantes está associa-
da ao aumento significativo do risco de DTN, sugerindo
que os níveis de vitamina B12 devem ser superiores a
300 ng/L (221 pmol/L) antes da gestação [18]. Assim, se-
gundo o Institute of Medicine, mulheres grávidas devem
receber suplementação desses micronutrientes [12].
Em relação à vitamina A, o aumento da necessi-
dade durante a gestação é pequeno. Contudo, a hipo-
vitaminose A ainda constitui um dos principais pro-
blemas nutricionais, principalmente em gestantes e
crianças em idade pré-escolar. Segundo as estimativas
mais recentes, 19,1 milhões de gestantes (18%) pos-
suem risco de deficiência de vitamina A [19], sendo
que cerca de 7,2 milhões de gestantes/nutrizes apre-
sentam concentrações inadequadas de retinol no soro
ou no leite materno (< 0,70 µMol/L). As gestantes
com cegueira noturna, devido à deficiência de vitami-
na A, parecem estar mais predispostas às complica-
ções gestacionais, tais como aborto espontâneo, ane-
mia, náuseas, vômitos, falta de apetite e infecções do
trato urinário, reprodutivo e gastrointestinal.
Durante a gestação, o feto utiliza as reservas de
vitamina A da mãe, e após o parto, na fase de cresci-
mento rápido do recém-nascido, obtém esse micronu-
triente por meio do aleitamento materno [12]. A função
antioxidante da vitamina A é de grande importância no
nascimento, pois é o período no qual o recém-nascido
produz grande quantidade de radicais livres em respos-
ta à exposição a elevadas concentrações de oxigênio.
Assim, as baixas reservas dessa vitamina, cuja transfe-
rência ocorre principalmente no terceiro trimestre de
gestação, associada à imaturidade dos demais sistemas
antioxidantes, tornam os recém-nascidos mais vulnerá-
veis aos efeitos do stress oxidativo decorrente do nasci-
mento, que causa maior dano ao sistema respiratório da
criança [20]. O estado nutricional materno da vitamina
A é um dos fatores mais importantes que determinam o
estado nutricional dessa vitamina nas crianças.
nutrição e cultura
No forno da Casa Botín, a brasa nunca apaga. Desde 1725, quando
o restaurante mais antigo do mundo abriu no coração de Madri,
Chama acesao calor é mantido no forno a lenha que assa uns 40 leitões por dia e de 15 a 20 cordeiros, as especialidades da casa.
Em quase três séculos de existência, passaram por ali fregueses como
os escritores Ernest Hemingway e John dos Passos, os atores Marcello Mas-
troianni, Catherine Deneuve, Ava Gardner, Michael Douglas e Jack Nicholson, o
cineasta Pedro Almodóvar, a rainha Sofía, da Espanha, as ex-primeiras-damas
dos Estados Unidos Nancy Reagan e Jacqueline Kennedy, a política colombia-
na Íngrid Betancourt, entre tantos outros. Francisco de Goya, um dos maiores
pintores espanhóis, cujas telas e afrescos hoje ocupam salas inteiras do Mu-
seu do Prado perto dali, lavava pratos na cozinha do velho Botín para comprar
suas tintas, telas e pincéis.
por _ Teodoro Ferrer_ de Mad r i
nutrição e cultura 31
Mas não há dúvida de que a grande estrela desse lugar não são os nomes ilustres que um
dia decidiram almoçar ou jantar por ali ou tiveram de lavar pratos na cozinha por uns trocados.
São os leitões de Segóvia, escolhidos pela alvura e maciez da carne, que aguardam os clientes
todos os dias. Ficam em bandejas esperando os pedidos, alinhados na apertada cozinha do Bo-
tín, antes de entrar no forno a lenha. Quem desce a escada para o porão do restaurante, antigo
esconderijo da época da Guerra Civil Espanhola e hoje um dos espaços mais disputados pelos
clientes, não tem como não ver os porquinhos temperados na linha de produção. Uma porta
entreaberta deixa ver a cozinha na ebulição da hora do almoço e do jantar.
Mesmo que a data estampada na porta e no cardápio, o ano de 1725, seja o que conta
para fazer desse o restaurante mais antigo do mundo segundo o “Guinness”, o livro dos recor-
des, o Botín já existia de certa forma desde 1590, quando as galerias subterrâneas foram cons-
truídas em Madri, ligando quase todos os prédios do centro da capital espanhola numa vasta
rede de túneis. Viajantes e cortesãos passavam por ali e usavam o forno, o mesmo que está lá
até hoje, para assar os pedaços de cordeiro e javali que carrega-
vam em suas jornadas. Carlos González, da quarta geração da
mesma família à frente do restaurante, conta que na época não
era permitido servir comida pronta, para não comprar briga com
açougueiros e comerciantes.
Depois, em plena Madri da dinastia dos Habsburgo, no
apogeu da Espanha como potência da era das navegações, a
taverna ganhou ares de restaurante. Sob os reinados de Carlos
5º e depois Felipe 2º, que transferiu a corte para Madri, a Espa-
nha controlava territórios nas Américas, parte da Itália, da Fran-
ça e da Alemanha, além de ter posses na Ásia e na África. Foi nesse período que despontaram
artistas como Diego Velázquez, El Greco e Miguel de Cervantes. Com isso, a cidade também
se transformou, com uma arquitetura de castelos e torres imponentes, entre o Renascimento
tardio e o Barroco, que passaram a ocupar a parte da cidade hoje conhecida como Madri dos
Áustria. Essa é a região entre a Ópera e a praça do Sol, que tem o Botín bem no meio, flanquean-
do a praça Mayor, a mais emblemática construção desse período, que já foi palco de touradas,
execuções e coroações.
32 nutrição e cultura
Mas não foi preciso dominar o mundo para o Botín dominar a gastronomia do país por alguns
séculos. Sua receita simples de leitão assado foi o que rendeu ao restaurante a fama sólida e ina-
balável — invenção do francês Jean Botin, que deu nome ao restaurante ao se casar com uma es-
tudante espanhola no século 18 e assumir a cozinha do lugar. E a receita foi passando de mão em
mão, primeiro a Candido Remis, que tinha a confeitaria ao lado do Botín, até o século 20, quando
Amparo Martín e Emilio González compraram o restaurante. Seus netos hoje tomam conta do lugar.
Em quase três séculos, permanece a mesma receita. Bastam um
leitão, cem gramas de banha, outras cem de toucinho, dez dentes de
alho, duas colheres de sopa de sal grosso, duas colheres de sopa de
pimenta-do-reino, três folhas de louro, azeite de oliva, vinho branco
seco, salsinha picada, sal e dois quilos de batatas cozidas com casca. No
dia em que almocei ali, numa tarde de inverno em Madri, os pedaços de lei-
tão vieram enormes no prato, dois nacos da carne mais branca e tenra, que
desmancha ao toque da faca, escondida debaixo do couro assado do porco.
Para adeptos da cozinha light ou vegetariana que prolifera hoje no
mundo, só a apresentação do prato, quase uma aula de anatomia, seria
um escândalo. Mas no frio europeu é uma refeição que repõe o calor do
corpo, ainda mais quando segue uma entrada de sopa de alho com ovo,
típico prato castelhano. Esse cozido assusta pela textura nada atraente
de pedaços de pão desmanchados, presunto ibérico e lascas de alho que
rodeiam uma gema conservada no meio do prato.
Nesse ponto, o Botín não é nada gourmet, não prima pela apresenta-
ção glamourosa dos ingredientes nem tenta ser o tipo de restaurante bu-
tique que consagrou a gastronomia contemporânea espanhola de Ferran
Adrià e afins. É lugar de comer para quem gosta de comida com textura,
gosto e peso e não se preocupa com calorias. E também para quem não
tem pressa. Seus leitões assam durante o dia todo, e um almoço, com en-
trada, prato principal, vinho e sobremesa, não dura menos de duas horas.
“O que mais nos importa é agradar ao cliente. Se o público aceita a casa,
sincera como é, cômoda mas sem luxos, e com os melhores produtos que
se possam oferecer, isso me basta”, diz Antonio González, um dos donos
do restaurante. “O conceito se concretiza em três vertentes: hospitalidade,
bom serviço e boa cozinha.” Ou seja, isso é slow food quase medieval.
Passar pelas portas da entrada do Botín já é, aliás, uma experiência
análoga a voltar no tempo. Tudo está conservado como era em 1725, os
azulejos nas paredes, os lustres, os vitrais coloridos e as ripas de madeira
que formam as lajes do sobrado. Um balcão na entrada conserva as gra-
des da época em que o saguão do restaurante era uma confeitaria bada-
lada — as hastes douradas muito próximas umas das outras impediam
que espertinhos tentassem enfiar as mãos pelos vãos e afanassem tor-
tas e bolos. Nesse mesmo salão, um dos muitos quadros mantidos da de-
coração original mostra sem muita cerimônia um porco ensanguentado
segundos depois do abate. Sem brincadeiras com o sobrenome do artista
britânico, lembra um Francis Bacon pela crueza da pintura, a luminosida-
de soturna e seu aspecto direto ao ponto. É como se anunciasse que ali é
lugar de comer sem frescuras a não ser o frescor dos ingredientes.
Quando Nancy Reagan, então primeira-dama dos Estados Unidos,
almoçou ali com a rainha Sofía, em 1985, ela comentou com os donos
do restaurante que tudo parecia muito fresco. Embora ela tenha esco-
lhido um filé de linguado, preterindo a especialidade da casa, é fato que
os leitões servidos ali são selecionados de acordo com rigorosos crité-
rios –“quanto mais branco melhor”— numa granja em Segóvia, perto de
Madri, enquanto os cordeiros vêm do chamado “triângulo mágico desta
nutrição e cultura 33
carne”, Sepúlveda-Aranda-Riaza. “Uma elaboração cuidada e a utilização
dos melhores produtos que possamos encontrar são os segredos para
que os nossos pratos tradicionais continuem a ir ao encontro do gosto
do cliente”, diz um texto sobre a filosofia do restaurante. Jack Nicholson,
exagerando nos dotes de bom ator que é, foi dramático na descrição de
sua experiência gastronômica. “Sempre me lembrarei do restaurante
Botín em Madri. Tamanha é a perfeição que quando mordi meu primeiro
pedaço de cordeiro quase chorei de emoção.”
Além dos ingredientes, há cuidados específicos com a lenha
para o forno, que vem de Toledo, nos arredores de Madri, e precisa ser
de um tipo específico, para não defumar demais a carne, alterar o gos-
to da comida ou produzir muita fumaça, pretejando o forno e aumen-
tando o risco de incêndios.
Seis anos atrás, centelhas e logo chamas consumiram a parte in-
terna da chaminé do Botín e danificaram parte da estrutura do telhado
centenário. Três caminhões de bombeiros se esgueiraram pela calle de
Cuchilleros para dar conta de apagar as chamas que começaram no fim
da tarde, quando já não havia ninguém no restaurante. Demorou uma hora
para debelarem-se as chamas. Não foi a primeira vez que isso aconteceu,
e funcionários do Botín resumem os episódios a “pequenos incêndios”
e “alarmes falsos”. Sem traumas, o restaurante abriu ao público naquela
mesma noite pós-incêndio.
Um amigo que morava em frente ao Botín na época lembra que ha-
via comprado uma câmera fotográfica naquele dia e começou a tirar fotos
de sua varanda, com vista para o Botín e a praça Mayor ao fundo, e só no
visor da câmera percebeu que havia algo de errado ali, com uma fumaça
preta saindo pela chaminé. Logo uma multidão se juntou em frente ao
restaurante, entre bombeiros, jornalistas e curiosos, temerosos de que
uma tragédia pusesse fim aos gloriosos séculos de existência do Botín.
“Foi só um alarme falso, um escândalo da imprensa. Nem vimos nada aqui de dentro,
foi só a gordura acumulada na chaminé que pegou fogo e causou aquela fumaça toda. Os
bombeiros tiveram que quebrar uma parte da chaminé para que escorresse toda a gordura
e entrasse a água”, contou um garçom do restaurante. “Quando fechamos todas as noites,
tapamos o forno e deixamos a lenha acesa, já que um forno desses demora de um a dois dias
para esquentar. De manhã cedo, às oito da manhã, já tem gente aqui para começar a cozinhar.
Não foi nada demais, isso é normal, mas aumenta a fama do lugar.”
Fachada da Casa botín. tudo está conservado
como era em 1725
34 nutrição e cultura
Mas, se hoje garçons minimizam os tais “pequenos incêndios”, o Bo-
tín guarda nas paredes a memória de tempos muito mais duros. Durante
os bombardeios da Guerra Civil Espanhola, a casa que ficava ao lado do res-
taurante foi devastada. Um cano entortado na entrada permanece ali como
sinal dos tempos. A adega subterrânea também serviu de esconderijo para
republicanos que fugiam dos franquistas durante a batalha mais sangrenta
vivida pelo país. Em plena Guerra Fria, 20 anos depois, diplomatas ameri-
canos e soviéticos dividiram um leitão ali embaixo, no andar de corredores
que se misturam com os túneis da rede subterrânea de Madri, uma espécie
de cartão-postal às avessas da cidade. No salão subterrâneo, é possível ver
no teto o antigo buraco por onde refugiados desciam por uma corda para o
porão. Um móvel que pesava uma tonelada, segundo um garçom, disfarça-
va a abertura naquele ponto no piso de cima.
Tamanha é a aura do lugar que, mesmo com os hábitos de almoçar
e jantar tarde dos espanhóis, o Botín está sempre lotado. À uma da tarde,
quando um madrileno ainda nem pensa em almoçar, os salões do Botín
já estão abarrotados de clientes, muitos turistas. É comum ouvir todas
as línguas do mundo no salão. Alardeado como ponto turístico de Madri,
o lugar é alvo de visitantes que fotografam a fachada, entram, fotografam
mais e filmam tudo o que veem pela frente. Uma mulher que almoçava
na mesa ao meu lado teve toda a refeição documentada pelo marido com
uma filmadora, trocando depois de papel com ele, para ter a experiência
inteira registrada. Um fotógrafo que parece ser oficial do restaurante tam-
bém circula oferecendo retratos instantâneos feitos ali dentro.
Tudo isso contrasta com os registros mais literários do Botín do
século passado. Ernest Hemingway, que passou largas temporadas em
Madri e outras cidades da Espanha, gostava de comer numa mesa do se-
gundo andar, virado para a parede. Até hoje está lá o mesmo quadro que
ficava naquele canto, mostrando uma vista da Madri medieval, ainda um
povoado rodeado de muralhas e um vasto campo ao redor com monta-
nhas nevadas ao fundo. Hemingway, segundo os González, atuais donos
do restaurante, era um fã confesso do leitão assado do Botín. Comia so-
zinho, enquanto escrevia, às vezes caía bêbado de sono e muitas vezes
lotava o andar com seus amigos, como o escritor norte-americano John
dos Passos e o diplomata Claude Bowers, que só arranhava o espanhol e
fazia todo o esforço do mundo para entender aqueles tempos agitados da
Espanha do início do século 20.
Em 1926, Hemingway ambientou no Botín uma das últimas ce-
nas de seu romance “O Sol Também se Levanta”, que narra uma viagem
de americanos e britânicos de Paris a Pamplona para ver a famosa cor-
rida dos touros da cidade espanhola. É provável que tenha escrito ali
mesmo as linhas que narram um farto almoço dos personagens Jake
Barnes, um soldado que ficou impotente por lesões da Primeira Guerra,
e Lady Brett Ashley, uma divorciada promíscua. “Almoçamos no andar
de cima do Botín. É um dos melhores restaurantes do mundo. Comemos
leitão assado e bebemos Rioja alta. Brett não comeu muito. Nunca co-
mia muito. Eu comi a valer e bebi três garrafas de Rioja alta”, escreveu
Hemingway no último capítulo do livro.
“Ele fez um grande favor para a gente, nos rendeu grande publicidade”, diz outro garçom do
Botín sobre o livro de Hemingway. Embora seja notória a frequência assídua do astro da literatura
americana, o restaurante não exibe em lugar algum uma fotografia do vencedor do Nobel. Tam-
bém nunca foi editado um livro sobre os ilustres que passaram pelo Botín, embora o maître ache
essa uma boa ideia, que renderia mais fama ao lugar. Em tom de brincadeira, um restaurante na
mesma calle de Cuchilleros, que tem esse nome pelos amoladores de faca que ocupavam o lugar
no século 18, estampa no toldo da entrada a frase em inglês: “Hemingway nunca comeu aqui”.
nutrição e cultura 35
Mas comeu em vários outros lugares da cidade. Embora reservasse um lugar especial para
o Botín em suas memórias, Hemingway era um entusiasta de Madri, que a descrevia como a “ci-
dade mais espanhola de todas, a mais agradável para viver, com a gente mais simpática e o me-
lhor clima do mundo”. Não por acaso, o escritor seguiu os conselhos de Gertrude Stein e esteve
nove vezes na Espanha ao longo dos anos 20 e, mais tarde, durante a Guerra Civil Espanhola, de
1937 a 1938, quando foi correspondente em Madri da North American Newspaper Alliance. Voltou
várias outras vezes nos anos 50 para ver as touradas de que tanto gostava. Hemingway então
teve tempo de sobra para conhecer outros restaurantes e bares da cidade.
Chegou a dizer num artigo que publicou na
revista “Life” nos anos 50 que a melhor comida de
Madri era servida no El Callejón, outro restaurante
do mesmo bairro histórico da capital espanhola.
Outro ponto que aparece em sua literatura é o bar
Chicote, na Gran Vía, cenário de sua peça teatral “A
Quinta Coluna”, onde “os homens podiam beber e
conversar sem ser perturbados”. Na mesma peça,
também menciona o restaurante do hotel Gran
Vía. Jake e Brett, os personagens de “O Sol Tam-
bém se Levanta”, que almoçam no Botín, também
frequentam o bar do hotel Palace, em que obser-
vam “a maravilhosa gentileza com que atendem
no bar de um grande hotel”.
Mesmo assim, o Botín foi o único que inspi-
rou o escritor a tentar ser mais do que um comen-
sal. Carlos González, atual dono do restaurante,
conta que Hemingway uma vez pediu a seu avô
que o ensinasse a fazer paella. Mas logo desisti-
ram da ideia, ficando Hemingway com as letras e
o Botín com as paellas, leitões e cordeiros.
Conheça mais “O Sol Também se Levanta”, obra de Ernest Hemingway que tem, como locação, o restaurante Botín.
www.nestle.com.br/nestlenutrisaude/NestleBio.aspx
resultado Dialogar, compreender, valorizar a opinião de cada
pessoa envolvida e, por fim, executar um trabalho de ex-
celência. Essas foram as ações fundamentais, iniciadas
em 2001, que resultaram na Reestruturação Organiza-
cional da Divisão de Nutrição e Dietética do Hospital de
Clínicas da Unicamp, projeto vencedor, em dezembro úl-
timo, da primeira edição do Prêmio aos Profissionais da
Carreira Paepe, criado para reconhecer as atividades dos
funcionários técnico-administrativos da Universidade de
Campinas (SP).
A equipe da Divisão de Nutrição e Dietética (DND)
que foi responsável pelo projeto trabalhou para modificar
todas as rotinas das áreas, que têm uma série de obje-
tivos e atribuições importantíssimas na Unicamp, como,
por exemplo, fornecer refeições, mamadeiras e dietas en-
terais e promover a assistência, o ensino e a pesquisa em
nutrição. “Tomamos a decisão de desenvolver esse proje-
to, que alterou toda a estrutura do dia a dia. A rotina de to-
dos estava difícil e desorganizada e influenciava a quali-
dade do trabalho”, conta a nutricionista Harumi Kinchoku,
Projeto de reestruturação que modificou e trouxe melhorias para a Divisão de Nutrição e Dietética do Hospital de Clínicas da Unicamp é o vencedor da primeira edição do Prêmio aos Profissionais da Carreira Paepe (profissionais de apoio ao ensino, pesquisa e extensão)
diretora da DND e principal autora do projeto, que contou
com a colaboração de mais dez nutricionistas, uma psi-
cóloga, uma assessora de qualidade e o apoio da alta ge-
rência. “Tínhamos muitos funcionários, mas a estrutura
era engessada, ou seja, uns trabalhavam demais e outros
menos, porque a estrutura não permitia a mobilidade dos
funcionários entre as áreas”, diz. “O copeiro, por exemplo,
só fazia o seu serviço e ponto, não prestava assistência
à cozinha quando era necessário – não havia a cultura
da flexibilidade, da colaboração. Além disso, o índice de
O PODER DA MUDANçA
por _ Flávia Benvenga
resultado 37
doenças ocupacionais, como LER (Lesões por Esforços
Repetitivos), era muito alto, assim como o de afastamen-
to, absenteísmo e horas extras. Como agravante, os equi-
pamentos eram obsoletos e insuficientes.”
Para reverter essa situação, a DND lançou mão de
uma metodologia da qualidade chamada redesenho de
processos para fazer uma revisão da estrutura organiza-
cional e das formas de trabalhar. O projeto foi desenvolvido
em etapas, com a participação ativa dos funcionários da
DND, de clientes internos e externos; e assessorado pelo
grupo de Qualidade e Recursos Humanos do Hospital. Com
a reestruturação do organograma, extinguiu-se a função
do supervisor de setor, que era exercida por funcionários
operacionais, e reduziram-se os níveis gerenciais de qua-
tro para dois. “Nesse novo modelo, o nutricionista passou
a fazer a gestão direta dos funcionários e o acompanha-
mento das demandas de trabalho, facilitando o acesso e a
comunicação da equipe”, conta Harumi.
O primeiro passo dado pela equipe foi o diálogo. Por
meio de muitas conversas, foram ouvidas as sugestões
de todos os profissionais e só depois as decisões foram
tomadas. Em seguida, iniciou-se a interferência direta no
organograma, que estava hierarquizado com quatro níveis
gerenciais, totalizando 47 funções. “A própria estrutura
dificultava a mobilidade entre as áreas, e a comunicação
horizontal e vertical era truncada”, explica Harumi.
Maria Bernadete Lima, assessora de qualidade do HC
da Unicamp e uma das colaboradoras do projeto, disse ao
Portal da Unicamp, na entrega do prêmio, que houve vários
ciclos de melhorias, destacando uma das mais importantes:
“As atividades da cozinha foram separadas e o preparo das
refeições dos funcionários passou a ser feito por uma equipe
diferente daquela que cuidava da alimentação dos pacientes.
Assim, boa parte das nutricionistas pôde atuar na nutrição
clínica, com o foco no paciente”.
Além dessa melhoria, houve várias outras (veja na página
41). “A sugestões foram organizadas no formato de plano
de ação, com um cronograma para sua realização. A maio-
ria das propostas foi colocada em prática na primeira fase
do projeto. “Fizemos um trabalho inovador, mas nem tudo
foi fácil”, lembra Harumi. “No início, os funcionários estra-
nharam a nova forma de trabalhar, em que se propunha
“Minha rotina melhorou muito”Ednir de Fátima Machado Salles
48 anos, copeira, há 25 anos trabalha no HC da Unicamp
Diariamente, Ednir prepara o lanche
da tarde para os pacientes do HC
da Unicamp: faz 100 litros de suco
concentrado, 30 litros de chá-mate
ou de erva-doce, organiza os
alimentos, coloca-os nas bandejas
e ainda executa várias outras
atividades. É um trabalho que ela
gosta muito. Mas há cerca de dez
anos não estava satisfeita.
“Eu fazia de tudo um pouco: ajudava
na cozinha, lavava, limpava. O serviço
era muito pesado”, conta Ednir.
“Hoje, minha rotina melhorou
bastante, graças ao sistema
multifunção, que, além de nos dar a
oportunidade de trabalhar em coisas
diferentes, ajudou no relacionamento
e na boa integração entre colegas.”
A copeira lembra, porém, que
no início da implementação da
multifuncionalidade ela e outros
profissionais estranharam o sistema.
“Cheguei até a rejeitar as
novidades, pois não é fácil
mudar. Hoje vejo que esse
era o caminho certo.”
38 resultado
“Todos ganharam com as mudanças”Maria Isabel Melo de Paolis
53 anos, enfermeira, assistente técnica de direção na área de
gestão de pessoas do Departamento de Enfermagem, há 25
anos trabalha no HC da Unicamp
Quando recorda a época em que as
mudanças no DND começaram a ser
implementadas, a enfermeira Maria
Isabel se emociona: “Eu trabalhava
na enfermagem da pediatria e era
angustiante ver a dificuldade das
mães e acompanhantes das crianças
na hora das refeições. Isso porque
servíamos os alimentos em marmitex,
tanto para os pacientes quanto para
os acompanhantes, que só comiam
depois de alimentar seus filhos e
de forma muito desconfortável,
geralmente no colo e junto ao leito”.
Além de a comida esfriar com
facilidade, as embalagens usadas
eram jogadas no lixo do quarto,
causando mau cheiro. Hoje, a
melhora é inquestionável, pois
os pacientes recebem suas
refeições em pratos térmicos e
o acompanhante alimenta-se no
refeitório do HC da Unicamp.
“Todos ganharam com
as mudanças, tanto
sob o ponto de vista
nutricional, porque
as refeições são
completas, com prato
principal, salada e
sobremesa, como com
relação à comodidade
e à higiene.”
a multifuncionalidade, ou seja, um auxiliar de nutrição,
por exemplo, poderia atuar tanto na copa como nos pro-
cessos de produção, mas, com o tempo, todos percebe-
ram as vantagens dessa prática e passaram a gostar da
nova estrutura.”
Vale explicar que a multifuncionalidade foi elabora-
da com a participação do pessoal, levando-se em conta o
perfil e a escolaridade que algumas funções exigem. Isso
possibilitou a mobilidade do funcionário entre os diferen-
tes setores e a visão ampliada do serviço para os envol-
vidos. “Seguramente, trouxe como resultado, também, a
elevação da autoestima de muitos funcionários que se
sentiam inferiorizados por exercerem sempre uma única
função”, relata a diretora.
ParceriasO processo de mudança contou com diversas par-
cerias. Uma delas ocorreu com a Divisão de Recursos
Humanos do HC da Unicamp. A psicóloga Loide de Souza
Mafra, que atua no Serviço de Desenvolvimento e Apoio de
Pessoal da Enfermagem do Trabalho, lembra-se da época
em que participou do trabalho de sensibilização dos fun-
cionários para aderirem às mudanças: “Cerca de dois me-
ses antes de se colocar o plano em ação, desenvolvemos
uma série de encontros e reuniões de grupos formados
por copeiros e auxiliares de cozinha – a categoria de pro-
fissionais mais resistente à multifuncionalidade – para
mostrar a importância das mudanças. E após a imple-
mentação do plano continuamos a dar apoio”.
resultado 39
Outra área com forte atuação foi a da medicina do
trabalho, pois havia um bom número de pessoas com
doenças ocupacionais. De acordo com Harumi, muitas
atividades repetitivas foram reduzidas, o que diminuiu a
incidência de lesões nos funcionários. “Um exemplo é a
inclusão de hortaliças minimamente pré-processadas nos
cardápios, eliminando a etapa de pré-preparo que era rea-
lizada pelos funcionários”, afirma a diretora. Essa medida
ajudou também a diminuir a geração de resíduo orgânico e
o consumo de energia e de água (cerca de 3.420.000 litros
de água ao ano). Isso provocou, ainda, a economia de recur-
sos para a instituição, que deixou de reparar e substituir os
equipamentos destinados a esse processo.
“O projeto conquistou o primeiro lugar do Prêmio
aos Profissionais da Carreira Paepe porque privilegiou
a reorganização da estrutura funcional e de serviços
da Divisão e trouxe grandes benefícios para a universi-
dade e a comunidade, considerando-se os usuários do
HC da Unicamp”, ressalta Carlos Paraizo, assessor de
comunicação da Diretoria-Geral de Recursos Humanos e
membro do Comitê Organizador do Prêmio Paepe. Foram
inscritos 185 projetos, com 37 premiados.
“Não temos mais uma equipe engessada”Maria Sílvia Ramos Kitamura
53 anos, nutricionista da Divisão de Nutrição e Dietética, há 12 anos
trabalha no HC da Unicamp
A nutricionista Maria Sílvia participou
da introdução da multifuncionalidade
na DND e lembra que muitos
profissionais levaram um bom tempo
para se adaptar à nova situação, que
exigia rodízio de funções, sobretudo
do pessoal das áreas de apoio – como
a copa. “Muitos foram resistentes,
mas era preciso mudar porque havia
excesso de pessoas e pouca demanda
e tempo ocioso”, conta. “Alguns foram
mais exigidos, tiveram que aprender
novos processos. Fizemos um
longo trabalho de conscientização,
que provocou um resultado muito
positivo. Não temos mais uma equipe
engessada; agora podemos fazer
remanejamentos sem problemas.”
120 funcionários,
sendo:
13 nutricionistas
2 técnicos em nutrição
9 administrativos
8 cozinheiros
88 copeiros/auxiliares
Realiza por mês:
4.000 atendimentos
nutricionais em
Unidades de Internação
e Ambulatório e
Unidade de Emergência
Referenciada (UER)
600 atendimentos
nutricionais em
Ambulatório e UER
Prepara por dia:
1.300 refeições
intermediárias
(desjejum, lanche
e ceia)
1.300 refeições
principais (almoço
e jantar)
10 dietas
individualizadas
para controle
metabólico
(consideradas
um diferencial
em Unidades
de Alimentação
Hospitalar)
700 refeições para
funcionários da
área da saúde e
da Unicamp, nos
fins de semana e
feriados
450 frascos de
nutrição enteral
150 mamadeiras
OS N
úMER
OS
40 resultado
Trata-se de um projeto exitoso – que pode servir de ins-
piração para diversas instituições ligadas à nutrição, saúde e
bem-estar –, que trouxe uma série de benefícios. Para a dire-
tora Harumi, entretanto, merece destaque o resgate da autoes-
tima e da solidariedade da equipe, a organização e a padroni-
zação dos processos de trabalho e a melhoria na assistência
nutricional ao paciente. “Todas as ações proporcionaram uma
visão global da DND pelos funcionários”, observa. “Desde o iní-
cio da implementação do projeto, semeamos a cultura da me-
lhoria contínua em todos os aspectos. Tivemos percalços e ad-
versidades ao longo da jornada, no entanto eles renderam bons
frutos entre os funcionários e, sobretudo, entre os pacientes.”
“Hoje, conseguimos conversar com os superiores”Claudinei Ribeiro
41 anos, cozinheiro, há18 anos trabalha no HC da Unicamp
Ele já foi copeiro, auxiliar de cozinha
e em 2009 assumiu a função de
cozinheiro. Entretanto, essa evolução
profissional e de cargos não estava
clara nos planos de Claudinei.
“Quando se começou a colocar em
ação a multifuncionalidade, eu era
copeiro e, confesso, foi um choque
pra mim”, diz. “Só pensava e queria
fazer um tipo de trabalho. Resisti
muito.” Com o tempo, Claudinei sentiu
em seu dia a dia que mudar faz
bem e todos os envolvidos ganham.
“Passei a ter bons relacionamentos
com o pessoal das diversas áreas
e, de quebra, também cresci como
profissional porque fui aprendendo
mais e querendo mais.” Ao fazer
uma avaliação de todo o processo
de reestruturação da divisão, uma
das coisas que o cozinheiro mais
valoriza é a criação de um canal de
comunicação com a chefia.
“Somos mais parceiros,
conseguimos conversar
com os superiores.
É ótimo!”
A DIVISãO DE NUTRIçãO E DIETéTICA DO HC DA UNICAMP
Localizada no primeiro andar do Hospital de Clínicas da
Unicamp, a DND ocupa um espaço de 1.443 m2 que integra as
áreas administrativas, de recebimento, armazenamento, pre-
paro, cafeteria, montagem de dietas, refeitório, higienização de
bandejas e de utensílios e preparo de dietas enterais. Possui 11
copas de apoio nas Unidades de Internação e um lactário na en-
fermaria da pediatria. O setor de produção das refeições planeja,
elabora e confecciona cardápios de dietas de rotina, modificadas
e especializadas de acordo com técnicas recomendadas e com a
legislação sanitária para atender à demanda de pacientes do HC
da Unicamp com diferentes doenças e das demais unidades da
área da saúde. A DND faz também o gerenciamento da distribui-
ção e o controle das refeições para funcionários produzidas pelo
Restaurante Universitário nos dias úteis (1.600/dia) e as refei-
ções da ceia (250/dia) fornecidas pela empresa terceirizada.
A Divisão está presente nas Unidades de Internação e
em alguns Ambulatórios atuando juntamente com a equipe
multiprofissional no cuidado dos pacientes para avaliar o esta-
do nutricional e intervir precocemente. Dessa forma, é possível
fazer a prevenção, a recuperação e/ ou manutenção do bom
estado nutricional, para agir como coadjuvante no tratamento
de doen ças. A área desenvolve também a educação nutricional
para pacientes e seus familiares portadores de doenças crônico-
degenerativas. Além das atividades de apoio à assistência, a
DND desenvolve o ensino e a pesquisa por meio de sete cursos
de aprimoramento profissional e especialização latu sensu em
diferentes especialidades para nutricionistas e estágio curricu-
lar para alunos da Faculdade de Nutrição da Unicamp.
OS PRINCIPAIS RESULTADOS DO PROJETO■ Implementação da multifuncionalidade na área operacional e administrativa.
■ Unificação da cozinha geral e dietética.
■ Implementação de hortaliças minimamente pré-processadas, eliminando a fase de pré-preparo do alimento.
Membros da divisão de nutrição e dietética do Hospital de Clínicas da Unicamp recebem a
premiação.
resultado 41
■ Substituição do processo manual no preparo de
pães e biscoitos para pacientes (cortar, passar
margarina ou geleia, embalar em sacos plásticos)
com aquisição de margarina, geleias e biscoitos
sob a forma de sachês individuais.
■ Implementação de pratos térmicos com refil
descartável para pacientes, em substituição à
marmitex descartável.
■ Humanização do atendimento ao familiar ou
cuidador acompanhante, que passou a realizar as
refeições principais (almoço e jantar) no refeitório
em vez de na enfermaria.
■ Transferência da produção de refeições para
funcionários, juntamente com uma equipe
composta por dez auxiliares, três cozinheiros
e dois nutricionistas, para o Restaurante
Universitário.
■ Impacto financeiro no primeiro ano após a
implementação: redução de 8% na folha de
pagamento e de 73% dos custos com gratificações
de representação.
■ Com as melhorias, uma parcela dos funcionários que
apresentavam restrição de atividades, com indicação
para serem transferidos para outras áreas, pôde ser
acomodada na DND.
■ Deslocamento de grupo de nutricionistas para atuar
exclusivamente na assistência do paciente.
■ Acomodação da área de Recursos Humanos ao modelo
de trabalho de acordo com o perfil de cada um.
Fonte: Harumi Kinchoku, diretora do DND
NUTRIçãO E ESTRU TURA CEREBRALA ingestão deficiente de ferro na infância pode resultar em
alterações estruturais do cérebro na vida adulta.
sabor e saúde
Sua deficiência constitui a carência nutricional mais
comum em todo o mundo. No Brasil, dados de inquéritos re-
gionais mostram uma alta prevalência especialmente entre
menores de 5 anos, apesar da existência do programa na-
cional de fortificação de farinhas, instituído em 2004, que
requer que todas as farinhas de trigo e milho comercializadas
no país sejam fortificadas com ferro e ácido fólico [1].
Em âmbito mundial, a anemia por deficiência de ferro
atinge 46% das crianças e 48% das gestantes, segundo a Or-
ganização Mundial da Saúde (OMS). Dados da literatura na-
cional indicam que a prevalência de anemia é da ordem de
50%, podendo chegar a 80% em determinados grupos [2,3].
O ferro, assim como a transferrina (sua proteína trans-
portadora), é fundamental para a atividade cerebral. Altera-
ções na sua homeostase resultam em quadros de deficiência
ou acúmulo, ambos com relevância clínica [3].
As consequências associadas à deficiência de ferro afe-
tam diretamente o desenvolvimento neurológico e cognitivo em
todas as fases da vida, resultando em apatia, irritabilidade, redução
da capacidade de concentração e do aprendizado. Por outro lado, o
excesso de ferro na idade adulta está associado a doenças neu-
rodegenerativas como Parkinson, Huntington e Alzheimer [4,5,6].
A interação entre a transferrina e seus receptores pare-
ce regular o transporte do ferro. Quando os níveis do mineral
estão muito baixos, o fígado produz mais transferrina para
estimular o transporte [7].
Estudos realizados em ratos demonstraram que a de-
ficiência de ferro eleva a concentração de transferrina no
cérebro, sobretudo no hipocampo e no striatum. No caso de
excesso de ferro, a quantidade de transferrina é reduzida [8].
Uma vez que tanto a deficiência como o excesso de
ferro impactam negativamente a saúde do cérebro, grande
investimento tem sido feito para elucidação dos mecanismos
moleculares envolvidos no seu transporte e homeostase.
O ferro é um elemento essencial a todos
os organismos vivos, participando
ativamente de processos bioquímicos
metabólicos vitais, como a síntese de
DNA, RNA e proteínas, transporte de
elétrons, respiração, proliferação celular
e regulação da expressão gênica.
por _ Maria Fernanda Elias Llanos
NUTRIçãO E ESTRU TURA CEREBRAL
44 sabor e saúde
Influência epigenética e genéticaUm estudo conduzido por pesquisadores da Uni-
versidade da Califórnia (UCLA) e publicado no Procee-
dings of the National Academy of Sciences (PNAS) em
janeiro deste ano demonstrou que, além de resultar em
prejuízo cognitivo, a deficiência de ferro na infância
pode também afetar a estrutura física cerebral [9].
A passagem do ferro para o cérebro se dá, primei-
ramente, pela barreira hematoencefálica. A partir da li-
gação com o receptor, acredita-se que a maior parte da
transferrina retorna para a corrente sanguínea e o ferro
pode, então, se ligar à transferrina sintetizada no cére-
bro pelos oligodendrócitos da substância branca. Assim,
a maior parte do ferro do cérebro é encontrada nos oligo-
dendrócitos, atuando no processo de mielinização [10].
A primeira hipótese de Jahanshad e col. foi que
haveria menor integridade de substância branca em
adultos com menores níveis de ferro durante a infância.
Outra hipótese do grupo era que os volumes estru-
turais em regiões cerebrais com maiores concentrações
de ferro seriam menores em indivíduos com altos níveis
de transferrina sérica, já que este é um sinal de que o
fígado está reagindo à baixa disponibilidade de ferro. Os
pesquisadores esperavam também encontrar menores
volumes hipocampais nesses indivíduos, confirmando
os resultados de testes feitos em ratos. A região do hi-
pocampo é vulnerável às perdas neuronais em doenças
degenerativas.
Para testar as hipóteses, a equipe coletou ima-
gens por ressonância magnética (MRI) de 615 adultos
jovens, incluindo indivíduos com algum grau de paren-
tesco e gêmeos. Destes, 574 também foram submeti-
dos ao tensor de difusão de imagem (DTI) para acessar
as diferenças volumétricas e microestruturais da subs-
tância branca, potencialmente associadas com as va-
riações séricas de transferrina durante a adolescência.
Além disso, o mapeamento permitiu verificar a integrida-
de da mielina, responsável pela condução eficiente dos
impulsos nervosos.
Outro dado relevante é que os fatores genéticos são responsáveis por 66% e 49%
das variações nos níveis séricos de transferrina em homens e mulheres, respectiva-
mente [11]. Assim, a população de gêmeos do desenho experimental teve como obje-
tivo observar a contribuição dos genes nas variações da estrutura cerebral e níveis de
transferrina. A equipe conduziu testes exploratórios em todos os SNPs (Single-Nucleotide
Polymorphisms ou Polimorfismos de Base Única) dos dois maiores genes relacionados à
transferrina: TF (no cromossomo 3) e HFE (no cromossomo 6).
Os resultados do estudo culminaram em três descobertas principais. A primeira
mostra que os níveis de transferrina sérica, medidos durante a adolescência, foram
associados a variações macro e microneuroanatômicas de determinadas regiões na
idade adulta (cerca de 9 anos após a coleta das amostras de sangue). Indivíduos com
níveis elevados de transferrina apresentaram alterações estruturais no cérebro vulne-
ráveis a neurodegeneração.
Fatores genéticos são responsáveis por 66% e 49% das variações nos níveis séricos de transferrina em homens e mulheres, respectivamente
sabor e saúde 45
O segundo achado mostrou que a associação dos níveis de transferrina com a
integridade da estrutura cerebral foi mediada pelos genes. E, finalmente, que o polimor-
fismo H63D do gene HFE influencia tanto os níveis séricos de transferrina como a mi-
croestrutura da substância branca da cápsula externa.
O trabalho de Jahanshad e col. foi um dos maiores estudos genéticos envolvendo
neuroimagem realizados até hoje em indivíduos saudáveis. Os resultados ressaltam a
importância da ingestão adequada de ferro nos primeiros anos de vida e apontam para
a ligação direta entre variação genética e estrutura cerebral. As descobertas poderão
também suportar estudos futuros que elucidarão ainda mais a relação do ferro com as
funções cerebrais e com o desenvolvimento e risco de doenças neurodegenerativas.
biodisponibilidade e recomendaçõesAs principais fontes alimentares de ferro são as carnes e os ovos, já que a maior
parte se concentra na forma heme, mais biodisponível. A carne bovina, por exemplo,
possui 50% do seu teor de ferro na forma heme, cuja biodisponibilidade varia de 15%
a 35%. A absorção do ferro hemínico é relativamente independente da composição da
refeição e é pouco afetada por fatores inibidores ou facilitadores da dieta, assim como
pelo estado nutricional do indivíduo [12].
Por outro lado, o ferro não heme, encontrado em alimentos vegetais como legu-
minosas, depende de fatores relacionados ao indivíduo e à composição da alimentação
para ser absorvido. Um estudo sobre biodisponibilidade de ferro de dietas mistas em
humanos, utilizando radioisótopos, verificou uma variação de 16% na absorção, identi-
ficando os fatores que exercem maior influência: carnes
em geral, ácido fítico e vitamina C. As carnes e a vitamina
C aumentam a biodisponibilidade de ferro, enquanto que
existe correlação inversa entre a absorção do mineral e
o conteúdo de fitato dos alimentos. A tabela 1 relaciona
alguns dos fatores que afetam a absorção do ferro com
maior ou menor intensidade [13].
Devido à grande variabilidade de resultados en-
contrados, existe controvérsia na literatura sobre a in-
fluência do cálcio na biodisponibilidade de ferro. Estu-
dos sobre a absorção do ferro em indivíduos eutróficos,
utilizando radioisótopos, indicaram inibição moderada
da absorção do ferro não heme e heme pelo cálcio. Ou-
tros estudos controlados verificaram que fontes de alta
biodisponibilidade de ferro não sofreram efeito negativo
com a ingestão de queijo na mesma refeição, contendo
127 mg de cálcio. Assim, os pesquisadores recomen-
dam que o consumo de alimentos fontes de cálcio, como
leite e derivados, fique restrito ao desjejum e aos lan-
ches que intercalam as refeições principais [13].
Tabela 1 – Fatores que afetam a absorção do ferro [13]
I N I B E M
Ácido fítico
Fibra alimentar
Oxalatos
Fosfatos
Polifenóis
Proteína de soja
Proteína do ovo
M E L H O R A M
Ácido ascórbico
Proteína da carne
Ácidos orgânicos
Aminoácidos
Álcool
reFerênCIAS[1] The Lancet. Saúde no Brasil. Elsevier, Mai 2011. Acesso online: http://www.thelancet.com/series/health-in-brazil. [2] Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Rio de Janeiro, 2011. [3] World Health Organization (WHO). Iron Defi ciency Anaemia: Assessment, Prevention, and Con-trol. A guide for programme managers. Geneve, 2001. [4] Bartzokis G, et al. (1994) In vivo evaluation of brain iron in Alzheimer’s disease and normal subjects using MRI. Biol Psychiatry 35:480–487. [5] Bartzokis G, et al. (1999) MRI evaluation of brain iron in earlier- and later-onset Parkinson’s disease and normal subjects. Magn Reson Imaging 17:213–222. [6] Jurgens CK, et al. (2010) MRI T2 hypointensities in basal ganglia of premanifest Huntington’s disease. [7] Moos T, Morgan EH (2000) Trans-ferrin and transferrin receptor function in brain barrier systems. Cell Mol Neurobiol 20:77–95. [8] Erikson KM, Pinero DJ, Connor JR, Beard JL (1997) Regional brain iron, ferritin and transferrin concentrations during iron defi ciency and iron repletion in developing rats. J Nutr 127:2030–2038. [9] Jahanshad N, et al. Brain structure in healthy adults is related to serum transferrin and the H63D polymorphism in the HFE gene. PNAS 2012 : 1105543109v1-201105543. [10] Todorich B, Pasquini JM, Garcia CI, Paez PM, Connor JR (2009) Oligodendrocytes and myelination: The role of iron. Glia 57:467–478. [11] Whitfi eld JB, et al. (2000) Effects of HFE C282Y and H63D polymorphis-ms and polygenic background on iron stores in a large community sample of twins. Am J Hum Genet 66:1246–1258. [12] Philippi, S.T. Pirâmide dos alimentos: fundamen-tos básicos da nutrição. Barueri, São Paulo: Manole, 2008. [13] Cozzolino SMF. Biodisponibilidade de nutrientes. Barueri: Manole, 2005. [14] Institute of Medicine. Dietary reference intakes; the essential guide to nutriente requirements. Washington (DC): National Academy Press; 2006. [15] Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científi co de Nutrologia. Manual de orientação para alimentação do lactente, do pré-escolar, do escolar, do adolescente e na escola. Rio de Janeiro; 2006.
Conheça o livro com as receitas do Projeto Criança Sem Anemia e do Portal Cozinha Nestlé
http://www.nestle.com.br/nestle-nutrisaude/NestleBio.aspx
Tabela 2 – Ingestão de referência de ferro [14]A tabela 2 apresenta as recomendações atuais de ferro, segundo as
DRIs, que são bastante variáveis de acordo com o estágio de vida [14].
Para que as recomendações sejam atingidas, o Guia Alimentar para a
População Brasileira indica o consumo diário de uma porção de alimentos do
grupo das Carnes e dos Ovos, o equivalente a: 64 g de bife grelhado ou 100 g
de filé de frango grelhado ou 200 g de merluza cozida ou 125 g de ovo cozido.
O guia preconiza o consumo de carnes frescas de aves e peixes, assim como o
preparo de ovos com pouco ou nenhum óleo [12].
O Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria orien-
ta que sejam consumidas 2 porções diárias de alimentos do grupo das Carnes
e dos Ovos por crianças e adolescentes [15].
Criança sem Anemia: um projeto de prevençãoCom o objetivo de reduzir a prevalência de anemia em creches da cidade
de Porto Alegre (RS), o Projeto Criança Sem Anemia desenvolveu e testou um
cardápio de merenda escolar rico em ferro para a realização de um estudo de
intervenção. A ação foi uma parceria da Associação dos Amigos da Hematolo-
gia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Hemoamigos) com o Serviço Social
do Comércio (SESC). O cardápio testado continha 10 mg de ferro e foi aplicado em 6 creches.
No estudo, foram incluídas creches controles onde os cardápios das merendas
não sofreram modificações. Como resultado, houve uma redução média de 44%
na prevalência de anemia nas creches que sofreram intervenção alimentar.
O sucesso do projeto motivou a elaboração de um livro de receitas com
orientações nutricionais que visam a prevenção da anemia ferropriva.
Um levantamento realizado pelo Projeto Criança Sem Anemia, entre os
anos de 2005 e 2006, verificou prevalência severa de anemia entre crianças e
gestantes no Rio Grande do Sul, segundo classificação da Organização Mundial
da Saúde (OMS).
46 sabor e saúde
Estágio da Vida RDA (mg/dia) UL (mg/dia)
Crianças
0 a 6 meses 40,0
7 a 12 meses 11,0 40,0
1 a 3 anos 7,0 40,0
4 a 8 anos 10,0 40,0
Homens
9 a 13 anos 8,0 40,0
14 a 18 anos 11,0 45,0
≥ 19 anos 8,0 45,0
Mulheres
9 a 13 anos 8,0 40,0
14 a 18 anos 15,0 45,0
19 a 50 anos 18,0 45,0
≥ 51 anos 8,0 45,0
Gravidez
≤ 18 anos 27,0 45,0
19 a 50 anos 27,0 45,0
Lactação
≤ 18 anos 10,0 45,0
19 a 50 anos 9,0 45,0
leitura crítica
Prof. dr. durval ribas Filho, é médico nutrólogo, Presidente da Associação brasileira de nutrologia/AbrAn, Vice-presidente da Associação latino- Americana de nutrologia/AlAn, Professor de nutrologia da Faculdade de Medicina Fundação Padre Albino/FAMeCA-SP, Professor do Ambulatório de Clínicas do Hospital escola emílio Carlos/FIPA-SP e Professor da Faculdade de nutrição do IMeS/FAFICA-SP.
[1] Schwartz MW, Woods SC, Porte D Jr, Seeley RJ & Baskin DG (2000) Central nervous system control of food intake. Nature 404, 661–671. [2] Kern A, Albarran-Zeckler R, Walsh HE, Smith RG. Apo-Ghrelin Receptor Forms Heteromers with DRD2 in Hypothalamic Neurons and Is Essential for Anorexigenic Effects of DRD2 Agonism. Neuron, 2012; 73 (2): 317-332.
A homeostase energética envolve a inte-gração de sinais de longo prazo e de curto pra-zo. Os primeiros partem do tecido adiposo (lep-tina) e da célula betapancreática (insulina); os segundos partem do trato gastrointestinal e estão relacionados à ingestão de alimento, incluindo os sinais inibidores da alimentação (PYY, GLP-1 e CCK) e estimuladores da alimenta-ção (GHR). Esses sinais são integrados dentro do cérebro e regulam o início e o término da in-gesta alimentar e o gasto energético.
O sistema nutroneurometabólico de ho -meostase energética teve seus primeiros pas-sos desvendados a partir da publicação de Schwartz e colaboradores [1], demonstrando que o mais antigo questionamento relacionado ao processo de iniciação e término da alimenta-ção se baseia, possivelmente, no envolvimento de sinalizadores aferentes periféricos e cen-trais de neuropeptídeos e peptídeos gastroin-testinais. Funciona como se fosse um balanço de energético Yin e Yang, positivo e negativo, em que os peptídeos orexígenos são antagoni-zados pelos peptídeos anorexígenos, resultan-do em homeostase energética; pequenos erros nesse sistema de controle da ingesta alimentar são suficientes para o desenvolvimento de acú-mulo ou de deficit de energia, favorecendo adi-posidade excessiva ou caquexia.
A modulação desse sistema de controle da homeostase energética se dá por diferen-
tes tipos de sinais associados à adiposidade e à saciedade; nos primeiros há o envolvimento direto dos hormônios adipocitários (leptina e insulina), que são carreados diretamente por proteínas específicas para interagir com recep-tores no núcleo arqueado (NPY/AGRP), estimu-lando o sistema anabólico e inibindo o sistema catabólico. Concomitantemente, como se fosse um balanço regulatório oposto, os peptídeos sinalizadores do trato gastrointestinal são libe-rados e o efeito sacietógeno se inicia através de estimulo vagal e mecânico (gânglio cervical superior e aferente espinal cervical / Sistema Nervoso Central). Essa complexidade de sina-lizadores peptídicos centrais e periféricos para a manutenção da homeostase energética está sendo esclarecida, com maior desenvoltura, por meio da descoberta dos receptores e subtipos de receptores que modulam essas sinalizações centrais nos núcleos hipotalâmicos, como espe-cificamente os receptores do peptídeo orexígeno Grelina (GHSR1). Schwartz e colaboradores [1] sumarizaram também o sistema sinalizador da atividade do complexo neuronal (NPY/AGRP) en-volvendo a atividade da Grelina central no contro-le da ingesta alimentar. Naquela publicação ficou demonstrado que o GHS-R é ativado no jejum, es-timulando a expressão do NPY/AGRP e inibindo o complexo anorexigênico POMC/CART.
Mas o grande paradoxo não respondido na época foi por que os receptores de Grelina estão
abundantes no cérebro e a própria Grelina é pra-ticamente indetectável? Como seria possível a Grelina interagir no sistema de homeostase ener-gética sem ser detectável no tecido cerebral?
A recente publicação na revista Neuron de Kern e colaboradores [2] está praticamente des-vendando esse mistério molecular: a interação do receptor da Grelina (GHSR1) com o subtipo de receptor da Dopamina (DRD2), alterando a sina-lização dos sinais dopaminérgicos. O interessan-te nesse trabalho experimental com ratos é que essa interação de ambos os receptores (GHSR1/ DRD2) nos mesmos neurônios pode levar à mo-dificação dos sinais dopaminérgicos clássicos, justificando que, mesmo na não detecção de Grelina no tecido cerebral, bases moleculares de receptores interagem para a atividade plena da ação básica da Grelina no sistema nutroneuro-metabólico de homeostase energética.
Considerando-se os fundamentos farma-cológicos nas terapêuticas antiobesidade com base molecular (e distúrbios psiquiátricos de condutas alimentares inadequados), via anta-gonistas do complexo NPY/AGRP e agonistas do alfa-MSH/CART, envolvendo os diferentes com-plexos de subtipos de receptores peptídicos (nesse caso GHSR1/DRD2), certamente esse trabalho científico é mais uma rica contribuição no desenvolvimento de agentes farmacológicos na correção do desbalanço do sistema de ho-meostase energético humano.
Homeostase Energética: Receptores da Grelina alteram a sinalização dopaminérgica
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