anÁlise comparativa da forma urbana de cidades … 05(02) 08.pdf · cidade pop fractal forma...

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Minerva, 5(2): 177-185 ANÁLISE COMPARATIVA DA FORMA URBANA DE CIDADES BRASILEIRAS DE PORTE MÉDIO Suely da Penha Sanches Marcos Antonio Garcia Ferreira Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luis, km 235, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil, e-mails: [email protected]; [email protected] Resumo Este artigo apresenta uma análise da forma urbana de 29 cidades brasileiras de porte médio (com população entre 150 e 300 mil habitantes), utilizando três métricas espaciais: complexidade do perímetro, forma da mancha urbana e densidade populacional. Para as análises utilizaram-se imagens das zonas urbanas obtidas do GoogleEarth, que foram registradas e vetorizadas no software TransCAD. As correlações entre a forma urbana e os indicadores sócio-econômicos que caracterizam as áreas de estudo mostraram a influência do nível de renda da população na forma da cidade. Um procedimento de análise de cluster, utilizado para dividir as cidades em três grupos, evidenciou a diferença entre as cidades com menor nível de renda e as demais. Verificou-se que níveis sócio-econômicos mais elevados estão associados a baixa densidade e a uma cidade fragmentada e complexa, enquanto níveis sócio-econômicos mais baixos resultam em formas urbanas mais compactas e simples. Palavras-chave: forma urbana, análikse espacial, cidades de porte médio. Introdução As vantagens e desvantagens de cidades espalhadas ou compactas têm sido um tópico bastante discutido na área de planejamento urbano e de transportes. Diversos trabalhos publicados tratam da “forma urbana ideal” ou da “forma urbana sustentável”, que procura melhorar a vitalidade econômica e a eqüidade social e reduzir a deterioração do ambiente (Newman & Kenworthy, 1999; Burton, 2001). Embora esse tópico venha sendo discutido há algum tempo, poucas são as análises mais rigorosas e completas das diferenças de forma urbana em diversas regiões do Brasil encontradas na literatura. Uma revisão preliminar da bibliografia publicada sobre esse tema permitiu identificar os trabalhos realizados por Costa (2001) e Lima et al. (2003). Para tratar dessa questão, as imagens disponíveis no Google Earth oferecem uma oportunidade nova de mensurar a forma urbana das cidades. O Google Earth (www.earth.google.com/) é um programa cuja função é apresentar um modelo tridimensional do globo terrrestre, construído a partir de fotografias de satélite obtidas de diversas fontes. A utilização dessas imagens associada ao emprego de métricas espaciais permite mensurar a estrutura urbana e determinar padrões espaciais de crescimento. Compreender os padrões de crescimento urbano pode auxiliar na definição de políticas públicas na área de transporte. Nesse contexto, este artigo apresenta uma compa- ração sistemática da forma urbana de diferentes cidades brasileiras de porte médio (com população entre 150 e 300 mil habitantes), utilizando três métricas espaciais: complexidade do perímetro, forma da mancha urbana e densidade populacional. Métricas Espaciais Métricas espaciais são indicadores quantitativos derivados de análises digitais de mapas temáticos desenvolvidos no campo da ecologia de paisagem na década de 1980 (McGarical & Marks, 1994). Esses indicadores permitem mensurar a estrutura urbana em uma escala de análise específica. Uma grande diversidade de métricas espaciais tem sido empregada em diferentes áreas de estudo. Riitters et al. (1995), por exemplo, descrevem 55 métricas e avaliam comparativamente os resultados obtidos com a aplicação das diferentes alternativas. Herold et al. (2003) exploram a aplicação combinada de sensoriamento remoto e métricas espaciais para modelar o crescimento urbano na cidade de Santa Bárbara, Califórnia, durante um período de 72 anos. Para esta pesquisa, foram utilizadas três métricas espaciais que capturam diferentes dimensões da forma urbana: complexidade do perímetro, forma e densidade urbana bruta. Complexidade do perímetro A complexidade do perímetro é definida pela dimensão fractal. Este índice descreve a complexidade do perímetro de uma mancha urbana através da relação entre o perímetro e a área (Bennion & O´Neill, 1994; Sanches,

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Minerva, 5(2): 177-185

ANÁLISE COMPARATIVA DA FORMA URBANA DE CIDADES BRASILEIRAS... 177

ANÁLISE COMPARATIVA DA FORMAURBANA DE CIDADES

BRASILEIRAS DE PORTE MÉDIOSuely da Penha Sanches

Marcos Antonio Garcia FerreiraDepartamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de São Carlos,

Rodovia Washington Luis, km 235, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil,e-mails: [email protected]; [email protected]

ResumoEste artigo apresenta uma análise da forma urbana de 29 cidades brasileiras de porte médio (com população entre 150 e 300mil habitantes), utilizando três métricas espaciais: complexidade do perímetro, forma da mancha urbana e densidade populacional.Para as análises utilizaram-se imagens das zonas urbanas obtidas do GoogleEarth, que foram registradas e vetorizadas nosoftware TransCAD. As correlações entre a forma urbana e os indicadores sócio-econômicos que caracterizam as áreas deestudo mostraram a influência do nível de renda da população na forma da cidade. Um procedimento de análise de cluster,utilizado para dividir as cidades em três grupos, evidenciou a diferença entre as cidades com menor nível de renda e asdemais. Verificou-se que níveis sócio-econômicos mais elevados estão associados a baixa densidade e a uma cidade fragmentadae complexa, enquanto níveis sócio-econômicos mais baixos resultam em formas urbanas mais compactas e simples.

Palavras-chave: forma urbana, análikse espacial, cidades de porte médio.

IntroduçãoAs vantagens e desvantagens de cidades espalhadas

ou compactas têm sido um tópico bastante discutido naárea de planejamento urbano e de transportes. Diversostrabalhos publicados tratam da “forma urbana ideal” ou da“forma urbana sustentável”, que procura melhorar a vitalidadeeconômica e a eqüidade social e reduzir a deterioração doambiente (Newman & Kenworthy, 1999; Burton, 2001).

Embora esse tópico venha sendo discutido há algumtempo, poucas são as análises mais rigorosas e completasdas diferenças de forma urbana em diversas regiões doBrasil encontradas na literatura. Uma revisão preliminarda bibliografia publicada sobre esse tema permitiu identificaros trabalhos realizados por Costa (2001) e Lima et al. (2003).

Para tratar dessa questão, as imagens disponíveisno Google Earth oferecem uma oportunidade nova demensurar a forma urbana das cidades. O Google Earth(www.earth.google.com/) é um programa cuja função éapresentar um modelo tridimensional do globo terrrestre,construído a partir de fotografias de satélite obtidas dediversas fontes.

A utilização dessas imagens associada ao empregode métricas espaciais permite mensurar a estrutura urbanae determinar padrões espaciais de crescimento. Compreenderos padrões de crescimento urbano pode auxiliar na definiçãode políticas públicas na área de transporte.

Nesse contexto, este artigo apresenta uma compa-ração sistemática da forma urbana de diferentes cidadesbrasileiras de porte médio (com população entre 150 e

300 mil habitantes), utilizando três métricas espaciais:complexidade do perímetro, forma da mancha urbana edensidade populacional.

Métricas EspaciaisMétricas espaciais são indicadores quantitativos

derivados de análises digitais de mapas temáticosdesenvolvidos no campo da ecologia de paisagem nadécada de 1980 (McGarical & Marks, 1994). Essesindicadores permitem mensurar a estrutura urbana em umaescala de análise específica.

Uma grande diversidade de métricas espaciais temsido empregada em diferentes áreas de estudo. Riitters etal. (1995), por exemplo, descrevem 55 métricas e avaliamcomparativamente os resultados obtidos com a aplicaçãodas diferentes alternativas. Herold et al. (2003) exploram aaplicação combinada de sensoriamento remoto e métricasespaciais para modelar o crescimento urbano na cidade deSanta Bárbara, Califórnia, durante um período de 72 anos.

Para esta pesquisa, foram utilizadas três métricasespaciais que capturam diferentes dimensões da formaurbana: complexidade do perímetro, forma e densidadeurbana bruta.

Complexidade do perímetroA complexidade do perímetro é definida pela

dimensão fractal. Este índice descreve a complexidadedo perímetro de uma mancha urbana através da relaçãoentre o perímetro e a área (Bennion & O´Neill, 1994; Sanches,

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178 SANCHES & FERREIRA

1997). Para a pesquisa foi utilizada a dimensão fractal médiadas manchas urbanas ponderada pela área (Equação 1).

���

�����

����

�n

jn

j

j

j

i

i

a

a

a

p

fractal1

1

ln

)2

ln(2�

(1)

em que:pi = perímetro da mancha iai = área da mancha in = número de manchas urbanizadas que compõem a zona

urbana

O valor da dimensão fractal varia entre 1 e 2. Valoresmais baixos são obtidos quando a mancha tem uma formamais simples (a dimensão fractal de um círculo é igual a1). Se o perímetro for mais complexo e irregular a dimensãofractal é maior (Figura 1).

Dimensão fractal = 1,26 Dimensão fractal = 1,50

Figura 1 Exemplos de dimensões fractais.

Forma da mancha urbanaA forma da cidade foi avaliada pelo Índice de Forma

(Baass, 1981; Sanches, 1997), conforme mostrado naEquação 2.

���

�����

����

� �

��

n

in

j

j

j

i

ii

a

a

a

prforma

1

1

2 (2)

em que:ri = raio do menor círculo circundante ao polígono

Para uma forma circular, o valor desse índice é iguala 1, aumentando à medida que a forma se torna mais alongadae não circular (Figura 2). Quando há mais de uma manchaurbana, o indicador utilizado considera uma ponderaçãoem função do tamanho das manchas.

Densidade urbana brutaA densidade urbana bruta foi estimada de acordo

com a Equação 3.

��

�n

j

ja

Popdensidade

1

(3)

em que:Pop = população estimada para a cidade no ano 2006,

de acordo com o IBGEai = área da mancha i

MetodologiaEmbora a área urbana possa ser delineada a partir

de fontes tradicionais como mapas topográficos, mapasadministrativos ou mesmo mapas turísticos, não foi possívelobter, para as várias cidades analisadas, esse tipo deinformação. Assim, optou-se por utilizar imagens das zonasurbanas, obtidas do GoogleEarth, de 29 cidades distribuídaspelas cinco regiões do Brasil.

0 5

Km

0 3

Km

Mancha urbana da cidade de Rio Grande, RSForma = 10,40

Mancha urbana da cidade de Luziânia, GOForma = 2,83

Figura 2 Exemplos de formas urbanas.

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Foram consideradas apenas cidades na faixa entre150 e 300 mil habitantes, escolhidas aleatoriamente emcada uma das regiões (Figura 3). Selecionaram-se apenasáreas urbanas isoladas porque a contigüidade física entrecidades pertencentes a regiões metropolitanas torna oprocesso de análise mais complexo.

As imagens (no formato tiff) foram registradas evetorizadas no software TransCAD, que foi utilizado para ocálculo dos valores das métricas. Considerou-se como área

urbana a área construída ou urbanizada conforme identificadovisualmente nas imagens, incluindo manchas urbanas isoladasda mancha maior, que foi considerada como o centro da cidade.A Figura 4 mostra dois exemplos de cidades com a imagemvetorizada sobrepostas à imagem em formato tiff.

Metodologia semelhante a esta foi empregada porHuang et al. (2007) ao analisar imagens de satélite de 77áreas metropolitanas na Ásia, Europa, América Latina eAustrália.

2828

1717

3311

2020

2929

11111515

1818

1414

88272766

26261313

1616

2525

24242323

2121

44

77

99

191955

2222 0 300 600

Km

16 Marília, SP17 Mossoró, RN18 Palmas, TO19 Passo, Fundo RS20 Petrolina, PE21 Presidente Prudente, SP22 Rio Grande, RS23 Rio Verde, GO24 Rondonópolis, MT25 Santarém, PA26 São Carlos, SP27 Sete Lagoas, MG28 Uberaba, MG29 Vitória da Conquista, BA

1 Arapiraca, AL2 Araraquara, SP3 Caruaru, PE4 Cascavel, PR5 Chapecó, SC6 Divinópolis, MG7 Dourados, MS8 Governador, Valadares MG9 Guarapuava, PR10 Hortolândia, SP11 Imperatriz, MA12 Juazeiro, BA13 Limeira, SP14 Luziânia, GO15 Marabá, PA

N

Dourados - MS, BRADourados - MS, BRA

Luziânia - GO, BRALuziânia - GO, BRA

Figura 3 Cidades analisadas.

Figura 4 Sobreposição da imagem digitalizada à imagem em formato tiff.

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180 SANCHES & FERREIRA

Análise dos ResultadosA Tabela 1 mostra a população e os valores das

métricas para as cidades analisadas. O índice de motorização(veículos/1.000 habitantes) e o PIB (Produto Interno Brutoem R$ per capita) foram os indicadores selecionados pararepresentar as características sócio-econômicas das cidades.

Como mostra a Figura 5, há correlação positiva (iguala 0,69) e significativa (com 95% de confiança) entre o

índice de motorização (IM) e o Produto Interno Brutoper capita (PIB).

No entanto, algumas cidades fogem do padrão (comoas duas indicadas na figura) devido a características especiaisde sua economia. Na cidade de Rio Verde, no Estado deGoiás, o valor do IM é muito baixo em relação ao PIBporque é o maior produtor de grãos do Estado e maiorarrecadador de impostos sobre produtos agrícolas.

Cidade Pop Fractal Forma Densidade IM PIB

Arapiraca AL 202.398 1,093 3,313 115 162 4.442

Araraquara SP 195.815 1,199 11,055 54 396 14.000

Caruaru PE 289.086 1,117 4,636 103 166 5.658

Cascavel PR 285.784 1,132 5,696 43 295 10.476

Chapecó SC 164.803 1,193 9,896 60 379 17.074

Divinópolis MG 209.921 1,100 3,496 35 266 10.324

Dourados MS 181.869 1,074 3,174 37 248 9.869

Gov. Valadares MG 260.396 1,119 6,999 92 209 7.823

Guarapuava PR 164.567 1,190 7,706 58 234 11.436

Hortolândia SP 190.781 1,165 7,179 82 194 14.677

Imperatriz MA 229.671 1,157 6,315 82 131 7.514

Juazeiro BA 230.538 1,044 2,053 27 99 5.706

Limeira SP 272.734 1,130 4,260 62 339 15.173

Luziânia GO 196.046 1,069 2,834 56 84 7.662

Marabá PA 196.468 1,042 2,161 56 105 10.622

Marília SP 218.113 1,176 9,123 52 313 10.045

Mossoró RN 234.390 1,167 7,803 68 184 7.512

Palmas TO 178.386 1,161 7,288 45 350 8.326

Passo Fundo RS 183.300 1,070 2,923 19 282 12.968

Petrolina PE 268.339 1,128 4,987 77 107 6.109

Pres. Prudente SP 202.789 1,111 3,714 39 341 12.363

Rio Grande RS 194.351 1,166 10,389 94 244 13.528

Rio Verde GO 149.382 1,137 4,968 61 253 17.640

Rondonópolis MT 172.783 1,115 4,396 37 269 13.849

Santarém PA 274.285 1,039 2,236 78 82 4.622

São Carlos SP 212.956 1,174 7,863 66 372 13.734

Sete Lagoas MG 217.506 1,166 7,197 61 196 13.300

Uberaba MG 287.760 1,137 5,072 53 308 14.836

Vit. da Conquista BA 308.204 1,138 5,286 79 97 6.274

Observações:Fonte dos dados: IBGE (http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php).População: contagem populacional 2007.Densidade em habitantes/ha.IM: veículos/1.000 habitantes (frota 2007, englobando automóveis, motocicletas emotonetas).PIB (R$/capita) referente a 2005.

Tabela 1 Características das cidades analisadas.

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Agrupamento das cidadesO procedimento de análise de cluster, através do

agrupamento K-means (utilizando o software Statistica5.5), mostrou que as cidades podem ser divididas emtrês grupos com base nas métricas espaciais (nível deconfiança de 95%). A Tabela 3 apresenta as cidadesincluídas em cada um dos grupos e a Tabela 4, os valoresmédios das métricas para os grupos. Pode-se verificarque a divisão das cidades em grupos não caracteriza umadivisão por regiões. Os três grupos incluem cidades dasvárias regiões do Brasil.

Uma comparação entre os valores das métricasespaciais (box-plot) é mostrada na Figura 6. Nela, ocomprimento da caixa representa a diferença entre o 25ºe o 75º percentis. Quanto mais longa a caixa, maior oespalhamento dos dados. O ponto no interior da caixarepresenta a mediana, e os pequenos traços superiorese inferiores simbolizam os valores extremos.

A densidade é a métrica que caracteriza maisnitidamente os grupos de cidades. No grupo 1 estãoas áreas urbanas mais densas, no grupo 2, as de médiadensidade e no grupo 3, as cidades mais espalhadas.Com relação à complexidade do perímetro (fractal), adiferença entre as cidades também pode ser percebida.As cidades do grupo 3 são as menos complexas (menoresvalores da métrica fractal) e as do grupo 2, as maiscomplexas. O mesmo acontece com relação à forma dascidades.

02.0004.000

6.0008.000

10.00012.00014.000

16.00018.00020.000

0 100 200 300 400 500

Índice de motorização (veículos/1000 habitantes)

PIB

(R$

pe

rca

pita

)

Palmas, TO

Rio Verde, GO

Figura 5 Relação entre o índice de motorização e o PIB per capita.

Essa riqueza, no entanto, não se reflete no níveleconômico da população como um todo. Palmas, capitaldo Estado de Tocantins, é uma cidade nova e planejada(o lançamento da pedra fundamental ocorreu em maiode 1989), tem poucas indústrias e sua economia é baseadanos serviços públicos. Assim, o PIB per capita não é muitoalto, mas o nível econômico dos moradores é relativamenteelevado (alto índice de motorização).

Correlação entre métricas espaciais e fatores sócio-econômicos

A correlação entre as métricas espaciais é mostradana Tabela 2.

A análise de correlação mostra alguns fortesrelacionamentos entre as métricas espaciais. Embora asmétricas fractal e forma representem diferentes dimensõesda forma urbana, elas apresentam forte correlação positiva.Isso indica que, em geral, formas mais compactascorrespondem a perímetros mais simples. A densidade,por outro lado, não está correlacionada com formas maissimples ou complexas.

Verifica-se também que as métricas Fractal e Formatêm correlação positiva e significativa com as característicassócio-econômicas das cidades. Quanto maior o Índicede Motorização e o PIB, mais irregular e complexa é aforma urbana. A densidade, por outro lado, apresentacorrelação negativa com as variáveis sócio-econômicas(embora não significativa ao nível de 95% de confiança).

Fractal Forma Densidade IM PIB

Fractal 1,00 0,92* 0,20 0,54* 0,45*

Forma 0,92* 1,00 0,23 0,51* 0,39*

Densidade 0,20 0,23 1,00 -0,36 – 0,32

IM 0,54* 0,51* -0,36 1,00 0,69*

PIB 0,45* 0,39* -0,32 0,69* 1,00

* Correlação significativa com nível de confiança de 95%.

Tabela 2 Correlação entre as métricas espaciais e as características sócio-econômicas.

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182 SANCHES & FERREIRA

Grupo Região Cidades

Norte Santarém PA

Nordeste

Arapiraca AL

Caruaru PE

Imperatriz MA

Petrolina PE

Vitória da Conquista BA1

Sudeste Governador Valadares MG Hortolândia SP

Norte Palmas TO

Nordeste Mossoró RN

SudesteAraraquara SP

Marília SP

São Carlos SP

Sete Lagoas MG2

SulChapecó SC

Guarapuava PRRio Grande RS

Norte Marabá PA

Nordeste Juazeiro BA

Centro-Oeste

Dourados MS

Luziânia GO

Rio Verde GO

Rondonópolis MT

SudesteDivinópolis MG

Presidente Prudente SPUberaba MG

3

SulCascavel PR

Limeira SPPasso Fundo RS

Métrica Grupo Média Desvio-padrão p (95%)

1 1,120 0,040

2 1,177 0,014Fractal

3 1,097 0,036

0,000024

1 5,119 1,735

2 8,702 1,447Forma

3 3,729 1,168

0,000000

1 88 13,8

2 62 14,1Densidade

3 44 13,9

0,000001

Tabela 3 Cidades incluídas em cada um dos três grupos.

Tabela 4 Comparação dos valores médios das métricas para os três grupos de cidades.

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As cidades do grupo 2 são significativamente maisalongadas (maiores valores da métrica forma) e as do grupo3, as menos alongadas.

Embora as características sócio-econômicas nãotenham sido utilizadas para agrupar as cidades, verificou-se que elas evidenciam diferenças significativas (95% deconfiança) entre os grupos de cidades (Tabela 5 e Figura 7).

As cidades do grupo 1 são as de menor nível sócio-econômico (menores índices de motorização e PIB). Ascidades do grupo 2 são as de melhor nível, e as cidadesdo grupo 3 apresentam valores intermediários, não muitodiferentes das características do grupo 2. Verifica-se quea diferença mais nítida é a que separa o grupo 1 dos demais.

ConclusõesA utilização de mapas do Google Earth, juntamente

com um Sistema de Informações Geográficas, permitiuuma nova abordagem do estudo da forma urbana. Emboraa resolução das imagens disponíveis não seja muito boa,a facilidade de obtenção das mesmas pode compensaressa limitação. Os métodos de análise comparativa quepodem ser realizados são mais globais e sistemáticos dosque os que seriam possíveis sem essas imagens.

A partir dos resultados obtidos podem-se apontaras seguintes conclusões:

Além de aspectos físicos como localização geográficae topografia, os padrões de desenvolvimento econômicotambém mostraram relacionamento com a forma urbana.As correlações entre a forma urbana e os indicadoressócio-econômicos (Tabela 2) mostram a influência do

nível de renda da população na forma da cidade. Maioresrendas estão correlacionadas positivamente com formasurbanas mais complexas e negativamente com adensidade. Isso pode ser explicado pelo fato deindivíduos mais ricos terem mais acesso a veículosmotorizados e cidades mais ricas investirem mais eminfra-estrutura viária.A análise de cluster baseada nos indicadores espaciaisdividiu a cidade em três grupos distintos, nos quaisse evidencia a diferença entre as cidades com menornível de renda e as demais. Maiores índices de motorizaçãoe maiores PIBs estão associados a baixa densidade e auma cidade fragmentada e mais complexa. Por outro lado,menores índices de motorização e menores PIBs resultamem formas urbanas mais compactas.

Sugere-se que pesquisas futuras sobre o relacio-namento entre os padrões de forma urbana e as caracte-rísticas sócio-econômicas e regionais incluam algunsrefinamentos que podem melhorar as análises:

Utilizar mais informações sócio-econômicas, de modoa caracterizar melhor as cidades. Muitos desses dados,que seriam interessantes, estão disponíveis atualmentepor Estado, e não por cidade, como seria necessário.Utilizar outras métricas espaciais que retratem, porexemplo, os vazios urbanos. Neste caso, são necessáriasimagens de melhor resolução.Ampliar a amostra de cidades analisadas (de outrosportes), o que pode oferecer mais informação sobreas diferenças entre elas.

Fractal

Grupos

1,02

1,06

1,10

1,14

1,18

1,22

1 2 3

Forma

Grupos

1

3

5

7

9

11

13

1 2 3

Densidade

Grupos

10

30

50

70

90

110

130

1 2 3

Figura 6 Comparação (box-plot) dos valores das métricas entre os três grupos de cidades.

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184 SANCHES & FERREIRA

Característica Grupo Média Desvio-padrão p (95%)

1 143 46,6

2 296 82,9IM

3 241 92,2

0,001923

1 7.140 3.274,2

2 12.106 3.050,7PIB

3 11.791 11.790,7

0,005741

PIB

Grupos

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

18.000

20.000

1 2 3

IM

Grupos

50

100

150

200

250

300

350

400

450

1 2 3

Tabela 5 Comparação dos valores médios das características sócio-econômicas.

Figura 7 Comparação das características sócio-econômicas dos três grupos de cidades.

Aplicar os indicadores e medidas para analisar a formaurbana ao longo do tempo. Esta análise também poderiaajudar a entender como surgiram os contrastesevidenciados neste estudo preliminar.Considerar também a história da cidade. Uma explicaçãomais completa dos contrastes na forma urbana deveir além de comparação pontual sobre dados atuais.Devem-se considerar também os efeitos cumulativosdas influências históricas. Cidades mais antigas,industrialização, planejamento urbano e desenvolvimentoda infra-estrutura exercem, ao longo do tempo, distintasinfluências no crescimento urbano.

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