carlos luís melo bichuetti a mão que alivia e a dor da

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da escuta: a interconsulta sob o olhar da Psicologia Analítica. MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA São Paulo 2019

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Page 1: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Carlos Luís Melo Bichuetti

A mão que alivia e a dor da escuta:

a interconsulta sob o olhar da Psicologia Analítica.

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

São Paulo

2019

Page 2: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

Carlos Luís Melo Bichuetti

A mão que alivia e a dor da escuta:

a interconsulta sob o olhar da Psicologia Analítica.

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre

em Psicologia Clínica, sob orientação da

Prof.ª Dr.ª Liliana Liviano Wahba.

São Paulo

2019

Page 3: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

Carlos Luís Melo Bichuetti

A mão que alivia e a dor da escuta:

a interconsulta sob o olhar da Psicologia Analítica.

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre

em Psicologia Clínica, sob orientação da

Prof.ª Dr.ª Liliana Liviano Wahba.

Aprovada em: __/__/___

Prof.ª Dr.ª Liliana Liviano Wahba– PUC-SP

Prof. Dr. Durval Luiz de Faria – PUC-SP

Prof.ª Dr.ª Sandra de Azevedo Pinheiro – UFTM

Page 4: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) - Código de Financiamento

88887.163107/2018-00.

Page 5: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, Milton Jorge Bichuetti (In memoriam), pelo exemplo de vida. À

minha mãe, Hilca de Sousa Melo Bichuetti, por seu amor incondicional.

À Prof.ª Dr.ª Liliana Liviano Wahba, pelo carinho e atenção, bálsamo de luz no

aprendizado junguiano.

Ao Prof. Dr. Durval Luiz de Faria, pelas reflexões que favoreceram meu

amadurecimento pessoal.

À Prof.ª Dr.ª Edna Maria Peters Kahhale, pelas orientações seguras.

À Prof.ª Dr.ª Sandra de Azevedo Pinheiro, pela generosidade de estar comigo

nesse percurso.

A Prof.ª Dr.ª Maria Célia Borges, pelo incentivo constante.

À psicóloga Helena C. Lyrio de Carvalho. Muito além de ser uma revisora de

textos, uma alma querida.

Aos amigos do mestrado, especialmente a Ana Paula, Denis Mendes, Ezequiel

Braga, Fabio Rezeck, Julieta Haddad e Sofia Ulisses.

Aos homens de branco que aliviam o sofrimento.

Aos homens de preto que vencem as masmorras de vício.

Aos meus amigos que, silenciosamente, estiveram do meu lado me inspirando.

À minha família, sentido do meu viver.

Page 6: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

Ao médico Por certo, nem te lembras (tão criança eras naquele tempo...) e no entretanto um homem, quanta vez, mudou o pranto de teus pais em sorriso de bonança! Por certo, nem te lembras (já te cansa a memória, talvez...) um dia, entanto, esse homem terá sido mais que um santo, salvando o filho teu, tua esperança! O bem que se recebe a gente esquece... Somente a dor jamais é esquecida: Aquele que a criou... desaparece! Mas se este poema acaso te enternece Ama teu médico através da vida. Lembra-te dele, ao menos numa prece!

(Álvaro de Albuquerque)

Page 7: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

RESUMO

BICHUETTI, C. L. M. A mão que alivia e a dor da escuta: a interconsulta sob o

olhar da Psicologia Analítica. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica).

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

Este estudo teve como objetivo explorar a interconsulta psiquiátrica, investigando as

razões que levam os não-psiquiatras a solicitá-la e identificando as emoções relatadas

pelos médicos em suas relações interpessoais com o paciente e com o interconsultor

dentro do universo hospitalar. Foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa utilizando

entrevistas semiestruturadas como ferramenta de pesquisa. A análise baseou-se no

referencial teórico proposto por Michael Balint, Carl Gustav Jung e outros autores

junguianos. Os participantes foram oito médicos que trabalham em um hospital geral

e solicitam interconsulta rotineiramente. Os resultados sugerem que a interconsulta

psiquiátrica seja como uma alavanca que favorece a relação médico-paciente,

auxiliando no manejo de situações conflituosas que surgem entre médicos e

pacientes, familiares e instituição. Os achados também apontam para o papel dos

complexos afetivos e das emoções do médico como fatores que interferem na relação

com os pacientes, o que requer que o interconsultor auxilie o colega a lidar com suas

emoções. Os participantes apontaram que um acesso mais fácil e uma melhor

comunicação com o interconsultor seriam melhorias a serem trabalhadas na relação

médico-médico. Espera-se que este estudo contribua para que a interconsulta seja

vista como uma ação que auxilie a compreensão das emoções em jogo com o intuito

de promover um melhor relacionamento entre médicos e pacientes.

Palavras-chave: Interconsulta psiquiátrica. Psiquiatria no hospital geral. Emoções do

médico. Relação médico-paciente. Psicologia analítica.

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ABSTRACT

BICHUETTI, C. L. M. The hand that soothes and the pain of listening: medical

interconsultation from the perspective of Analytical Psychology. Dissertation

(Master in Clinical Psychology). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São

Paulo, 2019.

This study aimed at exploring the psychiatric interconsultation, by investigating the

reasons that lead non-psychiatrists to request it and identifying physicians’ reported

emotions in their interpersonal relations with the patient and with the interconsultor

within the hospital universe. A qualitative research study was developed using semi-

structured interviews as research tool. Analysis were based on the theoretical

framework proposed by Michael Balint, Carl Gustav Jung and other Jungian authors.

Participants were eight physicians who work at a general hospital and routinely request

interconsultation. The results suggest that psychiatric interconsultation could be

performed as a means to improve doctor-patient relationship, assisting the

management of conflicting situations that arise between physicians and their patients,

families and the institution. Findings also point to the role of the physician’s affective

complexes and emotions as factors that interfere with the relationship with patients,

which requires the interconsultor to assist the colleague in dealing with his/her

emotions. Participants pointed that an easier access and a better communication with

the interconsultor would be improvements to be worked out in the doctor-physician

relationship. We expect that this study contribute to make interconsultation be seen as

an activity that also contributes to the comprehension of the emotions at play, and by

doing so helps to foster doctor-patient relationships.

Key words: Psychiatric interconsultation. Psychiatry at the general hospital.

Physician’s emotions. Doctor-patient relationship. Analytical psychology.

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LISTA DE QUADROS E TABELAS

TABELA 1 – Caracterização dos participantes .................................................. 61

QUADRO 1 – Grupos temáticos e temas ............................................................. 63

QUADRO 2 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção em relação à

profissão .......................................................................................... 64

QUADRO 3 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção em relação à

instituição ........................................................................................ 67

QUADRO 4 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção na relação

médico-paciente .............................................................................. 69

QUADRO 5 – Exemplos de frases do grupo temático: motivos de

encaminhamento para o interconsultor ........................................ 75

QUADRO 6 – Exemplos de frases do grupo temático: relação com o

interconsultor .................................................................................. 80

Page 10: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

SUMÁRIO

PRÓLOGO ................................................................................................................ 12

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15

2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 19

2.1 Objetivo geral .................................................................................................... 19

2.2 Objetivos específicos ........................................................................................ 19

3 REVISÃO DE PESQUISAS ................................................................................... 20

4 INTERCONSULTA ................................................................................................. 25

4.1 Interconsulta psiquiátrica: nasce uma subespecialidade ............................. 25

4.2 Interconsulta no Brasil ...................................................................................... 26

4.3 Caracterização da interconsulta ...................................................................... 28

4.4 A solicitação de interconsulta .......................................................................... 30

4.5 Benefícios da interconsulta .............................................................................. 31

4.6 Contribuições de Isaac Luchina e seu grupo ................................................. 32

5 DE JUNG A BALINT – CONTRIBUIÇÕES PARA A RELAÇÃO MÉDICO-

PACIENTE .............................................................................................................. 35

5.1 As contribuições de Jung ................................................................................. 35

5.1.1 Afetos e complexos .......................................................................................... 36

5.1.2 A mediação da interconsulta ............................................................................ 38

5.2 As contribuições de Balint ............................................................................... 39

5.2.1 Os grupos ......................................................................................................... 40

5.2.2 O médico como droga ...................................................................................... 41

5.2.3 Aproximação aos complexos: a organização e oferta da doença .................... 41

5.2.3.1 Conluio do anonimato .................................................................................... 42

5.2.3.2 A função apostólica ....................................................................................... 43

6 AFETIVIDADE NO CURADOR FERIDO ............................................................... 45

6.1 O mito de Asclépio (Esculápio) ........................................................................ 46

6.2 O médico como o curador ferido ..................................................................... 48

6.3 A dinâmica da relação médico-paciente – a relação transferencial.............. 49

7 MÉTODO ................................................................................................................ 52

7.1 Características do estudo ................................................................................. 52

7.2 Participantes ...................................................................................................... 52

7.3.1 Entrevista semiestruturada ............................................................................... 53

Page 11: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

7.3.2 Gravador .......................................................................................................... 54

7.4 Procedimentos .................................................................................................. 55

7.4.2 Entrevista-piloto ................................................................................................ 55

7.4.3 Seleção de participantes .................................................................................. 55

7.4.5 Procedimento de análise de dados .................................................................. 57

7.4.6 Procedimentos éticos ....................................................................................... 58

8 ANÁLISE DOS RESULTADOS ............................................................................. 60

8.1 Descrição dos participantes ............................................................................. 60

8.2 Análise temática ................................................................................................ 62

8.2.1 Grupo temático – A emoção em relação à profissão. ....................................... 63

8.2.2 Grupo temático – A emoção em relação com a instituição ............................... 67

8.2.3 Grupo temático – A emoção na relação médico-paciente ................................ 69

8.2.4 Motivos do encaminhamento ............................................................................ 75

8.2.5 Relação com o interconsultor ........................................................................... 79

8.4 Análise das entrevistas ..................................................................................... 83

8.4.1 Sarah – a missionária ....................................................................................... 83

8.4.2 Esther – a poderosa ......................................................................................... 88

8.4.2 Hazael – o pensador ........................................................................................ 92

9 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 97

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 106

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 109

APÊNDICE A – Folheto de Divulgação de Pesquisa .......................................... 116

ANEXO A – Termo de compromisso do pesquisador responsável .................. 117

ANEXO B – Liberação do responsável pela instituição ..................................... 118

ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido .................................. 119

ANEXO D – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética ............................... 121

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PRÓLOGO

A formação médica é longa e penosa, pois exige um árduo treinamento para o

desenvolvimento de raciocínio específico e de habilidades técnicas, construídos por

meio de sacrifícios que não se limitam ao período de estudos. Pelo contrário, as

renúncias permanecem uma constante no cotidiano do médico. Aos poucos, o

profissional da área vai aprendendo a conviver com a vida e a morte, lado a lado, e

oscila entre momentos de alegria e estados de dor que burilam a sua competência. E,

assim como no cascalho é possível encontrar pedras preciosas, o curso de medicina

funciona como uma peneira, um crivo que procura identificar o diamante existencial

em cada jovem que se propôs a salvar vidas.

É dessa maneira que vários alunos de medicina vão se descobrindo em um

aprimoramento contínuo que depende em grande parte dos mestres. Ao longo de suas

jornadas, terão que aprender a lidar com a dor, com a perda, com o luto e com o

fracasso. Descortinarão momentos de alegria seguidos de instantes de fadiga e

vivenciarão situações em que o estresse se transforma em vitória e outros em que a

conquista se torna um pesadelo. Para sobreviver a essa verdadeira roda-viva, passam

horas em leituras sem fim e enfrentam experiências que proporcionam

amadurecimento profissional.

À medida que o tempo passa, o médico corre o risco de o convívio com a dor

tornar-se rotina, algo natural e cotidiano. A naturalização desse sofrimento pode

transformar o médico em um técnico privado de emoção. Sem afetos, a vida deixa de

se expressar, perde-se a graça e o sabor dos momentos. Foi o que identifiquei em

uma das vivências que a vida me proporcionou como médico.

O fato se deu na internação em unidade intensiva de parente próximo que havia

sofrido uma queda e apresentou um hematoma subdural. A cirurgia foi tranquila, mas

a recuperação se mostrou lenta e difícil. Como médico, acompanhava os passos dos

colegas. Como familiar, convivia com o sofrimento da família e com sentimentos

mistos de esperança e medo. A preocupação era diária, pois a evolução caminhava

para um desfecho infeliz e, à medida que o quadro se agravava, percebia a dificuldade

dos colegas em estabelecer o diálogo, com respostas monossilábicas e

manifestações de dúvidas diante de um futuro tão incerto.

Procurar manter a esperança diante da incerteza dos colegas médicos perdeu

o sentido quando proferiram a sentença de uma provável sequela. A relação sofreu

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13

um esfriamento. A família, que aguardava ansiosa o horário de visita, passou a ficar

mais temerosa e agressiva. O relacionamento com os médicos como que perdia o

encanto. A cada visita, os familiares buscavam respostas com os técnicos de

enfermagem que, receosos, educadamente se distanciavam. Chegou um momento

em que a angústia tomou conta. Com a constatação de que ainda haveria muito

sofrimento a ser enfrentado, uma ferida emocional se abriu, exigindo muita prudência

e cautela para sua cicatrização.

Nesse momento, optei por ser apenas um familiar e confiar na conduta dos

colegas. Notei que o voto de confiança funcionava como um alento precioso que, de

certa forma, renovou a esperança. Logo veio a transferência para a enfermaria e,

gradativamente, os ânimos foram serenando.

Tal vivência abriu uma ferida no cerne da minha alma, e uma preocupação se

instalou: como cuidar do cuidador, de que forma poderia aprimorar a relação e

fortalecer os laços entre os envolvidos no processo da cura?

Os anos passaram, o familiar apresentou notável recuperação, mas a ferida

emocional permanecia aberta. E seu processo de cicatrização foi se

consubstanciando na medida em que me permitia sentir a dor que invadia a alma das

pessoas adoecidas.

Nesse processo de aprendizado constante como cuidador e na qualidade de

interconsultor, passei a trabalhar em hospital de clínicas universitário, a partir da

década de 1990. Certa vez, ao chegar ao corredor, a equipe de enfermagem me

abordou preocupada com a agressividade verbal de um determinado paciente. Não

tardou e o serviço social se fez presente, perguntando se eu iria encaminhar tal

pessoa. Notava-se uma expressão de perplexidade na equipe. Entregaram-me o

pedido de interconsulta e, não podendo conversar com o médico assistente, que se

encontrava em um atendimento de urgência, dirigi-me até o paciente.

Qual não foi a minha surpresa ao reconhecê-lo do serviço ambulatorial. Ele me

olhou e sorriu, dizendo: “agora sim, estou salvo!”. A mudança de atitude foi

notável, pois a postura agressiva deu lugar à disposição para estabelecer o diálogo.

Compreendi que a agitação do paciente havia se originado no contexto familiar e que

o fato de ele ter sido trazido à força havia levado ao descontrole que gerou toda a

agressividade e os sentimentos persecutórios incialmente apresentados.

A abordagem se realizou a contento, com o paciente aceitando a medicação, e

facilitou a atuação da equipe que, então, com a presença do médico assistente,

Page 14: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

14

mostrava-se ansiosa pelo desdobramento do caso. Ficou claro que a alteração

emocional de todos havia impedido que se adotassem medidas mais adequadas e os

aspectos relacionais do atendimento fossem contemplados.

Nesse momento, relembrei Balint com seus famosos grupos e consegui reunir

a equipe, ajudando-os a falar sobre a vivência e os sentimentos envolvidos,

procurando auxiliá-los a entender os fatores que geraram toda a dificuldade no

atendimento. Para minha surpresa, à medida que eles teciam comentários, minha

ferida cicatrizava e percebia que muitas das dúvidas e dificuldades emocionais que a

equipe relatava eram chagas abertas em busca de cuidados.

Tais vivências ficaram registradas de forma profunda, modificando

interiormente o meu olhar acerca da relação médico-paciente e suscitando uma série

de questionamentos sobre a prática médica e as dificuldades em lidar com os

pacientes em situações mais complexas, tanto na clínica médica quanto na

psiquiátrica. A oportunidade de cursar o mestrado favoreceu que eu ponderasse sobre

essas questões e me levaram a elegê-las como tema do presente estudo.

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1 INTRODUÇÃO

Toda doença é também o veículo de um pedido de amor e de atenção. (BALINT, 1988, p. 240)

Ao caminhar por um hospital, observa-se um ambiente paradoxal, onde saúde

e doença se contrapõem diariamente, numa luta pela vida, gerando tensão entre a

esperança de cura e a desesperança da morte. Ocupando uma posição de destaque

no contexto hospitalar, tem-se, na figura do médico, a representação de um saber que

o capacita a lidar com a doença e o eleva à posição de agente da cura.

A proposta de cura e alívio atrai o indivíduo adoecido, afetado biológica e

psiquicamente, que chega ao hospital à procura de uma solução para o seu mal-estar,

na expectativa de encontrar os recursos necessários para sua melhora.

Esse contato entre o doente e seu provável “salvador” é marcado por uma troca

de emoções. O médico, além de ter que usar sua capacidade técnico-científica,

amparado pelo uso da razão para fazer o diagnóstico preciso e aplicar a terapêutica

correta, precisará lidar com as transferências emocionais do paciente e da família.

Tal encontro se dá entre dois indivíduos com características próprias e

circunstâncias particulares. O médico, segundo pesquisa do Conselho Federal de

Medicina (2018), tem-se sentido desgastado e sobrecarregado em suas atividades

diárias. Situações de estresse têm sido vinculadas ao serviço médico, causando

prejuízo no atendimento, afirmam Lipp (2000) e Nogueira-Martins (2003). Segundo

Carvalho (2007) e Dias (2015), o trabalho repetitivo, o tempo de jornada e as poucas

folgas têm sido apontados como alguns dos fatores de estresse que mais agravam o

dia a dia do médico. Por outro lado, o doente e sua família, esperançosos e mais

informados pelos meios de comunicação, têm abandonado uma posição de

passividade e passam a ativamente buscar respostas e esclarecimentos.

Na relação médico-paciente, os procedimentos para a cura da enfermidade é

perpassada pelo processo de comunicação e interação interpessoal que, segundo

Grosseman e Patrício (2004) e Simões (2011), é de difícil construção e demanda

esforços de ambas as partes. Tal relacionamento é repleto de idealizações,

questionamentos e emoções, em um encontro de dois seres humanos em que os

afetos se fazem presentes influenciando toda a tomada de decisão na clínica, segundo

Croskerry, Abbas e Wu (2008).

Page 16: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

16

Se, diante da questão biológica, o médico tem todo um arsenal tecnológico,

com exames os mais sofisticados possíveis, que lhe possibilitam com segurança

diagnosticar a doença, o mesmo não ocorre no campo psíquico. Nessa esfera, o

médico necessita lançar mão, além do seu referencial teórico-cientifico, de recursos

próprios: sua história, sua personalidade, sua emoção. É aí que ele enfrenta as

maiores dificuldades.

Segundo Balint, na relação médico-paciente, o paciente espera por respostas,

e qualquer posicionamento tomado pelo médico poderá influenciar decisivamente a

relação estabelecida: “a personalidade do médico e os interesses subjetivos podem

exercer uma influência decisiva naquilo que ele nota e registra a respeito de seus

pacientes” (BALINT, 1988, p. 47). Para Jung (2016a), essa relação é marcada pelo

encontro de dois seres humanos, dois interlocutores que precisam dialogar. Se o

médico tem algo a dizer, o doente também o tem. E, ao falar, o paciente traz uma

mensagem cheia de significados na esperança de tocar o médico e, com isso,

encontrar as respostas necessárias para suas mazelas.

Buscar compreender as emoções do médico e a maneira como ele lida com as

dificuldades psíquicas do paciente, no mecanismo de contratransferência, é de grande

valor no sentido de ajudá-lo a suportar as demandas que lhe são trazidas e, conforme

aponta Balint (1988), na medida em que a personalidade do médico se adequa à sua

atividade, a melhorar sua relação com o paciente. Caberia, ainda, ao médico,

segundo Strickler (2009) e Del Piccolo et al. (2014), vencer qualquer desconforto

psicológico e desenvolver condições para que o paciente consiga expressar e nomear

o que sente, melhorando a comunicação interpessoal. Groopmam (2008) reforça essa

visão ao afirmar que desenvolver a capacidade de tornar conscientes suas emoções

permitiria ao médico uma melhor capacidade de escuta e de raciocínio, melhorando

efetivamente sua prática e sua relação interpessoal.

Todavia, observam Balint (op. cit.), Groopmam (2008), Croskerry (2002) e Mello

Filho (2006), o médico, por vezes, ao procurar lidar com situações de estresse e com

o sofrimento humano, evita as emoções, acreditando assim suportar melhor sua

profissão. Essa atitude precisa ser repensada, segundo Castelhano (2015), pois a

negação constante por parte do médico das suas reações emocionais afeta a

compreensão da dor alheia e a tomada de decisão. Balint (op. cit.), por sua vez,

identificou que os médicos apresentam dificuldades em lidar com pacientes que

demandam mais tempo de atenção, gerando irritação, ansiedade ou frustração.

Page 17: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

17

Desse modo, quando em um contexto em que o médico se sinta afetado por

seu paciente, precisará buscar uma maneira de ser ajudado nas decisões que precisa

tomar, ou seja, tenderá a solicitar ajuda para continuar a prestar uma assistência

qualificada. Dito de outro modo, quando um conflito se faz presente, ou diante de

pacientes que geram problemas no relacionamento – percebidos como pacientes

difíceis, que não aderem a normas – o médico, sentindo-se desafiado ou questionado

em seu saber e com dificuldades de lidar com o psiquismo do paciente, solicita um

pedido de interconsulta, que pode ser definida como a presença do médico psiquiatra

em um serviço médico geral atendendo à solicitação de um colega de outra

especialidade.

Evidencia-se, segundo Ferrari, Luchina e Luchina (1977), que a interconsulta

surge de uma dificuldade na relação médico-paciente, na qual emerge um conflito que

sofre a influência de fatores pessoais, familiares, culturais e institucionais, o que

exigiria uma abordagem psicanalítica para o manejo e a resolução.

Diante de situações nas quais o médico tem dificuldades de lidar com o

psíquico1 do paciente, a presença do interconsultor se apresenta, segundo Strain

(1996), como algo pontual, como uma breve incursão, na tentativa de orientar o

diagnóstico e o tratamento, o que Botega (2002) corrobora em parte, sumarizando que

a interconsulta se aplica a dois tipos de atividade: a de consultoria psiquiátrica, que é

episódica e responde a uma questão específica, e a de psiquiatria de ligação, em que

o profissional de interconsulta atua de forma contínua, com maior participação e

interação com a equipe profissional. Segundo esse autor, além de melhorar a atenção

dada ao paciente e às suas necessidades, seria um dos objetivos da interconsulta

modificar o olhar voltado à doença para um olhar centrado no paciente, identificando

as demandas que emergem da relação do doente com os profissionais envolvidos no

atendimento e valorizando o relacionamento médico-paciente. Smith (1995), de outra

parte, considera que auxiliar o médico a melhorar seu relacionamento interpessoal e

a lidar com suas emoções torna-se um fator prioritário no atendimento do

interconsultor, uma vez que os afetos comprometem de forma ímpar o desempenho

médico.

Segundo Bastos (2002), o estudo da interconsulta psiquiátrica se apresentava

como um dos campos promissores de ação da psicologia médica. No entanto, a

1 Para Jung, a psique ou o psíquico representa a totalidade dos processos psíquicos conscientes e

inconscientes. (HARK, 2000).

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perspectiva de crescimento não se confirmou. De acordo com Wood e Wand (2014),

existe uma nítida escassez de estudos recentes referentes à interconsulta psiquiátrica,

o que demostra a importância da realização de pesquisas nessa área.

O presente estudo procurará identificar o que leva o médico a solicitar a

interconsulta psiquiátrica, estudando suas emoções e dificuldades no manejo com

seus pacientes, com base no arcabouço teórico da psicologia analítica.

Entendendo que “a base essencial da nossa personalidade é afetividade;

pensamento e ação são, como se fossem, apenas sintomas da afetividade” (JUNG,

1907/2016b, par. 78), fica clara a importância das emoções nas relações

interpessoais, depreendendo-se que sua identificação poderia contribuir para que o

médico entenda e lide melhor com o paciente.

Justifica-se, assim, este trabalho em razão de as emoções fazerem parte da

vida do médico, sendo fortemente ativadas em um contexto que envolve expectativas

de cura e alívio, as quais podem interferir em seu relacionamento com seus pacientes.

Acredita-se que falhas na compreensão das emoções podem desencadear conflitos e

dificuldade na tomada de decisões, prejudicando a relação médico-paciente e

tornando necessária a presença do interconsultor. Compreender essas questões

auxiliará uma melhor adequação do relacionamento do médico com os pacientes,

ajudando-o a ter maior serenidade diante do sofrimento do outro e a desenvolver

meios de melhorar a sua habilidade de comunicação.

Para a apresentação da pesquisa, o tema foi desenvolvido e organizado da

seguinte maneira: após o Prólogo e esta Introdução, são apresentados, no capítulo 2,

os objetivos gerais e específicos que nortearam a pesquisa; o capítulo 3 apresenta a

revisão de pesquisas que contemplam a temática da interconsulta, com um olhar para

as dificuldades do médico ao lidar com seu paciente; o capítulo 4 – Interconsulta –

narra o surgimento dessa prática, suas características e o estágio em que se encontra

no cotidiano do hospital geral, pontuando os principais dados referentes ao médico

em sua relação com o paciente; o capítulo 5 – De Jung a Balint – aprofunda a reflexão

acerca das dificuldades do médico na lida com seu paciente; o capítulo 6 – Afetividade

– aborda o arquétipo do curador ferido para compreender a dinâmica da relação

médico-paciente; no capítulo 7, descreve-se o método qualitativo empregado nesta

pesquisa; no capítulo 8 é apresentada a análise de resultados e, em seguida, no

capítulo 9 a discussão a partir da teoria de base; o capítulo 10 traz as considerações

finais sobre este estudo.

Page 19: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

19

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

Compreender a solicitação do médico não psiquiatra de interconsulta

psiquiátrica para seu paciente.

2.2 Objetivos específicos

Identificar os motivos que levam os médicos a solicitarem interconsulta

psiquiátrica.

Identificar, a partir do relato de médicos, as emoções que surgem em relação à

atividade clínica e no relacionamento interpessoal com os pacientes encaminhados.

Identificar como os médicos entendem sua relação com o interconsultor.

Page 20: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

20

3 REVISÃO DE PESQUISAS

O levantamento de artigos, dissertações e teses relacionados ao tema desta

pesquisa foi realizado por meio da busca nas plataformas a seguir listadas:

Biblioteca Virtual de Saúde (Bireme), que permite o acesso às seguintes

bases de dados: Medline, Lilacs, Ciência da Saúde e Ciências Sociais em

geral;

Portal de Periódicos da Capes;

Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, disponível em:

<http://bdtd.ibict.br/vufind/>;

PubMed, disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed>;

Web of Science;

Bibliotecas de dissertações e teses da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC-SP), da Universidade de São Paulo (USP) e da

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Foram utilizadas as seguintes palavras-chaves, com seus correlatos em inglês:

interconsulta psiquiátrica; psiquiatria no hospital geral; emoção do médico; relação

médico-paciente; psicologia junguiana. O período abrangido refere-se,

prioritariamente, aos últimos cinco anos, de 2014 a 2019.

Até onde nos foi dado pesquisar, há uma carência de estudos publicados que

utilizam o olhar da psicologia junguiana para compreender as questões relacionadas

à interconsulta. A maioria dos artigos encontrados sobre essa temática adotam um

viés não junguiano. No Brasil, o maior número de trabalhos ocorreu na década de 80,

frequência essa que se arrefeceu com o passar dos anos, e, nos últimos cinco anos,

apenas duas dissertações e seis estudos foram escritos, utilizando os descritores

mencionados. Diferentemente, em outras áreas do mundo, essa produção foi maior,

no período considerado. Houve a publicação de 100 artigos sobre a temática na Web

of Science e de 290 na Pub Med, em sua maioria com foco em patologias clínicas. O

desenvolvimento do tema proposto no presente trabalho terá como base os estudos

que focalizaram a interconsulta psiquiátrica e os trabalhos clássicos sobre essa

temática.

A prática da interconsulta foi objeto de estudo de Neury José Botega em sua

tese de doutorado pela Unicamp em 1989, trabalho que foi o embrião do livro Prática

psiquiátrica no Hospital Geral: Interconsulta e emergência, atualmente em sua 4a

Page 21: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

21

edição. O autor identifica que os encaminhamentos não se baseiam apenas nas

necessidades dos pacientes e que é fundamental conhecer os médicos e os

problemas institucionais. Em sua obra, Botega indica que alguns médicos ficam muito

incomodados com as demandas emocionais trazidas pelos pacientes, o que tem

levado muitos profissionais a desenvolver verdadeiras “couraças protetoras”

(BOTEGA, 2012, p. 39), escondendo-se atrás da tecnicidade e usando vários

mecanismos de defesa, como evitação, isolamento de emoções, racionalização e

ironia, mecanismos esses que dessensibilizam o médico e reduzem sua capacidade

de utilizar suas reações emocionais como instrumento semiológico.

De Giorgio et al. (2015) realizaram no Hospital Geral de Perugia, Itália, um

estudo em que avaliaram 1.098 consultas psiquiátricas no período entre 1º de julho

de 2009 e 30 de junho de 2010. Perceberam que a hospitalização é um evento

estressante que pode perturbar o equilíbrio mental, em alguns casos, e agravar a

condição clínica dos pacientes. A interconsulta psiquiátrica é capaz de aumentar a

conscientização da equipe assistente e melhorar a detecção de problemas

psicológicos dos pacientes, facilitando uma intervenção precoce. Na medida em que

se amplia e aprimora a investigação física e psicológica realizada pelas equipes

médica e de enfermagem, observa-se uma promoção da remissão da doença e do

bem-estar geral do paciente.

Por sua vez, Nakabayashi (2012), em sua tese de doutorado, realizou o

primeiro estudo longitudinal no Brasil, que analisou consecutivamente trinta anos da

população assistida pelo serviço de Interconsulta (IC) do Hospital das Clínicas da

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Segundo a

autora, os transtornos neuróticos, somatoformes e relacionados ao estresse foram os

diagnósticos psiquiátricos mais comuns entre as mulheres e homens, seguidos por

transtornos de humor e transtornos orgânicos, nas mulheres, e transtornos mentais

orgânicos, nos homens. As principais condutas sugeridas pelos interconsultores

foram: atendimento individual, orientação à equipe e prescrição de fármacos. Em seu

estudo, a autora detectou que a baixa taxa de encaminhamentos por parte de clínicos

e cirurgiões ao psiquiatra ocorria em razão da dificuldade daqueles em reconhecer os

transtornos mentais. Ao longo dos anos, o tratamento se tornou complexo e

abrangente, com um aumento discreto do encaminhamento para o tratamento

ambulatorial, o que levou a pesquisadora a sugerir o uso de instrumentos de

Page 22: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

22

rastreamento de transtornos psiquiátricos e de treinamento para as equipes, visando

um reconhecimento mais rápido de comorbidades psiquiátricas.

Em relação à solicitação de avaliação psiquiátrica, Cassorla (1994) sugeriu que

a heterogeneidade dos termos usados para solicitar avaliação psiquiátrica estaria

vinculada à dificuldade dos clínicos em lidar com os transtornos mentais e do

comportamento. Acredita-se que tal circunstância tem levado a um aumento das

solicitações de interconsulta (IC) para avaliação dos sintomas apresentados,

motivação que havia sido levantada por Cerqueira e Smaira (1992, apud SMAIRA;

KERR-CORRÊA; CONTEL, 2003), determinando que muitos pedidos de interconsulta

poderiam ocorrer devido à dificuldade da equipe no trato com o paciente psiquiátrico,

seja em razão de algum sintoma específico que este apresenta, seja por conta das

suas reações diante do adoecimento.

De Marco (2012) aponta a importância, para a melhora do processo de cura, da

emoção e da comunicação na relação médico-paciente. No caso do médico, apreender a

reconhecer as próprias emoções e desenvolver a habilidade de comunicação têm-se

mostrado fatores de melhor resposta e aceitação do tratamento por parte do paciente. Essa

é uma realidade verificada também por Orom et al. (2018), estudioso do Departamento de

Saúde Comunitária da University at Buffalo, EUA, em sua pesquisa com pacientes

portadores de câncer de próstata. O estudo compreendeu o levantamento de 1.116

prontuários, e a realização de análises prospectivas e transversais, com dados coletados

de julho de 2010 a agosto de 2014 em dois centros de tratamento oncológico e em três

instalações comunitárias. Os resultados permitem concluir que a melhora na relação

médico-paciente – com um olhar centrado no paciente, aprimoramento do feedback e

ampliação da confiança – favoreceu uma melhor adesão ao tratamento e uma mais efetiva

resolução do caso.

A forma como as emoções são reveladas durante as consultas psiquiátricas e como

a habilidade de comunicação pode contribuir para facilitar sua expressão foram objetos da

pesquisa de Del Piccolo et al. (2014), apresentado em artigo intitulado “How psychiatrist’s

communication skills and patient’s diagnosis affect emotions disclosure during first

diagnostic consultation”. As autoras, pesquisadoras do Departamento de Saúde Pública e

Medicina Comunitária da Universidade de Verona, Itália, realizaram um estudo descritivo-

naturalístico, analisando as primeiras consultas de dezesseis psiquiatras em uma amostra

de 104 pacientes. As autoras concluíram que encorajar a comunicação dos pacientes, para

que eles possam verbalizar seus sentimentos, facilita a regulação emocional e aumenta a

Page 23: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

23

colaboração, o que se torna viável com a ajuda de um clínico sensível. O estudo identificou

que as expressões mais frequentes de emoção foram relacionadas com aspectos

psicofisiológicos e cognitivos da ansiedade, tais como medo e preocupações. Notou-se que

os pacientes com transtorno de humor apresentavam maior facilidade de relatar seus

sentimentos do que aqueles de outros grupos de diagnóstico. A pesquisa sugere a

necessidade de criar um espaço usando as habilidades de escuta ativa para descobrir as

emoções do paciente e auxiliá-lo a torná-las conscientes.

Segundo Chen, Evans e Larkins (2016), apesar das evidências dos benefícios da

interconsulta psiquiátrica para pacientes com comorbidades psiquiátricas, ainda existem

muitas barreiras ao encaminhamento de pacientes internados ao serviço de interconsulta

psiquiátrica. Procurando entender os fatores que influenciam o encaminhamento dos

pacientes à IC, os autores realizaram uma revisão sistemática em que são considerados

todos os artigos publicados entre 1º de janeiro de 1965 e 30 de setembro de 2015. Além

desses, todos os artigos escritos em inglês que pudesse contribuir para a compreensão

das barreiras ao encaminhamento à CLP (consultoria e psiquiatria de ligação)2 foram

incluídos. Os autores levantaram os seguintes fatores que diminuíram os

encaminhamentos: o estigma, a má relação com o psiquiatra, a comunicação deficitária, a

crença do médico de que pode lidar com a situação tão bem quanto o psiquiatra e obter

resultados semelhantes, bem como a falta de reconhecimento da doença mental. Como

fator positivo, descreveram a presença de um serviço de IC ativo e comprometido. Para os

estudiosos, embora as pesquisas auxiliem na compreensão das barreiras ao

encaminhamento dos pacientes, ainda existe uma carência de pesquisas qualitativas que

abordem o ponto de vista dos médicos que solicitam a IC e o relacionamento do médico

com o paciente e com o interconsultor.

Em resumo, as pesquisas aqui apresentadas apontaram que as dificuldades no

relacionamento médico-paciente têm motivado a solicitação de interconsulta psiquiátrica

por parte do médico não especialista. Nota-se que os fatores emocionais incomodam os

médicos, favorecendo ou impedindo a solicitação de interconsulta psiquiátrica. Essa

observação conduz à conclusão de que muitas das solicitações de interconsulta ocorrem

em razão de questões pessoais e institucionais, e não apenas por motivos referentes aos

pacientes.

2 A sigla remete ao termo em inglês Consultation-liaison psychiatry.

Page 24: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

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Os estudos sugerem que médicos e pacientes estão envolvidos em um intricado

relacionamento que ainda merece ser mais profundamente analisado, o que reforça a

importância do presente trabalho, que tem por objetivo detectar as motivações que levam

os médicos a solicitarem a interconsulta.

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25

4 INTERCONSULTA

4.1 Interconsulta psiquiátrica: nasce uma subespecialidade

Durante muitos anos, a psiquiatria permaneceu dentro dos asilos e distanciada

da medicina, com momentos de aproximação e outros de isolamento total. Essa

relação foi caracterizada por enfrentamentos e dificuldades, e uma maior interação só

começa a existir após a 2a Guerra Mundial. Em razão das experiências com os

pacientes combatentes naquele conflito, que precisavam ter uma melhora rápida, com

internações curtas que possibilitassem o seu retorno ao campo de batalha, surge uma

nova perspectiva de tratamento, que integrava a assistência psiquiátrica à intervenção

médica. No contexto da saúde mental, Botega (2006) esclarece que, com a

implantação de unidades de internação psiquiátrica em hospital geral como alternativa

ao tratamento vigente, asilar e estigmatizante do doente mental, inicia-se uma nova

abordagem terapêutica.

As condições para a atividade da interconsulta, que surge nos Estados Unidos,

na década de 1930, começam a se delinear com a criação de unidades de psiquiatria

em Hospitais Gerais (UPHG), tendo a primeira unidade sido estabelecida em 1902,

no Albany Medical Center em Nova Iorque. Temos, também, que o advento do

movimento de medicina psicossomática, favoreceu a aproximação, ainda que lenta e

tardia, entre a psiquiatria, que se encontrava confinada aos asilos, a clínica e o meio

acadêmico (DE MARCO, 2003). A atividade do psiquiatra auxiliando o médico de outra

especialidade tornou-se conhecida como interconsulta psiquiátrica.

Dois eventos marcam a história da interconsulta psiquiátrica: a publicação do

artigo “Some modern aspects of psychiatry in general hospital practice”, no American

Journal of Psychiatry de 1929, em que o autor, George W. Henry, assinala a

importância de os hospitais gerais terem em seu quadro médicos psiquiatras, e a

previsão feita, em 1934, por Helen Flanders Dunbar, pioneira do movimento

psicossomático, de que no futuro todas as enfermarias clínicas contariam com a

presença de psiquiatras (LIPOWSKI, 1986).

Zbigniew J. Lipowsky (1967), um profícuo estudioso da interconsulta

psiquiátrica, informa que, em 1932, Edward G. Billings montou no Colorado General

Hospital o primeiro serviço de interconsulta e, em 1939, criou o termo “psiquiatria de

ligação” (consultation-liaision psychiatry). Baseou-se, para tanto, no entendimento que

Page 26: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

26

a participação do psiquiatra no hospital geral favorece uma melhora do diagnóstico e

no tratamento do paciente, possibilitando um tempo de internação menor, com menor

custo para a comunidade (LIPOWSKI, 1986).

As pesquisas sobre o tema levaram, nos anos de 1970, à publicação dos

primeiros periódicos dedicados à interconsulta psiquiátrica, um deles o Psychiatry in

Medicine. Nove anos depois, um segundo periódico, General Hospital Psychiatry, é

editado (BLUMENFIELD; STRAIN, 2006). Estudos epidemiológicos, já na década de

80, realizados por Lipowsky (1986), evidenciaram a importância do psiquiatra e do

psicólogo no hospital geral, indicando que de 30 a 60 % dos pacientes internados

apresentavam algum sofrimento mental.

As UPHG tornaram-se um fenômeno mundial, levando à redução de leitos e

internações em hospitais psiquiátricos e favorecendo a criação de vários serviços de

interconsulta. Após a Segunda Grande Guerra, chega-se à marca de 1.358 unidades

em 1984, nos EUA, graças, segundo Wood e Wand (2006), ao incentivo dado pela

Fundação Rockefeller e pelo instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos

(NIMH). Para Lipowski (op. cit.), a interconsulta psiquiátrica se consolida como uma

subespecialidade da psiquiatria voltada para a assistência, ensino e pesquisa diante

da interface entre a psiquiatria e a medicina, consolidando-se nos Estados Unidos em

2003 como subespecialidade pela American Board of Specialties.

Em síntese, a partir desses desenvolvimentos, a interconsulta3 psiquiátrica

pode ser conceituada como uma subespecialidade da psiquiatria voltada para a

assistência, ensino e pesquisa na interface entre a psiquiatria e as demais

especialidades da medicina.

4.2 Interconsulta no Brasil

No Brasil, os grandes hospitais psiquiátricos com características asilares se

mantinham como referência no tratamento do sofrimento mental desde a criação do

primeiro hospício brasileiro, em 1852, no Rio de Janeiro (FIGUEIREDO, 1996). De

forma incipiente, na década de 50, instalam-se as primeiras enfermarias de psiquiatria

no hospital geral, em 1954, no Hospital das Clínicas da Universidade da Bahia,

seguidas da criação de unidades no Hospital dos Comerciários de São Paulo, em

3 Interconsulta psiquiátrica lato sensu se refere à presença do psiquiatra auxiliando um médico de

outra especialidade. (SHAVITT; BUSATTO FILHO; MIGUEL FILHO, 1989)

Page 27: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

27

1957, e no Hospital Pedro II da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de

Pernambuco (DALGALARRONDO, 1990). Enquanto no mundo as UPHG e os

serviços de interconsulta se desenvolveram de forma intensa, no Brasil observou-se

um avanço tímido e restrito ao meio acadêmico, com produções insulares e

gradativas.

De acordo com Eksterman (2010), o movimento psicossomático, que teve em

Danilo Perestrello seu grande incentivador no Brasil, tornar-se-ia o agente de

facilitação para a entrada da psiquiatria no hospital geral. Criador do Departamento

de Medicina Psicossomática na UFRJ, em 1958, o Professor Perestrello aborda, em

sua tese de livre-docência, o tema “A Psiquiatria atual como psicobiologia”. Ele, Júlio

de Mello Filho e Abram Eksterman consolidam o movimento psicossomático

fundando, em 1965, a Associação Psicossomática do Brasil. Em 1967, com a

presença do psicanalista Michael Balint, realizam a primeira reunião Nacional de

Medicina Psicossomática. Para Botega (2012), os trabalhos do Professor Mello Filho

no Hospital Geral e sua concepção de doença psicossomática capacitam-no a ser

chamado de patrono da interconsulta no Brasil.

É nesse cenário que, na década de 70, especificamente em 1977, no

Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Escola Paulista de Medicina,

surge o primeiro serviço de interconsulta (IC), estruturado como treinamento no

programa de Residência Médica em Psiquiatria (Nogueira-Martins, 2010).

No Brasil, os serviços de IC se formaram sob a orientação dos psicanalistas

argentinos Hector Ferrari, Isaac L. Luchina e Noemi Luchina. Luchina participou de

vários encontros no Brasil com a finalidade de formar interconsultores, e suas obras

se tornaram referência para a atuação do psiquiatra. Esses autores utilizaram a

expressão “interconsulta médico-psicológica”, explorando o campo dinâmico da

relação médico-paciente, em que conflitos emergiam na vivência entre os pacientes,

familiares, médicos e a instituição. Postularam o manejo das crises com base no

referencial psicanalítico, teoria predominante na interconsulta médico-psicológica

daquele período (FERRARI; LUCHINA; LUCHINA,1977).

A década de 80 foi marcada por um momento de apogeu, com a realização de

dois grandes encontros: o I Congresso Brasileiro de Psiquiatria e Medicina Interna,

em 1987, e o I Encontro Brasileiro de Interconsulta Psiquiátrica, em 1989, realizados

pelo Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de

Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Os trabalhos apresentados

Page 28: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

28

nesse segundo congresso foram catalogados pelo Professor Eurípedes Constantino

Miguel Filho e colaboradores e se transformaram no livro Interconsulta Psiquiátrica no

Brasil, publicado em 1990. Na mesma década de 1980, surgem as primeiras teses

sobre interconsulta psiquiátrica no hospital Geral, particularmente a de doutorado do

Professor Neury José Botega, em 1989, pela Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP), e que se tornaria referência no estudo da interconsulta no Brasil.

Em 1997, um censo nacional registrou o avanço alcançado na década de 80,

apontando que 86% de 63 hospitais gerais que possuíam enfermaria de psiquiatria

contavam com um serviço de interconsulta psiquiátrica (BOTEGA; SCHECHTMAN,

1997). Atualmente, entretanto, segundo Scherer, Scherer e Labate (2002) não há uma

estimativa oficial do número de serviços de interconsulta psiquiátrica no Brasil, ainda

que exista a percepção de que a maioria dos serviços se encontra no meio acadêmico

e nos hospitais-escolas, o que estaria aquém do potencial de utilização desse serviço.

4.3 Caracterização da interconsulta

A aproximação do profissional de saúde mental no meio hospitalar, segundo

Botega (1995), tem possibilitado que a interconsulta seja utilizada como uma

ferramenta metodológica que auxilia na compreensão dos problemas que envolvem a

assistência médica e no desenvolvimento de critérios para aprimorar o tratamento.

No Brasil, a palavra “interconsulta” é utilizada abrangendo duas formas de

atuação: a consultoria e a psiquiatria de ligação. Em inglês e na literatura

internacional, tem prevalecido o termo proposto por Lipowski em 1967, consultation-

liaision psychiatry, ao se referir às práticas de consultoria e psiquiatria de ligação.

Na consultoria, a presença do psiquiatra é episódica e se dá nos casos em que

ele é chamado para resolver uma questão pontual. Sua ação é limitada e específica e

visa responder aos questionamentos da equipe de saúde. De maneira geral, o

psiquiatra é chamado para avaliar e indicar um tratamento para o paciente,

esclarecendo e aconselhando o médico consultante sobre a questão formulada. Este

poderá ou não seguir a orientação apresentada pelo colega.

Diferentemente, na psiquiatria de ligação (liaison psychiatry), a atuação do

psiquiatra torna-se constante. Como membro efetivo da equipe, tem livre acesso a

todos os pacientes, atendendo e interagindo com a equipe, participando de reuniões

e lidando com os aspectos da relação entre médico, equipe e paciente.

Page 29: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

29

Em termos práticos, as duas maneiras de atuar são complementares e trazem

como objetivos orientar o diagnóstico e o tratamento de pacientes com distúrbios

psiquiátricos; capacitar o médico consultante a lidar com conflitos psicológicos de seus

pacientes e dos familiares; instruir o médico de outra especialidade no uso de

psicofármacos; melhorar a compreensão do paciente no seu contexto biopsicossocial,

facilitando a integração das ações terapêuticas; desenvolver a capacidade reflexiva

sobre o dia a dia da instituição e sua prática assistencial , detectando os entraves no

seu funcionamento; enfim, melhorar a qualidade do atendimento ao paciente,

favorecendo um olhar da equipe dirigido a todos os aspectos relacionados com o

estar doente e hospitalizado (NOGUEIRA-MARTINS; BOTEGA, 1998).

Segundo Lipowski (1986) e Shavitt, Busatto Filho e Miguel Filho (1989), em prol

de uma melhora na qualidade de atenção ao paciente, três possíveis abordagens

direcionam a atuação do interconsultor:

1. O centro da atenção é o paciente. Para tanto, realiza-se entrevista e

levantamento dos dados clínicos, de personalidade e psicossociais e faz-

se a revisão das medicações em uso e a solicitação de exames

complementares, que visam à formulação de um diagnóstico e à orientação

do médico assistente em relação à melhor conduta a ser adotada.

2. O centro de atenção é o médico consultante. A prioridade recai sobre os

conflitos da relação médico-paciente. Essa é uma abordagem com

características educativas, que se baseia na identificação das questões

psicológicas que tenham atropelado a relação, dificultando a compreensão

e o manejo do paciente.

3. O centro da atenção é a situação resultante da interação do paciente com

a equipe médica e com a instituição. O paciente revela um problema na

relação com a equipe médica ou com a instituição. Nessa situação, a

demanda do paciente funciona como uma lente que possibilita uma visão

mais abrangente dos meios pelos quais a equipe e a instituição podem

aprimorar o atendimento.

O presente trabalho se concentrará na segunda abordagem descrita por

Lipowski, procurando investigar os aspectos emocionais que afetam o médico diante

de um conflito na relação com seu paciente e compreender as dificuldades que

interferem nesse relacionamento.

Page 30: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

30

Conforme Zavaschi, Lima e Palma (2000), a familiarização do interconsultor

com a dinâmica do serviço hospitalar facilita sua atuação na promoção de encontros

com a equipe e a família, com vistas a melhorar as reações estressantes que se

manifestam por mecanismos de defesa cuja finalidade é proteger do sofrimento

psíquico. Sob esse aspecto, apoia-se em Botega, quando esse autor descreve que o

objetivo último da interconsulta desde Billings, o criador do termo consultation-liaison

psychiatry, “é melhorar a qualidade da atenção ao paciente, auxiliando na provisão de

cuidados a todos os aspectos envolvidos na situação de estar doente e hospitalizado”

(BOTEGA, 2012, p. 27).

4.4 A solicitação de interconsulta

Em torno de 50% dos pacientes internados em hospitais gerais apresentam

algum quadro psiquiátrico. Esse percentual pode variar a depender da população

estudada e do método empregado nas pesquisas sobre o assunto. Os transtornos

mentais se dividem em casos de um problema mental crônico, de manifestação

psiquiátrica relacionada a um quadro clínico de base, ou de reações agudas à doença,

ao tratamento ou à hospitalização (BOTEGA, 1995, 2002, 2006). Nogueira-Martins

(2010, p. 227) enumera os principais diagnósticos psiquiátricos encontrados em

hospitais gerais:

a) reações de ajustamento ao adoecer e à internação com sintomatologia

predominantemente depressiva;

b) estados confusionais agudos associados a quadros cérebro-orgânicos

decorrentes de:

quadros infecciosos (encefalites, meningites, toxoplasmose cerebral,

abscessos cerebrais, AIDS, septicemia etc.);

distúrbios metabólicos (diabetes, insuficiência renal, insuficiência

hepática etc.);

intoxicações exógenas (acidentes, uso de drogas, tentativas de suicídio);

alcoolismo (síndrome de abstinência, Wernicke-KorsaKoff);

vasculopatias cerebrais (hipertensão, diabetes, arteriosclerose, vasculite

por lúpus etc.).

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31

No ambiente hospitalar, as solicitações de interconsulta são numerosas. No

entanto, Lipowski (1967) delimita os pedidos que requerem uma atenção especial aos

casos em que ocorre alguma alteração psicológica associada à doença orgânica,

alguma complicação psiquiátrica de doenças orgânicas, reações somáticas

relacionadas a problemas psicológicos e distúrbios classicamente psicológicos.

Por sua vez, Botega (2002), em pesquisa realizada na UNICAMP, percebeu

que a maioria dos pedidos de interconsulta se originou das especialidades da clínica

médica, demandando do psiquiatra: ajudar na avaliação do quadro mental do

paciente; colaborar no diagnóstico diferencial; atender casos de tentativa de suicídio;

prover apoio para a equipe e pacientes diante de situações traumatizantes e outras

em que o paciente se apresentasse com atitudes inadequadas ao tratamento, ou

recusasse a realização de tratamentos adequados; ser mediador em comunicações

dolorosas.

Nogueira-Martins et al. (1991) refere-se a duas situações em que os serviços

de interconsulta se tornam fundamentais: distúrbios psiquiátricos no hospital geral e

dilemas éticos. Nesse último caso, o autor menciona situações de desajustes e

conflitos na relação entre a equipe assistencial e pacientes ou familiares, tais como: a

resistência a uma intervenção mutiladora inadiável, a dificuldade de aderência ao

tratamento (quimioterapia, hemodiálise, transfusões de sangue por motivos

religiosos), solicitações de alta, óbito de familiares durante a internação e

comunicações dolorosas. Tais eventos exigem do interconsultor que melhore os

canais de comunicação para resgatar a relação médico-paciente.

Cerqueira (1994) considera que a interconsulta obtém êxito quando é capaz de

diagnosticar o bloqueio da relação médico-paciente, restaurando o vínculo,

favorecendo o restabelecimento da comunicação, o que certamente possibilitará ao

médico continuar sua tarefa e, desse modo, propiciando maior benefício para o

paciente.

4.5 Benefícios da interconsulta

O adoecer, levando à necessidade de hospitalização, constitui uma vivência

estressante, em que o paciente é colocado longe de seus familiares e da sua vida

cotidiana, o que cria desafios para a sua capacidade de adaptação, desafios esses

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32

que, segundo Scherer, Scherer e Labate (2002), promovem, a longo prazo, alterações

em termos da autoimagem, do estilo de vida e da dinâmica sociofamiliar.

Conforme Andreoli e Mari (2002), o tempo de permanência do paciente no

hospital tende a se prolongar a depender de seu quadro clínico estar ou não associado

a quadros psicológicos e psiquiátricos não diagnosticados, e das relações

desajustadas estabelecidas no meio hospitalar, o que agrava seu comportamento e

resposta à terapêutica. Para Ferrari, Luchina e Luchina (1979), as internações se

prolongam devido à conjugação de fatores psicossociais dos pacientes associados à

dificuldade da equipe em identificar essas questões e lidar com elas.

A interconsulta psiquiátrica, ao melhorar as reações mal adaptadas e a

interação do paciente com a equipe de saúde, promove um encurtamento no tempo

de internação. Tal crença é antiga entre os psiquiatras que trabalham em hospitais

gerais, pois há a percepção de que a intervenção do interconsultor melhora a

qualidade do atendimento e a resposta do paciente ao tratamento, permitindo uma

alta mais rápida (HALES, 1985; NOGUEIRA-MARTINS, 1995). Também para

Zavaschi, Lima e Palma (2000), a presença do interconsultor, dando suporte ao

médico generalista e à equipe responsável em situações estressoras, oferecendo

intervenções focais na terapêutica e auxiliando nas relações estabelecidas entre a

família, o paciente e a equipe, possibilita uma melhora na capacidade dos

profissionais envolvidos de conduzir e tomar as decisões necessárias em relação ao

paciente. Reiteram Carvalho e Lustosa (2008) que a interconsulta se faz efetiva ao

melhorar a humanização do atendimento e o foco no paciente em seu contexto

biopsicossocial. Cabe ao interconsultor construir uma visão global do paciente,

auxiliando o médico a lidar com as demandas surgidas em razão da

contratransferência e promovendo uma melhora na relação médico-paciente.

4.6 Contribuições de Isaac Luchina e seu grupo

Isaac Luchina, psiquiatra argentino, trabalhava em um hospital geral de Buenos

Aires como consultor psiquiátrico. Na Argentina, a psiquiatria de ligação e

interconsulta é muito desenvolvida, com forte influência de autores psicanalistas como

Freud, Melaine Klein, Garma, Rascovsky e Pichon-Rivière, tendo se tornado uma

verdadeira psiquiatria dinâmica (MELLO FILHO, 2003). Abalizado pelos pressupostos

psicanalíticos, Luchina se orienta para o estudo dos conflitos mentais, refletindo sobre

Page 33: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

33

a questão da angústia e preferindo não discutir a “enfermidade”, mas sim o “estar

enfermo”.

Segundo Ferrari, Luchina e Luchina (1977,1980), inicialmente os serviços de

psiquiatria aconteciam fora do hospital geral, com o encaminhamento dos pacientes

para os hospitais psiquiátricos ou ambulatórios. Com a prática da interconsulta, o

psiquiatra chega ao hospital geral com uma psiquiatria renovada, amparada por

conhecimentos psicanalíticos e pela psicologia social, que é reintroduzida naquele

contexto com um potencial terapêutico operante.

Ferrari, Luchina e Luchina também observam que são inúmeras as variáveis

que podem desviar o médico de sua tarefa de curar, uma vez que ele é incapaz de

agir apenas como um técnico que procura realizar uma “medicina de doenças, e não

de doentes”, em razão dos vínculos que o ligam à sua profissão (FERRARI; LUCHINA;

LUCHINA, 1979). Dentre essas variáveis está o fato de o médico estabelecer uma

relação complexa e profunda, a relação médico-paciente, a qual o afeta

profundamente. O médico comum, acostumado com uma medicina que dissociava o

doente da doença e a mente do corpo, na medida em que se esforça para estabelecer

um contato com o paciente, passa a enfrentar dificuldades de cunho emocional,

ligadas ao mecanismo de identificação (idem, 1977), que o levam a empregar defesas

profissionais que possam proteger o homem que há no médico (idem, 1980). Esses

estudiosos concluem que são as crises da relação médico-paciente ou médico-

instituição que motivam as interconsultas (idem, 1977). Torna-se, portanto, função do

interconsultor aprofundar a avaliação do campo dinâmico da relação médico-paciente,

buscando entender como ocorreu a organização da enfermidade e a forma como o

tratamento foi conduzido. Entendem os autores por organização da doença a forma

especial que adotam as forças do campo da relação médico-paciente, o que contém

sua família e amigos, ou o modo como todos os fatos correspondentes atuam no

âmbito institucional. Desse modo, a partir da observação de como se dava a interação

da organização da doença e a condução do tratamento, aprimorou-se a técnica de

interconsulta, chamada de interconsulta médico-psicológica.

Segundo Ferrari, Luchina e Luchina (1979), o médico, ao solicitar um pedido

de interconsulta, manifesta uma mensagem ambígua, cheia de conteúdos latentes

que necessitam ser desvendados e que podem ser mais bem entendidos ao se

compreender a dinâmica profunda da relação médico-paciente. A interconsulta passa

a ter um caráter educativo e psicoterápico, orientando e aliviando a ansiedade do

Page 34: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

34

médico. Num primeiro momento, o interconsultor levanta todos os dados e

informações acerca do caso. Em seguida, busca entender e esclarecer a situação e,

por fim, devolve a informação de modo a promover a reorganização do problema em

questão.

É interessante observar que, ao passo que o interconsultor psiquiatra lança

mão de conhecimentos fisiopatológicos na tentativa de identificar a possibilidade de

algum transtorno mental, a interconsulta psicológica utiliza uma abordagem

psicodinâmica, ao procurar compreender a subjetividade dos atores envolvidos no

universo hospitalar. Ferrari e Luchina (1979), ao lançarem mão do termo interconsulta

médico-psicológica, promove uma aproximação entre esses dois enfoques, de modo

que à perspectiva psicopatológica se acrescentem os aspectos psicológicos, sempre

levando em conta o contexto social do qual a instituição faz parte.

Conclui-se, por essa rápida exposição, que a interconsulta se tornou uma

ferramenta muito utilizada por psiquiatras que visavam atender ao chamado de

colegas médicos diante de ocorrências psiquiátricas e procuravam atuar de maneira

a melhorar a assistência ao paciente. Por outro lado, o interconsultor psiquiatra, ao

adentrar o hospital geral, abraça, além da função assistencial, a educacional, ao

procurar auxiliar e esclarecer o médico sobre as tensões surgidas na relação médico-

paciente.

Como visto, a relação médico-paciente se apresenta como um ponto

fundamental a ser estudado no intuito de ajudar o médico a compreender suas

emoções e os impactos destas quando ele se encontra diante de seus pacientes. Para

dar conta desse estudo, a seguir serão apresentadas algumas contribuições de

estudiosos no campo da emoção e da relação médico-paciente.

Page 35: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

35

5 DE JUNG A BALINT – CONTRIBUIÇÕES PARA A RELAÇÃO MÉDICO-

PACIENTE

5.1 As contribuições de Jung

Pensador erudito, médico psiquiatra de formação, Carl Gustav Jung produziu

uma vasta obra literária que abrange temas de várias áreas, como arte, religião,

ciência, literatura, medicina e psicologia. A sua experiência psiquiátrica no Hospital

Burghölzli levou-o a questionar o que se passava na psique de um doente mental. Em

sua obra, Memórias, sonhos e reflexões (2016a), descreve o quanto o incomodava

perceber que os seus colegas não se interessavam por saber o que os pacientes

tinham a dizer, e sim por fazer um diagnóstico. Se, para muitos, a função de rotular

com um diagnóstico se mostrava satisfatória, para Jung isso não era suficiente.

Entendia Jung (2016a, p. 195) que “o ponto decisivo é a história do doente, pois revela

o fundo humano, o sofrimento humano e somente aí pode intervir a terapia do médico”.

A falha em compreender o sentido era do médico. Para Jung, o paciente não era um

número ou um rótulo, mas um ser humano que precisa de outro ser humano, o que o

levou a afirmar:

O fato decisivo é que, enquanto ser humano, me encontro diante de outro ser humano. A análise é um diálogo que tem a necessidade de dois interlocutores. O analista e o doente se encontram, face a face, olhos nos olhos. O médico tem alguma coisa a dizer, mas o doente também. (JUNG, 2016a, p. 204).

O paciente em crise não era tão distante de Jung, pois ele próprio passou, ao

longo da vida, por momentos críticos que o levaram a imergir em si mesmo, realizando

uma viagem repleta de fantasias e transformações procurando recuperar-se e

ampliando sua capacidade curativa.

Acreditando que o médico não deveria se esconder atrás de sua autoridade

nem fugir do drama trazido pelo paciente, Jung sentava-se na frente de seus

pacientes, mantendo uma comunicação direta de um ser humano para outro ser

humano que espera ser tocado, pois “só o ferido cura” (JUNG, 2016a, p. 207).

À medida que o médico elabora sua ferida, um novo processo se instala, fruto

da luta transcorrida que deixa profundas marcas em seu âmago. Quanto mais

profundas forem suas feridas, maiores serão as cicatrizes, símbolos da superação

Page 36: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

36

ante os reveses da vida. A forma como o médico percebe suas cicatrizes e lida com

elas será fundamental para o seu desempenho, pois, quando for “tocado” pelo

paciente, expressará uma reação proporcional ao afeto que carrega.

Dessa forma, é inevitável que o médico seja influenciado pelo paciente, pois,

ao compartilhar seu sofrimento, fica comprometido e, na medida em que se envolve

com o mal-estar do paciente, pode ter sua própria saúde afetada.

5.1.1 Afetos e complexos

A temática da emoção foi objeto de estudo de Jung (1907/2016b) em seu texto

“O conceito de complexo de tonalidade afetiva e seus efeitos gerais sobre a psique”

no qual ressalta a importância da afetividade, que entende ser “não apenas os afetos

em sentido próprio, mas também os sentimentos leves ou as tonalidades sentimentais

de prazer e desprazer” (BLEULER apud JUNG, 1921/2016c, par. 750). Esclarece que

emprega o termo afeto como sinônimo de emoção e os conceitua, “por um lado, como

estado psíquico de sentimento e, por outro, como estado fisiológico de inervações,

tendo cada qual efeito cumulativo e recíproco sobre o outro” (JUNG, 1921/2016c, par.

751).

Assim o afeto/emoção apresenta um componente fisiológico que se manifesta

por meio de inervações, produzindo reações abruptas, involuntárias e difíceis de

controlar, que irrompem inconscientemente e promovem alterações no corpo e no

pensamento. Por outro lado, os sentimentos se caracterizam por serem uma função

voluntariamente disponível, possível de ser registrada pela razão e desprovida de

inervações corporais perceptíveis, sendo, assim, uma experiência consciente.

Sumariamente, poder-se-ia dizer que todo sentimento é um afeto/emoção, mas nem

todo afeto/emoção é um sentimento, uma vez que é preciso que o afeto/emoção sejam

reconhecidos e se tornem conscientes para se transformarem em sentimento.

Posto isso, é fundamental para o médico, relata Jung (1934/2016d, par. 330),

“conhecer sua equação pessoal para não violentar seu paciente”, ou seja, aprender a

reconhecer suas cicatrizes e lidar melhor com suas emoções e afetos, por vezes

associadas ao que Jung conceituou como complexo.

Quando os afetos/emoção eclodem, manifestando-se involuntariamente em

resposta a alguma provocação, algo desconhecido é apresentado à consciência,

como constatou Jung (1934/2016d) durante a realização do Teste de Associação de

Page 37: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

37

Palavras. Tais eventos carregados de afeto/emoção que se revelavam de forma

autônoma foram denominados por Jung complexos afetivos:

Complexo afetivo é a imagem de uma determinada situação psíquica de forte carga emocional, além disso, incompatível com as disposições ou atitudes habituais da consciência. Esta imagem é dotada de poderosa coerência interior e tem sua totalidade própria e goza de um grau relativamente elevado de autonomia, vale dizer: está sujeita ao controle das disposições da consciência até um certo limite, por isto, comporta-se, na esfera do consciente, como um corpus alienum

(corpo estranho), animado de vida própria. (JUNG, 1934/2016d, par. 201)

Para Kast (2017), os complexos são centros de energia, construídos em torno

de um núcleo de significado afetivo, supostamente deflagrado por algum embate

doloroso do indivíduo com uma exigência para a qual não estava preparado. Toda vez

que o indivíduo passa por um evento semelhante, o complexo é reforçado ou

intensificado, formando uma verdadeira “rede” ou “trama” de significações vinculadas

à situação primária que deu origem ao complexo. Jung chama esse processo de

“constelação” e utiliza a expressão “estar constelado” para indicar que o indivíduo

adotou uma atitude preparatória e de expectativa, com base na qual reagirá de forma

inteiramente definida (JUNG, op. cit.). Assim, se o complexo for tocado, observar-se-

á uma reação emocional, automática, que ninguém pode deter por própria vontade.

Temos assim que, na teoria junguiana, o conceito de complexo pode ser

entendido como um conjunto de representações mentais que são mantidas no

inconsciente unidas pela emoção. Constituídos por um aglomerado de fortes imagens,

vivências e experiências emocionais aparentemente cicatrizadas, os complexos

permanecem como que dormentes no inconsciente. Todavia, esses núcleos

carregados de afeto são dotados de energia psíquica e se manifestam de modo

autônomo, revelando-se independentemente do controle consciente. Quando o

indivíduo se vê diante de situações de tonalidade afetiva semelhante à das

circunstâncias que geraram o complexo, as emoções manifestam-se de maneira

exagerada, como se um gigante adormecido reclamasse espaço e atenção. Ao se

constelar um complexo, a pessoa tende a reagir como se estivesse não apenas diante

da situação atual, mas sim respondendo àquelas vivências que deram origem ao

complexo e estão registradas em seu inconsciente. Em grande parte das vezes,

ocorre uma mudança brusca na forma de agir do indivíduo como se surgisse uma

Page 38: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

38

segunda personalidade. Ou, como assinala Jung, essa verdadeira rede de conteúdos

carregados de emoção e organizada a partir de experiências afetivamente

significativas pode afetar a capacidade do indivíduo de tomar atitudes e decisões

adequadas ao momento presente (JUNG, 1934/2016d).

Ao ser “tocado” em sua ferida ou cicatriz emocional, o indivíduo pode reagir de

modo complexado e, assustado com o tamanho da reação, perceber que algo se

encontra encapsulado no seu mundo íntimo exigindo reparo. De certa forma, todo

mundo tem que lidar com complexos, particularmente o médico diante de seu

paciente. Isto porque, à medida que cria um vínculo e passa a se interessar pelo

sofrimento do paciente, o médico fica exposto aos conteúdos inconscientes, ou seja,

médico e paciente se encontram ligados numa relação fundada na inconsciência

mútua, amplificada pela confiança entre ambos. Os complexos manifestados na

relação médico-paciente trazem à tona reações ora agradáveis e prazerosas, ora

desagradáveis ou dolorosas, que deveriam ser identificadas e, se possível,

trabalhadas.

Entende-se que a base primária de todas as emoções é constituída por prazer

e desprazer. Sobre essa fundação, todos os outros estados emocionais irão surgir e

darão origem às classificações mais comuns das emoções como negativa ou positiva

e agradável ou desagradável (MARTINS, 2004). Nesse sentido, Ballone reitera:

O termo emoções negativas se refere às emoções que produzem uma experiência vivencial desagradável, tais como a ansiedade, a raiva, a angústia, o medo, a tristeza... As emoções positivas são aquelas que geram uma experiência agradável, como a alegria, a felicidade, o amor, o prazer [...] (BALLONE, 2002, p. 68)

5.1.2 A mediação da interconsulta

Jung (1957/1987), ao estudar Paracelso, reflete sobre a importância do médico

compreender que aquilo que fala ao doente provém de sua própria natureza, devendo

conhecer seu coração, pois, se for falso, também será um falso médico e dificilmente

conseguirá manter uma atitude salutar. Referindo-se basicamente à atividade do

psiquiatra, Jung entendia, no entanto, que esse raciocínio poderia ser estendido aos

médicos em geral. Assim, o autor reflete que a “relação médico-paciente é uma

relação pessoal dentro de uma relação impessoal” (JUNG, 1957/1987, par. 163), em

Page 39: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

39

que a personalidade do médico e do paciente são tão ou mais importantes que a

própria doença em questão. Trata-se de um encontro entre dois seres humanos

singulares e com particularidades, que, ao reagirem entre si, iniciam um processo em

que ambos se transformam.

Em momentos em que o médico, diante do seu paciente, vê-se atordoado e

perdido em suas emoções, pode surgir a figura do interconsultor. Como Hermes, o

deus mensageiro, capaz de realizar profundas conexões, o interconsultor se propõe a

realizar um diálogo entre as duas psiques envolvidas, promovendo um

reconhecimento dos aspectos inconscientes, na tentativa de contribuir para uma

melhora terapêutica.

5.2 As contribuições de Balint

A importância conferida por Jung à personalidade do médico em seu

relacionamento com o paciente, seria desenvolvida, sob outra perspectiva, pelo

renomado psicanalista, Michel Balint, que transformou o entendimento da relação

médico-paciente. Suas pesquisas, realizadas na Tavistock Clinic da Inglaterra, após

o término da 2a Grande Guerra, em 1950, tornaram-se o marco de uma mudança

paradigmática que permeou a compreensão da medicina e da psicanálise, visando a

um melhor entendimento do encontro entre o médico, na qualidade de agente de cura,

e o paciente, o doente em questão. Consagrado como um dos pioneiros na área da

psicologia médica, seu trabalho foi uma construção ao longo dos anos. Como médico

e psicanalista, foi analisado e supervisionado por Ferenczi, que se alinhava à

descoberta da contratransferência assinalada por Jung, mais tarde adotada e

conceituada por Freud. Após o falecimento do seu supervisor, manteve suas

pesquisas sobre pacientes considerados “difíceis” e o campo da transferência e da

contratransferência, estudos esses que culminaram na proposta da existência de um

estado no psiquismo chamado de falta básica, derivado de um período na vida em

que a linguagem do mundo adulto não teria sido ainda adquirida e na qual

prevaleceriam os elementos afetivos (BALINT, 1993).

Embasado na teoria das relações objetais, desenvolveu com os clínicos gerais

o que viria ser chamado de “os grupos Balint” e que provocaria uma profunda mudança

na medicina. Ao estabelecer um modelo de grupo, Balint buscou pontos de contato na

maneira de lidar do médico com seu paciente, trazendo à tona os conceitos de skill

Page 40: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

40

(administrar o objeto-mãe a distância) e as formas ocnofílica (tendência do bebê de

querer manter a mãe-objeto junto de si) e filobática (procura de controle do objeto) na

relação que se construía. Avaliou que o paciente, ao relatar sua demanda para o

médico, poderia se encontrar em diferentes fases que chamou de zonas: edipiana,

que envolveria três pessoas e estaria sob o domínio da linguagem; falha básica, que

envolveria duas pessoas e estaria no domínio do pré-verbal e de criação, na qual o

sujeito se encontra sozinho exigindo do médico novas formas de lidar.

A forma como o médico pensava, sentia e reagia ante seus pacientes, já

conhecida no meio analítico como contratransferência, tornou-se um material de

estudo e aprimoramento dos Grupos Balint, que buscaram entendê-la visando

aprimorar a relação médico-paciente.

5.2.1 Os grupos

Os seminários com os clínicos eram compostos por oito a dez médicos e um a

dois psiquiatras que se reuniam uma vez por semana, durante dois a três anos. Um

médico narrava seu caso clínico, não se prendendo à doença em si e sim ampliando

seu relato para abarcar a história clínica vivenciada pela dupla médico-paciente. A

narrativa abrangia dados da vida do paciente, sua história de vida, sua inserção na

doença, na instituição e seu convívio familiar na sociedade. Uma vez terminado o

relato, de imediato Balint incentivava cada participante do grupo a dar sua opinião e a

comentar os sentimentos que conseguiram perceber entre o paciente e o médico

(transferência) e os sentimentos do médico para com o paciente (contratransferência).

Nos grupos de discussão, os médicos iam aprendendo a entender suas reações

diante do sofrimento expresso pelos pacientes. Além de compreender que, quando

uma pessoa adoece, mais do que um órgão afetado, é todo o seu ser que está

consumido pela doença, o médico aprendia que estava envolvido emocionalmente

nesse processo. O grupo funcionava sob o compromisso de um sigilo absoluto e de

confiança mútua e, após o treinamento, observava-se uma melhora na relação

médico-paciente, com os médicos se sentindo menos ameaçados e apresentando

uma melhora na capacidade de cumprir as funções delegadas.

Em 1957, essa experiência, impressionante pelo seu pioneirismo, transformou-

se em um livro, em que vários temas da relação médico-paciente e da psicoterapia

são abordados. O livro intitulado The doctor, his patient and the illness tornou-se um

Page 41: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

41

clássico que amplia a visão de doença para a medicina da pessoa, relacionando várias

categorias a respeito da relação médico-paciente, tais como: o médico como droga, a

organização e oferta da doença, o conluio do anonimato e a função apostólica, com

profundas reflexões acerca dos temas de transferência e contratransferência.

5.2.2 O médico como droga

À medida que Balint realizava os grupos de discussão com os clínicos, pôde

perceber “que a droga mais utilizada na clínica era o próprio médico, isto é, que não

apenas importava o frasco de remédio ou a caixa de pílulas, mas o modo como o

médico os oferecia” (BALINT, 1988, p. 1).

Visto que a atitude do médico influencia o processo de melhora do paciente, e

seguindo os passos de Ferenczi, que considerava a personalidade do analista capaz

de funcionar como instrumento de cura, Balint (op. cit.) reitera a ideia de que o médico

pode ser treinado e se tornar muito sensível para captar o que o paciente de fato

“oferece” em sua doença, facilitando a comunicação e o alívio de seus sintomas. Para

esse autor, era fundamental que o médico desenvolvesse sua capacidade emocional,

aprimorando o quanto de si poderia dar, pois, na “dosagem certa”, curaria ou aliviaria

o paciente, mas o desconhecimento da posologia correta acarretaria verdadeiras

alergias, causando malefício ao paciente. “E um dos mais importantes efeitos

colaterais – se não o principal efeito – da substância ‘médico’ é sua resposta às ofertas

do paciente” (BALINT, op. cit., p. 16).

5.2.3 Aproximação aos complexos: a organização e oferta da doença

Ao investigar as “ofertas” de doenças trazidas ao médico pelo paciente, Balint

notou que muitas não apresentavam patologia orgânica, exigindo uma escuta mais

ampla, pois muitas pessoas, diante dos problemas do dia a dia, apelavam para o

adoecimento, buscando alguém disposto a conversar e escutar suas dificuldades e

conflitos perante a vida. O médico era procurado como válvula de escape, em uma

situação na qual a doença era descrita por meio de várias queixas, sem que se

pudesse determinar quais as mais importantes. Caso o médico não conseguisse

trabalhar a proposta desorganizada e confusa da doença nessa fase, prescrevendo

um pouco de si próprio, ela tenderia a evoluir, como explica Balint:

Page 42: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

42

Se o médico tem oportunidade de vê-los nas primeiras fases de seu tornar-se doente, isto é, antes que se acomodem numa doença definitivamente “organizada”, ele pode observar que esses pacientes, por assim dizer, oferecem ou propõem várias doenças, e que eles precisam continuar oferecendo novas doenças até que entre o médico e o paciente possa ser alcançado um acordo que resulte na aceitação por ambos de uma das doenças como bem fundamentadas. (BALINT, 1988, p. 15)

A doença organiza-se baseada na individualidade de cada um, limitada pela

história pessoal, posição social, vida emocional, medos conscientes e inconscientes

e fantasias, sempre ímpar em cada pessoa. Ao ser ofertada, constitui um pedido de

ajuda ao médico, expressa por meio das dores que a constituem. A hipótese é que,

quanto antes o médico conseguir entender essa demanda, maiores serão as chances

de reduzir o desenvolvimento da enfermidade. Para tanto, importa aceitar tal pedido

de ajuda, já que há a tendência do quadro de se agravar estaria fundado na

expectativa do paciente de ser ouvido. Seria, portanto, o grito por meio da

exacerbação dos sintomas na esperança de que percebam o processo que o levou a

adoecer.

Se, por um lado, o paciente regredido, em franco sofrimento, procura o serviço

de saúde e “oferece” uma doença, concomitantemente estará transferindo uma carga

de afetos muitas vezes mobilizadas por ansiedade primitiva, que exigirá do médico

uma reação que favoreça a comunicação e possibilite a construção de uma aliança

terapêutica.

5.2.3.1 Conluio do anonimato

Balint observa que, muitas vezes, diante de uma doença muito organizada, o

médico, ao se sentir incapaz de assumir o tratamento, encaminha seu paciente a

especialistas com a finalidade de diluir a responsabilidade, evitando um maior contato

com o paciente e promovendo o que o autor chama de conluio do anonimato. Na

maioria das vezes, o especialista acaba por solicitar inúmeros exames sem permitir

que o paciente expresse suas queixas. O risco de o paciente perder o médico de

referência é o de perder sua voz, sendo emudecido pelo sistema que promove

encontros parciais que privilegiam o diagnóstico e esquecem de escutar aquele que

está doente. De fato, quando as razões do encaminhamento são afastar-se do

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43

paciente, é urgente que médico assistente procure entender do que tem medo, a fim

de diminuir sua atitude iatrogênica e melhorar sua relação com os pacientes, no intuito

de aliviar o sofrimento daqueles que o procuram como um missionário da cura.

5.2.3.2 A função apostólica

Apesar do receio de alguns médicos de cuidar, Balint percebeu que muitos

clínicos apresentavam o desejo de serem úteis e, usando o bom-senso, se

posicionavam esclarecendo as dúvidas dos pacientes. Em razão da imensa vontade

de fazer o bem, tornavam-se conselheiros de primeira hora, exercendo aquilo que

Balint chamou de “função apostólica”, ou seja:

A missão ou função apostólica significa, em primeiro lugar, que todo médico tem uma vaga, mas quase inabalável ideia sobre o modo como deve se comportar o paciente quando está doente. Embora este conceito pouco tenha de concreto e de explícito, é imensamente poderoso e influi, segundo podemos comprová-lo, praticamente em todos os detalhes do trabalho do médico com seu paciente. (BALINT,1988, p. 186).

Existe uma confiança recíproca entre médico e paciente, com base na qual o

médico se habilita a agir na figura de um conselheiro ou educador, fornecendo ao

paciente as normas necessárias para que os procedimentos sejam realizados a

contento. Contudo, é imprescindível que o médico evite transmitir uma imagem ao

paciente de “bonzinho” ou de “salvador” em busca de créditos pessoais, pois, o que

se procura, ao compreender o paciente, é ajudá-lo a entender as razões da sua dor.

Concluindo este capítulo, para Balint, como visto, muitos pacientes

apresentavam uma falha no seu desenvolvimento inicial e, ao procurarem ajuda,

chegavam a um estado de profunda regressão, pois sofriam de alguma privação

emocional básica, o que Jung já havia assinalado propondo uma atitude tolerante e

positiva com relação à regressão. Tanto Balint como Jung creditavam à regressão um

movimento em busca de resolução do processo a partir da ferida do paciente. As

emoções primitivas afetam o médico que atende, tanto na psiquiatria como na

medicina geral e, portanto, este necessita reconhecê-las. Jung antecipou a

importância do reconhecimento da contratransferência para a ação terapêutica e

Page 44: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

44

Balint estendeu essa compreensão à atividade médica em geral, ainda que sua função

não fosse psicoterapêutica.

A noção de “poder cicatrizante da relação” (BALINT, 1993, p. 147) contribui

para revelar a subjetividade do adoecer e incentiva o médico a aprimorar sua escuta,

a fim de compreender e aceitar seu paciente. Desse modo, cria-se uma atmosfera de

confiança entre eles que será fundamental para o prosseguimento do tratamento e

para auxiliar o paciente a suportar a dor de sua condição.

Page 45: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

45

6 AFETIVIDADE NO CURADOR FERIDO

Aprendi [em Burghölzli] que só o médico que se sente profundamente afetado por seus pacientes pode curar. Só quando o médico fala do centro de sua psique, transitoriamente considerada “normal”, para psique doente que está diante dele é que pode esperar chegar à cura [...] Enfim, só o médico ferido cura, e mesmo ele, em última análise, não pode curar além do que curou a si mesmo. (JUNG apud VAN DER POST, 1992, p. 185)

Jung (1957/1987, par. 239) lança mão do mitologema grego do médico ferido,

ao refletir acerca da relação médico-paciente. Para o pensador, essa interação terá

maior sucesso na medida em que existir um vínculo de confiança entre médico e

paciente, com base no qual, é possível a construção de um relacionamento em que

ambos se sintam seguros e que permita o encontro de duas personalidades humanas,

sem artificialismo ou impessoalidade.

Ao procurar auxílio, o paciente expõe suas feridas na expectativa de encontrar

alguém que se importe com o seu sofrimento e lhe traga algum alívio ante a dor que

o consome, ou seja, um curador-médico que se sinta tocado por seu sofrer e se

debruce sobre seu leito à procura da cura. É nesse contexto que Jung reafirma:

Enquanto médico, sempre me pergunto que mensagem traz o doente. O que significa ele para mim? Se nada significa, não tenho um ponto de apoio. O médico só age onde é tocado. “Só o ferido cura”. Mas quando o médico tem uma persona, uma máscara que lhe serve de couraça, não tem eficácia. Levo meus doentes a sério. Talvez esteja exatamente como eles diante de um problema. (JUNG, 2016a, p. 207)

Ao ser sensibilizado diante de um paciente e sua doença, o médico é convidado

a se autoexaminar, a olhar para dentro de si, a perguntar qual o significado de ter sido

afetado. Esse questionamento frequentemente expõe uma ferida não curada, exigindo

esforço de reflexão interno para sua solução. Portanto, a proposta de compreensão

da imagem arquetípica do médico ferido torna-se de grande relevância, uma vez que

permite a elaboração dos processos emocionais que afetam as relações interpessoais

estabelecidas entre o médico e seu paciente. Nesse sentido vejamos os exemplos

dados pelos mitos dos médicos arquetípicos, Quíron e Asclépio.

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6.1 O mito de Asclépio (Esculápio)

Foi na Grécia Antiga que nasceu o menino que se fez deus, Asclépio, em um

período dominado pelo mito, em que deuses se faziam presentes na vida diária dos

seres humanos. Nesse tempo remoto, encontraremos a presença do filho de Zeus,

Apolo. Dotado do poder de cura, Apolo ficara conhecido como o deus que tinha o

poder de dar ou retirar a saúde conforme a sua vontade. Ambas, saúde e doença, não

eram vistos como valores absolutos e sim como forças purificadoras usadas por Apolo

para manter a ordem do Kósmos.

A ação de Apolo é retratada em A Ilíada (HOMERUS, Ilíada, Livro I, 69), em

especial no trecho que relata o momento em que os gregos sequestram os sacerdotes

troianos de Apolo e logo passam a sofrer as consequências de tal atitude. A peste é

enviada por Apolo e vários soldados morrem devido à regra que fora quebrada.

Somente após a percepção dos gregos do seu equívoco e a realização do reparo

exigido pelo deus através de seu oráculo, é que a normalidade é restaurada. Para os

gregos fica claro que a divindade, por conhecer o caminho da doença, igualmente

conhecia o caminho da cura, ficando registrado pelos oráculos de Apolo: “Aquele que

fere também cura” (MEIER, 1999, p. 5).

Certa feita, segundo Feitosa (2014), quando Corônis, filha do rei Flégias,

encontrava-se na região de Epidauro, impressionou profundamente o deus Apolo com

sua rara beleza. Apaixonado, Apolo se une a Corônis vindo engravidá-la de um filho

que foi chamado pelo deus de Asclépio. Receosa do que as pessoas poderiam pensar

a seu respeito, Corônis esconde sua gravidez de todos e tem um caso de amor com

um mortal, chamado Isquias, a fim de legitimar sua gravidez. Apolo, que havia

ordenada a um corvo – os corvos nessa época eram brancos – que vigiasse a amada,

ao saber da traição se vê dominado pela raiva. Furioso, mata sua amada Corônis e

torna negros todos os corvos. Todavia, ao ver o corpo de Corônis na pira funerária, o

deus é dominado pelo arrependimento, o que o faz realizar uma cesariana divina, não

permitindo que seu filho tenha o mesmo fim que a mãe. Esse fato reforça o poder

atribuído a essa divindade: “Aquele que envia a morte, dá também a vida”.

Ao nascer, Asclépio é entregue ao centauro Quíron, para ser educado.

Abandonado pelo pai e sem o aconchego de uma mãe, Asclépio é reconhecido como

o curador- ferido, pois, apesar de sua história trágica, desenvolve a habilidade de

cuidar do sofrimento humano, acolhendo e aliviando a todos que procurassem seus

Page 47: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

47

préstimos. Assim, se Asclépio herdara a luminosidade divina de seu pai Apolo e toda

sua capacidade racional, não é menos verdade que, ao ser entregue a Quíron,

Asclépio aprenderia a lidar com tudo que fosse obscuro e irracional.

Na mitologia grega, os centauros eram criaturas com cabeça e tronco humanos

e o resto do corpo é equino. Possuidores de dupla natureza, humana e animal, ficaram

conhecidos por suas reações violentas e agressivas. Dotados de grande energia,

envolviam-se, com frequência, em guerras contra os Titãs. Quíron, no entanto,

destacou-se por sua afabilidade, doçura e diplomacia, uma vez que, diferentemente

dos demais centauros, possuía também uma natureza divina e imortal, pois era filho

de Cronos (Saturno) e da ninfa Filiria.

A história de Quíron é repleta de nuances, tendo sido ele o mentor de

numerosos heróis famosos da Grécia, como Jasão, Aquiles, Héracles e Asclépio, aos

quais ensinava desde as artes da guerra e da medicina até ética, música e artes em

geral. Segundo Brandão (1987), em um dos episódios em que Quíron se vê envolvido,

intitulado “o massacre dos centauros por Héracles”, iremos encontrar Héracles e

Quíron lutando lado a lado. Em meio à luta, uma das flechas envenenadas de Héracles

atinge seu amigo Quíron, causando-lhe uma ferida incurável que o martirizaria por

toda sua vida.

Dominado por uma dor sem fim, Quíron começa a procurar a cura, mas, como

afirma Groesbeck “o detalhe trágico é que a ferida de Quíron era incurável”

(GROESBECK, 1983, p. 75). Invariavelmente, porém, na busca da medicação eficaz

para sua chaga, Quíron vai encontrando soluções para as dores alheias. O seu

sofrimento o leva a desenvolver o dom de curar, ainda que sofra eternamente com

sua ferida aberta. A ironia da história de Quíron transforma-se em mensagem viva do

arquétipo do curador ferido: “aquele que está sempre curando permanece

eternamente doente” (GROESBECK, op. cit., p. 77). Assim é retratado Quíron que,

por ser imortal, não podia morrer e tão pouco curar sua chaga. E, na medida em que

busca a cura, amplia sua capacidade de compreender e de ajudar o sofrimento alheio.

Quíron pode ser visto, então, como o precursor do médico-divino, o mentor de

Asclépio, aquele que abre para o filho de Apolo as portas do conhecimento médico e

se torna o exemplo vivo de uma jornada na busca da própria cura, ensinando o jovem

discípulo a confrontar suas dores e encontrar o alívio. Asclépio se espelha em Quíron,

exercitando-se na arte de curar. O mestre, longe de ser perfeito, apresentava-se como

um igual, na medida em que ambos precisavam apreender a lidar com suas feridas

Page 48: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

48

abertas. É desse encontro que surge, resplandecente, a figura do deus da cura,

Asclépio, “o bom, o simples, o filantropo”, como o chamavam os gregos.

Segundo Brandão (1987), é nas cercanias de Epidauro que Asclépio constrói

uma verdadeira escola de medicina, um santuário que se imortalizou nas gerações

futuras. Nesse ambiente sagrado, logo na entrada do recinto do antigo hierón do deus

da “nooterapia”, isto é, da cura pela mente, estava gravada a mensagem que

sintetizava o grande segredo das curas da medicina de Asclépio: “Puro deve ser

aquele que entra no templo perfumado. E pureza significa ter pensamentos sadios”

(BRANDÃO, 1987, p. 94). Assim, em um primeiro momento, tornava-se fundamental

olhar para dentro de si, procurando limpar a mente e clarificar tudo que se sentisse.

Na medida em que o homem conhecesse seus pensamentos e despertasse para sua

identidade real, enfrentando suas feridas, a pacificação da mente se reverteria no

alívio do corpo.

6.2 O médico como o curador ferido

Asclépio, o filho do deus-sol Apolo, torna-se o herói que enfrenta a escuridão,

a doença e a morte. Hillman (2016) esclarece que a figura do médico como

representante do deus Asclépio se tornou o símbolo vivo desse combate. Luta que se

repete cada vez que o médico se prontifica a tratar, a fazer algo para aliviar o paciente

que se encontra preso nas trevas e receoso das garras da morte. Vulnerável, o

paciente busca um salvador, alguém que lhe dê esperança e se interesse pela sua

batalha entre a vida e a morte. Assim, surge o médico como um combatente ante o

flagelo que assola o doente, um herói que traz a luz e desperta a esperança, o curador

interno que vive dentro de cada ser humano.

Esse seria o segredo do poder do médico, que confere ao médico sua

numinosidade e torna efetivo seu tratamento. Como sugere Guggenbühl-Craig, todas

as vezes que um paciente procura um médico despertaria o arquétipo “médico-

paciente” (GUGGENBÜHL-CRAIG, 2004, p. 84). Ou seja, o paciente, ao procurar um

médico, ativaria um fator interno de cura que poderia ser chamado de o “médico

interior” ou “curador interno”. Mas, se é verdade que o paciente possui um fator

curador interno, ou médico interior, não menos verdadeira é a existência de um

paciente interior no médico. Desse modo, o médico, ao entrar em contato com o

paciente, ativaria seu lado paciente, ou melhor, suas feridas ainda não resolvidas, o

Page 49: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

49

que torna fundamental que médico conheça a si próprio, entre em contato com seu

lado ferido que, a exemplo de Quíron, atuará de forma mais adequada na medida em

que busca sua própria cura. A temática do cuidador ferido é, portanto, um convite para

o médico voltar seu olhar para dentro de si e tentar entender os motivos que o deixam

ser afetado na relação interpessoal com o paciente, pois é na medida em que

reconhece suas próprias feridas que o médico promove o alívio tão esperado.

Cabe ao curador ferido, ciente de suas cicatrizes, aprender a lidar com a

demanda afetiva, para que, ao ser confrontado com uma nova situação, não tenha a

sua habilidade de curador comprometida. Haverá aquelas cicatrizes das quais o

médico poderá se orgulhar, registrando-as como marcas de vitórias e alcance do fim

da jornada. Haverá outras que teimam em permanecer abertas, exigindo do médico,

diante do seu paciente, a humildade de rever suas dores e reorientar seus afetos.

Ao carregar a imagem do curador, o médico enfrentará a escuridão, os males

trazidos pelo paciente ansioso por sua salvação. É inevitável, esclarece Jung “que o

médico seja de certa forma influenciado, e que a sua saúde nervosa sofra alguma

perturbação ou dano. Ele assume, por assim dizer, o mal do paciente, compartilhando-

o com ele” (JUNG, 2016a, p. 54). Ocorre, nesse caso, toda uma dinâmica que

tradicionalmente ficou registrada como o processo de transferência-

contratransferência que será abordado a seguir.

6.3 A dinâmica da relação médico-paciente – a relação transferencial

Jung (1957/1987), ao se debruçar sobre o estudo da transferência, percebe se

tratar de um fenômeno natural a ser observado em toda parte e encontrado em

qualquer relacionamento humano. Toda relação entre duas pessoas é recheada por

vivências transferenciais, em que ambos projetam um sobre o outro seus conteúdos

afetivos, independentemente da vontade e da atenção. A esse movimento, em que

um transfere inconscientemente e o outro responde, ou melhor, contratransfere, deu-

se o nome de relação transferencial.

Em seu estudo, Jung percebe que a transferência sobre o médico o leva a

entrar em contato com os complexos inconscientes do seu paciente, ainda que de

forma indesejada. Isso lhe possibilita, todavia, adquirir um conhecimento acerca do

que o paciente está experimentando emocionalmente. Como a transferência se dá de

Page 50: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

50

forma inconsciente, é inevitável que venha a ocorrer, restando ao médico utilizá-la

como matéria-prima a ser trabalhada a favor da relação médico-paciente.

Wahba (2001) sintetiza que, no fenômeno de transferência-contratransferência,

ocorre uma intensificação de projeções mútuas, ativadas pelos complexos

inconscientes dos envolvidos, entendendo por projeção um processo inconsciente

automático, por meio do qual um conteúdo inconsciente do sujeito é transferido para

o objeto. (JUNG, 1934/2012). Como é um movimento bidirecional, ou seja, pode se

dar nos dois sentidos, ficou historicamente conhecido como transferência ao se dar

do paciente para o médico, e contratransferência quando ocorre do médico para o

paciente. Kast (2017) afirma entender a transferência como uma forma específica de

projeção e concebe contratransferência como as reações emocionais do analista em

relação a seus pacientes, sobretudo a reação emocional à transferência. Portanto,

quando médico e paciente se encontram numa relação terapêutica, as emoções de

ambos os envolvidos desempenham um papel central, uma vez que a emoção é a

base de toda a experiência (KAST, op. cit.). O que torna fundamental que o terapeuta

– e o médico – reconheça as próprias emoções na contratransferência, pois isso lhe

possibilita compreender melhor o paciente e ajudá-lo em seu desenvolvimento.

Ao estudar a relação humana pelo viés da projeção, Von Franz (2011) ressalta

que o mundo todo é efetivamente uma projeção. Para essa autora, a projeção dos

conteúdos psíquicos dos quais ainda não se tem consciência ocorre de forma não

intencional. Ressalta, no entanto, que o inconsciente não escolhe simplesmente

qualquer objeto ao acaso e sim aqueles que contêm alguma das características da

propriedade projetada. Compreende que, perante o fenômeno da projeção, as

pessoas estão sujeitas a se sentirem perturbadas, com manifestações de intenso

afeto, como uma emoção exagerada e por vezes de difícil contenção. Evidencia-se

assim a importância da compreensão do fenômeno para o esclarecimento de

desagravos e desentendimentos. A necessidade de compreender a dinâmica

relacional é ponto de estudo de autores como Gambini (1988) e Castelhano (2015)

que refletiram acerca dos conteúdos carregados de emoção na projeção, assinalando

sua influência nos atos de cognição e percepção.

Uma vez que o encontro entre médico e paciente é marcado pela presença das

emoções relacionada aos conteúdos projetados, é importante que o médico entenda

que não está isento de ser afetado e que, ao ser contagiado, precisa olhar para si

próprio num processo de autoexame e tentar identificar quais conteúdos latentes no

Page 51: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

51

seu mundo subjetivo foram ativados. Ao identificar a ferida-emoção do paciente dentro

de si, terá que enfrentar vivências de prazer ou desprazer e, ao trabalhá-las,

apresentar-se como um curador que conhece a ferida de quem bate às portas de seu

consultório. A compreensão desse fato possibilitaria ao médico desenvolver uma

melhor atitude diante de seu paciente, pois, conforme Jung (1957/1987), o médico só

conseguirá ajudar a organizar no paciente aquilo que está resolvido dentro de si

mesmo, justificando o significado do mitologema do médico ferido.

O paciente, ao procurar o médico, o faz na posição de quem está ferido à

procura de sua cura. Segundo Whitmont (1995), para que o encontro se viabilize, é

preciso que ocorra uma identificação com um mínimo de empatia entre os dois, sem

a qual o relacionamento estará fadado ao insucesso. Mas apenas desde que a

empatia e o carisma de quem se propõe a curar contribua para estabelecer a

confiança entre ambos. Com isso, o paciente terá seu curador interno ativado, ou seja,

passa a acreditar no tratamento expressando desejo de melhorar e de se transformar.

A esse respeito, Jung (1957/1987) registra a importância da atitude mental do

médico na construção da relação terapêutica e credita o poder curativo à

personalidade do médico. Com o que concorda Balint, ao advertir que “o mais

importante material de nosso método de ensino é o ponto que o médico utiliza sua

personalidade, suas convicções, seus conhecimentos, seus padrões habituais de

reações” (BALINT, 1988, p. 265). Se para Jung (1934/2016f) “a personalidade do

doente exige a personalidade do médico”, em Balint (1988) a relação médico-paciente

apresenta um melhor desenvolvimento quando o envolvimento de ambos permite “um

investimento mútuo” por meio do qual ambos se conhecem e percebem suas

influências. Citando Paracelso em seu “método de Theorica”, Jung (1941/2016e)

destaca que o poder curador do médico reside em sua capacidade de induzir no

paciente a força para suportar a ferida e lutar pela recuperação. Mas, para que tal

evento se concretize, o médico teria que ser autêntico e, ao falar com o paciente,

transmitir de fato o que possui em sua natureza. De modo semelhante à exigência de

pureza dos pensamentos, registrada nos portais do templo de Asclépio, Paracelso

afirma que o médico é “o instrumento por cujo intermédio a natureza é levada à obra...

e o exercício desta arte [cura] está no coração: sendo teu coração falso, também será

falso o médico dentro de ti. [...] (PARACELSO apud JUNG, 1941/2016e, par. 42).

Assim, à medida que a confiança se faça presente, curador e ferido se fortalecem num

esforço único em busca do alívio, e se possível, da cura.

Page 52: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

52

7 MÉTODO

7.1 Características do estudo

O caminho delineado para realizar uma pesquisa nem sempre é de fácil

escolha, principalmente quando se pretende estudar uma realidade na qual o

pesquisador se encontra inserido. Assim, optou-se pelo método qualitativo, por

permitir uma abordagem compreensiva e interpretativa da realidade pesquisada,

visando identificar seus significados e finalidades (TURATO, 2000; PENNA, 2004,

2009).

A pesquisa fundamentada no método qualitativo, de acordo com González-Rey

(2005), envolve a imersão do pesquisador no cenário social no qual o estudo é

realizado, possibilitando o acesso a temas íntimos e sensíveis para a pessoa

pesquisada. Portanto, nesse caso, o pesquisador é coparticipante da pesquisa, uma

vez que está no ambiente em que a investigação é realizada. Tal situação possibilita

contatos face a face, interações pessoais que mobilizam trocas afetivas, e favorece

que o pesquisador alcance uma visão aprofundada da dinâmica vivida pelo

pesquisado. O pesquisador, nesse contexto, passa a atuar como instrumento da

coleta e registro dos dados na medida em que se mostra receptivo, acolhendo os

depoimentos dos participantes (TURATO, 2000).

Nessa perspectiva, o método qualitativo, ao priorizar os aspectos subjetivos

inerentes aos fenômenos e processos observados, vem ao encontro do paradigma

junguiano, segundo o qual o conhecimento é resultado de processos dinâmicos que

fluem dialeticamente, e tanto a objetividade quanto a subjetividade são consideradas.

7.2 Participantes

Participaram desta pesquisa oito médicos não psiquiatras, de diversas

especialidades, que solicitaram interconsulta psiquiátrica para seus pacientes.

Page 53: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

53

7.3 Instrumentos

Dentro da metodologia qualitativa, um dos instrumentos básicos para se chegar

aos objetivos propostos é a entrevista semiestruturada. Segundo Ludke e André

(2015), a entrevista proporciona uma relação de interação e de influências recíprocas

entre quem pergunta e quem responde, particularmente nas entrevistas não

totalmente estruturadas, permitindo que as informações fluam de maneira natural e

autêntica, desde que haja um clima de estímulo e aceitação mútua. Em razão disso,

o pesquisador escolheu como instrumento de sua pesquisa a entrevista

semiestruturada.

7.3.1 Entrevista semiestruturada

Entrevista elaborada exclusivamente para esta pesquisa, composta de

questões abertas. Utilizaram-se como modelo para a construção das perguntas os

trabalhos de Castelhano (2015) e Botega (1989). A seguir, o roteiro utilizado.

Identificação

- Idade:

- Sexo:

- Estado civil:

- Filhos:

- Ano de formatura:

- Especialidade:

- Titulação:

- Tempo de atividade no hospital escola:

Entrevista

1 Como é sua atividade médica?

1a Quais as maiores dificuldades no relacionamento com os pacientes que você atende?

1b O que estimula e o que desestimula a relação?

2 Em razão de qual motivo você solicita interconsulta?

2a Você recorda um dos casos que mais o marcou para o qual procurou interconsulta? Ou

algum que o marcou, mas não procurou interconsulta?

2b Em que a interconsulta contribuiu ou pode contribuir?

2c O que esperava dela?

Page 54: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

54

3 Qual a maior dificuldade que você sente diante de um paciente em sofrimento psíquico?

3a Como ele o afeta? O que você sente?

3b Descreva um exemplo de ter sido afetado.

3c Como você lida com as emoções que percebe nos pacientes?

4 Como você interage com paciente em sofrimento psíquico?

4a Como você avalia sua interação e relacionamento com esse paciente? 4c O que acha de sua técnica para atender esses casos? 4d O que mais o estressa nesses pacientes? 4e Nota alguma resposta emocional a esse paciente? Como lida com ela?

5 Como é a relação com o psiquiatra da Interconsulta?

5a O que você espera dessa relação? 5b Quais são os pontos positivos e negativos dessa relação?

6 Em relação ao paciente que você encaminha para interconsulta, consegue identificá-lo com:

6a Uma metáfora ou filme? Qual? 6b Imagem? Descreva. 6c Já sonhou com algum paciente que havia encaminhado?

7 Como se sentiu nesta entrevista?

7a Teve alguma lembrança? 7b Do que mais gostou e menos gostou dela? Por quê?

8 Gostaria de acrescentar ou complementar algo em relação à entrevista?

7.3.2 Gravador

Optou-se por gravar as entrevistas dos participantes, uma vez que, conforme

apontam Ludke e André (2015, p. 43), “a gravação tem a vantagem de registrar todas

as expressões orais, imediatamente, deixando o entrevistador livre para prestar toda

a sua atenção ao entrevistado”. Para tal utilizou-se um smartphone do pesquisador,

da marca Samsung Galaxy J7, para as gravações das entrevistas por meio de um

aplicativo de gravação de áudio. Esses registros foram posteriormente transcritos

para permitir a análise das informações obtidas e ficarão armazenados em arquivo do

pesquisador pelo prazo de cinco anos após a realização do trabalho, à disposição do

CEP (Comitê de Ética de Pesquisa). Após os cinco anos serão apagados.

Page 55: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

55

7.4 Procedimentos

7.4.1 Local

A pesquisa foi realizada em um hospital de clinicas universitário.

7.4.2 Entrevista-piloto

Realizou-se uma entrevista-piloto, antes de iniciar a seleção dos participantes

da pesquisa, com o objetivo de testar o roteiro de entrevista semiestruturada,

avaliando a clareza e a inteligibilidade das perguntas e as reações emocionais que

poderiam ser mobilizadas pelas questões. Convidou-se um colega médico que atua

no hospital mencionado, seguindo os mesmos procedimentos éticos utilizados para

os demais participantes. A entrevista realizada contribuiu para o ajuste das perguntas

e validação do instrumento como recurso adequado para esta pesquisa.

7.4.3 Seleção de participantes

Os participantes desta pesquisa foram médicos que trabalham em um mesmo

hospital de clínicas e que rotineiramente solicitam interconsulta psiquiátrica. Por se

tratar de uma amostragem intencional, em que a escolha é deliberada pelo

pesquisador visando obter melhores fontes de informação (TURATO, 2003), optou-se

por escolher informantes-chave, que “são aqueles sujeitos capazes de prover

informações relevantes que, em determinadas ocasiões, são altamente singulares em

relação ao problema estudado” (GONZÁLEZ- REY, 2005, p. 111). Neste estudo, foram

considerados informantes-chave aqueles que frequentemente solicitaram

interconsulta.

A princípio, foram convidados a participar da pesquisa médicos considerados

informantes-chave. O convite, cujo teor consta do “Folheto de Divulgação de

Pesquisa” (Apêndice A) foi enviado por meio de e-mail, de mensagens enviadas por

WhatsApp, sendo também realizado em contatos pessoais, abrangendo a rede de

relacionamentos do pesquisador.

Foram escolhidos os dois primeiros médicos que aceitaram o convite divulgado

e que cumpriram os requisitos da pesquisa. Os demais participantes foram escolhidos

Page 56: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

56

utilizando o procedimento da “bola de neve” (snowball sampling), descrito por Bardin

e Munhoz (2011). Os participantes escolhidos identificaram outro participante que se

encaixava no perfil da pesquisa e, assim sucessivamente, até que se atingiu o número

de participantes almejado pelo estudo.

Para seleção dos participantes, foram observados os seguintes critérios de

inclusão:

a) atuar no hospital de clínicas escolhido;

b) ter solicitado interconsulta para seus pacientes;

c) ser médico não psiquiatra;

d) estar disposto a ser entrevistado.

Ser paciente do pesquisador foi o critério de exclusão considerado.

7.4.4 Procedimento de intervenção

Agendaram-se as entrevistas com os participantes que haviam aceitado

participar da pesquisa e atendiam aos critérios de inclusão. As entrevistas foram

realizadas individual e presencialmente em consultório do referido hospital, com

ventilação e iluminação adequadas e condições de privacidade e sigilo dos

depoimentos dos participantes.

No primeiro momento, foram esclarecidos os objetivos e outras informações de

caráter geral relacionadas à pesquisa, tais como a manutenção da confidencialidade

e o direito do participante de se retirar do estudo a qualquer momento. A seguir, foi

entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo C), em duas cópias,

que foram lidas e assinadas pelo pesquisador e pelo participante. Após o aceite das

condições previstas, foi realizada a entrevista semiestruturada.

A entrevista ocorreu em encontros com duração de 60 minutos, tendo sido

conduzidas como uma conversa informal. Iniciou-se com perguntas simples,

procurando, no decorrer do tempo, apresentar questões que permitissem captar

conteúdos conscientes e, na medida do possível, inconscientes (PENNA, 2004). Ao

final da entrevista, explicou-se ao participante que seu relato gravado seria ouvido

exclusivamente pelo pesquisador, solicitando dele a disponibilidade para um segundo

encontro, a fim de esclarecer eventuais dúvidas. Todos os participantes se mostraram

dispostos, mas não houve necessidade desse novo encontro com nenhum dos

participantes. Foi oferecido encaminhamento terapêutico, caso o participante se

Page 57: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

57

sentisse afetado por suas narrativas, mas não houve esse pedido. Terminou-se a

pesquisa com o agradecimento ao participante pela disposição em auxiliar na

pesquisa.

Após o término da entrevista, as gravações foram transcritas digitalmente pelo

pesquisador, assim como foram anotadas as observações do encontro, a forma como

se deu a comunicação e as expressões corporais observadas.

Considera-se que, por meio da entrevista semiestruturada foi possível o

estabelecimento de uma interação que proporcionou um aprofundamento dos

objetivos propostos e permitiu que os participantes se manifestassem de forma livre,

relatando as emoções e os significados de suas vivências pessoais.

7.4.5 Procedimento de análise de dados

Para análise dos dados obtidos foi escolhido o método de análise referendado

por Bardin (1977) e adaptado por Faria (2003). Segundo Bardin, “a análise de

conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações” (BARDIN, 2010,

p. 33), que “utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo

das mensagens” (idem, ibidem, p.40). Assim, a análise de conteúdo pode ser

considerada uma análise dos “significados”, a exemplo da análise temática, que

possibilita que o observador realize inferências e deduções lógicas. A análise

proposta por Bardin, segundo Faria (2003), permite ainda uma aproximação com a

leitura junguiana:

[...] uma vez que possibilita, em primeiro lugar, uma leitura dos fenômenos tendo como referência a totalidade do discurso, que aparece pelo dito e pelo não dito, mas manifestado pela contradição. Esse método de análise possibilita também uma aproximação tanto intuitiva, simbólica, como conceitual, no modo de ser e tratar o material colhido. (FARIA, 2003, p. 275)

Desse modo, a análise de dados iniciou com a transcrição das entrevistas que

foram ouvidas e lidas diversas vezes, de forma intuitiva, despertando no pesquisador

suas primeiras impressões. O conteúdo expresso pelos participantes foi transformado

sistematicamente, primeiro organizado em tópicos que, na sequência, foram

agrupados em unidades de significação, ou seja, em temas.

Page 58: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

58

Segundo Berelson apud Bardin (2010, p.131), por tema deve-se entender “uma

frase, ou uma frase composta, habitualmente um resumo, ou uma frase condensada,

por influência da qual pode ser afetado um vasto conjunto de formulações singulares”.

A análise dos temas permite a identificação dos “núcleos de sentido” que compõem o

discurso e traz um significado para o objetivo analítico em estudo. A partir dos temas

levantados, foram identificados os grupos temáticos, que serão apresentados no

capítulo “Analise de Resultados”, com a articulação de frases que qualificam o estudo

e a tema em estudo.

Em seguida, com vistas a compor a análise de resultados, foi realizada uma

análise de narrativas com base no método proposto por Ezzy (2002). Segundo esse

autor, a análise narrativa identifica a estrutura interpretativa mais ampla que as

pessoas utilizam para transformar eventos sem sentido em episódios significativos,

que são parte de uma história que leva ao passado e ao futuro. De cunho

hermenêutico, a análise narrativa permite ir além do simples registro de fatos e

identificar os significados atribuídos pelos participantes às suas próprias experiências.

Assim foram elaboradas três narrativas, a partir dos depoimentos dos

participantes, que foram articuladas com os pressupostos teóricos da psicologia

analítica e mantidas em consonância com os objetivos da pesquisa. O pesquisador

priorizou as narrativas em que a leitura do significado expressava os dizeres da

maioria dos participantes e estavam em consonância com os objetivos da pesquisa.

7.4.6 Procedimentos éticos

A pesquisa foi realizada de acordo com os requerimentos éticos em pesquisa

envolvendo seres humanos preconizados pela Resolução CONEP 466/2012 do

Conselho Nacional de Saúde, pela Resolução CNS/MS 510/2016 e pelo Regime dos

Comitês de Ética em Pesquisa da PUC-SP.

O projeto de pesquisa foi apresentado e aprovado pelo Comitê de Ética em

pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Sede Campos Monte

Alegre, com protocolo de pesquisa número: 2.485.060. Constam anexos o Termo de

Compromisso do Pesquisador Responsável (Anexo A), o termo de Liberação do

Responsável pelo hospital de clínicas para realização da pesquisa (Anexo B), o Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo C) e o Parecer Consubstanciado do

Page 59: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

59

Comitê de Ética com a aprovação desta pesquisa (Anexo D), e o Folheto de

Divulgação de Pesquisa (Apêndice A).

Com a finalidade de realizar a análise das entrevistas foram feitas transcrições

na íntegra que precisaram ser omitidas desta dissertação, a fim de preservar as

identidades dos participantes e o sigilo das informações. Somente tiveram acesso às

transcrições integrais os componentes da banca julgadora da presente dissertação

para fins de avaliação.

Page 60: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

60

8 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Neste capítulo são apresentados os resultados desta pesquisa. Inicialmente,

será feita a descrição dos participantes e, em seguida, relacionados os grupos

temáticos e os temas levantados, com a respectiva análise e compreensão à luz da

psicologia analítica, de modo a atender aos objetivos propostos.

Por fim, será desenvolvida a análise de três narrativas, com o intuito de alcançar

a compreensão hermenêutica do relato como um todo. A leitura compreensiva das

narrativas totais possibilitou, aos olhos do pesquisador, a identificação de três

tendências relacionadas ao modo de ser e agir dos médicos participantes deste

estudo. Cada narrativa escolhida para compor este capítulo representa uma dessas

tendências.

8.1 Descrição dos participantes

Todos os que participaram desta pesquisa fazem parte do corpo clínico do

hospital de clínicas. Foram entrevistados oito profissionais, com idade entre 41 e 54

anos, sendo quatro médicas e quatro médicos. Em relação à formação acadêmica,

quatro dos participantes têm doutorado (D), um possui mestrado (M) e os demais são

especialistas (E) em suas áreas de atuação. Quanto ao tempo de serviço, a maioria

atua há vinte ou mais anos, com exceção de um dos médicos, que está em atividade

há apenas cinco anos.

Por questões éticas, visando preservar a identidade dos médicos e garantir o

necessário sigilo, a tabela de descrição está exposta em ordem crescente de idade

sem a identificação do profissional e sem delimitar a especialidade.

Page 61: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

61

TABELA 1 – Caracterização dos participantes

Idade

(anos) 41 51 51 51 53 53 54 54

Sexo Masc. Masc. Masc. Fem. Fem. Fem. Masc. Fem.

Tempo de

serviço

(anos)

5 20 23 24 29 26 23 30

Titulação E D E D D E M E

A seguir, apresenta-se breve descrição dos participantes, identificados por

nomes fictícios, em sequência que não corresponde à adotada na Tabela 1.

Jacob – Solteiro e pai de um filho. Formou-se em 1990. É médico cirurgião, com uma

carga horária intensa.

Hazael – Casado e pai de três filhos. Formou-se em 1991. Atua como médico clínico.

Esther – Casada e mãe de um filho. Formou-se em 1992. Atua na área de medicina

fetal.

Moisés – Casado e pai de dois filhos. Formou-se em 1989. Sua carga horária gira em

torno de 30 horas semanais. Atua na área de clínica geral.

Sarah – Casada e mãe de dois filhos. Formou-se em 1989. Atua como médica clínica.

Samuel – Casado e pai de duas filhas. Formou-se em 2003. Atua na área cirúrgica.

Rute – Casada e mãe de uma filha. Formou-se em 1987. Atua na área de clínica

infantil, tendo uma carga horária de 40 horas semanais.

Rebeca – Divorciada e mãe de um filho. Formou-se em 1988. Atua na área clínica e

de gestão.

Page 62: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

62

8.2 Análise temática

Os agrupamentos temáticos foram estabelecidos em razão dos objetivos,

possibilitando a identificação de temas não excludentes entre si. A partir da análise

temática proposta por Faria (2003), encontraram-se três grupos temáticos que reúnem

os temas referentes às emoções do médico, um grupo temático referente aos motivos

de encaminhamento e um grupo temático referente à relação com o interconsultor.

A seguir, listam-se os agrupamentos temáticos identificados.

a) A emoção em relação à profissão: consideram-se, nesse agrupamento, as

emoções que o médico refere em relação à sua profissão;

b) A emoção em relação à instituição: consideram-se, nesse agrupamento, as

emoções que o médico refere na sua relação com a instituição;

c) A emoção na relação médico-paciente: consideram-se, nesse

agrupamento, as emoções que o médico relata sentir quando diante do

paciente em sofrimento psíquico;

d) Motivos de encaminhamento: consideram-se, nesse agrupamento, os

motivos referidos pelos médicos para solicitarem a interconsulta

psiquiátrica;

e) Relação com interconsultor: considera-se, nesse agrupamento, a relação

médico-médico, entre o médico não psiquiatra e o psiquiatra interconsultor.

O quadro 1, a seguir, apresenta os grupos temáticos e os temas a eles

associados.

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QUADRO 1 – Grupos temáticos e temas

GRUPOS TEMÁTICOS TEMAS

Emoção em relação à profissão

Tema 1: Expectativa relativa ao ato de cuidar Tema 2: Temor do erro médico Tema 3: Sobrecarga de trabalho e estudo

Emoção em relação à instituição

Tema 1: Burocracia e rotina Tema 2: Usuários sem recursos Tema 3: Ambiência

Emoção na relação médico-paciente

Tema 1: Acolhimento versus neutralidade. Tema 2: Demandas laboriosas do paciente/dificuldades

de manejo Tema 3: Reconhecimento versus desprestígio Tema 4: Impotência versus onipotência

Motivos de encaminhamento

Tema 1: Auxílio no diagnóstico e tratamento de pacientes Tema 2: Dificuldades de lidar com o paciente ou com a

família Tema 3: Dificuldades de conciliar aspectos bióticos

Relação com o interconsultor

Tema 1: Comunicação Tema 2: Expectativas versus dissonâncias

Na sequência, apresentam-se exemplos de narrativa para cada tema, seguidos

da análise correspondente.

8.2.1 Grupo temático – A emoção em relação à profissão.

O quadro a seguir reúne frases retiradas das narrativas dos participantes, que

exemplificam como os médicos se referem à emoção em relação à sua profissão.

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QUADRO 2 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção em relação à profissão

TEMAS EXEMPLOS DE FRASES

Tema 1

Expectativa relativa ao ato de cuidar

Porque a gente quer que o paciente saia bem, a gente quer que o paciente fique feliz. O maior prazer meu é ver que deu certo. Então isso é uma coisa que estimula bastante. É ver o paciente melhorar, ver que a gente pode fazer alguma coisa por ele. Eu acho muito bom cuidar, ter uma resposta no final, mesmo que eu não consiga trazer a cura ou a melhora. Eu vou falar uma coisa pra você, eu amo o que eu faço. [...] Então, cada paciente que entra é uma emoção. É a emoção de querer fazer o melhor por ele. Eu saio do hospital todo dia feliz, cantando... É como se eu fosse explodir de felicidade. Missão cumprida.

Tema 2 Temor do erro médico

E hoje em dia a gente vive sobre pressão, é muito desgastante, né? A qualquer hora você pode estar tomando um processo aí. O que gera uma ansiedade muito grande, porque você se cobra muito, você tenta fazer o melhor. Muitas vezes não consegue o resultado esperado. E assim você fica imaginando: será que vou ser processado? Isso gera uma ansiedade muito grande. Então isso daí, hoje em dia, essa judicialização da medicina, eu acho que é o que mais desgasta a gente. Quanto ao risco de processo ou medo de processo, isso sempre foi uma constante... O medo maior de erro diagnóstico e tratamento. Isso sim eu acho que sempre foi preocupante.

[...] ficar pensando. Pensando no sentido de algum erro, de alguma coisa que não deveria ter feito ou deveria fazer. É um medo no sentido de responsabilidade, medo de processo, culpa de estar errado. Nossa! Acontece demais da conta. [...] quando um rapaz suicidou, eu fiquei vários dias pensando e sonhando. Acordava e falava: “meu Deus! Onde foi que eu errei? Eu devia ter percebido”. “Olha, isso aqui é uma corda bamba. Nós estamos andando tentando equilibrar, entre você e o neném, para escolher o melhor momento de tirar”.

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QUADRO 2 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção em relação à

profissão – cont.

Tema 3

Sobrecarga de trabalho e estudo

Tenho uma carga horária muito grande... Atendo muitos pacientes e opero todos os dias. Toda vez que tenho uma cirurgia no dia seguinte, que eu sei que será estressante e pesada para mim, eu durmo mal na noite anterior. Faço plantões. São 40 horas semanais. Faço também um plantão de 24 horas aos sábados e em um fim de semana. Além dos plantões, faço consultório, geralmente 6 horas por dia. Geralmente, eu faço 12 a 13 horas de consultório. Cuido de vários ambulatórios e faço pós-graduação. Então, quer dizer, a semana [é] toda lotada e puxada. Eu me cobro muito. Eu tenho que estar sempre estudando. Eu tenho que estar sempre sabendo o que eu podia ter feito de melhor, o que eu deveria ter feito, o que tem de novidade para gente poder melhorar.

Nota-se que todos os entrevistados vincularam a capacidade de curar e ser útil

a sentimentos agradáveis. Para os médicos, a emoção sentida quando percebem que

conseguiram ajudar seus pacientes marca os momentos mais gratificantes da

profissão. A boa resposta do paciente ao tratamento proposto os estimula e lhes

proporciona satisfação com seu trabalho. Tal experiência emocional parece revelar o

quanto o olhar do médico se volta para o outro e sua recuperação.

Para alguns participantes, a relação com a profissão adquire um significado

ainda maior, constituindo-se em uma atitude de entrega. O exercício da medicina é

encarado como “uma missão a ser cumprida”, e a melhora do paciente promove

sentimentos positivos associados ao cumprimento de um dever.

Em síntese, pode-se entender que, para os participantes, em relação ao tema

“expectativa relativa ao ato de cuidar”, a principal intenção é aliviar o sofrimento

daquele que procura o cuidado médico. Os discursos colhidos revelam que, quando

esse objetivo é alcançado, a profissão se torna fonte de alegria e satisfação.

De outra parte, percebe-se uma preocupação constante refletida no tema

“temor do erro médico”. A possibilidade de falhar é, para os entrevistados, um

elemento que gera forte ansiedade provavelmente decorrente do medo de ser

responsabilizado por possíveis erros, seja no diagnóstico seja no tratamento. Além

disso, os participantes falam que a “judicialização da medicina” os tem levado a se

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sentirem inseguros e a atuarem defensivamente. A sensação referida de “estar numa

corda bamba” revela tal insegurança e o receio dos médicos de dar passos e tomar

decisões que, além de terem o potencial de abalar sua autoconfiança, levem a

acusações judiciais. O sentimento de culpa parece ser uma constante nos relatos de

situações em que o cuidado não promoveu o resultado esperado. Esses fatores

conjugados aumentam a tensão a que os médicos estão submetidos diariamente,

exigindo deles um alto grau de concentração em suas atividades.

Quanto ao tema “Sobrecarga do horário e estudo”, vale lembrar que o estresse

é uma reação natural do organismo a situações de perigo que exigem respostas

adaptativas e que, segundo Lipp (2000), pode se desenrolar em duas fases. Em um

primeiro momento, ocorre a liberação dos hormônios do estresse que levam a pessoa

a se sentir mais preparada para as mudanças necessárias e mais motivada a agir. No

entanto, a autora observa que, se o processo do estresse se prolonga, a sobrecarga

provocada no organismo promove queda de resistência e aumenta o risco de

enfermidades.

Neste estudo, todos os médicos relataram a ansiedade vivida em razão de um

cotidiano estressante. A jornada de trabalho é descrita como exaustiva – muitos

referiram profundo cansaço ao chegar em casa – e houve menções a adoecimentos

provavelmente associados à grande carga de trabalho. Os relacionamentos próximos

também parecem ser atingidos, pois o ritmo de trabalho exige longos períodos de

dedicação em detrimento da própria família.

Outro fator de estresse diz respeito à necessidade constante de atualização.

Para os participantes, a medicina é uma profissão em permanente evolução, o que

exige deles que estejam sempre estudando. Se, de um lado, o estudo dos avanços

ocorridos na área facilita a tomada de decisão, de outro, é visto como uma obrigação

inescapável, o que eleva o nível de cobrança a que os médicos se sentem submetidos.

Em síntese, para os participantes, ainda que o exercício da medicina

proporcione momentos de satisfação, de alegria e de sensação de dever cumprido, o

peso da responsabilidade, o alto grau de cobrança e um cotidiano estressante elevam

o nível de ansiedade, fomentam a culpa e o medo de errar e, muitas vezes, levam à

exaustão.

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67

8.2.2 Grupo temático – A emoção em relação com a instituição

Para os participantes, os resultados do seu trabalho não procedem apenas do

atendimento médico realizado, pois tanto o médico como o paciente dependem do

funcionamento da instituição e da capacidade de seus gestores para resolver as

questões necessárias à assistência.

Desse modo, esse agrupamento reúne temas que se referem à identificação

das emoções vividas pelos participantes com relação à instituição.

QUADRO 3 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção em relação à instituição

TEMAS EXEMPLOS DE FRASES

Tema1

Burocracia e rotina

[...] É muito moroso o sistema. Até eu conseguir que o paciente faça o exame, isso demora um tempão... Eu fico angustiada com isso. Não consigo separar e pensar: “poxa, mas isso é um problema do governo, não é problema meu”. A rotina é muito importante para poder padronizar o atendimento e as condutas, mas existe uma limitação estrutural. A simples falta de um medicamento desestrutura o atendimento. As tecnologias aumentaram, mas as dificuldades operacionais também. [...] O que desestimula é a burocracia, a dificuldade com exames, a dificuldade social do paciente para conseguir a medicação. [...] Apesar de ter sido criada uma rede paralela entre os colegas. A gente acaba se ajudando, furando a rotina do burocrata, do gestor e a gente acaba fazendo com que o paciente tenha um atendimento até bom.

Tema 2

Usuários sem recursos

[...] O nosso cliente é muito carente. Eles têm falta de tudo: falta dinheiro, falta família para cuidar, falta comida em casa, falta instrução, falta orientação e ele precisa ser mais acolhido. [...] Aqui no hospital, ela tinha comida, ela tinha enfermagem que ia perguntar toda hora se ela estava bem... Às vezes, é difícil. Você acolhe e tem que ser dura. Mas, de vez em quando, você está comprando remédio, tentando ajudar, perguntando “você comeu hoje?”. “Não, não comi porque não tinha dinheiro”. Aí, você acaba dando dinheiro para o paciente comer depois da consulta.

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QUADRO 3 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção em relação à instituição – cont.

Tema 3

Ambiência [...] Você entra na enfermaria e não tem um lugar para você conversar com essa paciente. Então, eu acho que falta criar um ambiente onde possa conversar mais, criar um horário [durante o qual] a gente possa discutir, criar uma acessibilidade maior. [...] A gente não tem um local de interação. Eu sinto falta de comunicação entre os profissionais e, talvez, entre os próprios pacientes. Eu acho que por a gente estar numa escola, falta muita essa interação. [...] É preciso ter o apoio institucional, criar estruturas para evitarmos os isolamentos. É preciso de um espaço para termos troca de informações com os colegas, a gente já tem um grupo no WhatsApp,

mas é preciso estruturar a comunicação. [...] É um ambiente [UTI] de muita tensão, muita tensão entre os profissionais do setor. A gente vê a dificuldades que eles têm para lidar com isso. Então, é uma coisa recorrente, essa falta de apoio e sobrecarga emocional da equipe. Saber lidar com essas questões das emoções no momento, ali, de forma técnica, eu não acho tão simples, talvez seja onde a gente precisaria de um treinamento.

Apontam os participantes que suas maiores dificuldades com relação à

instituição se dão em razão de uma demanda crescente, o que tem gerado problemas

como o aumento do tempo do atendimento e a falta de espaços adequados. Percebem

que a instituição se encontra presa a processos burocráticos e morosos, que travam

o fluxo do atendimento a uma população cada vez mais carente e dependente, o que

tem favorecido a presença de emoções desagradáveis.

A dificuldade em lidar com questões de cunho social, como quando os

pacientes estão privados do básico para sua subsistência e procuram a instituição

como casa de caridade, também é apontada como uma das situações que permeiam

o atendimento diário. Para os participantes, muitos dos pacientes procuram o hospital

motivados pela acolhida social, ou seja, buscando o atendimento a necessidades

básicas que vai além do tratamento médico oferecido.

Alguns médicos relatam profundo constrangimento diante da precariedade da

situação dos pacientes, chegando a comprar os remédios do próprio bolso ou a

mobilizar ações sociais para ajudá-los, tamanho o sofrimento e carência dos usuários.

Descrevem o ambiente institucional como insalubre e burocrático, no qual o

maior desafio reside em construir espaços de interação que permitam momentos de

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confraternização e troca de ideias. Urge, para os participantes, a criação de um

espaço de interatividade que seja mais aconchegante e possibilite que pacientes e

equipe de saúde possam interagir, construindo um ambiente acolhedor e humanizado.

8.2.3 Grupo temático – A emoção na relação médico-paciente

Esse grupo abarca os temas extraídos dos relatos dos médicos que

participaram desta pesquisa ao se referirem à vivência de emoções na relação com

seus pacientes.

QUADRO 4 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção na relação médico-paciente

TEMA EXEMPLOS DE FRASES

Tema 1

Acolhimento (recepção) versus neutralidade

O fato de você estar disponível para esse paciente, para ele falar, para ele perguntar ou, em muitas das vezes, é só ele falar e você ouvir e não recriminar. E, com isso, acaba tendo um resultado relativamente bom. Eu acho que a melhor técnica da gente é ouvir o paciente. É muito bom cuidar. Eu acho muito bom cuidar, ter uma resposta no final, mesmo que eu não consiga trazer a cura ou a melhora. Mas que a pessoa compreenda o seu problema e a relação que ela faz comigo. [...] Eu consigo atualmente, não 100% das vezes, mas consigo controlar um pouco mais. Consigo ser um pouco mais objetiva sem deixar de ser emotiva. Controlando, tendo um equilíbrio, tentando ter um equilíbrio dessas emoções... Eu procuro não sentir, não entrar nesse nível instintivo... Eu procuro racionalizar um pouco mais o meu atendimento. [...] A gente acaba sempre escondendo o que está sentindo.

[...] Sentir o que não sente.

A gente vai controlando as emoções e tentando controlar as emoções da família também.

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QUADRO 4 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção na relação médico-paciente – cont.

Tema 2 Demandas laboriosas do paciente/dificuldades de manejo

Às vezes, eu tenho uma tristeza muito grande. De chorar junto com o doente [...] porque a gente pega muitos casos de câncer. [...] Em alguém que recebe uma sentença de morte, então acaba que, às vezes, você não consegue segurar. Gera estresse falar e ele não se cuidar, chegar toda vez atrapalhado. Isso me angustia, você não ver resultado daquilo que você está tentando fazer com a maior boa vontade. É difícil quando o paciente chega blindado. Tem casos que chegam até agredindo. O que mais me desestimulou foram as injustiças... Por mais que você tenha feito, nós não somos deuses. Eu acho que tem muita coisa fora do nosso alcance e você é acusado tendo feito o seu melhor. [...] Tento me manter calmo, ouvir a história, mas depois eu fico com aquilo me martelando. Aí vem uma dor de cabeça, uma indisposição, eu me sinto muito cansada depois de uns atendimentos desses. Sofrimento psíquico. [...] aqueles pacientes que te sugam a energia, na hora que você termina o atendimento parece que um trator passou em cima de você. É aquela coisa de incomodar. Você fica incomodado e a primeira coisa é aquela coisa instintiva de você sentir raiva. Eu tenho uma paciente que tentou cortar o pulso, ela tentou suicídio. [...] e quando eu cheguei, ela levantou e me deu um abraço com tanta força, tipo assim, “me ajuda”. Eu tive uma emoção, uma vontade de chorar e, ao mesmo tempo, de alegria, sabe, e foi uma consulta leve. Uma ou outra vez já fui agredida com palavras, mas é esporádico. Eu prefiro tratar dez amigdalites do que um surto psicótico. Eu acho que tem essa dificuldade de lidar com a emoção das pessoas, com as dificuldades mentais.

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QUADRO 4 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção na relação médico-paciente – cont.

Tema 3

Reconhecimento versus desprestígio

Na hora que eu chego aqui para os atendimentos, eles estão todos na porta ali me esperando Todos já vêm abraçando e beijando porque é aquela confiança, carinho... Isso me faz bem. Eu tive a alegria de muitos deles melhorarem, até mesmo com uma conversa minha eles passarem a enxergar a vida de forma diferente. Eu tenho a vaidade de ser querida. Eu gosto de ser querida e gosto de passar isso para as pessoas. [...] O maior medo é ter gente insatisfeita com o trabalho da gente, eu acho muito ruim. O não reconhecimento do seu esforço, isso me deixa um pouco

angustiada.

Quando você tem um paciente insatisfeito, “case-se” com ele,

fica mais próximo, ofereça tudo que você puder.

O que mais me desestimulou foram as injustiças que foram

cometidas comigo... Nós não somos deuses e você ser acusado

mesmo tendo feito o seu melhor...

Tema 4 Impotência versus onipotência

[...] Porque às vezes entra em uma área de um sofrimento, de uma impotência de fazer as coisas e de conseguir talvez ajudar muito grande. Sensação talvez de impotência, a sensação de “eu não dou conta, eu não consigo ir além”. Então é assim, a emoção que vem é: preciso de ajuda. [...] A primeira sensação que eu tenho chama-se impotência. Eu acho que é a que mais me afeta... Isso é muito triste, alguém passar pela sua vida e você fazer pouco. Eu tenho uma boa aderência de pacientes, mas nunca teremos 100% de controle. Mas quanto mais você for melhorando, mais você vai chegando próximo dos 100%. Eu não costumo encaminhar para muitos médicos, porque, como eu tenho consultório, boa parte das coisas eu mesmo consigo resolver. Mas eu sinto um empoderamento de falar: “você sabia que o crack pode afetar seu neném?” Mas eu sei que são discursos vazios. Isso é muito frustrante.

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QUADRO 4 – Exemplos de frases do grupo temático: a emoção na relação

médico-paciente – cont.

Tema 4 Impotência versus onipotência – cont.

A tendência da gente é sair da faculdade com salto alto e, depois, com o tempo, você vai vendo que, quanto mais humilde, parece que os problemas vão ficando menores. [...] A gente tem uma missão importante, a gente pode ajudar. Se veio até a gente, não é à toa. Então, eu acho que a gente tem um papel importantíssimo. Eu cuido dos meus meninos [pacientes]. A hora que eu piso fora do hospital, eu peço os anjinhos para cuidar, porque eu não dou conta de cuidar o tempo inteiro.

Eu tinha dificuldade de aceitar: isso eu não dou conta, isso eu vou ter que tentar estudar, melhorar...nisso eu não estou boa, eu sou imperfeita nisso. Eu acho que eu tinha dificuldades de ver minhas imperfeições. Eu achava que eu tinha que ser certinha e tal.

Para a maioria dos entrevistados, no que se refere ao tema “Acolhimento

versus neutralidade”, nota-se uma disposição em acolher a demanda trazida pelos

pacientes. Destaca-se a importância de saber ouvir, de estar aberto para escutar a

fala do paciente, sem criticar, como um ponto chave a ser desenvolvido no momento

do encontro entre o paciente e o médico.

Alguns participantes se mostram empáticos diante do sofrimento, sentindo-se

constrangidos e apreensivos com as questões trazidas, ainda que encontrem

satisfação com a possibilidade de ser útil. Outros, no entanto, buscam alcançar uma

neutralidade, ao tentarem controlar suas emoções e ser o mais prático e objetivo em

suas ações. A atitude de “esconder o que se sente” denota um certo distanciamento

do lado humano do paciente que pede cuidado.

Enfim, a narrativa dos participantes parece retratar dois movimentos básicos

que ocorrem no encontro entre médicos e pacientes: de um lado estão aqueles que

se apresentam solícitos e simpáticos, afetivos e tolerantes, adotando uma atitude

receptiva diante do sofrimento que lhe é apresentado; de outro lado, há os que fazem

uso de estratégias de neutralização das emoções. Nesse último caso, a postura fria,

à qual falta afetividade, parece ter como finalidade evitar um maior contato com o lado

humano do paciente.

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Em relação ao tema “Demandas laboriosas do paciente/dificuldades de

manejo”, percebe-se que, algumas vezes, muitos participantes se sentem

pressionados a fornecer uma solução que parece estar fora de sua esfera de

competência. Uma dessas situações diz respeito ao enfrentamento de doenças fatais

que geram angústia e colocam o médico diante de um sofrimento difícil de ser

contornado e de sua própria falibilidade, o que o leva a “chorar junto” com o paciente

As narrativas permitem, ainda, observar que uma das dificuldades mais

comumente enfrentadas diz respeito ao trato com aqueles pacientes que não aderem

ao tratamento e, que apesar do esforço despendido pelo médico, não respondem aos

cuidados oferecidos da forma esperada.

Os participantes narram, também, como é complicado manter o foco quando

estão diante de pacientes com sofrimento psíquico, admitindo que, após o

atendimento, sentem fortes dores na cabeça seguidas de indisposição e cansaço.

Esse desgaste é descrito, figurativamente, como “se um trator passasse por cima”.

Um dos testemunhos se refere ao fato de isso causar tanto incômodo que desperta,

no médico, penosos sentimentos de raiva. A dificuldade em lidar com as emoções do

paciente em sofrimento psíquico é pontuada na fala de Rute, que declara ser

“preferível atender dez amigdalites do que um paciente psicótico”, considerando,

nesse caso, a real possibilidade de ser agredida.

Outra situação difícil é aquela descrita por Samuel quando reconhece como é

problemático lidar com os pacientes “blindados” ou “agressivos”, que fazem

acusações e cobranças sem sentido. O participante refere sentir-se, nesses casos,

desestimulado e, muitas vezes, injustiçado, dado que sua proposta é a de ajudar.

O testemunho de Samuel nos remete ao próximo tema, ou seja,

“Reconhecimento versus desprestígio”. Para a maioria dos entrevistados ter seu

trabalho reconhecido é fonte de alegria e satisfação. Perceber que é aceito e querido

é apontado como um fator de bem-estar e de prazer. Assim, Sarah procura ser

empática e manter um relacionamento mais aberto e desprendido, afirmando que o

contato humano lhe faz bem. O reconhecimento percebido está associado ao se sentir

querida por seus pacientes e ao vê-los melhorar.

Outros participantes relatam certo receio de não conseguir satisfazer seus

pacientes, o que promove ansiedade e episódios de indisposição que acabam por

afetar a relação médico-paciente. O medo de não ter o trabalho reconhecido, de todo

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esforço ter sido em vão, deflagra a percepção de injustiça e demérito, exigindo um

maior esforço do médico na manutenção do vínculo profissional com o paciente.

Em referência ao tema “Impotência versus onipotência”, nota-se que a maioria

dos participantes menciona alguma ocasião em que se sentiram impotentes.

Consideram que o sentimento de impotência e a frustação são experiências comuns

na relação médico-paciente. Esses sentimentos são despertados quando os médicos

se veem diante de casos clínicos de difícil compreensão e/ou cuja resolução não foi

possível. Em decorrência, os profissionais são assaltados por dúvidas relativas àquilo

que poderia ter sido feito e não o foi. Para a maioria dos participantes, a vivência da

impotência desperta o sentimento de culpa e a insatisfação de não ter conseguido

atingir seu objetivo de cuidador, ou seja, promover a melhora da condição do paciente.

Muitos participantes se sentem frustrados quando não conseguem alcançar o objetivo

de aliviar o sofrimento, e o fato de perceberem seus limites os coloca em contato com

emoções desagradáveis que se transformam em cobrança relacionada à procura de

um ideal de ser, um mundo com cem por cento de acertos, como deixa transparecer

Jacob, ao dizer que é preciso melhorar para chegar aos cem por cento.

Rute enfatiza o caráter heroico da profissão, que lhe proporciona confiança e a

incentiva a se dedicar à missão de curar, e diz, “se veio até a gente, não foi à toa. A

gente tem um papel importantíssimo”. Mas Moisés afirma que, embora ao sair da

faculdade tenha se sentido poderoso, com o passar do tempo deparou-se com a

realidade, o que o levou a ser mais humilde e a se permitir aceitar o seu lado humano.

É possível argumentar que Rute e Moisés chegaram a um meio termo entre a

impotência e a onipotência, experimentando momentos em que é importante uma

dose de confiança e disposição para realizar os enfrentamentos próprios da profissão

e outros, em que entram em contato com as frustações e necessitam desenvolver a

humildade. Em síntese, pode-se supor que os participantes, ao encontrar seus

pacientes, iniciam a construção de um vínculo que os leva a empreender uma busca

interior e particular do ponto mais equidistante entre impotência e onipotência, de

modo a se sentirem capazes de ajudar e amparar.

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8.2.4 Motivos do encaminhamento

O próximo grupo focaliza, nos depoimentos dos participantes, os motivos para

o encaminhamento dos pacientes ao médico interconsultor. Os temas inferidos

retratam as principais razões que levam o médico não psiquiatra a solicitar a

assistência do psiquiatra diante de seus pacientes.

QUADRO 5 – Exemplos de frases do grupo temático: motivos de encaminhamento para o interconsultor

TEMAS EXEMPLOS DE FRASES

Tema 1

Auxílio no diagnóstico e tratamento

O maior motivo pelo qual encaminho o paciente hoje em dia é em relação a quadros depressivos.

Ela é a ansiedade em forma de gente, não dorme porque descobriu que tem hepatite.

A gente encaminha pacientes que têm doença crônica para fazer um acompanhamento, para auxiliá-lo no fato de ter uma doença crônica.

[...] com queixas psicossomáticas e, na maioria das vezes, é de fundo emocional. Boa parte eu mesmo trato. Quando não consigo ou percebo um comprometimento maior, eu encaminho para o psiquiatra para otimizar o tratamento e coisa [sic] que a gente não percebe. [...] Encaminhei uma senhora que começou com um quadro de mudança de comportamento que poderia ser uma síndrome demencial. Tem muito a ver com a medicação, porque não me sinto preparada para poder medicar... A gente chama muito o psiquiatra para poder avaliar a medicação. Aqueles pacientes mais agitados, mais agressivos... E principalmente os usuários, não só de drogas ilícitas, mas os usuários de álcool. Quando eu percebia que ia perder ele...que podia tentar suicídio. [A paciente] fugiu do abrigo, usava droga, tentou autoextermínio. Isso me motivou a pedir interconsulta. Pessoas que acabam simulando dores, isso acontece muito em pronto socorro. Aquela coisa de que grande parte dos pacientes que a gente manda para o psiquiatra não é para resolver o problema do paciente, é para resolver o problema da gente.

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QUADRO 5 – Exemplos de frases do grupo temático: motivos de encaminhamento para o interconsultor – cont.

Tema 2 Dificuldades de lidar com o paciente ou com a família

Quando eu me sinto afetada emocionalmente, eu sempre chamo alguém para me ajudar. A maior dificuldade que eu tenho é dar diagnóstico de câncer, que é uma coisa pesada você falar com o paciente e com os parentes. Tem paciente que não fala, não explicita muita coisa. Tento investigar uma questão de ordem emocional e tenho dificuldades em uma ou duas consultas [...] me gera uma frustação, uma dificuldade. Aí, acaba sendo ou iniciar um tratamento medicamentoso, psicotrópico ou, se não melhora, eu encaminho para o psiquiatra.

Ele [paciente] vai continuar com aquele problema, porque é multifatorial e você está agindo só de um lado. Isso me angustia... Eu fiz o que podia. Dali para a frente, eu estou limitado. Então, tenho que passar para alguém que me ajuda.

“Olha eu não dou conta. Você vai ao psiquiatra e você vai ver o que está acontecendo com você, por que você está dessa forma.” [...] e fecharam o diagnóstico de bipolar.

Agora, difícil é esse que não quer tratar, que não quer, que não aceita a gente, o encaminhamento. Esse é difícil! Eu tenho vontade de fugir.

Então, essa aflição da gente, essa angústia da gente [sic] querer ajudar, pedir ajuda para um colega, que pode sempre estar ali, estar conversando e estar encaminhando para dar seguimento. Ah! Vou passar para o psiquiatra e ele se vira lá com a depressão. Não sei mexer com isso. [...] porque muitas vezes eu estou “lavando as mãos”. Eu mando para ele como se estivesse “lavando as mãos”.

Geralmente, quando a gente pede, às vezes, já tem um problema familiar, já tem uma separação envolvida. Já aconteceu de encaminhar, além da criança, a mãe ou o pai para uma interconsulta.

Que o profissional ouça a família, [...] que ele dê um acolhimento para a família, para o paciente. A família fica mais tranquila, o paciente se sente importante, bem visto pelos médicos.

Uma coisa que gera muita angústia é a relação com a família.

Eles respondem que eu chamei essa pessoa de louca e ela não volta no meu consultório porque eu encaminhei para o psiquiatra.

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QUADRO 5 – Exemplos de frases do grupo temático: motivos de encaminhamento para o interconsultor – cont.

Tema 3 Dificuldade de conciliar aspectos bioéticas.

Existe um preconceito muito grande em relação à psiquiatria. Eu esperaria da interconsulta é a avaliação de um profissional qualificado, que me dissesse os riscos que tem da paciente se submeter a um procedimento [por meio do] qual ela não vai atingir o objetivo, se há causas de insatisfação e se para mim é um procedimento seguro.

Transgêneros, nós encaminhamos todos eles. Então é um seguimento, porque enquanto não chega o psiquiatra pra mim, “olha essa você pode repor...”.

Gente, será que vale a pena eu ficar tratando cirrótico que não para de beber?

A maioria dos participantes relatou que um dos motivos principais para

solicitaram o auxílio do interconsultor está ligado a obter “auxílio no diagnóstico e

tratamento” de situações em que os aspectos psicológicos têm uma participação

importante. Assim, os médicos solicitam acompanhamento psiquiátrico para aqueles

pacientes que apresentam quadros de transtorno de humor, como a ansiedade e a

depressão. Alguns participantes referem, ainda, que, diante de doenças crônicas e

sintomas psicossomáticos, acabam delegando ao psiquiatra a otimização do

tratamento. Esther afirma que não se sente preparada para medicar esses pacientes

e prefere chamar o psiquiatra.

As mudanças no comportamento são colocadas como um fator importante para

solicitar a interconsulta, principalmente no caso de pacientes dependentes químicos,

agressivos e agitados, afirma Samuel. Rute e Rebeca apontam como uma das

principais dificuldades o fato de estarem diante de um paciente com possibilidade de

cometer suicídio ou que tenha tentado autoextermínio, identificando como necessário

a atuação do psiquiatra para acompanhar esses casos.

Outro fator apontado pelos participantes é a dificuldade com o diagnóstico

quando há a possibilidade de simulação de quadros clínicos. Ao recordar de casos

difíceis, Moisés afirma que, em grande parte, a solicitação do apoio do interconsultor

visa mais afastar um paciente problemático do que oferecer uma solução para o caso.

Em relação ao tema “dificuldade de lidar com o paciente ou com a família”, a

maioria dos participantes aponta questões de cunho emocional, como Esther, que

declara sempre pedir auxílio quando se sente afetada emocionalmente. Além disso,

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78

alguns participantes referem dificuldades em investigar as questões emocionais, como

Hazael, que diz sentir-se frustrado quando não consegue entender o lado emocional

do paciente e percebe que o uso de psicotrópicos apresenta pouco resultado.

A angústia de não poder fazer nada é mencionada por Moisés, que se sente

limitado diante de pacientes com problemas multifatoriais, cujo tratamento considera

estar além de sua capacidade. Semelhante limitação é expressa por Sarah quando

relata que, ao atender um paciente bipolar, percebeu que não dava conta do caso,

sendo necessário lidar com o sentimento de impotência.

Alguns participantes pontuam que, diante de determinados quadros,

encaminham de forma rápida, “lavando as mãos” e afastando de si situações que

acreditam não conseguir manejar. Com isso, transmitem a ideia de que não se

sentirem seguros de poder cuidar do paciente, situação essa que os deixa

angustiados. Rute pontua que, diante de tais situações, encontra alívio ao pedir ajuda

para um colega. Pode-se dizer que, nesses casos, o interconsultor é solicitado para

discriminar questões não só do paciente, mas também do médico que se sente

desvitalizado e inoperante.

Rute acrescenta que solicita o apoio de um colega interconsultor quando

percebe existirem questões familiares que exigem um olhar global para todos os

membros que compõem a família do paciente. Também Rebeca menciona a

necessidade de o interconsultor dar um acolhimento para a família do paciente e, em

sua experiência, o fato de um profissional capacitado conseguir proporcionar essa

escuta muda a dinâmica da relação, pois os familiares do paciente se sentem mais

tranquilos e valorizados.

Embora todos os participantes se sintam, em determinadas circunstâncias,

motivados a encaminhar o paciente ao interconsultor, há relatos de que nem sempre

é possível. Muitos pacientes não aceitam se tratar em razão do preconceito que

estaria associado a quem se trata com um psiquiatra, como realça Jacob ao dizer que,

para alguns pacientes, ir a um psiquiatra é ser chamado de louco. Por isso, para os

médicos entrevistados, existe a necessidade de preparar o paciente para a vinda do

psiquiatra, o que nos remete ao terceiro tema, “dificuldades de conciliar os aspectos

bioéticos”.

Grande parte dos participantes mencionou encontrar problemas diante de

pacientes que não querem se submeter ao tratamento ou que não aceitam seguir o

plano terapêutico, levando a questionamentos éticos. A própria solicitação de

Page 79: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

79

avaliação psiquiátrica esbarra em situações em que o paciente não aceita ser avaliado

pelo interconsultor, dando-se o direito de negar atendimento. Em razão disso, Rebeca

indaga se tem significado cuidar de quem não quer ser cuidado.

Jacob expressa a insegurança que sente ao lidar com pacientes cujos objetivos

para a realização de uma cirurgia estão além de sua capacidade. Diante do receio de

que o paciente se sinta insatisfeito, solicita a presença do interconsultor procurando o

respaldo e o direito de negar, por exemplo, um procedimento de cirurgia plástica.

Sarah refere que, em relação aos transgêneros, é fundamental a avaliação do

psiquiatra como subsídio à tomada de decisão acerca do melhor tratamento a ser feito

e para verificar se o paciente de fato se encontra em condições de seguir com a

reposição hormonal.

Assim, para os participantes, a presença do interconsultor psiquiátrico parece

se fazer necessária em circunstâncias que exigem um parecer entre o que é de direito

e aquilo que seria um dever.

8.2.5 Relação com o interconsultor

Os testemunhos sobre a relação médico-médico, que ocorre entre o médico

que assiste o paciente e o interconsultor, possibilitou a identificação de dois temas,

“comunicação” e “expectativas versus dissonâncias”. No quadro 6, a seguir, são

apresentadas as frases que exemplificam esses temas.

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QUADRO 6 – Exemplos de frases do grupo temático: relação com o interconsultor

TEMA EXEMPLOS DE FRASES

Tema 1 Comunicação

A comunicação é um problema seríssimo. Às vezes, fica cada um no seu nicho e não fala, não expressa. Às vezes, a gente pede uma avaliação e vem uma resposta em um papel. Às vezes só escrevo um papelzinho “encaminho para o psiquiatra”, sem falar nada, não cito grande coisa do prontuário. A avaliação, normalmente quando eu a recebo, vem escrita, vem em uma cartinha selada e o paciente me entrega. Às vezes, a gente tem até dificuldade de escrever para o psiquiatra, porque é uma coisa que você está sentindo ali. Na interconsulta, eu acho que estreitar a relação médico-médico. Porque eu, ao invés de só escrever... Eu não consigo traduzir no escrito qual era aquela minha impressão. Eu acho a relação aqui dentro do hospital, ela é de papel. Ou não me expresso bem, ou vocês psiquiatras não se expressam no conteúdo, e aí me frustra nesse sentido. Porque, às vezes, até o psiquiatra não entende bem o porquê você está pedindo aquela interconsulta. A comunicação está ficando muito difícil, porque parece que hoje o pessoal não tem o hábito de conversar. Posso dizer que são poucos profissionais psiquiátricos que eu consigo conversar hoje em dia, por questão de afinidade ou de conhecer. Quando é mais contemporâneo, é mais fácil. Os mais novos a gente tem mais dificuldade de conversar. Eu acho que a gente deveria ter um feedback. Muitas vezes eu

ajudaria se chegasse e falasse: “eu estou te mandando por isso, isso e isso”. Muitas vezes, o auxílio que ele teria seria melhor se eu tivesse um contato maior, se a gente tivesse um contato melhor. Porque, assim, quando a gente passa um paciente para o psiquiatra, eu acho que tinha que ter um retorno, de “olha o seu paciente está assim porque...”. Eu sinto falta de comunicação entre profissionais e, talvez, entre os próprios pacientes, em grupos, para dar esse feedback para a gente.

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QUADRO 6 – Exemplos de frases do grupo temático: relação com o interconsultor – cont.

Tema 2 Expectativas versus dissonâncias

A psiquiatria é uma especialidade que é transversal a todas as outras. Então, eu tenho uma opinião de um profissional totalmente isento da parte emocional para a gente poder fazer isso. O psiquiatra sendo uma pessoa calma, tranquila, que está ali para ajudar em tudo... E a interconsulta é uma divisão disso, é outro olhar que eu quero que outro profissional tenha, até para validar minha primeira impressão. “Nós vamos pedir para um psiquiatra vir aqui te avaliar porque ele vai poder te entender melhor?” Eu precisava, para atender esses casos de sofrimento psíquico, de um treinamento. Uma conversa com algum especialista. Eu queria que tivesse mais profissionais acessíveis. Hoje em dia, a população anda muito sofrida dessa parte emocional, da parte psicológica, e está faltando profissional. Dentro do possível, atender de uma forma mais rápida. O paciente cobra: “vai demorar, vai demorar.” Aí o psiquiatra chegou e falou: “pare de passar a mão na cabeça dessa moça”. Então, eu me senti desamparada porque achei que estava fazendo alguma coisa positiva para ela e o psiquiatra me deu uma bronca. A maior dificuldade que nós temos é em relação a encaminhamentos para fazer uma interconsulta, a demora do exame, a dificuldade da relação... Tem colega que, eu vou te contar, eu nem peço. A gente nem pede. Ele nunca tem vaga para interconsulta. Nunca! Então, fica difícil. Tem uns que você manda e o psiquiatra nem conversa com o paciente. Ele só dá remédio. Nossa! Tem dias que dá raiva a interconsulta. Você fala assim: “ah! mas para dar Sertralina, eu mesmo dava”.

As questões referentes ao tema “comunicação” foram apontadas pelos

participantes como um problema muito grave. Todos consideram que os médicos se

encontram presos em seus nichos e se distanciam uns dos outros cada vez mais.

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Para a maioria dos participantes, a comunicação tem se dado apenas pelo

“papel”, o que tem dificultado a troca de informações. Diante desse contexto, Jacob

se diz frustrado, dado que, muitas vezes, não consegue entender o conteúdo das

respostas escritas pelos psiquiatras. Alguns participantes, além da dificuldade de

entender o “papel” enviado pelo interconsultor, também nem sempre conseguem

escrever para o colega o que estão sentindo e pensando sobre o paciente.

A ausência de contato e a perda do hábito de conversar são apontadas como

fatores que têm dificultado a troca de ideias e o feedback dos casos solicitados. A falta

do diálogo e de um contato maior entre os médicos interessados dificultam o auxílio

aos pacientes, uma vez que, no “papel” ou no “prontuário”, a comunicação é restrita e

fria. Desse modo, todos os participantes declararam que estreitar as relações, criando

uma aproximação que torne mais viável e produtiva a comunicação entre médico e

interconsultor, é um dos pontos fundamentais para melhorar a qualidade de

atendimento prestado.

Os entrevistados, ao discorrerem acerca da importância do contato nas

relações médico assistente com o médico interconsultor, evidenciam as questões

relativas ao próximo tema que diz respeito às “expectativas versus dissonâncias” na

relação com o interconsultor.

Rebeca entende a psiquiatria como uma especialidade com a possibilidade de

interagir e ter pontos de contato com todas as demais áreas e, por ser transversal,

torna-se muito exigida. Alguns participantes idealizam a figura do psiquiatra como

alguém acima de suspeitas e capaz de dominar suas emoções, supondo que esses

profissionais são pessoas calmas e, por isso, preparadas para ajudá-los nas situações

aflitivas. A expectativa de que o profissional interconsultor na área da psiquiatria será

capaz de entender o paciente e validar ou orientar melhor o diagnóstico e o tratamento

está presente no discurso dos participantes em geral, uma vez que se sentem pouco

preparados para atender casos que envolvem sofrimento psíquico, chegando a sugerir

a possibilidade de um treinamento.

Embora a função do interconsultor seja reconhecida pela maioria dos

participantes, a dificuldade de ter acesso ao médico psiquiatra é apontada por Samuel,

que considera haver uma carência de profissionais relativamente à demanda

existente. Moisés menciona a demora envolvida no processo de atendimento à

solicitação de interconsulta, o que Rebeca corrobora, afirmando que, às vezes, nem

efetua o pedido, já que nunca há vagas para a realização de uma avaliação. Também

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Rute aponta esse problema, declarando que, quando solicita uma avaliação da

psiquiatria, acaba por ser cobrada pelos pacientes que questionam o tempo de

atendimento. Entende que uma maior rapidez do processo ajudaria a serenar os

ânimos.

Esther relata uma situação em que o interconsultor chamou sua atenção,

criticando a maneira como manejava o atendimento a certo paciente. Tal atitude a fez

sentir-se desamparada, pois acreditava estar fazendo algo de positivo, e a reação do

interconsultor levou-a a considerar a possibilidade de estar comprometendo o

tratamento.

Alguns participantes sentem suas expectativas frustradas por certos psiquiatras

que apenas medicam, deixando de manter um diálogo com os pacientes. Além disso,

percebe-se, no grupo entrevistado, a descrença em relação a alguns tratamentos

sugeridos pelo interconsultor, e a raiva provocada quando a interconsulta não

corresponde ao esperado.

8.4 Análise das entrevistas

A seguir apresentam-se três narrativas e respectivas análises. A escolha dos

relatos se deu a partir da identificação de três tendências relacionadas ao modo de

ser e agir dos médicos participantes deste estudo.

8.4.1 Sarah – a missionária

Sarah é médica, casada, mãe de dois filhos e atua no hospital há 29 anos. A

participante aparenta ser pessoa descontraída e de fácil trato. Está sempre cercada

por alunos cujas dúvidas procura sanar de modo solícito e a quem orienta com

simpatia e polidez. Esforçada e estudiosa, possui doutorado e é orientadora em

programa de pós-graduação. Nesse curso, procura transmitir a seus alunos a

importância de tratar com consideração todos os pacientes.

É nesse ambiente acadêmico que vou ao encontro de Sarah que, ao ver-me,

porta-se educadamente, informando aos alunos e residentes que se ausentaria para

uma entrevista. Observo, antes de nos encaminharmos ao ambiente reservado para

a entrevista, a expressão de carinho com que ela se dirige a seus alunos.

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Sarah inicia sua narrativa apontando que tem feito do seu trabalho a sua vida,

que gosta muito do que faz e que trata os pacientes com muito carinho. Cada paciente

que a procura “é uma emoção” que muito a sensibiliza. Assim, dedica-se intensamente

à profissão, a ponto de sua família chegar a reclamar das sua dedicação ao trabalho.

Reconhece que, talvez, “exagere um pouco”, mas reitera:

Eu vou falar uma coisa para você: eu amo o que eu faço e, quanto mais difícil, mais estimulada eu fico a tentar trazer ele para onde eu quero. E a maneira como eu consigo abordar esses pacientes é com muito carinho.

Em suas atividades, procura ajudar ao máximo e percebe que as dificuldades

dos pacientes a afetam profundamente, como quando o paciente não tem meios de

adquirir as medicações. Nesses casos, incomodada, busca de todas as formas

conseguir os medicamentos, pois tem como meta “não deixar as pessoas saírem de

perto da gente pior do que chegaram”.

Relata que sempre se empenha ao máximo em dar uma solução para as

queixas que lhe são trazidas. A atenção e o carinho com que atende seus pacientes

são expressos também com abraços e beijos. Comenta que o afeto do paciente lhe

faz bem: “Eu tenho vaidade de ser querida. Eu gosto de ser querida e gosto de passar

isso para as pessoas.” Afirma que suas ações vêm “do coração” e se emociona ao

recordar o momento em que prestou ajuda a uma paciente que tentou suicídio:

Aí ela levantou e me deu um abraço. E ela me abraçou com tanta força, tipo assim, “me ajuda”, que eu tive uma emoção na hora que eu não sei te explicar a emoção. É uma emoção, uma vontade de chorar e, ao mesmo tempo, de alegria.

Entende que talvez seja assim com seus pacientes em razão de sua história de

vida. Nesse ponto, recorda a timidez na infância e uma consulta à qual foi com sua

mãe, em que foram tratadas com rispidez pelo médico. Isso a fez prometer a si mesma

e à mãe que se tornaria médica e jamais trataria os pacientes daquela forma.

Procura transmitir aos residentes a importância de uma atitude de respeito e

cuidado no atendimento aos pacientes e chama a atenção daqueles alunos que não

se portam assim. Conta o episódio de uma residente que respondeu mal a uma

senhora de idade e, após ter sido repreendida, tornou-se uma excelente residente e

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médica. “Eu perguntei: ‘você gostaria se alguém fizesse isso com você?’ Ela disse:

‘lógico que não doutora.’ E eu disse: ‘então por que você fez com ela?’”

Em sua visão sobre trabalho, acredita ser fundamental dar o exemplo, apesar

das dificuldades vividas, como relata: “Embora já tenha acontecido de ser xingada,

paciência. Na hora eu fico chateada”. Apesar de dizer que é muito raro acontecer,

nem sempre consegue manter uma atitude cordata, como quando uma senhora idosa

reclamou da longa espera na fila de atendimento. A reação de Sarah foi responder

com rispidez, do que se arrependeu mais tarde: “Não devia ter falado assim, devia ter

perguntado se ela ‘tava com algum problema. Eu achei que eu não devia, eu fiz uma

coisa feia.”

Uma das situações que lhe causa estresse, por não obter resultados e não ter

o seu esforço reconhecido, é aquela em que o paciente não melhora e não segue as

orientações dadas.

Me angustia, também, você não ver resultado daquilo que você está tentando fazer com a maior boa vontade. Mas a vida é assim, você faz tanta coisa de boa vontade. É você falar, falar, falar e ele não cuidar e chegar toda vez todo atrapalhado de novo. Então você fala assim: “poxa” o que eu ‘tou fazendo?”. Eu não ‘tou sendo útil pra essa pessoa porque eu ‘tou falando, ‘tou falando e não ‘tá saindo nada. O não reconhecimento, talvez, do seu esforço, isso me deixa um pouco angustiada.

Diante de tais dificuldades, transparece o sentimento de impotência:

E tem as dificuldades de, às vezes, eu não conseguir fazer o melhor para o paciente, gerando uma sensação talvez de impotência, a sensação de que eu não dou conta. Eu não consigo ir além. Então é assim, a emoção que vem é: preciso de ajuda.

Sarah relata que, dada a sua sensibilidade, procurou suporte no meio religioso

e que a religião espírita a tem ajudado em sua profissão, como apoio e fonte de

inspiração. Passou a ver na religião um complemento que lhe possibilita manter acesa

da fé e acreditar no seu próprio potencial de fazer a diferença para seus pacientes.

Sarah comenta que, também procurando fazer o melhor, tem solicitado apoio de

colegas: “Porque a gente tem mania de querer resolver tudo. Então, isso leva àquela

certa angústia de não conseguir, às vezes, e realmente precisar dessa ajuda do

colega.”

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Ela informa que lança mão do pedido de interconsulta para aquelas situações

de que não consegue “dar conta” e exemplifica: no ambulatório, os pacientes “que não

aceitam o tratamento, porque a gente não consegue sozinho”. Recorda-se de um caso

de bipolaridade em que o psiquiatra a auxiliou no tratamento, possibilitando um

resultado favorável e gerando uma grande emoção, a de ter podido ajudar.

Sarah finaliza a entrevista ressaltando a importância da afetividade:

Então, eu acho que às vezes eu peco um pouco por ser muito coração e emoção, mas, ao mesmo tempo, isso me traz muita alegria de poder transmitir isso e receber isso de volta dos pacientes. Eu saio do hospital todo dia cantando, feliz, alegre. Assim, é uma coisa que é como se eu fosse explodir de alegria. Missão cumprida. Terminei cansada, mas feliz. E, às vezes, cantando.

Análise da narrativa

Percebe-se, na narrativa de Sarah, a preocupação com a melhora dos

pacientes, a sua necessidade de ser útil e o quanto o afeto é importante em sua lida

diária. Trabalhar com afetuosidade não a protege das dificuldades que se apresentam

no relacionamento com os pacientes, já que, muitas vezes, o afeto não é

correspondido.

Sarah se mostra disposta a interagir e reconhece que tem a “vaidade de ser

querida” e que o “não reconhecimento a deixa angustiada”. À medida que as

dificuldades surgem e, em especial, quando não obtém o resultado esperado diante

do tratamento, mostra sinais de incômodo em relação ao paciente pouco colaborativo.

Nota-se que a culpa sentida pelo fato de o paciente não melhorar se transforma em

cobrança, o que provoca certa irritação. Como referia Balint (1988), a relação médico-

paciente se dará mediante as “ofertas” e exigências trazidas pelo paciente e as

respostas do médico. Nem sempre o paciente recebe as respostas esperadas o que

pode resultar em falta de reconhecimento e de gratidão pelo empenho do médico.

Embora se dedique intensamente ao seu trabalho, Sarah descreve momentos

em que se sente limitada. Mostra que lidar com frustrações lhe é penoso e, se as

promessas da infância funcionam como motivação, não trazem conforto diante dos

momentos em que não consegue ter os resultados que espera.

Ao lidar com a impotência diante do paciente, Sarah se vê num dilema entre o

amor e o ódio, pois se, em um primeiro momento, ambos se veem identificados na

busca do ideal de cura, o fracasso do tratamento ou a decepção com o desenrolar do

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processo, levam ao desmoronamento da identificação ou, como Jacob (2011) nomeia,

a uma desidentificação. Com isso, vêm à tona muitas das projeções que ambos

realizaram inconscientemente: “ele ou ela não se comporta, age ou sente como

imaginávamos” (JACOB, 2011, p. 38).

Melo Filho (1983) aponta que o médico foi doutrinado por seus mestres a

idealizar a medicina. O médico seria aquele que realiza atos humanitários e se

sacrifica em nome de seus pacientes. No entanto, com a experiência concreta da

profissão, a idealização cai por terra, uma vez que o médico tem sido muito

questionado e desafiado por seus pacientes. Sarah também tende a viver segundo

esse ideal do médico humanitário. Nela ainda parece existir a criança que tomou a

decisão de ser uma profissional em tudo diferente daquele médico que a maltratou.

Desse modo, como que relembra os afetos vividos no passado, e se esforça por

respeitar e amar seus pacientes. O reconhecimento que espera obter com isso talvez

seja a tentativa de compensar o sofrimento por que passou e as suas expectativas

não atendidas, agora projetadas em seus pacientes. Quando o carinho que oferece

não é retribuído, irrompe em Sarah um lampejo de impaciência e de agressividade

contida. Um conflito se instala. Sarah se sente afetada, inquieta e insatisfeita consigo

e com o paciente, e tem que lidar com a falência de seu ideal.

Naqueles casos difíceis, quando a sensação de impotência se faz presente,

Sarah lança mão de um pedido velado de ajuda, solicitando a interconsulta. O

interconsultor poderá, nesse caso, desempenhar o papel de mediador da relação

médico-paciente e, na medida em que promove o acolhimento do paciente,

igualmente auxiliará o médico a entender suas emoções, melhorando a qualidade do

atendimento.

De outra parte, a religiosidade é, para Sarah, fonte de alívio e suporte para

essas situações estressantes, tendo contribuído para que ela não desista de suas

convicções e do seu empenho em ajudar aqueles que a procuram. Além disso, a

experiência religiosa possivelmente possibilitou que Sarah passasse a confiar mais

em sua intuição, contando com o auxílio da fé para alcançar insights dos quais tem

lançado mão nas circunstâncias em que se vê com dificuldades na elaboração de um

diagnóstico ou na lida com pacientes difíceis. Aparentemente, a religião funciona

como estímulo para que continue a procurar ser útil e cumprir seu papel de cuidadora,

mantendo acesa a chama da promessa, feita a si mesma e à sua mãe, de ajudar

sempre, pois “como o corpo carece do alimento, e não de um alimento qualquer, mas

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daquele que apetece, assim a psique precisa do sentido do seu ser” (JUNG,

1954/2016g, par.476). Sarah, ao buscar a religião, teria encontrado um sentido na vida

– tudo o que faz passou a ter uma razão e estar sob a proteção divina. Desse modo,

sente-se fortalecida para suportar os reveses da profissão.

8.4.2 Esther – a poderosa

Esther é médica, casada, mãe de um filho e atua no hospital de clínicas há mais

de 22 anos. É uma pessoa expansiva e alegre. Muito ativa, fala o que pensa com

naturalidade, expondo suas emoções. Ao encontrá-la em seu ambiente de trabalho,

percebe-se o quanto é carismática, espontânea e de fácil acesso. Fica-se com a

impressão de estar diante de uma grande mãe com habilidade comunicativa e

imensamente afetiva com os que a cercam. Foi com essa mesma afetuosidade que

recebeu o pesquisador, mostrando-se animada por participar da pesquisa.

É em um clima aprazível que Esther inicia sua narrativa, mencionando que sua

atividade no hospital se restringe à área da medicina que lida com situações de alto

risco. Descreve que grande parte dos pacientes que procuram o serviço é muito

carente e não possui estrutura familiar. Pessoas que buscam no hospital afeto e

cuidados básicos que não encontram no contexto doméstico. Essas circunstâncias

geram um envolvimento muito grande da equipe, tanto em relação às questões

clínicas quanto no que diz respeito às demandas sociais dos pacientes. Esther

enfatiza que isso se torna um grande desafio, pois ao estabelecerem um vínculo com

o profissional que os acolhe, os pacientes revelam uma carência emocional que os

faz projetarem no médico a capacidade de solucionar os problemas que enfrentam:

[....] E projeta-se tudo, tanto as alegrias quanto as tristezas, e cabe a você ter que lidar com isso, o que não é fácil. Porque fica difícil, é preciso acolher, mas também é preciso ser dura.

A princípio, Esther relata que essa seria a maior dificuldade que enfrenta como

médica, ou seja, saber dosar o grau de envolvimento. Para ela, “não há como não

criar uma relação com o paciente”, pois os vínculos afetivos estabelecidos a levam a

“sofrer junto” com aqueles a quem atende.

Nesse sentido, Esther relata que uma das emoções que mais a afeta é a da

impotência. Pois existem casos em que:

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Por mais que se tente e por mais que se dedique, ainda esbarramos em deficiências como a falta de recursos externos, de apoio familiar e de recursos internos do próprio paciente e, por isso, me sinto realmente deprimida e chateada.

Para Esther, situações como essas têm se acumulado ao longo dos anos,

gerando um certo cansaço e momentos de tristeza. Ela pontua: “é muito triste alguém

passar pela sua vida e você fazer tão pouco.”

Ao relembrar sua experiência profissional passada, Esther refere que já

enfrentou diversas frustrações, como quando ocorrem óbitos fetais. São situações em

que diz carregar o sentimento para casa: “e são dois a três dias de choro, pois eu não

consigo me livrar [da tristeza] e fingir que está tudo bem, por mais que tenha a certeza

de ter feito o meu melhor.” Outras frustrações surgem ao lidar com pacientes em

sofrimento psíquico, principalmente aqueles que, de acordo com ela, se fecham e não

querem escutar, pois tais pacientes não se conectam: “eles são invioláveis, estão

dentro dos casulos e não querem saber de nada.” Esther denomina tais pessoas de

“impenetráveis” e pondera que, apesar de saber que não possuem recursos internos,

algumas vezes sente que precisa se posicionar, “mas são discursos vazios”,

particularmente no caso de usuários de drogas. São pacientes que chegam para

Esther e dizem: “eu acabei de fumar um crack” ou “fumei a noite inteira”. Tais casos

acabam sendo muito frustrantes para ela, por não conseguir obter resultados

concretos nem convencer o paciente da inadequação do comportamento

apresentado, por mais que tente. De outro parte, Esther explica que o ato de falar com

os usuários traz algum alívio. Todavia, “às vezes, eu sinto muita raiva de algumas

situações, pois é difícil entender que o paciente não pensa nas consequências do seu

ato”.

Contudo, se existem pacientes que não se cuidam, há aqueles que transferem

toda a reponsabilidade para o médico, declara Esther. São pacientes que chegam e

dizem: “Eu estou aqui porque você é a melhor. Eu estou aqui porque sei que a senhora

vai dar conta do meu caso”. Segundo ela, tais elogios são muito comuns e exigem

“muito cuidado”, principalmente com fantasias inabaláveis de que tudo vai dar certo.

Em momentos assim, procura dizer sempre que irá “tentar fazer o melhor”, pois, com

a idade e a experiência, aprendeu que não consegue resolver todas as situações.

Essa responsabilidade é acrescida pela procura dos colegas que buscam nela

um apoio diante de casos clínicos de difícil resolução. Acredita que, por ser mais

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experiente, é comum aos médicos mais jovens abordá-la e perguntarem: “doutora o

que eu faço?”. Talvez esse seja o motivo pelo qual se cobre tanto: “eu tenho que estar

sempre estudando. Eu tenho que estar sempre sabendo o que podia ter feito de

melhor, o que deveria ter feito, o que tem de novidade para a gente melhorar”.

Embora se sinta mais madura, Esther encara como fundamental que se

desenvolva algum cuidado com “as emoções do médico”, sugerindo que a psiquiatria

realize reuniões que possibilitem aos médicos relatar suas dificuldades “com a relação

profissional”. Afirma que seria bom ter um ambiente em que fosse possível discutir

sobre o que se sente, as frustações e os caminhos para diminuir o estresse da vida

médica, entendendo que tais demandas estão sendo negligenciadas e até mesmo

esquecidas.

Considera que tem procurado, com o tempo, dimensionar melhor a demanda

de suas atividades e tomado muito cuidado para não se sentir presa às emoções

trazidas pelos pacientes, relatando: “quando eu me sinto afetada emocionalmente, eu

sempre chamo alguém para me ajudar. Eu penso se eu estou tendo a melhor conduta

para a paciente ou se é meu emocional agindo [...]”. E, em razão disso, solicita sempre

o apoio do interconsultor, uma vez que, para ela, a interconsulta é um modo de

partilhar, “outro olhar sobre as necessidades do paciente”, já que, às vezes, se sente

“andando numa corda bamba”. Declara que, na profissão médica, na qual o limite

entre a vida e a morte são separados por uma linha tênue, vive-se em constante

estresse.

Nesses momentos, sinto que quem está tentando equilibrar as emoções sou eu e crio a expectativa de que a presença de um colega isento de emoção sobre o caso possa me trazer o alívio necessário, pelo simples fato de poder me chamar e dizer “vamos conversar, olha o que você está fazendo”. Afinal somos humanos e, como tal, precisamos ser amparados.

Esther enfatiza que é preciso ter com quem dividir os problemas para que se

esteja apto a “entender os sentimentos que surgem na vida profissional e como lidar

com eles da melhor forma”, notando o vazio que se estabelece com o fato de não

existir alguém para conversar com os médicos e os ajudar a falar de suas emoções.

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Análise da Narrativa

Nota-se, na narrativa de Esther, o quanto ela se coloca disponível para resolver

as questões que lhe são trazidas, tanto por seus pacientes quanto por seus alunos,

com os quais acaba construindo um vínculo afetivo. Tende a se sentir responsável por

todos, o que exige que lide com uma carga emocional adicional.

Esther percebe que muitos pacientes lhe conferem o poder de cura, colocando-

a na posição de heroína que tudo suporta. Ela se sensibiliza diante das exigências de

uma atuação heroica, em alguns vezes se deixando contaminar pela imagem sobre

ela projetada e experimentando uma sensação de onipotência que está associada ao

desejo de nunca decepcionar. Todavia, em várias ocasiões, sente-se cansada em

razão de perceber ter sido colocada em seu colo toda a responsabilidade do

tratamento. A dificuldade em atender a todas as exigências que lhe são feitas, acaba

por gerar o sentimento de impotência, ao qual se seguem angústia e decepção

consigo mesma. Nesses momentos, entrega-se à busca de informações, como que

para recuperar a ilusão de onipotência, de estar sempre sabendo. De modo análogo,

ao se sentir solicitada, procura esforçar-se para ser mais competente, cobrando-se

não cometer erros ou falhas. Quando algo foge do esperado, tem que lidar com a

frustração por dias.

Em seus contatos com os pacientes, Esther percebe que a criação de vínculos

se torna inevitável. A dor dos pacientes passa a ser sua dor. Sente-se responsável e

frustrada perante aqueles casos que fogem à sua capacidade técnica. Quando isso

acontece, questiona severamente sua própria capacidade e competência. À medida

que esses questionamentos se exacerbam, ameaçando a ilusão de onipotência, surge

uma raiva contida por não ter sido ouvida nem ter tido suas orientações seguidas.

Embora acredite ter feito o melhor, percebe que as emoções a contagiaram deixando

uma nódoa em seu coração, e precisa de dias para elaborar o descontentamento.

Ao se sentir tocada e desafiada por aqueles pacientes que considera

“impenetráveis”, busca energias internas e se diz “empoderada” para orientar o

paciente a adotar caminhos mais saudáveis. Sua reação, nessas circunstâncias,

parece lhe trazer algum alívio, ainda que, em geral, constitua-se de “discursos vazios”,

ou seja, não leva à solução do problema. Entre a impotência e a onipotência, Esther

se esforça para manejar suas emoções ao ter que conviver com situações em que

seu saber é colocado em prova.

Page 92: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

92

Os frequentes elogios dos pacientes e o olhar de respeito de seus colegas

refletem, para ela, o grau de expectativa que a cerca, e isso a leva a se exigir mais e

mais em termos de eficiência e conhecimentos. Todavia, acredita que, com o tempo

e a maturidade, conseguiu se dar conta de que há limites para sua competência e que

nem tudo é curável. Assim, Esther dá-se o direito de pedir ajuda, pois sente a

necessidade de aprender a lidar com suas emoções, particularmente com a frustação

de nem sempre corresponder às exigências de seus alunos e pacientes. Seu olhar

para o interconsultor é de expectativa e cobrança, pois gostaria que fosse possível

criar um ambiente em que pudessem conversar e trocar ideias e no qual ela viesse a

aprender a lidar com o conflito que a constrange. Implicitamente, Esther expressa o

desejo de identificar as suas emoções e, ao descortiná-las, libertar-se do seu jugo e

conseguir ser mais útil para seus pacientes. Como adverte Byington (2017, p. 61),

“somente a elaboração emocional da verdade, escondida pelas defesas, por mais

dolorosa que seja, é capaz de libertar.”

8.4.2 Hazael – o pensador

Hazael é casado, pai de três filhos e atua no hospital escola há mais de 20

anos. É um médico extremamente ocupado, de olhar sério e postura circunspecta.

Apresenta-se solícito para a entrevista, algo acanhado e introspectivo. Inicia nosso

contato com reticências, escolhendo as palavras cautelosamente. Informa que,

atualmente, divide seu tempo no serviço médico em duas frentes de trabalho, ora

realizando avaliações pré-operatórias, ora lidando com pacientes graves. Relata que

seu trabalho é bastante técnico, com normas e rotinas bem estruturadas, que o

ajudam a aliviar a sobrecarga diária.

Assim, Hazael entende que, em sua atividade, é importante a padronização do

atendimento, para facilitar a tomada de decisão sobre a conduta a ser seguida. Mostra,

todavia, certa ambiguidade ao afirmar que tem “dificuldades de perceber sentimentos

e emoções, falando nesse aspecto, porque tem a rotina que é muito tranquila. A

maioria do tempo passa e você vai se estruturando”. Considera, ainda, com

preocupação, as limitações estruturais do hospital e do país diante do “aumento das

tecnologias e possibilidades de tratamento”, justificando que "isso acaba gerando

muita dificuldade em lidar com as emoções”.

Page 93: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

93

Por trabalhar em um “ambiente tenso”, percebe a dificuldade da equipe diante

de pacientes graves e se diz decepcionado com a falta de apoio da instituição,

principalmente para ajudá-los a lidar com a carga emocional do serviço. Em alguns

momentos, chega a declarar que “a coisa é tão feia que pergunto: ‘meu Deus, onde

estou?’, tamanha a sobrecarga emocional.”

De modo calmo e reflexivo, narra situações de constrangimento e dificuldades

no campo emocional, exemplificando que, certa feita, ao dar a notícia de morte

encefálica para a família do paciente, percebeu sua dificuldade de “ajustar o

sentimento, a emoção”, em uma situação para a qual não se sentia preparado.

Relata dois momentos distintos na lida com os pacientes graves. Em um

primeiro momento, os pacientes se encontram em coma e entubados, a maioria

“inconsciente pela gravidade da doença em si”. Nessas circunstâncias, não se exige

tanta “interação com o paciente”. Num segundo momento, à medida que o enfermo

desperta, passa a ser necessária uma maior interação entre a equipe, o paciente e a

família, como registra:

[...] o paciente, quando está mais consciente e começa a ter muita demanda, dificulta para a equipe e também com a família, porque isso acaba sendo falado para família. Às vezes [o paciente está] em uma situação de delírio e começa a criar uma situação difícil. Uma coisa que gera muita angústia é a relação com a família.

Ao particularizar os atendimentos, Hazael diz que sempre se questiona o que

“poderia ter feito a mais” para melhorar a “assistência médica que vai além” da

“condição técnica”. Alega que sempre procura suprir suas deficiências com o estudo

da literatura médica, na tentativa de superar suas limitações e dar o seu melhor.

O fato de ter dificuldades em “identificar seus sentimentos e emoções” o

incomoda, a ponto de achar que é uma característica sua “sentir que não sente”.

Apesar de perceber sua dificuldade em expressar e lidar com suas emoções, entende

que nem sempre é ruim ter essa característica, uma vez que é muito difícil suportar a

carga, explicitando: “Porque você acaba criando um mecanismo automático de que

‘isso não tem tanta importância porque tem tanto paciente grave, familiares tão graves’

[...] E você acaba minimizando algumas coisas.”

Hazael relata que as situações de estresse se tornam tão comuns,

transformam-se em rotina, o que o leva a colocar as emoções “debaixo do tapete”.

Com isso, torna-se mais difícil perceber o que se sente: “a gente incorpora isso de

Page 94: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

94

uma maneira que nem percebe mais”. De outro lado, Hazael nota que é muito difícil

esquecer os fatos que ocorreram no dia a dia: “às vezes, estou em casa e estou

lembrando alguma situação que aconteceu, alguma fala, alguma coisa que poderia ter

sido feita diferente”.

Conta que se sente sugado durante o tempo em que está no hospital, chegando

em casa muito exausto. Isso tem feito com que se vigie mais durante as consultas, no

intuito de se proteger. Comenta que, diante de pacientes difíceis ou que em sofrimento

psíquico, percebe que “muitas vezes se isola. Um certo isolamento, distanciamento,

dependendo do que a gente sente”, procurando assim, entender o que está sentindo

e evitar qualquer cansaço excessivo.

De maneira geral, sua relação com os pacientes é boa, pois se preocupa em

fazer o melhor, mas confessa sentir-se incomodado diante de pacientes mais

problemáticos: “saber lidar com essa questão das emoções no momento, ali, de uma

forma técnica, eu não acho tão simples.” Nesse sentido, considera ser importante que

exista um programa de treinamento que permita uma maior interação e troca de

experiências entre os médicos, os quais, expondo suas emoções, poderiam “ver que

não é tão diferente, ou ver as diferenças”. Acredita que um grupo de apoio

possibilitaria o compartilhamento da angústia experimentada na relação com os

pacientes, promovendo uma sensação de alívio por não se sentir mais sozinho.

Hazael afirma que parte desse apoio poderia ser oferecido pelo psiquiatra que

faz a interconsulta. Acredita que, com a melhora da comunicação entre os dois

profissionais – o médico solicitante e o interconsultor – o médico, pelo simples fato de

ter alguém para falar de suas angústias e expor suas dúvidas, já obteria algum alívio.

No entanto, percebe que esse encontro não é fácil e diz que “são poucos os

profissionais psiquiatras com quem eu consigo conversar hoje em dia, seja por

afinidade ou confiança, e poder falar com naturalidade sobre as questões que me

afligem”. Embora saiba que não é possível, atualmente, tratar pacientes de forma

isolada, uma vez que a cada dia a “interdependência, o compartilhamento, a

comunicação, essa troca de experiência, tende a facilitar o trabalho e vem a

possibilitar uma melhor maneira de aprender a lidar com a emoção nas relações

interpessoais e com os pacientes”.

Page 95: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

95

Análise da narrativa

Evidencia-se, na narrativa de Hazael, o interesse em ser útil e em melhorar a

assistência prestada como médico. Para tal, tenta manter o controle e seguir padrões

que o ajudem a lidar com as demandas trazidas pelos pacientes. Admite que uma das

maiores dificuldades que enfrenta diz respeito à expressão e compreensão de suas

emoções. Tal percepção o leva a enfatizar a importância de aprender a lidar com sua

afetividade, a fim de melhorar a relação médico-paciente.

Ao narrar suas dificuldades, demostra o desejo de ajustar ou ter um melhor

controle de suas emoções diante de situações que lhe causam desassossego.

Entretanto, a vivência estressante do seu dia a dia o leva a questionar também se um

certo distanciamento não seria a melhor maneira de encontrar alívio e se proteger de

quadros clínicos que envolvem uma intensa carga emocional e o fazem sentir-se

“sugado” e esgotado.

Tempos atrás, eu percebi que chegava em casa mais cansado, em um dia mais exaustivo, em alguma consulta eu saia sugado... Eu tento entender o que está me causando aquilo, qual sentimento está me provocando aquilo.

A lida com o sofrimento tem gerado momentos de conflitos, como no caso em

que luta pela melhora dos enfermos que se encontram em coma, embora saiba que,

ao despertar, eles exigirão um esforço maior, seu e da equipe, para lidar com a

demanda emocional tanto do paciente quanto da família.

Identifica que, muitas vezes, tem levado suas angústias em relação ao que

vivencia no hospital para sua casa, questionando o que fez e refletindo sobre os limites

de sua atuação. Nesses momentos, sente-se angustiado entre o que acredita e o que

de fato pode realizar. Entram, então, em ação mecanismos de defesa, como em uma

tentativa de se eximir do peso da culpa. Assim, por exemplo, atribui à instituição e à

deficiência da estrutura organizacional a responsabilidade pelos obstáculos que o

impedem de lidar mais adequadamente com situações-limite de cunho emocional. A

instituição, em nível simbólico, parece ter se tornado uma metáfora para os limites

internos de Hazael, ainda que não se possam ignorar os problemas reais existentes.

Na tentativa de evitar a dor e os episódios de maior sofrimento, Hazael tem

buscado se isolar e construir uma barreira que o proteja das emoções. Todavia, isso

Page 96: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

96

lhe traz desconforto, uma vez que, desse modo, fica privado de um contato mais

humanizado, contato que acha fundamental para praticar um atendimento médico de

qualidade e não ficar restrito à técnica.

Por mais que tente ter uma visão compreensiva e menos julgadora, nota-se

que, em alguns momentos de extremo estresse, lança mão da ironia e do cinismo

como defesas, questionando a si próprio e ao ambiente de trabalho, como quando diz

“meu Deus! onde estou?”. E, diante da ambivalência entre a vontade de colocar suas

emoções debaixo do tapete e o desejo de identificá-las, Hazael considera o quanto

seria importante um treinamento que o auxilie a entender um pouco mais a dinâmica

emocional em que se vê envolvido nas relações dentro do meio hospitalar. Pontua

que sua “maior dificuldade é em relação as emoções: a de expressar, falar, de tentar

identificar”, acreditando que consegue até percebê-las, mas não lidar com elas.

Conclui, assim, que “talvez seja onde a gente precisaria de um treinamento”.

Angustiado com situações de caráter protocolar, isto é, submetidas a um

número excessivo de regras, mostra-se disposto a pedir o apoio dos colegas

psiquiatras na esperança de que não se prendam às rotinas do hospital, e que a

relação médico-médico, fundamentada na confiança, possa constituir-se no apoio de

que necessita para conseguir entender suas emoções. Enfim, o relato de Hazael deixa

clara a necessidade de o médico compreender melhor aquilo que sente. Para tanto, o

participante sugere que um possível encontro com outros profissionais, em que possa

estar confortável para falar sobre esses temas, faria com que se sentisse mais aliviado

e protegido.

Page 97: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

97

9 DISCUSSÃO

O presente capítulo tem por objetivo discutir os resultados a partir da análise

realizada, relacionando-os com os pressupostos expostos nos capítulos teóricos e

inserindo novas leituras que foram consideradas pertinentes para a compreensão da

solicitação da interconsulta psiquiátrica pelo médico não psiquiatra.

A pesquisa realizada identificou pontos centrais que se entrelaçam e

possibilitam o melhor entendimento da atuação do médico no hospital geral e de seu

relacionamento com os pacientes e com o interconsultor. A seguir, apresentam-se

para discussão três tópicos, cada um correspondente a uma ideia central da análise.

O médico diante das emoções

O contexto do hospital geral, diferentemente da atuação em consultório, exige

que o médico, no exercício de suas atividades, estabeleça relacionamentos de

diversas ordens. O profissional não terá que se relacionar apenas com seus pacientes,

mas também com os familiares, a equipe e a dinâmica de funcionamento da

instituição. Se, como aponta Kast (2017), a emoção viabiliza a regulação de todo

relacionamento humano, devemos esperar que relações tão diversas mobilizem

diferentes afetos e, eventualmente, conflitos de várias naturezas. As entrevistas

permitiram compreender alguns dos aspectos afetivos do exercício da profissão

médica no ambiente do hospital geral, as estratégias utilizadas para o manejo dos

relacionamentos dentro da instituição e o papel atual e esperado do interconsultor

psiquiatra.

Para os participantes deste estudo, a escolha da profissão derivou do desejo

de curar e ajudar, motivação essa também mencionada nos estudos de Zaher (1999)

e Millan et al. (1999). Vale notar, entretanto, que o exercício da medicina aparece

revestido da aura de uma missão, um propósito imperativo, uma entrega heroica que

os leva, muitas vezes, a querer resolver o que não lhes cabe diretamente Em razão

da carga de afetos que transparece nos relatos obtidos, é possível supor, do ponto de

vista da psicologia analítica, que se possa simbolizar o arquétipo do “curador ferido”

(GUGGENBÜHL-CRAIG, 2004), aquele que, ao cuidar, também cicatriza as próprias

feridas.

Page 98: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

98

Os entrevistados declararam sentir-se estimulados e alegres diante da melhora

de seus pacientes. O sentimento de realização profissional é, todavia, algumas vezes,

ameaçado pelo conflito que existe entre a vontade de oferecer um bom atendimento

médico e a insegurança e o estresse que decorrem das condições de trabalho

vigentes.

Dentre os fatores promotores de insegurança, os médicos apontaram a

“judicialização” da medicina. De fato, Vasconcelos (2012) indica que o receio de ser

acusado em processos por falha médica tem resultado no recrudescimento da assim

chamada “medicina defensiva”. Minossi e Silva (2012) pontuam que o

encaminhamento de pacientes a outros especialistas passou a ser uma prática

comum. Assim, diante de queixas que não são de sua área de atuação, ou quando há

incerteza quanto ao diagnóstico e/ou tratamento recomendado, os médicos evitam se

comprometer e solicitam avaliação especializada, sobrecarregando os serviços

médicos e, em certa medida, afetando a relação médico-paciente.

A constante sobrecarga profissional foi um dos pontos relacionados à prática

da medicina no hospital geral e apontados como fator de angústia e estresse. A

excessiva jornada de trabalho e a necessidade de atualização constante foram

mencionadas pelos participantes como elementos que contribuem para que os

médicos se sintam, frequentemente, exaustos. O trabalho extenuante tem sido

apontado por autores (EDELWICH; BRODSKY, 1980; SHANAFELT, 2003;

PECKHAN, 2015) como fonte de estresse emocional caracterizado pela falta de

energia e de entusiasmo associada ao sentimento de frustação e tensão, estados

esses que impactam negativamente a qualidade do atendimento aos pacientes.

Os entrevistados declararam que, diante da grande demanda existente,

enfrentam alguns dissabores relacionados à instituição e à população atendida, tais

como a burocracia que trava o atendimento, a morosidade em conseguir os recursos

que possibilitam o diagnóstico e o tratamento, a dificuldade em lidar com a gestão

hospitalar, as condições sociais relacionadas à carência de recursos básicos, a falta

de um ambiente acolhedor que permita a troca de informações e o favorecimento de

estados propícios de relacionamentos. Confirma-se o trabalho de Botega, quando este

identifica que, quando o médico tem sua capacidade de curar abalada, sente-se

atingido em sua autoestima e pode acusar a impotência advinda da “instituição” ou do

“paciente”, defendendo-se de uma frustação (BOTEGA, 1989).

Page 99: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

99

Em geral, os participantes mencionaram experimentar situações de ansiedade

e dificuldade em lidar com emoções. O modo como foi relatado o relacionamento que

mantêm com os pacientes deu provas de que esse não é um tema fácil. Mesmo que,

no decorrer da entrevista, os médicos tenham aparentado estar mais confortáveis, foi

com hesitação que abordaram, inicialmente, o assunto.

Não parece ser o caso de os entrevistados não reconhecerem que os

sentimentos são parte do relacionamento médico-paciente. Ao contrário, muitos têm

clareza das emoções em jogo, sendo elas fonte ora de satisfação, ora de desconforto

ou desagrado. Consideram, todavia, ser importante exercer o devido controle sobre o

que sentem, de modo a não comprometer o atendimento e manter a objetividade

requerida na situação. Alguns profissionais indicaram que, com o tempo de profissão,

adquiriram uma certa maturidade de modo a serem menos influenciados pelas

emoções. Em muitos casos, isso significa ter condições de estabelecer a escuta

adequada à compreensão das necessidades apresentadas pelos pacientes sem

perder a objetividade requerida para a tomada de decisões sobre a melhor conduta a

seguir.

Dentre as emoções agradáveis reconhecidas pelos participantes, estão

aquelas que surgem no atendimento a pacientes que se mostram afetuosos e gratos,

levando o médico a se sentir querido e valorizado. De outro lado, as emoções mais

desagradáveis e penosas decorrem da sensação de impotência e frustração diante

de casos mais difíceis que não respondem ao tratamento preconizado ou de pacientes

que não reconhecem nem valorizam o esforço realizado pelo médico, e daqueles que

se fecham e não contribuem para que uma relação efetiva se estabeleça.

Contudo, foram observados casos em que a estratégia de controle utilizada

implica o que pode ser entendido como repressão ou negação dos afetos vividos. Tal

observação corrobora as conclusões de Castelhano e Wahba (2019), que também

identificaram uma atitude constante no meio médico de evitar entrar em contato com

as emoções, na tentativa de preservar uma postura “profissional” e “objetiva” durante

o diagnóstico e tratamento. Vale lembrar que a tentativa de negar o que é sentido não

leva ao desaparecimento dos afetos, os quais permanecem, ainda que de maneira

inconsciente, influenciando percepções e comportamentos. Pode-se levantar,

inclusive, a hipótese de que o esforço empreendido para manter o afastamento, que

consideram ser uma proteção necessária contra o contágio emocional, contribuiria,

em parte, para a exaustão que muitos médicos experimentam. Como afirma Jung

Page 100: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

100

(1935/2016g), as emoções, elemento essencial de todo relacionamento humano,

podem ser contagiosas e de difícil manejo.

Outra circunstância que torna ainda mais complexa a experiência emocional

vivida pelo médico diante do paciente diz respeito ao processo transferencial. Para

Jung (1957/1987), ao se relacionarem, médico e paciente o fazem como pessoas

inteiras, ou seja, não apenas a relação se dá na dimensão consciente, mas envolve,

também, aspectos inconscientes. Em razão das posições que ambos ocupam –

aquele que pode oferecer alívio e outro que está fragilizado – a projeção de conteúdos

tende a se tornar inevitável, despertando emoções por vezes intensas. A díade vê-se,

assim, envolvida em uma troca afetiva, sobre a qual o médico não consegue exercer

o controle de que gostaria. Balint (1988) vê a dinâmica relacional médico-paciente

como o resultado do compromisso entre as “ofertas” e exigências dos pacientes e as

respostas dos médicos. É importante, todavia, enfatizar que nem as exigências dos

pacientes nem as respostas do médico são inteiramente conscientes. As emoções

experimentadas pelo profissional, na contratransferência, quando não submetidas a

algum tipo de reflexão, contribuiriam para que se criem situações de conflito, e

levariam o médico a se sentir como que submetido a uma força desconhecida que

impacta sua capacidade de lidar com o paciente e/ou tomar as decisões que, em um

estado menos afetado, consideraria como as mais adequadas.

Outro aspecto a ser considerado diz respeito à necessidade de controle que

transparece nos relatos dos entrevistados, não apenas em relação às suas próprias

emoções, mas também em relação ao próprio paciente. Assim, são fonte de satisfação

aqueles pacientes que se mostram afetuosos e gratos, enquanto na outra ponta do

espectro existem os que se mostram “difíceis” e “blindados”. Tal atitude, que deixa

implícita uma “vaga, mas quase inabalável ideia” (discurso de participantes) sobre a

maneira com que o paciente tem que se comportar quando doente, denota em parte

aquilo que Balint (1988) chamou de função apostólica do médico. Do ponto de vista

da psicologia analítica, é possível supor que, quando o médico, sem se dar conta,

assim interpreta a realidade do seu ofício, estaria unilateralmente identificado com

um dos polos da função simbólica arquetípica do “curador ferido”, negando sua própria

vulnerabilidade. De um lado, tal identificação contribui para reforçar um complexo de

poder, que pode mesmo vir a ser alimentado pelos conteúdos projetados pelo paciente

na transferência. De outra parte, a negação da vulnerabilidade promove uma cobrança

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101

interna intensa e estressante, exigindo sacrifícios, tolerância às inúmeras frustrações

e dedicação exaustiva à profissão.

Em tese, quando o médico deixa de se atentar para sua ferida, impede a

conscientização dos próprios complexos, conscientização essa que facilitaria que ele

se colocasse no lugar dos seus pacientes e adotasse uma atitude mais humilde. Com

isso, possivelmente, novas perspectivas sobre o tratamento poderiam surgir.

Deve-se levar, em conta, ainda, que os pacientes, na atualidade, não aceitam

a posição de submissos e procuram informações acerca de sua doença, isto é, relutam

em atribuir ao médico a onipotência que talvez tenha sido, no passado, uma

expectativa associada a esse profissional.

Os motivos para a interconsulta

Segundo Smaira e Kerr-Corrêa (2009), dentre as atividades da psiquiatria no

hospital geral encontra-se a interconsulta, que consiste basicamente na presença de

um médico psiquiatra em uma unidade ou serviço médico geral atendendo à

solicitação de um colega de outra especialidade para seu paciente. A interconsulta é

vista como uma atividade interprofissional e interdisciplinar, que possibilita ao

profissional interconsultor transitar em vários setores do hospital respondendo aos

mais diversos pedidos de interconsulta. Esse é um entendimento que também surge

nos depoimentos dos participantes deste estudo.

Em razão de possuir trânsito livre em várias clínicas e poder agir de forma

autônoma, o interconsultor, de acordo com Ferrari et al. (1979), tem a possibilidade

de ser um observador participante e de realizar uma “radiografia institucional”, que

revela aspectos não explícitos do funcionamento da organização. A leitura analítica

das circunstâncias que desencadearam a interconsulta permite o entendimento do

que está acontecendo em torno do paciente, facilitando uma abordagem

biopsicossocial das causas do adoecimento e das características do atendimento

prestado. Essas possibilidades, todavia, parecem não estar claramente delineadas

para os entrevistados nesta pesquisa.

Os médicos participantes nem sempre conseguiram indicar qual seria o

momento e a situação adequada para solicitar a interconsulta, nem até que ponto as

relações acima mencionadas mereceriam ser melhor investigadas. O baixo nível de

encaminhamento é referido por Fraguas, Lucia e Martins (2011) quando apontam que,

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102

apesar 10 a 30% dos pacientes internados em hospital apresentarem algum

transtorno psiquiátrico, apenas 1,5% dos casos são encaminhados à psiquiatria.

Aparentemente, os participantes com mais frequência lançam mão da

interconsulta, considerando-a de suma importância, naqueles casos clínicos para os

quais não se sentem tecnicamente preparados. Isso acontece, por exemplo, perante

a necessidade de um diagnóstico diferencial entre quadros de etiologia orgânica e

aqueles em que os conteúdos psicológicos parecem predominar; a não melhora de

pacientes crônicos a despeito do tratamento administrado; e pacientes com distúrbios

de comportamento que mobilizam toda a equipe. Um caso que se sobressai, dentre

os relatados, é o de um dos profissionais entrevistados que, ao fazer o

encaminhamento, na verdade, teve como finalidade obter a chancela do interconsultor

para o diagnóstico que fizera inicialmente. Notou-se na presente pesquisa que a

solicitação da interconsulta pode ocorrer para aplacar a insegurança do médico e

como meio de dividir a responsabilidade por eventual erro de avaliação, configurando

aquilo que Balint (1988) intitulou de conluio do anonimato.

Todos os entrevistados apontaram as dificuldades envolvidas no atendimento

a pacientes com distúrbios psicológicos e transtornos mentais (transtorno de humor e

de ansiedade e psicoses); doenças crônicas, psicossomáticas ou oncológicas; que

tenham tentado suicídio ou sejam dependentes químicos, os quais acabam sendo

encaminhados ao psiquiatra interconsultor.

A interconsulta também parece ser utilizada como medida que pode reduzir o

sofrimento emocional do próprio médico. Alguns dos entrevistados relataram que

fazem a solicitação ao se sentirem perturbados emocionalmente pelos atendimentos

que realizam, como naquelas ocasiões em que se deparam com casos clínicos em

que o sofrimento psíquico se sobrepõe à dor física ou quando o paciente é de difícil

manejo e não adere ao tratamento. Há ainda situações em que as exigências

emocionais do paciente ou a natureza da enfermidade suplantam a capacidade de

resposta do médico o que promove angústia e sensação de impotência (BALINT,

1984).

A sensação de impotência também se faz presente diante da possibilidade ou

da realidade da morte que frustra os esforços heroicos do médico e exige que ele

comunique à família do paciente a falta de perspectivas ou o desenlace fatal. Ao

manejar esses casos insolúveis e de difícil comunicação, os médicos participantes

percebem-se afetados e contaminados pela frustação. Sentindo-se pouco preparados

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103

ou incapazes de lidar com a dor da perda que invade os familiares envolvidos,

solicitam o apoio do interconsultor. Esses depoimentos corroboram as observações

de Nogueira-Martins (2005) que aponta que muitos profissionais da saúde mental são

solicitados a acompanhar casos em que as comunicações se tornam dolorosas.

A família é um elemento importante no relacionamento médico-paciente ainda

em outras circunstâncias, cabendo ao médico também envidar esforços no sentido de

responder às dúvidas que os familiares do paciente trazem. Esse é, para os

participantes, um fator de estresse, pois, muitas vezes, a relação com o familiar é

pontuada por questionamentos e cobranças. Desse modo, os entrevistados relatam

que a solicitação da interconsulta teria como finalidade obter o apoio necessário para

tranquilizar a família do enfermo, auxiliando o médico a compreender as reações que

surgem e a oferecer a resposta mais adequada. Noto (2003) e Carvalho e Lustosa

(2008) concordam que esse seria também um dos papéis do interconsultor, quando

preconizam que a necessidade de apoio à família, nesse momento em que um de

seus membros se encontra hospitalizado, deve ser oferecida pelo interconsultor,

auxiliando a família a adquirir a continência necessária para que a relação médico-

paciente ocorra de maneira satisfatória

Outro motivo para solicitar o apoio do interconsultor, de acordo com os

entrevistados, envolve dilemas éticos (NOGUEIRA-MARTINS et al.,1991), ou seja, a

dificuldade de tomada de decisão naqueles casos clínicos que são cercados por

questões para as quais não existe uma resposta correta. Segundo os participantes,

dilemas éticos surgem naquelas situações – entre outras – em que o paciente não

aceita seguir o tratamento, quando se faz necessário avaliar a manutenção de

pacientes em estados graves ou decidir em relação a procedimentos de riscos, e

perante a exigência de um tratamento cujos objetivos são difíceis de serem

alcançados.

O médico e o interconsultor – A relação médico-médico

O relato de alguns médicos participantes dá a entender que o psiquiatra é

idealizado como aquele que tem o pleno domínio de suas emoções e completo

conhecimento sobre si mesmo e sobre os determinantes psicológicas em geral.

Entretanto, essa não é uma ideia amplamente difundida entre os entrevistados, uma

vez que também houve depoimentos que refletiram a desconfiança em relação à

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104

capacidade de compreensão interconsultor, visto como um profissional que privilegia

a administração de medicamentos em detrimento do diálogo com os pacientes

encaminhados. Esses depoimentos estão de acordo com os estudos de Amorim

(2014) que indica que o interconsultor pode ser tão divinizado quanto demonizado.

Se, de um lado, é requisitado por possuir um saber não dominado pelo médico não

psiquiatra, de outro, pode vir a ser severamente criticado quando não oferece as

soluções esperadas.

Na experiência dos entrevistados no hospital de clínicas onde trabalham, a

comunicação foi apontada como o “calcanhar de Aquiles” da relação médico-médico

estabelecida com o interconsultor. O diálogo é pouco frequente e os profissionais se

comunicam por escrito. Os participantes, muitas das vezes, encontram problemas em

transpor para o papel aspectos que julgam importantes para a compreensão do que

aflige o paciente e das interferências emocionais envolvidas no atendimento, o que

pode ser mais uma expressão da sua própria dificuldade no campo das emoções.

Referem receber respostas não satisfatórias da parte do interconsultor caracterizadas

pela frieza e, algumas vezes, por um conteúdo pouco claro ou incompreensível.

Apesar de reconhecerem que, no contexto hospitalar, o registro escrito de avaliações

e pareceres é de suma importância para o resguardo do paciente e proteção do

médico, a maioria dos médicos participantes entende que, quando a comunicação se

limita aos prontuários, a relação com o interconsultor se torna protocolar e distante,

pouco contribuindo para o aclaramento das situações e das experiências que cercam

a relação médico-paciente.

Outros pontos, que parecem ter um caráter mais institucional, foram levantados

como empecilhos ao estabelecimento de um relacionamento mais efetivo com o

interconsultor, como o difícil acesso ao serviço de interconsulta e a demora do

atendimento pelo médico psiquiatra. Os participantes observam que a grande

demanda e a falta de profissionais em número suficiente são responsáveis por tal

situação. Ainda que entendam essa dificuldade, tais obstáculos frustram as

expectativas com relação à atuação do interconsultor que, no entender dos

entrevistados, deveria estar disponível no momento em que fosse necessário, uma

vez que do seu parecer depende a conduta a ser adotada.

A espera pela continuidade do atendimento, por sua vez, acirra a ansiedade do

paciente, que começa a exigir do médico maior celeridade na condução do caso.

Sentindo-se pressionado, o médico vê sua frustração aumentar ocasionando

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105

sentimento de desamparado e irritação, o que tende a diminuir a sua capacidade de

tolerância diante das exigências do paciente e, desse modo, compromete o

relacionamento médico-paciente.

Diante desse contexto mais amplo, no qual a relação médico-médico sofre a

interferência de dificuldades relacionadas à gestão hospitalar e ao modo estabelecido

de comunicação entre os profissionais, os médicos procuram valer-se de outros

caminhos para contornar os obstáculos e assegurar que, de um lado, serão atendidos

em suas solicitações de interconsulta e, de outro, receberão o apoio desejado. Dessa

maneira, procuram fazer os encaminhamentos necessários para aqueles

especialistas pelos quais sintam afinidade e que sejam, no seu modo de ver,

confiáveis.

Diante do cenário descrito de dificuldades relativas à instituição e aos conflitos

no relacionamento com colegas, pacientes e familiares, dificuldades essas que

acarretam dúvidas e mobilizam emoções desagradáveis, muitos participantes

esboçaram o interesse em aprofundar seus conhecimentos e realizar um treinamento,

com o apoio do interconsultor, para entender melhor as causas do sofrimento psíquico

dos seus pacientes e o que acontece nas suas relações com eles. Sob esse aspecto,

é importante lembrar Balint (1988) quando esse autor indica a necessidade de os

médicos ampliarem a sensibilidade ante os processos que se desenrolam, consciente

ou inconscientemente, quando se encontram com seus pacientes. A mesma postura

era orientada por Jung (1929/2016i, par. 170): “que o médico também se transforme

para ser capaz de transformar o doente”. Promover tais atitudes se torna uma das

tarefas prioritárias do interconsultor que é a de capacitar o médico assistente a ampliar

as condições psicológicas de auxiliar o seu paciente.

Page 106: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

106

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A interconsulta psiquiátrica é uma subespecialidade relativamente nova na

medicina, com apenas 80 anos de existência. Sua presença nos hospitais gerais

reflete uma nova visão da psiquiatria e cria oportunidades para o ensino e a pesquisa

no espaço de intersecção entre essa e as demais áreas médicas. Estudá-la foi o

objetivo deste trabalho, que se propôs a compreender a solicitação da atuação do

interconsultor pelo médico não psiquiatra e a identificar, também, as emoções

relatadas pelos médicos dentro do contexto hospitalar e na sua relação interpessoal

com os pacientes e com o próprio interconsultor.

Não houve contratempos para encontrar os participantes, uma vez que, aos

olhos dos médicos, a relação com pacientes em sofrimento psíquico no hospital geral

tem exigido uma perspectiva multidisciplinar e a contribuição de profissionais de várias

especialidades, particularmente do interconsultor psiquiátrico. O interesse dos

participantes em colaborar para a pesquisa possibilitou a aplicação do instrumento

escolhido e o alcance dos objetivos propostos, contribuindo para ampliar a

compreensão da atividade da interconsulta em sua interface com a medicina.

Considera-se que a pesquisa se mostrou relevante uma vez que que abriu um

espaço para que o médico não psiquiatra expusesse como se sente ao se relacionar

não apenas com pacientes em sofrimento psíquico, mas também com todo o contexto

ao seu redor: instituição, famílias e os próprios colegas médicos. A narrativa dos

médicos possibilitou a identificação de um profissional que se emociona, embora nem

sempre compreenda o que está sentindo diante dos desafios relacionais da sua

profissão.

No que se refere à profissão do médico, percebe-se que, com a perspectiva de

auxiliar o paciente em seu sofrimento, o médico, na qualidade de cuidador, defronta-

se com novas circunstâncias, em que a sua autoridade e saber têm sido questionados.

A crescente judicialização da medicina e a excessiva carga de trabalho foram pontos

levantados suscitando a necessidade de os médicos refletirem acerca do papel

profissional. É como se os médicos participantes vivessem em uma corda bamba,

receosos de terem uma queda que venha a arranhar o seu saber e colocar em dúvida

sua capacidade.

A instituição na qual atuam foi apresentada como cumpridora da vários papéis

sociais perante uma clientela carente de necessidades básicas, sendo marcada por

Page 107: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

107

aspectos conflitantes uma vez que o ideal de cura nem sempre pode ser alcançado

em razão de problemas de cunho social. A burocracia e a presença de normas

explícitas e implícitas foram apontadas como desfavoráveis para o bom desempenho

assistencial, inviabilizando, por vezes, o atendimento das necessidades dos que

buscam a instituição.

É nesse universo multifacetado que o médico se relaciona com seus pacientes.

As emoções que sente interferem, muitas vezes, no modo como desempenha sua

atividade e toma decisões, o que promove angústia e sofrimento. Se é possível que,

em um primeiro momento, o médico se distancie, procurando “nada sentir”, em um

segundo momento percebe a necessidade de pedir ajuda para obter alívio e encontrar

alguma solução para a situação conflitiva em que se encontra diante de seu paciente.

Assim, o interconsultor psiquiátrico surge na relação médico-paciente não

apenas para ajudá-lo no trato da enfermidade do paciente, mas também para socorrê-

lo nos problemas de relacionamento que possam ocorrer com o paciente, a instituição

ou os familiares. Assume a função auxiliar no manejo de conflitos, diminuindo os

bloqueios da relação médico-paciente e ajudando o médico responsável a fortalecer

o vínculo com o enfermo de quem está cuidando. Além disso, o presente trabalho

sugere que, do ponto de vista dos médicos participantes, a intervenção do

interconsultor é fundamental para uma visão interdisciplinar do paciente.

Considerando-se esses vários aspectos, é possível afirmar que a interconsulta

psiquiátrica contribui para que cada caso seja abordado de forma integral.

Segundo os participantes, o maior empecilho na execução da proposta do

interconsultor reside no campo da comunicação entre os profissionais da área,

comunicação essa que é percebida como precária e tênue, o que requer que sejam

divisados modos de aprimoramento dos contatos estabelecidos e da relação médico-

médico. A necessidade de uma aproximação maior, com a criação de ambientes

acolhedores que possibilitem encontros entre a equipe médica, foi aventada como

salutar para troca de experiências e proposição de soluções que venham a reduzir o

montante de dificuldades de natureza organizacional, desse modo contribuindo para

o bom funcionamento da instituição.

No campo de interface medicina-psicologia clínica, particularmente a psicologia

analítica pode contribuir na medida em que oferece uma compreensão funcional do

inconsciente e das manifestações dos complexos afetivos, possibilitando aos médicos

uma mudança no modo como veem a si próprios e na forma como atuam

Page 108: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

108

profissionalmente. A aproximação da psicologia analítica com a medicina facilitaria a

construção de estratégias de ação do médico interconsultor como facilitador do

atendimento médico-paciente.

As limitações desta pesquisa relacionam-se ao pequeno número de

participantes e ao fato de ter sido conduzida em uma única instituição hospitalar.

Desse modo, há que se considerar os resultados com a cautela necessária para que

se evitem generalizações indevidas. O estudo mostrou-se, entretanto, válido na

perspectiva de uma pesquisa empírica de natureza qualitativa, tendo possibilitado

inferir a relevância do psiquiatra-interconsultor para uma abordagem biopsicossocial

do paciente no ambiente de hospital geral.

Sugestões de futuros encaminhamentos anteveem a criação de um espaço no

hospital que possibilite o encontro entre os profissionais para a troca de experiência

e, oportunamente, a criação de grupos focados no entendimento dos processos

contratransferenciais, o que facilitaria o aprimoramento da equipe na relação com os

pacientes. Outra medidas a serem levadas em consideração seriam: o emprego da

interconsulta como ferramenta de pesquisa focada na relação médico-paciente; a

discussão de técnicas de manejos; a abertura de um canal para apoiar os médicos

nos momentos de conflitos; o aprimoramento da comunicação entre interconsultor e

médicos e a reestruturação do serviço de interconsulta para que as necessidades do

médico, profissionais, pessoais e relacionais, possam ser mais rápida e

adequadamente atendidas.

A pesquisa ressaltou a função do interconsultor que vai além do especialista

psiquiátrico, para realçar a interconsulta como atividade que, ao trabalhar o

relacionamento médico-paciente, viabiliza a humanização e integralidade do

atendimento dentro do meio hospitalar.

Page 109: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

109

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Page 116: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

116

APÊNDICE A – Folheto de Divulgação de Pesquisa

CONVITE

PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA

A mão que alivia e a dor da escuta:

a interconsulta sob o olhar da Psicologia Analítica.

Sou psiquiatra clínico e mestrando pela PUC-SP. Estou desenvolvendo uma pesquisa

com o objetivo de investigar os motivos que levam os médicos a solicitarem

interconsulta e identificar as emoções que os médicos relatam no relacionamento

interpessoal com os pacientes encaminhados ao psiquiatra.

Se você é médico no Hospital e já solicitou interconsulta psiquiátrica e se dispõe a

ajudar nesta pesquisa, entre em contato comigo.

Caso você conheça algum colega que se encaixe nesse perfil, transmita a ele este

convite e solicite que entre em contato comigo.

A participação é sigilosa, voluntária e gratuita.

As pessoas que desejarem colaborar participarão de uma entrevista individual, com

duração aproximada de 60 minutos.

Sua participação é muito importante para ampliar a compreensão da relação médico-

paciente e fomentar futuros estudos na área.

Muito obrigado.

Informações: (034) 991288704

Pesquisador: Carlos Luis Melo Bichuetti

E-mail: [email protected]

Orientadora: Profa. Dra. Liliana Liviano Wahba

E-mail: [email protected]

Page 117: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

117

ANEXO A – Termo de compromisso do pesquisador responsável

Page 118: Carlos Luís Melo Bichuetti A mão que alivia e a dor da

118

ANEXO B – Liberação do responsável pela instituição

Uberaba,21 de novembro de 2017

Da Superintendência do Hospital ...

Prof. Dr.......

Ao Comitê de Ética em Pesquisa da PUC- SP

Assunto: Declaração de Autorização

Declaro que tenho ciência e conhecimento da pesquisa proposta, por Carlos Luis

Melo Bichuetti, intitulada A Mão que alivia e a dor da escuta. (Pesquisa qualitativa sobre os

pedidos de interconsulta: um olhar da Psicologia Analítica). Cujo objetivo é investigar os

motivos que levam os médicos a solicitarem interconsulta e identificar as emoções que os

médicos relatam no relacionamento interpessoal com os pacientes encaminhados ao

psiquiatra. Tendo ficado claro que a pesquisa será realizada com médicos do Hospital, por

meio de entrevistas como parte da metodologia proposta para alcance dos objetivos

propostos no projeto da pesquisa.

Ciente que esta autorização é indispensável para a submissão do projeto junto ao

Comitê de Ética em Pesquisa da PUC- SP, órgão responsável pela apreciação ética em pesquisa

com seres humanos.

Autorizo a realização da pesquisa no âmbito do Hospital.

Atenciosamente,

_____________________________________ ________________________________

Local e Data

Superintendente e Responsável pela instituição.

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ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido

ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido

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ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido – cont.

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ANEXO D – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética

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ANEXO D – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética – cont.

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ANEXO D – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética – cont.