memory pack - supercontrole · 2 1. suikoden olá pessoal, aqui é o netus, e vamos falar de jogos...
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Arquivo de Reviews – Memory Pack/Super Controle Podcast (por Netus)
Sumário
1. Suikoden ......................................................................................................................... 2
2. Suikoden II ....................................................................................................................... 6
3. Suikoden III ...................................................................................................................... 9
4. Suikoden IV ................................................................................................................... 12
5. Suikoden V .................................................................................................................... 15
6. Top Gear (série) ............................................................................................................. 19
7. Breath of Fire ................................................................................................................. 23
8. Armored Troopers VOTOMS (PS2) .................................................................................. 28
9. Breath of Fire II .............................................................................................................. 33
10. Breath of Fire III ........................................................................................................... 38
11. Back to the Future: The Game ...................................................................................... 43
12. Breath of Fire IV ........................................................................................................... 47
13. Breath of Fire: Dragon Quarter ..................................................................................... 52
14. Carnage Heart (PSX, PSP) .............................................................................................. 57
15. Live A Live .................................................................................................................... 62
16. Growlanser (série)........................................................................................................ 67
17. A série SRW Alpha (PSX) ............................................................................................... 72
18. A série SRW Alpha (PS2) ............................................................................................... 78
19. Grand Theft Auto, GTA 2 .............................................................................................. 83
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1. Suikoden
Olá pessoal, aqui é o Netus, e vamos falar de jogos antigos, outros nem tanto, nessa nova
coluna, a Memory Pack. O que é uma ironia, já que não devo falar de jogos de N64, mas soa
melhor que Memory Card... Basicamente vou recomendar jogos pro pessoal, mais antigos,
subestimados ou obscuros, e dando uns pitacos no meio do caminho.
E, pra começar, nada melhor que uma das melhores séries de RPG já feitas, com os cinco
títulos da série Genso Suikoden! Hoje falamos do primeiro jogo, dando uma olhada no
panorama da série em geral, por isso vai ser um pouco mais comprido. O foco é apenas nos
jogos de console, que compõem a cronologia clássica, que já é mais antiga e está num hiato
desde 2006. Então, nada de Tierkreis.
Suikoden I foi um dos primeiros jogos de PSX, que saiu em 1995, e parece um jogo de SNES
com gráficos melhorados, então a jogabilidade é um pouco sofrida para o padrão atual... aliás,
como todo mundo sabe o início do desenvolvimento do PSX foi como um periférico de SNES...
o Suikoden teria sido planejado para o famigerado SNES CD? Mistério.
A coisa mais marcante da série, certamente, e que todo mundo já ouviu falar, é a enorme
quantidade de personagens recrutáveis. Todo Suikoden se baseia em uma lenda chinesa das
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108 estrelas, envolvendo recrutar 108 heróis para um fim específico, geralmente obter o final
“bom” dos jogos. Até pode ocorrer de haver mais de 108 personagens disponíveis. E essa
quantidade absurda de personagens tem a ver com a segunda característica comum à série:
sempre há uma grande guerra como eixo central do enredo, e em algum momento o grupo se
estabelece em um tipo de fortaleza/base de operações. Assim, a função dos personagens é
variável, de soldados, generais e guerreiros para o combate a donos de hotel, lojas e demais
funcionalidades da base.
A terceira característica deriva da segunda: todos os jogos apresentam três sistemas de
combate: o bom e velho combate em grupos (à la Final Fantasy, com encontros aleatórios, o
que mais se usa ao longo dos jogos), duelos (que funcionam em um estilo de pedra-papel-
tesoura, sempre no mano a mano) e grandes combates entre exércitos (o que mais evoluiu ao
longo dos jogos, também no estilo pedra-papel-tesoura no I até a movimentação em tempo
real de V). A engine de combate é praticamente a mesma em todas as versões. O grupo de
personagens fica “de costas” para a tela, e vemos os inimigos de frente. Selecionam-se então
as ações variadas, e tudo é executado em sequência, por turnos – não há ATBs ou coisa
parecida. Existem duas características comuns a todos os jogos: uso de magias e ataques
combinados. De maneira diferente da maioria dos RPGs, a magia depende de runas equipadas
no personagem, e tem um número limitado de usos, o que aumenta a importância da
estratégia ao longo do jogo. Já as combinações são ataques que envolvem mais de um
personagem, como em Chrono Trigger, mas são de uso ilimitado (apesar de algumas causarem
efeitos negativos). Os personagens não trocam de armas ao longo do jogo – cada um possui
uma específica, e a melhora de seu ataque se dá levando o personagem a um mestre de armas
(vulgo ferreiro) que aumenta o nível delas. Os únicos itens que variam são armaduras,
capacetes e itens diversos.
Só por isso Suikoden já tem um ar bem característico, mas o seu maior charme é o de criar
uma mitologia própria. Todos os jogos se passam no mundo introduzido no jogo original, em
uma mesma continuidade, havendo inclusive personagens recorrentes e referências internas
nos jogos posteriores. O visual também é diferenciado: cenários e personagens costumam ser
bem variados e têm um apelo visual mais "oriental", variando um pouco o estilo "medieval
europeu" tão comum em RPGs.
Como dissemos, os jogos seguem a lenda chinesa das 108 estrelas do destino. Cabe ao
protagonista, a estela Tenkai, buscar pelas demais com a finalidade de completar seu destino.
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No caso, o Tenkai se chama Tir McDohl (apesar desse nome ter sido definido depois, em
manuais e drama-CDs – os heróis da série são sempre “protagonistas silenciosos”, e não tem
um nome pré-definido no jogo). Tir é o filho de um renomado general Teo McDohl, do Scarlet
Moon Empire. Junto de seu amigo Ted, em uma missão percebe o quanto o povo se tornou
infeliz por conta da corrupção e maus-tratos da aristocracia e acaba, após uma série de
eventos desastrosos, se unindo a uma organização rebelde e tomando posse de uma runa
mística, a Rune Life and Death (ou Soul Eater). Cabe aqui outra explicação do universo do jogo,
sobre as 27 True Runes. São as runas mais poderosas do jogo – mas exigem um preço alto:
tornam o usuário imortal, e sempre trazem consigo o fardo da infelicidade para seus
“hospedeiros” – o termo original, “bearer”, carrega muito bem esse significado de sofrimento.
Esse é um tema comum a todos os jogos, e até o V já apareceram 18 True Runes. Enfim, é claro
que existe algo por trás dessa guerra civil, e ao longo de sua jornada Tir enfrenta muitos
dilemas, desafios, tragédias, e encontra novos aliados e inimigos.
A história é relativamente simples, mesmo por causa dos diálogos curtos, mas a riqueza do
cenário, o carisma e variedade dos personagens trabalham a favor do enredo. Não é difícil
simpatizar com Tir e seus amigos ao longo do jogo, enfrentando escolhas terríveis. Claro que
clichês não faltam, mas bem-trabalhados, e que enriquecem a experiência. Mesmo que não
fosse boa, apenas por ter iniciado essa saga e criado um mundo próprio, com uma mitologia
vasta e envolvente, a história de Suikoden mereceria ser conferida pelos fãs do gênero.
O grande problema do jogo em si é ser bastante datado, infelizmente. Apesar da boa trilha
sonora, os gráficos são simples demais para o PSX, e a jogabilidade é limitada, o que
certamente ai afastar os jogadores mais novos ou causais. Ainda assim, não é algo que
comprometa a diversão – fora o incômodo de ter que equipar uma runa especificamente para
fazer o personagem correr pelo mapa (defeito felizmente sanado nos jogos seguintes) É meio
irritante estar andando pelas masmorras sem ter a opção de correr, como é normal em RPGs.
Fora isso, é um jogo simples, de rápida compreensão, e não seria exagero dizer que se trata de
um excelente jogo para iniciantes em RPGs. Além disso, o tempo total de jogo não chega a 20
horas, mesmo debulhando todos os segredos, então não é complexo nem demorado demais.
Vale a pena conferir.
Então, a quem recomendar?
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Jogue se: já jogou outro jogo da série; for fã de RPG, boas histórias, gostar de mitologias
complexas, combates entre exércitos ou tudo isso junto; não se importar com um sistema
antigo ou gráficos 2d; tiver afinidade por exércitos rebeldes.
Não jogue se: não gostar de videogame; não gostar de alguns clichês do gênero; não gostar de
gráficos mais simples ou jogabilidade reduzida.
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2. Suikoden II
E continuamos com a série de reviews sobre a série Genso Suikoden. Hoje falaremos do mais
aclamado título da série, Suikoden II, lançado no fim de 1998 para o PSX. Na época, o console
(e possivelmente, o mundo dos games em si) ainda engatinhava no terreno dos RPGs em 3D, e
a decisão da Konami de manter o estilo em 2D foi bastante acertada. Eu particularmente sou
suspeito pra falar disso, por que prefiro RPGs assim, e o PSX teve sua cota de excelentes obras
como o Legend of Mana e SaGa Frontier. Suikoden II é parte dessa safra, e mostra como um
console de nova geração podia melhorar o que já existia nos de 16 bits. Pena que a tendência
seja a de prevalecer o 3D – conto nos dedos os RPGs em 2D do PS2.
Mas enfim, e o jogo? Em termos de jogabilidade, não muda muita coisa em relação ao
predecessor. O modo de combate entre exércitos foi o que mais se modificou com relação ao
original, bastante melhorado, havendo agora um mapa quadriculado em que se dispunham
unidades de soldados com até três personagens designados, dando habilidades específicas
(como cavalaria, etc.). O jogo em si é uma versão tunada do Suikoden I – gráficos em 2D, muito
bem trabalhados, com cenários em 3D nos combates (que permanecem no mesmo estilo). O
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visual é bem detalhado e refinado que o anterior, assim como a trilha sonora, que é bastante
variada. A mecânica de jogo também foi melhorada – é possível equipar mais runas, pode-se
correr apertando o botão “círculo” (em vez de desperdiçar uma runa apenas para isso...), o
que certamente é a mudança que mais se sente ao longo do jogo, e há uma bem mais mini
games no quartel-general dos personagens. O rol de recrutáveis é tão extenso e variável
quanto o anterior, com todo tipo de personagem, mas há algumas novidades, como
recrutamentos opcionais ou mutuamente exclusivos (o que exige jogar múltiplas vezes para
recrutar todos os disponíveis). Aliás, foi o primeiro jogo cujo design ficou por conta de Fumi
Ishikawa, que também fez os de III e Suikogaidens, os mais icônicos da série.
Claro que tudo isso não teria muito valor se a história não fosse boa, e não sem razão é
considerado o melhor da franquia. O enredo se desenvolve a partir de um núcleo central, que
são os três amigos, Riou (que, a exemplo do herói de Suikoden, Tir, não tinha um nome fixo e o
“oficial” foi estabelecido posteriormente), sua irmã adotiva Nanami e seu amigo Jowy (no
original, Joey... por que a mudança, só os tradutores norte-americanos sabem). Os rapazes são
jovens recrutas do exército de Highland, que estão prestes a retornar para casa, mas uma
grande tragédia faz com que sua unidade acabe dizimada e sejam acusados de traição. Sem ter
um lar para voltar, eles decidem lutar contra o tirano Luca Blight, se envolvendo no recomeço
do conflito entre o Império de Highland e a Liga das Cidades Estado de Jowston.
Essa é a parte que faz a diferença. O enredo é tão bem amarrado que em parte algumas ideias
foram “recicladas” depois no Suikoden V. É cativante e mesmo com clichês e algum drama,
não fica repetitiva, balanceando bem esses elementos. A história do jogo pode exigir que você
visite o mesmo local no jogo 4 ou 5 vezes diferentes e nunca é a mesma coisa, sempre há uma
novidade ou evento diferenciado, e desenrolar da trama tem suas surpresas e reviravoltas que
mantêm o jogador ligado, especialmente pela diferença de forças que existe entre Highland e
a Liga – todo Suikoden foca na construção de um exército menor que cresce contra um inimigo
vastamente superior, por meio da inteligência estratégica e coragem, e a luta que ocorre no II
é uma das mais desiguais. Além disso, tudo é muito bem atado com o jogo anterior, e além de
personagens recorrentes, é o único jogo da série fora os Suikogaidens em que se visita
novamente uma localidade de um jogo anterior (sendo possível até mesmo recrutar o
protagonista Tir de Suikoden I).
Falando em personagens, são o ponto alto do jogo. Nessa versão, surgiu algo que acabou
recorrente nos seguintes, que é a investigação particular – Richmond, um dos personagens, é
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um detetive e pode investigar a vida de qualquer personagem, revelando detalhes e
curiosidades de suas histórias, segredos ou ligações com o jogo anterior. Isso deu uma
profundidade muito maior para a “mitologia” da série – os personagens não são mais apenas
um “sprite” a mais no elenco, mas têm sua motivação e pano de fundo. Claro que o grande
destaque mesmo é o vilão do jogo, Luca Blight, o imperador, que mata gente como se fossem
porcos e é completamente insano. Ele com certeza fez por merecer seu lugar entre os vilões
mais memoráveis da história dos jogos, com sua sede de conquista completamente alucinada
e sua força descomunal; nada de superpoderes, Luca é um ser humano comum que tem uma
força e resistência absurdas. Sua luta final é folclórica, bastando dizer que ele é capaz de deixar
o Liquid Snake com inveja. Fora isso, o trio de protagonistas é um dos mais humanos e
interessantes da série, apesar de muita gente não suportar a Nanami.
Então, é isso. Não deixo de recomendar a série Suikoden a qualquer fã de RPG, mas quando se
trata de Suikoden II acho que deveria ser tentado por qualquer jogador de vídeo game em
geral que se preze, mesmo que não goste de RPGs. É um jogo de dificuldade média a fácil,
cativante, e que tem uma jogabilidade razoável, com o melhor que o PSX pode apresentar em
2D.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã de Suikoden I; gostar de RPG, boas histórias, mitologias complexas, combates
entre exércitos ou tudo isso junto; não se importar com gráficos 2D; tiver afinidade por
exércitos rebeldes; quiser um save para testar se o Psycho Mantis consegue ler sua mente.
Não jogue se: não gostar de videogame; não gostar de gráficos mais simples; não gostar de
esquilos voadores e irmãs mais novas reclamonas.
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3. Suikoden III
Damos continuidade aos reviews de Suikoden, com Suikoden III. Lançado em 2002, 4 anos
após Suikoden II, o terceiro jogo da série foi um dos RPGs pioneiros do console PS2, assim
como o primeiro havia sido para o PSX. Sendo um jogo antigo do console, sofre um pouco
quando comparado a outros títulos posteriores, como na parte gráfica ou no tempo de
carregamento. Contudo, o principal “problema” desse título foi a transposição para o 3D:
mesmo com um simpático visual SD, o visual é relativamente pobre e não existe movimento de
câmera, o que pode atrapalhar em alguns momentos (e é raro em jogos 3D). Essas foram
certamente as mudanças que mais desagradaram aos fãs mais tradicionais.
Por outro lado, a gama de novidades foi suficiente para fazer com que o jogo deixasse sua
marca positiva – e o fato é que se trata do Suikoden mais famoso (ou menos desconhecido..).
Tem até uma apresentação em anime, bem-feita. Assim como Suikoden IV, investiu em
inovações, e que deram muito certo. Além de algumas variações estéticas (como o fato do
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mapa-múndi não ser “livre”, mas ter locais unidos por estradas, à la Final Fantasy Tactics), em
termos de mecânica de jogo, duas foram as mais importantes: o sistema de combate e o
“Trinity Sight System”. Nesse jogo, ao contrário dos anteriores, em que são dados os
comandos individualmente durante o combate, o grupo é dividido em até três duplas, que
podem desempenhar tarefas diferentes ao longo do combate (atacar, usar runas, usar
combinações, etc.). Isso se estende aos combates entre exércitos, e deu uma nova dinâmica
tática aos combates, que ficaram mais imprevisíveis e exigem mais estratégia do jogador. É o
único da série que se valeu disso e pela novidade é um fator de diversão a mais.
Contudo, a melhor inovação foi certamente o “TSS”. Esse é o sistema que permite ao jogador
acompanhar mais de um protagonista ao longo do jogo. São três personagens principais, cujas
histórias se interligam e formam o enredo do jogo, além de uma linha secundária e mais duas
opcionais/secretas, que totalizam seis linhas de jogo diferentes. A cada “capítulo” completo, o
jogador tem a opção de escolher uma linha diferente para continuar jogando sob a perspectiva
de outro personagem. O valor de jogabilidade é imenso, com a possibilidade de ver o mesmo
evento sob a visão de vários personagens em variados momentos, recrutamentos diferentes e
variações na ordem em que o jogador quiser.
Graças ao TSS temos uma grande variação em termos de enredo: é o único jogo da série em
que temos três protagonistas diferentes. A história se foca no conflito entre três partes, todas
envolvidas com o Reino de Harmonia, e de onde vem cada um deles: Hugo, guerreiro de uma
tribo das Grasslands, Chris, guerreira de Zexen, e Geddoe, um mercenário a serviço de
Harmonia. A história se desenvolve por meio da interação entre suas histórias, e é tudo
completado pela atuação de um protagonista secundário, Thomas, dono do castelo Budehuc, e
que é o verdadeiro Tenkai Star do jogo (aquele que une as 108 estrelas do destino, e o único
da série que não protagoniza o jogo em que aparece).
Além disso, o enredo é cheio de referências e personagens dos jogos anteriores, (sendo
inclusive possível importar no começo do jogo saves dos jogos anteriores para liberar
conteúdo especial, como nomes de personagens e locais, ou peças de teatro que contam
eventos famosos de Suikoden I e II), e inclusive com os Suikogaidens – seu protagonista, Nash,
é figura recorrente em Suikoden III. É um prato cheio para os fãs da série, e até o momento
mostra os eventos mais cronologicamente avançados da mesma, sendo até segunda ordem o
“final” da série.
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Com isso, temos um paradoxo. É um jogo meio antigo, e que pode afugentar os jogadores mais
casuais ou acostumados com gráficos modernos (o que não significa que sejam ruins). Por
outro lado, é um dos Suikodens com a mecânica de jogo mais variada e, por que não, divertida,
o ponto alto em termos de design de personagens, e o mais famoso de todos. Grande
variedade de minijogos no QG, lutas desafiadoras e personagens cativantes fazem de Suikoden
III uma boa pedida.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã de Suikdoden e/ou do Yuber; gostar de histórias intrincadas ou não lineares; for
fã de SD e de cachorros.
Não jogue se: não gostar de gráficos datados; não gostar de gente lagarto, crianças
defendendo castelos, cachorros chorões ou mulheres de armadura.
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4. Suikoden IV
Retomando a série de reviews, vamos tratar brevemente do infame Suikoden IV. Lançado para
o PS2 em 2004 no Japão e começo de 2005 nos EUA, trouxe muitas inovações à série, e talvez
seja esse o problema – inovações até demais.
Antes de tudo, é um dos melhores em termos de gráficos. Foi também o primeiro da série a
possuir dublagem de personagens – fora o protagonista silencioso da vez, posteriormente
denominado Lazlo. É provavelmente o jogo que em termos de sistema seja na média o mais
diferente de todos os Suikodens: em vez da divisão ternária do jogo anterior, volta a ser um
grupo único a ser controlado pelo jogador, mas reduzido agora a quatro membros e com uma
dinâmica de combate levemente diferente. O ambiente também muda: em vez de caminhar
por um mapa comum, a região onde ocorre a história de Suikoden IV é um vasto oceano, em
que se navega livremente e as localidades onde a história se passa são ilhas variadas. Esse foi
um dos problemas do jogo: a navegação pode ficar confusa por vezes, o número de encontros
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aleatórios é irritante, há pouca variedade de locais e até mesmo masmorras para
visitar/desbravar. Essa mudança afetou também o sistema de combate por “exércitos”, que
agora se tornam verdadeiras batalhas navais, com personagens sendo designados para
capitanear e tripular navios em vez de divisões de infantaria. É interessante, mas o sistema de
combate ficou bastante previsível e reduzido a um entediante planejamento antes de cada
batalha.
Por fim, foi o primeiro jogo da série a retroceder no tempo – cerca de 150 anos antes do
Suikoden original, sendo o jogo cujo enredo se passa mais no passado desse universo. O
enredo não muda muito com relação aos demais: o protagonista começa como um simples
soldado, e à medida em que a história progride, se envolve numa teia de conspirações,
batalhas com piratas e com a True Rune of Punishment.
O jogo atraiu muitas críticas por conta desses fatores, como o sistema de lutas, a falta de
variedade de locais e história simples – o jogo é relativamente curto, podendo ser completado
sem buscar itens e eventos opcionais em cerca de 20 horas (sem contar que boa parte disso é
gasta em navegação e intermináveis combates aleatórios). Isso afetou a caracterização de
muitos personagens, especialmente os secundários, deixados muitas vezes de lado, e mesmo
os principais têm seus problemas – como o fato de voltar a ser um protagonista silencioso, que
parece não cair bem em jogos mais recentes. Depois da simpatia de Suikoden II e
profundidade de Suikoden III, esse foi um jogo que sofreu bastante nesse sentido e frustrou
muitos fãs.
Contudo, nem tudo são problemas. A história pode ser simples, mas é bem bolada. O núcleo
principal tem suas virtudes, e o melhor amigo de Lazlo, depois rival, Snowe, a despeito de ser
odiado por muita gente é um dos mais realistas e bem desenvolvidos personagens que já
apareceu na franquia. Lazlo também é um personagem bastante carismático: basicamente é o
herói de Suikoden que mais se ferra durante o jogo, pau a pau com Tir de Suikoden, perdendo
quase tudo que possui e ainda atrelado a uma runa amaldiçoada, que causa dano nele cada
vez que é utilizada (um aspecto interessante desse jogo, que adiciona um elemento tático: é a
runa mais forte do jogo, mas causa dano a cada uso, devendo ser bem controlada) e
eventualmente levará à sua morte. Difícil não simpatizar com um pobre coitado desses. Outro
aspecto é o visual, que em geral é muito diferente, com inspiração no imaginário tradicional de
piratas e navios, além de inspiração egípcia em alguns locais (particularmente no reino de
Obel, onde se passa boa parte da história), saindo um pouco daquele padrão europeu/chinês
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antigo dos jogos anteriores. O design de personagens é bem limpo, e também um dos meus
favoritos da série.
Por fim, se o jogo traz muitas mudanças, apela também para a nostalgia. Por estar bem
afastado cronologicamente dos demais, não há muitas chances para cameos ou coisa parecida,
mas quando aparece, é de encher os olhos, principalmente para os fãs de Suikoden I. São duas
referências principais feitas: uma é um mini game que simula os combates de exércitos original
do primeiro jogo (visto abaixo, na versão alemã), e outra é uma intrincada e difícil mini-quest
que revela uma grande surpresa (e que não vou comentar pra não dar spoilers)...
Enfim, é um jogo com reputação complicada. É divertido, mas deve afastar jogadores casuais.
Certamente foi o título mais fraco da franquia, o que só piora quando se sabe que deu origem
ao problemático, pra não dizer ruim de doer, Suikoden Tactics/Rhapsodia (que envolvia pintar
o chão durante o combate e um canhão com um olho místico bizarro que transformava gente
em peixe. Isso mesmo.). O que salva nesse jogo são alguns personagens interessantes, um
certo pano de fundo que dá para os jogos posteriores, e eventualmente o próprio sistema de
jogo, que de tão modificado pode atrair quem não for fã da série.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã de Suikoden; gostar de navios, filmes de pirata e afins; for um jogador casual de
RPG; for fã de capitãs machonas ou sereias; tiver um ótimo senso de direção no leme de um
navio.
Não jogue se: ficar entediado ao navegar horas e horas pelo mar azul; não gostar de gente
com cara de gato e furries em geral; quiser um jogo com muita variedade de locais e eventos.
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5. Suikoden V
Cá estamos com o último jogo da cronologia original da série de RPG mais amada da Konami,
Suikoden V. Lançado em 2006 para o PS2, foi o último jogo da série para consoles e marcou a
entrada de Takahiro Sakiyama na direção, após a divisão da equipe com a saída de Yoshitaka
Murayama durante a produção de Suikoden III. Na verdade, o quinto jogo teria começado a ser
produzido antes mesmo do IV. Teria sido criado inicialmente como um "gaiden", ou jogo
secundário, mas à medida que foi trabalhado acabou virando um jogo completo e inserido na
linha de tempo oficial dos jogos anteriores.
Comparando com os anteriores, Suikoden V é o que melhor se saiu em termos de gráficos e
jogabilidade. Aproveita muito bem a potência do PS2, com gráficos detalhados e muito mais
polidos que os anteriores, e o espaço do disco, com vozes para os personagens (falando em
áudio, por sinal, a trilha sonora do jogo é muito boa). Porém, isso teve um custo em termos de
desempenho – os tempos de carregamento de dados são bem maiores até que os de Suikoden
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III, e o simples entrar e sair de um local se torna uma tarefa cansativa e demorada. E mesmo
assim, os gráficos são ótimos quando comparados aos de jogos anteriores, mas ainda
considerados inferiores a jogos da mesma geração (como Xenosaga III), e fonte de uma das
críticas que o jogo recebe. Claro que dá pra dar um desconto considerando que, para um jogo
com mais de 108 personagens, cada um com um modelo tridimensional próprio, a qualidade
gráfica do jogo já pode ser considerada um feito espantoso.
Em termos de mecânica, o sistema básico de combate abandonou a equipe de quatro
membros de Suikoden IV e traz de volta os seis combatentes para o time, mas dessa vez com a
possibilidade de arranjá-los em diversas formações. Estas davam bônus de ataque e/ou defesa,
e até mesmo ataques especiais, conferindo um toque a mais de estratégia para que se
aproveitasse ao máximo o potencial de cada personagem. Do mesmo modo, o sistema de
duelos não foi muito alterado. Por outro lado, o sistema de grandes combates de exércitos é o
mais refinado da série, com embates em tempo real, possibilidade de vários fronts, terrestres
e marítimos, e um elevado grau de complexidade. Nem tudo são flores quanto a isso - os
combates podiam se tornar muito demorados (alguns com mais de 20 minutos; lembro que
demorei mais de 40 minutos no combate final), e muitas vezes ocorriam logo depois de um
evento importante ou luta contra chefe, não dando chance de salvar o jogo no meio e
tornando um game over bastante frustrante. Ainda prefiro o sistema de Suikoden II,
particularmente...
Agora, se tecnicamente o jogo é excelente, em termos de enredo, é um pouco paradoxal. Ao
mesmo tempo em que se esforça pra fazer algo relativamente novo, com a mudança completa
de ambientação, acabou se atrelando a “modelos” consagrados dos dois jogos mais antigos, e
tem seus méritos, mas falta algum charme aos personagens, que não são tão marcantes
quanto os de outros jogos. Isso decorre justamente desse fato de que lembra muito o estilo
dos dois primeiros com relação ao desenrolar da história. Basicamente, Suikoden V segue a
política do reino de Falena (na verdade, não um "reino", mas um "matriarcado" - no inglês,
chamam de "Queendom" em vez de "Kingdom", mas não acho que exista tradução pra isso em
português) e sua eventual guerra com os vizinhos. O foco é a família real de Falena, com o
crescente processo de autoritarismo da rainha e a marcação de um casamento arranjado para
a princesa mediante uma série de jogos de combate, eventos que dão a tônica inicial do jogo e
logicamente vão levar a um evento trágico que leva o grupo de protagonistas a serem
perseguidos e a montarem um exército de resistência comum aos jogos da série.
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Nisso se desenvolve um drama interessante, e boa parte da história (cerca de 10h no início do
jogo) são gastas com intriga palaciana e desenvolvendo o enredo, o que é muito legal como
base pra parte dinâmica do jogo, mas podem deixar muita gente desanimada pela falta de
ação propriamente dita nesse período. Esse é um dos aspectos em que o jogo apela para a
nostalgia: a sequência de eventos dessas horas iniciais relembra muito a primeira meia hora de
jogo do Suikoden original, com o grupo indo em uma missão, constatando que há algo de
errado e começando a haver um série de reviravoltas que culminam no “exílio” do núcleo
principal. Em dado momento, os personagens ate mesmo mudam de visual e usam roupas
muito parecidas com as de personagens antigos como Tir e Viktor .
Além do mais, seguindo a tradição, o Príncipe Ardill Falenas (o protagonista) é silencioso e isso
acaba meio forçado em um jogo com todos os demais personagens com vozes, assim como o
Lazlo de Suikoden IV. Isso era legal nos tempos de 16-bits, quando não havia vozes, mas nos
jogos modernos fica muito estranho. Não deixa de ser uma coisa meio nostálgica, e faz com
que ele dependa muito de expressão física, o que é bacana, mas muita gente chiou.
Se há um grande trunfo nesse jogo, é a quantidade de referências internas. Se passando oito
anos antes de Suikoden I e 142 anos depois de Suikoden IV, é o jogo que melhor consegue
entrelaçar eventos e pequenas referências a esses jogos, e até mesmo a Suikoden II (com a
maior referência sendo Georg, um personagem misterioso em Suikoden II e que é um dos
principais em Suikoden V, além de Killey e Lorelai). O interessante é reparar como a equipe
aproveitou uma fala de três linhas desse personagem num evento opcional de Suikoden II, em
que explica sua história, para desenvolver toda a história de Suikoden V. Outros pequenos
detalhes incluem a visita a locais nas Island Nations (onde se passa Suikoden IV) e a menção da
presença do General Millich (personagem de Suikoden I) na coroação da rainha Arshtat. E há
até referências a Suikoden III com menções às Grasslands e suas ordens de cavalaria. Enfim,
pra quem é fã da série, é um deleite curtir todos esses pequenos detalhes que mostram como
é um dos universos mais ricos para uma série de jogos já feito.
Claro que nem tudo é perfeito. Falta um "quê" a esse jogo. Talvez, por puxar muitos aspectos
dos dois jogos originais, como o sistema de batalha e, grosso modo, o enredo principal,
agradou os fãs antigos trazendo o que fez o sucesso da franquia, mas ao mesmo tempo falhou
em trazer novidade e mais fôlego à franquia. Não compromete pra quem nunca jogou nada da
série (como todos os outros, pode ser jogado isoladamente), mas no fim das contas, foi o
canto do cisne da série em consoles.
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A Konami registrou a marca para um suposto Suikoden VI, mas a coisa foi sendo empurrada
com a barriga e, sem a presença de Murayama, no fim das contas o projeto afundou. Isso deu
fôlego para os jogos em consoles portáteis, Tierkreis (de 2008, para DS) e Sumugareshi
Hyakunen no Toki (que saiu esse ano para PSP). Muitos fãs puristas odeiam essas sequências,
seja por não se passarem no mundo original do jogo (mas sim em universos alternativos do
multiverso que é citado na cronologia original – isso meio que faz com sejam parte dela, sem
de fato serem. Complicado, não?), seja pelo fato de terem removido boa parte das mecânicas
de jogo que ficaram como marca registrada da franquia (como ter uma única arma ao longo do
jogo ou o uso de runas), tornando-os JRPGs mais “genéricos”, por assim dizer. Não tenho nada
contra esses jogos (dizem até que Tierkreis é razoável), mas deixo de fora já que são meio
“alienígenas” comparando aos antigos, nunca joguei, e o último nem foi lançado fora do Japão.
Assim, Suikoden V fechou de maneira melancólica a cronologia original da série, deixando
muitas perguntas sem resposta, como a natureza de Yuber e Pesmerga, ou a origem de Viki.
Mas a franquia persiste, nos portáteis, e sempre há uma esperança de que a Konami volte a
investir em seu nome mais forte no competitivo mercado de RPGs. Fica o alento de que
Suikoden V é um jogo muito bom, obrigatório para os fãs, e recomendado ao jogador de RPG
ocasional.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã de Suikoden; se preocupar com irmãs mais novas; gostar de bons gráficos;
gostar de fases de estratégia em tempo real com muitas tropas e gerenciamento complicado;
quiser jogar um RPG bastante refinado.
Não jogue se: ficar irritado com irmãs mais novas; achar absurdo que se escolha o esposo da
rainha num torneio de artes marciais; não gostar de mulheres maduras e poderosas; não
gostar de RPGs longos e com muito, mas muito texto.
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6. Top Gear (série)
Em tempos de simulação moderna, os jogos de corrida cada vez mais trazem carros e pistas da
vida real, com mecânica complexa e física realista. Mas, em tempos mais inocentes, bastava
para um jogo de corrida que houvesse um sprite estático do carro e que o resto do mundo se
movesse ao seu redor. E foi nessa época que surgiu uma das séries mais clássicas de corrida
que já pintaram nos 16-bit, e que tenho certeza que marcou a juventude da grande maioria
dos leitores dessa coluna. Pois é amigos, hoje falamos da nossa querida e amada série de jogos
de corrida, Top Gear!
O jogo original da franquia foi lançado em 1992, com o nome de Top Racer, para o Super
Famicom/SNES. O jogo veio da mesma equipe que produziu os jogos da série Lotus do
Commodore, e inclusive a nostálgica musica de abertura (que faz muito marmanjo se
emocionar até hoje) na verdade era também a música de encerramento do Lotus Turbo
Challenge 2.
Em termos de jogo, não trazia grandes inovações para a época (apesar de constar como um
dos primeiros jogos de corrida para o SNES), mas no quesito quem importava, diversão, era
bem direto. A irreverência marcava a imagem do jogo, com os balões de falas dos pilotos
(falando palavrões ou desafiando os outros corredores) mostrados durante a corrida, e os
cenários inusitados. Por sinal, mesmo antigos os gráficos do jogo são bem limpos e bonitos, e a
trilha sonora é um clássico.
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Uma característica da série era o uso de “nitros”: durante a corrida, o jogador poderia ativá-los
por até três vezes, ganhado um aumento de velocidade que deveria ser muito bem
aproveitado. Outra marca desse jogo (e dos seguintes) era o posicionamento no grid: como em
algumas categorias de stock car, a ordem de largada é sempre a ordem inversa das posições de
chegada da corrida anterior. Ou seja, se você ganha, larga em último na próxima corrida,
adicionando uma sempre necessária carga de urgência e desafio para quem quer ser o grande
campeão.
O jogo prima pela simplicidade. Havia poucas opções (escolher um nome para o piloto, o carro,
tipo de transmissão, controles e só) e se podia ir diretamente para a corrida, após escolher um
dos quatro modelos de carros disponíveis, cada um com suas vantagens e fraquezas. Até hoje
nunca vi ninguém ir muito longe com o carro vermelho, o mais rápido, mas que gasta mais
combustível – a escolha sempre pendia para o carro branco, mais econômico, ou o verde. Isso
influía na estratégia das corridas – era possível fazer pit stops, mas mesmo assim alguns
traçados levavam o carro ao limite e muitas vezes se terminava a corrida com o tanque “no
osso”.
E haja corrida, com os circuitos se alternando em oito países e regiões, com quatro pistas cada,
sob as mais variadas condições climáticas, e mesmo de pista – algumas eram de terra em vez
de asfalto, outras com placas e até mesmo cachos de uva gigantes (isso mesmo) no meio da
pista. Um sistema de password permitia que se avançasse ao longo do jogo, e era preciso
habilidade para passar de área: se terminasse na classificação geral abaixo de 3º, o jogador
tinha que começar de novo. E não podemos nos esquecer do bug maroto que fez a alegria de
muita gente (e enfureceu muitos desavisados), em que se podia “roubar” os pontos do
corredor de trás ao se chocar com os postes da linha de chegada no ângulo certo...
A série continuou com o jogo Top Gear 2. Saiu em 1993 para SNES, Mega Drive e Amiga, e
tinha muitas melhorias gráficas com relação ao predecessor, mas o impacto principal foi na
parte da mecânica de jogo. Os carros sofrem dano, que se acumula ao longo da corrida e afeta
o desempenho, e não há mais pit stops. E nada de carros diferentes: todos os pilotos correm
com as mesmas carroças (que são lentas de doer no começo). O diferencial (e principal
novidade desse jogo) é a possibilidade de gradualmente aumentar o desempenho do carro,
adquirindo peças novas como motor, caixa de câmbio e pneus, pagos com o rico dinheirinho
ganho ao longo do campeonato. E pela primeira vez o clima afeta a corrida, com a necessidade
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de escolher entre pneus de chuva e de pista seca. Quanto à corrida, a dinâmica é quase a
mesma do original, apenas com o aumento do número inicial de nitros (seis por corrida agora).
Há pequenos ícones na pista, que podem ser pegos ao longo da corrida e que oferecem bônus
como nitros e dinheiro extra. O jogo ficou tão famoso quanto o primeiro, e talvez até mais,
sendo porém mais difícil, e felizmente mantendo o sistema de passwords para ajudar os
jogadores a passarem pelos 16 países e mais de 60 pistas.
A grande mudança da série veio com o jogo seguinte, Top Gear 3000, lançado apenas para o
SNES em 1995. Esqueça o tour pelas pistas mais exóticas do mundo – esse jogo é ambientado
no espaço sideral, com pistas em mundos alienígenas em uma corrida futurista. Existe toda
uma historinha boba por trás disso, mas o que importa é a corrida, e nisso não deixa a desejar.
É mantido o sistema de “upgrades” do segundo jogo, mas agora com melhorias improváveis,
como motores nucleares e sistemas de tele transporte. Graças a um chip especial (o DSP-4,
sendo o único jogo do console quem empregou essa tecnologia) a capacidade de
processamento foi aumentada e as corridas podiam ter mais de um caminho possível, com
atalhos e voltando a ter pit-stops – na verdade, uma espécie de “faixa” sobre a pista, na qual
os carros repõem o combustível e se recuperam dos danos. Esse chip também possibilitou a
participação de até quatro jogadores, usando um acessório multitap, no modo versus,
dividindo a tela em quatro partes (enquanto nos jogos anteriores era possível participar com
apenas dois jogadores, tela dividida ao meio). Porém, mesmo sendo o melhor tecnicamente, é
o jogo da franquia mais fraco do SNES, mesmo pela mudança abrupta de ambiente, que jogou
por terra todo o realismo relativo dos jogos anteriores (que se preocupavam com coisas
pequenas, de detalhes do cenário ao consumo de combustível). Talvez, tenha sido o jogo que
marcou a derrocada da série.
Top Gear teve uma sobrevida no console Nintendo 64, com alguns bons títulos. Top Gear
Overdrive, de 1998, é um dos jogos de corrida mais divertidos do 64, mas que perde um pouco
comparado aos jogos anteriores. Em vez de um tour por pistas do mundo, temos seis cenários
principais, com a variedade proporcionada por pistas espelhadas e em diversas variedades de
clima, como neve e corridas noturnas. A variedade de carros é maior, um ponto positivo, com
carros genéricos similares a versões reais de modelos como Fusca, Camaro e Ferrari. Ainda
estão presentes os nitros e os atalhos. Mesmo assim, é um título bastante limitado quando
comparado aos do SNES, mas não menos divertido – deve ter sido um dos jogos de N64 que eu
mais alugava na locadora, junto com o Star Wars Rogue Squadron (mas isso é outra história).
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Nesse momento a franquia já perdia força – a especialização dos jogos de corrida exigia
mecânica mais sofisticada e realismo, que não iam bem com a filosofia da série. Houve ainda
os jogos Top Gear Rally (1997) e Top Gear Rally 2 (2000), que tiveram versões também para
Gameboy Color e Gameboy Advance. As principais melhorias foram em termos de mecânica,
com uma física realista (típica de jogos de rally, especialmente os efeitos da suspensão dos
carros) e um desenvolvimento gráfico notável. Mas já não sei se poderíamos considerar esse
jogo como parte da linha original, já que o próprio rally sai muito do conceito de corridas de
circuito. Ainda assim, são jogos muito bons, e que encerraram a década de ouro da franquia.
Houve ainda algumas versões exclusivas de portáteis, um de corrida de motos para Nintendo
64, e o horroroso RPM Tuning (para PS2, XBOX e PC), que tentou entrar na onda dos
simuladores de corrida de rua mas que teve um resultado medíocre e péssima recepção,
enterrando de vez a franquia (até agora).
É até complicado fazer um review de uma série tão conhecida. Pelo menos no Brasil, claro, já
que os jogos nunca tiveram muita repercussão lá fora. Mas, numa época em que os jogos de
corrida ou são simulações muito realistas de várias categorias ou terras sem lei onde
prevalecem os rachas e carros tunados, é importante fazer esse serviço de mostrar às novas
gerações um pouco das raízes desse gênero de jogos, e como as vezes um jogo mais simples e
direto poderia ser muito gratificante. Resta a lembrança, e a recomendação pra quem puder ir
atrás desses títulos.
A quem recomendar?
Jogue se: for fã de corridas; for um jogador vintage; quiser roubar os pontos do segundo
colocado na maior cara-de-pau; não se importar com grama, placas, uvas gigantes e outras
coisas na pista.
Não jogue se: não gostar de jogos de corrida estilo arcade; não gostar de gráficos antigos ou
datados; não tiver amigos ou coração.
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7. Breath of Fire
Ok, hoje voltamos a falar de uma série de RPG muito amada e das antigas, mas que ao
contrário de Suikoden (que ainda tem um fio de esperança para os fãs), está devidamente
sepultada pela sua softhouse. Estamos falando de Breath of Fire, a primeira série da Capcom a
enveredar pelo terreno dos RPGs e que deixou sua marca no do SNES ao PS2.
Por enquanto, vamos falar do primeiro jogo, o Breath of Fire original, que estabeleceu os
principais pontos que se tornaram recorrentes nos outros jogos da série. A coisa toda começa
em 1993, com o lançamento no Japão, para SNES. Um pouco mais de um ano depois, saiu nos
EUA, e aí já começa uma pequena confusão: o jogo foi feito pela Capcom, mas nos créditos
aparece do nada o nome da Squaresoft (inclusive na capa do jogo norte-americano). Isso foi
parte da estratégia da Capcom para a localização do jogo: como era o primeiro RPG da
empresa, nada melhor que deixar o serviço de tradução e promoção do jogo a uma empresa já
consolidada nesse setor, pegando emprestada essa “grife” da Square para um mercado
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exigente (e ainda inexplorado) como o dos EUA. Isso incluiu a “ocidentalização” da arte do
material promocional, divergindo do estilo “anime” original e que ficou sui generis, pra não
dizer outra coisa. Se a recepção não foi excepcional, ao mesmo tempo não foi ruim, mostrando
que a estratégia teve algum sucesso.
Mas quais foram essas características que o primeiro jogo cunhou e viraram a marca registrada
da série? O mais marcante, geralmente, é a dupla de protagonistas: todo Breath of Fire
apresenta um casal Ryu e Nina. Sem exceções. Ele, o protagonista, sempre é um rapaz de
cabelo azul, e que em certo momento do jogo adquire a capacidade de se transformar em
dragão; ela, sempre uma bela jovem com asas que em algum momento passa a acompanhar o
aventureiro.
Outra característica (e uma das mais interessantes) é a quase completa ausência de humanos
comuns no grupo. Ao longo dos jogos, o que mais se aproxima de uma pessoa comum é o
ladrão Karn, do primeiro jogo, e ainda assim, descendente de uma família de que tem a
capacidade de se fundir com outras raças e virar monstros poderosos. O mundo de Breath of
Fire é povoado por diversos clãs de seres antropomórficos mais ou menos humanoides, ou de
pessoas com poderes fantásticos, como o clã Dragão (do protagonista Ryu), o clã alado (Nina)
e tantos outros. No começo é até meio chocante, já que até existem personagens “animais”
em outros RPGs, mas não um grupo inteiro de lobos, macacos, sapos e outros personagens
que parecem saídos de desenho animado. Claro que isso faz parte do charme da série, e até
gera um mecanismo interessante: em vez de veículos, nesse primeiro jogo o “meio de
transporte” pelo mapa são os próprios personagens, que se transformam em pássaro (Nina) ou
peixe gigante (Gobi) para levar o grupo ao redor do mundo. Cada membro tem algum tipo de
habilidade única (como cavar aberturas para cavernas subterrâneas, abrir fechaduras lacradas
ou derrubar paredes) que pode ser utilizada no mapa-múndi ou dentro das
cidades/masmorras, dando uma utilidade a qualquer um, mesmo que não seja um bom
combatente.
Falando em mundo, a série acaba ficando meio confusa. Basicamente, os jogos são “isolados”
e podem ser jogados sem se ter jogados os anteriores, mas existem muitos indícios de que se
passam no mesmo mundo. Enquanto Suikoden se passa num universo fechado, com datas
específicas em uma cronologia bem definida, Breath of Fire é uma bagunça, incluindo
referências a personagens e eventos passados, em um ambiente medieval, mas sem qualquer
indicativo de qual seja a ordem ou o lapso de tempo exato entre um jogo e outro. A exceção a
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isso é a relação entre os três primeiros jogos, mas que ainda assim deixa muitas dúvidas – tudo
indica que a ordem seja a mesma de lançamento (I>II>III), mas não é possível ter certeza
absoluta por um monte de fatores. Isso pra não falar do IV e do V...
Mas enfim, tudo começa com esse jogo. O protagonista, Ryu, é um dos sobreviventes do Light
Dragon Clan, e tem sua irmã Sara sequestrada pelos Dark Dragons. Ele deve partir em uma
jornada para salvá-la e ao mundo, enquanto ajuda outros povos a se livrarem da crueldade do
clã dos Dark Dragons e seu imperador Zog. Com isso, se unem ao grupo a princesa Nina (do clã
alado), Bo (um homem-lobo), Karn (o ladrão mencionado lá em cima e que na arte oficial
aparentemente é negro/cinza no estilo clichê de anime dos anos 60, mas no jogo do SNES ficou
branco), Gobi/Manillo (um homem peixe), Mog (um homem-toupeira) e Deis (uma poderosa
feiticeira meio-cobra). E, basicamente, é esse o enredo do jogo.
Quando se perde mais tempo descrevendo os personagens do que a história significa que tem
alguma coisa errada... E realmente, esse primeiro Breath of Fire não é dos mais inspirados
nesse quesito (apesar de ter uma reviravolta interessante no final). A equipe foi muito boa
(incluiu o designer Keiji Inafune, que fez o Megaman original e era produtor-chefe da Capcom),
mas limitações do hardware (e mesmo inexperiência da equipe) fizeram esse primeiro jogo um
grande experimento. A história é simplória, linear, e alguns diálogos beiram o ridículo de tão
rápidos. Isso dá alguma agilidade ao jogo, mas faz com que a parte de combate prevaleça de
um modo desigual com relação à exploração, e quem quer um RPG para se aprofundar na
história pode se decepcionar. Mas mesmo assim, algumas sacadas são geniais – não me
lembro de cabeça de nenhum RPG onde era possível explorar o fundo do mar (com até mesmo
uma cidade submarina!), algumas masmorras possuem quebra-cabeças desafiadores que não
se arrastam interminavelmente (e, principalmente, aproveitam as diversas habilidades únicas
dos personagens para serem resolvidos), e vários dos eventos são relativamente originais,
como o uso de um robô gigante de pedra ou atacar um forte inimigo usando aves selvagens. O
protagonista poder utilizar um bumerangue como arma é algo bem raro (e muito útil em
termos de jogo, sendo a única arma que atinge todos os inimigos). E não vamos nos esquecer
do simpático mini game de pesca, que aqui é bem simples mas continuou como uma marca do
personagem Ryu e aprimorado ao longo dos jogos seguintes.
A música é muito boa para o estilo 16-bits, e um dos trunfos da série: via de regra, os Breath of
Fire sempre possuem uma trilha sonora impecável, e algumas características interessantes,
como alterar a música de fundo do mapa-múndi ou dos combates ao longo do jogo – outra
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tradição iniciada nesse jogo. Quanto à parte gráfica, não é nenhum primor mas parece melhor
que a média dos RPGs de SNES (incluindo Final Fantasy V, por exemplo) e os sprites tem boa
animação e detalhamento. Detalhe para dois “easter eggs” famosos do jogo, que incluem a
aparição da Chun-Li de Street Fighter e diversos quadros nas paredes das casas que mostram o
protagonista do Ghosts’n Goblins, Arthur.
A mecânica de jogo é bem simples – em vez de menus escritos, existem ícones com símbolos,
bastante intuitivos em todos os menus. Em combate é possível trocar a ordem dos
personagens ou removê-los da linha de frente, trocando com os que estão “na reserva” – dos
oito personagens, quatro participam diretamente da luta. Nem tudo são flores – o espaço de
armazenamento de itens é muito limitado, e a maior falha do jogo é o fato de que não existe
nenhum tipo de organização automática: itens gastos deixam um espaço em branco, a
organização é totalmente manual e tudo fica misturado (itens de enredo, consumíveis e
equipamento). E a falta de espaço para caracteres faz com que haja um número enorme de
abreviações que deixa tudo confuso. É uma bagunça tão grande que geralmente eu desisto de
organizar tudo e deixo apenas alguns itens específicos na parte de cima do menu. Equipar cada
personagem é um tormento, e felizmente o problema do espaço é resolvido com uma
oportuna rede de “depósitos” onde se pode deixar os itens sobressalentes e dinheiro
guardados.
Outro aspecto positivo é a jogabilidade: é um dos poucos RPGs em que não é necessário gastar
horas subindo de nível ou coisa parecida. Apenas seguindo os eventos do jogo e passando
pelos locais designados, é possível desenvolver o grupo o suficiente para continuar
progredindo no jogo, que é favorecido pela simplicidade e pode ser completado em menos de
vinte horas.
E assim fechamos esse primeiro review dessa série grandiosa. O primeiro jogo não chega a ser
um clássico, e tem uma tonelada de problemas em termos de mecânica e de enredo, mas as
inovações (incluindo até mesmo a possibilidade de um final “ruim”) e o clima único de sua
execução fazem com que seja uma pequena joia na extensa lista de bons RPGs do SNES. Ele foi
relançado para GBA em 2001, sendo essencialmente o mesmo jogo, mas com gráficos
melhorados, menus importados do segundo jogo e uma nova seleção de retratos para os
personagens, dando assim mais uma opção aos jogadores de plantão.
Então, a quem recomendar?
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Jogue se: for fã da franquia; for iniciante no ramo dos RPGs; gostar de um jogo ágil e com
história simples; quiser ver um bumerangue laranja gigante varrendo tudo pelo caminho;
gostar de dragões; quiser ver a Chun-Li treinando uns chutes (isso mesmo).
Não jogue se: não gostar de furries em geral; não gostar de perder minutos preciosos
organizando itens num menu horrível; não gostar de uma taxa de encontros aleatórios
irritantemente alta.
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8. Armored Troopers VOTOMS (PS2)
A ideia da coluna não é apenas falar de antiguidade. Hoje, damos um tempo na série Breath of
Fire para falarmos de um relativamente obscuro jogo de ação com uma longa história por trás.
Mais precisamente, 30 anos. Tudo começa um pouco antes, em 1979, quando a série de
animação Mobile Suit Gundam revolucionou o gênero mecha, se afastando do cliché de
máquinas invencíveis e superpoderosas, e fazendo com que a história e os personagens
tivessem mais peso num cenário mais “realista” (ou menos fantasioso?). Seguiu-se uma
enxurrada de novas séries no começo dos anos 80, com grandes produções como Macross e
Dunbine, que definiram o gênero. Mas, dessa safra, tivemos uma que se tornaria um marco,
estreando em 1983. Criada por Ryosuke Takahashi, Armored Troopers VOTOMS trouxe um
cenário de guerra brutal, em que o protagonista Chirico Cuvie luta contra tudo e todos para ser
o dono de seu destino. A série é tão querida pelos fãs que gerou inúmeras sequências e
somente teve um final definitivo em uma animação de longa metragem lançada apenas em
2011!
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História à parte, um dos grandes atrativos de VOTOMS são justamente os robôs. A série leva a
um extremo a ideia dessas novas séries de que as máquinas de guerra deveriam ser apenas
ferramentas. Os “Armored Troopers” (o nome dos mechas que aparecem na série) são
praticamente “descartáveis” (Chirico troca de AT quase todo episódio), e extremamente
frágeis (para azar dos que encaram o protagonista). São máquinas muito ágeis e, na medida do
possível, realistas, medindo pouco mais de 3m, cheias de armamento convencional como
metralhadoras e mísseis, e com sua principal característica, a capacidade de “patinar”,
produzindo um som muito característico e rendendo cenas de ação incríveis e dinâmicas.
Isso cria um potencial incrível para videogames (diz-se inclusive que o estilo serviu de
influência direta para a série Armored Core), mas ironicamente a grande agilidade dos ATs se
tornou a grande pedra no sapato dos desenvolvedores. Os jogos de VOTOMS sempre foram,
no mínimo, sofríveis, por que sempre resultavam em controles muito complicados para
reproduzir a dinâmica da ação da série, o que somado a hardware pouco potente dava
resultados lastimáveis. Alguns jogos de tiro em primeira pessoa saíram para computadores da
NEC nos anos 80. A série estreou nos consoles apenas em 1993, com o jogo “The Battling
Road” para Super Famicom. Mas a coisa vingou mesmo no PSX, com vários títulos próprios
(desconsiderando os jogos de crossover em que aparece ao lado de outras séries, como os
“Sunrise Eiyuutan”), sendo o mais famoso “Blue Knight Berserga”.
Em todos esses jogos, o grande problema era a jogabilidade: juntar o controle da aceleração,
da movimentação, da mira e de combate em geral era simplesmente um caos. No jogo “The
Battling Road”, por exemplo, a sensação é de que faltaram botões no controle para tantas
funções, usando exaustivamente os botões L e R para movimento (algo raro na era 16-bits) e o
direcional para acelerar, sendo muito confuso e difícil de dominar. Já nos jogos de PSX o maior
drama eram os gráficos, geralmente pouco definidos, permanecendo as mesmas dificuldades
de controle. O único que saiu da regra foi o obscuro “Koutetsu no Gunzei/Steel Force”, um RPG
por turnos baseado na engine do Front Mission 3 (até os menus são iguais), jogo raríssimo e
que ainda assim tem problemas de tempo de carregamento e lentidão que tiram toda a graça
dos ATs. Ironicamente, os jogos que melhor conseguiram captar a “agilidade” dos ATs foram
justamente os jogos antigos de PC, mas que infelizmente eram arcaicos demais.
Foi então que se anunciou o lançamento de um jogo para PS2, em 2007. O histórico dos jogos
já não era dos melhores, e a expectativa ficou ainda pior quando se soube que a
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desenvolvedora era a Yuke’s, famosa por jogos de luta livre como WWF SmackDown!,
WrestleMania e Rumble Roses, sem experiência alguma no gênero de ação. Seria só mais um
jogo meia-boca?
Grande surpresa! Soukou Kihei VOTOMS, para PS2, é o jogo que limpou o nome da franquia
nos videogames, e uma agradável surpresa da Yuke’s. Os jogos anteriores levaram ao pé da
letra a complexidade de controles para a movimentação dos ATs, algo frustrante e que
acabava com o principal aspecto da ação da série, a agilidade. A Yuke’s solucionou isso do jeito
mais óbvio: jogando tudo pela janela e simplificando ao máximo os controles. A ação é em
terceira pessoa. É possível alternar entre os modos de “caminhada” e “patinação”
pressionando o botão “círculo”, e controlar o movimento do AT apenas com o stick do
analógico. Os botões regulares executam ações (esquiva, soco, tiro) e os de ombro (Ls e Rs)
alternam ações secundárias como trocar de arma ou escolher ataques especiais contidos em
disquetes de programação (como na série). Tudo isso não seria possível sem a maior novidade
que esse jogo apresentou: a mira automática. Quem for masoquista pode usar a mira manual
alternando para a visão em primeira pessoa, mas o fato de não ter de ficar pelejando com o
controle dá maior liberdade ao jogador para atacar circulando pelos inimigos ao mesmo tempo
em que tenta se manter vivo e desliza pelo campo de batalha. Mas sempre com cuidado – é
preciso se preocupar não apenas com os inimigos, mas com o ambiente ao redor. A mecânica
não deixa de ser fiel à série, e dar um encontrão na parede ou escombros pode derrubar seu
AT e até causar dano. A cereja no bolo é o fato de ser possível sair do AT a qualquer momento
pressionando “select”, e apesar de isso ser suicídio na maioria das vezes, é possível até mesmo
trocar de AT no meio de algumas missões. E existem algumas que devem ser completadas
inteiramente a pé!
O jogo segue fielmente os eventos da série, sendo que até mesmo a apresentação é a mesma
da série original (mas usando uns modelos 3D horrorosos). Além de missões extras que
aprofundam a história, temos algumas missões destravadas posteriormente que recontam
eventos de sequências da série. Há ainda um modo de batalha, em que o jogador pode apostar
dinheiro para comprar novos ATs e disputar contra outra pessoa em combates para dois
jogadores. E haja ATs, são mais de 40 modelos diferentes (incluindo os que aparecem em
séries, jogos e até mesmo revistas de modelismo), alguns melhores, outros não, e que
dependem do desempenho do jogador nas missões para serem destravados na “loja”.
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Em termos gráficos, o jogo é mediano – os ATs são fantásticos em termos de texturas e
modelos, mas os cenários são meio pobres e repetitivos (o que não atrapalha muito o jogo,
mas poderia ser melhor). Felizmente, no jogo os modelos dos personagens se aproximam mais
do design da série, em vez dos que aparecem naquela sequência de apresentação. E a trilha
sonora é impecável, pela simples razão de que reaproveita quase todas as músicas (e a
dublagem) da série original, além de algumas composições novas, mantendo um clima de jazz
muito próprio.
Não vou negar, é um jogo difícil. Quem for tentar jogar deve se preparar para enfrentar hordas
de ATs inimigos, fogo de guerrilheiros franco-atiradores escondidos no meio do mato e lutas
bem desgastantes. Mas não se trata de um jogo que é difícil por ser malfeito ou o computador
trapacear, mas pelo simples fato de os ATs (seu e dos inimigos) serem caixões de metal
ambulantes cheios de explosivo. Mesmo inimigos a pé, com lança-foguetes, podem ser letais. É
muito fácil ser derrotado, e o jogo pega pesado em missões avançadas – dando um pouco da
sensação do que o protagonista enfrenta na série. Algumas missões são frustrantes, mas em
vez de desestimular, é o tipo de jogo em que a sensação de dever cumprido é muito maior ao
vencer uma barreira.
O maior problema, certamente, é a questão do idioma. Assim como a série, os jogos de
VOTOMS nunca foram lançados oficialmente fora do Japão, e o texto e boa parte das opções
dos menus são todos em japonês. Quanto à história, realmente, não há muito que se fazer –
quem não conhece a série acaba boiando enquanto ouve a narração. Porém, felizmente, os
menus são extremamente intuitivos (sendo que a maioria é em inglês mesmo) e até mesmo os
objetivos das missões são bastante claros, havendo a indicação no mapa de locais a serem
alcançados, ou inimigos a serem destruídos, assim como se há um limite de tempo e outras
condições.
Eu não tenho como não recomendar esse jogo, já que sou suspeito para comentar dessa que é
possivelmente minha série de animação favorita. Mas se trata não apenas do melhor jogo com
a marca “VOTOMS”, mas de um excelente e pouco conhecido jogo de ação para o PS2. A
movimentação fluída, ação ininterrupta e ágil, gráficos agradáveis e variedade de opções
(como grande potencial de jogabilidade para destravar os modelos, além do modo de batalha)
certamente deve agradar quem é fã de um bom jogo de ação e quer experimentar algo
diferente. Para quem quiser conferir, um usuário colocou vários vídeos de missões desse jogo
no Youtube (veja aqui http://www.youtube.com/watch?v=meht2cF355E).
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Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã de VOTOMS ou mecha em geral; quiser experimentar um jogo com muita ação
e/ou um grau de dificuldade bastante acentuado; o som de chain guns, mísseis, explosões e
ATs deslizando soar como música para seus ouvidos e adorar o cheiro de pólvora pela manhã.
Não jogue se: achar que o idioma japonês é uma barreira intransponível; ficar frustrado
facilmente; odiar mechas ou coisa parecida.
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9. Breath of Fire II
Continuamos a saga de RPGs da Capcom com o jogo que foi lançado originalmente em
dezembro de 1994 para o Super Famicom (curiosamente, na mesma semana em que foi
lançado o console Playstation). Aprendidos os erros com a localização feita pela Square do
antecessor, a Capcom decidiu lançar por conta própria o jogo no mercado norte-americano.
Um grande erro: o trabalho de tradução e tudo mais levou muito mais do que o esperado e a
versão ocidental saiu mais de um ano depois, em dezembro de 1995, com dois problemas
principais. Primeiro, o serviço foi, sem meias palavras, muito ruim, com erros crassos de
tradução (em dado momento tem até uma inversão de respostas “sim” e “não”). Segundo, o
atraso no lançamento, apesar de tirar o jogo da disputa com Final Fantasy VI no fim de 1994,
fez com que saísse nas lojas depois de um tal de Chrono Trigger, que acabou com o brilho da
estreia do BoF II. Ainda assim, não deixa de ser um excelente jogo, e vamos ver as razões.
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Em termos técnicos, é um grande salto comparado ao primeiro da série, ainda mais sendo um
jogo feito pela mesma equipe. Os menus agora têm identificação com textos, em vez de
símbolos, e a possibilidade de organizar o inventário, uma das maiores falhas do primeiro.
Uma novidade é um pequeno monstrinho no topo do menu, que mostra a “atividade” de
monstros errantes na área: quanto mais agitado, maior a probabilidade de acontecer um
encontro aleatório. Permanece o sistema de “ações” individuais – cada personagem tem uma
ação única como quebrar pedras, atirar, etc., que tem utilidade no mapa-múndi ou nas
masmorras.
A novidade é que cada personagem tem um comando único também em combate (como o
“guts”, de Ryu, que recupera um pouco de sua energia). O grupo ativo ainda se limita a quatro
membros, mas em vez de, como no primeiro jogo, se poder alternar entre os de frente e da
reserva a qualquer momento, os que estiverem ociosos ficam em uma espécie de base do
grupo, sendo necessário utilizar um save point para mudar a formação. Nada que atrapalhe
muito, e bastante usual em termos de RPGs, mas é um estorvo comparado ao primeiro jogo
(sendo que aquele sistema só voltaria na quarta edição) e em minha opinião, um retrocesso.
No resto, continua o sistema de combate por turnos, com a fase de escolha de ações de todos
os personagens, seguida de uma rodada de ação.
O principal mini game continua a ser o de pesca, aprimorado, agora tendo uma tela própria e a
necessidade de balancear a força e a resistência da vara de pescar pra não perder o peixe.
Pode-se até mesmo fisgar um Manillo, que assim abre uma pequena loja temporária com itens
valiosos, e em alguns pontos de pesca há baús com itens raros.
As principais novidades são a inserção da “side quest” da Township, e o sistema de
xamanismo, que estão interligados. Em certo ponto, o grupo passa a ajudar um velhinho que
mora numa casa em ruínas, ajudando-o a reconstruir sua morada. Com o tempo, e a ajuda de
um arquiteto, mais pessoas são encontradas pelo mundo e que precisam de um lugar para
morar, e podem ser aceitas pelo jogador para povoarem a cidade. Assim, tem-se à disposição
uma cidade totalmente customizável, onde se pode escolher que tipo de lojas e personagens
estarão presentes. Mas são poucas vagas para muitos candidatos, então se deve fazer
experimentos e ver quais são os moradores mais interessantes ou úteis para sua cidade (e é
necessário jogar mais de uma vez pra ver todas as opções). Aqui também entra o sistema de
xamãs: na metade do jogo, o evento que desperta os poderes de dragão de Ryu traz para a
cidade um bruxa e uma jovem, que propõem ao grupo fazerem experimentos de fusão. Ao
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longo do jogo, outras jovens são encontradas e podem ser usadas para essas combinações, em
que um personagem pode se unir a até duas xamãs para ganhar bônus extras (defesa, ataque,
etc.) e até mesmo mudar de aparência, do mesmo modo que as fusões de Karn no jogo
anterior, ganhando poderes únicos especiais e um aumento considerável de força. São
diversas variações, e a fusão não é permanente, sendo revertida quando o HP cai para níveis
críticos ou no menu de fusão na Township.
Na parte gráfica, o jogo está melhor que o primeiro (que já era ótimo), com os sprites bem-
definidos e animados, sejam os da tela de combate, em “tamanho real”, seja os que se vê nos
mapas e cidades. Na média estão entre os melhores que se encontra de SNES. O grande
problema talvez seja a música, que é um pouco repetitiva (especialmente as músicas de fundo
das cidades), mas é compensada pelos excelentes temas na exploração de masmorras e
cavernas, e a diversidade de BGMs de combate e do mapa (que mudam ao longo do jogo,
como de costume na série).
Pensando apenas nesses aspectos técnicos, esse jogo seria apenas uma versão turbinada do
Breath of Fire original, então, o que o faz se sobressair? É aqui que entram o elenco e a
história, que realmente o fazem memorável. Tudo se passa em algum momento depois do
primeiro (provavelmente séculos) e dá pra se encontrar muitas localidades familiares (apesar
de outras tantas sumirem e o mapa ser completamente diferente – nesse sentido de
continuidade, Suikoden continua imbatível). Ainda temos diversas raças humanoides ou não, e
a variedade é maior que no primeiro jogo.
Claro que temos Ryu e Nina. Esse é o Ryu menos “dragão” de todos – ao longo do jogo, em vez
de se transformar por completo, ele apenas consegue fazer uma mutação parcial e soltar um
ataque (que torra TODOS os seus APs) em um turno, que praticamente é uma invocação à la
Final Fantasy. Mas não deixa de ser um personagem interessante, e o melhor do grupo. Já a
Nina da vez dispensa apresentações: é uma favorita dos fãs da série, famosa por suas asas
negras, passar a ter mais magias ofensivas em combate, aparência garbosa e história
comovente. (Trivia: no modo Heroes & Heralds do Ultimate Marvel vs Capcom 3 há um
personagem representando cada Breath of Fire nas cartas de power-ups, e essa é a única Nina
da série que aparece). Juntam-se ao grupo o homem-cão Bow, amigo de Ryu; Katt, a primeira
Woren (raça de felinos) da série; Rand, o homem-tatu (e um dos personagens mais úteis do
jogo, fazendo as vezes de curar e absorver dano de uma só vez); Jean, o príncipe sapo (que
entra para o grupo em uma série de eventos bastante divertidos); Sten, o inútil símio (isso por
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que acho ele legal); Spar, o homem planta que é uma flor; e uma personagem secreta que é
uma velha conhecida e não vamos estragar a surpresa. Cada um tem sua motivação para
entrar no jogo explorada de um modo bem mais profundo que no primeiro jogo, e têm seus
momentos de destaque ao longo da história, apesar da utilidade das habilidades únicas ser
bem menos frequente que no jogo anterior (especialmente em masmorras, outro retrocesso).
O enredo tem seus clichês e até uma simplicidade (por causa, inclusive, da tradução ruim), mas
tudo é bem amarrado e tem uma explicação. Nesse sentido, se destaca pela ousadia. A história
começa com Ryu pequeno, vivendo com sua família em uma aldeia onde existe um dragão
gigante adormecido. Após uma série de eventos, ele se vê separado de seu pai e sua irmã e é
dado como órfão. Anos depois, com seu amigo Bow, trabalha como aventureiro e enfrenta
diversos perigos ao longo de uma viagem em que encontra novos companheiros enquanto
presenciam diversos eventos suspeitos, com pessoas se corrompendo e se tornando
demônios, colocando no centro de tudo a igreja de St. Eva. Temos assim um jogo de aventura
em que a principal antagonista é uma igreja falsa que está manipulando seus fiéis, e muito
antes de Final Fantasy Tactics.
Mas não é apenas de ousadia que esse enredo se consagrou: é o Breath of Fire mais
dramático, onde decisões difíceis têm que ser tomadas pelo jogador, muitos sacrifícios
aguardam os heróis e existe apenas a possibilidade de um final (dentre três) genuinamente
“bom” (e que mesmo assim tem um gosto amargo). Soma-se a tudo isso a possibilidade de
diversos eventos terem andamento diferente ao longo do jogo (como a possibilidade de evitar
que Katt seja envenenada, ou de usar a sua cidade como meio de transporte!) e temos uma
história muito rica e envolvente. A reta final do jogo é a única da série em que realmente senti
um dever de urgência para cumprir a tarefa de derrotar o chefão, e a dificuldade envolvida
nisso. Temos ainda alguns cameos, com personagens do primeiro jogo aparecendo em uma
ilha remota e os sprites dos demônios que assolam o mundo em dado momento muito
parecidos com o inimigo Red Arremer/Firebrand da série Ghosts’n’Goblins e do Demon’s Crest.
Profundidade de história, variedade de eventos e possibilidades (pela Township e xamãs), e
personagens carismáticos fazem com que seja considerado, por muitos, a melhor história dos
Breath of Fire.
É tão perfeito assim? Claro que não. Além dos problemas de tradução, a grande pedra no
sapato aqui é a dificuldade elevada. Esse é o Breath of Fire que mais faz o jogador suar,
simplesmente pelo fato de que a curva de dificuldade é ridiculamente alta. Se ganha muito
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pouca experiência em cada luta, e a dificuldade dos inimigos aumenta de maneira constante,
sendo necessário perder muito tempo treinando ou enfrentando inimigos gigantes (e que
exigem preparo especifico em cada caso) num certo local. E tudo apenas para seguir para a
próxima área do jogo... e repetir o processo. Isso foi remediado, em partes, na versão lançada
para Gameboy Advance, de 2002, em que além de ter algumas cutscenes e retratos de
personagens novos, a experiência e o dinheiro ganhos em cada luta são dobrados
comparativamente à versão de SNES. Ainda assim, continua sendo um RPG moderadamente
difícil. E isso sem contar o mini-game mais frustrante de todos os tempos, tocar os sinos para
adquirir o feitiço Boombada, que depende de um ouvido muito bom e ficou famoso na
internet como praticamente impossível de se obter. Claro que há quem consiga, mas é
absolutamente enervante, e eu mesmo nunca consegui.
Temos, assim, um jogo excelente, que sofreu com concorrência desleal na época do
lançamento e com o despreparo da equipe de produção, mas que é um pequeno clássico do
acervo de RPGs do SNES e obrigatório para os fãs da série. O conselho é começar pela versão
de GBA, que é mais acessível para os jogadores menos hardcore, e partir para a de SNES caso
se sinta confiante ou queira um desafio de verdade. Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã da série; gostar de ficar algumas horas “pegando experiência”; quiser um jogo
desafiador e com história envolvente; quiser ver a melhor Nina da série em ação.
Não jogue se: não gostar de DRAMA; for um fundamentalista religioso ou coisa do tipo; não
gostar de pudim de mosca dourada, gente-planta afetada ou sacrifícios heroicos.
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10. Breath of Fire III
E chegamos ao aguardado review do jogo mais famoso da série de RPGs da Capcom. As razões
são muitas, mas principalmente por ter sido aquele que faz a transição ingrata de um sistema
16-bits para 32-bits, mostrando as novidades e potencial do novo console, mas ao mesmo
tempo mantendo o charme dos RPGs mais tradicionais. Por outro lado, é muito lembrado
também no Brasil por causa de uma famosa edição da revista Gamers Book com um detonado
de tradução sofrível e ...incompleto!
Breath of Fire III não teve uma missão ingrata como a de Suikoden III, que caiu de paraquedas
no PS2. O PSX já estava no mercado desde 1995 e a empresa teve tempo de sobra pra
aproveitar a capacidade do tijolão. O problema, mais uma vez, foi a habilidade do
departamento de marketing deles em escolher datas ruins: no Japão, o jogo saiu em setembro
de 1997, e nos EUA apenas em 1998, muito tempo depois do Final Fantasy VII ter virado
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clássico instantâneo. É até interessante comparar os jogos, pois o que faz BoF III (e depois o IV)
especial foi justamente ter feito o caminho oposto da maioria dos RPGs de PSX.
Não foi conservador como os Suikodens, totalmente em 2D, mas o inverso do que estava na
moda, em que os gráficos eram 3D sobre cenários 2D, com resultados muitas vezes
questionáveis. Nesse jogo, temos cenários (seja no mapa, cidades ou combate) totalmente em
3D, com texturas muito boas para a época, e com uma rotação de tela parcial (que parece
irritante no começo, mas aos poucos mostra ser um recurso genial para esconder itens nos
cenários, aumentando o potencial de exploração), sobre os quais estão os personagens, em
sprites 2D com animação primorosa. Já a música é de boa qualidade, mas em alguns
momentos soa estranha, com uma batida eletrônica que não combina sempre com a situação,
e sem a tradicional alteração do BGM de combate ao longo do jogo.
A mecânica é bem mais evoluída que a dos anteriores, obviamente, mas tem seus retrocessos.
Os menus tem um sistema de organização que não ajuda muito, e voltam a ser ícones com
desenhos e textos, remetendo ao primeiro da série. Nada mais de ações únicas de cada
personagem em combate, apesar de existirem fora dele e serem essenciais para descobrir
segredos, resolver quebra-cabeças e abrir novos caminhos (algo sempre bem-vindo). O sistema
de luta é quase igual aos anteriores, com turnos e ordem de ações definidas pela agilidade dos
personagens, mas agora apresenta um menu em forma de cruz que permite que algumas
ações sejam selecionadas diretamente no direcional, com toques rápidos na direção do
comando, além dos L1 (“charge”, que ataca automaticamente) e R1 (escapar). A novidade é o
comando “examine”, por meio do qual o personagem pode aprender “skills” (habilidades de
combate, como magias e ataques) usadas pelos inimigos. Os sprites tem animação quase
perfeita, e maior parte das ações são dubladas, como ataques e magias, com um time de
primeira que inclui Kappei Yamaguchi fazendo a voz do Ryu. Com o tempo dá pra enjoar das
vozes em combate, mas é um toque simpático. O grande retrocesso é o grupo “ativo” de
combate, agora limitado a três membros. Funciona bem, mas deixa as opções de combate
muito limitadas em algumas situações, e acho um grupo muito pequeno.
Perde-se o sistema de xamãs e combinações, mas se ganha do de Masters. São personagens
encontrados pelo mundo que se dispõem a ensinar os personagens do grupo de acordo com
algumas condições. Após ganhar alguns níveis com o “pupilo”, o jogador pode voltar para o
mestre e aprender uma “skill” nova. Além disso, cada mestre dá modificadores de status para
quando o seu pupilo subir de nível, o que possibilita deixar algum personagem mais
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equilibrado, ou abusar do sistema pra deixar os melhores status de cada personagem
absurdamente altos e tornar as lutas um passeio.
Com relação a mini games, existe uma variedade enorme deles ao longo do jogo
(provavelmente, o BoF que mais tem, alguns divertidos, outros irritantes como o infame jogo
do Garr tirando água do poço), especialmente nas “masmorras”, mas dois principais e
recompensadores, o jogo de pesca e da construção da vila. Essa é a pescaria mais divertida da
série, com uma variedade enorme de peixes, um sistema que é muito legal de jogar (dá pra
ficar horas nisso), e que traz recompensas, com a lojinha do Manillo (caso se pesque um desses
homens-peixes gordos) e a possibilidade de usar muitos dos peixes como itens de combate,
num jogo em que itens são caros. Já a vila das fadas é um aspecto famoso do jogo – em dado
momento o grupo tem que ajudar umas fadinhas irritantes e completamente inaptas, que
morreriam de fome sem Ryu pra dizer o que elas devem fazer. Literalmente – o jogador deve
visitar periodicamente a vila, por meio dos portais de flores que existem pelo mundo, e
distribuir as fadas entre diversas funções, como caça, limpeza e construção, pra fazer a vila
prosperar. Lá se podem abrir lojas com itens únicos, raros ou úteis, tudo sob o controle do
jogador.
O mundo em si perde, comparado aos jogos anteriores. Parece reduzido, e praticamente uma
linha reta até se chegar ao oceano, que revela apenas algumas áreas novas. A grande novidade
é o fato de não haver encontros aleatórios no mapa – caso surja uma exclamação “!” na
cabeça do Ryu, pode-se entrar numa miniárea criada aleatoriamente, onde ocorrem os
combates e se pode achar algum item perdido no chão. E é possível montar acampamento nas
áreas de campo aberto, onde se pode descansar, gerenciar as skill e conversar com os
personagens do grupo pra dar mais profundidade à história. É muito legal, mas com o tempo
acaba ficando cansativo ter de fazer isso toda vez que se quer salvar o jogo.
As cidades são bastante povoadas, e apesar de se exagerar no reaproveitamento de sprites
com cores diferentes, sempre há muita vida, e tudo se movimenta. Mesmo os personagens, se
forem deixados parados por muito tempo, começam a fazer uma ação própria, como sentar no
chão, comer maçã ou ler um livro. E antes de cada combate, o tempo de carregamento é gasto
com cada membro sacando sua arma e se preparando para a luta. Há uma atenção incrível
para todos esses pequenos detalhes, apesar de haver uma curiosidade acerca da arte – alguns
sprites são muito diferentes da arte final do jogo, especialmente as versões criança e adulta de
Nina, o que teria acontecido por atrasos no cronograma de desenvolvimento, o que fica muito
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estranho. Mas enfim, temos a miríade de raças, dos jogos anteriores, com sapos, macacos, e
todos as demais figuras que já apareceram, mas com algo estranho. Fora Wyndia, não há
cidades próprias de raças, está tudo misturado... e aqui entramos na cereja do bolo, o enredo.
Esse jogo se passa muitos anos (talvez milhares) depois dos primeiros jogos, mas tem seus
laços muito mais profundos com o primeiro – o que se vê logo na tela de apresentação, que
mostra nada mais nada menos que a luta final do BoF I!. Porém, o que se vê é um mundo
decadente. Os dragões viraram fósseis e são usados como combustível. O povo de Wyndia
nem tem mais asas. O deus-dragão Ladon, que antes servia de save point e era visto por todo
lado, se resume agora a uma estátua esquecida numa cidade remota. Nessa realidade atípica,
mineiros acabam despertando um pequeno filhote de dragão, no violento início do jogo.
Esse dragão vira um menino, o Ryu da vez. Agora a transformação em dragão acontece por
meio de um sistema de “genes”, que são encontrados pelo mundo e possibilitam diversas
combinações, com inúmeros resultados, e consumindo uma quantidade de AP por turno.
Certamente é o melhor e mais complexo de todos os jogos. Ele acaba se juntando aos novos
amigos Rei, um ladrão Woren (o povo felino), e Teepo, um garotinho mal-humorado. No
começo da história, se envolvem com criminosos e uma tragédia separa os amigos. Com isso,
Ryu passa a viajar pelo mundo para encontrá-los, e nisso se junta aos demais membros. A Nina
do jogo aparece logo, ainda criança, e é a mais fútil de todas, mas ao mesmo tempo sendo a
mais devotada a ajudar seu amigo Ryu. Depois temos a engenheira Momo, com suas longas
orelhas de coelho (?), o estranho e misterioso mutante Peco, personagem útil para resolver
alguns quebra-cabeças, e só, e o favorito de todos, o único, o guardião Garr, a enorme gárgula
que se impõe tanto na história quanto em combate. O grupo é bem pequeno, e nisso tem uma
virtude – pela primeira vez na série foi possível aprofundar a história de cada personagem, e
cada um tem seu charme, não sendo difícil entender o porquê de ser o jogo mais querido dos
fãs.
O grupo segue pelo mundo, realizando pequenas tarefas que envolvem cada personagem, em
busca da verdade sobre uma guerra que aconteceu há eras e foi a responsável pela extinção
do Dragon Clan (agora chamado apenas de “Brood”). Nisso o grupo passa por grandes perigos,
um lapso de tempo em que as crianças crescem, e algumas das viagens mais épicas da história
dos RPGs. Aqui entram a travessia do grande oceano, e a principal de todas, a fantástica parte
da travessia do deserto, que é uma seção incrivelmente criativa com relação à navegação, que
tem uma carga de enredo importantíssima e exige muita atenção do jogador (especificamente
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por que no jogo existem instruções ERRADAS de como chegar ao outro lado...), sendo muito
envolvente e dando uma sensação de desespero a cada dia que passa na imensidão vazia. Só
quem joga pode entender isso.
Mas, nem tudo é perfeito. Em primeiro lugar, o jogo tem um pico de dificuldade alto a partir
da metade, exigindo que o jogador fique pegando experiência em alguns momentos, e a taxa
de encontro nas “masmorras” é relativamente alta (se bem que nada comparada à do I). No
começo do jogo, o dinheiro é bem limitado, e fica complicado depender de itens ao longo da
jornada. Por fim, como dito antes, se beneficia dos gráficos quase perfeitos, e da possibilidade
de desenvolver a historia bem mais profundamente que os anteriores, com cerca de 35-40h de
jogo para finalizar (mas podendo chegar a 80h com coisas extras e tudo mais), porém, é uma
história menos ambiciosa, até mesmo previsível. Apesar de tudo acontecer ao redor da busca
do lugar de Ryu no mundo, são os outros personagens que conduzem a história, com as idas e
vindas pra chegar ao objetivo, quase como se o herói fosse um espectador participando da
coisa. Apenas na reta final do jogo que os elementos principais são destrinchados, e acontece
de um jeito tão rápido que fica uma sensação estranha, algumas perguntas ficando sem
resposta... na minha opinião a história do II é melhor. De modo algum é um jogo ruim! Muito
pelo contrário, o enredo é impecável nesse sentido, mas depois da ousadia do segundo jogo,
faltou algo. De todo modo, ele fecha bem o ciclo original da série, resolvendo o problema
inicial de toda a história, e tem a possibilidade de fazer um “clear save” após os créditos para
liberar conteúdo extra, continuar a pescaria e ir enfrentar os inimigos mais fortes do jogo.
Hoje, o jogo é um clássico do PSX, e obrigatório para o fã de RPG. Saiu um remake para PSP em
2005, mas apenas na Europa e no Japão. Tem algumas diferenças (e bugs novos, por incrível
que pareça), mas é essencialmente a mesma versão, dando mais opções a quem interessar. É
um jogo incrível, com elenco carismático, divertido de jogar e com aquele ar meio “oldschool”.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã da série ou de RPGs em geral; gostar do estilo 2D e animações muito bem-
feitas; quiser experimentar o sistema mais interessante de “dragon genes” e o melhor mini-
game de pesca da série.
Não jogue se: não gostar de mini-games frustrantes; não gostar de mandar em fadas idiotas;
tiver um péssimo senso de direção ao se guiar pelas estrelas.
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11. Back to the Future: The Game
Algumas obras são unanimidade em seu gênero. Todo mundo gosta, e não perdem a graça
com o tempo. E quando pensamos em filmes de aventura, esse título é incontestável – quem
não conhece a trilogia “De volta para o futuro”? Os três filmes da década de 1980, dirigidos
por Robert Zemeckis, são amados e lembrados até hoje, e claro que renderam sua cota de
jogos eletrônicos, como toda franquia de sucesso.
Os jogos baseados nos filmes tiveram sua vida em consoles de 8 e 16 bits, especialmente as
versões da Nintendo. O jogo do primeiro filme é notório pela crítica. Quando se pensava em
aventura, os jogos de então eram basicamente jogos de plataforma com jogabilidade limitada
e que davam asas à imaginação com relação aos objetivos, que geralmente não tinham nada a
ver com os filmes. Mesmo o jogo mais divertido, “Super Back to the Future II”, de SNES, apesar
de relativamente fiel ao material de origem, usa e abusa de “licença poética” no design do
jogo, por assim dizer. Em suma, nada contra esses jogos, mas como representação dos filmes,
deixavam muito a desejar, e geralmente iam para a extensa galeria de jogos ruins baseados em
filmes.
Isso até que, no ano de 2010, a empresa Telltale Games obteve a licença para usar os filmes da
série (além de Jurassic Park) para criar jogos. A empresa é famosa por usar uma engine de um
gênero em decadência, o de aventura “point and click”. Em eras passadas, antes de virarem o
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terreno dos FPS e MMOs, jogos de computador eram sinônimo de adventure. Quem jogava
num desktop tinha uma experiência muito diferente de um console, justamente pela utilização
do mouse, principal periférico pra uso nesses jogos, e com isso tal geração tinha um charme
próprio. O foco poderia ser menos na ação, e mais na exploração, mistérios e, principalmente,
quebra-cabeças. Tinha para todos os gostos. Quem já jogou Myst ou algum da série Monkey
Island sabe bem disso. A fórmula do “clicar e interagir” meio que evoluiu em outros tipos de
jogos, mas com a aproximação da tecnologia dos PCs com os consoles, essa experiência do
gênero em si está se perdendo, restrita aos nostálgicos que preservam abandonware e
empresas como a Telltale, que sobrevivem mal e mal nesse nicho de mercado.
Pois então, o que virou disso? O jogo com o nome do filme foi dividido em cinco partes, que
foram lançadas sucessivamente, por distribuição digital e mídia física para diversos sistemas,
incluindo Windows, iOS, PS3 e Wii. Isso dava aos jogadores um gostinho de “quero mais” a
cada etapa completada. A escolha do gênero foi acertada, já que pôde se focar no elemento
mais importante, a história, enquanto permitia ao jogador ter uma experiência agradável.
O jogo é em 3D e com visão em terceira pessoa, com controles bem simples. O direcional
move o protagonista, Marty, pela tela, enquanto com o mouse se pode interagir com o
cenário, utilizar objetos, conversar com pessoas e fazer escolhas quando necessário. Na tela de
jogo existem alguns menus, com configurações, um inventário de itens que Marty pode obter
ao longo da jornada e utilizar para fins específicos e resolver quebra-cabeças, além de um
sistema de “dicas”, que serve para ajudar a resolver os mais difíceis por meio de charadas.
Pode-se alterar a dificuldade (ou seja, o nível e frequência das dicas) e o idioma de jogo no
menu inicial.
Os gráficos são relativamente simples, mas com boa consistência, e mesmo assim precisam de
uma máquina relativamente decente para rodar com as configurações mínimas. O design é
bem interessante, com versões estilizadas dos personagens (mas bem diferentes daquela
versão em animação dos anos 90). Em alguns momentos a iluminação fica meio estranha e
deixa os personagens com um aspecto meio assustador, mas no geral o resultado é simpático.
Todos os eventos são falados (com possibilidade de colocar legendas), e o trabalho de som é
excepcional, tanto na dublagem norte-americana quanto na trilha sonora. O ator A.J. Locascio
faz a voz de Marty (e é assustadoramente parecida com a voz do Michael J. Fox no filme
original), enquanto o próprio Christopher Lloyd dá vida novamente ao inventor maluco que
marcou sua carreira. Mesmo o elenco secundário é muito bom – uma voz familiar para
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jogadores de plantão é o dublador do jovem Emmet Brown, James Arnold Taylor, que também
faz a voz do Tidus de Final Fantasy X. A trilha sonora é em boa parte original, mas claro que
tem várias faixas dos filmes. Uma sacada muito interessante é a música de introdução –
geralmente, os jogos se valiam da mais famosa (o tema principal dos filmes), mas aqui, quando
o jogo carrega, se ouve uma música mais serena, a da abertura do segundo filme, dando uma
atmosfera muito mais imersiva para o jogador (deixando o tema mais famoso para os
momentos de ação). É como se estivesse começando a ver um filme!
A palavra-chave aqui é imersão, e nesse sentido, o que é uma das virtudes começa a gerar
também problemas para o jogo. A sensação é justamente a de estar se assistindo um filme,
por vezes literalmente. As opções dadas ao jogador são limitadas, e tudo tem um “script”. Se
não fizer as ações necessárias para a história andar, o jogador vai ficar “preso” em uma seção
específica até conseguir descobrir a solução de um puzzle ou com quem falar. Não existe
“game over” aqui. Mesmo nas “lutas” contra chefes, o pior que pode acontecer é Marty
comentar algo do tipo “não posso me arriscar” a voltar a uma posição segura,
automaticamente. Ao mesmo tempo em que dá uma sensação de segurança, isso pode afastar
os jogadores que curtem mais ação.
Mas esses são os problemas de jogabilidade. Talvez o grande barato aqui seja a história, feita
em conjunto com um dos roteiristas dos filmes, Bob Gale. O jogo se passa em uma linha do
tempo que não é oficial, mas logo após o terceiro filme, em 1986. O doutor Brown
desapareceu após partir com sua família e Marty assiste de modo impotente a seu laboratório
e posses serem leiloados. Nesse momento, o DeLorean ressurge, com uma mensagem do
cientista, e Marty parte em busca de seu paradeiro, por meio de uma investigação e buscando
pistas com ajuda do cão Einstein. É claro que isso envolve viagens no tempo, e o jogo nos leva
primeiramente à década de 1930, de gângsteres e da proibição do álcool, e deve se deparar
mais uma vez com um vilão Tannen, agora o pai de Biff. Ao longo dos capítulos a história se
desenrola muito além disso, e a cada solução que se dá ao problema anterior, surge uma nova,
dando um tom grandioso aos eventos. A mensagem é muito parecida com a dos filmes, de que
mexer demais com o passado geralmente tem consequências ruins, e apenas os fatos que
acontecem de modo “natural” dão resultados bons e duradouros.
O problema da história é justamente essa repetição de fórmula. Os eventos são legais (a ideia
de usar os anos 30 e apresentar a família do Doc veio direto de ideias descartadas para o
segundo filme) e geralmente não causam paradoxos com a própria continuidade dos filmes,
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mas são relativamente previsíveis, alguns personagens não tem a mesma graça dos filmes, e
em alguns momentos a situações de jogo ficam meio forçadas (especialmente com as
intervenções do Einstein e a explicação para esse novo DeLorean). No geral, a sensação é de
que a qualidade cai muito a partir do segundo capítulo, especialmente pela recorrência de
eventos e diálogos muito longos em alguns momentos. Mas, tirando esses detalhes, o que
importa é a diversão, e nisso o jogo tem sucesso. A história não é ruim, e tem muitos
momentos de ação bastante ao estilo dos filmes. Quem realmente é fã da série (e quem não
é?) vai curtir essa oportunidade de ver um pouco mais de nossos personagens queridos, o que
poderia ter acontecido após os filmes, e realmente se divertir com um jogo leve, de diálogos
cheios de referências e com muito bom humor. Há ainda uma surpresa muito especial no
último capítulo, e o final é surpreendente. Por mais que haja pequenos defeitos no enredo
(muito bem trabalhado, ainda assim), e a jogabilidade limitada, não deixa de ser divertido pelo
fator nostalgia – não é um quarto filme da série, mas mata um pouco a vontade.
Para completar, não sei se foi apenas para as encomendas iniciais, mas quem adquire o jogo
faz uma boa ação, pois parte da renda vai para a Fundação Michael J. Fox de pesquisa do mal
de Parkinson. Bacana.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã dos filmes; gostar de jogos “point and click”; gostar de gângsteres, distopias,
viagens no tempo e um cachorro absurdamente esperto.
Não jogue se: não gostar de jogos altamente roteirizados; não gostar de versões cartunziadas
com olhos tenebrosos; for um Tannen.
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12. Breath of Fire IV
Completamos um ano de Memory Pack com o fechamento da sequência clássica da série de
RPGs da Capcom. Lançado em 2000 para o PSX em versões japonesa e norte-americana, 2001
na versão europeia, e em 2003 para Windows, Breath of Fire IV aproveitou quase tudo o que o
jogo anterior trouxe de melhor, mas ao mesmo tempo atraindo críticas pelo enredo, que tenta
ser inovador, mas acaba sendo pouco inspirado.
Os três anos que a equipe teve para fazer o jogo após o sucesso de Breath of Fire III foram bem
gastos na parte técnica. Visualmente, esse jogo é um dos mais bonitos que já vi, e sem dúvidas
o melhor da série (superando mesmo o 3D de Dragon Quarter). Os cenários são em 3D
(razoavelmente melhores que os do III, mas um pouco datados para a época já), agora com
rotação de câmera decente, sobre os quais ficam sprites 2D. Os personagens são muito
detalhados, sua animação é absurdamente fluida e existe uma enorme variedade de tons de
cores e sombras. Os retratos mostram uma grande mudança na arte do jogo, feita por Tatsuya
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Yoshikawa, o mesmo do jogo anterior, mas agora com um estilo bem variado, e um toque
bastante “oriental” não apenas nos personagens mas no mundo como um todo, se
estendendo à trilha sonora (que é ótima).
Mas isso são apenas aparências – em termos de mecânica de jogo que chegamos ao ponto
alto. Esse é simplesmente o Breath of Fire tradicional (desconsiderando DQ) mais divertido de
jogar. Simples assim. Os tempos de carregamento são quase inexistentes, os menus fluem de
maneira rápida, e duas novidades tornam os combates muito dinâmicos. A primeira, como
havia comentado nos reviews anteriores, foi o uso de uma versão turbinada do sistema de
organização da equipe que havia no primeiro jogo. Nada de bases e entediantes trocas de
personagens no acampamento – à medida que os personagens entram no grupo, eles ficam
permanentemente, e podem ser utilizados a qualquer momento durante o combate. Apenas
três deles ficam na “ativa”, mas é possível selecionar entre os até seis disponíveis a cada turno,
fazendo com que três fiquem na “reserva”, recuperando energia e até mesmo executando
ações próprias aleatórias (como “rocket punch” de Ershin). Se alguém morre, pode
simplesmente ser trocado por alguém da reserva, fazendo com que não seja tão necessário
desperdiçar turnos trazendo um membro caído de volta (ainda mais em um grupo ativo de
apenas três membros).
A outra adição é um sistema de “combos”, em que o uso de magias e técnicas consecutivas
pode engendrar sequências (com contador e tudo, como nos jogos de luta) e até mesmo criar
magias diferentes, além de causar efeitos extras como bônus de dano. Com isso é possível criar
sequências de dano altíssimas e contagens de acertos astronômicas abusando de algumas
técnicas. Em todo caso, essa possibilidade aumenta a variedade de opções para o jogador, e
torna as lutas (que voltam a ser com a câmera “fixa” com a visão por trás do time, como fora
antes do III) muito divertidas. Por fim, permanece o sistema de skills e Masters, exatamente
como no terceiro jogo, bem como a possibilidade de montar acampamento. Como não podia
faltar, temos alguns mini games, porém a maioria é decepcionante. Mesmo o jogo de pesca e a
“vila das fadas”, apesar de mais complexos, não são mais úteis ou divertidos como nos jogos
anteriores.
No fim das contas, na parte técnica, só elogios. Então por que se vê tanta crítica a esse jogo
por aí? Aqui entramos na segunda parte, e mais espinhosa, que é a história. Breath of Fire IV se
passa em um mundo muito diferente dos outros jogos, e não há nenhum indício comprovando
que seja no mesmo mundo dos demais. Porém, uma personagem central é vital para a série
49
como um todo (mas vamos guardar os spoilers). Tudo fica mais confuso quando se descobre
que um dos masters disponíveis é ninguém menos que a inventora Momo, do terceiro jogo,
que diz ter aparecido lá depois de uma explosão e não se lembra de nada. Easter egg?
Confusão? A Capcom tirando uma com a nossa cara? Há argumentos contra e a favor da
“localização” desse jogo na cronologia original, e não cabe aqui discutir, mas o fato é que a
história é bastante diferente dos demais.
Nesse mundo, não existe Dragon Clan ou Brood. Os dragões são entidades poderosíssimas,
venerados como deuses e conhecidos como Endless. O grande antagonista aparece logo no
começo, Fou Lu, o imperador adormecido, ele mesmo um Endless, que repousa à espera de
sua “metade”. E aqui entra o protagonista, o quarto Ryu, que é encontrado pela Nina da vez
(na verdade, esse é o único jogo em que a Nina aparece antes dele). A história é bem simplória
do ponto de vista do jogador. Nina (possivelmente a encarnação mais sem graça da
personagem) e seu amigo Cray (o Worren da vez, com jeitão de índio, tacape e tudo)
encontram Ryu enquanto buscam sua irmã desaparecida. Apesar de a história rumar para uma
maior complexidade e ser em essência centrada na dupla Ryu/Fou Lu, o personagem
basicamente se deixa levar pelos eventos. Felizmente os coadjuvantes salvam. Além do trio
certinho de protagonistas, temos o guarda-costas Scias, um cão samurai gago, mas que na
versão original japonesa estava o tempo todo bêbado (isso mesmo!), a misteriosa armadura
ambulante Ershin, muito mais expressiva que boa parte do elenco mesmo não tendo rosto, e a
incomparável Ursula, a militar durona que é um dos melhores personagens do jogo seja em
combate ou na história.
Reparem que usei o termo antagonista em vez de vilão para descrever o Fou Lu. De fato, aqui
temos a grande novidade (mas que muita gente não gostou) desse jogo: por diversas vezes ao
longo da história, o jogador perde o controle sobre o grupo e passa a jogar como o próprio Fou
Lu! Desse modo, é possível ver a historia sob um segundo ponto de vista, entender melhor
suas motivações, e ver quem são os verdadeiros vilões do jogo. A ideia é maravilhosa, mas o
problema foi a execução. Muita gente reclama que Fou Lu é apenas mais um clone do
Sephirot; outros, que seja uma versão pobre de um “dirty hero”, aquele que faz o bem mas
não se importa de matar mil. Na verdade, o grande problema aqui é o ritmo. A história anda
muito vagarosamente. Não há nenhum grande momento “épico” como nos jogos anteriores –
o grupo apenas viaja, chega a um lugar, faz algo e vai em frente até chegar ao final do jogo.
Quando alguma coisa mais agitada está acontecendo, o jogo muda para Fou Lu numa aldeia no
meio do campo. É muito contraste, não se mantém o ritmo.
50
Mesmo o sistema de jogo reflete essa dicotomia. O mundo é dividido em duas porções (uma
mais oriental e outra ocidental), e as músicas de fundo mudam em cada uma delas. Quando o
jogador controla Fou Lu (que está em outro continente), toda a música do jogo muda e dá uma
sensação de imersão muito bacana. Por outro lado, o mapa-múndi, que já foi tão vivo e
colorido nos outros jogos, virou uma série de cidades e locais ligados por pontinhos como no
Final Fantasy Tactics ou Suikoden III. É frustrante, limita a liberdade do jogador e não ajuda
nada na progressão arrastada da história. A própria transformação em dragão, a principal
marca da série, é pouco memorável: Ryu vira um híbrido (que lembra o modelo “Warrior” do
BoFIII), e praticamente “invoca” os dragões quando usa o ataque de sopro. No fim das contas,
vai ser lembrado sempre como o Ryu que vira um homem flutuante com “pés de galinha”
(literalmente).
A história não é necessariamente ruim. Com o tempo se descobrem cada vez mais surpresas.
Essa ideia de ficar alternando o ponto de vista do jogador é simplesmente genial. O jogo tem
boa carga dramática, e mostra alguns dos momentos mais revoltantes que já presenciei
jogando videogame, sem precisar de apelação gráfica. Os vilões e seus métodos são
abomináveis. Mas tudo fica muito confuso na reta final, alguns conceitos não são bem-
explicados. Talvez o grande problema seja a falta de carisma: o casal protagonista é meio sem
graça, Fou Lu tem sua profundidade mas é o clichê do inimigo angustiado, e por aí vai. Quando
os personagens secundários são mais memoráveis que os protagonistas, tem coisa errada.
Além do mais, a versão ocidental teve algumas cenas censuradas, e partes do diálogo alteradas
(como o Scias bêbado que vira gago). Pra coroar, tudo leva a crer que a história terminou
inacabada (jogo finalizado às pressas, é o que dizem). Quem já terminou esse jogo sabe do que
estou falando.
Em suma, tinha tudo pra dar certo, e particularmente gosto muito desse jogo - quem apreciar
o sistema de combate, ou os personagens, vai ter uma boa experiência. Porém, ao mesmo
tempo, a história arrastada e alguns problemas (especialmente os mini games) podem ser um
fardo e tornar o jogo bem chato. Isso se reflete nas críticas variadas (e nas vendas) do jogo,
que fez com que a equipe colocasse esse modelo de desenvolvimento de RPGs mais
tradicionais de lado e tomassem um rumo completamente diferente para a sequência...
Então, a quem recomendar?
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Jogue se: for fã da série; curtir anti-heróis e pontos de vista alternativos; quiser experimentar
um sistema de luta muito dinâmico e divertido; gostar de ver vilões detestáveis em ação.
Não jogue se: não gostar de RPGs; não gostar de híbridos com pés de galinha; não gostar de
uma história meio arrastada; não entender o porquê da remoção de cenas de nudez e
decapitações.
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13. Breath of Fire: Dragon Quarter
Encerramos o nosso passeio pela série Breath of Fire com o quinto título, lançado em 2003
exclusivamente para o PS2. Naquele ano, o mundo descobriria a versão mais inusitada de
todos os jogos da série, que desafiou diversos conceitos consagrados da série e propôs uma
experiência totalmente diferente de jogo, agradasse ou não aos fãs. E essa aposta da Capcom
teve um resultado bastante diverso, seja com os fãs que amam ou odeiam o jogo com igual
intensidade.
Isso se vê inclusive no título – a versão norte-americana abandona o numeral “V” (que
aparecia na japonesa) e adota apenas o subtítulo, “Dragon Quarter”. Aquele que tivesse
jogado qualquer uma das outras edições e resolvesse experimentar aquele novo jogo teria
uma baita surpresa. Cenários totalmente 3D, com um cel-shading primitivo, e um ambiente
sombrio e perturbador. Nada do mundo cheio de cores e vida dos outros jogos – a história de
Dragon Quarter se passa literalmente em uma enorme masmorra, em que os humanos estão
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confinados, obrigados a construir suas cidades sob a terra após a superfície ter se tornado
inabitável após cataclismos. Não se vê céu (de modo irônico, uma das áreas amplas do jogo
tem um “céu” pintado no teto), a sensação é claustrofóbica e a maior parte do jogo se passa
em locais escuros, sujos, cheios de cadáveres apodrecendo e com moscas ao redor. Sim, é um
ambiente deprimente que vemos nesse RPG nada comum.
Nesse aspecto, a diferença é tão grande que o gameplay prevalece sobre a história. O enredo é
o mais simples e, ao mesmo tempo, misterioso dos cinco jogos da série. Tudo o que se sabe no
começo do jogo é que você é Ryu, um ranger de baixo nível que trabalha fazendo pequenos
serviços nessa sociedade subterrânea. Um elemento misterioso, o D-Ratio (que parece ser o
que determina o “nível social”) já aparece logo no começo, e aos poucos a história vai se
desenvolvendo e o jogador começa a entender o que realmente está se passando. Muita gente
não gosta dessa “falta” de informação, mas ao mesmo tempo dá uma grande imersão ao
jogador para ir se acostumando aos poucos com esse ambiente “hostil”. Ao participar de uma
missão, acompanhado pelo colega Bosch, Ryu logo encontra outras personagens que vão
compor a equipe ao longo do jogo. São duas: Nina, sem dúvida a de visual mais perturbador,
praticamente muda, e cujas asas têm uma função sombria (explicada depois) e mais para
compor o visual “tradicional” do personagem; e Lin, a representante Woren (o povo felino), a
segunda vinda da Ursula, que usa armas de fogo e tem apenas as orelhas e cauda da raça. É
bom se acostumar – ao longo do jogo são apenas esses três os personagens jogáveis (Bosch é
temporário).
E basicamente é isso. Ocorrem algumas reviravoltas, mas o enredo é bem direto. Em certo
momento, Ryu adquire a habilidade de se transformar em dragão... e aqui começam as
grandes novidades. Mas são muitas, então vamos por partes.
Primeiramente, o combate. Em Dragon Quarter, as lutas não são encontros aleatórios – assim
como em Chrono Trigger, é possível ver os inimigos antes do combate (na maioria das vezes –
alguns ficam dependurados no teto, e atacam de surpresa). A diferença é o sistema PETS
(Positive Encounter Tactical System), em que o jogador pode colocar armadilhas para evitar
confrontos, usar bombas e até mesmo matar alguns monstros antes mesmo de a peleja
começar pra valer. Durante o combate, a palavra-chave é liberdade: o jogador pode pegar
itens, mover livremente o personagem de acordo com a quantidade de APs disponíveis, e até
mesmo girar a tela. Os ataques, físicos ou mágicos, são semelhantes ao sistema de Xenogears,
com três níveis de ataques que devem ser executados de acordo com os botões designados e
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que podem engendrar combos, novamente, de acordo com a quantidade de AP disponível. É
simplesmente divertidíssimo, o que ajuda muito, já que a maior parte do jogo é justamente
“dungeon crawling” e combates.
Mas então, é um jogo leve e divertido? Muito pelo contrário. Os problemas do jogador estão
apenas começando. Os menus são fluidos, mas revelam um “pequeno” problema: o espaço
para itens é extremamente limitado. E como quase tudo que se encontra no jogo são itens, de
equipamentos a armadilhas e skills, o jogador se vê obrigado a descartar constantemente
parte do seu inventário e ter o dilema de sair de uma cidade carregado e seguro ou deixando
espaço para as coisas que encontrar pelo caminho mas se arriscando com menos provisões.
Pode ficar pior? Claro. E os programadores sádicos da Capcom sabem muito bem como fazer
essa pressão. Lembram-se dos Ink Ribbons de Resident Evil? Pois é, em Dragon Quarter existe
algo semelhante. Existem dois tipos de “saves” nesse jogo, hard e soft. Usando um “save
token”, o jogador pode criar “hard saves” em pontos específicos. Mas são itens extremamente
raros, bem como os locais para salvar. A solução? Usar os “soft saves”, feitos a partir do menu.
O problema é que, quando salvos, desligam o jogo, e quando carregados, se apagam
automaticamente. Ou seja, se você fizer alguma bobagem, conseguir um game over, ou
simplesmente acabar a luz no seu bairro, bem... azar o seu, se prepare para reiniciar o jogo, ou
recarregar do último hard save (que pode estar a horas de distância...).
É pressão suficiente? Claro que não! Aqui entramos no elemento mais controverso do jogo,
aquele do “ame ou odeie”, e que faz muita gente o abandonar, o D-Counter. Lembram quando
falei do Ryu virar dragão? Pois é, algum tempo depois aparece um pequeno contador no topo
da tela. Ele começa zerado, mas progressivamente vai aumentando. O mero ato de andar faz
com que aumente, e usar os poderes de dragão faz literalmente saltar em direção aos 100%. E
o que acontece quando chega a isso? Adivinhem só. Isso mesmo. Game Over, c’est fini.
“Caramba Netus, que tipo de sádico faz um jogo assim?” E aqui entra a genialidade, e o valor
de jogabilidade. Toda vez que você sofre um game over, por qualquer razão, pode recomeçar
do último hard save, do jeito que estava, ou do começo do jogo... mas com todo seu
equipamento estocado, experiência do grupo e skills! Ou seja, praticamente um “New
Game+”, e dependendo de onde o jogador parou ele literalmente “voa” pelas partes iniciais do
jogo. Fazer isso também é uma intenção do jogo: quanto mais o jogador avança na história, em
caso de game over (ou de recomeçar voluntariamente pelo menu – dá pra fazer isso também!)
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quando retroceder terá novas cenas adicionadas, podendo entender melhor a história, e o D-
Ratio de Ryu aumenta gradualmente dependendo de seu desempenho, liberando novas áreas
e poderes. Começando em 1/8192, é possível chegar até o D-Ratio ¼, o tal Dragon Quarter do
título. Então o jogador tem muito trabalho à frente – não basta zerar o jogo, se deve
recomeçá-lo varias vezes pra entender completamente a história. Com isso em mente, fica o
dilema para o jogador, tentado a usar e abusar do poder de dragão, que realmente torna as
lutas MUITO fáceis, e ficar reiniciando, ou jogar de um jeito mais tático, com muito mais
dificuldade, mas reservando o poder de dragão para as partes mais críticas do jogo. E, bem ou
mal, é um conceito absurdamente fenomenal e inovador para um gênero que sofre com a
mesmice, que é o RPG. Em tempo, dá pra abusar do sistema e ficar alternando entre saves
hard e soft quando se “recomeça” pra juntar muita experiência em pouco tempo, mas tem
quem considere isso trapaça, então...
O jogo se vale apenas disso? Claro que não. A música é muito boa, sob a batuta de Yasunori
Mitsuda (que dispensa apresentações), e fica meio repetitiva pode ser um jogo curto, mas se
adequa muito bem a cada situação do jogo e aos cenários. Visualmente não é impressionante,
mas muito bom quando se pensa na idade, um dos RPGs da infância do PS2 e um dos pioneiros
no uso de “cel-shading”, ficou até simpático. Mesmo a história, curta e simples, tem seu
charme, pela situação extremamente atípica e pela relação entre Ryu e Nina. Eles trocam
poucas palavras ao longo do jogo (ironicamente, esse é o único Ryu que fala), mas dá pra ver
que a relação de apego e proximidade entre a dupla é uma das mais fortes da série.
O que dizer de negativo? Realmente, pensando na história e no sistema, não há muito do que
reclamar. Se há um problema, é justamente a dificuldade. Eu nunca havia sofrido um game
over em RPG com menos de 20 minutos de jogo – até jogar Dragon Quarter. Os inimigos são
brutais, chefes dão dor de cabeça e é praticamente impossível zerar o jogo sem recomeçar
nenhuma vez. Ao mesmo tempo, o próprio jogo dá ferramentas para contornar isso, como o
“New Game+”, e principalmente o sistema PETS. Usando e abusando de armadilhas, um
jogador experiente consegue completar o jogo, que dura de 15 a 20 horas, em inacreditáveis
54 minutos! (http://speeddemosarchive.com/BreathOfFire5.html) Isso pulando cenas e coisas
do tipo, mas ainda assim, espantoso. Ou seja, tem quem veja a dificuldade como um problema,
mas tem quem veja nisso um desafio... e quem busca isso vai ter um belo jogo nas mãos.
Enfim, o que fica desse jogo? É sensacional. Tem quem considere o melhor da série. Tem um
sistema de combate divertido, mas que ao mesmo tempo pressiona o jogador, por todos os
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lados: o D-Counter, o cuidado com os saves, a pressão pela falta de espaço no inventário, ao
aperto dentro dos túneis e cavernas... Chega a ser angustiante o mero ato de jogar. E isso
rendeu uma fama meio ruim entre muita gente. Mas talvez a razão principal seja, para os fãs
mais puristas, simplesmente não ser um Breath of Fire. E essa é a verdade. O jogo subverte
quase tudo que existe nos demais, seja pela história simplificada, ou pelo sistema de combate
extremamente complexo e rico em opções. E quem conhece pra valer sabe que é um dos
grandes jogos de RPG do PS2, e, por que não, de todos os tempos, com uma premissa
inovadora, jogabilidade fluida e visual agradável. O problema, talvez, tenha sido justamente a
adoção da grife “Breath of Fire”, quando poderia ter sido lançado com outro nome (o que
dificilmente afetaria o enredo) e talvez tido outra sorte, ficando mais conhecido.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã da série; gostar de combates dinâmicos; quiser experimentar um jogo
extremamente desafiador e com potencial de jogabilidade muito alto; não se importar em
gerenciar um grupo com recursos limitados; não se importar com gente franzina e princesas
anoréxicas.
Não jogue se: for um fã fundamentalista da série; a rede elétrica do seu bairro não for
confiável; se frustrar facilmente; não gostar de ficar morrendo, e recomeçando o jogo toda
hora; se for claustrofóbico.
Com isso, fechamos a série Breath of Fire. As vendas de Dragon Quarter foram boas, assim
como a crítica (apesar do “racha” entre os fãs), mas havia algo de estranho, e o jogo virou cult.
No fim das contas, mudanças de direção e política fizeram a Capcom sepultar a marca e não há
previsão de que volte a ser lançado um jogo da série. Pensando em como estão tratando
Megaman, podemos até considerar que há males que vêm para o bem, mas ao mesmo tempo
fica aquela curiosidade de saber como poderiam expandir os conceitos de Dragon Quarter, ou
como seria um Breath of Fire mais tradicional em consoles de nova geração. Fica a saudade e a
memória dessa série clássica.
Edit (2014): e não é que vai sair o Breath of Fire 6 em 2015? Mas vai ser um jogo de rede online
para plataformas móveis. Como esperado, era melhor que deixassem a série em paz...
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14. Carnage Heart (PSX, PSP)
Certa vez li em uma compilação um review do primeiro Star Wars feito por ninguém mais
ninguém menos que Isaac Asimov. Nos idos de 1977, o grande autor contestava um dos
aspectos mais legais do filme – como uma civilização que tem robôs avançados, viagem na
velocidade da luz e armas que destroem planetas ainda necessita de espaçonaves tripuladas
para combate? Para ele, seria tudo computadorizado e o desfecho dos combates seria
decidido em frações de segundos. Essa passagem é um pretexto para introduzirmos a série de
jogos a ser tratada hoje, que lida muito bem com essa questão da tecnologia e de um modo
único: Carnage Heart, para PSX e PSP.
Lançado em 1995 no Japão pela Artdink para o PSX tijolão, e em 1997 nos EUA e Europa, o
primeiro Carnage Heart se tornou um jogo cult, famoso (por quem conhecia) pela lenda de que
seu manual de instruções teria mais de 200 páginas. Mas por que tanta coisa? A essência do
jogo é sua mecânica requintada. Carnage Heart é um jogo de estratégia, ambientado num
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futuro distante. A missão do jogador é controlar um exército de robôs, chamados OKE (Overkill
Engine), em combates brutais pelo controle das luas de Júpiter, com variados tipos de
objetivos, de defender sua base a destruir todos os inimigos em ação.
Qual a diferença para outros jogos do gênero? Aqui, o jogador não controla as máquinas. Os
OKEs são unidades não tripuladas e completamente autônomas. No papel do comandante, se
deve organizar todo o aspecto de produção dos mechas, como design, adição de partes e
armas, desenvolvimento e compra de novos materiais, e por aí vai. Mas não é apenas isso, e
aqui entramos na mecânica mais importante da série (e que a distingue): você é responsável
pela modificação e programação da Inteligência Artificial de cada uma das unidades. Uma
preparação cautelosa, e com adaptação a padrões específicos, é essencial para dominar o fluxo
do combate e atingir os objetivos para a vitória.
O aspecto do jogo parece bem simples, tanto na parte gráfica quanto nos objetivos. Mas não
se engane. É extremamente desafiante e demanda grande preparação e aprendizado dos
jogadores iniciantes. A montagem do “hardware” tem sua importância (na verdade, não se
pode começar a mexer na IA antes de terminar a montagem do “corpo” do OKE), mas o que
domina é a construção do “software”, e é nisso que o jogador vai passar a maior parte do
tempo. Mais do que um jogo de ação, é um puzzle elaborado, no qual o jogador aprimora as
rotinas de execução das atividades dos robôs de acordo com cada missão.
Como funciona essa IA? Na tela de modificação do software, existe uma grade quadricular com
diversas “casas”. Em cada uma delas pode ser colocado um chip, com vários tipos de ações
específicas, como pular ou atirar. Cada um desses chips pode ser programado para ser ativado
com parâmetros específicos (como por exemplo “andar 50m” ou “pular para a esquerda se
atirarem na unidade”). Funciona como um diagrama de fluxo: o chip inicial trata da primeira
ação que o OKE vai tomar; a partir dele, outras ações são tomadas (ou não) até que os chips
acabem e o processo volte ao começo, em um loop infinito e automático.
Parece complicado? E é, muito. Mas, se o jogador curte estratégia e preparação elaborada,
esse é o tipo de jogo que pode tomar horas de sua vida – o aspecto de programação pode
parecer chato, mas nesse jogo é basicamente um quebra-cabeças elaborado. No fim das
contas, é divertido passar o tempo pensando na lógica a ser aplicada em cada programação,
pensando tanto no equipamento disponível em cada OKE quanto nos inimigos e obstáculos a
serem enfrentados, testar e ver como funciona – para se sentir satisfeito em ver o programa
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rodando como esperado, ou como um pequeno erro que faz o mecha agir de modo
descontrolado (que pode até ser divertido). Na verdade, um programador de verdade pode
acabar se frustrando com a limitação das opções na ação dos OKEs (para depois dominar
completamente o jogo...). Via de regra, programas mais simples são os mais eficientes (com
ações básicas de desviar, virar e atirar). Mas é claro que rotinas mais complexas dão resultados
interessantes, com o uso de módulos e a interação entre os esquadrões de suas forças. Com
tudo pronto, entramos na parte dos combates em si, em que o jogador se limita a assistir seus
OKEs em ação, quase que como em um filme, e acompanhar os resultados de sua
programação em combates que podem acabar em questão de minutos.
Esse primeiro jogo é antigo, e como tal tem gráficos bastante simples (mesmo para o PSX),
menus meio truncados, uma trilha sonora nada inspirada, além de mal ter uma história. Por
outro lado, os designs mecânicos são de Kow Yokoyama (criador da série sci-fi “Maschinen
Krieger”), e a premissa totalmente diferente do que se vê em jogos de robôs (basicamente, de
ação e tiros) tornam esse título bastante diferente.
Carnage Heart foi lançado no ocidente, mas não teve sucesso e poucos lotes foram feitos,
tornando-o uma raridade. Foram lançadas sequências, das quais três vieram para o PSX, mas
apenas no Japão. São elas “Carnage Heart EZ”, “Zeus Carnage Heart Second” e “Zeus II Carnage
Heart”. O jogo EZ teve uma tradução feita por fãs e pode ser encontrado por aí, mas
basicamente é o mesmo jogo do original em termos de mecânica, com a diferença de
apresentar mais opções de programação e IA inimiga mais sofisticada.
A transição para o PSP não trouxe muitas novidades, com “Carnage Heart Portable”, uma
versão turbinada do jogo original, mas também restrita à versão japonesa. Não parecia haver
muitas opções para o jogador que não soubesse falar japonês. Até que, em 2012, saiu
“Carnage Heart EXA”. Em um primeiro momento, mais uma vez, limitado apenas ao Japão, mas
eis que a Natsume (de Harvest Moon, etc.), consegue lançar uma localização muito bem-vinda
para os fãs ocidentais no começo de 2013. Isso foi surpreendente, considerando o pequeno
nicho de jogadores para esse tipo de jogo e o fato de o PSP já estar nas últimas (é
possivelmente um dos últimos títulos a sair para o portátil).
EXA se aproveita da novidade. O jogo é muito bonito graficamente, tem boa trilha sonora e,
talvez sua principal vantagem, é bem mais amigável aos jogadores novatos. Em vez de um
manual gigante, o jogo apresenta um longo tutorial na forma do modo de história, em que o
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jogador aprende as técnicas básicas de programação e vai se aprofundando, ao mesmo tempo
em que acompanha o enredo apresentado na forma de Visual Novel. A experiência de jogo é
um pouco diferente dos antecessores, pelos menus fluidos e pela facilidade em aprender os
conceitos em cada “lição” – mesmo com guias e tutoriais na internet, o primeiro jogo é
bastante desafiador para jogadores iniciantes. Em EXA, é possível até mesmo “colar”
programas prontos para entender melhor como cada tipo de chip funciona.
A grande novidade aqui é o fato de finalmente ser possível controlar manualmente os OKEs,
com a introdução de chips de reconhecimento de botões. Para ser justo, existe um cheat no
primeiro jogo que tem o mesmo efeito e o torna um jogo de tiro em primeira pessoa, mas é
estupidamente fácil e detona a jogabilidade e o desafio. Em parte, a adição dos comandos
manuais faz parte da história, para ajudar a compreender programação básica, mas ainda é
essencial que o jogador aprenda a produzir OKEs automáticos, seja pelo fato de um controle
100% manual ser insanamente difícil, seja pelo fato de haver missões em que é necessário
despachar diversos OKEs (ou que seja literalmente impossível cumprir com apenas uma
máquina), o que torna obrigatório o uso de autômatos. Com o tempo, fica possível programar
sub-rotinas e combinar esses dois aspectos, deixando por exemplo o comando dos
movimentos do mecha com o jogador e as armas em modo automático. É sensacional.
Um dos problemas é o fato de os tutoriais serem obrigatórios. O jogo não avança sem que se
tenha cumprido o objetivo de cada “lição”. Bom para iniciantes, chato à beça para veteranos.
Porém, é importante aprender cada aspecto – pode-se avançar sem usar o que foi ensinado,
mas isso pode custar caro mais à frente. Além disso, hoje em dia os jogadores mais
tradicionais torcem o nariz para esse tipo de informação mastigada nos jogos modernos, mas o
caso de Carnage Heart é bem especial e essa é uma novidade muito bem-vinda.
Ao contrário dos reviews anteriores, não tem como elencar pontos negativos ou positivos. Não
há problemas com tempo de carregamento (mesmo por que a maior parte do tempo de jogo
se gasta em menus), o jogo original tem seus problemas mas é antigo, o novo é quase
perfeito... A questão aqui é simplesmente se o jogador vai ou não com a cara do jogo. É muito
interessante, uma premissa única, mas que afugenta a maioria dos jogadores ocasionais, além
de ser bastante difícil. Carnage Heart vai fazer o jogador gastar muito tempo, às vezes
tentando buscar por horas soluções para problemas em algum ponto da programação para
depois descobrir que não deu em nada ou pior, estragou outra seção. Realmente é desafiador.
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Por outro lado, quem curte um bom desafio, goste de puzzles ou estratégia, e por que não,
goste de programação e coisas do tipo, vai ter um jogaço em mãos.
Como disse anteriormente, apesar de ser muito raro (não chegaram a sair 10 mil unidades da
versão ocidental), o jogo original pode ser encontrado a preço de banana em sites de leilões. Já
a versão norte-americana de EXA está disponível na PSN a preços camaradas e é praticamente
uma obrigação dos fãs adquirirem, dado o esforço da Natsume em trazer um jogo com um
apelo tão específico para um aparelho já no fim de sua carreira. Para quem interessar, a
sugestão é jogar primeiramente o EXA para pegar o jeito e depois partir para a versão original.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã de mechas, jogos de estratégia, puzzles ou tudo junto; for um programador que
ama seu ofício; quiser experimentar uma guerra brutal nas luas de Júpiter do conforto de sua
casa.
Não jogue se: não gostar de ficar horas mexendo num grid enorme e com a possibilidade de
dar tudo errado; não gostar de programação ou mechas.
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15. Live A Live
Retomamos a análise de RPGs com uma verdadeira joia rara do Super Famicom, que teria tudo
para ter se tornado um título clássico, mas que continua relativamente desconhecido no
Ocidente pelo fato de nunca ter sido lançado oficialmente fora do Japão. Graças aos valorosos
esforços do incansável grupo Aeon Genesis (em um de seus melhores trabalhos), finalmente os
jogadores que não falam japonês tiveram a chance de apreciar essa obra de arte, que contém
um enredo surpreendente e premissa inovadora.
Lançado em setembro de 1994, Live A Live faz parte de uma série de jogos mais experimentais
da Squaresoft, como os da série SaGa ou Mana. Ele saiu um pouco depois do arrasa-quarteirão
Final Fantasy VI, e é prova de como aquele biênio (94/95) foi possivelmente o melhor da
história da empresa.
A apresentação do jogo, em um primeiro momento, é meio que decepcionante. Os sprites dos
personagens são minimalistas e lembram (para não dizer que copiam totalmente) o estilo de
Final Fantasy IV e V. Mas essa é uma impressão passageira. Os cenários são ricamente
elaborados (na medida do possível) e guardam muitos segredos – quase tudo pode conter um
item. Claro que há os tradicionais baús de tesouros, mas verificar coisas como peças de
decoração ou coisas penduradas nas paredes pode reservar boas surpresas aos jogadores. A
grande melhora em termos gráficos se dá na tela de combate – os personagens ganham sprites
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bem mais detalhados e fluidos, que rivalizam em qualidade com os de jogos mais refinados
como FFVI. A parte sonora? Adianto que é fantástica, mas vamos deixar mais pra frente.
Ok, parece mais um RPG genérico, daquele estilão manjado da Square. O que teria de
diferente afinal? Vamos começar pelo sistema. Em Live A Live, pode-se salvar o jogo à vontade,
em qualquer lugar (o que considero sempre um ponto positivo, principalmente depois do
trauma de Dragon Quarter). Os menus são bastante simples e o inventário é bem reduzido
durante a maior parte do jogo.
A grande inovação aqui vem no combate: não existem indicativos de turnos (como ATBs ou
coisa do tipo), e os personagens podem se mover livremente pela tela, de modo semelhante
ao que viria no Star Ocean de 1996. A tela de combate é basicamente um grid (7x7, salvo
engano), em que os personagens e inimigos podem se mover livremente, e não existe quase
nenhuma informação que não seja o HP dos personagens e menus quando chega o turno do
jogador. Existe uma dimensão estratégica nisso tudo: a movimentação pode ajudar a escapar
de ataques dos inimigos, assim como se afastar para recuperar o HP. Na vez do jogador, ele
pode utilizar um personagem para se mover e/ou atacar, ou “passar a vez” para outro
personagem de seu time.
Os inimigos são sprites estáticos (como os FF das antigas), mas também se movem, e podem
inclusive ser “virados” de costas por determinados ataques, fazendo com que percam um
turno se voltando e criando algumas estratégias interessantes (e por vezes fundamentais) para
vencer os combates, especialmente contra chefes. Para completar, alguns ataques causam
“efeito de área”, alterando o chão do grid e causando dano por envenenamento, choque, fogo,
etc. Basicamente, cada combate é um minijogo de estratégia, e tudo fica facilitado pelo fato de
que não há nenhum tipo de limite com relação à utilização dos golpes e habilidades especiais.
Claro que os mais fortes demoram mais tempo para carregar, mas essa característica, somada
ao fato de que o HP dos personagens é restaurado após cada combate (até mesmo os que
morreram!) e de que é possível causar status negativos absurdos, incluído redução de nível (!),
faz com que os combates sejam extremamente ágeis.
O sistema de jogo em si já valeria a pena para quem pretende experimentar algo bem
diferente do JRPG tradicional. Mas o grande fator, que tornou esse título Cult, é o modo como
a história é desenvolvida. Já tratamos de um jogo com conceito parecido aqui na coluna –
lembram-se do Suikoden III, em que tínhamos vários protagonistas vivendo a mesma história
64
sob diferentes ângulos? Bom, esse estilo remonta lá aos Phantasy Star antigos, e a Square já
fazia isso antes de Live A Live, com os jogos da série SaGa (Romancing Saga, etc.). Mas há uma
diferença fundamental – naqueles jogos, há vários protagonistas, mas uma única história
intercalada. Em Live A Live, esse conceito é levado a um extremo, e aqui mora a genialidade.
Live A Live nos apresenta sete protagonistas. Basicamente é como se fosse uma pequena
antologia, e se iniciasse um jogo diferente a cada vez! Não são apenas personagens, enredos e
cenários diferentes – existem até mesmo diferenças sutis de mecânica de jogo, que tornam
única a experiência de começar cada capítulo. Isso foi feito de um jeito singular – o roteiro e a
arte de cada parte foram entregues a artistas de mangá consagrados, que produzem inclusive
material promocional diferenciado para cada uma das seções, e que se vê logo na capa do
jogo. A maioria são nomes ilustres no Japão, mas pouco conhecidos no Ocidente. Talvez os
mais famosos sejam Gosho Aoyama (criador da famosa série Detective Conan/Case Closed) e
Kazuhiko Shimamoto (que fez os designs da série G Gundam e o famoso Anime Tenchou).
Completando esse timaço, temos a “estreia” de Yoko Shimomura na Square justamente nesse
jogo. Vinda da Capcom (a semelhança do tema de Masaru com o de Ken do Street Fighter não
é mera coincidência!), a talentosa compositora, que no futuro traria pérolas como a trilha de
Parasite Eve e Kingdom Hearts, mostrou a que veio. As composições se adequam de maneira
fenomenal a cada capítulo, criando todo o clima para cada história, e algumas são
particularmente boas (como a música do capítulo da China antiga, que ganhou um arranjo
orquestral espetacular em seu álbum “Drammatica”, e o tema de combate contra chefes,
“Megalomania”, uma das melhores BGMs de combate que já ouvi).
São sete os personagens “iniciais”, e cada uma das histórias têm trilha sonora e ambientação
histórica diferente, bem como uma mecânica específica. No capítulo pré-histórico, vemos
Pogo, um homem das cavernas que enfrenta uma guerra tribal com seu amigo gorila. Aqui
existe uma sacada genial, em que simplesmente não há texto! Os personagens se comunicam
por balões com imagens e pura expressão corporal (o que, considerando as limitações dos
sprites, é assombroso); além disso, Pogo pode “cheirar” o ar para procurar caça (leia-se: lutas).
No capítulo da China antiga, temos o mestre do estilo Xin Shan Quan em busca de um
sucessor. O que diferencia essa parte das demais é o fato de se poder escolher um discípulo
entre três candidatos, e treiná-los ao longo da história por meio de combates. No capítulo do
Japão feudal, o jogador encarna o ninja Oboro invadindo um castelo. Trata-se de um
verdadeiro labirinto, em que o jogo propõe dois desafios: atravessar o castelo sem matar
nenhuma pessoa (com direito a uma “capa” de invisibilidade pressionando o botão Y), ou
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exterminando todas as 100 que encontrar pelo caminho (tarefa que não é tão fácil como
aparenta). O capítulo do faroeste faz uma homenagem aos filmes de bangue-bangue com a
história do pistoleiro Sundown Kid enfrentando um bando de malfeitores para salvar uma vila.
É relativamente curto, e o tempo é limitado: antes de o sino soar oito vezes, Sundown deve
procurar itens para fazer armadilhas e entregar aos moradores para reduzir o bando de
criminosos a ser enfrentado na luta final. O capítulo moderno é uma grande brincadeira com
os jogos de luta, mostrando a luta de Masaru Takahara para ser o homem mais forte do
mundo. Não existe um cenário – o jogo imita uma tela de seleção de personagens, parecendo
um autêntico jogo de luta, em que Masaru escolhe os oponentes que enfrenta para aprender
suas técnicas (à la Megaman). No capítulo futurista, temos a história do psíquico Akira em uma
aventura que parodia todos os clichês de anime, com direito a música-tema e até mesmo um
robô gigante. É meio longo e confuso, principalmente por abusar da necessidade de Akira ler a
mente das pessoas (pressionando Y) para avançar a história. Por fim, no capítulo sci fi, temos o
robô Cube perambulando por uma nave espacial quando eventos aterradores começam a
acontecer. Não há combates nesse capítulo (e durante boa parte, nem música), com um
ambiente sinistro que remonta a um filme de terror.
Após completar cada um desses jogos, surge um capítulo extra, em que finalmente o jogo se
torna um RPG mais convencional, mas reserva uma surpresa das melhores que já vi e abre
espaço para o capítulo final, o mais longo e divertido. Como se vê, o jogo nos traz clichês, mas
muito bem-feitos. Títulos mais modernos (como os SaGa de PSX) têm histórias mais elaboradas
com um conceito parecido, mas Live A Live é único, pelo modo como consegue apresentar
essas histórias tão diferentes de um modo simpático e divertido, amarrando-as com um
artifício absolutamente surpreendente (fora as desventuras da família Watanabe – em todos
os capítulos, uma cruel coincidência de humor negro traz em algum momento uma cena em
que um certo Watanabe morre de maneira horrível e deixa seu filho para trás). Fãs de filmes
de luta ou western vão se deliciar com as referências nos capítulos de Xin Shan Quan e
Sundown. Fãs de jogos de luta vão adorar o capítulo de Masaru. A simplicidade incômoda do
capítulo de Cube é angustiante (de um jeito bom) em alguns momentos. É um jogo que apela
para todos gostos, e coroa isso tudo com um enredo único, que chega a ser shakespeariano.
Por muitos anos, essa pérola do Oriente ficou esquecida ou relegada aos que conheciam o
idioma, até que o grupo Aeon Genesis cumpriu a tarefa de trazer um patch em inglês,
tornando possível conhecer o jogo por meio de emulação. Em 2008, soltaram uma versão
“deluxe” da sua tradução, contendo melhorias gráficas e fontes diferentes para cada capítulo,
dando um charme maior a cada uma das partes do jogo.
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Claro que existem problemas, mesmo pela idade do jogo. Os gráficos simplórios podem afastar
jogadores mais novos. O sistema de combate é divertido, mas pode ficar muito repetitivo,
além de ser possível abusar de status negativos, ou alguns itens e habilidades serem apelativos
demais, podendo tirar um pouco da graça. E alguns capítulos são relativamente difíceis de
encarar sem o uso de um detonado, como o de Akira e, especialmente, o de Oboro.
Mas nada disso tira o brilho dessa obra. O roteiro de cada capítulo cai como uma luva em cada
caso, e alguns (como o de Cube) são simplesmente brilhantes. Esse esforço “coletivo” fez com
que cada etapa do jogo tenha algo a mais, um “quê” especial. As lutas podem ficar repetitivas,
mas algumas são desafiadoras, incluindo chefes com ataques que matam de uma só vez e
inimigos comuns que podem ter uma vantagem numérica enorme, ou o simples fato de que no
começo de cada seção jogador se vê lutando contra montes de inimigos usando um
personagem do qual não conhece quase nada e tem que aprender “na marra” suas habilidades
e pontos fracos. Existe uma boa razão, afinal, para se possa salvar o jogo a qualquer instante.
É um título que não tenho como não recomendar. Conheci há pouco tempo, e digo sem
dúvidas que entra facilmente na minha lista de cinco RPGs favoritos que joguei na minha vida
toda, se não no meu top 5 de jogos como um todo. É sensacional, um jogo rápido (alguns
capítulos podem ser completados em menos de meia hora), ágil, com uma premissa
diferenciada e relativamente fácil de se acostumar ao estilo. Com a tradução da Aeon Genesis,
não há mais desculpa para não tentar essa extraordinária contribuição da Square para o
catálogo do SNES (bom, Super Famicom, mas enfim), com um estilo experimental que
certamente poderia ser aproveitado novamente nos dias de hoje.
A quem recomendar?
Jogue se: gostar de bons RPGs, histórias entrelaçadas e reviravoltas impressionantes; gostar de
homens das cavernas, filmes de kung-fu, faroeste, ninjas, Street Fighter, paródias de anime e
filmes de ficção científica; quiser realizar aquele sonho de ver um caubói, um ninja e um robô
lutando contra monstros.
Não jogue se: ....não gostar de gráficos antigos? Sério, jogue.
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16. Growlanser (série)
Esse mês continuamos a falar de RPGs, mas agora de uma série como um todo, e que mais
uma vez possui algumas características bastante particulares com relação à mecânica de jogo
que a torna única. Porém, mais que o refinado sistema de combate, os jogos da série
Growlanser são bem conhecidos também pelo trabalho do famoso ilustrador Satoshi
Urushihara na parte de design de personagens.
A série é composta (até o momento) por 6 jogos que foram lançados na família de consoles da
Sony do PSX ao PSP, além de versões para Windows, pela Career Soft em conjunto com a boa e
velha Atlus. O primeiro jogo, Growlanser, saiu para PSX em 1999, para PC em 2001, além de
um remake para PSP em 2009, mas todas as versões limitadas ao Japão. As sequências,
Growlanser II: the sense of justice, e Growlanser III: the dual darkness saíram em 2001 já para o
PS2, e tiveram uma versão ocidental (com leves modificações) lançada em conjunto pela
Working Designs, Growlanser Generations, no ano de 2004. Growlanser: Wayfarer of time (ou
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Growlanser IV) saiu apenas para PS2 em 2003, na versão japonesa, mas teve relançamento
para PSP com versão ocidental em 2012. O quinto jogo, Growlanser: Heritage of War
(Growlanser V: Generations no Japão) saiu em 2007 para PS2 já com versão ocidental, e
apenas o último título, Growlanser VI: Precarious World saiu apenas para o PS2 japonês, no
ano de 2007. Ufa.
Parece confuso, mas o que basta saber é que apenas o primeiro e o último jogos não têm
versões em inglês, e que, principalmente, o sistema se mantém intacto em quase todas as
versões. Assim como em Suikoden, apesar da variedade e distância dos eventos, a história se
passa em um mesmo mundo, e alguns jogos são continuações diretas (especificamente I para
o II e V para VI), até mesmo havendo personagens recorrentes (o que é sempre um atrativo).
A história em si é bem “básica” se comparada a outros RPGs. Via de regra há uma guerra na
qual o grupo de protagonistas está envolvido de alguma maneira, e logo se descobre um tipo
de mal maior que devem enfrentar para salvar o mundo. Realmente, são enredos
relativamente genéricos, apesar de haver algumas surpresas bem interessantes na reta final,
como em Growlanser II, ou o protagonista com múltiplas personalidades do terceiro título. No
fim das contas, todos os jogos da série apresentam variações de temas comuns aos JRPGs. O
mapa-múndi, por exemplo, varia ao longo dos jogos – em Growlanser II é aquela coisa horrível
de um mapa com localidades ligadas por pontos, como em Suikoden II ou Final Fantasy Tactics,
e com uma lista de “ações” possíveis em vez de exploração; já no III e subsequentes existe um
mapa aberto e possibilidade de entrar nas cidades e tudo mais.
De todo modo, o que sobressai aqui é o sistema de combate. O primeiro jogo é exceção,
apresentando um sistema ainda rudimentar, e diferente dos demais. Os sprites são bem
pequenos e sem muita definição, apesar de simpáticos. Mas já temos algo diferente aqui. Em
vez de se abrir uma tela de luta, o grupo enfrenta os monstros no próprio mapa de exploração,
mantendo a mesma posição e tudo mais. Assim como em Chrono Trigger, os encontros que
não sejam de enredo não são aleatórios, e é possível até evitar as lutas.
O que fez o jogo ficar conhecido e virou a marca de série começa no Growlanser II, e são as
dinâmicas de combate. Trata-se de um sistema tático de combate em tempo real, ou o que
mais se aproxima disso que eu já tenha visto (pau a pau com Grandia), que surge nesse título e
passa a ser cada vez mais refinado nas versões seguintes. O campo de luta geralmente é bem
amplo, geralmente maior do que a tela, e pode chegar a mais de uma dezena de unidades,
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entre o grupo do jogador, aliados, inimigos e... civis? Sim, muitas vezes existem elementos
neutros, que não têm nada a ver com a luta, como animais e pessoas, mas assim como em
uma guerra de verdade ficam no meio do combate e muitas vezes devem ser protegidos ou
mesmo resgatados. Há ainda elementos como construções, obstáculos, e é claro, tesouros a
serem coletados em alguns combates.
O grande barato que esse sistema proporciona é a variedade de objetivos. Na maioria das
vezes, basta aniquilar os inimigos, mas devido à presença de personagens neutros e ocorrência
de obstáculos e elementos de cenários, há uma enorme gama de possibilidades. Algumas
missões podem incluir a proteção de aldeões contra monstros invadindo a vila por todos os
lados, conseguir algum tesouro em específico, proteger monstros indefesos do ataque de
outras criaturas, passar despercebido por um grupo inimigo (em uma verdadeira missão
furtiva) e até mesmo simplesmente fugir de um cerco inimigo! Como se vê, algumas dessas
missões exigem habilidades de combate, mas em outras o jogador deve aproveitar ao máximo
as possibilidades do sistema de luta, incluindo mover os personagens livremente pelo campo
de batalha.
Nesses jogos (exceto no primeiro, claro), a ordem de ação dos personagens é dada pelo
parâmetro de agilidade de cada um. Mas não existem turnos ou coisa do tipo – caso alcance
seu objetivo ou complete o tempo necessário para sua ação, ele a executará e em seguida
ressurgirá o menu de ações do personagem para que possa dar continuidade ao jogo.
Enquanto o jogador navega o menu e faz suas opções, a ação é interrompida, mas em
qualquer outra circunstância todos os personagens presentes no combate estão se
movimentando ou fazendo algo – assim como o jogador pode mover o cursor e escolher
qualquer personagem para checar seus status ou alterar uma ação que ainda não tenha
completado. É extremamente dinâmico, e algumas missões bem difíceis por conta de fatores
como inferioridade numérica.
Existem várias ações possíveis em combate. A mais elementar é a de movimentação. O jogador
define uma linha que parte do personagem e determina seu ponto de chegada. Caso haja um
obstáculo, o computador se encarrega de fazer o personagem desviar, mas geralmente a IA é
meio “burra”, então o ideal é traçar uma série de linhas em vez de um caminho reto, formando
pequenos trajetos que podem ser mais eficientes. É possível também fazer ações mais comuns
em RPGs, como atacar ou usar itens, sendo que o uso de magias tem um toque interessante
também. Ao se conjurar uma magia (seja um ataque, proteção, bônus, entre outros), o jogador
70
pode optar por “níveis” de ataque. Quanto mais níveis, mais “concentrada” pode ser a magia,
e é possível atingir alvos múltiplos. Usando um exemplo básico, o jogador pode usar uma
magia com dois “níveis” para atingir dois inimigos com um “nível” cada ou atingir um único
inimigo em cheio com força total. Isso já daria um toque estratégico, mas também se deve
levar em conta o tempo de conjuração e a possibilidade de até mesmo “abortar” o
encantamento para executar outra ação ou de “atrasar” sua ativação para esperar um
momento mais oportuno. É bem sofisticado.
Outra coisa que afeta o combate, mas tem mais a ver com o sistema, é o equipamento dos
personagens. Fora as armaduras e coisas do tipo, as armas que cada personagem usa são as
mesmas ao longo do jogo (assim como em Suikoden). O que muda são os “rings”, um sistema
de anéis equipado por cada personagem, que na verdade é o que “manifesta” a arma utilizada
e confere bônus e status melhores (como maior atributo de ataque, velocidade, etc.), além de
poder acoplar em si “gems” (gemas) que conferem poderes como magias, proteção contra
elementos ou bônus diversos. É possível equipar até três gems de variados níveis em cada ring,
e assim como o sistema de armas de Diablo, os rings são aleatórios, com bônus e alocação de
gems diferentes a cada vez que o jogador encontra um novo, e ligados ao tipo de nome de
cada ring.
Fora de combate, o que chama a atenção é a arte do jogo. Como dito antes, está a cargo do
talentoso Satoshi Urushihara, que já trabalhou em jogos como a série Langrisser e o jogo de
mechas de SNES Assault Suits Valken, mas que é famoso mesmo por seu trabalho para revistas
adultas (a ponto de ficar o aviso, para quem quiser pesquisar o trabalho dele, tem muita coisa
NSFW). De todo modo, Urushihara é um desenhista extremamente talentoso seja em termos
de criatividade, seja de qualidade técnica (com seu uso impecável de técnicas de nuances e
sombreado), tornando os designs de personagens da série Growlanser detalhados e belos.
Isso ajuda quando levamos em consideração que boa parte dos diálogos transcorre num estilo
meio “visual novel”, com imagens dos personagens aparecendo de corpo inteiro na tela e
“interagindo” com o jogador. Esse aspecto meio “VN” está presente inclusive em elementos de
“dating sim” ao longo dos jogos, em que decisões do jogador afetam o relacionamento do
personagem com seus companheiros (especialmente companheiras...) e podem render até um
desfecho romântico ao final da história. Não é novidade (Fire Emblem que o diga), mas gera
um grande potencial de jogabilidade, com dezenas de finais alternativos possíveis.
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Para variar, nada é perfeito, e Growlansers não escapam à regra. Se a arte dos jogos é
excepcional, o setor de áudio fica bastante prejudicado. A maioria dos jogos tem dublagem,
que pode ser irritante com o tempo (todo mundo fala algo quando ataca...) ou pouco inspirada
(leia-se, versão americana). Quanto à música, na maioria é uma batida meio eletrônica sem
muito apelo, apesar de algumas músicas (especialmente de combate) serem muito boas.
Quanto aos gráficos dos jogos em si, a maior parte é em 2D, e apesar de decentes (em alguns
momentos, os cenários subterrâneos chegam a lembrar masmorras de Diablo), são
relativamente datados para a época de lançamento. Apenas os mais recentes, Heritage of War
e Precarious World são em 3D, mas também nada excepcional.
Enfim, temos uma série de jogos com um fator de jogabilidade bastante elevado (seja pela
quantidade de finais alternativos, seja pelo sistema de combate em que nunca há uma luta
igual à outra) e arte fantástica, mas que sofre com algumas limitações técnicas como a trilha
sonora e enredo pouco inovador, para dizer o mínimo. Vale a pena para quem quiser jogar
algo bem diferente do seu RPG convencional.
A quem recomendar?
Jogue se: gostar de combates dinâmicos e imprevisíveis; for fã da arte do Urushihara,
personagens extremamente bonitos e donzelas sensuais; quiser experimentar um jogo que se
aproxima bastante de um combate em tempo real, mas sem ser de fato.
Não jogue se: não estiver à vontade com o idioma japonês (no caso do primeiro e último jogos);
não gostar de comentários irritantes e dublagem no meio de combates; não gostar de histórias
com muitos clichês ou gráficos “datados”.
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17. A série SRW Alpha (PSX)
Imagine uma história em quadrinhos mostrando um crossover entre os Vingadores e a Liga da
Justiça. Já aconteceu, pra falar a verdade, mas imagine que além das principais estrelas de
Marvel e DC aparecessem também heróis da Image como Spawn, Savage Dragon e os
Wildcats, e até o Hellboy fazendo uma ponta pela Darkhorse. Agora imagine que isso, em vez
de ser uma HQ com história pré-definida, fosse um jogo de estratégia, e em vez de super-
heróis fossem as mais diversas séries de animação, mangás e jogos de mecha. Isso já acontece
há mais de 20 anos, em uma série que já rendeu mais de 30 jogos entre sequência e títulos
relacionados, além de mídia como animações e mangás. Estamos falando de Super Robot
Taisen/Super Robot Wars, a série da Banpresto (hoje parte da Bandai-Namco) que definiu o
gênero de crossovers em jogos de estratégia por turnos e sobre a qual começaremos a falar
hoje, focando nos títulos da cronologia “Alpha”, que definiram o estilo moderno da franquia.
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O primeiro SRW saiu para o Gameboy em 1991, e trouxe as três séries clássicas, que via de
regra estão sempre presentes nos jogos (com algumas exceções): Mazinger Z, Getter Robo e o
Gundam original. De lá para cá surgiram diversas sequências, e jogos isolados, que não fazem
parte de uma cronologia específica. Isso decorre em parte de uma característica interessante
desses títulos, que são geralmente exclusivos do console para que foram lançados (com uma
ou outra exceção), mas sem restrições quanto às plataformas. Pode-se dizer que todos os
consoles a partir do Gameboy, portáteis ou não, tiveram ao menos um jogo SRW, do NES ao
PS3.
Como dito, boa parte dos jogos são “autossuficientes” ou remakes, mas há pelo menos 4
cronologias em que se observa uma continuidade na história dos jogos e que são bem
delimitadas: a original, que vai do SRW 2 ao F Final (que viveu do NES ao PSX); a Alpha (que
teve vida nas plataformas PSX e PS2); a OG, que encampa apenas os jogos da série Original
Generations (com personagens originais da Banpresto/Bandai Namco, inclusive a série
Masoukishin, sem séries licenciadas); e a série Z (a mais recente, que foi estabelecida com o
lançamento dos jogos para PS2 em 2008 e PSP entre 2011 e 2012). Há quem considere que os
jogos Impact e MX constituam uma sequência, mas não há nada que confirme isso fora
algumas coincidências como a trilha sonora.
Mas o foco será na série Alpha. Hoje, falaremos dos dois jogos para PSX, “Super Robot Wars
Alpha” e “Super Robot Wars Alpha Gaiden”. Quando lançaram o primeiro, em 2000, a ideia era
rejuvenescer a franquia, adaptando-a ao novo século. Até então, os jogos seguiam uma
mesma cronologia (a original), fora exceções como os jogos do Wonderswan ou o SRW 64, e
não era mais possível adicionar novas séries ou estender os eventos dos jogos anteriores sem
ficar uma bagunça. Portanto, em vez de fazer um remake dos jogos antigos de SNES e
Gameboy para uma nova plataforma (como já havia sido feito com o SRW F/F Final para o
mesmo PSX), o caminho escolhido foi o de criar uma nova mecânica de jogo e iniciar uma nova
série, recomeçando os eventos das séries que já haviam aparecido em jogos anteriores e
abrindo a possibilidade de trazer novos títulos. Assim, foi a porta de entrada de uma grande
geração de fãs do gênero – este que vos escreve sendo um deles.
Já Super Robot Wars Alpha Gaiden foi lançado em 2002 e representou o ápice da série para o
console PSX, aproveitando gráficos, sons e o espaço em disco ao máximo. Isso é curioso, pois
um "gaiden" geralmente é um jogo menor ou paralelo – de fato, com pouco mais de 40
missões, é um jogo relativamente curto comparado com as mais de 60 do anterior, ou mesmo
74
as absurdas mais de 100 missões de Impact. Porém, não se trata de um jogo secundário, e sim
da sequência direta do primeiro Alpha.
A primeira grande novidade que se nota em SRW Alpha é o fato de haver personagens
animados. Algo que não muda nos jogos da série é o “padrão” de combate: o jogador pode
mover todas as suas unidades durante seu turno e desempenhar suas ações; quando termina,
é a vez do computador. A cada ataque que uma unidade realiza, se estiver ao alcance do
inimigo, está sujeita a um contra-ataque (a não ser que o alvo esteja se defendendo ou
esquivando), e as sequências de ataque são automáticas, mostrando uma pequena
“animação”. Entre aspas, por que até o jogo imediatamente anterior, SRW F Final, os “sprites”
(gráficos de animação dos robôs em combate) eram completamente estáticos. Isso se devia a
limitações de hardware (especialmente cartuchos), que com espaço limitado não podiam exigir
muita sofisticação em termos de gráficos. Pensando bem, isso dava até um certo charme ao
jogo (um exemplo incrível disso é o Masoukishin do SNES, que tem gráficos bons pra época e o
estilo de movimentação dos gráficos ficou muito fluido e “combinando” com a pose dos
sprites), mas chegava o momento em que isso não faria mais sentido. Já com o lançamento de
SRW 64, que possuía cenários em 3D mas ainda com os personagens em 2D e estáticos,
começou-se a repensar esse modelo. O espaço em disco do PSX permitiu essa inovação e,
apesar de relativamente simples, foi o primeiro jogo com “animações” de ataques – e ainda
assim muito truncadas, o primeiro que foi ter animações realmente fluidas foi a sequência,
Alpha Gaiden. Outra melhoria visual foi o uso de gráficos isométricos para os mapas de
combate (em vez da vista “superior”, como se fosse um mapa sobre uma mesa), simulando um
efeito “3D”, além de “bonecos” dos robôs em vez de meros ícones sobre a grade, retomando a
inovação do Masoukishin para SNES (e que virou regra para os jogos SRW de console).
A inovação foi ainda maior na segunda versão do jogo, que saiu para o Dreamcast. Essa é
totalmente diferente no aspecto visual, com gráficos 100% 3D, e elementos adicionais (mas
que em essência é o mesmo jogo, apesar de eclipsado pela versão mais popular e de ter saído
no momento em que o Dreamcast já enfrentava problemas), mas não vem ao caso.
A outra novidade importante foi a introdução dos “pontos de maestria” (também conhecidos
como Battle Points ou Skill Points) – pontos que se ganhavam ao desempenhar certas tarefas
ou atingindo objetivos específicos em algumas missões, que somados alteravam a dificuldade
do jogo, modificando o nível e a quantidade de inimigos, assim como o acesso a alguns itens,
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mechas e personagens secretos, e até mesmo a finais alternativos. Essa é uma mecânica que
veio para ficar e está presente em quase todos os SRW lançados desde então.
Do mesmo modo, duas inovações agora recorrentes foram acrescentadas no Alpha Gaiden:
primeiro, a barra de upgrade de armamentos e ataques foi unificada - em vez de poder
melhorar cada arma individualmente, o que era muito caro e demorado, agora todas as
armas/ataques são melhoradas ao mesmo tempo, com o uso de uma mesma barra; segundo, a
incorporação do sistema de suporte a ataque e defesa (quando uma unidade adjacente
poderia auxiliar um aliado na defesa, tomando dando por ele, ou no ataque, realizando um
ataque sucessivo). Foram mudanças importantes e que influenciaram definitivamente a
estratégia da franquia, seja no uso dos recursos para upgrade ter sido reduzido, seja por
adicionar um elemento tático a mais, que muitas vezes era útil aos jogadores mas ao mesmo
tempo podia tornar algumas lutas contra chefes insuportavelmente longas. Quanto aos
gráficos, sprites eram mais detalhados e as animações melhoraram enormemente com relação
ao jogo anterior, e eram tão bons que foram literalmente importados para o jogo SRW Impact,
do PS2.
E quanto ao jogo em si? O mais importante, claro – a história! Afinal, não basta ver esse “fanfic
glorificado” sem termos nossos mechas favoritos se detonando. O elenco de Alpha é bem
generoso, mas seria maçante listar todas as séries para quem não conhece muito do gênero.
Basta dizer que trouxe estreias esperadas de séries populares e inclui algumas que até
passaram no Brasil, como Macross , Macross Plus, Voltes V, Evangelion e o famigerado
Gundam Wing. Misturando o enredo do Gundam original com o de Macross, a história se
desenvolve misturando pequenos elementos de cada um das séries presentes, trazendo
grandes momentos de interação. O jogo faz um belo serviço ao tentar juntar todas essas
“realidades” em um único cenário. Afinal, essa é a graça da série, com a superposição de
diversos enredos e a possibilidade de ver as interações entre personagens. Conseguir tudo isso
em um jogo com um elenco razoavelmente grande foi um grande mérito da equipe, e
certamente é um dos SRW que melhor lidou com a coesão do enredo.
E Alpha Gaiden consegue ser melhor ainda nesse sentido. É a sequência direta de Alpha, e a
história começa com a preparação para uma onda de choque que atingiria a Terra causada
durante os eventos finais do primeiro jogo. Uma catástrofe faz com que os super-robôs sejam
tragados por uma distorção do espaço-tempo. Com isso, o grupo se vê lançado para um futuro
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apocalíptico, em que a Terra foi devastada pela onda de choque e invasões, e na qual se
desenrolam os enredos de Turn A Gundam, Gundam X e Xabungle. Tem início assim a aventura
para enfrentar os inimigos que surgem ao longo da trama enquanto buscam um modo de
voltar ao passado e evitar esse futuro sombrio.
Alpha é um jogo relativamente difícil, um pouco por conta da mecânica (hoje defasada e meio
lenta), além de ser longo e possuir uma quantidade considerável de bugs, mas que é um bom
aprendizado para quem se interessar pela franquia, e que rende uma boa experiência, seja pra
quem conheça as séries envolvidas, seja pra quem queria conhecê-las. Diversão na certa. Há
uma versão pela internet que possui menus traduzidos, o que é uma ótima pedida para
iniciantes, além de detonados com transcrições do enredo, que ajudam a compreender a
história de modo bastante completo. No momento, há uma tradução em curso, pela AGTP,
que está em cerca de 65% completa, mas a data de lançamento é uma incógnita ainda (e até
folclórica entre os fãs).
E Alpha Gaiden é ainda mais especial, pois no Natal de 2009 uma grata (e esperada) surpresa
foi revelada com o lançamento de um pacth em inglês completo pela equipe AGTP. Isso
mesmo, não eram apenas traduções de menus, mas de diálogos e cenas de combate. Isso
torna a experiência de jogo infinitamente mais interessante, já que esse foi um dos jogos onde
melhor se conseguiu a mescla das séries escolhidas. Mas devo ser sincero: esse jogo é MUITO
difícil. Claro que pegar ou não os skill points influi muito, mas o final bom pressupõe que se
vença o jogo no modo hard. E põe hard nisso. É considerado um dos SRW mais difíceis já feitos
(graças em parte ao uso e abuso da habilidade de suporte de defesa, além dos chefes usarem
spirits com frequência, coisa que não se vê hoje em dia), e certamente o mais difícil da era pós-
16-bits. Isso é um choque, já que por ser um dos poucos totalmente traduzidos, é muito
recomendado como ponto de entrada para a franquia. Felizmente, SRW J do Gameboy
Advance saiu completo também e assumiu esse posto, evitando que mais novatos ficassem
traumatizados com a experiência. Mas é um jogo fantástico, e serve para dominar a mecânica
de jogo, assim como um belo desafio para os jogadores mais experientes. Recomendado, mas
com cautela.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã de combates por turnos, mechas, ou as duas coisas; tiver uma tendência nada
saudável de imaginar quem venceria um combate entre um Gundam e um AT Field; não se
77
incomodar com ondas e mais ondas de reforços ao lutar contra os STMC; não tiver problemas
em enfrentar vilões honrados, mas que voltam com uma regularidade irritante; quiser um
desafio dos bons
Não jogue se: não gostar de mecha ou fanfiction oficializada; não tiver paciência em lutar
contra chefes rodeados de mobile suits com campos defletores, habilidade de suporte de
defesa, seis vezes por turno, e recuperando sua energia com uma regularidade insuportável.
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18. A série SRW Alpha (PS2)
Encerrando a nossa passagem pela série SRW Alpha, hoje conheceremos os dois títulos para
PS2, que consolidaram o estilo de jogo da franquia para os consoles desde então e que são
considerados por muitos dois dos melhores jogos de seu gênero de todos os tempos.
“2nd Super Robot Wars Alpha”, que na verdade é o terceiro jogo da série, foi lançado em 2003.
O jogo representa um salto tecnológico em comparação aos anteriores. A mudança de
plataforma do PSX para PS2 já havia acontecido, com o lançamento de Super Robot Wars
IMPACT (uma compilação dos três jogos SRW Compact, do Wonderswan, que utilizava gráficos
do SRW Alpha Gaiden que vimos no último review), mas a mudança de Alpha Gaiden para o
Alpha 2 deve ter sido uma das mais abruptas da franquia, tanto em termos de gráficos quanto
jogabilidade. O jogo aproveita bem o PS2, mas os gráficos de animações são um pouco
“granulados”, além de ter alguma demora no tempo de carregamento. A música é um capítulo
à parte, com a introdução do famoso single “Skill”, do JAM Project, que eles devem cantar em
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todos os shows até hoje. A sequência, “The 3rd Super Robot Wars Alpha: to the End of the
Galaxy”, foi lançada em 2005. O jogo foi ápice da série SRW até o lançamento de SRW Z em
2008, apresentando gráficos impressionantes, animação fluida e um dos maiores (e melhores)
elencos já reunidos em jogos da franquia, pau a pau com SRW F Final.
Em termos de mecânica, Alpha 2 deu um novo salto de qualidade, com a adição de mapas em
3D, rotativos (que já apareciam em IMPACT, mas com um efeito muito ruim na jogabilidade, já
que atrapalhavam a visão, especialmente em cenários com muitos prédios e coisas do gênero;
isso foi felizmente remediado no Alpha 2), além do sistema de suporte de ataque e defesa que
já aparecia no Gaiden. Mas a grande inovação talvez tenha sido o sistema de “pelotões”, que
tornou possível aproveitar o grande número de unidades disponíveis para o jogo. Basicamente,
em vez de controlar uma unidade por vez, cada mecha despachado em missão na verdade era
o líder de um esquadrão de até quatro unidades, que lutam em conjunto, podendo oferecer
ajuda no ataque ou na defesa, além de habilidades específicas como oferecer escudos de
proteção e regeneração de HP. Era possível “revezar” a liderança, trocando um mecha
avariado por um mais inteiro, ou para aguentar um ataque mais forte. Com algum
planejamento, era possível lançar quase TODOS os mechas disponíveis para o jogador, o que é
uma grande virtude comparado aos jogos que não têm esse recurso. O grande problema era
arranjar os grupos a cada troca de rotas (o que invariavelmente desfazia todos os grupos já
formados, obrigando a arrumar tudo de novo), algo que tomava um bom tempo e boa parte
dos jogadores não gostou (apesar de eu achar bastante divertido, e uma parte importante do
jogo saber delegar as funções corretamente e distribuir bem as capacidades dos mechas da
equipe). Essa foi a grande inovação de Alpha 2, e que foi aproveitada nos SRW de console daí
em diante (mantendo o esquema clássico nos jogos de consoles portáteis).
Enquanto isso, em Alpha 3 as melhorias foram pequenas, mas perceptíveis quando comparado
ao predecessor. Foi adicionado o sistema de “aceleração” de animações, importado dos jogos
da série OG, em que ao manter-se o botão “círculo” pressionado se faz com que a animação de
combate seja exibida mais rapidamente, ou cancelá-la pressionando o botão “x”, tornando o
jogo mais ágil. Outras mudanças foram a inserção de menus de acesso rápido por meio do
botão “triângulo”, o que agiliza muito a formação de esquadrões (sendo mantido o sistema de
pelotões do jogo anterior) e a checagem de status durante o combate.
Mas provavelmente a melhor inovação de todas foi a criação do sistema de escolha múltipla
de “spirits”. Também chamados de “seishins”, são habilidades que cada piloto possui e pode
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ativar ao longo do combate mediante um custo em SP (“spirit points”), dando vantagens como
aumentar a taxa de acerto e esquiva ou dobrar o dano do ataque. Dominar esse sistema é
essencial para quem deseja se dar bem nesses jogos, mas até Alpha 3 isso era muito arcaico,
com menus individuais que levavam uma eternidade para serem navegados e selecionando um
spirit por vez, o que era chato demais. Em Alpha 3 todos os spirits dos membros do esquadrão
aparecem na mesma tela, e é possível selecionar mais de um (com o botão “quadrado”),
ativando todos os escolhidos ao mesmo tempo. Isso deixou o jogo MUITO mais rápido em
termos de dinâmica de combate, e isso passou a ser adotado por todos os jogos seguintes.
Outra novidade é a inclusão do sistema de “música”, usado pelos personagens de Macross 7 e
por Mic Sounders de GaoGaiGar. Usados em combate, não causam dano direto nos inimigos (a
não ser alguns chefes e inimigos da série Macross 7), mas servem para auxiliar outros
personagens em combate, recuperar energia, aumentar morale e outros efeitos bem-vindos.
Das séries presentes em Alpha 2, boa parte nunca passou no Brasil, e muitas das que estavam
em Alpha e Alpha Gaiden foram removidas da história, mas houve duas estreias bastante
esperadas, com King of Braves GaoGaiGar e Crossbone Gundam (um mangá popular mas que
nunca teve versões animadas, apesar de já haver aparecido no SD Gundam F, de 2000, para
PSX). O enredo é bem acomodado, aproveitando bem as séries presentes e os originais. Na
verdade, os rumores são de que o elenco pudesse ser bem maior, com a adição de Giant Robo
(que seria o fio condutor da trama), mas a morte de seu criador, Mitsuteru Yokoyama, fez com
que os direitos de imagem ficassem com sua família, que cobrou um valor absurdo e tornou
inviável o retorno. Alguns anos depois, hackers conseguiram extrair os sprites do jogo e
encontraram vários mobile suits de Gundam Sentinel. Os mesmos sprites foram descobertos
no disco de Alpha 3, e a teoria em vigor é que Sentinel foi abandonado em Alpha 2 para
favorecer Crossbone, enquanto em Alpha 3, foi para que introduzissem SEED. Isso deixa
muitos fãs irritados, mas na verdade é uma questão de direitos autorais mesmo, que inviabiliza
o uso de Sentinel em algumas mídias e já deu um grande problema pra Banpresto/Winkisoft
no SRW 4.
A história segue os eventos de Alpha Gaiden, com o grupo de volta ao presente, e agora
focando em questões mais “terrestres”, enfrentando inimigos de diversas séries com eventos
restritos à Terra suas cercanias. A soma de vilões memoráveis já tornaria o jogo excelente, mas
o modo como se intercalaram as histórias (ou seja, o crossover em si) é muito bem feita e faz
com que seja considerado por muitos o melhor da cronologia Alpha. Ademais, introduziu
alguns protagonistas muito populares, com a volta dos originais Sanger Zonvolt e Kusuha
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Mizuha (o que fez dela, oficialmente, a protagonista “oficial” da série), além da estreia do casal
Arado e Seolla, e de Ibis, o amor em pessoa.
Já Alpha 3 tem um enredo literalmente estelar, com estreias aguardadas, especialmente do
popular Gundam SEED, que estava na moda na época, além de Macross 7 (que trouxe música
para a série) e Virtual On (aquela série de jogos de robôs do Sega Saturn), a primeira série de
jogos feita fora da Banpresto a aparecer na franquia (lembrando que G-Breaker apareceu no
Alpha de Dreamcast). Dos personagens originais, temos a volta de vários presentes ao longo da
série, incluindo sua protagonista “oficial”, Kusuha, além da espiã Selena, do misterioso Cobray
e o piloto “oldschool” Touma.
Dificilmente haverá um jogo com um elenco tão variado (com dezenas de mechas disponíveis
ao final do jogo). A história de Alpha 3 fecha com chave de ouro a série. Dando continuidade
aos eventos de Alpha 2, os personagens se deparam com o surgimento de uma gigantesca
construção no espaço, o “Crossgate”, que faz com que surja, inesperadamente, a nave
Excellion (de Gunbuster), que estava desaparecida desde o primeiro jogo. A partir de então, o
grupo se vê às voltas com os eventos de Gundam SEED e GaoGaiGar FINAL nos arredores da
Terra, enquanto no espaço profundo se desenrolam eventos de Macross 7, Ideon e Gunbuster,
além do próprio Império Balmar (o inimigo “original”, que estava inativo desde o primeiro
jogo). Ao longo da história, o grupo enfrentará uma ameaça cósmica, que põe em risco a
própria existência da galáxia.
Esse é o SRW dos poderes absurdos, mechas ultrapoderosos e inimigos formidáveis. Há alguns
problemas, como o excesso de rotas e divisões (que apesar de tudo aumenta o valor de re-
jogabilidade). Nada que comprometa a diversão: a sequência final de missões é eletrizante,
aproveitando o melhor dos finais de Ideon e Gunbuster e encerrando tudo com um combate
épico contra o vilão principal. Tudo nesse jogo é cósmico, em larga escala, e está para ser feito
um SRW que tenha esse “clima” de grandiosidade (basta ver a apresentação pra ter uma ideia
do que rola). Some a isso missões “extras” que explicam pequenos pedaços da história, finais
alternativos e um grande elenco de originais, e temos um dos melhores SRW de todos os
tempos.
O Alpha 2 em si é ótimo, e pode ser recomendado para aquele jogador que não se interessa
pelos jogos mais antigos ou quer algo mais “ágil” (apesar de ser todo em japonês, o que é
complicado pra marinheiros de primeira viagem). Pelo modo como o enredo sai, é possível
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jogar esse título como um jogo isolado, já que apesar de depender de algumas coisas dos jogos
anteriores, faz um bom trabalho fechando os nós que abre, deixando o caminho livre pra
aventura cósmica de Alpha 3. Já este é uma boa pedida para iniciantes, por apresentar
jogabilidade muito ágil e não ser difícil (especialmente pela inclusão do sistema de música, que
se usado com sabedoria e somado a ataques de mapa deixa o jogo uma moleza), mas quem se
interessa pelo enredo pode ficar um pouco perdido pois o jogo faz muitas referências a
eventos anteriores. Não que isso importe muito sendo um jogo em japonês, mas para quem
conhece as séries envolvidas, é delicioso ver a interação entre os personagens. E é esse o
charme de um crossover, certo? Mais do que juntar todo mundo e ir pra luta, é sempre uma
ponte para descobrir novas séries e variar o seu leque de opções.
Então, a quem recomendar?
Jogue se: for fã de SRW ou mecha em geral; quiser jogar uma pá de cal no maldito império
Mycenae; for fã da Ibis Douglas ou de menininhas ultrapoderosas; gostar de gráficos mais
modernosos e jogabilidade rápida; gostar de Gundam SEED e quiser ver a Cagalli detonando
pela última vez em vídeo games; quiser aprender japonês na marra.
Não jogue se: o fato de tirarem Gundam Sentinel do elenco te perturbar; não gostar de piratas;
não gostar de uma horda de robôs dos anos 70-80 destruindo tudo pela frente; não gostar de
estratégia por turnos; se sentir incomodado com o famoso “Banpresto bounce” surgido nesse
jogo e que as moças apresentam nos cut-ins.
Com isso, fechamos o ciclo da série SRW Alpha. Ao longo de quase cinco anos a Banpresto (que
hoje nem existe mais, fagocitada pela Namco) evolui de um sistema clássico para o que é
padrão nos SRW mais recentes, e foi essa a série que fez a conexão entre o que SRW foi desde
a origem e o que vai ser no futuro.
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19. Grand Theft Auto, GTA 2
Em 2013 tivemos o lançamento de GTA V, um dos jogos mais esperados e aclamados dos
últimos anos, e que teve repercussão global na indústria. Apesar do conteúdo polêmico (eu
mesmo não sou o maior fã do estilo), há todo um glamour e respeito pela série como uma
máquina de fazer dinheiro para a Rockstar Games. Mas não foi sempre assim. Lá em 1997, saiu
o jogo que deu origem a tudo isso e trouxe uma enorme discussão sobre o seu conteúdo. Hoje,
vamos falar um pouco dos primórdios dessa série, com os dois primeiros jogos da franquia
Grand Theft Auto.
O primeiro jogo, homônimo, saiu em 1997, originalmente para PC e PSX, depois ganhando uma
versão surpreendentemente boa para Gameboy Color. Algum tempo depois, ganhou as
expansões London 1969 e London 1961. Já GTA 2 (o único da série que usa a sigla oficialmente
na tela de jogo) é de 1999, saindo para PSX, PC, Dreamcast e Gameboy Color. É claro que a
idade pesa um pouco, mas os gráficos são bem refinados para a época (especialmente GTA 2,
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com uma renderização de cenários em 3D bem primitiva mas que dava um bom nível de
detalhamento). Os dois jogos possuem bastante semelhança no aspecto visual, com a
característica fundamental que os distingue da geração 3D de possuírem uma “vista aérea”,
em que o jogador acompanha os sprites de personagens e veículos de cima do mapa.
Isso afeta diretamente a jogabilidade. O personagem é apenas uma cabeça com dois braços,
vista de cima, e tanto a movimentação dele quanto a dos automóveis segue um estilo que só
posso definir como que análogo a jogos como Rock’n’Roll Racing ou, puxando um pouco mais
atrás, o divertidíssimo Micro Machines. No caso, um dos botões do controle serve para
acelerar, enquanto a movimentação do “volante” é dada com os direcionais para a esquerda e
direita, mas com um grau de liberdade muito maior que os jogos de corrida tradicionais em
primeira pessoa. Demora um pouco para se acostumar, por que pressionar o direcional por
muito tempo pode fazer com que o carro se mova em uma curva muito fechada, ou mesmo
rodopie na pista mudando de direção (coisa que pode vir a calhar nas perseguições e outras
missões). Dominar esse “estilo” de movimentação é importante, e é algo que não se vê em
jogos mais novos. Pra completar, estando a pé, o personagem pode fazer coisas triviais como
caminhar, socar pessoas na rua, usar armas, e existe até mesmo um botão dedicado
exclusivamente para emitir sonoras flatulências e eructações (ao volante, serve para a função
mais mundana de... buzinar). Em GTA 2, o personagem pode pular também, o que acrescenta
uma novidade à exploração.
Falando nisso, vamos ao cenário do jogo. Ambos quase não apresentam tempos de
carregamento – fora o carregamento inicial, o jogo flui perfeitamente com tudo carregado, até
mesmo pela simplicidade dos gráficos, mas não menos impressionante pelo tamanho dos
mapas. Uma coisa muito interessante que a maioria dos jogadores mais novos nem sabe é que
no primeiro jogo há três cidades que são visitadas pelos diversos personagens disponíveis. São
elas Liberty City, San Andreas e Vice City. Soa familiar? Pois é, as cidades (apesar de San
Andreas ser mais como um “estado”, mas enfim) das novas gerações não são novidade e sim a
volta a locais do primeiro jogo! Completando as missões, à medida que o jogo prossegue, o
jogador vai trocando de cidade até completar a história. Já GTA 2 muda um pouco,
apresentando uma única cidade, Anywhere City, mas com vários bairros, que são visitados em
etapas pelo jogador ao longo do jogo, e dominados por gangues rivais. Os mapas são amplos, e
devido ao estilo de perspectiva, pode ocultar becos, saídas e itens, dando um grande valor à
exploração. É muito fácil se perder (mesmo com as setas indicando locais de missões e coisa
do tipo), pois seguir uma rua pode levar a uma curva inesperada que leva para longe do
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objetivo, ou mesmo a um estacionamento sem saída. Em alguns locais há centros de
“serviços”, em que o jogador pode passar o veículo para fazer consertos ou mesmo uma
pintura completa (para escapar da perseguição da polícia...). Em outros, itens secretos, e no
segundo jogo, os famosos “kill frenzy”, em que o jogador tem um tempo determinado para
matar uma quantidade de pessoas ou destruir veículos, com armas de fogo ou até mesmo um
tanque de guerra!
Um aspecto que ambos compartilham é uma certa linearidade. Isso fica ainda mais perceptível
no primeiro jogo, em que o personagem escolhido trabalha para um mafioso e realiza as
missões que recebe de telefones públicos ou embarcando em carros designados. A ordem
varia, é claro, mas no fim das contas a ideia é obter pontuação suficiente para prosseguir para
a próxima “fase” e não se muda muita coisa na história. Isso é um pouco mais refinado em GTA
2. Nesse jogo, existem muitas missões, mas a dinâmica das gangues rivais deixa tudo mais
complexo. Em cada bairro/distrito há três gangues, sendo neutras e inimigas entre si. O
jogador deve escolher um lado e cumprir missões diversas, ganhando respeito, mas claro que
isso é difícil: matar membros de outras gangues (coisa que muitas missões exigem) faz com
que perca prestígio e seja até mesmo perseguido pelos seus membros. Com um pouco de
trabalho, é possível ganhar o respeito de todos, pontuação suficiente e “mudar” de bairro.
Mas é claro, tudo sob o olhar da polícia – cometer muitos crimes daria dinheiro e prestígio,
mas vai colocar a polícia em seu encalço. No primeiro jogo há uma quantidade limitada de
vidas, mas dar um “game over” (ou, na nomenclatura do jogo, “ser apanhado”) não é tão
traumático, com o personagem sendo rapidamente jogado na rua por um carro de polícia e
podendo prosseguir o jogo (mas com um tanto de dinheiro a menos...).
A parte sonora é bem interessante, havendo apenas som ambiente quando o personagem
caminha, e o som de diversas estações de rádio (que podem ser alteradas com o botão
direcional para cima) quando embarca em algum veículo, mas nada muito notável. É
interessante a variedade de músicas e outras programações que os jogos contêm, com coisas
como noticiário e publicidade.
É claro que os jogos causaram uma polêmica danada. Em tempos de Carmageddon, um jogo
em que o jogador podia sair atropelando indiscriminadamente pessoas (sendo que um bônus
do jogo, o famoso “Gouranga”, aparecia quando se atropelava uma procissão inteira de
monges), roubando bancos e passando por cima de carros da polícia com tanques de guerra
daria o que falar. É claro que a ideia dos criadores era essa, e tudo tem uma consequência –
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como dito, fazer muita bobagem faz a polícia ficar no seu encalço, e ao mesmo tempo em que
celebra um estilo de vida nada aceitável socialmente, mostra que se trata apenas de um jogo e
não se leva tão a sério. O exemplo maior disso é quando o personagem é pego em uma
explosão ou atropelado e literalmente sai voando para o alto, em direção à tela – só faltava
aquele grito dos desenhos antigos do Pateta pra completar o cenário de uma cena de comédia.
Os gritos são engraçados, algumas missões são ridículas (como usar um caminhão de sorvete
para explodir uma estação de polícia), e no fim das contas, pela própria limitação técnica do
jogo, se trata muito mais de um jogo de corrida à la Micro Machines, com o elemento de
“bandidagem” inserido para dar uma motivação diferente. Acho até que nesse aspecto o
espírito original desses jogos ficou mais na geração PSX, com jogos como Driver, do que nas
próprias continuações da série, que focam mais na liberdade de perambular pelo mundo,
customizar o personagem e por aí vai.
Na verdade, aqui entramos na principal crítica que pode ser feita a esses títulos. Além da
jogabilidade um pouco complexa de se acostumar (sem contar que no primeiro jogo os carros
se movem MUITO rápido, o que é um convite ao desastre), são muito lineares quando
comparados a suas sequências mais recentes. Em essência a ideia é a mesma, mas o jogo não
permite aquela experiência arrojada (e, certo modo, realista) de exploração como os mundos
em 3D do PS2 em diante. Ao mesmo tempo, GTA e GTA2 possibilitam uma divertida
exploração oldschool ao seu próprio modo, com coisas escondidas e bônus que podem fazer o
jogador se divertir por horas. Sinceramente, nunca fui fã desse estilo de jogo aberto, e talvez
seja por isso, somado à jogabilidade divertida e estilo mais “cômico”, que os dois primeiros
sejam meus favoritos dessa série.
A quem recomendar?
Jogue se: for fã recente de GTA e quiser conhecer as origens do estilo da franquia; gostar de
jogos de corrida com vista superior; quiser sair para um passeio com um tanque de guerra e
passar por cima de tudo em seu caminho – e ainda ganhando dinheiro por isso!
Não jogue se: não gostar do estilo de controle confuso; não gostar de jogos 2D (existem
pessoas assim?); for um político reacionário e achar um absurdo a matança de Hare Krishnas
ou a glorificação da marginalidade.