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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS Escola de Design Especialização em Design Estratégico CLAUDIA MAGNUS CHAVES Diretrizes para o desenvolvimento de um sistema-produto que viabilize relações sustentáveis entre diferentes públicos no Condomínio Terraville - POA Porto Alegre 2011

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Diretrizes para o desenvolvimento de um sistema-produto que viabilize relações sustentáveis entre diferentes públicos no Condomínio Terraville - POA

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

Escola de Design Especialização em Design Estratégico

CLAUDIA MAGNUS CHAVES

Diretrizes para o desenvolvimento de um sistema-produto

que viabilize relações sustentáveis entre diferentes públicos no

Condomínio Terraville - POA

Porto Alegre 2011

2

CLAUDIA MAGNUS CHAVES

Diretrizes para o desenvolvimento de um sistema-produto

que viabilize relações sustentáveis entre diferentes públicos no

Condomínio Terraville - POA

Monografia de Especialização apresentada como requisito parcial à obtenção do Título de Especialista em Design Estratégico – Inovação e design do sistema-produto, da Escola de Design, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.

Orientador: Leandro Tonetto

Porto Alegre 2011

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CLAUDIA MAGNUS CHAVES

Diretrizes para o desenvolvimento de um sistema-produto

que viabilize relações sustentáveis entre diferentes públicos no

Condomínio Terraville - POA

Monografia de Especialização apresentada como requisito parcial à obtenção do Título de Especialista em Design Estratégico – Inovação e design do sistema-produto, da Escola de Design, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.

Orientador: Leandro Tonetto

Aprovado em ________________________________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Componente da Banca Examinadora – Instituição a que pertence ________________________________________________________________ Componente da Banca Examinadora – Instituição a que pertence _______________________________________________________________ Componente da Banca Examinadora – Instituição a que pertence

4

Dedico este trabalho a minha querida família, Cesar, Rodrigo e Eduardo, pelo apoio, paciência e compreensão em momentos de ausência.

5

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS VI

RESUMO VII

ABSTRACT VIII

1. INTRODUÇÃO 09

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 12

2.1 CONCEITOS RELACIONADOS À SUSTENTABILIDADE 12

2.2 DO DESIGN AO DESIGN ESTRATÉGICO 24

3. MÉTODO 41

3.1 TIPOS DE ESTUDO 41

3.2 PARTICIPANTES 42

3.3 PROCEDIMENTOS E TÉCNICA DE COLETA DE INFORMAÇÕES 43

3.4 TÉCNICAS DE ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES 44

3.4.1 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS 44

3.5 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 47

3.5.1 OBJETIVO ESPECÍFICO 1 47

3.5.2 OBJETIVO ESPECÍFICO 2 62

3.5.3 OBJETIVO ESPECÍFICO 3 69

3.6 DESIGN ESTRATÉGICO PARA A SUSTENTABILIDADE 73

4. DIRETRIZES PARA DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA-PRODUTO 78

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 82

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 84

ANEXO A – Roteiro da entrevista 88

6

LISTA DE FIGURAS 2.1- Dimensões da sustentabilidade 24 2.2 - Dimensões consideradas pela Fundação Gaia Education – Findhorn 25 2.3 - Representação da centralidade do papel investido no design através da cultura de projeto 30 2.4 - Esquema da abrangência de um sistema-produto 33 2.5 - Esquema do modelo Pesquisa & Ação 35 2.6 - Esquema das fases do Metaprojeto e Projeto 36 2.7 - Método sistêmico de design estratégico 38

7

RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar as diretrizes para o desenvolvimento de um

sistema-produto que viabilize relações sustentáveis entre diferentes públicos no condomínio

Terraville em Porto Alegre - RS. Este condomínio está localizado na região sul de Porto

Alegre e com poucas relações construídas com a comunidade local. Estas relações existentes

foram levantadas através de uma pesquisa exploratória para entendimento do contexto

ambiental. Para melhor entendimento deste contexto, as entrevistas foram separadas por

objetivos específicos compreendendo os temas: educação e treinamento da comunidade,

resíduos e reciclagem e recursos naturais. Escolheu-se utilizar o método de pesquisa

exploratória, por se tratar de um contexto ambiental complexo e pouco explorado, e

pretende-se chegar a uma visão ampla das relações estabelecidas no cenário atual e, a partir

dos resultados, apresentar diretrizes para a construção destas relações sustentáveis

aplicando os conceitos do design.

Palavras-chave: sustentabilidade, design, design estratégico, design para a sustentabilidade, comunidade.

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ABSTRACT This paper aims to examine the guidelines for the development of a system-product which

facilitates sustainable relationships between different stakeholders in the

condominium Terraville in Porto Alegre - RS. This condominium is located in the southern

region of Porto Alegre and few relationships built with the local community. These

relationships were raised through an exploratory research for understanding the

environmental context. For a better understanding of this context, the interviews were

separated by specific goals comprising the themes: education and training community,

waste and recycling and natural resources. We chose to use the method of exploratory

research, because it is a complex environmental context and little explored, and we intend

to reach a broad view of the relations established in the current scenario, and from the

results, provide guidelines for the construction of these relations by applying the concepts of

sustainable design.

Keywords: sustainability, design, strategic design, design for sustainability, community.

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1. INTRODUÇÃO

Hoje vivemos em um cenário onde as relações estão cada vez mais frágeis e

efêmeras. Neste mundo complexo e globalizado onde as relações tendem a ser cada vez

mais descartáveis, discute-se sustentabilidade em relação ao planeta e bens naturais de uma

forma generalizada e intensa. Mas e a sustentabilidade nas relações, onde fica? Neste

contexto atual, onde se fala em resíduos, reciclagem, redução no consumo, ou mesmo, uma

mudança em nossa economia passando a uma economia de uso compartilhado, justamente

para a redução do uso dos bens naturais e do descarte, vive-se uma transição de uma

sociedade de produtos para uma sociedade de serviços. E os serviços acontecem nas

relações. E como andam nossas relações? Como se pode construí-las de uma forma

sustentável?

O presente trabalho tem como objetivo analisar as diretrizes para o desenvolvimento

de um sistema-produto que viabilize relações sustentáveis entre diferentes públicos no

condomínio Terraville – POA. Para o desenvolvimento deste trabalho foi escolhido este

condomínio, na região sul de Porto Alegre, pois o mesmo se encontra inserido em uma

comunidade que já estava estabelecida antes de sua implantação e que poucas relações

foram desenvolvidas até o momento. Antes da sua implantação no ano de 2000, foi

elaborado um relatório de impacto ambiental, que apresenta em sua síntese, já naquela

época, o plano de desenvolvimento sustentável para o condomínio, onde foram avaliados

diversos aspectos dentre eles o quesito sócio-econômico, e foram sugeridas diversas ações a

serem desenvolvidas, porém muito pouco foi implantado.

Observando a necessidade de estabelecimento destas relações, buscando uma

melhor qualidade de vida a todos, viu-se a possibilidade de um estudo aprofundado, com o

objetivo de chegar a diretrizes para a construção das mesmas de uma forma sustentável.

Visando uma melhor compreensão das possíveis relações sustentáveis entre as referidas

comunidades se optou por subdividir o objetivo geral em objetivos específicos para analisar

estas relações a partir de alguns temas que são:

10

1. Educação e treinamento da comunidade para melhoria da qualidade de vida

2. Resíduos e reciclagem

3. Recursos naturais - energia e água

Para o desenvolvimento deste trabalho primeiramente foi necessário entender o que

é sustentabilidade e se buscou alguns autores que são referência neste assunto, tais como

Ezio Manzini, Fritjof Capra, Thierry Kazazian, entre outros, e apresentar uma discussão entre

suas perspectivas sobre o tema para a construção de um conceito. Através destas

referências buscou-se entender as dimensões da sustentabilidade e a sua aplicabilidade em

ambientes residenciais.

Ao mesmo tempo se buscou o entendimento do que é design e o papel do designer

neste contexto, aprofundando o tema com alguns autores como Victor Papanek, Vilém

Flusser e Rafael Cardoso, e a partir deste conhecimento discutir a ética na construção destas

relações. Além deste entendimento sobre o design, se buscou entender o que é design

estratégico, também buscando autores como Dijon de Moraes, suas ferramentas e a possível

construção de um sistema-produto para atingir o objetivo deste trabalho.

Para entendimento do contexto atual e dos desejos e necessidades das comunidades

estudadas, se optou por adotar a pesquisa exploratória que gerou inúmeras categorias de

temas a serem aprofundados e discutidos. Por uma questão de viabilidade de realização

deste trabalho através desta monografia, se optou por apresentar e discutir os temas mais

relevantes e reincidentes, embora exista vontade e necessidade de continuar a desbravar

este assunto em trabalhos futuros para a discussão da totalidade dos temas levantados para

que se configure uma proposta de sistema-produto mais completo para este contexto

ambiental.

Este trabalho se justifica no momento em que se pode, através de seus resultados,

contribuir com o desenvolvimento sustentável de uma região, no caso o contexto escolhido

para este estudo. Além disso, aprofundando os conhecimentos sobre design, fica claro o

11

papel do designer e através deste trabalho se deseja mostrar a sua importância na

construção de realidades possíveis futuras, e por isso a necessidade de uma postura de vida

ética em relação à sociedade. Também se deseja através do presente trabalho, desenvolver

conhecimento acadêmico sobre este tema ainda pouco explorado.

Este trabalho irá buscar o entendimento destes temas, sustentabilidade e design

estratégico, e aplicar estes conhecimentos ao problema proposto e gerar as possíveis

diretrizes para a construção de sistema-produto que viabilize estas relações sustentáveis

entre os diversos atores do contexto. A seguir serão apresentados os principais fundamentos

que sustentam essa reflexão.

12

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Eu ficarei bem satisfeito se os que quiserem me fazer objeções não se apressarem, e se eles se esforçarem para entender tudo o que eu escrevi antes de me julgarem por uma parte: pois o todo se sustenta e o fim serve para demonstrar o começo. (Descartes)

Para fundamentar este trabalho, escolheu-se iniciar com uma reflexão sobre o tema

sustentabilidade, através de percepções de alguns autores, tais como Fritjof Capra, Ezio

Manzini, Thierry Kazazian, Vitor Papanek, entre outros, visando destacar a relação entre

design e sustentabilidade e, através destas reflexões, embasar uma defesa para uma

proposta a ser apresentada a condomínio na zona sul de Porto Alegre. Além desta reflexão e

das relações com o caso em estudo, será apresentado o conceito do design estratégico,

através de alguns autores relacionados ao assunto, tais como Dijon de Moraes, Vilén Flusser,

Rafael Cardoso, entre outros. O objetivo desta reflexão será chegar a diretrizes para o

desenvolvimento de um sistema-produto que viabilize relações sustentáveis entre diferentes

públicos no condomínio Terraville – POA.

2.1 CONCEITOS RELACIONADOS À SUSTENTABILIDADE

Capra (2008) defende que a sociedade moderna está passando por uma crise de

percepção. As preocupações com o nosso mundo superpovoado e globalmente interligado

tem sido cada vez mais importantes e não é mais possível não querer ver. Quanto mais os

principais problemas de nossa época são estudados, mais se percebe que eles não podem

ser entendidos isoladamente. Estes são problemas sistêmicos, ou seja, estão interligados e

são interdependentes. Para muitos deles existem soluções, e algumas delas até bem

simples, porém requerem uma mudança radical nas percepções, pensamentos e valores dos

indivíduos. Partindo do ponto de vista sistêmico1, as únicas soluções viáveis, são as soluções

“sustentáveis”. E este passa a ser o grande “desafio” do nosso tempo: criar comunidades

1 Entende-se por sistema um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, conjuntamente,

formam um todo unitário com determinado objetivo e efetuam determinada função. Desta forma, ponto de vista sistêmico, seria olhar uma determinada situação como se fosse um sistema.

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sustentáveis – ambientes sociais e culturais onde podemos satisfazer as nossas necessidades

e aspirações sem diminuir as chances das gerações futuras.

Capra (2008) traça um paralelo desta crise com o paradigma vivenciado em relação

às mudanças ocorridas da física mecanicista para uma visão mais holística. Esta nova visão

da realidade não foi nada fácil aos cientistas, que se deram conta do quanto sua visão estava

obsoleta. Segundo Thomas Kuhn (Capra, 2008), mudanças de paradigmas ocorrem sob a

forma de rupturas descontínuas e revolucionárias denominadas “mudanças de paradigma”.

Pode-se identificar que esta mudança de paradigma não se restringe ao campo

científico, mas está presente em uma mudança cultural muito mais ampla, chamada de

paradigma social e que Capra (2008) definiu como “uma constelação de concepções, de

valores, de percepções e de práticas compartilhados por uma comunidade, que dá forma a

uma visão particular da realidade, a qual constitui a base da maneira como a comunidade se

organiza”.

Ainda segundo Capra (2008), este novo paradigma pode ser chamado de visão de

mundo holística, ou também ecológica, que concebe o mundo como um todo integrado, e

não como uma coleção de partes isoladas. Visão ecológica, neste caso, sendo utilizado o

termo no sentido mais amplo e profundo do que o usual. Indo adiante com a lógica do

pensamento de Capra (2008), traça-se um paralelo entre os termos “holístico” e “ecológico”,

entendendo-se pelo primeiro, um olhar do todo, de interdependência em si, e pelo segundo,

além destas atribuições, acrescenta-se a percepção de como se está encaixado no ambiente

natural e social. Para ele, este seria o termo mais adequado quando falamos em sistemas

vivos.

Segundo o filósofo norueguês Arne Naess, que fundou a escola filosófica no início da

década de 70, existe uma distinção entre a ecologia rasa e a ecologia profunda, que

enquanto a primeira é antropocêntrica e centralizada no ser humano, estes situados fora ou

acima da natureza, apenas fazendo uso desta, a segunda não separa seres humanos, nem

14

qualquer outra coisa, do meio ambiente natural, considerando os seres humanos apenas

como um fio particular na teia da vida (CAPRA, 2008).

Em última análise, a percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou religiosa. Quando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem uma sensação de pertinência, de conexidade, com o cosmos como um todo, torna-se claro que a percepção ecológica é espiritual na sua essência mais profunda. (Capra, 2008, pg.26)

Em Capra (2008), Arne Naess, ainda propõe outra forma de caracterizar a ecologia

profunda – “a essência da ecologia profunda consiste em formular questões mais

profundas”. Estas questões mais profundas utilizadas para questionar cada aspecto do velho

paradigma e na preparação para a mudança de paradigma, que não precisa descartar tudo o

que existia até então, porém, questionar os próprios fundamentos da nossa visão de mundo

e de nosso modo de vida modernos. A ecologia profunda questiona todo este paradigma a

partir da perspectiva de nossos relacionamentos uns com os outros, com as gerações futuras

e com a teia da vida na qual somos parte.

A mudança de paradigmas requer uma expansão não apenas de nossas percepções e

maneiras de pensar, mas também de nossos valores. Capra (2008) expõe uma conexão nas

mudanças entre pensamentos e valores, de autoafirmação para integração, mas, sendo

ambos os aspectos essenciais a todos os seres humanos, propõe um equilíbrio dinâmico

entre eles. Um valor muito presente é o poder, que se apresentava no velho paradigma com

um sentido de dominação dos outros, mas para o novo paradigma é mais apropriado que

apareça como influência de outros. Neste sentido, diz-se que a estrutura ideal para exercer

este tipo de poder não é a hierarquia, mas a rede, que é também a metáfora da ecologia. “A

mudança de paradigma inclui, desta maneira, uma mudança na organização social, uma

mudança de hierarquias para redes” (CAPRA, 2008, p.28).

Acrescentam-se às reflexões de Capra, as conclusões de Maturana, que aqui serão

apenas pontuadas. Duas questões principais cristalizaram-se na mente de Maturana 2

2 Estes conceitos de Humberto Maturana aparecem no livro de Capra – Teia da Vida – pg.87

15

(Capra, 2008, pg.87): “Qual é a organização da vida?” e “O que ocorre no fenômeno da

percepção?”. Depois de muitos estudos, Maturana concluiu que a organização da vida é uma

organização circular, a qual descreveu como Autopoiese.

Auto, naturalmente, significa “si mesmo” e se refere à autonomia dos sistemas auto-organizadores, e poiese – que compartilha da mesma raiz grega com a palavra poesia – significa “criação”, “construção”. Portanto, “autopoiese” significa “autocriação”... autopoiese é um padrão geral de organização comum a todos os sistemas vivos. (Capra, 2008, pg.87)

Pode-se dizer então que toda a rede, continuamente, produz a si mesma. Ainda

Capra (2008) complementa com os critérios fundamentais de um sistema vivo: o padrão de

organização - a configuração de relações que determina as características essenciais do

sistema, estrutura – a incorporação física do padrão de organização do sistema e o processo

vital – a atividade envolvida na incorporação contínua do padrão de organização do sistema.

Estes três critérios estão a tal ponto estreitamente entrelaçados que é difícil discuti-los

separadamente, embora seja importante distingui-los entre si.

Sistemas vivos são sistemas cognitivos, e a vida como um processo, é um processo de cognição. A mudança de paradigma inclui desta maneira, uma mudança na organização social, uma mudança de hierarquias para redes. (Capra, 2008, pg.28)

Capra (2008) conclui que se reconectar com a teia da vida significa construir, nutrir e

educar comunidades sustentáveis, nas quais podemos satisfazer nossas aspirações e nossas

necessidades sem diminuir as chances das gerações futuras. Propõe que nos tornemos

ecologicamente alfabetizados, que significa entender os princípios de organização dos

ecossistemas e usar estes princípios como diretrizes, descritos a seguir, para criar

comunidades humanas sustentáveis.

O primeiro desses princípios é a interdependência - a dependência mútua de todos

os processos vitais dos organismos – que é a natureza de todas as relações ecológicas. Estas

relações são não-lineares e por isso outro importante princípio da ecologia é a natureza

cíclica dos processos. Todos os organismos de um ecossistema produzem resíduos, mas o

16

que é resíduo para uma espécie é alimento para outra, de modo que o ecossistema como

um todo permanece livre de resíduos. Em sua grande maioria, os sistemas são fechados em

relação ao fluxo de matéria, e abertos em relação ao fluxo de energia, onde a fonte básica

desse fluxo de energia é o Sol, que aciona a maioria dos ciclos ecológicos. A energia solar,

em suas muitas formas, é o único tipo de energia renovável, economicamente eficiente e

ambientalmente benigna. Num ecossistema, os intercâmbios cíclicos de energia e de

recursos são sustentados por uma cooperação generalizada, onde a parceria torna-se uma

característica essencial das comunidades sustentáveis.

Entende-se por parceria a tendência em formar associações, para estabelecer

ligações, para viver dentro de outro organismo e para cooperar e funciona como um dos

“certificados de qualidade” da vida (Capra, 2008). Transportando este princípio para

comunidades humanas, significa democracia e poder pessoal, com cada membro da

comunidade desempenhando um importante papel. Ao se combinar a parceria com a

dinâmica da mudança e do desenvolvimento, se pode utilizar o termo “coevolução”, ou seja,

à medida que a parceria se processa, cada parceiro passa a entender melhor as necessidades

dos outros. Estes princípios até aqui apresentados, são todos eles diferentes aspectos do

mesmo padrão de organização, e mostram como os ecossistemas se organizam para

maximizar a sustentabilidade.

A fim de permitir que estes ecossistemas sobrevivam a perturbações e se adaptem a

condições mutáveis, deve-se ainda considerar dois outros princípios: flexibilidade e

diversidade. Entende-se por flexibilidade de um ecossistema a conseqüência de seus

múltiplos laços de realimentação, que tendem a levar o sistema de volta ao equilíbrio

sempre que houver um desvio em relação à norma. A teia da vida é uma rede flexível e

sempre flutuante e quanto mais as variáveis forem mantidas flutuando, mais dinâmico será

o sistema. O mesmo vale para comunidades humanas, onde a falta de flexibilidade se

manifesta como tensão. Compreende-se então que administrar um sistema social –

empresa, cidade, economia - significa encontrar os valores ideais para as variáveis do

sistema, visando a otimização. O papel da diversidade de um ecossistema está diretamente

ligado à estrutura de rede, e quanto mais complexa for esta rede, mais complexo for o

padrão de interconexões, mais elástica ela será. Nas comunidades humanas, a diversidade

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étnica e cultural pode desempenhar o mesmo papel, e a diversidade só será uma vantagem

estratégica se houver uma comunidade realmente vibrante e sustentada por uma teia de

relações. Pode-se dizer que teremos a sustentabilidade como conseqüência dos princípios

básicos da ecologia apresentados.

Embora apresentados de uma forma um pouco diferente, podemos complementar

esta reflexão de Capra, Maturana e Arne Naess com a linha de pensamento de Kazazian

(2009), Papanek (1995) e Manzini (2005), além de alguns outros significados de

sustentabilidade que se encontra na bibliografia, a fim de reforçar o entendimento deste

conceito e apresentar uma aplicação em comunidades humanas.

Podem-se identificar diversos conceitos sobre sustentabilidade baseados em

perspectivas diversas, mas que podem ser convergentes (Manzini, 2005; Kazazian, 2009;

Papanek, 1995). O termo "sustentabilidade" é muitas vezes incompreendido e mal utilizado,

e nem sempre existe concordância com sua definição. Sustentabilidade pode ser muitas

coisas diferentes - um lema, um ideal, uma forma de fazer negócios, uma maneira de viver a

sua vida ou um chamado à ação. Ou ainda pode ser um objetivo a ser alcançado.

Trata-se de um conceito sistêmico, ou seja, ele correlaciona e integra de forma

organizada aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais. A palavra-chave é

continuidade, procurando manter-se em equilíbrio ao longo do tempo. Estes diferentes

aspectos que estão inter-relacionados serão tratados ao longo da reflexão.

Buscando na história, ao final dos anos 80, a Comissão Mundial sobre o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento, presidida por Gro Harlem Brundtland, publicou um

relatório, Nosso futuro comum3, que descreve o estado do planeta e a relação essencial

entre o futuro das comunidades humanas e o das comunidades ecológicas. Este relatório

introduz pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentável e apresenta uma

proposta que rompe com os antigos modelos econômicos, passando a integrar meio

3 Em 1983, o Secretário-Geral da ONU convidou a médica Gro Harlem Brundtland, mestre em saúde pública e

ex-Primeira Ministra da Noruega, para estabelecer e presidir a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Em abril de 1987, a Comissão Brundtland, como ficou conhecida, publicou um relatório inovador, “Nosso Futuro Comum” – que traz o conceito de desenvolvimento sustentável para o discurso público.

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ambiente com futuro econômico, social e cultural das sociedades humanas -

“Desenvolvimento sustentável significa suprir as necessidades do presente sem afetar a

habilidade das gerações futuras de suprirem as próprias necessidades” (Report of the World

Commission on Environment and Development, ONU, 1987)

Até mesmo o dicionário Aurélio converge conceitualmente, denotando conformidade

com a posição até aqui descrita. Sustentabilidade é a “habilidade de ser sustentável”, e

sustentável é “aquilo que pode ser sustentado, repetido e reproduzido”. Neste sentido,

sustentabilidade poderia ser traduzida como uma habilidade ou capacidade de algo em ser

mantido ou se sustentar. E sustentar pode ser entendido como manter, nutrir, defender.

Pode-se também relacionar este sustentar-se/manter-se a um processo, ou vários

processos, que mesmo que venham a sofrer interferências, buscam restabelecer o equilíbrio.

Relaciona-se, então, estes processos a imagem de ciclos fechados e sucessivos, o que

poderia fazer uma alusão ao símbolo do infinito. Olhando com atenção a nossa volta,

percebe-se que, para diversos processos definidos pelo homem, haverá conseqüente

geração de resíduos ou sobras que os tornariam insustentáveis. Talvez porque, quando de

sua definição, o ciclo onde ele (ciclo observado) estava inserido não tenha sido considerado.

Desta forma, permite-se dizer que a visão sustentável está na mudança do foco de

observação. Ao invés de observar objetos, passar-se-ia a observar as relações entre

os objetos. É justamente no universo das relações que a existência dos pontos de inflexão e

as sobras dos processos podem ser realmente observadas.

Segundo Kazazian (2009), observando-se a natureza fica mais fácil entender o que se

quer dizer com ciclos, resíduos e a relação destes resíduos dentro de um contexto ou ciclo,

ou do outro ao qual fará parte, e dependendo do foco da observação, não existe resíduo.

Uma simples idéia: observar a criatividade em curso na natureza e daí tirar alguns grandes princípios suscetíveis de guiar nossos passos em direção à realização de um desenvolvimento sustentável das atividades humanas e de uma economia baseada na generosidade. (Kazazian, 2009, pg.28)

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Através da observação da natureza podem-se entender as relações dinâmicas que

nela se produzem e considerar quatro dimensões: interdependência, tempo, ciclo e por fim

alcançar o chamado optimum, que quer dizer o “estado mais favorável”, ou seja, do “justo

necessário”, um estado de equilíbrio. Nestes conceitos apresentados por Kazazian (2009),

podemos verificar a identificação com a reflexão de Capra (2008).

A natureza pode ser apreendida como um jogo, aberto e complexo, de relações integradas e dinâmicas, cujos processos vitais dependem uns dos outros, uma solidariedade de fato em que cada elemento existe pelas relações que mantém com os demais. (Kazazian, 2009, pg.30)

Entende-se interdependência como um revelador de sentido de direção,

independentemente do “zoom” que se dá ao que está sendo observado e avaliado, quer seja

o corpo humano, a biosfera, ou as organizações humanas. Qualquer fenômeno impactará no

todo e retornará a seu tempo a origem do mesmo.

O tempo, dimensão fundamental de nossa existência, não é único e se apresenta sob uma infinita variedade de formas. Conforme as escalas em que se compõem as relações entre os seres da natureza, a vida se anima em ritmos, cadeias e ciclos, revoluções e gerações. Não há interdependência

fora do tempo. (Kazazian, 2009, pg.40)

O tempo moderno é curto, sendo a sociedade solicitada a agir rapidamente e

consumir sem tempo para realmente observar e dar-se conta do aumento de resíduos

produzidos muito além do que pode ser absorvido. Este tempo humano bate de frente com

o tempo que a natureza leva para produzir novamente os recursos naturais e absorver todo

este resíduo produzido. Depara-se com um descompasso nos tempos e se existe a busca do

equilíbrio esta relação deverá ser revista, onde poderão ser propostos serviços de

compartilhamento de uso e não mais de posse de produtos. Observando esta questão da

durabilidade dos produtos passa-se a questionar a própria idéia de posse. Passar da posse de

um bem material a disponibilização de um serviço para atender a mesma necessidade

permitiria que houvesse uma mudança de uma sociedade de consumo para uma sociedade

de uso.

20

Os sóis dão voltas, os planetas dão voltas, os ciclones dão voltas, os rodamoinhos dão voltas, a vida, em seus ciclos múltiplos e emaranhados, dá voltas: ciclos homeostáticos, ciclos de reprodução, ciclos ecológicos do dia, da noite, das estações, do oxigênio, do carbono... O homem acredita ter inventado a roda, e, no entanto, nasceu de todas estas rodas. (MORIN, 1977)

Os tempos da natureza se organizam na forma de ciclos de diversas durações que

regulam sua existência. Estes ciclos provocam um fluxo contínuo de transformação da

matéria, nunca sendo destruídos, mas transformados. O fim de uma matéria ou ser

possibilita o crescimento de outro, assegurando sua continuidade, metamorfoseando seus

próprios resíduos em novas reservas. Mudando de estado a matéria reintegra outro ciclo e

assim por diante, como pode ser observado no ciclo da cadeia alimentar. Pode-se dizer que

nossa civilização está contribuindo para um desequilíbrio duplo, por um lado esgotando as

fontes de recursos naturais e por outro produzindo um aumento crescente de resíduos

provenientes do consumo.

(...) do latim “optimus”, o melhor, e “opis”, abundância, recursos: o estado mais favorável em determinadas condições. (Kazazian,2009, pg.58)

A natureza prolifera em um estado “o mais favorável”, que se chama de optimum.

Um ecossistema cresce e se multiplica na medida da energia que recebe. Graças a esta

energia a substância viva se aproxima de um máximo, em um optimum flutuante, sem nunca

ultrapassar o que os limites naturais podem tolerar, ou seja, na melhor otimização possível.

Nesta dinâmica, coexistem a noção de “justo necessário” e uma inesgotável forma de

generosidade: “uma inesgotável forma de generosidade, como se a vida sempre gerasse

mais do que a si própria”. Kazazian, T. pg.59

Segundo Manzini (2005), deve-se considerar a sustentabilidade como um objetivo a

ser atingido. Em seu livro, elaborado em conjunto com Carlo Vezzoli, “O desenvolvimento de

produtos sustentáveis”, defende-se que a nossa sociedade, nossa vida e das futuras

gerações, depende do funcionamento no longo prazo daquele intrincado de ecossistemas

que chamamos de natureza, de sua qualidade e da capacidade produtiva (alimentos,

matérias-primas, energia). Em sua reflexão sobre o relatório Nosso futuro comum, é

reforçado que as três premissas devem ser atendidas para alcançar o desenvolvimento

sustentável:

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- As atividades humanas não devem interferir nos ciclos naturais em que se

baseia tudo o que a resiliência do planeta permite;

- Ao mesmo tempo, não devem empobrecer seu capital natural, que será

transmitido às gerações futuras;

- juntando-se a estes a premissa de caráter ético: princípio da eqüidade, ou

seja, que todas as pessoas, desta ou das próximas gerações, tem direito a

ter acesso ao mesmo espaço ambiental, com a mesma disponibilidade de

recursos.

O conceito de sustentabilidade ambiental refere-se às condições sistêmicas segundo as quais, em nível regional e planetário, as atividades humanas não devem interferir nos ciclos naturais em que se baseia tudo o que a resiliência do planeta permite e, ao mesmo tempo, não devem empobrecer seu capital natural, que será transmitido às gerações futuras. (MANZINI & VEZZOLI, 2005, pg.)

A partir da conceituação de sustentabilidade, ela passa a ser um objetivo a ser

atingido e para tal, cada nova proposta deverá estar coerente com as três premissas

apresentadas.

Segundo Manzini (2005), para atingir este objetivo será necessária uma grande

mudança, considerando que o metabolismo do sistema produtivo seja capaz de transformar

recursos ambientais em bem-estar humano (Ehrlich e Ehrlich, 1991; Meadows ET al., 1992).

Observando nossa sociedade, e nosso atual modelo de desenvolvimento, só conseguiremos

atingir este objetivo com uma redução muito grande do consumo e do uso dos recursos

naturais e isso só ocorrerá através de uma descontinuidade que deverá atingir todas as

dimensões do sistema: dimensão física – fluxos de matéria e energia; dimensão econômica

e institucional – relações entre os atores sociais; dimensão ética, estética e cultural –

critérios de valor e juízos de qualidade que socialmente legitimam o sistema. Esta

descontinuidade deverá transcorrer num grande período de transição, onde deverão ocorrer

um grande e articulado processo de inovação social, cultural e tecnológica, com uma

multiplicidade de ações que atendam às diferentes sensibilidades e oportunidades diversas.

A transição rumo à sustentabilidade será um processo de aprendizagem social no qual os seres humanos aprenderão gradualmente, através dos

erros e contradições...

rege

Para melhor entendimento deste sistema

figura a seguir, o que são as dimensões da sustentabilidade abordadas anteriormente

econômica, ambiental/ecológica e social. Para que o desenvolvimento seja considerado

sustentável, estas três dimensões deverão estar equilibradas.

Além destas dimensões apresentadas, observamos anteriormente que Capra

trás mais dois princípios que poderiam dar origem a mais uma dimensão

conceituada pela Gaia Education

4 Gaia Education foi criado por um grupo de educadores chamados "gansos" (Global de Ecovilas Educadores

para uma Terra Sustentável), que têm se reunidoabordagem transdisciplinar para a educação para a sustentabilidade.valiosas experiências e lições sobre o projeto e criação de comunidades sustentáveis urbanas. Gaia education está unida no esforço de tornar o conhecimento e as habilidades desenvolvidas em ecovilas acessível a um público amplo.

erros e contradições... a viver melhor consumindo muito menos e

regenerando a qualidade do ambiente. (MANZINI, ano, pg.

Para melhor entendimento deste sistema pode-se visualizar,

o que são as dimensões da sustentabilidade abordadas anteriormente

econômica, ambiental/ecológica e social. Para que o desenvolvimento seja considerado

sustentável, estas três dimensões deverão estar equilibradas.

Figura 2.1- Dimensões da sustentabilidade

Além destas dimensões apresentadas, observamos anteriormente que Capra

trás mais dois princípios que poderiam dar origem a mais uma dimensão

Gaia Education4 como visão de mundo, dimensão que nos conecta com a

foi criado por um grupo de educadores chamados "gansos" (Global de Ecovilas Educadores

para uma Terra Sustentável), que têm se reunido ao longo de uma série de workshops a fim de formular sua abordagem transdisciplinar para a educação para a sustentabilidade. Ecovilas ao redor do mundo oferecem valiosas experiências e lições sobre o projeto e criação de comunidades sustentáveis

está unida no esforço de tornar o conhecimento e as habilidades desenvolvidas em ecovilas acessível a um público amplo.

22

viver melhor consumindo muito menos e

ANZINI, ano, pg.)

, através da primeira

o que são as dimensões da sustentabilidade abordadas anteriormente –

econômica, ambiental/ecológica e social. Para que o desenvolvimento seja considerado

Além destas dimensões apresentadas, observamos anteriormente que Capra (2008)

trás mais dois princípios que poderiam dar origem a mais uma dimensão. A mesma é

dimensão que nos conecta com a

foi criado por um grupo de educadores chamados "gansos" (Global de Ecovilas Educadores ao longo de uma série de workshops a fim de formular sua

covilas ao redor do mundo oferecem valiosas experiências e lições sobre o projeto e criação de comunidades sustentáveis em áreas rurais e

está unida no esforço de tornar o conhecimento e as habilidades desenvolvidas em

23

natureza e possibilita despertar a transformação de nossa consciência, e aparece

representada nas figuras a seguir.

Figura 2.2- Dimensões consideradas pela Fundação Gaia Education – Findhorn

Nestas figuras acima se pode identificar as quatro dimensões consideradas pelos

estudos desta Fundação, que inclui a dimensão de visão de mundo, ou seja, o observador

inserido no contexto que está sendo observado.

Complementa-se esta abordagem das dimensões, trazendo reflexões pontuais de

Papanek (1995) que acredita que as nossas vidas e o meio ambiente podem ser

influenciados - para o bem e para o mal - pelo poder do design. Em seus livros o autor

mostra como cada um de nós - criador ou destinatário do design - pode contribuir para o

bem-estar da população e do planeta. Designer e pedagogo muito influente, sendo

especialmente conhecido por sua posição sobre a concepção dos objetos - seja uma

ferramenta ou um objeto arquitetônico - cujo design deverá obedecer a noções de

responsabilidade social e ecológica.

Talvez não devesse existir a categoria especial chamada “design sustentável”. Talvez fosse mais simples presumir que os designers tentassem reformular os seus valores e seu trabalho, de modo a que todo o design se baseasse na humildade, combinasse os aspectos objetivos do

24

clima e o uso ecológico dos materiais com processos intuitivos e assentasse em fatores culturais e bio-regionais. (Papanek, 1995, pg.14-15)

Papanek (1995) discute sobre o valor espiritual do design e acredita que este valor

está tanto na intenção do designer como no uso do objeto criado. “Ao exercermos a nossa

arte e a nossa perícia, aquilo que fazemos dá forma ao que somos e ao que nos tornamos.”

(Papanek, 1995, pg.57).

A função do designer é apresentar opções as pessoas. Estas opções deveriam ser reais e significativas, permitindo que as pessoas participassem mais plenamente nas decisões que lhes dizem respeito, e deixando-as comunicar com os designers e arquitetos na procura das soluções para os seus próprios problemas, mesmo – quer queiram quer não – tornando-se os seus próprios designers. (Papanek, 1995, pg.64).

O designer se encontra em um ótimo lugar para concorrer a essa abordagem: ele se

esforça em elaborar a melhor interface possível entre o homem e o objeto... cabe-lhe

ampliar este processo pela integração das relações que ambos mantém com seu meio-

ambiente.

Papanek estava interessado na humanidade, como tal, perseguiu um interesse

em antropologia. De fato, Papanek (1995) sentiu que quando o design é simplesmente

técnica ou meramente estilo orientado, ele perde o contato com o que é verdadeiramente

necessário para as pessoas.

Toma-se esta reflexão de Papanek (1995) como ponto de partida para uma discussão

sobre os temas design e design estratégico como forma de se alcançar o desenvolvimento

sustentável em uma comunidade. Segundo Papanek (1995), considera-se que o designer tem

a capacidade de elaborar a melhor interface entre as pessoas, ampliando o processo através

da integração das relações que todos mantêm com seu meio-ambiente.

25

2.2 DO DESIGN AO DESIGN ESTRATÉGICO

Cada geração acredita, sem dúvida, ter vocação para mudar o mundo. Todavia, a minha sabe que não vai refazê-lo. Porém, sua tarefa pode ser maior. Consiste em impedir que o mundo se desfaça. (Albert Camus)

Observa-se que ao longo da segunda metade do século passado, o debate científico

em torno do significado da palavra design acompanhou a evolução desta disciplina. Flusser

(2010) discorre sobre a palavra design e inicia com o significado da mesma em inglês, que

funciona como um substantivo e também como verbo. Como substantivo, assume

significados como “propósito”, “plano”, “forma”, sempre relacionados à “astúcia”, “fraude”.

Como verbo – to design – significa, entre outras coisas, “tramar algo”, “esquematizar”,

“proceder de modo estratégico”. Sendo uma palavra de origem latina, contém em si o termo

“signum”, que significa “signo”, “desenho”. Etimologicamente, significa algo como de-signar,

podendo ser dito que ela ocorre num contexto de astúcias e fraudes. Neste mesmo contexto

aparecem as palavras máquina e técnica, onde se relaciona a primeira a um dispositivo

utilizado para a enganação a segunda relaciona-se a arte, ou a quem possa provocar o

aparecimento da forma. Desta maneira, Flusser continua dizendo que artistas e técnicos

seriam impostores e traidores das idéias, pois seduziriam os homens a contemplar idéias

deformadas. A cultura moderna promoveu uma separação brusca entre os dois mundos: da

técnica/máquinas e o das artes, separando em ramos técnico e estético, que ao final do

século XIX tornou-se insustentável. A palavra design, que exprime a conexão interna entre

técnica e arte, surge, então, instalando-se nesta brecha e servindo de ponte entre estes dois

mundos, tornando possível uma nova forma de cultura.

Pode-se dizer que a palavra design está relacionada a engodo e malícia, pois quando

a separação entre técnica e arte foi superada e começou-se a criar designs cada vez mais

perfeitos, passou-se a viver de forma cada vez mais artificial, renunciando-se à verdade e a

autenticidade.

...graças à palavra design, começamos a nos tornar conscientes de que toda a cultura é uma trapaça, de que somos trapaceiros trapaceados, e de que todo envolvimento com a cultura é uma espécie de autoengano. (FLUSSER, 2010, pg.185)

26

FLUSSER (2010) ainda nos trás reflexões sobre os diferentes tipos de olhar. O trecho

“A alma tem dois olhos: um olha o tempo, o outro olha para longe, em direção à eternidade”

(Flusser, 2010, pg.188), retirado do poema de Angelus Silesius5 datado do século XVII, fala

sobre o que era tido como profecia, também citado por PAPANEK (1995), no terceiro milênio

(e que hoje seria chamado de design).

Somos o único animal “preso ao tempo”, que comunica técnicas, idéias e conhecimento adquiridos através de gerações, e assim antecipamos muitos futuros possíveis; a tarefa dos designers e arquitetos inclui, por conseguinte, um certo grau de profecia. (Papanek, 1995, pg.9)

Hoje, tem-se que este segundo olho continua olhando a eternidade, porém, agora

consegue manipular esta eternidade.

O olhar do designer, seja o divino, seja o humano, é, sem dúvida, aquele olhar do segundo olho da alma... Esse é o olhar do designer: ele possui uma espécie de olhar-sentinela – como um computador - graças ao qual deduz e maneja a eternidade. (Flusser, 2010, pg.191)

Ainda explorando a reflexão de FLUSSER (2010) acerca do design, define-se o mesmo

como um obstáculo que vem para a remoção de obstáculos. Um objeto, seja ele matéria ou

não, é algo que está no meio do caminho (em latim, ob-iectum: em grego, problema).

Segundo FLUSSER (2010), objetos foram projetados por pessoas que nos antecederam, com

o intuito de progredir, mas acabaram criando obstáculos para os próximos. O processo de

criação e configuração dos objetos envolve uma questão de responsabilidade, envolvendo

também a questão da liberdade.

Aquele que projeta objetos de uso (aquele que faz cultura) lança obstáculos no caminho dos demais, e não há como mudar isso... Deve-se, no entanto, refletir sobre o fato de que, no processo de criação dos objetos, faz-se presente a questão da responsabilidade, e exatamente por isso é que se torna possível falar da liberdade no âmbito da cultura. A responsabilidade é a decisão de responder por outros homens... A situação da cultura está como está justamente por que o design responsável é entendido como algo retrógrado. (FLUSSER, 2010, pg.196)

5 Esta citação de Angelus Silesius aparece dentro do livro de Flusser – O Mundo Codificado – 2010.

27

Não teria como se falar em ética antes de colocar certas reflexões. A questão da

moralidade das coisas, ou seja, da responsabilidade do designer, adquiriu um novo

significado no contexto atual, partindo de algumas considerações: não existe mais nenhum

âmbito público que estabeleça as normas, os produtos são frutos de uma complexa rede de

informações e desenvolvidos por equipes, cujo resultado não pode ser atribuído a um único

autor e não se pode mais responsabilizar o usuário pelo uso indevido, e nem mesmo quem o

produziu. Desta forma, não se consegue responsabilizar a um indivíduo.

Buscando uma conversa entre diversas perspectivas e definições, encontra-se em

Cardoso (2010) maneira similar para conceituar a palavra design. Também partindo da

origem na língua inglesa, o substantivo refere-se tanto à idéia de plano, desígnio, intenção,

quanto à idéia de configuração, arranjo, estrutura. Buscando no latim designare, o verbo

abrange dois sentidos, designar e desenhar. Do ponto de vista etimológico, o termo já

contém em si uma ambigüidade, uma tensão dinâmica, entre os aspectos abstrato -

conceber/projetar/atribuir - e concreto - registrar/configurar/formar. Concorda-se mais uma

vez que o termo demonstra a junção dos dois níveis, atribuindo forma material a conceitos

intelectuais.

O consumidor vive e opera hoje em um contexto profundamente diferente daquele do século passado: mudou o modo de pensar do homem no que tange a si mesmo, o grupo a que pertence, à sociedade em que vive, ao papel que assume, às suas possibilidades econômicas. Mudaram os símbolos e os modos de assumir os valores e de se relacionar através das mercadorias. (Celaschi, 2007, pag.18)

Galasai, Borba e Giorgi (2008) abordam em seu artigo “Design como cultura de

projeto e como integração entre universidade e empresa” considerações a respeito da

cultura que se apresenta através destes artefatos culturais, produtos, serviços e experiências

produzidos pelos designers. Segundo eles, estes produtos se tornam objetos de operações

de troca, que podem demonstrar todas as ciências envolvidas, tais como economia,

marketing, sociologia, psicologia, e evidenciar o significado desta mercadoria e seus valores

relacionais e de troca. Entende-se por mercadoria o conjunto populoso de bens que

caracterizam a estrutura econômica e sócio-cultural em uma sociedade. Sendo assim, pode-

se dizer que a palavra design, ou o espaço por ela significado, se torna o local de encontro de

28

dois eixos principais de conhecimento, arte/técnica e economia/humanas, que se pode

definir como cultura de projeto. Pode-se dizer que o design “deve ser capaz de contar uma

história e transmitir significados intangíveis em torno da marca, das relações e da interação

com o consumidor que se reconhece e identifica com os valores expressos”, ficando

evidente que o mesmo é a parte mais completa e articulada deste fenômeno que se

denominou de cultura de projeto.

Pode-se dizer que dentro das empresas existem diversas áreas de atuação, cujos

cruzamentos, juntamente com o uso do design como ponto central, produzem resultados

como significado, valor, forma e função. Pode-se verificar no esquema abaixo a relação entre

as áreas de conhecimento e a geração de cadeias de valor, e identificar o conceito defendido

por Galasai, Borba e Giorgi (2008), que diz que “operar através da cultura de projeto significa

transformar a cadeia de valor das mercadorias”.

Figura 2.3 - Representação da centralidade do papel investido no design através da cultura de projeto

Pode-se identificar no artigo de Galasai, Borba e Giorgi (2008) o conceito de design,

como inovação de sistema, com um movimento cíclico.

A cultura de projeto através de inovação, o design, é capaz de se desenvolver por estudar continuamente aquilo que na mercadoria constitui estímulo e motivação, significado e dinâmica de fruição, a ponto de poder gerar continuamente atualizações na identidade das mercadorias. Ou seja,

29

a inovação, o design, produz novos valores para o consumidor e a empresa. (Galasai, Borba, Giorgi, 2008, pg.4)

Para que seja construído um cenário de inovação num contexto mais amplo, o

profissional deverá estimular de forma integrada e sinérgica três escalas do problema:

produto, processo e sistema. Neste ambiente complexo, um sistema aberto que incluem

pontos de vista, modelos de interpretação e perspectivas disciplinares diferentes, se pratica

o que se pode chamar de design estratégico.

O design estratégico passou então a ser visto como um mediador entre a cultura da

empresa e a cultura dos projetos, atuando como um visualizador das estratégias, ou seja,

design como forma de interpretação de diversidades: geração de sentido e

desenvolvimento de estratégias através da convergência entre macro e micro contextos.

Entende-se por designer aquele profissional com habilidades complexas múltiplas.

Ele deve saber ouvir, entender o problema, conhecer diversas áreas do conhecimento e

coordenar um complexo conjunto de elementos distintos e uma equipe para fazer o

processo funcionar. Em todas as etapas, sua capacidade de ir além do visível, do óbvio deve

se estabelecer. Reforça-se esta afirmação pelo conceito do olho-sentinela apresentado por

Flusser (2010). Pode-se, então, dizer que as três principais capacidades dos designers são:

ver, prever e fazer ver.

Ver: que se traduz na compreensão das necessidades e desejos do usuário em seu

contexto, capturando a essência das coisas de forma criativa, deixando de lado preconceitos,

colocando sua curiosidade em relação ao que está sendo observado. (D. Norman, 2004)

Prever: que identificando tendências de consumo e comportamento, cria cenários

imaginando como agiriam os consumidores.

O cenário "cria um contexto no qual imaginar como os consumidores lidam com potenciais produtos e serviços. Usá-los em ... sessões e teste ... para trazer idéias novas ...“ (K. Best, 2006, p.33)

30

Fazer ver: deve ser capaz de materializar uma idéia ou um conceito

(...) o designer tornou-se um operador chave no mundo da produção e do consumo, cujo saber empregado é tipicamente multidisciplinar pelo seu modo de raciocinar sobre o próprio produto. Por estar ao centro da relação entre consumo e produção, pela necessidade de entender as preferências e dinâmicas da rede de valor e, sobretudo, pelo fato de que as suas ações devem conseguir modificar ou criar novos valores aos produtos por meio de suas intervenções projetuais. Os designers de igual forma tendem a promover a síntese e os conceitos teóricos, bem como transferi-los como proposta formal de satisfação, desejo ou necessidade. (Celaschi, 2000, pg.3)

Com o incremento de cultura de projeto no mundo contemporâneo, se deve

recuperar a importância dada ao método e ao percurso em comparação a um produto ou

resultado. A cultura de projeto, ou a inovação, produz novos valores para o consumidor e

para a empresa, e deve gerar continuamente atualizações na identidade dos produtos.

Entende-se design estratégico como um sistema aberto que inclui diversos pontos de vista,

articulando vários modelos de interpretação e diferentes perspectivas disciplinares. Estas

diferentes perspectivas geram diálogo e conversação, choque e negociação, levando a

construção de um resultado que tenha sentido, significado. A busca deste significado faz

surgir um sistema mais amplo em relação ao produto, chamado sistema-produto, que

abrange toda a gama de serviços, comunicação, distribuição e experiências ligadas a esta

oferta.

A inovação proposta pela visão do design estratégico, através das dinâmicas que olham o marketing, amplia o valor de uso do produto, contando-o com a identidade da marca, com formas variáveis de serviço agregado ao produto e ao cliente, até integrá-lo completamente com o sistema da utilidade, conjunto ao qual gera “valor de relação" direto entre empresa e consumidor. (Zurlo, 2005, pag.142)

Entende-se por sistema-produto a composição abrangente de características

materiais (produto) e imateriais (serviços) e comunicação de um produto. Ele se configura

através de uma complexa combinação de produtos, sistemas e informação, e vai além de

satisfazer as necessidades básicas, proporcionando sofisticadas experiências que nos move e

31

gera muito significado. Pode-se dizer que o sistema-produto pode ser visto como a interface

entre empresa-cliente-sociedade.

Figura 2.4 - Esquema da abrangência de um sistema-produto

Projetar um sistema-produto e coordenar toda a atividade dos atores envolvidos

nele buscando atingir o objetivo final é atividade do designer estratégico, devendo ter

capacidade de projeto e capacidade estratégica. Entende-se por capacidade de projeto as

habilidades que falamos acima - ver, prever e fazer ver - e por capacidade estratégica - a

capacidade de agir determinando objetivos, mesmo que muitas vezes sem conhecer todos

os dados do sistema. Entende-se também ser necessário ter um completo e satisfatório

conhecimento do contexto, porém, sempre considerar a qualquer momento as

oportunidades que aparecem ao longo do percurso. Segundo Galasai, Borba, Giorgi (2008)

os designers são “facilitadores de processo”, pois são capazes de acionar as próprias

capacidades de projeto e as próprias competências estratégicas para que aconteçam os

eventos direcionados a um resultado final.

O consumidor vive e opera hoje em um contexto diferente daquele do século passado: mudou o modo de pensar do homem no que tange a si mesmo, o grupo a que pertence, à sociedade em que vive, ao papel que

32

assume, às suas possibilidades econômicas. Mudaram os símbolos, os modos de assumir os valores e de se relacionar através das mercadorias. (Celaschi, 2007, pg.)

A definição acima mostra a descontinuidade sistêmica pela qual a sociedade está

passando, estando inserida em um estado de fluidez, que reflete a transformação social,

mudanças tecnológicas e mudanças de mercado. Podem-se apontar duas saídas, ficando

tudo como está ou fazendo um movimento para a nova economia – “Green, social and

networked economy” (Manzini, 2005). Desta forma, para atender a este novo momento será

necessária uma mudança na maneira de produzir e de consumir. O surgimento de novos

valores, novos modos de vida, novas redes levam a mudanças culturais que fazem repensar

os produtos, com o objetivo de incrementar mais qualidade, migrando de produtos para

sistemas, pois estão mudando os sentidos que as pessoas dão para as coisas.

O design estratégico tem por objetivo ampliar o campo de visão. Através, não mais

de um produto, mas de um sistema-produto, permite a vivência dos sentidos por meio de

interfaces projetuais relacionadas, como produtos, serviços, comunicação e experiências

(distribuição). Ainda auxilia a empresa a dar forma a sua estratégia criando sentido para o

briefing do projeto, assim gerando cadeias de valor.

John Maeda (MIT), em "As leis da Simplicidade", reconhece que a existência de

aichaku (profunda afeição que as pessoas desenvolvem pelos produtos – alma) em um

mundo artificial ajuda a inspirar a concepção de produtos, com os quais se pode identificar,

apaixonar e manter ao longo da vida. Como diz Carl Jung: “O sentido torna suportável uma

grande parte das coisas – talvez tudo”.

Um ponto de contato entre a empresa e os clientes é sempre uma oportunidade para

comunicar a marca e passar uma forte impressão para o público alvo. A soma destes pontos

de contato somados a uma experiência inesquecível, transformadora, criando um vínculo

emocional forte, constrói o valor do sistema-produto, que é o objeto do design estratégico.

33

Segundo Galasai, Borba e Giorgi (2008), no processo de projetação de design existem

quatro etapas bem definidas, que são: conhecimento, análise, síntese e desenvolvimento.

Através do esquema abaixo se pode entender que as fases de pesquisa e análise fazem parte

da etapa de metaprojeto e as fases síntese e desenvolvimento constituem o projeto

propriamente dito.

Figura 2.5 - Esquema do modelo Pesquisa & Ação

O diferencial na metodologia de design estratégico está justamente na fase de

metaprojeto, que também poderia ser chamado de projeto do projeto, ou design do design

(Dijon de Moraes, 2010). Moraes (2010) traz o conceito de metaprojeto partindo da

etimologia do termo, que diz “que vai além, que transcende o projeto, que faz a reflexão

crítica e reflexiva sobre o próprio projeto”. Segundo Celaschi6 (2010) justamente nesta etapa

são determinantes o caráter e as qualidades dos designers, pois ela se baseia em duas

subfases: observação da realidade e construção de modelos simplificados da realidade.

6 Esta citação foi transcrita do livro Metaprojeto de Dijon de Moraes, pg. xvii

34

Figura 2.6 - Esquema das fases do Metaprojeto e Projeto

Como se pode observar na figura acima, o metaprojeto atua nas fases iniciais do

projeto de design, precedendo a fase projetual, observando a realidade existente e

prospectando cenários futuros a serem ainda construídos.

Como todo o processo analítico, inicia-se com a construção do problema a ser

investigado, chamado briefing, cuja função é de ser um dispositivo de disparo da dinâmica

projetual. O processo basicamente se inicia com pesquisas contextuais, que podem ser

qualitativas, possibilitando a análise dos atores que constituem as redes de interação. Tais

pesquisas têm por objetivo inspirar, informar a intuição, e trazer consigo estímulos

projetuais, que alimentarão o processo do projeto. Através destas pesquisas podem ser

recolhidos dados como perspectivas históricas, pesquisas de mercado, pesquisa blue Sky,

análises de tendências e relações sistêmicas. O resultado destas pesquisas pode levar a

revisão do briefing inicial e trazer a proposta de um novo briefing, chamado de contra-

briefing, levando a entendimentos mais avançados da própria situação em relação aos

valores originais e planejamentos futuros. Considerando a natureza sistêmica complexa

deste método, tal síntese não será fechada em uma única solução. Este contra-briefing é

desdobrado em diversos cenários futuros que devem contemplar possibilidades de

reposicionamento e reorganização, ou seja, de inovações do sistema-produto. Para a criação

35

destes cenários, por ser uma atividade complexa, deve ser envolvido um time

transdisciplinar de atores, que serão capazes de multiplicar, ampliar criativamente os

caminhos a serem seguidos. Pelo caráter sistêmico aberto, esta metodologia se diferencia

das metodologias analíticas, possibilitando que se estabeleça um núcleo metaprojetual

dinâmico expansivo e retrocedente, que seja capaz de rever, avaliar, reposicionar com

eficiência as estratégias da organização. Destes cenários futuros são abstraídas as visões de

design, ou seja, oportunidades de inovação, que devem ser certeiras com relação aos

resultados e impactos econômicos, culturais, ambientais, entre outros. Partindo da visão

escolhida, passa-se ao conceito do projeto, momento em que se atravessa a linha divisória

entre metaprojeto e projeto. Este conceito é desdobrado em ferramentas projetuais e caso

o mesmo indique problemas, pode-se retornar às diretrizes conceituais do projeto e refazer

o percurso, demonstrando mais uma vez a natureza cíclica do processo. (artigo de mestrado

2009)7.

A seguir apresenta-se uma figura que complementa a figura anterior, relatando em

sua estrutura o caráter sistêmico do design estratégico, diferentemente da figura anterior

que mostrava as etapas de um modo estanque.

7 PASTORI, D. et al. Strategic management process design e o pensamento sistêmico: a emergência de novas metodologias de design. In: Strategic Design Research Journal, volume 2 número 1. São Leopoldo: Unisinos, 2009.

36

Figura 2.7 - Método sistêmico de design estratégico

37

Para propor uma reflexão sobre existir uma única metodologia para o design,

adiciona-se o pensamento de Celaschi8 (2010), apresentado na introdução do livro de Dijon

de Moraes, “Eu penso, no entanto, que existam muitos métodos para se fazer design e, em

qualquer um deles, o papel e as características do designer são sempre fundamentais”.

Celaschi9 (2010) defende que no design não existem soluções “corretas”, destacando a

natureza única e subjetiva do designer, e que a escolha do caminho projetual é a parte

fundamental do resultado, ou seja, o processo por meio do qual ele foi obtido. Este conceito

apresentado por Celaschi (2010) em relação ao caráter e qualidades do designer converge

para o conceito de responsabilidade do designer abordado por Flusser (2010) quando ele

fala sobre a responsabilidade em relação ao que deixamos para as próximas gerações.

Segundo Moraes (2010) a fase de metaprojeto nasce da necessidade de existência de

uma “plataforma de conhecimentos” (pack of tools) que sustente e oriente a atividade

projetual em um cenário fluido e dinâmico que se prefigura em constante mutação.

Considerando as referências materiais e imateriais, tangíveis e intangíveis, objetivas e

subjetivas, esta plataforma promove redes e relações inéditas, bem como interfaces

inovadoras para os produtos e serviços que comporão o chamado novo design.

O metaprojeto surge como uma possível referência projetual para os cenários complexos e como linha guia para uma fase de transição, na qual não mais o produto é colocado em evidência, mas o contexto em que este produto opera ou deve operar. Para um melhor entendimento sobre o fenômeno de complexidade e sua influência para o âmbito de conhecimento do design, é preciso primeiro entender a realidade do cenário (ou os cenários) que hoje se posiciona como vetor mutante dentro do modelo de globalização estabelecido. O cenário vem entendido como o local em que ocorrem os fatos, o pano de fundo que ilustra uma ação teatral, o espaço para a representação de uma história constituída de vários elementos e atores, no seu desempenho narrativo. (Moraes, 2010, pg. 3)

Para Manzini10 (2010), este novo design está sendo solicitado por um novo modelo

de economia que está surgindo, o que ele chama de “próxima economia”. Esta nova

8 Esta citação foi transcrita do livro Metaprojeto de Dijon de Moraes, pg. xvii

9 Esta citação transcrita do livro Metaprojeto de Dijon de Moraes, pg. xvii

10 Esta foi transcrita do livro Metaprojeto de Dijon de Moraes, pg.x

38

economia está surgindo com base em alguns valores: não é mais baseada em bens de

consumo, não é mais orientada pelo produto, não é limitada à economia de mercado e

depende principalmente da inovação social. Para atender a esta “próxima economia”,

Manzini (2010) defende o desenvolvimento de um “próximo design”, a que ele chama de

“design da inovação social e sustentabilidade”. Para este novo design também deverão ser

repensadas as metodologias do design e defende que o metaprojeto pode auxiliar a

sustentar e direcionar o projeto neste cenário mutante e complexo.

Para promover a inovação social, Manzini11 (2010) defende que o pensamento e a

prática do design devem fazer o movimento de reconceituar o design, passando da cultura e

prática do design orientado pelo produto para o orientado pelo serviço, e reconceitualizar

serviço, ampliando o seu conceito de serviços padronizados para serviços colaborativos.

Segundo Moraes (2010), a etapa de metaprojeto tem por objetivo propiciar

antecipadamente um mapa projetual a partir das visões e cenários possíveis. A primeira

definição precisa do termo cenário foi introduzida nos anos 1950 por H. Kahn. Para ele, em

Manzini e Jégou (2004), um cenário é a descrição de “possíveis futuros” alternativos, cujos

escopos são os de estimular as concretas ações no presente com o intuito de (procurar)

controlar e orientar aquilo que será o “futuro de fato”. Segundo Rafaella Trocchianesi

(Moraes, 2010), a questão não é simplesmente prever o futuro, mas guiá-lo, tentar antecipar

o futuro em vez de simplesmente prevê-lo.

Segundo artigo de Franzatto (2008), Manzini e Jégou (2004) deram uma contribuição

fundamental na definição de cenários, instrumento através do qual se faz a passagem da

pesquisa metaprojetual ao projeto. Segundo eles, o cenário é composto das seguintes

características:

Factível: é baseado em um contexto específico no qual estão presentes determinadas

oportunidades;

Plural: identifica soluções alternativas para o contexto analisado;

Visual;

11

Esta foi transcrita do livro Metaprojeto de Dijon de Moraes, pg.xi

39

Participativo: permite a convergência de diversos atores fornecendo-lhes uma base

de diálogo e facilitando a sintonia das suas opiniões

Micro-escalas projetuais: tende a limitar ao máximo o objeto da análise.

Ainda segundo eles, estes cenários são constituídos de três elementos estruturais,

que compõem o que chamam de “arquitetura do cenário”, que são:

Visão: É a componente mais específica do cenário e tem a finalidade de

mostrar como as coisas andariam se ocorressem as mudanças apresentadas. Componente

que responde a pergunta “como seria o mundo se?”.

Motivação: Geralmente é composta por uma série de objetivos gerais ou de

caráter específico. É o componente que legitima o cenário e confere significado a visão.

Responde a pergunta “qual o sentido e quais os objetivos deste cenário?”.

Propostas conceituais: Este componente está ligado a ser factível ou não e

responderia a perguntas como “o que é necessário fazer para realizar aquela visão?”, “de

que é composta?”, “como poderia ser implementada?”.

Pode-se dizer que o cenário existente que foi citado anteriormente nada mais é do

que a fotografia da realidade no momento observado, e serve de apoio ao processo. O

cenário futuro pode ser entendido como antecedência, ou inovação, funcionando como um

vetor de prospecção e prefiguração do ambiente onde a empresa vai operar (Moraes, 2010).

Entende-se desta forma a importância (e a necessidade) de uma capacidade de

decodificação e interpretação dos cenários existente e futuro por parte dos designers e

produtores.

O cenário também se determina como o panorama e paisagem em que se vive (cenário existente) e que se viverá (cenário futuro), é ele que determina as diretrizes para as novas realidades vindouras e alternativas da nossa cena cotidiana (produtiva e mercadológica) definindo assim os papéis das pessoas como agentes e atores sociais. (FINIZIO, 2002; MANZINI e JÉGOU, 2004)

40

Com cenários estão cada vez mais mutantes, imprevisíveis, híbridos e codificados,

passa a ser importante entender os passos necessários para esta decodificação. Para este

fim, pode ser uma solução a aplicação de ferramentas e instrumentos de suporte a pesquisa

conceitual de cenários, que dentre elas se destacam o “planejamento de cenários” (que se

estabelece por meio de hipóteses com riscos, incertezas, causas, efeitos, bem como

possibilidades reais de cenários – normalmente efetua-se a análise de quatro possíveis

cenários) e a ”pesquisa blue sky” (proporciona um sistema de informações que nos leva a

insights criativos que auxiliam na análise das macrotendências e na construção de novos

cenários).

Segundo Moraes (2010) o cenário é que dá vida a uma visão que, por sua vez,

determina um conceito. Pode-se dizer que o cenário apresenta ainda em forma um tanto

nebulosa o que será apresentado de forma bem mais clara através da visão. A proposta

conceitual vem a seguir de forma mais clara e objetiva. Após a proposta conceitual e ainda

antes do conceito, pode-se inserir o “mapa conceitual”, instrumento de síntese que tem

como objetivo veicular a identidade do cenário e da visão de forma mais precisa, com o

objetivo de facilitar o surgimento do conceito do projeto.

41

3. MÉTODO

3.1 TIPO DE ESTUDO

Para o desenvolvimento deste trabalho foi utilizado o método de pesquisa

exploratória. Este método de pesquisa foi adotado pela necessidade de levantamento de

dados qualitativos, que agregando ferramentas do design estratégico, alcançará o resultado

proposto de avaliação dos cenários para o desenvolvimento de serviços relacionados à

sustentabilidade para o Condomínio Terraville (POA) em sua relação com a comunidade

local.

Segundo MALHOTRA (2005), o objetivo da pesquisa exploratória é explorar ou

examinar um problema ou situação para proporcionar conhecimento e compreensão. Tem-

se como objetivos de uma pesquisa exploratória a descoberta de idéias e esclarecimentos, o

que leva ao entendimento do contexto ambiental do problema. Por suas características de

flexibilidade e versatilidade, observou-se a adequação ao problema proposto em razão de

sua complexidade e falta de entendimento deste contexto. Segundo GIL (2007), este tipo de

pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se

difícil formular hipóteses precisas e operacionalizáveis sobre ele.

A pesquisa exploratória depende muito da curiosidade e dos objetivos do pesquisador. É mais como um processo de descoberta informal. Porém as habilidades do pesquisador não são os únicos determinantes de uma boa pesquisa exploratória (Malhotra, 2005, pg.57).

Mesmo que este processo seja altamente flexível e relativamente informal, segundo

MALHOTRA (2005) a pesquisa exploratória pode beneficiar-se do uso de alguns métodos,

tais como: levantamento de peritos (pesquisa de experts), levantamentos-piloto (pré-testes),

estudos de caso, análise de dados secundários (incluindo revisão da literatura) e pesquisa

qualitativa (como as discussões em grupo e entrevistas em profundidade).

42

Malhotra (2005) diz que a pesquisa qualitativa não é estruturada, no sentido de que

as perguntas feitas são formuladas à medida que a pesquisa avança. Desta forma, optou-se

por um grupo mais reduzido de entrevistas e que serão desenvolvidas em profundidade.

3.2 PARTICIPANTES

Foram escolhidas 10 (dez) pessoas para serem entrevistadas, conforme descrito a

seguir:

1. 2 (dois) profissionais de nível superior: um administrador do condomínio e um

profissional especialista em sustentabilidade (bióloga) - Osvaldo e Márcia

2. 2 (dois) profissionais moradores, especialistas em tópicos relacionados à

sustentabilidade, não envolvidos em projetos com a comunidade (fora do TV) -

Jussara e Luis Felipe

3. 1 (um) morador do condomínio envolvido em projeto com a comunidade (fora do TV)

- Simone

4. 1 (um) morador não envolvido em projetos com a comunidade (fora do TV) e

declaradamente não identificado com qualquer proposta sustentável - Maria Cláudia

5. 2 (dois) profissionais da comunidade que prestam serviços nas áreas propostas para

o condomínio - Índio e Renata

ENTREVISTADOS TIPO ATIVIDADE

1 JUSSARA MORADORA TIPO 2

Moradora do condomínio há 8 anos, casada, mãe de gêmeos de 18 anos. Diretora da Gráfica da UFRGS Coordenou a incubadora de reciclagem de papel da UFRGS Vice-diretora da pró-reitoria de extensão da UFRGS Mestranda em design - UNIRITTER

2 LUIS MORADOR TIPO 2

Morador do condomínio há 6 anos, casado, pai de um menino de 16 anos. Doutor em Economia e Ciências Sociais na Universidade de Kassel, Alemanha, 1995. É pesquisador do CNPq e suas áreas de interesse são: Gestão Ambiental e a Competitividade das Empresas, ISO 14000, Desenvolvimento Sustentável e Gestão da Inovação Tecnológica. Atualmente é Editor da Revista Eletrônica de Administração - REAd e Coordenador do Programa de Pós Graduação da Escola de Administração da UFRGS. Pós-Doc na Universidade de Lowell, Massachussetts. USA. Possui horta e composteira em casa.

43

Tabela 1 – lista de entrevistados e algumas informações

3.3 PROCEDIMENTOS E TÉCNICA DE COLETA DE INFORMAÇÕES

A técnica de coleta de informações adotada foi à entrevista em profundidade. Para

estas entrevistas elaborou-se um roteiro, considerando particularidades no universo dos

entrevistados. As entrevistas foram realizadas pessoalmente, com as falas gravadas e

decodificadas, sendo selecionados alguns trechos para ilustrar as considerações

apresentadas.

Conforme listado acima, foram escolhidas 10 (dez) pessoas, com diferentes relações

com o objeto que está sendo estudado, sendo que 2 (duas) das quais, por inviabilidade de

agenda, não foram entrevistadas.

As pessoas foram recrutadas a partir da rede de contatos da pesquisadora. As

entrevistas foram agendadas de acordo com as disponibilidades dos participantes, além de

gravadas para posterior transcrição.

3 MÁRCIA BIÓLOGA TIPO 1

Bióloga do condomínio desde a sua concepção. Tentou implantar diversos projetos, e está em vias de implantar o projeto de composteira condominial. Hoje os assuntos relacionados a resíduos, bens naturais, fauna, flora, pragas, etc, estão sob responsabilidade dela que atua como consultora.

4 OSVALDO ADMINISTRADOR TIPO 1

Novo administrados do condomínio. Está com muita idéias com foco na sustentabilidade. Esta a frente da administração há 6 meses e muitos processos já foram implantados ou alinhados.

5 INDIO COORDENADOR NCC TIPO 5

É morador da comunidade e se envolve com todos os assuntos referentes a mesma. Ex-funcionário do clube de golfe. Participou da formação e implantação do núcleo comunitários e participa do mesmo há 10 anos.

6 RENATA

FUNCIONÁRIA DO NCC MORADORA DA COMUNIDADE TIPO 5

É moradora da comunidade e tem informações sobre o que acontece por lá. Trabalha no núcleo desde a sua fundação, sendo hoje responsável pela supervisão e coordenação dos cursos.

7 SIMONE MORADORA TIPO 3

Mora no condomínio há 3 anos. Desenvolve trabalho voluntário no núcleo dando aulas de pintura. Relata que seu envolvimento vai além das aulas, levando a uma ligação pessoal com os moradores da comunidade.

8 MARIA MORADORA TIPO 4

Mora no condomínio há 2 anos. É jornalista e juíza, casada com dois filhos pequenos. Veio morar no condomínio por motivo de segurança e maior espaço verde. Admite não ter conhecimento e nem interesse pelo assunto sustentabilidade.

44

Considerando o motivo de o roteiro ter sido elaborado com algumas questões bem

abertas, as entrevistas se tornaram bastante longas e complexas, onde cada entrevistado,

além de atender as questões, trazia suas ansiedades e desejos em relação ao tema. Desta

forma, tornou-se bastante complexo o trabalho de análise dos conteúdos, e a relação entre

os dados coletados.

3.4 TÉCNICAS DE ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES

A próxima fase da pesquisa, após a coleta de dados, é a etapa de análise e

interpretação. Estes dois processos, embora conceitualmente distintos, aparecem sempre

estreitamente relacionados, como define Gil (2007). Segundo ele, a análise tem como

objetivo organizar e sumariar os dados de tal forma que possibilitem o fornecimento de

respostas ao problema proposto para investigação. Já a interpretação tem como objetivo a

procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros

conhecimentos adquiridos anteriormente.

Ainda segundo Gil (2007), os processos de análise e interpretação variam

significativamente em função do plano de pesquisa, sendo menos rígidos em estudos de

caso, mas se pode afirmar que em boa parte das pesquisas sociais são observados alguns

passos, e dentre eles os que estão presentes neste trabalho são: o estabelecimento de

categorias, avaliação das generalizações obtidas com os dados e a interpretação dos

mesmos. Considerando o tipo de pesquisa adotada, serão apresentadas a análise e

interpretação dos dados conjuntamente.

3.4.1 Análise e interpretação de conteúdo das entrevistas:

Partindo do objetivo a ser alcançado com este estudo, que é avaliar os cenários para

o desenvolvimento de serviços relacionados à sustentabilidade para o condomínio Terraville

(POA) em sua relação com a comunidade local, e entendendo sustentabilidade como um

equilíbrio a ser alcançado considerando pelo menos as três principais dimensões da análise

que são econômica, social e ambiental, apresenta-se a seguir algumas categorias relevantes,

45

as quais darão origem a diretrizes para o desenvolvimento de um sistema-produto que

viabilize estas relações.

O objetivo geral, por ser muito amplo, foi subdividido em três objetivos específicos,

que abordam alguns temas mais relevantes destas relações. O primeiro deles visa à

compreensão das possíveis relações sustentáveis entre as referidas comunidades

(condomínio e comunidade local) em relação à educação e treinamento para melhoria da

qualidade de vida, onde se pode entender qualidade de vida como um conjunto de algumas

características, sendo as seguintes escolhidas para analisar: viabilidade econômica,

alimentação e condições de moradia. O segundo objetivo específico trata da compreensão

das possíveis relações sustentáveis entre as comunidades em relação a resíduos e

reciclagem. E o terceiro deles trata da compreensão destas possíveis relações no que se

refere a recursos naturais, tendo sido escolhidos analisar a água e a energia.

Antes de iniciar a análise dos conteúdos das entrevistas, devem-se conceituar as tais

comunidades que estão sendo analisadas, pois as relações que devem ser compreendidas

serão entre as mesmas. Pode-se considerar de uma forma ilustrativa que será utilizada uma

“lupa”, onde em alguns momentos a comunidade será olhada de uma forma mais próxima,

ou seja, podendo ser toda ela de moradores do condomínio e circulantes12, e em outros

casos de uma forma mais ampla, podendo abranger todo o distrito chamado Extremo Sul13

de Porto Alegre. Porém, em toda a análise se tentará deixar claro a que distância a

observação está sendo feita.

Para um melhor entendimento destas relações, foram consideradas 3 (três)

dimensões de análise:

- Dentro do condomínio ou intra-condominio: formada pela comunidade interna do

condomínio

12 Entende-se circulantes pelas pessoas que, além dos moradores, circulam no condomínio. Seriam elas os sócios do clube, funcionários de obras, funcionários domésticos e administrativos. 13

Entende-se por Extremo Sul a região 13 do orçamento participativo de Porto Alegre, que compreende os bairros Belém Novo, Chapéu do Sol, Lageado, Lami e Ponta Grossa.

46

- Entre condomínio e comunidade - Micro escala: formada pelas comunidades do

condomínio e entorno mais próximo - comunidade Chapéu do Sol

- Entre condomínio e comunidade - Macro escala: Formada pelas comunidades do

condomínio e região Extremo Sul de Porto Alegre.

Retornando ao conceito de sustentabilidade como equilíbrio e fazendo uma relação

com os ciclos fechados, pode-se considerar que a escolha do quanto o foco da observação se

aproxima ou se afasta dependerá do que é necessário para enxergar determinada relação de

forma sustentável, ou seja, fechando um ciclo.

Visando facilitar o entendimento a respeito dos aspectos já estudados anteriormente

à implantação do empreendimento, ao longo do trabalho serão trazidos alguns dados a

respeito do relatório emitido antes da instalação do empreendimento que apresenta uma

análise do impacto ambiental14 do mesmo na região. Esta região considerada no relatório

foi dividida em três classificações: micro, o próprio condomínio; intermediária, o que

chamamos de macro, incluindo todo o distrito Extremo Sul, e macro, toda a cidade de Porto

Alegre. Esta classificação é um pouco diferente da que consideramos para análise dos dados

da pesquisa, pois para este presente trabalho também eram necessárias avaliar as relações

entre o condomínio e a comunidade mais próxima (Chapéu do Sol), classificação que não

apareceu neste relatório ambiental. Este relatório, elaborado por empresa competente, e

apresentado a Prefeitura de Porto Alegre em 1998, avalia o impacto ambiental com relação

aos meios físico, biótico e sócio-econômico, e tem como objetivo básico a prevenção,

mitigação ou correção dos possíveis efeitos que poderiam ocorrer devido a implantação do

projeto e desta forma propor um conjunto de medidas para constituírem um plano de

desenvolvimento sustentável para o condomínio.

14 O estudo de impacto ambiental é um procedimento jurídico-administrativo que tem como objetivo a identificação, predição e interpretação dos impactos ambientais que um projeto ou atividade produzirá caso seja executado, como também a prevenção e valorização dos mesmos. É, em síntese, um instrumento de conhecimento a serviço da decisão e não um instrumento de decisão. É, portanto, um documento técnico sobre o qual se produz a estimativa do Impacto Ambiental, analisando o projeto, o ambiente (meios físico, biótico e sócio-ecomômico) e os efeitos.

47

3.5 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Para uma melhor compreensão dos resultados obtidos nesta pesquisa, optou-se por

apresentar os mesmos separados pelos objetivos específicos do presente trabalho. Na

finalização de cada subcapítulo, os resultados são discutidos em relação à teoria

apresentada no capítulo de Fundamentação Teórica sobre sustentabilidade. Optou-se por

discutir os resultados em blocos em função do grande número de categorias que emergiram

a partir das entrevistas, a fim de facilitar a leitura.

Ao final, foi desenvolvida, no item 3.6, uma discussão específica dos resultados em

relação à teoria (não técnica) do Design Estratégico, avaliando-se a pertinência dos principais

resultados para o delineamento de um sistema-produto adequado.

3.5.1 OBJETIVO ESPECÍFICO 1:

Este objetivo trata do tema educação e treinamento para melhoria da qualidade de

vida da comunidade, e pode-se considerar para análise este tema em diferentes situações:

dentro do condomínio, na comunidade do entorno – micro e macro escala, considerando

suas relações entre as duas (condomínio e entorno). Observou-se nas entrevistas que todas

as visões apareceram e serão classificadas por amplitude e em categorias.

A. Dentro do condomínio:

O Condomínio Terra Ville Belém Novo Golfe Clube tem características que o

diferencia dos demais empreendimentos semelhantes. Como se sabe, este é o único

condomínio no Brasil que possui uma bióloga permanente em sua equipe técnica desde a

implantação do mesmo, conforme relata a bióloga Márcia.

O Terraville, por mais problemas que tenha, em nível de Brasil, é um dois condomínios mais completos. O único condomínio do Brasil que tem uma bióloga trabalhando. Outros condomínios também têm cuidado, mas não de uma forma completa como este. Teve uma época que recebíamos alunos da geologia, da arquitetura da UFRGS. Mesmo os órgãos ambientais tem o condomínio como um local diferenciado.

48

Muito embora haja esta profissional prestando consultoria e participando de diversos

assuntos relativos ao meio-ambiente, foram citadas dificuldades do morador em

compreender o que é sustentabilidade, nas dimensões econômica, social e ambiental. Estas

dificuldades aparecem em diversas situações, dentre elas na questão dos resíduos, ou

melhor, na falta de conhecimento de parte dos moradores e circulantes a respeito do tema.

Uma parte significativa dos condôminos não adota práticas sustentáveis em suas vidas,

como citado pela bióloga em sua fala “Embora as pessoas tenham um nível um pouco maior

em relação a outros condomínios de Porto Alegre, eu vejo que teoricamente tem um nível

de instrução maior, mas nem por isso estas pessoas tem noção de sustentabilidade. É triste

ver isso, pois a gente implanta vários mecanismos e as coisas não funcionam." e ainda

complementa “Muitos moradores não fazem isso (separar o lixo adequadamente), mas a

gente está dando oportunidades e incentivando que as pessoas façam”. Alguns moradores

não praticam por desconhecimento e outros por não se importar com o assunto, como

demonstra a moradora Maria em sua fala.

Eu não sou muito ecológica. Por exemplo, a separação do lixo, eu não faço e acho que não tem muito incentivo em relação a isso. Eu sou meio preguiçosa para algumas coisas. Eu entendo a relevância, eu entendo o impacto, mas não faço por que acho que também é um pouco questão de marketing, de “historinha para boi dormir”. E aí eu me irrito e não faço.

Muito embora exista uma regra estabelecida no condomínio, parece não estar muito

clara aos mesmos. Em seu relato, o administrador do condomínio ressalta a importância da

mudança de hábitos e defende "Nós temos muita condição de mudar, mas precisamos

provocar”. Complementando o que foi dito pelo administrador, o morador Luis trás um

conceito novo em relação a esta provocação, que seria o que ele chama de alienação do

descarte, que provocaria uma avaliação dos próprios hábitos e a partir daí uma possível

mudança.

Na questão dos resíduos, o que a gente tá trabalhando nos projetos da Universidade, com um tema chamado alienação do descarte. No descarte de um produto, embalagem, é o momento que a pessoa tem para se dar conta. Avaliar para que serviu isso, quanto tempo usou, também seria para fazer uma revisão sobre quanto durou. E a outra coisa, seria para saber quando eu estou descartando um produto, para onde vai. Quando a gente visita um galpão, a gente pode ver a cadeia toda.

49

Aparece com freqüência nos relatos, a preocupação com a forma como as pessoas

serão motivadas a se engajar nestes projetos. Pode-se observar na fala da moradora Jussara,

quando diz “Tem um processo de motivação das pessoas que requer tempo... e interesse das

pessoas. Mas eu acho que se pode fazer.”

Pode-se observar através de dados levantados, que falta muita informação aos

moradores e circulantes não apenas em relação à questão dos resíduos, mas também na

questão das relações com a comunidade mais próxima. Existem moradores já engajados em

algum projeto relacionado ao Núcleo Comunitário, porém, de forma ainda muito restrita.

Observa-se pouco conhecimento a respeito da comunidade e pouca participação de

moradores em atividades ligadas a ela, como relata a moradora Jussara: “O discurso é uma

coisa, a ação é outra. Nem conhecemos o que eles fazem.”

Segundo relato da moradora Simone existe uma alienação total em relação à

situação existente do lado de fora.

Uma vez uma moradora daqui me disse que tem que cuidar por que este mundo da comunidade não é o mundo real, o mundo real é esse nosso. Eu tive que dizer prá ela que ela estava enganada e que o que existe lá fora é muito sério. Tem gente que fala que põe, põe dinheiro e que não vê nada, mas nunca saiu do condomínio para ir lá ver!

Na relação interna do condomínio, ainda podemos salientar que existem muitos

moradores que se interessam pelo tema sustentabilidade, e muitas vezes estão até

trabalhando com isso, porém não tem conhecimento dos demais, o que faz com que perca

força em qualquer movimento que seja desenvolvido. Existe uma questão, que é

compartilhada por alguns, que mesmo morando em um condomínio, existe um padrão de

individualismo, de respeito à privacidade, que pode ser bom por um lado, mas que impede

que estes iguais se encontrem como relata o morador Luis.

A gente vê que tem um monte de gente no condomínio que pensa as mesmas coisas, mas mesmo com essas facilidades de comunicação, a gente não fica sabendo. Então quando tu “consegue” juntar os iguais é que cria força, e assim vai como uma bola de neve.

50

Este encontro de iguais poderia dar origem a um grupo de trabalho permanente que

estaria focado em trocar idéias, buscar alternativas, espalhar conhecimento e recrutar novos

integrantes, que passo-a-passo poderia ir trabalhando todas as questões do condomínio e

entorno norteadas pela filosofia de sustentabilidade. Ainda mostrando esta possibilidade

real, a moradora Jussara diz em suas falas:

Aqui dentro têm todas estas pessoas e poderiam trabalhar juntas com o pessoal do núcleo para capacitar estas pessoas. E este projeto pode ser feito em etapas. Passo-a-passo, se as pessoas realmente estiverem motivadas para isso.

Nós não somos coletivos, somos indivíduos. Como a gente age em comunidade? E isso é inerente ao ser humano... Para onde nós estamos caminhando? Estamos preocupados com a água que vai faltar daqui a pouco... numa dimensão que a gente domine... a gente acha que domina este ciclo. E não é nada além do natural. E parece que tudo isso é assunto para nos distrair. Achamos que podemos fazer alguma coisa para mudar o curso da história. Por que o termo sustentabilidade está sendo tratado desta forma? Tu “vive” sem pensar nisso? São coisas pontuais que vão surgindo e tu “vai” mudando. E por mais que tu fales com os demais, cada um tem o tempo dele? E depende de como tu age com esta incomodação... para haver mudança, tem que ter significado... tem que ter relevância. Quando tu começa a ação, tu vê como é complicado fazer, e mais ainda manter!

Uma das sugestões levantadas pela bióloga e que foi reforçada, com procedimentos a

serem adotados pela administração, é a criação e distribuição exaustiva de informativos aos

moradores e circulantes a respeito do assunto, como diz: "Ainda falta muito material

informativo para o condomínio. Tem uma rotatividade administrativa muito grande. Pedem

sempre a mesma coisa cada vez que troca o administrador." Em relação a isso, a

administração atual, que assumiu há apenas 6 (seis) meses, tem um olhar observador e

declara que para fazer com que os moradores cumpram as regras, só mesmo com punição

inicialmente e também informa que há muito a fazer.

Quando eu cheguei ao Terraville enxerguei o condomínio como um lugar diferenciado, que merece ações diferenciadas. Depois conheci o núcleo e pude observar que também é um projeto diferenciado. Depois que a gente entra no assunto, vê que tem muita coisa para desenvolver.

51

A resistência em cumprir estas regras pode ser observada na fala da moradora Maria,

o que sendo explicado de forma mais global poderia ter uma maior aceitação e aderência.

Falta de informação mesmo, de saber o que a tua ação pode contribuir para algo maior, para beneficiar terceiros. Falta explicação. Acho que talvez se a gente tivesse uma visão mais global... como de certa forma se quer criar um bem-estar para quem vive aqui, também não quer ser chato e encher de regras, aí as pessoas saem correndo. Mas isso também faz com que a gente também tenha maior dificuldade para ter acesso a informações, do núcleo por exemplo.

Um dos caminhos pensados seria o de criar mecanismos lúdicos para esta educação

ambiental. Estes mecanismos poderiam ser desenvolvidos com as crianças, que

sabidamente hoje estão sendo munidos de muito mais informações, e em muitos canais, do

que receberam seus pais e avós. Considerando a fala da moradora Maria, onde ela se

declara nada ecológica, logo na seqüência demonstra a influência que recebe de seus filhos:

Nossos filhos têm trazido muitas coisas do que aprendem no colégio, e então eles nos cobram que a gente economize água, apague a luz e por eles eu estou me policiando.

Este poderia ser um caminho bem interessante e eficiente para se atingir a

conscientização dos moradores. Como idéia de engajá-los a multiplicar os seus

conhecimentos, e cobrar efetivas mudanças, poderiam ser criadas atividades lúdicas e com

dados reais dos moradores possibilitando que os mesmos se tornassem uma “brigada

ambiental”, funcionando como agentes da mudança.

A bióloga também atenta para esta situação e demonstra em sua fala:

O ideal tá muito longe do ideal. Se as pessoas que tem um nível melhor não conseguem nem se educar em sua própria residência... Talvez a gente tenha um futuro um pouco melhor, por que hoje a gente consegue educar melhor as crianças, e as crianças conseguem educar até os próprios pais. Se poderia começar um trabalho com as crianças, com os adolescentes. A partir da escola Farroupilha poderia se trabalhar com as crianças.

52

Neste subcapítulo se conseguiu mostrar os resultados obtidos nas entrevistas,

através da classificação em algumas das categorias mais relevantes relativas à

educação/treinamento dentro do que chamamos intra-condominio, considerando os

moradores e circulantes. Pode-se observar que mesmo neste universo mais fechado, ou

mais próximo, existe falta de conhecimento em relação ao tema sustentabilidade, em

relação à comunidade, em relação aos demais moradores, sobre o que pensam e o que

querem para o condomínio. Mostra-se clara a necessidade de iniciar um trabalho interno,

embrionário, com a tentativa de colocar estas pessoas chamadas de “iguais” em contato e

estabelecer um canal de comunicação permanente, que atuará de forma disseminadora dos

conceitos e das práticas com o objetivo de proporcionar, através do conhecimento, uma

mudança de percepção.

Para onde a gente tá indo? Não vejo as pessoas muito preocupadas. São movimentos muito individuais. Claro que são estes movimentos individuais que vão fazer mudar. Talvez já esteja na hora de agir, de juntar as pessoas prá essa ação!"(Jussara)

Quando Capra (2008) diz: “A mudança de paradigma inclui, desta maneira, uma

mudança na organização social, uma mudança de hierarquias para redes”, ele defende que

as soluções sustentáveis se darão com esta reorganização social e sugere que estas relações

sejam organizadas como redes. Ele defende que se reconectar com a teia da vida significa

construir, nutrir e educar comunidades sustentáveis, nas quais podemos satisfazer nossas

aspirações e nossas necessidades sem diminuir as chances das gerações futuras. Propõe que

nos tornemos ecologicamente alfabetizados, que significa entender os princípios de

organização dos ecossistemas e usar estes princípios como diretrizes para criar comunidades

humanas sustentáveis. E para ele, “sistemas vivos são sistemas cognitivos, e a vida como um

processo, é um processo de cognição”. Desta forma, pode-se pensar que este processo

cognitivo seja um caminho para esta alfabetização ecológica, e que através de grupos de

estudo e disseminação do conhecimento ela possa ser alcançada de uma forma mais ampla.

Capra (2008) defende que a sociedade moderna está passando por uma crise de

percepção e que se requer uma mudança radical nestas percepções, pensamentos e valores

53

dos indivíduos, pois não é mais possível não querer ver os problemas de nossa época. Para

ele, estes problemas são sistêmicos, estão interligados e são interdependentes, e não

podem ser entendidos isoladamente. Ele defende que, do ponto de vista sistêmico, as únicas

soluções viáveis são as “soluções sustentáveis” e propõe como desafio o desenvolvimento

de comunidades sustentáveis, que para ele são ambientes sociais e culturais onde podemos

satisfazer as nossas necessidades e aspirações sem diminuir as chances das gerações futuras.

Dentro do conceito de sustentabilidade, uma das dimensões defendidas por Kazazian

(2009) é o da interdependência como um revelador de sentido de direção,

independentemente da aproximação que se dá ao que está sendo observado e avaliado,

quer seja o corpo humano, a biosfera, ou as organizações humanas. E ainda defende que

qualquer fenômeno impactará no todo e retornará a seu tempo a origem do mesmo. O que

queremos para o futuro do condomínio?

B. Entre condomínio e comunidade – micro escala:

Como se constroem relações sustentáveis?

Sustentabilidade também é a sustentabilidade das relações. A sustentabilidade começa pelas relações... Mas o caminho é longo, não se conversa sobre isso.

Este questionamento surgiu em uma das entrevistas, com a moradora Jussara, após

uma auto-avaliação da situação existente e possível de ser construída.

Não existe esta relação. A idéia de trazer o vizinho aqui para dentro se tem como trabalhadores... a idéia é essa, capacitar o entorno para criar um serviço aqui para dentro. Não acho isso tão sustentável. Acho que a idéia é agregar valor no trabalho das pessoas e tentar ajudar de alguma forma que eles melhorem a renda aqui ou fora. Como se sustenta esse nosso interesse nos serviços? Acho meio ambíguo isso. Eles devem ir se capacitando para o mundo, não para nós.

Pode-se entender também este questionamento no sentido desta não ser a única

relação entre condomínio e comunidade. Avaliando desta forma, pode-se falar sobre o

54

serviço de concierge que existe hoje no condomínio e que poderia ser utilizado efetivamente

como um dos pontos de contato entre as duas comunidades. No que diz respeito a

prestadores de serviço (conectando oferta e demanda), e num trabalho de aproximação,

este serviço poderia levantar junto ao condomínio as necessidades de novos prestadores de

serviço, tais como empregadas domésticas, jardineiros, eletricistas, etc, ou qualificação para

os existentes. Desta forma, estas necessidades seriam encaminhadas ao Núcleo

Comunitário, que funcionaria como um intermediário/facilitador deste encontro entre as

necessidades e as pessoas que necessitam empregar-se. Assim poderiam ser organizados os

cursos e qualificações a partir destas necessidades. Pode-se observar a necessidade deste

elo na fala de Renata, supervisora do Núcleo e responsável por definir os cursos que serão

oferecidos à comunidade.

Não é nada como se fosse um banco de empregos, mas a pessoa vem aqui para fazer um curso e depois quer uma oportunidade. Poderia ter uma integração maior com a concierge. Pedimos o banco de currículos para a concierge para colocar no curso de doméstica que o SENAC vai dar. Prá comunidade o condomínio é um SINE. O curso de jardinagem que está tendo veio de uma necessidade do condomínio.

Pode-se observar pela fala da bióloga, que estes empregos podem ter um cunho

educacional também. Ao contratar funcionários para os trabalhos de manutenção dos

jardins, praças, lagos, ela se depara com a falta de informação e ao recebê-las, que os

mesmos (funcionários) funcionam como disseminadores para sua comunidade.

O condomínio emprega muito a comunidade local, mais distante o pessoal da Restinga, da Ponta Grossa, eventualmente vem alguém de fora, mas no momento que a gente consegue desenvolver aqui dentro todo esse processo de educação, de cuidado, controle da velocidade, da coleta seletiva, de plantar, de cuidar do que a gente tem no meio ambiente, a gente consegue estender isso “pras” pessoas que trabalham aqui, eu vejo como algo positivo... como uma perspectiva boa de a gente estender isso para a comunidade, pois eu vejo que os funcionários perguntam, querem saber e acabam levando as informações para as suas famílias.

Além de criar uma integração para formação e criação de oportunidades dentro do

próprio condomínio, poderia ser proposta a criação de um banco de talentos voluntários,

onde pessoas que tem algum conhecimento a passar aos demais poderiam, de forma

55

organizada e dentro de suas possibilidades, elaborar palestras, auxiliar na administração e

no desenvolvimento de projetos, buscar oportunidades e parcerias. Dentro deste banco de

talentos, ainda poderia ser incluída a participação da bióloga, no intuito de acompanhar as

ações que estão sendo desenvolvidas e relacionar ao estudo de impacto ambiental

elaborado anteriormente. Além disso, a mesma formação/educação ambiental que hoje é

passada por ela aos funcionários da manutenção do condomínio poderia ser disseminada

nos projetos desenvolvidos com a comunidade externa. Pela experiência relatada pelo

morador Luis, observa-se que em geral, as comunidades são muito carentes de informação e

conhecimento para desenvolver os projetos.

Nós fomos chamados pela Marli, da Vila Pinto15, para ajudar na gestão financeira da comunidade e juntos acabamos trabalhando no projeto do galpão. Hoje é uma referência em Porto Alegre.

A moradora Simone que hoje é voluntária e dá aulas de pintura no núcleo

comunitário, relata a necessidade que existe de profissionais capacitados.

Se pudéssemos ter uma psicóloga, uma assistente social, uma advogada seria ótimo! As pessoas ficam achando que já pagam e que já estão fazendo a sua parte. E eu te pergunto o que é R$35,00 para quem mora aqui? Então vai lá e olha! Para mim, deveríamos olhar prá lá com mais carinho.

E demonstra todo o seu entusiasmo em relação ao resulto do trabalho desenvolvido

quando diz: “O auxílio escolar é maravilhoso! Tivemos um índice de aprovação na escola de

85% de alunos que estavam a perigo em seus anos letivos".

No âmbito do condomínio, falou-se em criar atividades para as crianças, tornando-os

agentes da mudança, junto aos seus familiares e amigos. Também se poderia pensar em

criar uma relação mais estreita entre as crianças do condomínio e da comunidade, criando

momentos de integração, utilizando espaços do condomínio que estão ociosos em

determinados momentos. Estes momentos de integração poderiam ser através do esporte,

como já houve em outros tempos com a comunidade de Belém Novo, através do tênis. Esta

15 Hoje a Vila Pinto tem um trabalho reconhecido de triagem de resíduos recicláveis e Marli é uma líder comunitária atuante e que apresentou seu trabalho no TED Porto Alegre em 2010.

56

atitude de aproximação poderia dar condições para que se construa uma relação sem

preconceito e mais oportunidades para ambas as partes. A moradora Simone, conhecendo

bem o público infantil que freqüenta o núcleo relata a resistência existente.

Por que a gente não faz exercícios com as crianças? Falei uma vez em pegar um dia na semana e trazer um grupo cadastrado de crianças e formar uma escolinha aqui dentro. Falaram, nem pensar! Nós somos os únicos que podemos dar um pouco de condições a eles.

Ainda dentro das atividades de relacionamento e vivências entre as crianças,

poderiam ser desenvolvidas feiras de trocas, que proporcionaria enriquecimento de ambas

as partes e mais um ponto de interação entre eles.

Hoje nos cursos regulares de informática do núcleo comunitário, já são ministradas

aulas de cidadania, que contemplam diversos temas para a formação do indivíduo. Estes

módulos são cursados por crianças, adolescentes e adultos, e podem tornar-se agentes de

disseminação destes conhecimentos dentro da comunidade. Além destes cursos, que

transmitem informações através de uma ferramenta atraente para os jovens, a escola do

loteamento também está trabalhando para a formação integral destes jovens, conforme

relata a Renata:

A escola do loteamento tá tentando fazer um trabalho com eles de poupar energia, água, de conscientização, mas só para a escola fica pesado, né? Nós temos no nosso curso de informática com ênfase em cidadania, onde apresentamos a questão do meio-ambiente, com ênfase em blogs e linkado a reserva do Lami... com visita a reserva e durante a trilha eles recebem informações locais. Além deste módulo, tem outros assuntos abordados como respeito aos idosos, valorização da escola, drogadição, DST, agora entrou a questão de preconceitos. Este curso está pronto, mas podem ser feitas atualizações.

Mas poucos são os estudantes da escola do loteamento que freqüentam o núcleo

(que hoje conta com aproximadamente 900 alunos, entre crianças e adultos, em todas as

atividades) conforme Índio relata: “A escola que existe no loteamento, tem uns 1.200

alunos. Tem poucos que vão ao núcleo. Professores não incentivam, bem diferente de

outras escolas. As escolas da prefeitura são mais difíceis". Tomando esta informação como

57

base, torna-se interessante fazer um trabalho junto às demais escolas do entorno (macro

escala), ampliando o trabalho de reforço escolar proporcionado aos alunos em situação

crítica e agregando a formação em cidadania junto do curso de informática.

Dentro do tema formação do individuo de forma integral, poderiam também ser

trabalhados temas como alimentação saudável e orgânica, e iniciar uma relação com os

produtores rurais do extremo sul, organizando feiras ecológicas, visitas, etc. Também seria

possível a criação de uma horta comunitária, que poderia ser em área do próprio

condomínio, engajando voluntários do condomínio, funcionários da comunidade e trabalho

educativo para todos. Há algum tempo atrás, havia uma feira semanal dentro do

condomínio, mas por estar em dia e horários inadequados, acabou não tendo continuidade.

Pode-se identificar este desejo nas falas da moradora Jussara.

Eu gostaria mesmo era de fazer uma horta, que eu me alimentasse de alimentos plantados por mim, saber que não têm agrotóxicos. Seria o meu sonho de consumo. Não depender do supermercado para comprar minhas frutas e verduras.

Aí acho que seria uma distribuição mais igual. Se tu tens conhecimento, tu podes passar. Por exemplo: a gente tem espaço aqui. Vamos trocar então. A gente tem espaço, podemos fazer uma horta. Capacita essas pessoas, ensina elas a fazer uma horta na sua casa. Ensina eles a se juntarem a ter uma horta para vender. Uma cooperativa. Cede espaço. São opções.

Além dela, observou-se que diversos moradores têm por hábito se deslocar até a

feira orgânica semanal para seu abastecimento, sem ter conhecimento e acesso aos

produtores rurais que existem no entorno do condomínio, o que favoreceria o consumo de

produtos locais. Segundo o morador Luis, temos o público adequado para a implantação

deste projeto.

O público que mais se interessa pela alimentação saudável, é o pessoal de poder aquisitivo mais alto e os que têm filhos pequenos. E aqui temos estes dois públicos. Teria tudo para desenvolver um projeto de alimentação orgânica/saudável.

Pode-se observar que muitas das questões existentes dentro do condomínio, se

repetem nestas relações entre o condomínio e a comunidade. Uma questão fundamental a

58

salientar é o quanto moradores do condomínio, e principalmente especialistas e

profissionais, podem melhorar a qualidade de vida e bem-estar da comunidade do entorno,

compartilhando seu conhecimento. Este conhecimento que hoje se mostra mais abundante

nos moradores pode ser compartilhado, generosamente, possibilitando a construção de

relações mais sustentáveis, como podemos observar nas relações da natureza.

Manzini (2005), em sua reflexão sobre o relatório Nosso futuro comum reforça três

premissas que devem ser atendidas para alcançar o desenvolvimento sustentável. Uma delas

considera o caráter ético nas relações, o princípio da eqüidade, ou seja, que todas as

pessoas, desta ou das próximas gerações, tem direito a ter acesso ao mesmo espaço

ambiental, com a mesma disponibilidade de recursos. Pode-se relacionar esta premissa a

adoção desta ética na condução das relações que necessitam se estabelecer entre o

condomínio e a comunidade.

Lembrando Flusser (2010), quando diz que “a responsabilidade é a decisão de

responder por outros homens”, podemos entender esta responsabilidade como algo que faz

parte da teia da vida, conceito criado e defendido por Capra (2008) e citado por Kazazian

(2009), quando diz que a natureza pode ser entendida como um jogo, aberto e complexo,

com relações integradas e dinâmicas, onde cada elemento existe pelas relações que mantém

com os outros. Este conceito reforça a necessidade de se estabelecerem relações de

integração entre o condomínio e a comunidade, o que poderá proporcionar aprendizado e

crescimento para ambos.

C. Entre condomínio e comunidade – macro escala:

A partir da entrevista com o coordenador no núcleo comunitário, passou-se a ter

conhecimento dos demais projetos sociais existentes no distrito Extremo Sul, dentre eles o

projeto Vela Social e o projeto Winbelémdon, que trabalham através dos esportes vela e

tênis, respectivamente, com os jovens incluindo aulas de reforço, lanche e inclusão social.

Embora estejam no mesmo distrito, eles não possuem nenhuma conexão entre eles (nem

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com o condomínio e a comunidade Chapéu do Sol), não havendo projetos que se

complementem. Além disso, soube-se que está prevista a instalação uma Escola Técnica

Federal em Belém Novo, que vai dar continuidade a formação dos jovens que terminam o

ensino médio, criando melhores condições de trabalho. Na fala de Índio se pode ver a

qualidade do trabalho desenvolvido nestes projetos.

O projeto vela social é muito legal. Plantam mudas de árvores na beira do rio, aprendem a velejar, tem aulas, muito legal. A área tava toda abandonada e arrumaram tudo. Tem também o Winbelemdom, um projeto com tênis. Também muito legal.

Havia uma unidade da FASE, que foi descontinuada e que deixou um prédio vazio.

Para este prédio existe a possibilidade de criação de uma escola agrícola, que

complementaria o ensino técnico com foco nas propriedades agrícolas do entorno. Estas

propriedades e cooperativas possuem uma boa produção, mas a grande parte da

comercialização é feita em feiras no centro de Porto Alegre. Índio relata: "Mas na vila

(Chapéu do Sol) eles comem frutas, tem uma fruteira, mas compram no super... E tem

propriedades aqui ao redor... Fica tudo dissociado, né?”. Este questionamento mostra que

algumas pessoas já percebem esta dissociação. Índio, em suas falas a seguir, mostra um

pouco deste panorama, e sua percepção em relação ao desenvolvimento deste local a partir

da implantação de condomínios e negócios.

Hoje Belém Novo tem 40 mil habitantes, a Ponta Grossa tem 20 e poucos mil, Chapéu do Sol e o entorno tem uns 8 mil e o Lami uns 20 mil. Tudo isso cresce, mas não se desenvolve. Antes, Belém Novo era um dormitório, todo mundo trabalhava no centro de Porto Alegre. Agora tem outros condomínios ao redor, além do Terra Ville. Gera emprego né? É uma forma de todo o bairro se sustentar. A grande maioria trabalha por aqui, tem pedreiros, carpinteiros, pessoal que trabalha no golfe, na hípica, no aeroclube....” Com o terreno que tá saindo a Fase. Nossa idéia era abrir uma escola técnica, mas agora tá abrindo esta escola federal. Poderia mais adiante pensar numa escola agrícola.

Estas propriedades e cooperativas familiares rurais possuem uma boa produção, mas

a grande parte da comercialização é feita em feiras no centro de Porto Alegre. Esta região

está começando a criar uma identidade e já se estabeleceram como um pólo chamado

“Caminhos Rurais”, com projetos na área de turismo rural. Identificam-se as inúmeras

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possibilidades de projetos a serem desenvolvidos na região, podendo contar com mão-de-

obra residente no entorno, conforme relatou Índio.

Nesta possível integração com todo o distrito extremo sul surgem alternativas de

aproximação com o Lago Guaíba, através da prática de esportes, mas também com o foco da

preservação, além do desenvolvimento do turismo.

Hoje, Belém Novo tem um “centrinho” comercial e o mesmo tem crescido para

atender as demandas que surgem. Tem-se observado que o fluxo de pessoas com alto poder

aquisitivo tem optado por fazer suas compras ali. Com isso, surge o problema da

qualificação do atendimento das necessidades deste público que possui um grau de

exigência mais elevado. Constata-se a necessidade de melhorar o mix de prestadores de

serviços para atender a demanda que chega. Inclusive, conforme relata a moradora Jussara,

uma pessoa do condomínio está abrindo uma operação comercial (café) neste local, para

atender demandas internas do condomínio, mas também do entorno.

A Márcia vizinha vai colocar um café no centro de Belém. Puxa, queria um lugar que lavasse o carro ao lado do café. Agora pensando, poderia ter uma feirinha ao lado do café. Quantas coisas podia agregar...

O projeto A Horta Comunitária implantado em Novo Hamburgo serviu de referência

quando da implantação do projeto do Núcleo Comunitário de Belém Novo. Segundo relato

do Índio, este seria um projeto ideal para estar implantado aqui. Além de ter uma horta

comunitária, eles produzem mel, com abelhas próprias, possui as mesmas aulas de reforço

escolar e informática. Além disso, elaboram diversos produtos com a marca da Horta que

são vendidos numa lojinha no local. O Índio relata um pouco deste projeto:

Chama-se a Horta, fica em Esteio ou Novo Hamburgo. Eu visitei uma vez só, só que me apaixonei. É chamada a Horta Comunitária, mas me chamou muito a atenção, pois saímos daqui para visitar uma horta, e chegamos lá e era uma ONG poderosíssima, desde a abelha é a que ele cria, o mel é o que ele planta, e tudo o que ele produz tá em duas lojas num shopping para venda ao público, mas ele também tem a sala de aula onde ensina a plantar, a produzir, mas também tem aula normal, colégio normal. Tudo isso envolvido dentro de uma coisa só. Era o que a gente queria ter aqui.

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Tanto que quando abriu aqui eu fiz uma horta, mas era um espaço pequeno. E acabamos tendo que abrir mão dela para montar aquele galpão. Prá mim, em termos de zona sul, seria o modelo da Horta com modificações. Por que lá eles não tem, mas nós temos aqui toda a área rural e podia unir os produtores orgânicos do Lami com os criadores de abelha de Itapuã, envolveria muita coisa. Com o terreno que tá saindo a fase, nossa idéia era abrir uma escola técnica, mas agora tá abrindo esta escola federal. Poderia mais adiante pensar numa escola agrícola.

Dentro desta mesma linha, existe um desejo/necessidade de criar uma identidade do

Núcleo, que seria divulgada através dos seus produtos e resultados sociais, conforme relato

de Índio.

Uma vez eu cheguei a montar uma lojinha para vender o artesanato do pessoal. Tem gente que vai á feirinha da tristeza, mas com produção própria, sem a assinatura do núcleo. Era isso, eu queria criar isso, o próprio uniforme do núcleo. Essa era a idéia.

Também se observa nesta análise macro da região uma necessidade de educação e

treinamento para atendimento das demandas de trocas entre todas as partes. No que diz

respeito a trocas com o condomínio, proporcionando atendimento de suas necessidades e

proporcionando desenvolvimento da comunidade local, se pode identificar um ciclo de

trocas. Mais uma vez, conceitos de autores referentes à interdependência e

responsabilidade se fazem presentes e fazem destas relações sustentáveis. O princípio e os

valores são os mesmos, porém numa plataforma de observação mais ampla.

Considerando o fechamento da análise deste objetivo específico, que trata do tema

educação e treinamento para melhoria da qualidade de vida da comunidade, podem ser

resgatados os princípios apresentados por Capra (2008) para que ocorra a alfabetização

ecológica, considerando as diretrizes, observadas na natureza, para a construção de relações

sustentáveis em comunidades humanas. São elas:

- Interdependência - a dependência mútua de todos os processos

- Ciclos - natureza cíclica dos processos

- Cooperação – sustenta os intercâmbios cíclicos

- Parceria - tendência em formar associações

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- Flexibilidade - que tendem a levar o sistema de volta ao equilíbrio

- Diversidade - a diversidade étnica e cultural pode desempenhar este papel, e a

diversidade só será uma vantagem estratégica se houver uma comunidade realmente

vibrante e sustentada por uma teia de relações.

Pode-se dizer que teremos a sustentabilidade como conseqüência dos princípios

básicos da ecologia apresentados.

Fazendo uma análise deste objetivo específico, pode-se enxergar uma infinidade de

relações entre as comunidades, considerando diversas amplitudes de visualização. Destas

relações podem derivar inúmeras diretrizes para a construção de um sistema-produto, com

foco na educação e treinamento, com o objetivo de construir relações sustentáveis.

3.5.2 OBJETIVO ESPECÍFICO 2:

O segundo objetivo específico trata da compreensão das possíveis relações

sustentáveis entre as comunidades em relação a resíduos e reciclagem. Para a análise das

informações referentes a este objetivo, consideraram-se apenas as visões intra-condominio

e em sua relação com a comunidade mais próxima, ou seja, micro-escala, mas as mesmas

não foram separadas, pois em muitos momentos se misturam e complementam.

Observou-se no objetivo anterior a falta de conhecimento em relação às práticas já

implantadas, e a falta de engajamento de grande parte dos moradores. Como se pode

observar também, a falta de engajamento origina-se desta falta de conhecimento do fluxo

como um todo e da importância de cada etapa. A partir dos relatos podem-se identificar as

práticas existentes e as melhorias possíveis e necessárias.

Existe uma necessidade de criar mecanismos, regras, artefatos e processos com o

objetivo de fazer com que o descarte dos resíduos seja correto. Hoje a coleta seletiva

interna do condomínio é feita por meio de um caminhão pequeno que recolhe diariamente

o lixo das residências, clube e áreas condominiais e administrativas e encaminha a uma

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central de resíduos que ainda necessita adequações, pois se observa que ainda existem

problemas bem básicos a serem resolvidos, como relata a moradora Jussara: "Na coleta do

lixo, o próprio carrinho mistura... Questão que ainda não funciona bem." Esta coleta dos

resíduos orgânicos e recicláveis tem sua classificação através da cor do saco de lixo a ser

utilizado, porém boa parte das residências não separa e nem utiliza estas embalagens,

fazendo com que haja necessidade de uma segunda separação na área de serviços do

condomínio por parte dos funcionários.

Hoje, os resíduos orgânicos são destinados diretamente para a lixeira coletora do

DMLU e os resíduos recicláveis passam por uma segunda classificação. Nesta segunda

separação armazenam-se alguns itens que não são coletados pelo DMLU e que serão

destinados a empresas coletoras que cobram pela sua retirada. Segundo a bióloga Márcia,

estes materiais ficam depositados nesta central de separação até que o volume seja

considerado adequado para a retirada.

Hoje nós pagamos pelo descarte das lâmpadas halógenas e fluorescentes. As incandescentes se descartam como vidro. No Rio Grande do Sul, o serviço público não faz este tipo de coleta e vem uma empresa de Santa Catarina para retirar este material anualmente. Por isso, precisamos de uma caixa para armazenar enquanto não buscam. Nesta mesma caixa, tem espaço para pilhas e baterias.

O óleo de cozinha que é descartado pelo restaurante, e muito pouco encaminhado

pelas casas, é destinado a central de Belém Novo que desenvolve um projeto comunitário

com este resíduo, transformando-o em sabão, conforme relata a bióloga Márcia em sua fala:

“O restaurante separa o óleo de cozinha que é encaminhado a central de Belém Novo para

reciclagem para elaboração de sabão”.

Como o entorno é afastado do centro da cidade e predominantemente rural, ainda não se vê racionalização dos bens naturais. Em Belém Novo tem um centro do DMLU, onde tem uma reciclagem, onde fazem a coleta de óleo de cozinha, pilhas, orientado nas escolas de Belém novo. Até tem projetos que utilizam o óleo de cozinha para fazer sabão. De uma maneira geral, muito pouco é feito. Nas casas como tem jardins, fazem compostagem. Isso é um aspecto positivo, mas em relação à separação do lixo, acho que eles não trabalham muito nesta questão.

Além destes resíduos, também são separados os materiais de obra (ainda ocorrem

em grande quantidade no condomínio), que não podem ser coletados pelo DMLU e a

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responsabilidade de dar destino a eles é das empresas de entulho que prestam serviços para

as obras. Também possuem um destino específico os medicamentos vencidos e as

embalagens vazias de produtos agroquímicos utilizados na manutenção dos gramados e

campos de golfe. Estes itens também são “reservados” na central de separação até que haja

sua coleta específica.

Coleta de lixo reciclável tem sido feita diariamente. Hoje existe um grande volume de papelão de caixas de eletrodomésticos e jornal. Caixa coletora atende o condomínio, o clube e as lojas. O clube se separa é muito pouco. O restaurante separa o óleo de cozinha que é encaminhado a central de Belém Novo para reciclagem para elaboração de sabão. As garrafas pet do restaurante chegam misturadas. Muitos itens são achados nos campos de golfe e nos lagos, com recolhimento diário na ordem de 5 sacos de 1000l de resíduos.

O restante do material reciclável é descartado numa caixa coletora e será recolhido

pela usina de reciclagem, como também informa a bióloga Márcia.

A gente tem uma central de resíduos que ainda deve ser adequada, pois ainda não está de acordo com as normas. Existe o projeto, mas precisa ser adequado com alguns itens: piso deve ser impermeável, deve ter uma caixa coletora, onde será feita a separação, onde se lavam as lixeiras, o xorume que sai deve ser enviado para o esgoto cloacal e não pluvial, e esta interligação ainda não existe. Ainda deve ter um espaço melhor para itens que aguardam até que sejam recolhidos por empresas: lâmpadas, medicamentos vencidos, pilhas e baterias, óleo de cozinha, embalagens vazias de produtos agroquímicos. Já foram compradas em 2011 as lixeiras para colocar o lixo orgânico até o DMLU buscar e a caixa coletora de lixo reciclável (sem a separação papel, vidro, metal, etc) para a usina de reciclagem vir buscar. O lixo de obra tem que ser recolhida pela empresa de tele-entulho. Não pode ser misturado ao lixo das casas. Madeira também não vai nas caixas coletoras, pois deve ser colocada junto com os resíduos de obras.

Além dos resíduos coletados em casas e lixeiras condominiais, existe o resíduo

produzido a partir de podas e limpeza dos lagos, como também de podas e jardinagem de

casas e áreas comuns. Este resíduo hoje é retirado por uma empresa que trabalha com

compostagem, porém, existe um projeto (que já foi testado em um projeto-piloto) para uma

usina de compostagem para o condomínio, conforme a fala da bióloga: "Projeto de

compostagem já tá elaborado, mas a gente ainda não conseguiu colocar em prática".

65

Este projeto terá como resultado a elaboração de composto orgânico para ser

utilizado nos jardins e praças do condomínio e dependendo do volume resultante poderá ser

destinado a moradias, além da redução do descarte para fora do condomínio, construindo

um ciclo fechado para estes resíduos. Para todos estes projetos será necessário qualificar

profissionais e gerará empregos diretos para membros da comunidade.

Claro que vai ter um custo por que teremos que ter um pessoal para receber, classificar, para triturar, revirar o material, uma rede de água para molhar no verão...

Observa-se ainda a falta de respeito em relação às áreas condominiais, incluindo

praças e ruas, com o descarte incorreto de fezes de animais, copos e garrafas plásticas,

baganas de cigarros, entre outros resíduos, mesmo existindo sinalização adequada

informando as regras e lixeiras posicionadas adequadamente para atender as necessidades,

como podemos observar nas fala da bióloga.

As lixeiras não foram colocadas no condomínio por acaso, foram colocadas em locais visíveis, em locais onde as pessoas circulam, estão identificadas lixo seco e lixo orgânico, mas mesmo assim as pessoas não colocam no local certo.

Tem plaquinhas nas praças solicitando que não deixem o cachorro defecar nas praças e vias, mas mesmo assim parece que falta entendimento. Às vezes tem funcionários trabalhando na jardinagem das praças e cachorros urinando e defecando ao lado deles... Hoje em dia a maioria leva o seu saquinho, mas muitos ainda não respeitam.

Ainda dentro deste tema, a moradora Jussara trouxe a informação sobre o projeto de

reciclagem de papel que está sendo desenvolvido no laboratório da Gráfica da UFRGS e que

tem a sua coordenação. Este projeto visa desenvolver produtos a partir do aproveitamento

das aparas de papel geradas pela gráfica e com trabalho de criação de uma equipe de

estudantes de design. No laboratório estão sendo desenvolvidos protótipos que depois

serão produzidos por comunidades de Porto Alegre, visando trazer incremento de renda e

inclusão social. Este projeto também está sendo desenvolvido em seu Mestrado em Design

66

na Uniritter e uma das comunidades escolhidas para produzi-lo foi a comunidade Chapéu do

Sol.

Meu projeto é trazer para a comunidade esta proposta. Propor cada morador recolher o seu lixo e passar para esta comunidade e esta comunidade criar peças com este resíduo.

Esse meu projeto é exatamente assim. Cada pessoa junta o seu rolinho de papel higiênico que sobra e dá para a comunidade produzir centros de mesa. Depois essa mesma comunidade pode começar vendendo para nós aqui dentro. Pode começar assim. O projeto tem que ser sustentável para eles/elas.

Esta moradora ignora o trabalho que existe hoje na comunidade, quando diz: "O

pessoal que está no entorno acho que não vende este lixo. Acho que não tem catadores”. Ao

entrevistar Renata, funcionária do núcleo e moradora da comunidade, ficou claro que já

existe, mesmo que de forma desorganizada um trabalho de catadores e recicladores na

comunidade Chapéu do Sol, como diz:

Aqui na nossa comunidade a sustentabilidade é bem ativa, com os recicladores. Tem pessoas que reciclam, além de estar limpando, contribuindo com a limpeza das ruas, da comunidade, e alguns tem o próprio sustento, e muitos fazem artesanato com esse material, já tem essa produção, mas não tem nada fixo, não tem nenhuma cooperativa, né? São pessoas que aproveitam para fazer produtos com o que catam. Na verdade eles vendem como autônomos para eles mesmos. Tem umas lojinhas dentro do loteamento e eles vendem ali, mas não tem nenhuma organização... já pensaram em dar aulas. Tem uma senhora que faz trabalhos com jornal, ela chegou a dar aulas, mas não deu seguimento. A matéria prima ela tira do próprio lixo da comunidade. Cada casa faz a sua parte, mas não tem nada organizado.

Dentro desta proposta que está surgindo, se torna interessante e importante

qualificar a separação do resíduo reciclável do condomínio e destinar a eles apenas o que

interessa ao projeto. Ou ainda, criar um local adequado, dentro ou fora do condomínio,

para a criação de um centro de triagem de resíduo reciclável, onde o resíduo descartado no

condomínio seja aproveitado ao máximo. O administrador Osvaldo, através de seus relatos,

demonstra estar com uma visão clara deste cenário.

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Nós aqui somos geradores de um lixo rico. Com exceção do orgânico que é igual para todo mundo. O lixo seco é muito rico. Podemos promover que este resíduo vá para o núcleo, que eles tenham a seleção, a comercialização e que eles comecem a ter uma fonte de renda. O condomínio é formador de opinião e que passa para fora, eles reciclam o lixo, e outros também farão. A comissão de obra vai entrar forte neste assunto de seleção do lixo.

O projeto de coleta seletiva está sendo implementada agora e vamos divulgar a exaustão até implementar a regra de exigência deste procedimento. Deve acontecer no máximo em três meses. E poder levar isso ao núcleo para geração de renda.

Muito embora em diversos aspectos o núcleo e o condomínio não conheçam as

práticas de um e de outro, compartilham de desejos semelhantes em relação ao futuro. Na

fala de Renata, se pode observar esta afirmação.

Assim como foi falado do lixo que vai para a Restinga, poderia ter um tipo de cooperativa dentro do condominio e o material poderia ficar lá mesmo. Ou melhor, poderia ter um espaço no núcleo para esta cooperativa trabalhar e poderia ter algumas pessoas do condomínio que possam explicar como separar e que mostrem outras coisas que podem ser feitas e mais o que poderia acontecer se o lixo fosse colocado fora do lixo. Essa integração poderia acontecer. Poderia montar um projeto e fazer esta conscientização.

Quando começa a existir esta convergência de idéias, o encaminhamento dos

projetos se dá de forma mais fluida e eficiente. Pode-se observar no relato do morador Luis,

especialista neste assunto, que as idéias se completam.

O que poderia se fazer era organizar um galpão de triagem. Se cada pessoa soubesse o que pode ser aproveitado, que pode virar renda para os recicladores, haveria mais cuidado. Ou que tal material que tu estás descartando não pode mais. Para as pessoas, o produto termina quando joga no lixo, mas não é assim.

Como forma de incentivo, ou mesmo até que se crie o hábito, surgiram idéias de

mecanismos para serem implantados no condomínio, para se conseguir um maior sucesso

no descarte correto. Uma das idéias foi transmitida pelo morador Luis, a partir de

experiência vivida na Alemanha.

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Já há anos atrás, quando eu morei na Alemanha, nós tínhamos um limite para o lixo, que era o que cabia numa determinada lixeira, e que se ultrapassasse eu teria que pagar um valor adicional. E a coleta era semanal e quinzenal. A responsabilidade era das pessoas.

Para incluir bons hábitos e contando com o apoio da “brigada infantil”, se pode

pensar em brincadeiras, pontuação, ranking, descontos nas taxas condominiais para alguns

indicadores alcançados, tais como redução do descarte, descarte correto, medição de luz e

água, entre outros e que sendo de uma maneira lúdica poderia ter maior adesão.

Avaliando os resultados obtidos em relação a este objetivo se optou por apresentar

apenas as categorias mais relevantes em virtude da complexidade deste tema. A partir

destas categorias apresentadas, se pode observar que para a construção das relações

sustentáveis em relação a resíduos e reciclagem, deve se estabelecer uma mudança em

relação aos hábitos de descarte, incluindo a redução na produção dos resíduos. Deve-se

tentar incluir estes resíduos, não importando a sua natureza (orgânico ou reciclável), em

ciclos, seja de compostagem, seja de reciclagem, objetivando um resultado residual pequeno

para ser descartado na natureza (em lixões).

Buscando conceitos de sustentabilidade na fundamentação apresentada

anteriormente, pode-se verificar que o conceito de desenvolvimento sustentável

apresentado no relatório Nosso Futuro Comum diz que “Desenvolvimento sustentável

significa suprir as necessidades do presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de

suprirem as próprias necessidades”. De acordo com este conceito, a redução dos resíduos

descartados, ou mesmo descartados de forma equivocada, tem trazido inúmeros prejuízos

para a natureza, causando a intoxicação de locais que já nem possuem recuperação. Nestes,

a próxima geração não terá condições de suprir suas necessidades como pudemos suprir as

nossas. A resiliência de algumas regiões já chegou ao limite. Para tentar atender a este

conceito, se deve mudar de atitude e colocar este objetivo á frente de todas as ações de

descarte, devendo buscar o mínimo de descarte na natureza.

Manzini (2005), em sua reflexão sobre o mesmo relatório, reforça que três premissas

devem ser atendidas para alcançar o desenvolvimento sustentável, como mostramos

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anteriormente. Dentre elas, ele diz que: “As atividades humanas não devem interferir nos

ciclos naturais em que se baseia tudo o que a resiliência do planeta permite”. O descarte

correto, bem como a redução dos resíduos produzidos e lançados ao meio-ambiente,

contribui para o cumprimento deste princípio. E mais, como citado no objetivo anterior,

também se deve cumprir a premissa do princípio da eqüidade, ou seja, que todas as pessoas,

desta ou das próximas gerações, tem direito a ter acesso ao mesmo espaço ambiental, com

a mesma disponibilidade de recursos. E ainda reforça que esta transição rumo à

sustentabilidade será um processo de aprendizagem social, onde os seres humanos

aprenderão a viver melhor consumindo menos e regenerando a qualidade do ambiente.

3.5.3 OBJETIVO ESPECÍFICO 3:

O terceiro objetivo específico trata da compreensão das possíveis relações entre o

condomínio e a comunidade no que se refere a recursos naturais, tendo sido escolhidos a

água e a energia para esta análise.

O condomínio se instalou em um ambiente muito pantanoso, onde o solo argiloso e

impermeável possuía muita dificuldade em drenar as águas das chuvas. Após estudo técnico

e muito aprofundado, foram projetados lagos distribuídos ao longo de toda a área,

proporcionando uma solução para esta drenagem natural e criando um efeito de circulação

entre lagos para impedir a água parada. Desta forma, estava prevista uma melhor drenagem

de todo o terreno, e uma diminuição dos problemas advindos da água parada, entre outros a

proliferação de algas e outros organismos, acabando com o equilíbrio na mesma. Este

projeto inicial estava estagnado e nesta administração foi retomado. Este fluxo de águas,

tanto permitirá um equilíbrio com o Lago Guaíba, já que existe uma comunicação direta com

ele através de um canal, como proporcionará uma água saudável e captada pela chuva,

possibilitando o uso da mesma para molhar os gramados do campo de golfe e os jardins,

apenas sendo necessária uma bomba para sua captação. Podemos identificar a importância

deste projeto na fala do administrador Osvaldo, conforme abaixo.

70

Vamos falar do caso das águas do condomínio. Tem casas que já se preocupam com a coleta de água com sistemas de cisternas e sistemas de aquecimento todos eletromanuais. O entorno todo é gerado por águas. Se eu não movimentar a água do condomínio o condomínio morre. Haverá a proliferação de algas e criação de pestanas nos lagos. Tá sendo criada uma sistemática para fazer um movimento hídrico para não ter água parada. E também para as pessoas se darem conta da importância deste recurso renovável. As novas obras já estão sendo feitas com este investimento bem importante.

Nós podemos além de poupar a energia hidráulica e elétrica que a gente consome hoje, a gente pode gerar resultado com elas. À medida que eu capto água do rio para manter nossos lagos, a gente gasta energia combustível ou elétrica. Gasta-se energia para trazer a água, eu posso e devo autorizar os condôminos a utilizar a água dos lagos para molhar o jardim. A conta de água hoje é altíssima., pois os moradores molham o jardim com esta água do DMAE.

Vamos ter o condomínio como uma reserva ecológica, pois temos uma bióloga, e os filhos vão querer morar por aqui. Este perímetro ambiental está bem ligado a este projeto hídrico. Foi retomado o projeto que havia sido abandonado. Estamos interligando lagos e criando esta movimentação.

O morador Luis, que conhece este assunto das águas do condomínio, também relata:

"O próprio fato de como foi planejado o condomínio com os lagos como forma de captar

água da chuva, por mais que chova, tu não tem um impacto de alagamento”.

Cabe salientar, muito embora não necessite contemplar neste objetivo, que a

movimentação da água tornará os lagos vivos, trazendo de volta a fauna existente e quem

sabe até proporcionando o desenvolvimento de outras espécies. Esta vida recuperada e a

sua preservação trará inúmeras vantagens ao condomínio e as gerações futuras.

Olhando para a questão da energia, se podem avaliar dois tipos, a energia elétrica e a

energia combustível, ou do petróleo. A primeira, que hoje é fornecida a comunidade pela

CEEE, sugere-se ser substituída parcial ou integralmente a partir da implantação de

geradores eólicos, que poderia ser para uso interno (condomínio) ou mesmo compartilhada

com a comunidade. Podemos ver esta possibilidade levantada pelo administrador Osvaldo

(abaixo), reforçado pela moradora Jussara quando diz: “Tudo é educação. Se a gente fizesse

usinas próprias, que gerasse a nossa energia poderia ser um condomínio modelo”.

71

Estamos ao lado de um rio que tem um canal de vento um pouco mais forte que poderia ser explorado implantando geradores eólicos. Esta energia gerada poderia ser utilizada para a iluminação pública e dos jardins. Fontes para a gente colocar em prática existem, umas mais simples, outras não tão fáceis, mas que são possíveis.

Além das soluções implantadas nas áreas condominiais, observa-se a mudanças de

prioridades nos projetos de novas residências, incluindo algumas soluções de captação de

energia e água, estando em perfeita sintonia com a nova realidade. Muitas casas já estão se

adaptando com inclusão de placas para captação de energia solar, captação de água das

chuvas, armazenadas em cisternas e que pode ser reaproveitada para rega dos jardins, como

se pode ler no trecho relatado pela bióloga, conforme abaixo:

Na questão de utilização dos recursos, a própria construção das moradias, eu vejo a preocupação que muitos moradores têm e agora as construtoras estão tendo pelo menos aqui na área do condomínio, de sua arquitetura da sua residência já contemplar, por exemplo, o uso da luz natural alguns moradores utilizam as placas solares, alguns já possuem cisternas com sistemas de coleta da água da chuva pelos telhados, para captação da água para molhar os jardins. Algumas pessoas já vem fazendo isso, mas ainda é muito pouco perto do que poderia ser feito. Na questão do clube eu não vejo nada. Em alguns casos, quando está pegando fogo, me chamam para dar uma orientação. Não existe nada de práticas de sustentabilidade. Desconheço que eles tenham qualquer sistema de coleta de água e separação de resíduos.

Ainda dentro da categoria energia, existe a proveniente do combustível e que é

utilizada nos transportes internos (serviços) e externos (para deslocamento), além de

máquinas e tratores. Algumas substituições de equipamentos com motores movidos a

combustível por motores elétricos, e mudanças de alguns hábitos, incluindo caronas

compartilhadas e uso de transportes coletivos, poderia reduzir o seu consumo. O relato dos

moradores Jussara quando diz: “Diminuindo as vezes que eu vou de carro para o centro." e

Luis conforme transcrito abaixo, já mostram esta preocupação.

E além de desenvolver a comunidade do entorno, temos a questão da redução do transporte... E depois a gente compra o kiwi que vem da Nova Zelândia e temos os nossos em Farroupilha!

72

A adoção do consumo de produtos locais também auxilia na redução desta energia.

Além da redução do consumo de combustível, com a redução do transporte destas

mercadorias, reduz-se também a emissão de gases para a natureza, podendo-se dizer que se

ganha duas vezes. Havia sido contemplada esta categoria no objetivo específico 1, porém

com a abordagem de desenvolvimento de relações sustentáveis com a comunidade,

considerando a macro região.

A questão da redução do consumo e também na adoção de compras coletivas

também podem impactar diretamente nesta redução. Ao funcionar como uma comunidade,

intra-condominio, ou mesmo considerando o entorno, a facilidade em adotar algumas

práticas de compartilhamento pode proporcionar um ganho a todos. Ao se pensar em

compras coletivas, pode-se pensar em uma plataforma que concentraria todas as demandas

e tentaria atender da melhor forma para todos, seja barganhando preço e mesmo reduzindo

os deslocamentos, impactando diretamente no consumo de energia. Também havia sido

contemplada esta categoria no objetivo anterior, porém com a abordagem referente a

redução do descarte, com a redução do consumo.

Ainda explorando um pouco mais o tema de redução no consumo de bens, pode-se

pensar em compartilhamento de itens de manutenção das residências, ou seja, máquinas

para cortes de grama, ferramentas, entre outros equipamentos, que poderiam funcionar

como locação, empréstimo, ao invés de cada morador ter o seu, verificando-se como uma

tendência – consumo colaborativo – e compartilhando os valores de redução no consumo e

otimização do uso.

Voltando a teoria podemos identificar este tema na fala de Manzini (2005) quando

diz que estamos migrando para uma nova economia, de uma economia de posse para uma

economia de uso. Ele diz também que só vamos atingir o objetivo do desenvolvimento

sustentável com uma redução muito grande do consumo e do uso dos recursos naturais e

isso só ocorrerá através de uma descontinuidade que atingirá as diversas dimensões do

sistema ao longo de um grande período de transição, onde deverão ocorrer um grande e

73

articulado processo de inovação social, cultural e tecnológica, com uma multiplicidade de

ações que atendam às diferentes sensibilidades e oportunidades diversas.

Kazazian (2009) também compartilha desta percepção ao dizer que o tempo humano

bate de frente com o tempo que a natureza leva para produzir novamente os recursos

naturais e absorver todo o resíduo produzido. Se existe a busca do equilíbrio, esta relação

deverá ser revista, propondo serviços de compartilhamento de uso e não mais de posse de

produtos. Ele nos convida a observar a questão da durabilidade dos produtos e a questionar

a própria idéia de posse, e defende que se passe da posse de um bem material a

disponibilização de um serviço para atender a mesma necessidade, reforçando o que

Manzini (2005) fala, e permitindo que haja uma mudança de uma sociedade de consumo

para uma sociedade de uso.

Manzini (2010) diz que está surgindo uma nova economia, que ele chama de

“próxima economia”, que não está mais baseada em bens de consumo, não é orientada pelo

produto, não é limitada à economia de mercado e depende basicamente da inovação social.

Segundo ele, esta “próxima economia” pede um “próximo design”, o design da inovação

social e sustentabilidade. Para isso acontecer, serão necessárias novas abordagens

projetuais, novos modelos e novas metodologias que sustentem e direcionem o projeto

nesse cenário mutante e complexo.

3.6 DESIGN ESTRATÉGICO PARA A SUSTENTABILIDADE

Neste capítulo será discutida a pertinência da utilização do design estratégico para

atingir o objetivo proposto neste trabalho. Inicialmente serão trazidos conceitos referentes

ao design, apresentados na fundamentação teórica, para depois entrar com conceitos do

design estratégico e só então discutir a sua utilização para o desenvolvimento deste

trabalho.

Papanek (1995) acredita que as nossas vidas e o meio ambiente podem ser

influenciados - para o bem e para o mal - pelo poder do design. Em seus livros o autor

mostra como cada um de nós - criador ou destinatário do design - pode contribuir para o

74

bem-estar da população e do planeta. Ele coloca o design como promotor responsável pelo

futuro de uma comunidade, e questiona o chamado “design sustentável”, pois defende que

seria mais simples presumir que os designers devessem formular seus valores e seu trabalho

de modo a que todo o design se baseasse na humildade e em fatores culturais e bio-

regionais e com processos intuitivos. Diz ainda que a função do designer é apresentar

opções reais e significativas para as pessoas, permitindo que estas participem mais

plenamente nas decisões que lhes dizem respeito, deixando que ajudem a buscar soluções

para seus próprios problemas.

Quando Papanek apresenta este conceito, ele nos convida a pensar em como as

pessoas estão habitando este planeta. Ele nos convida a questionar a conduta que estamos

demonstrando através de nossos atos e defende que muito mais do que um design

sustentável, as relações sustentáveis que estarão sendo construídas passam pela conduta

ética e sustentável do designer ou grupo de pessoas envolvidas com as soluções. Malhotra

(2005) diz que a pesquisa exploratória depende muito da curiosidade e dos objetivos do

pesquisador. Desta forma, se pode pensar a partir destes dois conceitos, que é determinante

o olhar (olha-sentinela, como disse Flusser (2010)) dos envolvidos no processo para que seja

obtido um bom resultado, que atenda de forma sustentável ao objetivo proposto.

Para Galasai, Borba, Giorgi (2008) fica claro o papel do designer em todo o processo e

a sua participação como um “facilitador do processo” para que as soluções apareçam, pois

ele é capaz de acionar as próprias capacidades de projeto e as próprias competências

estratégicas para que aconteçam os eventos direcionados a um resultado final.

Quando Manzini (2010) fala em um “próximo design”, ele defende uma dupla

mudança do design para a inovação social, entendida como uma forma avançada de design

de serviço, tornando-se necessário (1) reconceituar o design, passando da cultura e prática

do design orientado pelo produto para o design orientado pelo serviço, e (2) reconceitualizar

serviço, ampliando o seu conceito de serviços padronizados para serviços colaborativos.

Segundo a Agenda de Pesquisa do Design em Sustentabilidade, “o conhecimento do design é

um conhecimento dos designers e não designers” e “é um conjunto de visões, propostas,

75

ferramentas e reflexões para estimular e direcionar discussões, para ser aplicado em uma

variedade de projetos específicos”. Manzini (2010) propõem uma mudança neste

conhecimento do design, incluindo mudança na sistemática, visões de sustentabilidade e

qualidades sustentáveis. Considerando este modelo complexo de sociedade, os designers

devem estar capacitados a colaborar com uma variedade de interlocutores e colocando-se

como agentes sociais dotados de conhecimento específico de design e suas habilidades.

Os novos processos de design são complexas interações do design: novas redes de design em que indivíduos, empresas, organizações sem fins lucrativos, instituições locais e globais usam sua criatividade e empreendedorismo para obter alguns valores compartilhados. (DESIS, Backgound, 2009)

Considerando o designer como um agente social, para atuar nesta sociedade

complexa, mas com habilidades e conhecimentos de designer, busca-se o entendimento do

que são estas habilidades. Pode-se dizer que as três principais capacidades dos designers

são: ver, prever e fazer ver. Na capacidade de ver, o designer é estimulado a utilizar seu

“olhar-sentinela” para tentar identificar todo o intrincado de variáveis e relações do cenário

existente. Pode-se dizer que através da pesquisa exploratória se vivencia isso. A capacidade

de prever seria a visualização de possíveis futuros alternativos, com o intuito de estimular as

concretas ações no presente e orientar o que será o futuro de fato. Fazer ver é a capacidade

de materializar uma idéia ou conceito, com o objetivo não só de simplesmente prever o

futuro, mas também guiá-lo.

Considerando estas capacidades do designer, e observando os resultados obtidos na

pesquisa exploratória realizada para atender ao objetivo proposto neste trabalho, fica claro

que a qualidade da construção das relações sustentáveis desejadas passará pela conduta do

designer, e de todos os demais envolvidos no processo. Mas também fica claro que um

designer que utilize suas habilidades poderá alcançar os resultados esperados, considerando

que o mesmo tem o poder de construir o futuro.

Observando o resultado da análise dos dados, observa-se que para a construção de

relações sustentáveis nas três dimensões propostas, que são os objetivos específicos do

76

presente trabalho, existe a necessidade de ser desenvolvida uma oferta, que o design

estratégico chama de sistema-produto. Entende-se por sistema-produto a composição

abrangente de características materiais (produto) e imateriais (serviços) e comunicação de

uma oferta. Observou-se nas categorias apresentadas a necessidade muita comunicação a

respeito de conceitos e de hábitos, entre outras coisas. Além de novos serviços, também

farão parte o desenvolvimento de alguns artefatos. Neste universo de materiais, serviços e

comunicação o design estratégico atua. O projeto deste sistema-produto e a coordenação de

toda a atividade dos atores envolvidos nele, com o objetivo de atingir as necessidades, é

atividade do designer estratégico.

Especificamente no caso do condomínio Terra Ville e suas relações com a

comunidade, o design estratégico teria capacidade de não só visualizar o cenário (ou os

cenários) possível, como de construir um caminho para chegar ao futuro desejado.

Segundo Moraes (2010), a atualidade complexa existente, sugere sempre uma

atuação mais estruturada (por parte dos designers) também na fase dos estudos

preliminares dos pressupostos para o projeto. Para ele, individualizar e identificar o cenário

existente e/ou futuro, bem como o mapeamento de um contexto possível, é tão relevante

hoje quanto projetar o sistema-produto em si. O metaprojeto nasce justamente da

necessidade de existência de uma “plataforma de conhecimentos” que sustente e oriente a

atividade projetual.

Fase metaprojetual... é o momento no qual devemos colocar tudo sobre a mesa, as questões, informações e os dados inerentes ao projeto para uma reflexão inicial até chegarmos à formulação mais precisa sobre o conceito a ser desenvolvido na fase projetual. (Moraes, 2010, pg.27)

Neste caso, o metaprojeto se coloca como um espaço de reflexão e colaboração para

os conteúdos da pesquisa projetual, oferecendo as bases de definição para o projeto, o que

estamos chamando de diretrizes neste trabalho. Segundo Moraes (2010), trata-se da

intencionalidade projetual construída durante a fase que antecede o próprio projeto. Pode-

se dizer que no presente trabalho chegamos a esta etapa, onde esta reflexão inicial

fornecerá esta intencionalidade para o desenvolvimento do projeto.

77

Para uma melhor compreensão, no capítulo posterior será apresentada esta

intencionalidade projetual em forma de tópicos e separadas por objetivo específico. Para o

desenvolvimento do projeto, posteriormente, estes tópicos deverão ser trabalhados

individualmente, onde serão aplicadas algumas ferramentas do design estratégico para se

chegar a cenários futuros e posterior fase projetual.

78

4. DIRETRIZES PARA DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA-PRODUTO

Em virtude da complexidade do tema escolhido para o desenvolvimento do presente

trabalho, a pesquisa exploratória gerou inúmeras categorias de temas a serem aprofundados

e discutidos. No início do trabalho, já vislumbrando que o contexto a ser analisado seria

muito amplo, foram definidos objetivos específicos, que foram analisados em separado no

capítulo do 3.5., quando as análises dos dados coletados foram fundamentadas

teoricamente. Neste presente capítulo serão apresentadas estas categorias identificadas,

por tema, com algumas sugestões de desenvolvimento de projetos.

Pode-se observar que, mesmo estando separadas para facilitar a análise, muitas das

categorias, ou assuntos a serem trabalhados, estão inter-relacionados, o que leva a crer que

poderão ser desenvolvidos diversos sistemas-produtos para atendimento destes temas, mas

deverá ser desenvolvido um sistema-produto macro, que tenha dentro de si toda esta

combinação de sistemas-produtos menores, ou mais específicos.

Abaixo se apresentam algumas intenções projetuais, nas quais poderão ser aplicadas

as ferramentas do design estratégico para o desenvolvimento de cenários.

1- Possíveis relações sustentáveis entre as referidas comunidades em relação à

educação/treinamento da comunidade para melhoria da qualidade de vida:

a. Intra-condominio:

� Criação de um grupo de trabalho multidisciplinar permanente, de pessoas

com interesses afins, com o objetivo de trocar conhecimento em busca de

soluções para as necessidades que surgirem;

� Desenvolvimento de projeto de educação ambiental, com mecanismos para

engajamento dos públicos adulto e infantil, para trabalhar temas como

descarte correto de resíduos, reciclagem, compostagem, compartilhamento

de bens, alimentação saudável, consumo, transporte;

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� Desenvolvimento de “banco de talentos mirins” que funcionarão como

agentes da mudança;

� Desenvolvimento de material para informação sobre as comunidades

próximas, com o objetivo de criar uma aproximação;

� Identificação de parcerias externas para viabilização de projetos

b. Condomínio-comunidade do entorno – micro escala:

� Identificação dos pontos de contato entre o condomínio e a comunidade,

criando um canal de relacionamento (talvez concierge), para diversas

relações, que poderia ter um instrumento (plataforma) virtual;

� Desenvolvimento de produtos com a marca com núcleo comunitário;

� Criação de um “banco de moradores voluntários” para diversas atividades –

aulas, palestras;

� Criação agenda com momentos de integração, proporcionando o encontro

físico. Poderiam ser desenvolvidos momentos esportivos, feiras de trocas,

entre outros;

� Desenvolvimento de um mecanismo de integração com oferta e procura para

oportunidades de trabalho, com programas de qualificação.

� Projeto primeiro emprego dentro do condomínio;

� Desenvolvimento de programa de formação integral do indivíduo, incluindo

cidadania, alimentação saudável, entre outros, para ser utilizado no

condomínio e na comunidade;

� Desenvolvimento de projeto de horta comunitária;

� Projeto de compartilhamento de espaços físicos – campos esportivos, inglês,

tênis x tele-centro, horta, ateliers;

c. Condomínio-comunidade do entorno – macro escala:

� Desenvolvimento de mecanismo para proporcionar o encontro entre as

necessidades do condomínio e a oferta de produtos e serviços do entorno

(macro escala), proporcionando o fortalecimento econômico da região;

� Identificação dos projetos existentes (esportes, agrícolas, etc) e

desenvolvimento de parcerias;

80

� Levantamento de escolas da região para parcerias em projetos ambientais,

reforço escolar, etc;

� Parceria com a escola técnica;

� Desenvolvimento de projeto de criação de escola técnica agrícola;

� Fortalecimento do comércio de produtos locais;

� Desenvolvimento de projetos de turismo local rural, esportivo, Guaíba;

2- Possíveis relações sustentáveis entre as referidas comunidades em relação a

resíduos e reciclagem:

� Desenvolvimento de projeto de descarte dos resíduos, imaginando a

possibilidade de criação de artefatos que facilitem a adoção de hábitos de

descarte correto no dia-a-dia;

� Desenvolvimento e implantação do projeto de compostagem;

� Desenvolvimento e implantação do projeto de reciclagem de papel,

integrando a comunidade do entorno;

� Implantação do centro de triagem;

� Desenvolvimento de projeto de compartilhamento de bens;

3- Possíveis relações sustentáveis entre as referidas comunidades em relação a

recursos naturais (energia e água):

� Desenvolvimento de projeto de premiação para adaptações de casas geração

de energia;

� Desenvolvimento de projeto de geração de energia – geradores eólicos para o

condomínio e se possível para o entorno;

� Desenvolvimento e implantação do projeto de preservação dos recursos

naturais existentes;

� Desenvolvimento e implantação do projeto redução do consumo de recursos

naturais – água, combustível, energia;

� Projeto de compartilhamento de caronas;

� Desenvolvimento de projeto para compras coletivas – redução do transporte;

81

Como se pode observar, poderá ser criada uma plataforma de interações que

contemple as diversas intenções projetuais identificadas na pesquisa. Para cada uma destas

intenções projetuais deverão ser aplicadas ferramentas do design estratégico, com o intuito

de chegar a cenários e posteriores desenvolvimentos de projetos.

82

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, se pode observar o quanto o tema

escolhido é complexo e ao mesmo tempo rico. A opção por fragmentar o objetivo geral em

objetivos específicos facilitou a organização dos dados para uma análise mais profunda.

Mesmo assim, muita coisa teve que ser deixada de lado por absoluta falta de tempo. Fica a

sugestão de dar continuidade à análise das categorias descartadas e incrementar as

informações para a construção dos cenários futuros possíveis.

Verificou-se que, a partir da escolha do método de pesquisa exploratória e pouco

estruturada, as entrevistas funcionaram como um desabafo de assuntos não falados, de

desejos calados, de demonstração de desencontros, de desconexão. Os temas abordados

nos questionamentos mexeram com os sentimentos das pessoas, algumas mais relacionadas

à dimensão social, outras em relação à preocupação com o planeta, e mesmo aqueles que

nãos se mostraram muito engajados, foram tocados por estar evidente sua falta de

participação. A riqueza do material produzido nestes momentos, carregados de esperanças e

confiança em um cenário futuro diferente, nos faz acreditar que o papel de um designer

atuando como um agente social, como sugere Moraes (2010) e carregando em si todo um

ferramental de conhecimento tem poderes para orquestrar este caminho. Depois de buscar

entendimento teórico através de diversos autores ligados ao tema, poder ir a campo e fazer

as conexões entre as falas dos entrevistados e enxergar as possibilidades foi um exercício de

puro encantamento.

Dentro do tema proposto, se acredita ter atingido os objetivos que seria analisar

diretrizes para o desenvolvimento de um sistema-produto que viabilize relações sustentáveis

entre diferentes públicos no Condomínio Terraville – POA. Como se escolheu desenvolver

uma pesquisa bem aprofundada, com entrevistas em profundidade e considerando a

complexidade das relações estudadas, optou-se por apenas enunciar algumas diretrizes (que

partiram das categorias escolhidas para análise) como tópicos e a partir daí o trabalho a ser

desenvolvido será de aplicação de algumas ferramentas do design estratégico para a

construção de cenários. A sugestão é que este desenvolvimento ocorra para dar

continuidade ao trabalho e até a sua possível implantação.

83

Observando-se os resultados da reflexão existente neste trabalho, reforça-se o papel

do designer (ou não designer, mas conhecimentos de design) como um mediador entre

estes diversos saberes que apareceram nos dados e com características de projetação para

construção de um futuro melhor. Relembrado Celaschi (2010), quando ele diz que “não

existem soluções “corretas” e vale destacar que a natureza única e subjetiva do designer é

parte fundamental do resultado obtido”, podemos entender a importância dos designers

nos processos de design.

Considerando o cenário fluido e complexo no qual estamos inseridos, e também o

nosso objeto de estudo, se tem o metaprojeto, ou projeto do projeto, como ponto de

partida e de reflexão para os novos desafios do projeto. E foi neste momento da reflexão

que este trabalho foi finalizado, considerando que dentro deste contexto em que se vive,

esta etapa merece uma maior dedicação.

No momento da avaliação dos temas resultantes da pesquisa, se observou a

presença de soluções materiais, soluções intangíveis (serviços) e comunicação, de uma

forma interligada. Desta forma, para a construção destas relações sustentáveis nos mais

diversos aspectos, vê-se como alternativa o projeto de um ou mais sistemas-produtos que

justamente tem em sua composição estas características tangíveis e intangíveis.

Para estas diretrizes apontadas, a continuidade do trabalho se dará no

desenvolvimento de sistemas-produtos por diretriz ou como um sistema-produto macro,

abrangendo todos os demais menores, através da inclusão de ferramentas do design

estratégico, tais como pesquisa blue-sky, story-boards, mapas de polaridades, análise SWOT,

até chegar à construção de cenários e posterior projeto.

84

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPRA, F. A teia da vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Pensamento, 8ª. Edição.2008. CARDOSO, R. Uma introdução à história do design. Sao Paulo: Blucher, 3ª. Edição.2010. CELASCHI, F. Il design della forma merce: valori, bisogni e merceolgia contemporanea. Milano: IlSole 24 Ore, 2000. CELASCHI, F; DESERTI, A. Design e innovazione: strumenti e pratiche per la ricerca applicata. 1aed. Roma: Carocci editore S.p.A, 2007. FLUSSER, V. O mundo codificado: Por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2010. FRANZATO, C. Design dei bene culturali nel progetto territoriale: Strategie, teorie e pratiche di valorizzazione del patrimônio culturale. Politecnico de Milão. 2008. GALISAI, R. et al. Design como cultura de projeto e como integração entre universidade e

empresa. Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo. 2008. GIL, A. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 5ª. Edição.2007. KAZAZIAN, T. Haverá a idade das coisas leves: design e desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora Senac. 2a. edição. 2009 MALHOTRA, N. et al. Introdução à pesquisa de marketing. São Paulo. Pearson Prentice Hall, 2006.

MANZINI, E.; Design para a Inovação Social e Sustentabilidade: comunidades criativas, organizacoes colaborativas e novas redes projetuais. Coord trad. Carla Cipolla. Rio de Janeiro: E-Papers, 2008. MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis: Os requisitos ambientais dos produtos industriais. Trad. Astrid de Carvalho. Sao Paulo: Universidade de Sao Paulo, 2002. MORAES, D. Metaprojeto: o design do design. São Paulo: Blucher, 2010. NORMAN, Donald A. Design emocional: por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. PAPANEK, V. Arquitectura e design: ecologia e etica. Lisboa: Ed. 70, 1995.

85

PASTORI, D. et al. Strategic management process design e o pensamento sistêmico: a emergência de novas metodologias de design. In: Strategic Design Research Journal, volume 2 número 1. São Leopoldo: Unisinos, 2009. <http://www.sustainable-everyday.net/manzini>. MANZINI, E. Ezio Manzini’s blog: Sustainable Everyday Project. Acessado em 21 de marco de 2010. <http://www.mi.camcom.it/show.jsp?page=204328:>. ZURLO, F. La strategia del design.

Cammera di Comercio di Milano. Acessado em 13 de abril de 2009. <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-meio-ambiente/> ONU. <http://www.un.org/documents/ga/res/42/ares42-187.htm> Relatório Nosso Futuro Comum. <http://www.gaiaeducation.org/> Gaia education.

86

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR: BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2009. BOTSMAN, R. O que é meu é seu: como o consumo colaborativo vai mudar o nosso mundo. Porto Alegre: Bookman, 2011. BOURDIEU, P. A produção da crença: contribuição para uma economia de bens simbólicos. São Paulo: Zouk, 2004. BROWN, T. Design Thinking: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas idéias. Rio de Janeiro. Elsevier, 2010. COMASSETTO, C. et al. Relatório de impacto ambiental condomínio Terraville. Porto Alegre. 1998. GELB, M. Aprenda a pensar como Leonardo da Vinci. São Paulo: Ática, 2003. KELLEY, T. As dez faces da inovação: estratégias para turbinar a criatividade. Rio de Janeiro: Elsevier, 4ª. Impressão, 2007. KRUCKEN, L. Competências para o design na sociedade contemporânea. Estudos avançados em design. Caderno 2. 2008. KRUCKEN, L. Design e território: valorização de identidades e produtos locais. São Paulo: Studio Nobel. 2009. MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 4ª. Edição. 2011 PELTIER, F. Design sustentável: caminhos virtuosos. São Paulo: Editora Senac, 2009.

87

REFERÊNCIAS - dados secundários: COMASSETTO, C. et al. Relatório de impacto ambiental condomínio Terraville. Porto Alegre. 1998. Condominio Terra Ville – http://www.terraville.com.br/home/

Núcleo comunitário Belém - http://nccbelem.org.br/

Condomínio Ecogarden – Paraná - http://www.ecoinga.com.br/hotsite/

Projeto Vela social – Belém Novo – http://www2.portoalegre.rs.gov.br/cs/default.php?reg=91376&p_secao=3&di=2008-06-17

Projeto WinBelémdom – Belém Novo - http://www.wimbelemdon.com.br/blog/

Projeto A Horta Comunitária – Novo Hamburgo - http://hortacomunitaria.org.br/

Caminhos rurais – Extremo Sul Porto Alegre - http://www.caminhosrurais.tur.br/

Projeto cinturão verde de Porto Alegre - http://www.cinturaoverdepoa.org.br/default.php

Centro de educação ambiental da Vila Pinto - http://atualaula.vilabol.uol.com.br/cea.htm

Ciclo visão integral - http://www.visaointegral.net.br/2010_04_01_archive.html

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ANEXO 1 - ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

Parte 1: Aquecimento

1. Breve apresentação da pesquisadora e dos objetivos do estudo

2. Solicitar uma apresentação do entrevistado

Parte 2: Tópicos sobre Sustentabilidade

3. O que entende por sustentabilidade?

Redação alternativa para não conhecedores do assunto: Você acredita que seja possível viver bem sem prejudicar o planeta? Explicar que isso será chamado de “sustentável” na entrevista.

4. Se for morador do condomínio (ou tiver conhecimento sobre ele), questionar como enxerga este assunto no local.

4.1 Quais as práticas existentes consideradas sustentáveis? O que elas têm de “sustentável”?

4.2 Que outras práticas poderiam ser implantadas?

5. O que você pratica em sua vida que caracterizaria como sustentável? Por quê?

5.1 O que poderia / gostaria de agregar a sua vida em relação a comportamentos sustentáveis? Como seria isso?

6. Como você percebe as possíveis relações entre condomínios sustentáveis e a comunidade local?

6.1 no que se refere à educação/treinamento da comunidade para atender demandas

6.2 no que se refere a resíduos e reciclagem

6.3 no que se refere aos recursos naturais (energia e água)

7. Imagine o cenário ideal de um condomínio sustentável. Como ele funcionaria...

7.1 no que se refere à educação/treinamento da comunidade para atender demandas

7.2 no que se refere a resíduos e reciclagem

7.3 no que se refere aos recursos naturais (energia e água)

7.4 Você teria/conhece alguma experiência que considera modelo para cada uma dessas áreas que poderia ser dividida comigo?

8. Teria comentários sobre algum tópico que não foi citado, mas que considera relevante?