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ESTUDOS ALEMÃES Série coordenada por EDUARDO PORTELLA, EMMANUEL CARNEIRO LEÃO e VAMIREH CHACON Picha catalográfica elaborada pela equipe de pesquisa da ORDEOC % Luhmann, Niklas L951 Sociologia do Direito II 1 Niklas Luhmann; tradu- ção de Gustavo Bayer. — Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985. 212 p. (Biblioteca Tempo Universitário; n.° 80) Tradução de Rechtssoziologie II 1. Direito — história 2. Sociologia I. Título II. Série CDU — 340: 30

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  • ESTUDOS ALEMES

    Srie coordenada por

    EDUARDO PORTELLA, EMMANUEL CARNEIRO LEO e VAMIREH CHACON

    Picha catalogrfica elaborada pela equipe de pesquisa da ORDEOC

    % Luhmann, Niklas L951 Sociologia do Direito II 1 Niklas Luhmann; tradu

    o de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edies Tempo Brasileiro, 1985.

    212 p. (Biblioteca Tempo Universitrio; n. 80)

    Traduo de Rechtssoziologie II

    1. Direito histria 2. Sociologia I. Ttulo II. Srie

    CDU 340: 30

  • NIKLAS LUHMANN

    SOCIOLOGIA DO DIREITO II

    Tempo Brasileiro

    Rio de Janeiro RJ 1985

  • BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITRIO 80Coleo dirigida por EDUARDO PORTELLA

    Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Traduzido do original alemo Rechtssoziologie II Rowohlt Taschenbuch Verlag GmbH Reinbek bei Hamburg, 1972

    Copyright: Westdeutscher Verlag GmbH Faulbrunnenstr. 13, D-6200-Wiesbaden

    Traduo de G ustavo B a yerCapa de A n to n io D ias e E liza b e th L afayetteProgramao textual de D a n ie l Ca m a r in h a da S ilv a

    Todos os direitos reservados

    EDIES TEMPO BRASILEIRO LTDA. Rua Gago Coutinho, 61 Tel.: 205-5949 Caixa Postal 16.099 CEP 22221 Rio de Janeiro RJ Brasil

  • SUMRIO

    IV DIREITO POSITIVO

    1 Conceito e funo da positividade ................. 72 Diferenciao e especificao funcional do direito 173 Programao condicional ...................................... 274 Diferenciao do processo decisrio ................. 345 Variao estrutural ................................................ 426 Riscos e problemas em conseqncia da positividade 527 Legitimidade ........................................................... 618 Imposio do direito positivo ................................ 709 Controle ................................................................... 84

    NOTAS ..................................................................... 96

    V MUDANA SOCIAL ATRAVS DO DIREITO POSITIVO 116

    1 Condies de uma mudana social controlvel ... 1202 Estruturas categoriais ........................................... 1463 , Problemas jurdicos da sociedade mundial .......... 1544 Direito, tempo e planejamento .............................. 166

    NOTAS ..................................................................... 17

    EPLOGO: QUESTES PARA A SOCIOLOGIA DO DIREITO ... 190

    NOTAS ..................................................................... 198

    BIBLIOGRAFIA SELECIONADA 201

  • IV DIREITO POSITIVO

    1 Conceito e funo da positividade

    O conceito da positividade do direito usual na filosofia do direito e na cincia jurdica. Nesse mbito ele designa, em termos genricos, o carter estatudo do direito.1 Em termos mais estritos, porm, a questo do carter estatudo do direito possui significados secundrios, dos quais devemos nos desfazer para chegarmos a um conceito propriamente sociolgico da positividade. No entendimento jurdico, a positividade do direito dgmatizada, isto , estatuda por fora prpria. 2 isso no pode satisfazer a sociologia, que sempre procura considerar outras alternativas. bem verdade que o positivismo jurdico encontra atualmente uma ampla rejeio (maior que contra o positivismo cientfico), mas no se vislumbram tentativas srias de substitu-lo por uma outra fundamentao terica do direito, e o fato da positividade do direito ainda carece de uma interpretao.

    A diferenciao entre a cincia jurdica e a sociologia est relacionada ao fato de que a concepo de uma fonte do direito inaceitvel para a sociologia. 2a Essa concepo de uma fonte do direito s tem sentido se expressar ao mesmo tempo a forma de surgimento e as bases da vigncia do direito (e freqentemente tambm as formas e as bases de sua percepo). 3 Para o socilogo, porm, os processos fa- tuais que levam, em termos causais, ao surgimento de concepes normativas generalizadas so to amplos e intrincados, ao ponto de tornarem impossvel a determinao das causas do surgimento de uma lei. Analogamente, a deciso legislativa no pode ser tratada como a causa ex

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  • plicativa da vigncia do sentido estatudo de uma norma.4 Em termos de causao sempre existem outras causas, preliminares, freqentemente mais importantes que a deciso. O direito no se origina da pena do legislador. A deciso do legislador (e o mesmo vlido, como hoje se reconhece, para a deciso do juiz) se confronta com uma multiplicidade de projees normativas j existentes, entre as quais ele opta com um grau maior ou menor de liberdade. Se no fosse assim, ela no seria uma deciso jurdica. Sua funo, portanto, no reside na criao de direito, mas na seleo e na dignificao simblica de normas enquanto direito vincula- tivo. Ele envolve um filtro processual, pelo qual todas as idias jurdicas tm que passar para se tornarem socialmente vinculativas enquanto direito. Esses processos no geram o direito propriamente dito, mas sim sua estrutura em termos de incluses ou excluses; a se decide sobre a vigncia ou no, mas o direito no criado a partir do nada. importante ter em mente essa diferena, pois de outra forma a concepo do direito estatudo atravs de decises pode ser ligada noo totalmente errnea da onipotncia de fato ou moral do legislador.

    necessrio, em outras palavras, diferenciar entre atribuio e causalidade. 5 A proeminncia especial do processo decisrio (por instncias legislativas ou por juizes) e sua relevncia na positivao da vigncia do direito no podem levar sua interpretao como algo criativo ou causai; o direito resulta de estruturas sistmicas que permitem o desenvolvimento de possibilidades e sua reduo a uma deciso, consistindo na atribuio de vigncia jurdica a tais decises. Isso no esclarece plenamente sua causalidade, nem suas preliminares ou a escolha das possibilidades em torno das quais Se decidir, nem muito menos as relaes reais de poder em jogo; mas permite identificar quais sero os destinatrios de repreenses, de sanes polticas e de tentativas de alterao da legislao. A relevncia estrutural disso reside em que a vigncia do direito, por mais rigorosa que seja a cadeia causai, estar referida a um fator varivel: uma deciso.

    Mas isso no se refere a uma reconstituio da causalidade histrica em termos genticos, ao simples fato de que em um momento qualquer houve a deciso de um legislador ou juiz. Isso sempre existiu. Por essa razo, o fato histrico

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  • da deciso legislativa no constitui um indcio suficiente para a positividade do direito da resultante. O sistema jurdico romano e o germnico no se traduziram plenamente em direito positivo, o critrio no est na fonte do direito , no ato individual da deciso, mas sim na experimentao constante e atual do direito. O direito vige enquanto direito positivo no apenas pela lembrana de um ato legislativo histrico historicidade essa que para o pensamento jurdico tradicional constitui o smbolo da irrevogabilidade mas s quando sua prpria vigncia referida a essa deciso enquanto escolha entre outras possibilidades sendo, portanto, revogvel e modificvel. O fator historicamente novo da positividade do direito a legalizao de mudanas legislativas, com todos os riscos que isso acarreta.

    Essa presentificao da possibilidade de modificao de qualquer direito implica em uma concepo abstrata do tempo. Ela pressupe um nivelamento do tempo no sentido de que em termos temporais se torna irrelevante a partir de que momento o direito estatudo. 5a No existem mais momentos favorveis ou desfavorveis, mas apenas circunstncias favorveis ou desfavorveis. Para que seja possvel estatuir-se princpios de direito, necessrio abandonar-se a antiga noo de que teria existido um momento irretornvel quando o direito teria sido gerado um incio histrico, um momento da revelao, um tempo de relao imediata do homem com as fontes religiosas da verdade e do direito ou ento, inversamente, que existiriam momentos que ainda no estariam maduros para a legislao. Pela mesma razo, a positivao exclui a diferenciao qualitativa entre um direito dito antigo e o novo direito. A durao da vigncia perde toda importncia para a qualidade e o vigor da fora vinculativa do direito. A concepo medieval de que o direito antigo seria melhor que o novo no transformada em seu oposto de que o novo seria melhor que o antigo mas deixa de fazer sentido enquanto problema referido ao tempo. A questo reduz-se vigncia ou no de determinadas normas jurdicas, e s no contexto dessa questo que vigora a regra decisria da suposio de que o legislador pode revogar as disposies em contrrio do direito anterior.

    A constncia das possibilidades de modificao mantm a conscincia de que o direito a cada momento vigente resultante de uma seleo, de que ele vige por fora dessa

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  • seleo a qualquer momento modificvel. O carter estatudo significa contingncia, significa que a vigncia se baseia no prprio ato de estatuir-se, o qual bem poderia ter tido um outro resultado. A conscincia de um tal carter estatudo s mantida na medida em que o processo deci- srio seletivo no se perca em uma pr-histria imperscru- tvel, mas permanea visvel enquanto possibilidade constantemente presente. Dessa forma, o direito positivo pode ser caracterizado atravs da conscincia da sua contingncia: ele exclui outras possibilidades, mas no as elimina do horizonte da experimentao jurdica para o caso de que parea oportuna uma modificao correspondente do direito vigente; o direito positivo irrestritamente determinado, mas no irrestritamente determinvel. 6

    Dessa forma podemos reduzir o conceito da positividade formulao de que o direito no s estatudo (ou seja, escolhido) atravs de decises, mas tambm vige por fora de decises (sendo ento contingente e modificvel). Atravs da reestruturao do direito no sentido da positividade, sua contingncia e sua complexidade so imensamente aumentadas e com isso equiparadas s necessidades de uma sociedade funcionalmente diferenciada. Assim a contingncia e a complexidade do direito so levadas a um outro plano com novas condies estruturais, novas possibilidades de organizao, novos riscos e problemas. Essa mudana abrange todas as dimenses da generalizao de expectativas e s realizvel na medida em que a congruncia do direito seja assegurada de uma nova forma.

    No sentido temporal, o direito tem que ser institucionalizado como sendo modificvel, sem que isso limite sua funo normativa. Isso possvel. A funo de uma estrutura no prestipe uma constncia absoluta, mas apenas exige que a estrutura no seja problematizada nas situaes por ela estruturadas. Isso permite que em outras situaes (em outros momentos, para outros papis ou outras pessoas) ela se torne objeto de deciso, ou seja varivel. O que necessrio apenas uma delimitao claramente perceptvel e firmemente institucionalizada, que destaque essas situaes. 7 A positivao do direito consiste em um tratamento contraditrio das estruturas com base na diferenciao dos sistemas.

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  • Com isso adquire-se a possibilidade de um direito diferenciado em termos temporais. Hoje pode estar em vigor um direito que ontem ainda no existia e amanh possvel, provvel ou at mesmo certamente no mais vigir. Distanciado no tempo, o direito vigente pode ser contraditrio: a resciso de contratas de locao pode passar a ser proibida, depois novamente permitida, para ento ser dificultada e mais tarde novamente facilitada. A vigncia tambm pode ser limitada, prevendo ou at normatizando uma reviso constante do direito como no exemplo dos reajustamentos de penses. O direito pode entrar provisoriamente em vigor. Pequenas reformas podem ser antecipadas, j que as grandes no podem ser decididas to rapidamente. Dessa forma o bom direito parece residir no mais no passado, mas em um futuro em aberto. Resumindo: pode-se recorrer dimenso temporal para a caracterizao da complexidade do direito. Com isso, o direito passa a fluir de forma legtima e controlvel; 8 ele se adequa ao fato de que nas sociedades funcionalmente diferenciadas o alto grau de interdependncia de todos os processos faz com que o tempo se torne escasso e passe a fluir mais rapidamente. 9

    A nova referncia do direito vigncia em termos temporais aumenta tambm sua complexidade material-, o nmero de temas simultaneamente passveis de tratamento jurdico. Para que um tema possa integrar materialmente o direito, no mais necessria a comprovao de que ele sempre tenha feito parte do direito.10 Isso torna possvel a regulamentao de muitas formas novas de comportamento: pode-se fixar juridicamente o direito a prmios pela destruio da superproduo das mas, a obrigao de uso de determinado tipo de equipamento de segurana em automveis, ou a proibio de reparos caseiros em instalaes eltricas. Outras matrias do direito, como por exemplo muitas medidas de poltica econmica, servem de reao a situaes momentneas, e podem constituir-se como normas de direito apenas porque o direito no mais pretende uma vigncia eterna. A disponibilidade temporal do direito possibilita, assim, um alto grau de detalhamento de normas jurdicas frente a circunstncias rapidamente mutveis e fortemente diferenciadas. O direito torna-se cada vez mais um instrumento de mudana planificada da realidade em inmeros detalhes. Nenhuma das culturas jurdicas anteriores era

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  • moderna tinha essa pretenso, e muito menos essa possibilidade. O simples nmero das determinaes assume propores gigantescas, o que j acarreta problemas especficos que mesmo os juristas no conseguem solucionar com base na especializao material.

    Tal ampliao do mbito das possibilidades jurdicas encontra sua correspondncia na dimenso social. Um direito to amplamente potencializado tem que vigir, conco- mitantemente, enquanto direito para um nmero maior de pessoas muito mais diferentes entre si, isto , ser mais fortemente generalizado tambm no sentido social. Ele tem que tornar-se praticamente independente do conhecimento e do sentimento individual, e mesmo assim ser aceito. S atravs da minimizao da participao individual que podem ser institucionalizadas mudanas to rpidas e visveis, e uma to ampla disseminao do direito.

    Essa ampliao do horizonte das possibilidades jurdicas permanece incompreensvel (e por isso geralmente no percebida), ao restringir-se a funo do direito apenas manuteno de padres comportamentais vigentes e regulamentao de conflitos, ou seja, manuteno do existente. Esse entendimento parte simplesmente do direito dado, vigente a cada momento, e no reconhece que a qualidade do direito surge e modifica-se a partir da confrontao com outras possibilidades. J nos primeiros passos arcaicos no sentido da diferenciao de expectativas puramente normativas pudemos constatar que dessa forma foi alcanada uma estabilizao de expectativas problemticas, nada evidentes mesmo que inicialmente isso tenha ocorrido apenas frente outra possibilidade do comportamento frustrante. Essa consolidao do improvvel prossegue ao longo do desenvolvimento do direito e alcana, com a positivao do direito, dimenses globais, dificilmente delimitveis. O direito no mais restringe o desenvolvimento social, pois qualquer estrutura eventualmente necessria pode ser juridicamente codificada (desde que ela possa ser identificada com um grau suficiente de certeza). Muito pelo contrrio, agora o direito serve como instrumento do desenvolvimento social, como mecanismo de definio e distribuio de chances e de resoluo de conseqncias funcionais problemticas, as quais surgem inevitavelmente do rpido crescimento da diferenciao entre sistemas funcionais. Na perspectiva da funo,

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  • portanto, a positivao do direito apenas conclui o que j tinha sido iniciado com a distino entre expectativas cognitivas e normativas: a construo de estruturas de expectativas crescentemente arriscadas, evolutivamente improvveis, feio do desenvolvimento social.

    No plano da estrutura, ao contrrio, a positivao do direito significa uma reformulao interna radical. Aps alteraes estruturais to amplas, a congruncia do direito tem que ser buscada de outra forma, estabelecendo um outro tipo de equilbrio. Ela no pode mais basear-se na crena em outra ordem verdadeira como base de fundamentos morais naturais e invariantes do direito. Agora ela tem que referir- se ao sistema social que gera a reduo da complexidade do direito. Esse fenmeno novo, e por isso dificilmente pode-se prever se haver uma forma final de soluo estabilizada e, mais ainda, qual ser. Mesmo assim, algumas condies funcionais essenciais j se delineiam com suficiente clareza, ao ponto de nos permitir sua constatao e, a partir da, a seqncia da nossa anlise.

    Pode-se supor, principalmente, que a generalizao do direito ter que ser levada a um nvel mais alto de indiferena. Em termos temporais isso significa indiferena em relao ao direito divergente anterior e posterior. Em termos materiais isso significa indiferena em relao incompatibilidade de sentido em outras reas jurdicas, ou seja reduo da pretenso de consistncia.11 Em termos sociais isso significa indiferena em relao s implicaes simblicas da opinio ou do comportamento divergentes ou, em outros termos, tolerncia. fcil perceber que essas indiferenas se fortalecem e aliviam reciprocamente e desembocam, no seu entrelaamento, em uma trivializao moral do direito.12

    Complementarmente, surgem formas de fortalecimento da seletividade no processo decisrio jurdico, permitindo que seja suficiente um nvel mais baixo de indiferenas. A mais importante delas pode ser compreendida atravs do conceito da reflexividade da normatizao. 13 Por reflexivida- de i* devemos entender que inicialmente um processo aplicado a si mesmo ou a processos do mesmo tipo, e s depois utilizado em termos definitivos. Os mecanismos reflexivos so uma forma generalizada, muito antiga, do processamento de sentidos. J discutimos seu significado no caso das expectativas de expectativas (vol. 1, p. 46 e seg.). Ao longo do de

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  • senvolvimento social esse significado aumenta de forma reciprocamente entrelaada. Por exemplo: falar sobre as palavras; a troca de possibilidades de troca na forma do dinheiro e, a partir da, o financiamento das necessidades de dinheiro; a produo de meios de produo; a aplicao do poder sobre os detentores do poder; o aprendizado do aprender e o ensino do ensinar na forma da pedagogia; a confiana na confiana dos outros; a pesquisa sobre a pesquisa (metodologia); a representao de representaes (por exemplo a representao de forma de criao em obras de arte modernas); a deciso sobre o decidir ou no na burocracia; o sentir (desfrutante ou sofridamente) os sentimentos prprios ou dos outros; a valorizao de valores na forma da ideologia e na do caso que aqui nos interessa mais de perto a normatizao do estabelecimento de normas.

    A vantagem desse arranjo reflexivo reside na elevao da capacidade seletiva produzida pelo processo. Dessa forma ele toma-se capaz de considerar um nmero maior de possibilidades, e de lidar com matrias de maior complexidade. No caso da normatizao, a reflexividade do efeito seletivo, contida em toda norma, evidencia-se, torna-se disponvel e ela mesma normatizada. E existem normas que normati- zam a normatizao por exemplo fixando processos e certas condies parametrais da ao legislativa.15 Essa normatizao pode, mas no precisa, assumir a forma de uma hierarquia (o direito processual, por exemplo, no necessariamente concebido como um direito superior). Em todos os casos ela amplia o mbito das normatizaes possveis; ela possibilita a compatibilizao da segurana e da expectabi- lidade com uma maior liberdade da normatizao e da alterao de normas, mobilizando amplamente um complexo normativo e ao mesmo tempo mantendo-o sob controle. Uma constituio no se fixa, em algumas de suas determinaes, antecipadamente a uma forma determinada do direito, mas apenas regulamenta a forma de seleo do direito varivel.

    Para a teoria do direito essas indicaes ainda so extremamente pouco amadurecidas e claras.16 Mesmo assim, elas remetem ao problema central, a partir do qual tornar- se-ia possvel construir uma teoria geral do direito e estabelecer sua relao com a sociologia do direito: em que consiste exatamente a identidade da normatizao jurdica (que

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  • dever ser mantida nos processos reflexivos)17 ou, em outras palavras, quais conotaes de sentido so imprescindveis para que se trate da normatizao jurdica de normatizaes jurdicas e no, por exemplo, da pesquisa, do ensino, do discurso ou da moralizao sobre o direito. Uma idia inicial sobre as dificuldades e sobre os esclarecimentos necessrios nesse contexto pode ser localizada na discusso da indagao se a vigncia normativa do direito positivo est submetida a normas morais ou pelo menos a algumas normas morais mnimas que ento chamar-se-iam direito natural; ou ento se, independentemente da vigncia de qualquer normatizao moral prvia do direito positivo, seu carter impo- sitivo for autnomo e independente da concordncia ou discordncia com a moral.18 Esse problema no parece ser so- lucionvel atravs das conceptualizaes clssicas da relao entre a moral e o direito.19 Partindo da funo do direito no sentido do estabelecimento da congruncia, essa discusso poderia ser contornada e ao mesmo tempo repetida em termos imanentemente jurdicos, atravs de um enfoque mais complicado, diferenciando analiticamente os nveis temporal, social e objetivo da generalizao, prometendo assim resultados possivelmente melhores.

    Independentemente dessas possibilidades, que temos de deixar em aberto no contexto da sociologia do direito, o processo atravs do qual o direito torna-se reflexivo construdo de forma estruturalmente anloga a outros casos de mecanismos reflexivos, tendo em comum o potencial de absoro da maior complexidade e dos maiores riscos da estrutura, e diferenciando-se apenas atravs do tipo de processo cujo efeito potencializado. Dessa forma, podemos extrair certas concluses sobre os problemas da positivao do direito a partir de uma teoria geral dos mecanismos reflexivos.

    A caracterstica comum desses mecanismos reside naquelas particulares ameaas que resultam da insero da complexidade e da contingncia nas estruturas sistmicas. Elas sempre existem, mas tornaram-se diferentemente percebidas nos diversos mecanismos: o risco de pensar-se sobre o pensamento foi cedo percebido, j o risco do ensinar-se atravs da educao orientada pedagogicamente, ao contrrio, permanece quase que ignorado, enquanto que o risco da especializao no amar o amor apresenta-se eventualmente, 20 e o

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  • risco da economia monetria considervel desde a introduo do papel-moeda, em si obviamente sem qualquer valor. Essa conscincia aguada dos problemas acompanhou, principalmente, a difuso da suspeita dos motivos ideolgicos (com a possibilidade de valorao at mesmo dos mais elevados valores) e a positivao do direito. Ainda hoje difcil para o jurista aceitar & pura positividade do direito, assim como difcil para o idelogo aceitar a possibilidade de redefinio valorativa de seus prprios valores. Sempre so feitos os maiores esforos para escapar-se das supostas conseqncias do puro indeterminismo, atravs da invocao de um residual de bases invariveis, ou pelo menos de alguns valores absolutos ou de um conjunto mnimo de normas argumentado em termos ticos ou de direito natural.

    Na medida em que temos que partir da noo de que os mecanismos reflexivos so imprescindveis para a manuteno do nvel alcanado da complexidade social, torna-se questionvel esse recurso a concepes de ordenamentos pr- reflexivos. A certeza por elas prometida torna-se crescentemente ilusria. Como possvel que significados de menos complexidade regulem outros significados de maior complexidade, como podero concepes de complexidade muito indeterminada controlar outras de complexidade determinada? Pode ser que tambm na nossa sociedade seja possvel abstrair e institucionalizar certos princpios da moral como invariveis e inviolveis. Mas os princpios doutrinrios assim estabelecidos no mais contm garantias suficientes de ordenamento. 21 Elas no so suficientemente instruidoras ao ponto de serem capazes de orientar o processo da constante variao estrutural. Elas excluem muito pouco, no contm suficientes indicaes de solues viveis. A prpria inva- rincia a elas atribuda as dilata demasiadamente, tomando-as irrelevantes em termos prticos. Dessa forma toma-se questionvel, se atravs da imobilidade que se deve continuar buscando a segurana do movimento.

    Se, em vez disso, considerarmos as condies -gerais da estabilizao de mecanismos reflexivos em sistemas sociais, seremos capazes de observar muito mais que apenas valores absolutos ou normas de vigncia natural. A problemtica da positivao do direito passa a ser tratada sociologicamente, e no mais moralmente; passando a ser vista no mais sob o aspecto do possvel abuso de importantes liberdades, mas do

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  • ngulo da compatibilidade entre essa5 liberdades. Os mecanismos reflexivos no podem ser inseridos em qualquer sistema indeterminadamente, mas estabelecem pesadas exigncias estrutura sistmica, principalmente complexidade j absorvida pelo sistema, s reservas de possibilidades de adaptao e substituio existentes em todas as partes do sistema, existncia de outros mecanismos reflexivos. Essa a explicao do fato de que o direito positivo s foi possvel como um efeito recente da evoluo.

    A indagao quanto s condies e aos problemas em conseqncia da positivao do direito atravs de mecanismos reflexivos nos fornece a espinha dorsal das pesquisas a seguir. Inicialmente (2), iremos verificar se e como o direito positivo se diferencia e especifica funcionalmente em relao s outras estruturas sociais de expectativas. Com isso, ele (3) assume a forma de um programa condicional. Alm disso, a positivao pressupe (4) uma diferenciao de processos para decises programadoras e programadas. Os problemas da variao estrutural da decorrentes (5) so inicialmente captados como problemas da preparao poltica das decises e, mais tarde (6), como riscos sociais gerais e como problemas em conseqncia da positividade. Com isso, (7) a legitimidade, (8) a imposio e (9) o controle do direito tornam-se problemas a serem resolvidos atravs da ao e da organizao no sistema poltico, sob condies mais difceis.

    2 Diferenciao e especificao funcional do direito

    As vantagens da reflexividade s podem ser alcanveis se os processos so aplicados a si mesmos ou a processos semelhantes. Eles consistem em que se ame o amor (e no em que ele seja objetivado mentalmente, 22 pesquisado, comprado ou aprendido); em que se pesquise as possibilidades de pesquisas (e no em que se julgue, pague ou force a pesquisa); ou em que se normatize a normatizao (e no em ensin-la, utiliz-la ou acredit-la). Por isso, a instaurao de mecanismos reflexivos toma necessrio um certo isolamento contra a interferncia de processos diferentes. Um tal insulamento de processos reflexivos s pode ser garantido

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  • na realidade social atravs d diferenciao e da especificao de sistemas sociais parciais correspondentes. Nessa medida, a reflexividade correlaciona-se com a diferenciao funcional: por causa da diferenciao ela toma-se necessria, mas a diferenciao que a possibilita.

    Essa regra geral, vlida para a economia monetria, para o sistema da cincia, para a famlia baseada no amor, para o sistema poltico com alternncia institucionalizada no poder, para o sistema educacional, para as decises burocrticas, etc., tambm se aplica ao caso do direito positivo. 23 A normatizao do estabelecimento de normas exige um detalhamento do processo de fixao de expectativas normativas ao ponto de estabelecer-se normas que (ou at mesmo apenas) normatizem o estabelecimento de normas, s assim atingindo seu objetivo final. Uma estrutura encadeada dessa forma sensvel a interferncias, necessitando por isso um certo isolamento do mecanismo. Se, por exemplo, o artigo 1. da constituio alem prev que a dignidade do homem inviolvel , tem que ser assegurado que esse preceito seja tratado como norma em todos os processos de deciso jurdica e no se restrinja, por exemplo, a uma mera profisso de f ou a uma constatao hipoteticamente verdadeira, a ser comprovada. Isso assegura concomitantemente a manuteno da fixao antecipada do modo de processamento de frustraes por exemplo atravs da excluso da assimilao de transgresses de forma imediata e adaptativa. Em outras palavras: o processo deve permanecer na perspectiva normativa e no pode resvalar para a perspectiva da verdade ou da crena, o que significa tambm que a interpretao daquele preceito deve ser ajustada interpretao de outros preceitos jurdicos, no devendo ser tomado demasiadamente ao p da letra.

    Como que essa diferenciao e autonomizao funcional do direito positivo alcanada e mantida atravs de longas cadeias decisrias?

    Em princpio, esta a resposta: pela instaurao de processos em um sistema jurdico diferenciado. Como j foi exposto anteriormente (p. 177 ss. e p. 207 ss.), os processos so sistemas sociais de tipo especial, institucionalizados de forma tipolgica, sendo realizados de modo nico para a seleo de decises coletivamente vinculativas. Tais processos servem de sustentao da diferenciao do direito inicial

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  • mente no plano da aplicao do direito, ao libert-la da considerao de vrios papis e formulando, em substituio, normas jurdicas especficas enquanto programao das decises, que por elas tm que orientar-se. Mais adiante, esses processos atingem tambm o plano legislativo do estabelecimento do direito, exercendo a funo da construo de normas j conscientemente, e no mais de forma latente e secundria. Assim como no caso da transio para o direito das grandes culturas antigas, a transio para o direito positivo tambm est condicionada ao desenvolvimento dos processos correspondentes. S quando, e na medida em que dispe-se permanentemente de processos enquanto padres comporta- mentais solidamente institucionalizados que se toma possvel sustentar o elevado risco de uma diferenciao, permitindo a sustentao do direito em si mesmo. Como j foi acentuado, isso no significa que o direito surge a partir de si mesmo, sem um estmulo externo; mas sim que s se torna direito aquilo que passa pelo filtro de um processo e atravs dele possa ser reconhecido. Nesse mesmo sentido, a diferenciao do direito no quer dizer que o direito no tem nada a ver com as outras estruturas, regulamentaes e formas de comunicao social e estaria como que solto no ar; mas to-s que agora o direito est mais conseqentemente adequado sua funo especfica de estabelecer a generalizao congruente de expectativas comportamentais normativas, aceitando dos outros mbitos funcionais apenas aquelas vinculaes e aqueles estmulos que sejam essenciais para essa funo especial.

    Alm da institucionalizao de processos juridicamente estruturados para todos os aspectos do processo decisrio jurdico (o que tambm um pr-requisito), parece ser necessria uma reestruturao entre o direito e a fora fsica. J havamos visto (vol. I, p. 123 ss.), que nos tempos arcaicos a fora fsica foi um instrumento imprescindvel no s para a imposio, mas tambm para a representao do direito. As antigas culturas avanadas desvencilharam-se disso, instituindo em muitos sistemas jurdicos uma separao nota- damente ampla: a deciso sobre a fora fsica podia ser politicamente centralizada, mas no a disponibilidade do direito. Da resultou um motivo para a separao entre o senhor jurdico e os versados no direito: o primeiro promovia o processo, nomeava o juiz, garantia a presena das partes, a paz

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  • forense e a imposio do v e r edito; os segundos davam forma ao direito. Essa separao se apresentou de forma especialmente marcante nas sociedades europias da antigidade, as quais desvencilharam mais decisivamente a dominao poltica e tambm seu direito dos vnculos religiosos, dotando essas esferas de autonomia tcnica. Em termos de contedo o direito podia, ento, ser determinado por encarregados jurdicos, juristas elaboradores de peties, ou por julgadores inspirados na tradio no direito romano assim como no germnico isso ocorria sem consideraes polticas e sem a introduo das barreiras que decorreriam da responsabilidade direta da imposio fsica.

    Isso se modifica com a contnua diferenciao e a auto- nomizao funcional do direito. Agora menos que nunca, pode-se fundamentar a congruncia das expectativas com- portamentais normativas apoiando-as em outras estruturas universais de cunho religioso, moral ou de verdade cognitiva; enquanto estrutura social ela depende exclusivamente de sua realizao no sistema societrio, ou seja, da possibilidade de sua imposio. Quanto mais o processo de normatizao for organizacionalmente discriminado, quanto mais ele se tornar indireto, reflexivo, tanto maior tem que ser a segurana da suposio de que o direito, uma vez em vigor, poder ser imposto sem que para tanto seja necessrio apoiar-se em fatores circunstanciais, relaes sociais de fora, consenso poltico ou prestgio da parte vencedora, estruturas motiva- cionais individuais, ou seja, sem depender de qualquer fator cuja distribuio no possa ser prevista. Mais do que em qualquer momento anterior, o direito depende agora essencialmente da disponibilidade abstrata da fora fsica. Em outras palavras: a questo da coercibilidade, da possibilidade de imposio, no pode tomar-se um problema a ser considerado nos processos decisrios de aplicao do direito, no pode gerar necessidades de obteno de informaes concretas, e tem que ser simplesmente tratada como uma questo supostamente solvel em qualquer caso. No obstante, veremos ainda que isso no exclui a ocorrncia de uma seletividade especfica do aparato de imposio. As normas, para as quais no se pode imaginar uma possibilidade de imposio e que tambm no constituam premissas para determinaes comportamentais que possam ser impostas, perdem sua qualidade jurdica.24 Isso no quer dizer que a impo

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  • sio, a coero, seja o nico motivo da obedincia ao direito. Muito ao contrrio: isso significa que a generalizao social e material de expectativas comportamentais fortemente acentuada, ao ponto de sua congruncia no mais poder ser assegurada por determinadas motiyaes normais, mas s pela grande indiferena com respeito a qualquer tipo de estrutura motivacional individual ou seja, atravs da possibilidade de desencadear sua imposio irresistvel. Essa possibilidade torna-se caracterstica inerente ao direito positivo. Enquanto possibilidade, ela no prejudicada pelo simples fato da existncia de elevados ndices de divergncias, casos desconhecidos, margens de tolerncia, custos processuais, etc. Por outro lado, ela no tolera nenhum direito que no seja coercvel em princpio, e alrgica contra o uso simblico- demonstrativo da fora fsica contra o direito positivo.

    Na medida em que o direito gerado em processos de- cisrios de cunho jurdico (pois s assim possvel administrar-se efetivamente a alta complexidade), esse limite da coercibilidade fsica impe-se ao prprio direito. 25 Isso intrinsecamente considerado ao criar-se um novo direito. A possibilidade de imposio atravs da fora fsica, e somente ela, permite o desmembramento do processo da deciso jurdica em diferentes fases ou etapas; s assim a deciso do legislador pode gerar um grau suficiente de certeza de que as decises da administrao ou do juiz podero ser impostas. Obrigaes jurdicas no coercveis, de base tradicional como a obrigao do convvio matrimonial so mantidas, mas assumem um carter precrio, sempre que no possam ser incorporadas ao direito coercvel por meio da gerao de obrigaes indenizatrias ou outras conseqncias indiretas (por exemplo a atribuio de culpa a uma das partes no caso de divrcio). As novas criaes jurdicas levam em considerao esse limite da coercibilidade, excluindo assim da esfera das possibilidades de normatizao jurdica uma srie de normas possivelmente desejveis como por exemplo a proibio de que um proprietrio no aceite inquilinos com crianas. Na medida em que se deseje motivar juridicamente comportamentos no coercveis, o que freqente no caso do direito econmico, isso no colocado diretamente em frmulas jurdicas, mas atravs de pretenses ou encargos coercveis, que alteram ou influem o referencial de clculo daquele comportamento.

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  • A coercibilidade depende essencialmente do direito assumir a forma de nma. programao condicional, como ser discutido no prximo item. O direito objetivo, ou seja o direito que fixa objetivos determinados, muito freqente mente no contm a preciso de uma norma coercvel, pois a partir desses objetivos podem surgir e legitimar-se alternativas sobre as aes necessrias. nesse sentido que a aplicao da legislao americana contra a discriminao racial precria, pois nos casos de constatao de transgresses basta e para isso necessria a cooperao do aparato coercivo! chegar-se a um acordo sobre o comportamento futuro, ou apenas a promessa de melhor-lo, tendo em vista o objetivo daquela legislao. 26 A funo do objetivo a mobilizao de alternativas, e exatamente isso que torna questionvel a fixao legislativa de um determinado comportamento uma das maiores dificuldades com as quais se confronta o processo da deciso jurdica ao procurar orientar-se no sentido das cincias sociais.

    Os limites da coercibilidade no residem apenas no sentido nem na forma da prpria norma, mas principalmente na disposio do atingido a colaborar. Retornaremos a isso no item 8 a seguir. Dessa forma, a coercibilidade no significa que todo o direito seja de fato realizado tal qual est escrito. Ela significa apenas que a vigncia do direito est acoplada a uma previso, no mnimo indireta, da sua imposio eventual, liberando-a assim de outros pr-requisitos motivacionais. Por isso, o planejamento do direito tem que incluir tambm o planejamento de sua imposio especialmente quando as decises devam ser aliviadas de providncias especiais para garantir sua coercibilidade. Isso tambm constitui uma limitao de uma legislao sensata.

    No obstante, apesar de um vasto mbito das normas possveis ter que abdicar da qualidade jurdica, o mbito do direito possvel cresce consideravelmente em conseqncia da diferenciao, da especificao funcional e da positi- vao. Em outros termos, essa redisposio atravs de uma limitao do direito possvel provoca, concomitantemente. uma imensa ampliao do direito possvel. 27 Nunca, antes da ocorrncia dessas condies, tantas normas possuam o carter jurdico. A explicao dessa constatao paradoxal reside na j citada circunstncia de que a diferenciao e a especificao funcionais aumentam a complexidade da so

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  • ciedade, de tal modo que, no cmputo geral, se apresentam muito mais possibilidades de experimentao e de ao, e portanto tambm muito mais possibilidades imaginveis de normatizao.

    O passo em direo especificao funcional do direito (e em direo tambm de uma perda de funo correspondente) ocorreu em grande parte quase que despercebi- damente; em outros aspectos provocou grandes celeumas, mas em nenhum caso foi realizado sob a gide de uma compreenso terica satisfatria, pois a prpria funo do direito permanecia obscura. Vejamos isso luz de alguns exemplos.

    Uma das delimitaes mais notveis do pensamento jurdico a separao entre o direito e a moral , imposta atravs de um processo histrico de secularizao do direito desde a antiga Roma at o sculo XVTII, 28 estabelecendo a diferenciao entre determinantes internos e externos da ao. 29 isso alivia o direito do encargo de ter que formular tambm as condies da respeitabilidade e da auto-estima pessoais. O direito no pode mais ter como tarefa, principalmente, a constituio da moralidade da conduta, garantindo assim as condies para a respeitabilidade recproca.29a A congruncia necessria passa a distinguir-se, at um certo grau, de um outro ambiente, mais pessoal, das relaes humanas: o respeito mtuo.30 A respeitabilidade especial de uma determinada pessoa (e isso inclui tambm a auto-estima) no pode mais ser atingida apenas com base em expectativas comportamentais congruentemente generalizadas. As objeti- vaes e as aspiraes humanas orientam-se a partir de construes ampliadas do mbito das possibilidades, principalmente no sentido econmico, e nelas a regularidade da distribuio de direitos e deveres estabelece apenas uma barreira externa, e no mais uma referncia para a respeitabilidade do sucesso. Por outro lado, a soluo jurdica de problemas assume formas que no mais se baseiam nas condies do respeito mtuo. Um bom exemplo disso a crescente tendncia de se ver a liquidao de prejuzos como um problema de distribuio de riscos. necessrio abdicar- se da fuso entre a legalidade e pretenses humanas, que se apresentava de forma especialmente manifesta no pensamento jurdico de cunho tico na filosofia grega. 3i o critrio do direito j no pode mais assumir a forma de ins

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  • trumento tico da justia como algo desejvel (apenas!) individualmente. A separao entre o direito e a moral toma-se uma condio da liberdade.

    Ela se toma tambm uma condio da possibilidade de especificao do prprio direito. Isso porque, na medida em que o direito permanea em harmonia com a moral, morali- zar-se- o cumprimento e a imposio do direito, fazendo com que no processo do estabelecimento do direito seja estatuda, concomitantemente, uma nova moral. A observncia ou inobservncia, ser flagrado, ser processado, ser condenado tudo isso passa ento a constituir processos, atravs dos quais a respeitabilidade de identidades pessoais erigida ou desfeita. Sempre que isso acontece, as regulamentaes jurdicas voltadas para determinadas formas de comportamento geram conseqncias altamente difusas e freqentemente irreparveis. 3ia No raro, as conseqncias so desproporcionais aos objetivos legislativos, e podem contribuir para que aquele que se comporte de forma divergente busque sua identidade na prpria divergncia, acabando por refor-la. Nessas condies altamente questionvel se, e at que ponto, o direito deveria apoiar-se na moral, enquanto motivo para a observncia e auxlio para a imposio.

    Com a separao mais acentuada entre o direito e a moral, o direito se afasta da funo de um regulador de escrpulos no sentido de uma certificao da identidade au- tonormatizada de uma personalidade individual.32 A personalidade individualmente normatizada, em uma ordem social funcionalmente diferenciada, no pode continuar a ser garantida pelas mesmas regras e nos mesmos limites que o respeito humano recproco induzido e no auto-evidente, e ambos no podem ser compatibilizados com o mecanismo de estabelecimento da congruncia atravs do direito." Agora, o escrpulo no deve mais ser protegido como instncia da promulgao do direito superior, mas tem que ser protegido contra o direito.

    Muito mais significantes foram as mudanas que romperam o antigo conceito cognitivo-normativo da verdade (in- diferenciado com respeito ao processamento de frustraes), redefinindo-o no sentido da cincia contempornea. 33 Nessas condies o direito, e mesmo suas bases, no podiam satisfazer as novas necessidades metdicas de certeza absoluta na transferibilidade intersubjetiva das concepes. Alm disso,

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  • o direito no era mais capaz de absorver em sua prpria estrutura o elevado risco implcito no novo conceito da verdade, seu carter apenas hipottico e a constante possibilidade de seu falseamento atravs da pesquisa descentrali- zada(!). Isso forou uma distino radical entre a verdade cientfica e o direito, e ainda a adequao de ambos aos respectivos riscos. Os motivos que levaram a essa mudana partiram mais da esfera da cincia e de sua especificao em funes cognitivas, e atravs dos seus efeitos rompeu-se a referncia tradicional do direito verdade trata-se menos da excluso de funes do direito, como no caso da moral, mas da subtrao de funes devido diferenciao em um outro sistema. Nesse caso o desenvolvimento no acompanhava necessidades genuinamente jurdicas, sendo por isso menos rapidamente e menos alarmantemente percebido que no caso da relao com a moral (o que fica transparente, por exemplo, na sobrevida do recurso noo do direito natural e da verdade no processo judicirio).

    Um terceiro tipo de diferenciao funcional quase no mereceu qualquer ateno especial, e muito menos provocou pesquisas mais cuidadosas: a separao do direito das funes socializadoras, educadoras e edificadoras. A funo educadora do direito era objeto, particularmente, da filosofia do direito grega; 34 mas ela sempre foi exercida latentemente na simbolizao do direito.35 Apesar de toda especializao tcnica do pensamento jurdico e de toda a dificuldade de acesso ao no jurista, as estruturas jurdicas mais antigas concediam uma grande importncia aos efeitos de exortao, convencimento e pedaggicos das palavras na formulao do direito. Isso pode ser extrado dos provrbios jurdicos gerados pela participao de leigos na aplicao da lei,36 dos antigos textos da literatura jurdica tomada como fonte de direito, os quais entremeiam prescries e exortaes, argumento, advertncia e fundamentao; 37 e tambm dos ad- gios do ensinamento jurdico, de expresses cuja formulao substitui a fundamentao, da linguagem epigraficamente afiada dos juristas romanos e at mesmo do Code Civil. 38 A linguagem jurdica atual busca outros objetivos. Ela no medeia instrumentos de memorizao ou de convencimento e no se presta, de nenhuma forma, simples leitura ou audincia somente consulta na procura de formas especficas para a soluo de problemas. Aparente

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  • mente, o direito positivo no necessita mais daqueles recursos de convencimento concretizados atravs de palavras. 39 As necessidades de processamento automtico de dados na esfera jurdica tambm apontam nessa direo. Alm disso a total ausncia do direito no ensino escolar evidencia que nossos pedagogos no esperam do direito nenhuma eficincia educadora, aceitando que ele represente, quando muito, um humanismo seletivo A prtica legislativa est distante at mesmo do ensino especializado do direito nas universidades, na medida em que nunca se preocupa com a viabilidade do ensino do direito em processo de constante criao e modificao.

    Essas indicaes so suficientes para tomar claro como esto entrelaadas a diferenciao, a especificao funcional e a positivao do direito, representando no fundo apenas aspectos diferentes do mesmo evento. Ao despir-se de funes intrnsecas, anteriormente tambm exercidas pelo direito sem serem obrigatoriamente a ele vinculadas, o direito adquire uma mobilidade relativa, dentro dos limites estabelecidos pela possibilidade da coero fsica. A verdade, as bases da respeitabilidade humana, a auto-identificao da personalidade, seus hbitos adquiridos e suas formas de processar experincias, tudo isso dificilmente pode ser modificado por decses; aqui as mudanas apresentam ritmos e condies diferentes que os necessrios para o direito moderno. O em- baraamento com tais funes, portanto, imobiliza o direito. A diferenciao mais acentuada, ao contrrio, permite que o direito assuma uma maior variablidade, acabando por transform-lo em uma estrutura varivel por excelncia. Isso no exclui interdependncias e reciprocidades na relao entre as diversas esferas funcionais, mas elas tm que ser especificamente programadas decididas pois inicialmente necessrio partir-se da variabilidade independente. Essa dissociao de funes separadamente realizveis , portanto, um requisito imprescindvel para a plena positivao do direito: ela s se torna possvel na medida em que as funes destacadas possam ser realizadas sem referir-se ao direito e no contexto de um direito mutante, ou seja, na medida em que para tanto estejam disposio outros sistemas sociais parciais capacitados e adaptveis.

    Em conseqncia desse desenvolvimento o direito positivo diferenciado ao ponto de no ser mais simplesmente idn-

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  • Biblioteca / Centro de Inlorxaotico totalidade das expectativas normativas congruentemente generalizadas. O direito muda seu carter. No podemos mais definir nosso conceito de direito em termos onto- lgicos, mas s funcionalmente. Isso explica a ampla sensao de desconforto gerada pelo direito positivo e o surgimento da indagao quanto justificao do direito, exatamente a referncia funcional generalizao congruente que toma forosa essa no-identidade sob condies estruturais complexas e rapidamente mutveis: o direito no pode mais ser simplesmente aquilo que ele deve fazer. Isso implode o direito natural. Agora, a justia se situa margem do direito, enquanto princpio tico.

    3 Programao condicional

    Juntamente com a crescente complexidade, com as circunstncias sociais e com o plano onde a congruncia das expectativas deve ser buscada e assegurada, modifica-se tambm a forma do direito. Atravs da constituio de processos para a elaborao de decises coletivamente vinculativas, o direito toma-se como havamos visto uma programao decisria. O conceito de programa significa que os problemas podem ser definidos especificando-se as condies restritivas de suas solues (constraints ) e que eles so solucionveis atravs de decises baseadas nessa definio; alm disso, o carter programtico significa que mesmo essa definio do problema realizada por processos decisrios e testada tambm por decises. 40 A reestruturao do direito na forma de programas decisrios deve, ento, ser vista como um momento de sua positivao. Ela j comea cedo, com as primeiras formulaes das condies para que decises fossem juridicamente corretas. Isso no quer dizer que o direito sirva de orientao apenas e exclusivamente no bojo de processos, mas sim que essa orientao agora tem que considerar as condies que levam um juiz a considerar uma deciso como soluo correta para problemas jurdicos, e que s assim, indiretamente, possvel obter-se as vantagens da congruncia de expectativas (em contraposio s expectativas elementarmente normativas).

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  • A necessidade de fixao das condies para que as decises sejam consideradas corretas cedo vincula-se a uma tendncia ao condicionamento das normas jurdicas. Isso no se expressa necessariamente na formulao dos princpios jurdicos, mas fica claro na sua utilizao atravs de decises. Sua forma bsica a seguinte: se forem preenchidas determinadas condies (se for configurado um conjunto de fatos previamente definidos), deve-se adotar uma determinada deciso. Com esse formato especial, o direito significa no apenas uma expectativa comportamental justificada, e tambm no mais a indicao tica de um bom objetivo, cuja atualizao realiza a essncia da ao e a virtude do ator. Mais que isso, agora o direito estabelece uma expectativa condicional, no sentido de uma relao se/ento, entre conjuntos de fatos e conseqncias jurdicas, cuja execuo pressupe o exame e a seleo, ou seja um ato decisrio.

    A tendncia de pensar-se o direito dessa forma muito mais antiga que o direito positivo. As mais antigas leis documentadas j utilizavam formulaes do tipo condicional. 41 As frmulas processuais romanas seguiam claramente esse esquema: o juiz era instrudo sobre as condies sob as quais uma ao poderia ser bem sucedida. A fundamentao dessas programaes condicionais, porm, sempre incluam objetivos concomitantemente ticos e utilitrios, especialmente no caso do direito dos objetivos vlidos e bons da ao e no como uma programao condicionante das decises. Mesmo na atualidade encontramos apenas espordica e incidentemente referncias ao fato de que as normas jurdicas so, na sua forma geral, programaes condicionais 42 e mesmo assim sem perceber todo o alcance e todas as implicaes estruturais desse princpio. 43 o jurista ainda gosta de pensar e argumentar teleologicamente, sem aperceber-se da problemtica em termos de racionalidade e mesmo de lgica na qual assim se enredam.44 tpico que se busque localizar as vantagens da programao condicional no sentido ^do processamento e do controle lgicos do direito; consistncia lgica, porm, algo totalmente diferente da programao condicional, e no direito ela no necessria nem exeqvel.

    Na verdade, s uma anlise organizacional das tcnicas da deciso permite compreender as vantagens decorrentes da programao condicional, e s a partir dessa compreenso se

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  • torna claro que (e porque) o direito positivo configura-se atravs de programaes condicionais de forma mais ntida e exclusiva que nos ordenamentos jurdicos anteriores. 45 Em ltima anlise o motivo disso reside em que s assim a alta complexidade pode ser convertida em decises congruentemente expectveis.

    Essa referncia do condicionamento complexidade s compreensvel observando-se corretamente a relao entre a programao condicional e a incerteza. Do ponto de vista de algum que vivencie e atue diretamente em um sistema, e permanece sendo incerto se ocorrer um determinado comportamento concreto, da mesma forma que e permanece incerto se suceder-se- uma determinada sano. Essas incertezas no so eliminadas atravs da normatizao e da programao condicional, mas tornam-se sustentveis na medida em que assumem a forma de incertezas contingen- ciais , ou seja, na medida em que a contingncia do comportamento e a contingncia da sano so combinadas em uma relao seletiva do tipo se/ento.46 Em termos mais rigorosos, essa relao se estabelece no entre o comportamento e a sano enquanto eventos fticos (de tal forma que a relao no existiria sem a sua ocorrncia), mas entre a contingncia do comportamento e a contingncia da sano. Ela estabelece uma interdependncia entre a seleo do comportamento e a seletividade do sancionamento, preenchendo assim a funo de uma estrutura. Essa funo no consiste na eliminao de incertezas quanto a desdobramentos concretos (por exemplo atravs da determinao motiva- cional do comportamento), mas na elevao do grau sustentvel de incerteza. & Com isso, sistemas programados condicionalmente podem coexistir com a maior contingncia e a maior complexidade dos fatos. Sobre essa vantagem inicial e bsica erigem-se todas as demais.

    Uma segunda vantagem comum da programao condicional e da orientao finalstica principalmente essencial para a sedimentao com respeito forma arcaica de experimentar-se o direito (e tambm em respeito s formas imediatas, cotidianas). Ela consiste na abertura de possibilidades de variao. Elas se baseiam na substituio da simples expectativa comportamental, das concepes concretas de mundo por uma estrutura binria, bipolar. Isso permite a alternncia de um lado para o outro, da condio (se) para a

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  • conseqncia (ento), mantendo a contraparte e todos os significados por ela intermediados como referncia da mudana. Dessa forma, pode-se relaxar a vinculao da ao a situaes e conseqncias. Pode-se sustentar a ao j comprovada, permitida (ou tambm a proibida) e aplicar a expectativa correspondente a um outro caso por exemplo permitindo a interposio de aes em situaes anlogas. Ou ento pode-se sustentar a situao desencadeadora, mas modificar a deciso ou a ao programaticamente desencadeada, ou seja prever para a mesma situao outros efeitos. Dessa forma, a programao condicional serve de limiar entre vrios sistemas que se modificam independentemente: pode- se adaptar as condies de imputabilidade s mudanas das necessidades sociais, ou as medidas punitivas s mudanas do conhecimento psicolgico, sem que uma modificao acarrete necessariamente a outra.

    Alm dessa possibidade de variao controlada e dirigida, merece destaque a possibilidade de tecnicizao da 'programao condicional. Isso no se refere pura criao de efeitos, desde sempre contida no direito, mas usando uma terminologia cunhada por Husserl ao desafogamento da assimilao das experincias, liberando-a da consumao concreta de designaes sensoriais levando, no caso mais puro, ao clculo lgico ou matemtico. 45 No limite, os programas condicionais so algoritmos e, dessa forma, automatizveis. Mesmo quando no se capaz de atingir esse grau de aperfeioamento tcnico do desafogamento, a programao condicional permite uma simplificao essencial do processo de- cisrio: aquele que decide s precisa conhecer seu programa (e eventualmente interpret-lo), para ento verificar se as informaes nele previstas existem ou no. Dessa forma, ele s precisa considerar um pequeno corte da situao e do seu passado relevante para o programa, permanecendo indiferente quanto ao resto, no que ele apoiado pela diferenciao de sistemas processuais especiais para a execuo do programa. Com isso possvel atingir-se considerveis ganhos de tempo, destacar-se temas para a obteno rpida de consenso e, em conjunto, processar mais informaes mantendo constante a capacidade de percepo consciente. O dado tcnico do direito contemporneo reside, portanto, menos na mediao de efeitos atravs de aparatos concretos e menos ainda na realizao precisa de determinados objetivos,

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  • mas na elevada seletividade da conscincia ativada que, de forma anloga s mquinas, permite uma reorganizaodas possibilidades.

    Um caso especial desse desafogamento merece consideraes especiais: o desafogamento da ateno e da responsabilidade com respeito s conseqncias da deciso, necessrio reconhecer que o estilo da deciso jurdica submetida a programaes condicionais implica necessariamente que junto com o se estatui-se tambm o ento , aceitando suas conseqncias sem calcul-las e valor-las.49 O suicdio de um prisioneiro no pode ser imputado ao juiz que tinha que conden-lo tendo em vista as determinaes legais, da mesma forma que o juiz de falncias no tem que verificar ou avaliar se os filhos de um devedor tero que abandonar seus estudos, ou se sua mulher dele ir separar-se. A sustentao da deciso no uma relao valorativa entre as conseqncias, mas a prpria vigncia da norma, e apenas no seu mbito que ela pode ser interpretada no sentido de que as conseqncias genericamente esperadas por sua aplicao sejam avaliadas como razoveis e sustentveis. 50 Isso desafoga o juiz da necessidade de examinar todas as conseqncias valorativamente relevantes da sua deciso, todas as probabilidades futuras, de verificar a propriedade dos recursos e das alternativas disposio e de avaliar valorativamente suas conseqncias secundrias, ou seja: libera-o de consideraes decisrias, cuja complexidade, dificuldade e necessidade de simplificao nos demonstrada pela teoria decisria da economia moderna. Somente assim, livre da responsabilidade sobre as conseqncias concretas, que fazem sentido os princpios da independncia do juiz e da igualdade perante a lei si e esses princpios s so sustentveis onde o direito e os juizes no estejam demasiadamente envolvidos em um sistema de planejamento objetivo do futuro. 52

    Esse aspecto do condicionamento parece atuar tambm no sentido da formao de personalidades, ou da atrao de personalidades correspondentes j disponveis. Mecanismos de seleo e socializao, como os pesquisados por Wofgang Kaupen, 53 podem fortalecer o efeito estruturalizante do carter programtico do direito, evitando ainda um conflito entre as estruturas programticas e as estruturas de personalidade no processo decisrio mas isso ao custo de uma

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  • elevao dos riscos, decorrente de qualquer reforo da uni- lateralidade. Finalmente, a programao condicional apresenta considerveis vantagens com respeito ao volume de comunicao necessria para a coordenao das decises. Isso vlido especialmente para o desafogamento das comunicaes verticais, da superviso hierrquica. Programas finalsticos exigem uma superviso e um controle constantes e colados s decises, pois o fim no justifica por si s os meios, e a escolha dos meios conforme as situaes sempre pode acarretar conseqncias desagradveis. 54 uma soluo racional do problema da delegao pressuporia a quantificao da avaliao das conseqncias, ou seja praticamente uma contabilidade monetria, exigindo tcnicas matemticas elaboradas. 55 Em vez disso, encontramos tipicamente, nos casos de programao finalstica, uma hierarquia pormenorizada, com poucos subordinados submetidos a uma estrita superviso, ou (e) uma hierarquia de controle paralela, por exemplo sob a forma de partido poltico. Os programas condicionais abrem melhores perspectivas de delegao. Eles so mais imunes s conseqncias que os programas finalsticos, e por isso no precisam ser constantemente reorientados. Eles podem ser elaborados e apresentados na forma de modelos decisrios tpicos, sem conhecer precisamente a quantidade e os detalhes das situaes de sua aplicao. Sempre que for necessrio, os detalhes so absorvidos pelo programa como condicionantes. Da tambm podem resultar conseqncias inesperadas, fazendo com que nesse caso tambm seja necessria a organizao de formas de comunicao que acusem interferncias ou crises. No seu conjunto, porm, a superviso pode ser mantida de forma menos rigorosa. 56 o desencadeamento da deciso concreta e tipicamente tambm o desencadeamento do controle da deciso so delegados quele que detm as respectivas informaes e os interesses correspondentes, atravs dos quais foram formuladas as condies para o desencadeamento do programa. Dessa forma o programa concede aos interessados um tipo de autoridade, ou seja uma autoridade derivada, no hierrquica, sobre as instncias que elaboram as decises.57 Com isso torna se possvel a manuteno do comando e do controle hierrquicos do sistema decisrio, apesar do imenso crescimento das necessidades de comunicao se bem que restringindo-os

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  • forma da elaborao e da alterao de programaes deci- srias.

    esse desafogamento da via oficial que viabiliza e possibilita a normatizao da interdependncia dos trttmnais e do encaminhamento partidrio dos processos enquanto princpios bsicos da jurisprudncia. 58 To-s na medida em que a forma da programao decisria j torna prescindvel a superviso de cada caso e prev iniciativas externas que tais normas organizacionais e processuais podem constituir-se como sustentao legal da instituio da jurisprudncia; caso contrrio elas ruiriam devido presso de necessidades estruturadas antagonicamente. J tnhamos visto que a independncia dos tribunais e o princpio da igualdade perante a lei so analogamente condicionados por uma menor responsabilidade pelas conseqncias. Essas consideraes mostram que e como a tipologia das formas do direito est entremeada de princpios institucionais e aspectos organizacionais. Por causa dessa interdependncia, a forma progra- mtica e os princpios da jurisprudncia no so indetermi- nadamente variveis entre si. A base real desses princpios no consiste em que eles sejam meios necessrios para os fins de justia, nem expresses de princpios morais de vigncia universal; eles vigem em um contexto de elaborao de decises que os possibilita, os requer e sustenta sua moralizao enquanto mandamentos de justia.

    Em resumo, a forma da programao condicional possibilita uma expanso das capacidades, imprescindvel para reestruturao do direito no sentido da positividade e o respectivo aumento da complexidade do direito: possibilidade de variao racional, desafogamento de exigncias desmedidas em termos de ateno, responsabidade por conseqncias e de comunicao coordenadora. A especificao e positivao funcionais do direito corresponde uma reduo do nvel das exigncias quanto a esses aspectos. Tais renncias, no entanto, no so irrelevantes e isso pode ser nitidamente observado na renncia responsabilidade pelas conseqncias. Elas deixam diversos problemas em aberto, provocando assim a procura de dispositivos suplementares e compensadores. A soluo encontrada no prprio princpio da positividade do direito: na possibilidade de decidir-se tambm quanto aos programas decisrios. 59 Isso permite diferenciar entre decises programadoras e decises programadas e

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  • prever, para os respectivos processos decisrios, requisitos e condies diferentes ou at mesmo opostas. Dessa forma toma-se ainda possvel corrigir a unilateralidade da perspectiva dos programas condicionais por meio da considerao de princpios inversos ao decidir-se politicamente, segundo critrios de oportunidade, sobre a promulgao ou mudana de programas condicionais.

    4 Diferenciao do processo decisrio

    A diferenciao e a separao institucionais entre os processos legislativos e as decises judiciais sobre disputas fazem parte dos dispositivos auto-evidentes das sociedades modernas com direito positivo. Mas a interpretao dessa diferenciao ainda imprecisa, e sua relao com a positivao do direito ainda tem que ser elaborada.

    A interpretao convencional restringe-se inicialmente diferenciao entre a lei genrica e a regulamentao concreta do caso particular, que adquire seu carter enquanto caso atravs de uma disputa em tomo do direito. A deciso sobre leis genricas atribuio do legislador, enquanto que ao juiz atribui-se a deciso sobre disputas jurdicas concretas. Em ambos os tipos de processo trata-se do mesmo direito. O legislador o constri, e o juiz o aplica. Essa viso no permite uma compreenso mais precisa, alm de manter muitas controvrsias em aberto. Tais controvrsias podem girar, principalmente, em tomo da indagao sobre o momento do processo decisrio que garante sua racionalidade, ou sobre onde se chega mais perto do ncleo do direito: na formulao de regras gerais ou na deciso de cada caso. 60 Observando-se essa indagao mais detidamente, e tentando respond-la, surgem, no entanto, dvidas que se referem sua prpria formulao.

    Analisando-se mais precisamente o processo da deciso judiciria toma-se evidente que tambm o juiz formular regras gerais para suas decises: se elas no esto dadas, ele as encontra. Sua generalidade reside na normatividade da expectativa assim gerada: na generalizao que transcende os momentos (e dessa forma, os casos). Todo aspecto normativo de uma deciso jurdica tem, portanto, que pre

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  • tender sua generalizao, implicando que casos iguais sero decididos da mesma forma. Por isso a deciso judicial no pode ser apropriadamente concebida como a lei do caso particular . si Ao considerar-se que a generalizao j reside na prpria forma normativa das expectativas, a diferenciao pode ser buscada quando muito com respeito ao tipo de tratamento do aspecto genrico, mas nunca como uma contraposio entre o genrico e o no genrico.

    Procurando reconstruir a viso clssica da diferenciao entre a legislao e a jurisprudncia, as consideraes acima nos levam a concepes j familiares ao pensamento mais recente com respeito legislao atravs das decises judicirias (direito dos juizes). Isso leva suposio de que a legislao no seria nada mais que uma diferenciao e uma centralizao tcnica de parte da tarefa da deciso judicial, uma forma de deciso em bloco sobre certas premissas deci- srias, especialmente apropriadas para o tratamento sumrio e para a formulao de princpios jurdicos. Essa interpretao capaz de manter a concepo da unidade entre a experimentao do direito e a perspectiva normativa nos processos legislativo e judicirio, vendo sua separao como um fenmeno de grau secundrio, reafirmando nessa medida o pensamento jurdico clssico. 62 No entanto, ela no fornece uma concepo satisfatria das vantagens adquiridas com a separao entre esses dois processos decisrios.

    Isso porque negligencia-se uma diferena essencial: o juiz compromete-se com suas decises e as premissas a elas vinculadas, mas o legislador no. 63 se esse compromisso assume a forma jurdica ou resulta da compreenso do papel do juiz secundrio, da mesma forma que a questo se o autocomprometimento de um juiz amplia-se ou no aos outros juizes atravs do ordenamento jurdico. 64 o decisivo que apenas o juiz se v confrontado com situaes repetidas, tendo que decidir de forma repetidamente igual quando se apresentam premissas idnticas. O juiz submete-se ao princpio da igualdade de forma diferente que o legislador: ele no s tem que tratar igualmente as mesmas condies, mas tambm decidir da mesma forma os casos iguais. Com cada deciso ele se ata a casos futuras, e ele s pode criar um direito novo na medida em que reconhea e trate novos casos como constituindo casos diferentes. 65 Ele formula as premissas da deciso na perspectiva daquele que as inter

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  • preta e aplica, no na perspectiva daquele que delas dispe apenas imediatamente. Para tanto ele pode criar conceitos utilizveis genericamente. Toda proclamao judicial de princpios jurdicos de vigncia genrica , no entanto, perigosa, pois leva a determinaes rgidas, dificilmente retratveis, o que arriscado principalmente no contexto rapidamente mutvel da sociedade moderna. Esse era o motivo da sbia discreo dos tribunais superiores, como o Conseil tat e, numa menor medida, do antigo Reichsgericht, com respeito formulao de princpios decisrios genricos. O juiz pode delegar cincia jurdica o desvendamento, a constatao e a sistematizao dos princpios da sua jurisprudncia, sem comprometer-se com sua autoridade. Ele se sente comprometido apenas com os prejulgados de sua praxis, mantendo a liberdade de questionar a semelhana de um novo caso com o antigo. Os tribunais superiores da Repblica Federal da Alemanha abdicaram dessa discreo, passando a redigir e a promulgar acrdos doutrinrios com princpios orientadores , em termos de contedo: leis, suscetveis das respectivas presses alteradoras. Juntamente com isso eles estabeleceram controvrsias contundentes com autoridades cientficas, em vez de descarregar o mximo possvel do risco da generalizao sobre a cincia. Esse af doutrinrio s suportvel a longo prazo por dispor-se na retaguarda de um legislador, o qual pode no importar-se com tais princpios ou fornecer os pretextos para que o prprio juiz deixe de importar-se com os antigos princpios da sua jurisprudncia. O princpio da igualdade exige instncias polticas ou hierrquicas que promovam a redeno do auto-conprometimen- to desmedido ou ento que as condies sociais permaneam estveis.

    O processo decisrio da jurisprudncia no conhece, por- tant, formas institucionalizadas de mudana do direito, mas apenas tcnicas apcrifas de assimilao, adaptao ou alterao e que sejam compatveis com a identidade formal das normas. 66 a essas formas apcrifas tambm pertence o caso, quando processos originalmente imaginados para resolver conflitos decisrios entre diversos tribunais ou diversas cmaras so utilizados como instrumentos para a revolta contra uma prtica dominante. De resto, a inovao judicial possvel at mesmo frente lei mas s raramente e limitada a que durante algum tempo se trabalhe com argumentos

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  • falsos, at que a inovao seja introduzida e possa ser apresentada como direito antigo. Com isso o juiz, sob condies modificadas, d continuidade jurdica quelascolocaes que antes eram genricas e agora so apenas consideradas como uma possibilidade entre outras.

    Essa limitao do juiz est intimamente ligada ao fato de que ele lida com situaes onde j ocorrem frustraes; de que ele trata do processamento de frustraes, para o qual so essenciais um rgido referencial para as decises e a manuteno das normas decisrias. Em uma situao to tensa ele no poderia representar ao mesmo tempo seu arbtrio e a norma a ser mantida. Em plena situao de frustrao difcil assimilar, aprender.

    Esses limites, funcionalmente determinados, da mobilizao judicial das normas tornam compreensvel porque a crescente mobilizao do direito torna necessria a criao de um outro processo para tanto. Essa necessidade fica ainda mais evidenciada por um outro raciocnio, para o qual teremos que recorrer discusso anterior sobre os processos elementares da formao do direito. Tnhamos visto que a normatividade das expectativas expressa a determinao de no assimilar as frustraes. Nisso residia a antiga concepo da invarincia do direito. Uma mudana dessa orientao no assimilativa s realizvel atravs do aprendizado. Dessa forma a mudana do direito significa: aprender a no aprender; assimilar a no assimilao. Fica claro, ento, que uma exigncia to rigorosa dificilmente pode impor-se e tornar-se instituio.

    Mas exatamente isso que a positivao do direito passa a exigir. O direito s pode ser institucionalizado enquanto varivel, quando sua variao est submetida a processos de assimilao em termos de aprendizado. Nesse contexto, o mvel principal dessa apreenso o fato de que o direito vigente produz frustraes seja por sua repetida transgresso ou por frustrar expectativas normativas contrrias. As frustraes devem ser continuamente reprocessadas no circuito das decises jurdicas, sendo ento absorvidas cognitivamente como informaes que daro ensejo indagao se elas so suficientes para fundamentar uma mudana do direito. Por outro lado, esses processos de apreenso no devem solapar o princpio da resistncia assimilao apreensiva do direito. As possibilidades de apreenso no devem perturbar a de

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  • terminao de persistncia. O fato de que tudo pode ser modificado no deve acarretar que no se leve mais nada a srio. A positivao do direito significa que no mesmo ordenamento jurdico tm que ser concomitantemente institucionalizadas as possibilidades de apreenso e no apreenso, de atitudes cognitivas e normativas com respeito s mesmas normas.

    Isso s possvel em sociedades muito complexas, suficientemente diferenciadas, pressupondo principalmente a diferenciao de processos para a apreenso e para o processamento de frustraes. O destaque institucional dos processos torna possvel problematizar em um tipo de processo aquilo que em outro processo constitui uma estrutura. A funo de atenuao das obrigaes, de desafogamento das estruturas, exige sim que as estruturas no sejam proble- matizadas ou variveis com respeito s situaes que elas estruturam, mas isso no exclui que aquela problematizao e aquela variao possam ocorrer em outras situaes, em outros momentos, em outros papis ou sistemas, sempre que estejam garantidas uma diferenciao e uma comunicao suficientes entre os diferentes mbitos decisrios.

    Essa diferenciao tambm provocada atravs do afastamento entre a legislao e a jurisprudncia. O mbito da jurisprudncia cuida da exposio do direito vigente, da manuteno e da sano de certas expectativas normativas, de manifestar a determinao a no assimilar apreensivamente as transgresses ao direito. Quando expectativas juridicamente normatizadas so contrariadas, o juiz deve resguardar a expectativa, e no adapt-la aos fatos. Para o legislador, no entanto, as normas e os fatos se apresentam em uma outra tica e em um outro contexto. O efeito real das normas, a proporo da sua no aceitao e os custos de sua imposio, suas disfunes, os conflitos comportamentais aos quais elas levam, as aes substantivas por elas provocadas, tudo isso pode ser registrado cognitivamente pelo legislador, sem maiores indignaes. Ele pode abrir-se ao direito clandestino dos rebeldes e dos criminosos, aos interesses afetados pelas prescries. Ele pode, e at mesmo deve demonstrar estar disposto a corrigir expectativas. Ele o destinatrio da vontade de mudar, a instncia da apreenso institucionalizada no direito. Ele tem a possibilidade de autocorrigir-se e espera-

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  • se que ele a utilize e ainda se responsabilize pela omisso de correes, pela rejeio da assimilao apreensiva.

    Para criar-se um referencial adequado, funcionalmente especfico variao apreensiva ou para a manuteno inalterada do direito e como isso positivao do direito essa tarefa deve ser separada da aplicao do direito em situaes de frustrao e organizada segundo suas prprias condies. No interesse de uma maior capacidade de nego ciao, os processos legislativos devem estar livres da presso imediata das frustraes e da necessidade de expor-se normas j transgredidas; por outro lado eles devem poder tratar as normas jurdicas como ainda sujeitas deciso, tendo ento que adequar-se s condies muito mais complexas de uma escolha entre diversas normas jurdicas possveis. Isso no leva exigncia radical de abstrair-se totalmente do direito vigente, passando-se sua reconstruo, desde a base, a partir da razo. Pelo contrrio, o direito existente est inserido nas condies que possibilitam um novo direito, pois ele s pode ser modificado em aspectos isolados e nunca como um todo, por mais significativos que esses aspectos parciais sejam. 67 Ainda assim, os limites do que deve ser problematizado ou suposto tambm podem ser escolhidos e, portanto, adequados capacidade de processamento dos processos. Na perspectiva daquele que deve decidir sob tais circunstncias, o direito adquire um novo tipo de objetividade no a de uma norma decisria, que deve ser resguardada apesar de toda contes- 1tao, mas a de uma estrutura de expectativas que deve ser b der Routine. Verwaltungsarchiv, 55, 1964, p. 1-33, republicado em idem, Politische Planung. Opladen, 1971. Ver ainda do mesmo autor, Rech t und Autom ation in der ffen tlichen Verwaltimg. Berlim, 1966 p. 35 ss.

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  • 43 Max WEBER, ao contrrio, captou essas conseqncias, sem. no entanto enquadr-las conceitualmente em termos mais precisos, adotando a formulao insuficiente de compreender a contradio entre programas condicionais e orientaes finalsticas como contradio entre expresses formais e materiais do direito.

    44 Em parte isso tambm um problema das fronteiras entre as especialidades, pois os problemas da racionalizao do esquema fimlmeio so elaborados na cincia econmica, e no na cincia jurdica. Na Unio Sovitica parece existir atualmente uma. conscincia sria e uma ampla discusso do problema da relao entre princpio jurdico e fins. Cf. as referncias em RODINGEN, Hubert. Die gegenwrtige rechts und sozialphilosophische Diskussion in der Sowjetunion. Arch iv fr Rechts und SoziaXphosophie, 56, 1970, p. 209-244.45 a esse respeito e sobre o correspondente desvio dos fins como justificativa ver tambm LUHMANN, Niklas. Zweckbegriff und System- rationalitt. Tbingen, 1968, especialmente p. 58 ss.

    46 os problemas lgicos e tericos implcitos nessa afirmao esto longe de uma soluo. Para uma tentativa polmica de incorporar a muito discutida problemtica dos princpios condicionais irreais Icounterfactual conditionals) em uma teoria geral da projeo de possibilidades, ver GOODMAN, Nelson. Fact, fic tion and forecast. Londres, 1955. Para a discusso da resultante e outras indicaes ver TELLER, Paul. Goodmans theory of projection. The British jou m a l fo r the philosophy of Science, 20, 1969, p. 219-238.

    4T Essa compreenso essencial foi elaborada por GARNER, Wendell R. W ncerta in ty and structure as psychological concepts. Nova Iorque- Londres, 1962.) para a esfera do processamento da experincia atravs de categorias. Essa a referncia das consideraes acima desenvolvidas, especialmente com respeito absoro do conceito da incerteza contingente.

    48 Cf. HUSSERL, Edmund. D ie Krisis der europischen Wissenschaften und die transzendentale Phanomenologie. Husserliana, vol. VI, Haia, 1954. interessante que BLUM ENBERG, Hans (Lebenswelt und Techni- sierung unter den Aspekten der Phanomenologie. Torino, 1963.), ao esclarecer esse conceito de tcnica, lana mo de um exemplo que se aproxima especialmente do caso de um programa condicional: a reduo da ao humana a puras funes de descadeamento de reaes e conseqncias complexas.

    49 Esses limites da deciso do juiz foram elaborados por socilogos escandinavos e contrapostos pesquisa cientfica e, respectivamente, aos processos decisrios de planejamento. Cf. AUBERT, Vilhelm e MESSINGER, Sheldon L. The criminal and the sick. Inquiry, 1, 1958, p. 137-160. AUBERT, Vilhelm. Legal justice and mental health. Psychiatry, 21, 1958, p. 101-113. Ambos republicados em AUBERT, Vilhelm. The hidden society. TotowalN.J., 1965. Do mesmo autor: The structure of legal thinking. Em Legal essays festskrift t il Frede Castberg. Copenhagem,1963, p. 41-63. ECKHOFF, Torsteim. Justice and social utility. Em Legal essays, op. cit., p. 74-93. ECKHOFF, Torstein e JACOBSON, Knut Dahl. Rationality and responsibility in jud icia l decision-maJcing. Copenhagem, 1960.

    50 Atravs dessa noo de uma tw o-level procedure o f ju s tifica tion ", um clculo da utilidade apenas no plano geral da norma, mas no no caso individual, WSSERSTROM, Richard A. {The jud icia l decision toward

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  • a theory of legal justificativa. Stanford-Londres, 1961) rejeita tendncias justificao meramente utilitarista da deciso do juiz a cada caso. Essa noo baseia-se na diferenciao do utilitarismo tardio entre act-u tilita rism e rule-utilitarism . A esse respeito ver: BRANDT, Richard B. Ethica l theory the problem o f norm ative and critica i ethics. Engelwood Cliffs, 1959, p. 380 ss. (com outras indicaes bibliogrficas). SINGER, Marcus G. Generalization in ethics. Londres, 1963, p. 203 ss. (recorrendo a J. St. M IL L ). RAW LS, John. Two concepts of rules. The philosophical review, 64, 1955. Republicado e citado segundo CARE, Norman S. e LANDESMAN, Charles. Readings in the theory o f action. Bloomington-Londres, 1968, p. 306-340.

    51 Para o primeiro aspecto cf. ECKHOFF, Torstein. Impartiality, sepa- ration of powers and judicial independence. Scandinavian studies in law, 9, 1965, p. 11-48. Para o ltimo, cf. PODLECH, Adalbert. Gehalt und Funktionen des allgemeinen verfassungsrechtlichen Gleichheitssatzes. Berlim, 1971, especialmente p. 106 e 117.

    52 Esse entendimento com respeito s metas imediatas do processo no inquestionvel, o que fica demonstrado por PACKER, Herbert L. (Two models of the criminal process. University o f Pennsylvania law review, 113, 1964, p. 1-68. Idem. The lim its o f the crim inal sanction. Stanford, 1969) ao tentar diferenciar dois entendimentos do processo penal na medida em que no primeiro plano esteja uma legalidade condicionalmente orientada ou o combate efetivo criminalidade. PACKER contrape tendncia ftica a um crime control model adequado, a exigncia da maior considerao do dite process model, que contm o processo atravs da programao de condies da legalidade, no interesse de valores reconhecidos.

    53 D ie Hter von Rech t und Ordnung die soziale Herkunft, Erziehung und Ausbildung der deutschen Juristen. Neuwied-Berlim, 1969. Ver por exemplo a constatao de uma origem preponderante de famlias nas quais se d mais relevncia ao controle normativo do comportamento que ao comportamento objetivo, instrumental (p. 216), se bem que essa constatao demanda pesquisas mais detalhadas e principalmente uma comparao com outras profisses.

    54 Para maiores detalhes, ver LUHM ANN, Niklas. Zweckbegriff und Sys- tem rationalitt. Op. cit., especialmente p. 177 ss.

    55 um exemplo tpico para a discusso mais recente : IJIRI, Vuji.Management goals and accounting fo r control. Amsterdam, 1965.

    56 Cf. *tambm LUHM ANN, Niklas. Lob der Routine. Op. cit., p. 22 ss. Ver ainda idem. Funktionen und Folgen form aler Organisation. Berlim,1964, p. 97 ss.

    57 No item 8 a seguir retornaremos questo se dessa forma pode ser garantida tambm a implementao do programa.

    58 Cf. a esse respeito ECKHOFF, op. cit., 1965.59 Partindo de outras consideraes, WASSERSTROM, op. cit., p. 169,

    tambm conclui que as duas etapas da racionalizao da deciso jurdica por ele sugeridas (ver nota 50 acima) tm por pressuposto a possibilidade de mudana das regras jurdicas.

    o para uma discusso tpica, considerando e avaliando as vantagens eas desvantagens de ambos os tipos de decises, ver PATON, George W . A text-book of jurisprudence. Oxford, 1951, p. 182 ss.

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  • si Como quasi qnaedam particularis lex in aliquo particu lari jacto, segundo a interpretao da sentena judicial por TOMAS DE AQUINO. Summa Theologiae II, I I qu. 61 art. 1.

    62 Como exemplos desse entendimento, ver: HUSSON, Lon. Les trans- form ations de la responsabilit tue sur la pense juridique. Paris, 1947, especialmente p. 12 ss. ESSER, Josef. Grunsatz und N orm in der rich terlichen Fortbildung des Privatrechts. Tibingen, 1956.

    63 a jurisprudncia inglesa apresenta indicaes dessa diferena. Ver p. ex. ALLEN, Carleton Kemp. Law in the making. Oxford, 1958, p. 409 s. Esse autocomprometimento do juiz crescentemente questionado na literatura mais recente. Ver p. ex. ESSER, Josef. Richterrecht, Gerichts- gebrauch und Gewohhnheitsrecht. Festschrift F ritz von Hippel, Tbingen, 1967, p. 95-130. No obstante, o juiz no est aparelhado nem em termos organizacionais nem com a tcnica informativa suficiente para exercer essa jud icia l legislation.

    64 Uma instrutiva viso geral sobre o desenvolvimento histrico da vinculao judicial a precedentes fornecida por ALLEN, op. cit., p. 157 ss.

    65 Aqui reside um dos mais importantes pontos de referncia para a anlise sociolgica do processo da deciso em juzo. A sociologia poderia ajudar o juiz a reconhecer casos novos atravs da sua dependncia de situaes sociais modificadas, com o que seria possvel fundamentar seu ineditismo. Cf. tambm PARNKTI, Paolo. Problemi di analisi so- ciologica del diritto. Sociologia, 1961, p. 33-87, especialmente p. 74.

    a Seria fecundo indagar mais especificamente at que ponto essas tcnicas, em sua configurao atual, pressupem que o legislador (e no o juiz) tenha estatudo o direito de tal forma que a datao do ato legislativo e a suposio de uma vontade abstrata do legislador concedam ao juiz uma margem relativamente ampla de interpretao, constituindo quase que um direito derivado modificao do direito que, nessa forma, s pode ser praticado se e na medida em que exista legislao.

    67 por isso que, por mais estranho que parea primeira vista, nos casos de reorientaes radicais e rpidas do direito a novos rumos ideolgicos no a legislao, mas a jurisprudncia o instrumento mais eficaz, determinado por certas leis orientadoras, por medidas de poltica de pessoal e, finalmente, pelo puro terror, capaz de verificar cada caso em conformidade com as novas orientaes. Cf. a esse respeito a rica pesquisa de RTHERS, Bernd. Die unbegrenzte Am legung zum Wandel der Privatrechtsordnung im Nazionalsozialismus. Tbingen, 1968. Mesmo assim, uma grande parte do direito antigo, ideologicamente neutro, subsiste.

    68 Por isso os parlamentos no so capazes de representar o poder formador do direito, como foi acertadamente observado por BENJAMIN, Walter (Zur Kritik der Gewalt. Em: Idem. Angelus Novus. Frankfurt, 1966, p. 2-66, especialmente p. 53 s.), s bem que erroneamente avaliado como um lastimvel espetculo.

    s SIMON, Herbert A. (Recent advances in organization theory. Em Research frontiers in politics and government. Washington, 1955, p. 23- 44) ressaltou de forma especialmente clara essa diferena, diluindo-a porm mais tarde no sentido da hiptese de um contnuo de decises mais ou menos programadas. Ver, do mesmo autor, The neto Science o j management. Nova Iorque, 1960, p. 5 ss. Para a aplicao a questes do direito administrativo ver tambm SCHMIDT, Walter. Die Progra-

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  • mierung von Verwaltungsentscheidungen. Archiv des ffentlichen Rechts, 96, 1971, p. 321-354.

    70 Podemos enoontrar material emprico a esse respeito nas pesquisas americanas mais recentes sobre o comportamento nas corporaes legislativas. Cf. entre outros W AHLKE, John C. e EULAU, Heinz. Legis- lative behavior. Glencoe/M., 1959. W AHUCE, John C.; EULAU, Heinz; BUCHANAN, William e FERGUSON, LeRoy C. The legislative system explorations in legislative behavior. Nova Iorque-Londres, 1962. W ILDAVSKY, Aaron. The politics o f the bugetary process. Boston- Toronto, 1964. BARBER, James D. The lawmakers reentm ent an aaptation to legislative life. New Haven-Londres, 1965.

    ti Cf. KRAW IETZ, Werner. Das positive Recht und seine Funktion kategoriale und methodologische berlegungen zu einer funktionalen Rechtstheorie. Berlim, 1967. Esse texto defende em termos mais implcitos que explcitos uma separao entre jurisprudncia e legislao em analogia programao condicional ou finalstica. Cf. as formulaes explcitas em FARNETI, Paolo. Problemi di analisi sociologica del diritto. Sociologia, 1961, p. 33-87. EHMKE, Horst. Prinzipien der Verfassungsinterpretation. Verffentlichungen der Vereinigung der D eu - tschen Staatsrechtslehrer, 20, 1963, p. 53-102.

    72 POUND, Roscoe (The administrative application of legal standards., Reports o f the forty-second m eeting o f the Am erican Bar Association, Baltimore, 1919, p. 445-465.) j havia aproximado fortemente o juiz administrao, como uma espcie de social engineer.

    73 Para maiores detalhes ver a introduo do captulo V a seguir.74 Em um sentido oposto, socilogos da organizao notaram que as

    necessidades de, mudanas so represadas at a formao de crises, pois apenas assim pode surgir um convencim ento da necessidade e do sentido da mudana. Cf. p. ex.: SOFER, Cyril. The organization from w ith in a comparative study o f social institutions based on a socio- therapic approach, Chicago, 1962, p. 150 ss. CROZIER, Michel. Le phnomne bureaucratique. Paris, 1963, p. 34, 259 s., 291 ss., 360 s. GORE, William J. Adm inistrative ' desion-m aking a heuristic approach. Nova Iorque-Londres-Sidnei, 1964. HERMANN, Charles F. Some consequences of crisis which limit the viability of organizations. Administrative Science quaterly, 8, 1963, p. 61-82.

    75 A tese diametralmente oposta, de que ao longo da evoluo social o direito torna-se crescentemente dependente do sistema poltico, pode ser encontrada em PARSONS, Talcott. Societies evolutionary and comparative perspectives, op. cit., p. 27. Ela est relacionada separao estrita que PARSONS estabelece entre sistema cultural e sistema social, assim como ao seu conceito de sistema poltico limitado realizao de objetivos cole