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FABIO COSTA PEIXOTO
O GLOBAL E O LOCAL:
Políticas, redes e conflito em Santa Teresa
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Tamara Tânia Cohen Egler Jorge
Rio de Janeiro 2008
P379g Peixoto, Fabio Costa. O global e o local : políticas, redes e conflito em Santa Teresa / Fabio Costa Peixoto. – 2008. 138, [7] f. : il. color. ; 30 cm. Orientador: Tamara Tania Cohen Egler. Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2008. Bibliografia: f. 129-135. 1. Planejamento urbano – Rio de Janeiro (RJ). 2. Política urbana – Rio de Janeiro (RJ). 3. Conflito social. 4. Turismo – Santa Teresa (Rio de Janeiro, RJ). 5. Santa Teresa (Rio de Janeiro, RJ). I. Egler, Tamara Tania Cohen. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título. CDD: 711.4098153
FABIO COSTA PEIXOTO
O GLOBAL E O LOCAL:
Políticas, redes e conflito em Santa Teresa
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA __________________________________ Prof. Dra. Tamara Tânia Cohen Egler – Orientadora Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ __________________________________ Prof. Dra. Ângela Maria Moreira Martins (Doutora em Planejamento Urbano – Paris X) ____________________________________ Prof. Dra. Fernanda Sanchez - PROARQ (Doutora em Geografia – USP)
AGRADECIMENTOS
Nesta seção de agradecimentos, encontra-se uma lista imensa de pessoas
que merecem citação, mas não sendo possível citar todos, desde já a todos agradeço.
Gostaria de agradecer o empenho e a atenção de minha orientadora,
professora Tamara Egler, que no decorrer da orientação sempre me sugeriu novos
caminhos e enriqueceu inestimavelmente a minha análise.
Também merece destaque o interesse pela dissertação por parte da
professora Ana Clara Torres Ribeiro, tanto como moradora de Santa Teresa, quanto
como socióloga de fôlego, o que contribuiu enormemente para o desenvolvimento da
dissertação.
A atenção dada pelos demais professores do IPPUR, tanto durante as aulas
quanto na apresentação do projeto, na qual houve o recebimento das contribuições dos
professores para o enriquecimento da pesquisa que resultou no texto final da
dissertação.
Um destaque especial para as contribuições das professoras Cláudia Pffeifer
e Ângela Moreira, pela participação na banca de qualificação para o mestrado,
resultando em um melhor desenvolvimento da fase final da pesquisa.
Agradeço também aos colegas, que depois se tornaram amigos, da turma
2006 do Mestrado, que no decorrer de discussões, debates e conversas informais
colaboraram para um melhor desenrolar da dissertação.
A participação dos colegas do Laboratório Espaço, Estado, Tecnologia e
Sociedade merece destaque pelo envolvimento e colaboração em todos os sentidos.
Agradeço a eterna ajuda da amiga Sarita pelo incentivo e atenção no
decorrer do curso e pelas discussões que enriqueceram enormemente o resultado final
da pesquisa.
Três pessoas foram imprescindíveis para o sucesso desta dissertação: meus
pais, Paulo e Vilma, e minha noiva, Elizabeth. Agradeço pelo apoio, atenção e
incentivo, tanto profissionalmente quanto pessoalmente, sem os quais não seria
possível concluir a dissertação.
Merece destaque também Norberto, pai da minha namorada e morador de
Santa Teresa que, como interessado pela dissertação, auxiliou enormemente, não só
indicando pessoas a serem entrevistadas, mas também como “informante” dos
acontecimentos do bairro e como um incentivador da pesquisa em geral.
O apoio da Secretaria de Ensino, na figura de todos os seus integrantes, com
um destaque para Zuleika, pela atenção e pela vontade nos assuntos relativos à
Secretária.
Termino agradecendo ainda a atenção conferida por todos os entrevistados,
entre eles os integrantes da AMAST, da Chave Mestra e dos funcionários de Hotéis e
restaurantes de Santa Teresa.
RESUMO O objetivo deste trabalho foi o de analisar as políticas urbanas relacionadas ao turismo
no bairro de Santa Teresa (Rio de Janeiro/RJ), desdobrando o conflito social em torno
dos modelos de desenvolvimento em disputa no bairro. A relevância da escolha do
bairro de Santa Teresa como objeto de análise se origina tanto do enorme patrimônio
histórico, cultural e arquitetônico ali existente, como também da identidade local e do
“modo de vida” singular encontrado no bairro, que poderia inclusive ser alterado com
um dos modelos, decorrente da proposta de criação de um pólo de turismo global em
Santa Teresa. O foco central da pesquisa foi analisar o conflito em torno de modelos de
desenvolvimento em conflito: um que privilegia o turismo global e o outro, que valoriza
um modelo que preserva as características do bairro sem incomodar a convivência
entre os moradores do bairro.
Palavras-chaves: Políticas Urbanas; Globalização; Santa Teresa; Rio de Janeiro; Conflito Social; Desenvolvimento.
ABSTRACT The aim of this work is to analyze urban politics related to tourism in the neighborhood of
Santa Teresa (district from Rio de Janeiro/RJ) and also to approach the social conflict
around the development models conflicting there. The relevance of the choice of Santa
Teresa as object of analysis came, in one hand, from the enormous historic, cultural and
architectural patrimony, and also, in the other hand, from the local identity and the
natural "way of life" that can be found in the neighborhood. This way of life could also be
changed with the proposal to establish a global touristic center there. The central focus
of the research was to examine the conflict around this two development models: one
that focuses on global tourism and the other one, which valorize a model that preserves
the characteristics of the neighborhood without disturbing the life of people who lives in
the neighborhood.
Keywords: Urban Politics; Globalization; Santa Teresa, Rio de Janeiro; Social Conflict; Development.
LISTA DE IMAGENS Imagem 01: Vista para a Enseada de Botafogo - Mama Ruísa p.34
Imagem 02: Interior de um dos quartos - Mama Ruísa p.35
Imagem 03: Vista dos quartos - Mama Ruísa p.35
Imagem 04: Piscina e conjunto das instalações do hotel - Mama Ruísa p.36
Imagem 05: Projeto do Hotel Exclusive/Santa Teresa p.37
Imagem 06: Suíte Pão de Açúcar - Hotel Rio 180º suítes & cousines p.39
Imagem 07: Vista da cidade a partir do Hotel Rio 180º suítes & cousines p.37
Imagem 08: Espaço Zen - Hotel Rio 180º suítes & cousines p.40
Imagem 09: Hotel Mauá Bela Vista p.41
Imagem 10: Suíte do Hotel Mauá Bela Vista p.41
Imagem 11: Fachada do Hotel Solar de Santa p.42
Imagem 12: Quarto do Hotel Solar de Santa p.43
Imagem 13: Fachada da Casa da Birgite - integrante da rede “Cama e Café” p.44
Imagem 14: Café da manhã da Casa da Ana Laura - integrante da rede “Cama e Café”
p.45
Imagem 15: Quarto da Casa da Flávia - integrante da rede “Cama e Café” p.45
Imagem 16: Mapa de atrações - Santa Teresa p.47
Imagem 17: Castelo do Valentim p.57
Imagem 18: Parque das Ruínas p.58
Imagem 19: Casa de Laurinda Santos Lobo p.58
Imagem 20: Largo do Curvelo p.59
Imagem 21: Largo dos Guimarães p.60
Imagem 22: Largo das Neves p.60
Imagem 23: Mapa das comunidades p.108
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Aumento Populacional na região entre 1890 e 1906 p.68
Tabela 02: Aumento Populacional na região entre 1906 e 1920 p.68
Tabela 03: Aumento da Densidade demográfica entre 1906 e 1920 p 68.
Tabela 04: Aumento Populacional em Santa Teresa entre 1940 e 1950 p. 69.
Tabela 05: Aumento Populacional em Santa Teresa entre 1950 e 1960 p.70
Tabela 06: Principais atributos de Santa Teresa p.120
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS UTILIZADAS
ABIH: Associação Brasileira da Indústria de Hotéis
AMAST: Associação de Amigos e Moradores de Santa Teresa
APA: Área de Preservação Ambiental
APAC: Área de Preservação do Ambiente Cultural
CENTRAL: Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística
CTC: Companhia de Transportes Coletivos
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
REST: Rede Empresarial de Santa Teresa
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I: TURISMO E GLOBALIZAÇÃO: O CASO DO BAIRRO DE SANTA TERESA 1.1. Globalização e turismo em Santa Teresa 20
1.1.1 Globalização na cidade do Rio de Janeiro 28
1.2. O papel do marketing no processo de “comercialização” do espaço 30
1.3. A infra-estrutura para um turismo global 33
CAPÍTULO II: MEMÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL E ARQUITETÔNICO: ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE LOCAL 2.1. O patrimônio histórico-cultural: um processo em permanente construção 52
2.1.1. Um breve olhar sobre a história de Santa Teresa 62
2.1.2. O primeiro momento: a pós-Segunda Guerra Mundial 69
2.1.3. A visibilidade de um novo ator: a favela a partir da década de 1970 71
2.1.4. A história do bonde de Santa Teresa 72
2.1.5. O Hotel Santa Teresa: de um hotel de bairro á um hotel global 75
2.1.5.1. Da fundação em 1859 até os dias de hoje 75
2.2. A identidade local 76
CAPÍTULO III: CONFLITO EM TORNO DO DESENVOLVIMENTO: DO LOCAL AO GLOBAL EM SANTA TERESA 3.1. A arena de Santa Teresa a partir da década de 1990 86
3.2. O conflito 87
3.2.1. O conflito: as duas representações 87
3.2.2. Os agentes á favor deste modelo: a globalização em Santa Teresa 93
3.2.3. Os agentes contrários à globalização 97
3.2.4. A AMAST e a sua participação no conflito 98
3.2.5. As redes sociais como instrumento de mobilização social 105
3.2.6. O conflito e suas etapas 112
3.3. Uma alternativa de desenvolvimento sustentável: o caso da Agenda 21 de Santa
Teresa 114
3.3.1. A Agenda 21 Local de Santa Teresa 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS 124
Algumas conclusões preliminares 125
Algumas indicações para a continuação em pesquisa futura 126
REFERÊNCIAS 129
ANEXOS 136
9
INTRODUÇÃO
A presente dissertação se propôs a analisar os efeitos das políticas urbanas,
que incidem sobre o bairro de Santa Teresa, alterando o cotidiano do lugar, ao criar
uma esfera estranha aos moradores do bairro, direcionada ao turismo global.
A escolha deste objeto de trabalho é oriunda de duas razões: uma
associada ao interesse em refletir sobre um bairro como Santa Teresa com suas
características singulares que estimularam a realização deste trabalho e a segunda, de
ordem pessoal, de compreender o efeitos de um processo mais amplo sobre o cotidiano
de seus moradores.
A segunda razão consiste do resultado de minha experiência no Laboratório
Estado, Sociedade, Tecnologia e Espaço no Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional - IPPUR/Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
principalmente pela minha inserção em um eixo de pesquisa que analisa, ao lado de
diversos pesquisadores coordenados pela professora Tamara Egler, os efeitos das
políticas urbanas oriundas da globalização, através de inúmeros trabalhos
apresentados na autoria do Laboratório assim como da proposta do IPPUR que
consiste em compreender os diversos processos em desenvolvimento, em especial na
cidade do Rio de Janeiro.
Ela resulta, também, de uma longa e rica interlocução com a minha
orientadora e com outros pesquisadores do IPPUR associados à minha experiência
profissional possibilitando a construção desta análise e conseqüentemente, desta
dissertação.
Já a minha formação como sociólogo e minhas discussões em torno da
História incentivaram-me à investigar os fenômenos sociais em cursos no bairro e que
englobam desde o valor histórico do bairro até os efeitos da globalização no bairro.
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Merece destaque neste momento a contribuição da professora Ana Clara
Torres Ribeiro em dois aspectos: o auxílio do desvendamento do contexto encontrado
no bairro e principalmente, na forma de construir o pensamento e de como analisar os
processos sociais ao longo das disciplinas que cursei ao longo do mestrado.
O primeiro aspecto se deu através da enriquecedor evento destinado à
discutir para as nossas pesquisas do qual a professora foi uma destacada interlocutora
e que auxiliou enormemente para o alcance e sucesso desta pesquisa. Já o outro
aspecto foi o de valorizar a estruturação do pensamento através da análise da ação
social e o mais importante, o de compreensão das motivações e dos interesses dos
agentes na disputa nas relações societárias.
O valor histórico do bairro, associado ao fascínio do autor pela história –
especialmente do Rio de Janeiro – são razões que poderiam ser apontadas. No
decorrer da pesquisa sobre a organização social do mesmo, esta se mostrou
extremamente complexa e instigante, sobretudo nos enormes desafios para se criar
uma associação entre preservação dos laços cotidianos e desenvolvimento econômico.
A freqüência do autor ao local, tanto em festividades quanto durante diversos
trabalhos de campo, reforçaram enormemente o desejo de compreender melhor a
estrutura social do bairro, o qual poderia, de certa forma, ser ainda considerado como
um “microcosmo” da cidade do Rio de Janeiro como um todo, e deste modo, repleto
também de suas maravilhas e problemas.
O objeto de estudo corresponde aos efeitos de políticas urbanas globais em
Santa Teresa e seus efeitos sobre a organização coletiva de seus moradores. Logo, os
objetivos da pesquisa consistiu de analisar estas políticas urbanas globais, seus
impactos sobre o bairro e as estratégias de organização de seus moradores.
A metodologia consistiu de um posicionamento em relação ao objeto de
estudo, buscando a compreensão de seu processo de formação, destacando-se ainda,
durante o decorrer da pesquisa, que houve uma intensa imersão no cotidiano dos
moradores do bairro. A primeira parte consistiu de decupar o objeto de estudo e
11
posteriormente análise de seus elementos constituintes para buscando delimitar o
próprio objeto.
O segundo passo partiu de uma contextualização do próprio objeto ao
considerá-la como fruto da existência de seus moradores e resultado de tempos
pretéritos encarnados em práticas sociais, uma identidade coletiva e um patrimônio
comum, que só fora percebida através de uma imersão no cotidiano local.
Cabe destacar também que a metodologia utilizada nesta pesquisa fora
construída pela professora Tamara Egler, sendo imprescindível para a otimização da
pesquisa e, conseqüentemente, de seus resultados, possibilitando uma análise ao
mesmo tempo, profunda e com uma considerável extensão do fenômeno à ser
analisado.
No entanto, a metodologia baseou-se em um trabalho de campo intenso
complementado por questionários de cunho qualitativos para os diversos agentes
existentes no bairro, o que possibilitou visualizar de uma forma mais ampla os
processos em curso no bairro a afetar todos os diversos grupos envolvidos na ação.
Estes questionários foram aplicados em dois grupos de atores: a Associação
de Amigos e Moradores de Santa Teresa - AMAST e o Portas Abertas e para hotéis e
restaurantes, em um total de sete entrevistas. Elas permitiram compreender melhor os
discursos e os interesses envolvidos em ambos os lados, nos fornecendo informações
preciosas que apenas o trabalho de campo poderia nos contribuir, como nos casos das
redes de capitais que investem no bairro (encobertas por meras pessoas), os diversos
tipos de capital e a busca pelo charme do bairro, pelos responsáveis pelos hotéis e
seus clientes.
Os modelos dos questionários seguem nos Anexo D tendo dois enfoques.
Em se tratando do primeiro grupo, focam na ação destes agentes na busca por uma
maior preservação do patrimônio do bairro, principalmente em suas estratégias de
articulação. Já os questionários aplicados ao outro grupo, se propõem a perceber quais
12
são os objetivos deste agentes ao se instalar no bairro e quais seriam as
conseqüências destes investimentos para o bairro como um todo.
A problemática da dissertação girou em torno da análise de uma política
urbana específica, a (re) construção do antigo Hotel Santa Teresa que fora comprado
pela rede de hotéis de luxo francesa Exclusive, o que significou um marco na tentativa
de desenvolver o bairro através da adoção de um modelo de turismo global. Ao se
examinar mais detalhadamente o bairro, percebeu-se a presença de outras políticas
urbanas na área de turismo, oriundas tanto do setor público quanto do privado, permitiu
entender a existência de uma gama de interesses direcionados a fim de transformar o
bairro em um pólo de turismo global.
Logo, a pesquisa consistiu em uma análise interdisciplinar envolvendo o
campo da Sociologia, da História, da Economia e da Geografia conferindo ao trabalho
um alcance mais amplo que permitisse compreender mais profundamente os diversos
aspectos desta problemática e que acabou por funcionar como estimulador da
capacidade analítica do autor.
A estruturação deste trabalho atentou para três questões centrais: a que
envolve o conflito em torno de projetos de desenvolvimento; o patrimônio existente no
bairro; e também a identidade local e as políticas direcionadas para o turismo.
O primeiro resulta da percepção de uma intensa luta em torno de qual
modelo de desenvolvimento seria o mais adequado para atender às especificidades de
um bairro como Santa Teresa, possuidor de um rico patrimônio histórico, cultural e
arquitetônico e de um ambiente extremamente propício à efervescência artística e um
estímulo às relações de vizinhança, notado através de uma série de instrumentos tais
como pesquisa bibliográfica, pesquisa na internet, pesquisa documental, trabalho de
campo e entrevistas.
A utilização destes instrumentos atendeu à necessidade de entendimento
das diversas questões que foram apresentadas tanto no início quanto no decorrer da
pesquisa, como o mapeamento das atividades turísticas do bairro com o propósito de
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perceber a clara intenção de transformar o bairro em um pólo turístico e a disputa em
torno da (re)construção do Hotel Santa Teresa através da análise de seu projeto e as
conseqüências dessa (re)forma no que se refere à preservação de seu antigo casario.
Já a questão seguinte analisa o patrimônio histórico, cultural e arquitetônico
onde se utilizou de uma pesquisa bibliográfica em dissertações e teses que versaram
sobre o tema Santa Teresa em suas diversas dimensões, assim como de materiais
produzidos por órgãos públicos como a Secretária Municipal de Cultura que forneceram
elementos importantes para se compreender como o processo histórico (con)formou a
construção do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico no bairro. Já o trabalho de
campo possibilitou mapear o patrimônio histórico e arquitetônico ao se realizar visitas e
caminhadas pelas ruas e ladeiras do bairro.
A percepção da identidade local só foi possível graças ao intenso trabalho de
campo, seja ele em forma de entrevistas, conversas formais e informais, assim como à
participação em eventos no bairro como o “Santa Teresa de Portas Abertas”, “Semana
cultural em Santa” e o Carnaval, que possibilitou uma considerável noção desta
identidade que auxilia de uma forma crucial na singularização do bairro como objeto de
estudo.
E a última questão explora a ação das políticas urbanas que estimulam o
processo de turistificação do bairro e que promovem um intensa oposição entre os
diversos grupos sociais que habitam ali e que refletem principalmente nas práticas
cotidianas existentes naquele contexto social. Este processo foi notado através de um
trabalho de campo, entrevistas com hotéis e na convivência no local que resultou em
uma delimitação dos processos em andamento em Santa Teresa.
Os objetivos do trabalho são: o de compreender o conflito social em torno
dos modelos de desenvolvimento para Santa Teresa a partir de dois grupos
antagônicos: os que defendem o turismo global e o que são contrários a ele e analisar
as estratégias de resistência social encontrada no bairro.
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Já os agentes são os empresários ligados ao turismo, os setores públicos
ligados ao turismo e as classes médias “modernizadas” como defensores do primeiro
modelo; e a AMAST(Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa) , a rede
social Portas Abertas e as classes média tradicionais como incentivadoras do segundo
modelo.
As principais questões analisadas no decorrer da dissertação foram os
projetos de desenvolvimento e a resistência social. Os modelos de desenvolvimento
são dois: um que é direcionados ao turismo global como o Plano Estratégico da cidade
e outros, voltados para o suporte do turismo como é o caso de restaurantes e lojas de
atendimento aos turistas, assim como a oferta de qualificação de mão de obra
principalmente para moradores de comunidades carentes.
Estas três questões nortearam o primeiro capítulo, pois ele foi pensado
visando a compreensão do processo de globalização sobre o bairro de Santa Teresa
como conseqüência da necessidade de se gerar estratégias de desenvolvimento
econômico exemplificado através de empresários ligados a alguns setores do comércio
como restaurantes, hotéis e lojas de “souvenirs”, aliado a setores da administração
pública como a Secretária Municipal de Turismo, a Secretaria Estadual de Turismo e a
própria Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, através de campanhas publicitárias e de
outras estratégias como o Plano Estratégico da Cidade que incentivam o turismo,
principalmente o global, a investir no bairro como forma de superar o impasse
envolvendo a questão do desenvolvimento de Santa Teresa.
Ao se pensar em um modelo de desenvolvimento baseado no turismo, é de
crucial relevância se considerar os atrativos do lugar, pois é a partir deles que um
determinado local se torna atraente para receber investimentos e turistas globais. No
caso de Santa Teresa, o seu grande atrativo é o seu isolamento geográfico, por se
localizar em um conjunto de morros gerando duas importantes características do bairro:
o seu rico patrimônio histórico, cultural e arquitetônico e o seu “modo de vida”, por esta
expressão se entende um ambiente de tranqüilidade e “calmaria”, o que em parte é
verdadeiro, entretanto notou-se ser uma representação social que será exposta na
apresentação do terceiro capítulo.
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Já a segunda problemática foi a de investigar a problemática do patrimônio
histórico, cultural e arquitetônico, e a relação deste com a memória coletiva e as suas
conseqüências para a definição da identidade local. Para tanto, se utilizou o patrimônio
para se pensar como a sua delimitação pode ser inserida em uma lógica que obedece a
uma mercantilização do que pode ou não ser “comercializado” apontando para um
conjunto de questões mais complexas de como as diferenças sociais influenciaram a
delimitação do que é patrimônio.
Para compreender o papel do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico do
bairro, examinou-se a história do bairro de Santa Teresa, a história do bonde, uma das
principais marcas do bairro, assim como o Hotel Santa Teresa, que é o mais antigo em
funcionamento, e que também terá a sua história retratada, acabando por funcionar
como um instrumento delimitador dos principais elementos que constituem o patrimônio
de Santa Teresa.
Também foi analisado a identidade local do bairro, que também é uma de
suas principais características, e que auxilia na tarefa de percepção dos impactos dos
projetos de desenvolvimento do local a partir do turismo global. Para se entender o
processo de formação desta identidade utiliza-se categorias importantes neste
conjunto de relações societárias como, por exemplo: o bairro, a pertença e a
comunidade.
E a terceira problemática aqui abordada é a do conflito em torno do modelo
de desenvolvimento a ser adotado em Santa Teresa, onde se destacam duas partes:
um modelo associado ao turismo global e o outro, que gira em torno de uma utilização
que respeite e beneficie prioritariamente a população local. Conseqüentemente,
diversos atores e agentes se dividiram em torno destes modelos, onde o primeiro é
representado pelos donos dos hotéis, pela associação comercial do bairro, por órgãos
públicos responsáveis pelo turismo nos âmbitos municipal e estadual, setores da classe
média e alta e as comunidades carentes de Santa Teresa. Já o outro modelo é
defendido por outros setores da classe média e alta mais tradicional no bairro, a
AMAST e as redes sociais Santa Teresa de Portas Abertas e aquela rede estruturada
em torno da AMAST.
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A partir da percepção deste conflito, traçou-se uma série de objetivos à
serem alcançados como uma análise do conflito propriamente dito através de uma
breve contextualização de sua história – desde a (re)construção do Hotel Santa Teresa
pelo Grupo Exclusive/ Luminar –, suscitando uma intensa discussão envolvendo os
modelos de desenvolvimento para o bairro.
Serão analisados então os diversos agentes envolvidos neste conflito em
seus respectivos grupos formados com um destaque maior para a ação da AMAST em
seu papel de resistência frente ao modelo de turismo global assim como a sua atuação
na internet através de seu próprio site e de sua comunidade no site de relacionamentos
Orkut que em conjunto articulam duas redes que auxiliam na articulação de diversos
atores envolvidos no conflito.
Outra rede social que auxiliará enormemente na tarefa de preservar e utilizar
uma forma respeitadora das características típicas do bairro, é a rede “Santa Teresa de
Portas Abertas”, cuja maior expressão é o evento realizado com o propósito de divulgar
a intensa produção artística do bairro.
Como resultado deste conflito, se percebe a necessidade de se pensar um
modelo de turismo que respeite as principais características de Santa Teresa como o
patrimônio do bairro e as suas estreitas ruas – que sugerem um clima de calmaria. Lá
se encontra a opção da Agenda 21, que além de abordar diversos aspectos em
diferentes dimensões do bairro, propõem algumas medidas para se alcançar um
desenvolvimento sustentável através da redução das desigualdades sociais que afetam
o local e que repercutem negativamente na estrutura social do bairro.
A Agenda 21, como um todo, oferece uma alternativa possível de ser
adotada, mas que não esgota a necessidade de se pensar modelos de
desenvolvimento que incorporem os diversos segmentos sociais do bairro.
Como considerações finais desta dissertação, podemos apontar para
algumas questões como as que envolvem desde a alternativa do turismo global aos
seus efeitos sobre o patrimônio histórico, cultural e arquitetônico e da identidade local
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presente ali, assim como o conflito social em torno da adoção ou não do modelo de
desenvolvimento baseado no turismo global.
É possível destacar o impacto produzido pela reforma do Hotel que suscitou
um intenso debate em torno do modelo do turismo global que, guardada as devidas
proporções, suscitou algumas questões que poderiam ser utilizadas para a cidade do
Rio de Janeiro como um todo: com relação ao modelo em voga (o de global cities) e
com relação à algumas conseqüências para a cidade, como o reforço das
desigualdades sócio-territoriais.
Já a utilização do patrimônio cultural incentivou o questionamento das atuais
políticas de preservação patrimonial assim como as forma de aproveitamento deste
patrimônio, além da discussão envolvendo o que preservar, permitindo a abertura de
um canal que possa criar uma polifonia, ou seja, dar voz aos que tradicionalmente não
as tem.
E para encerrar, a criação de uma arena, como é o caso do espaço público,
passível de ser utilizado como uma ferramenta de emancipação, vindo a funcionar
como um elemento para se reduzir as disparidades sócio-espaciais existentes em Santa
Teresa.
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CAPÍTULO I GLOBALIZAÇÃO E TURISMO:
O CASO DO BAIRRO DE SANTA TERESA
Este capítulo se propõe a analisar os efeitos de uma política urbana global,
voltada para o turismo, sobre o bairro de Santa Teresa, a partir do caso da
(re)construção do tradicional Hotel Santa Teresa (que até então era conhecido como o
“hotel dos descasados”, devido à presença ali de um grande número de hóspedes
separados e/ ou sozinhos) pelo grupo francês Exclusive/Luminar. A chegada deste
empreendimento imobiliário suscitou um olhar mais apurado sobre Santa Teresa de
forma mais ampla, destacando seu patrimônio histórico, cultural e arquitetônico de valor
inestimável e como pode se dar a apropriação deste bairro por diversas frações do
capital.
Antes de analisarmos o impacto que esta política suscitou no contexto do
bairro, é necessário retomar o período anterior a esta política, que se caracterizou por
certo abandono do bairro pelo poder público e pela ação dos agentes privados. Este
panorama só foi modificado, a partir do início desta década, com a instalação de
algumas pequenas pousadas e hospedagens no formato cama e café que, em certa
medida, caracterizou o bairro ao longo de sua história. Alguns exemplos destes
pequenos empreendimentos encontram-se no Solar de Santa e nos pioneiros do “Cama
e café”.
A Prefeitura, a partir da gestão César Maia, passou a se empenhar
arduamente na tarefa de transformar a cidade do Rio de Janeiro em uma “cidade
19
global”, através de diversas políticas urbanas que reforçam a cidade como um pólo de
turismo e lazer que incentive a instalação de capitais globais. (EGLER, 2005, 2006,
2007).
Além da ação direta do Estado, a Prefeitura tem estimulado a ação de
agentes privados de grande porte, principalmente através do Plano Estratégico,
intervindo no espaço e sugerindo instrumentos urbanísticos visando promover
desenvolvimento para algumas localidades, o que favorece investimentos de capitais de
diversos portes.
Este primeiro capítulo pretende analisar o processo de globalização
econômica através da figura do turismo sobre o bairro e seus efeitos sobre a estrutura
social local. Os principais caminhos a serem explorados são o turismo como um
instrumento capaz de gerar desenvolvimento econômico e as relações do turismo com
as suas principais ferramentas, como o marketing urbano e as representações sociais
urbanas.
A metodologia empregada neste capítulo consistirá no emprego de conceitos
e categorias de diversos autores – entre eles Henri Lefebvre (1991), Zygmunt Bauman
(1998), Verônica Filardo (2004) e Fernanda Sanchéz (2001, 2003) – e na análise das
estruturas das instalações hoteleiras, a partir de informações coletadas em sites da
internet e de revistas e jornais, além de trabalho de campo no bairro visando
compreender as representações sociais existentes no bairro.
O primeiro item aborda os aspectos da globalização econômica em sua face
turística, ou seja, como a globalização através do turismo influenciará o bairro. Neste
sentido, a abordagem teórica a ser utilizada tem as contribuições de Verônica Filardo
(2004) em suas reflexões sobre as relações entre o turismo e a globalização, e Zygmunt
Bauman (1999, 2003) e a análise que este esboça sobre a mobilidade social e suas
relações com o turismo.
Já a segunda parte do item se propõe a discutir as representações sociais
como “imagens urbanas” a serem utilizadas como uma forma de difusão e
20
mercantilização do espaço pelo turismo a partir das considerações de Henri Lefebvre
(1991), principalmente no que se refere à formulação destas representações sociais, e
a contribuição de Fernanda Sanchéz (2001, 2003) no que se refere à mercantilização
da chamada “imagem urbana” como instrumento de marketing das cidades.
1.1 GLOBALIZAÇÃO E TURISMO EM SANTA TERESA
A globalização em Santa Teresa se apresentou através de políticas urbanas
incentivadoras do turismo, que imprimiram um novo modelo de desenvolvimento a
localidade. Em conseqüência, tornou-se possível delimitar um conjunto de questões
que formavam ampla gama de temáticas que envolvem, desde as políticas globais
direcionadas para o turismo de luxo no bairro, quanto as diversas representações
existentes no bairro. Assim, percebeu-se que, com a instalação do hotel no bairro,
presenciou-se um projeto mais amplo de transformar Santa Teresa em um bairro
repleto de hotéis e pousadas, prontos a receber um tipo de turista que busca
“novidades” em sua hospedagem (BAUMAN, 1999; EGLER, 2005). Para uma melhor
compreensão, torna-se necessário apontar para a importância das políticas urbanas no
decorrer deste processo como forma de se alcançar tal objetivo.
Ao se considerar estes três aspectos, não se poderia deixar de fora uma
breve reflexão sobre os impactos de tal modelo de desenvolvimento, adotado a partir de
uma ótica global, e seus efeitos através do turismo. As conseqüências ocasionadas
pela adoção do turismo como principal instrumento fomentador de desenvolvimento
econômico são várias. A principal delas é a segregação sofrida pela comunidade local
especialmente aquelas pessoas que não conseguem adentrar ao circuito produtivo do
turismo, como os segmentos mais carentes da região.
A seleção de alguns espaços turísticos enclávicos, na figura de hotéis de
luxo, desenhados para regular seus habitantes através do controle de sua circulação
gera uma acentuada segregação causando concomitantemente uma intensa violência
simbólica que se materializa na forma em que as sociedades locais processam as
21
transformações que são produzidas como conseqüência da afluência massiva de
turistas e o mais importante, como o vínculo transitório gerado pelo turismo globalizado
afeta as identidades locais.
A ordem social será reforçada pela acentuação das desigualdades sociais a
nível local devido aos efeitos da política para as comunidades locais serão mínimos,
pois os investimentos turísticos em sua maioria empregam um número reduzido de
pessoas e outra conseqüência presente na ordem social é a criação dos já citados
“enclaves globais” que são instalações turísticas de alto luxo voltadas para o turista
global com um elevado poder aquisitivo – o que colabora também para um isolamento
simbólico do mesmo, frente à esfera local e a seus moradores.
Um olhar preliminar sobre o bairro forneceu indícios para se poder afirmar
que existe um movimento intencionando alterar o perfil do bairro, transformando o bairro
em um pólo turístico de luxo voltado principalmente para turistas estrangeiros que
buscam as novidades1 presentes em diversas localidades e impulsionadas pela nova
conjuntura oferecida pela globalização. O turismo denominado de global acompanha
estas mudanças econômicas a nível mundial, especialmente no bojo do processo de
globalização econômica que aponta para os caminhos a serem seguidos neste item.
Primeiro, uma análise do papel do turismo associado à globalização como
política visando alcançar o desenvolvimento econômico e que, no caso de Santa
Teresa, torna-se um instrumento de revitalização urbana de impactos vários. Segundo,
os efeitos de tais impactos sobre a estrutura de poder no bairro, principalmente porque
ela se baseia em uma forte segregação sócio-territorial lá existente, envolvendo as
classes média e alta, de um lado, e as comunidades carentes (representadas pelas
treze favelas lá existentes) de outro ao se considerar apenas o contexto dos atores
locais..
1 Elas são o grande motivador das viagens e do turismo como um todo, uma busca por novas experiências que possa retirar do marasmo da vida cotidiana dos componentes das elites globais. (BAUMAN,1999)
22
Uma reflexão sobre o turismo implica em se considerar inicialmente o lugar, a
sua relação dentro da relação local/ global e o papel do turismo como instrumento
potencializador de desenvolvimento local. A valorização do lugar como um espaço
fornecedor de novas emoções e sensações que normalmente não se encontra nos
locais de origem do turista e que o motiva ao turismo. Ela se complementa com o
estabelecimento de uma tentativa de valorizar seus atrativos, sejam eles patrimônio
material ou imaterial2, pois o lugar neste contexto é o principal ponto de referência para
adoção de estratégias de desenvolvimento.
A busca por estes novos lugares implica na consideração de uma nova
relação no decorrer deste estudo, que é a de envolver a população local e os turistas,
tese esta ratificada por Filardo (2004, p.14). Ela sugere uma relação de enfretamento
sistemático devido ao contato com os “outros” e, em menor grau, o valor que o território
construído possui para os seus habitantes.
Esta relação possui, no entanto, uma profundidade maior como ao apontar
para a construção de atores sociais locais que incentivem o incremento do fluxo de
turistas através principalmente do marketing territorial, dos imaginários urbanos e de
outros fatores de atração. Ao se debruçar sobre as políticas de divulgação do bairro
voltadas para as pessoas externas a este, vê-se que destacam sempre suas
características mais acolhedoras, como a tranqüilidade, a oportunidade de se conhecer
um breve retrato de um “Rio de Janeiro pretérito” e a proximidade da maioria dos
principais pontos turísticos da cidade. Deste modo, se acaba por estimular o local a ser
um pólo de desenvolvimento baseado no turismo global.
Conseqüentemente, o lugar ganha um ar exótico onde “a cena que os
visitantes consomem é composta por um caleidoscópio de experiências e espaços
orientados para o trabalho, consumo, ócio e entretenimento”.(JUDD, 2003, p.57). Esta
afirmação é reforçada através da fala de Vera Guimarães (GUIMARÃES, 2007) que, ao
apontar para a efemeridade do turista como um elemento crucial na preocupação de se
2 Entende-se como patrimônio imaterial o conjunto de atributos de cunho simbólico que conferem a uma determinada localidade um certo valor reconhecido socialmente.
23
analisar o turismo contemporâneo, pois que o ato de viajar não se resume a uma
relação chegada/destino mais sim a uma complexa relação que envolve desde a
hospedagem até a produção de performances criadas para singularizar um
determinado destino.
Logo o turista adquire uma imagem gerada como fruto de um constructo
formado por símbolos que excluem o que não deve ser visto, como a pobreza, por
exemplo. No entanto, o lugar não se destaca apenas por este aspecto, mas também
pela importância adquirida no contexto de uma relação intra-escalar entre o local e o
global que atua de uma forma intensiva no que se refere às formas de governança
urbana e, inclusive, sobre as estratégias de desenvolvimento, onde se destaca o
desenvolvimento local “propagandeado” a partir da segunda metade dos anos 1990.
Ao se considerar esta importante relação como um valoroso caminho para se
desvendar a complexidade dos fenômenos sociais que ocorrem em Santa Teresa
apresenta-se o impacto do turismo como fruto da relação local / global. Ele se dá
através do turismo local que é enfatizado pelo potencial turístico apresentado, no caso
de Santa Teresa, a partir da constatação de uma relação entre os signos que são
tendências no turismo global associados aos atores locais que, a vista da comunidade
local, são objeto de privilégio por serem escolhidos como destino deste turista em busca
de diversidade.
Em decorrência deste fato, tem se constatado que as esferas local e
municipal resolveram investir maciçamente em políticas que o almejam, devido aos
impactos territoriais gerados pelo turismo, e que acabam por constituir literalmente o
que se denominou de “territórios turísticos”. Estes se inserem no âmbito de políticas
globais que geram “produtos globais”, ou seja: elementos da escala global que ao se
apropriarem de características locais como o sentido que o lugar tem em seu próprio
contexto e de sua própria trama de significados em prol de um “consumo que é
uniforme, de gente que codifica produtos e mensagens no marco de sua cultura local,
suas condições de vida e de sua relação com seu capital simbólico”.(FILARDO, 2004,
p.27).
24
Esta discussão remete à questão que gira em torno de como a comunidade
local incorpora estes novos elementos na figura de “produtos globais”. No entanto, esta
questão será mais detalhadamente analisada somente mais a frete, no decorrer do
terceiro capítulo.
O terceiro aspecto aqui abordado, aquele que se refere ao turismo como
fonte de desenvolvimento, constata-se como um fenômeno de ordem global resultado
da utilização de uma
estratégia do turismo como impulsor de desenvolvimento e crescimento econômico praticamente para qualquer região se constitui em um lugar comum posto que este tipo de atividade [onde] se admite menores restrições, como aposta de desenvolvimento regional e local assim como a vinculação com outras atividades econômicas. (FILARDO, 2004, p.13)
Cabe então refletir sobre o papel do turismo como indutor de
desenvolvimento como é agora exaltado, principalmente nas duas últimas décadas. Isto
foi percebido, ao se observar algumas experiências – principalmente no que se refere
ao turismo global, através de seus resorts de alto luxo – é que o turismo, se predatório,
acaba tendo, como principal resultado de sua implementação, a desestruturação
econômica das comunidades locais. Deste modo, ao se pensar o caso do turismo
adotado em um bairro como Santa Teresa, os indícios obtidos apontam para resultados
não tão diferentes daquele adotado nos modelos dos grandes resorts
(BAUMANN,1999; EGLER,2005)
Ao se considerar estes três aspectos mencionados, não se poderia deixar de
fora uma breve reflexão sobre os impactos deste modelo de desenvolvimento adotado
(a partir de uma ótica global) e seus efeitos. As conseqüências ocasionadas pela
adoção do turismo como principal instrumento fomentador de desenvolvimento
econômico são várias. A principal delas é a segregação sofrida pela comunidade local
especialmente aquelas pessoas que não conseguem adentrar ao circuito produtivo do
turismo (os segmentos mais carentes da região onde as atividades turísticas são
realizadas).
25
Um primeiro olhar sobre os efeitos do fluxo originado pelo turismo sobre a
comunidade local, que resulta em conseqüências mais extensas, se evidencia através
dos usos do território pelos seus habitantes, assim como o acesso a espaços públicos e
sua posterior reconfiguração e resignificação que são empregados como “objetos de
turismo”.
Logo se confirma um incremento da desigualdade através da presença da
exigência de competências necessárias para a reprodução das atividades turísticas o
que exclui uma parcela considerável da população residente. Esta desigualdade
caracteriza uma nova cidade composta principalmente de um conjunto de “arquipélagos
e enclaves” onde os visitantes são constantemente vigiados e controlados pelo turismo
urbano.
O papel do turismo é reforçado naqueles casos em que em uma determinada
cidade se encontram “espaços privilegiados quanto à concentração de atrações,
serviços, simbolismos e produções culturais” (CASTROGIOVANNI, 2000) e alcança
uma enorme valorização, chegando ao ponto de, em algumas cidades, ela se tornar o
principal eixo da economia.
Ao se associar o poderio econômico do turismo ao inebriante processo de
globalização em curso, se produziu um incremento considerável no que se refere à
atividade turística, através de um dos mais significativos modelos de turismo3: o que
valoriza representações dos lugares padronizados como “verdadeiros espaços globais”,
que possuem como seus principais símbolos as grandes redes de hotéis e seus
ambientes padronizados, que pretende mostrar o mesmo hotel em diversas partes do
mundo.
Desta forma, o turismo se adequou a esta nova realidade apresentada pelo
processo de globalização. Adotando esse caminho, o turismo se converte
definitivamente em um importante setor da economia no atual contexto da globalização
e contribui enormemente no propósito de aumentar a exclusão social através da 3 O modelo de turismo global é um dos mais utilizados no turismo principalmente a partir dos anos 1980 como afirma BAUMAN, 1999.
26
utilização das políticas urbanas globais, que atuam ao selecionar “fragmentos locais
que são os que transformam em objeto de políticas, portos, aeroportos, sistemas de
hotéis, lugares com patrimônio cultural” (EGLER, 2005, p.2).
Há a associação de características locais com outras globais, ou seja, um
amálgama entre um capital territorial4 e um capital global, que objetiva criar um
ambiente propício ao usufruto das elites globais (BAUMAN,1999). Entretanto, a
presença no bairro de uma infra-estrutura voltada para o turismo, principalmente o
turismo internacional, na figura de uma rede de pousadas, restaurantes e hotéis, de um
perfil distinto daquele encontrado no restante da zona sul e da cidade, singulariza o
bairro e se torna um local atrativo para investimentos de capitais globais.
Sobre este tema, Egler (2005) afirma que as políticas urbanas de cunho
global pretendem criar espaços locais como se fossem “fragmentos urbanos” que se
articulam e originam um novo espaço com características globais em âmbito local, e
que resultaram, no caso de Santa Teresa, na formação de “enclaves globais” que não
guardam nenhuma ligação mais íntima com o local, apenas proximidade física.
Estas políticas urbanas globais são instauradas através de uma ampla gama
de investimentos seja ele de ordem econômica, social e especialmente, simbólica. No
caso do bairro de Santa Teresa, a esfera econômica se explica através do fato da
política funcionar como um estimulador para o desenvolvimento econômico que, como
demonstraremos mais à frente, se dará de uma forma bem desigual favorecendo a
muitos poucos.
As políticas globais são implementadas em conjunto com as representações
sociais construídas com uma forma de facilitar a sua própria implementação, pois
segundo Egler (2005), elas produzem discursos que impulsionam a transformação do
espaço e de sua percepção assim como auxiliam na tarefa de fortalecer o prestígio das
elites globais. Como resultado deste processo, releva-se duas representações sociais:
uma que retrata o bairro em seus aspectos bucólicos onde é possível viver em um
4 Cf. Caravaca, Gonzàlez, Silva, e Mendonza (2005).
27
bairro típico do Rio Antigo onde as pessoas ainda podem usufruir de paz e
tranqüilidade, ao mesmo tempo, estando a poucos minutos do centro financeiro da
cidade, onde ela é compartilhada pelo forasteiro comum, seja ele morador de outras
regiões – como este pesquisador – ou de outras cidades ou mesmo, principalmente, de
outros países. Já a outra representação é a formulada pelos moradores que, ao viver a
sua cotidianidade, possuem outra percepção do bairro, como um bairro com problemas
comuns a todas as grandes cidades do mundo, como violência urbana, forte
desigualdade social, degradação de seu patrimônio e estagnação econômica5.
Então, os itens a serem aqui discutidos tratarão dos impactos do turismo
sobre o bairro de Santa Teresa, uma descrição e análise das instalações turísticas e
suas relações com as representações sociais lá existentes.
É possível destacar também que tanto pousadas quanto hotéis são
direcionados para o turista internacional, principalmente aquele turista que busca o
charme de Santa Teresa. Os bares e restaurantes são também, em sua maioria,
voltados a atender este grupo de turistas, como o alto preço dos serviços oferecidos
nestes estabelecimentos demonstra.
Buscando implementar este modelo foram geradas algumas políticas
urbanas como: a (re)construção do Hotel Santa Teresa/Exclusive; a criação do Pólo
Gastronômico de Santa Teresa e as campanhas de incentivo ao turismo em Santa
Teresa. A primeira se constituirá em um marco na compreensão deste propósito de
transformar Santa Teresa em um pólo turístico de alto luxo, exercendo o papel de
principal chamariz deste processo.
Já a segunda política se constitui em um incentivo à formação de uma infra-
estrutura que pudesse oferecer melhores condições de uso do produto a ser consumido
5 Essa idéia de “estagnação econômica”, aqui colocada, foi recuperada do discurso de alguns moradores do bairro e se mostrou presente na representação criada e vivenciada pela maioria dos moradores do bairro. O intento com a utilização desse termo foi dualizar as duas “representações” e com isso perceber grupos em disputa no espaço social do bairro.
28
como é o caso da “imagem” do bairro. O decreto municipal n° 26199, de 27 de Janeiro
de 20066, afirma que
Art. 1.º - Fica criado o Pólo Gastronômico, Cultural e Turístico de Santa Teresa, compreendendo a área formada pelos seguintes trechos: partindo da estação de bondes da Carioca, subindo pela Rua Joaquim Murtinho, em direção ao Largo do Curvelo e ruas no entorno (Dias de Barros e Murtinho Nobre), seguindo pela Rua Almirante Alexandrino até o Largo dos Guimarães e ruas no entorno (Carlos Brant, Ladeira do Castro, Ladeira dos Meirelles, Triunfo), onde se encontra um polígono formado pelas ruas Aprazível, Aarão Reis, Paschoal Carlos Magno e Almirante Alexandrino (que compreende ainda as ruas Monte Alegre, áurea, Laurinda Santos Lobo, Teresina, Felício dos Santos e Constante Jardim), de onde se segue em direção ao Largo do França e, por fim, às Paineiras.
Pode-se dizer que este foi resultado da intensa concentração de bares e
restaurantes no bairro, vindo ainda agora a funcionar como um elemento complementar
na estrutura de turismo global no bairro.
1.1.1. Globalização na cidade do Rio de Janeiro
A partir das quatro últimas décadas, a cidade do Rio de Janeiro tem sofrido
uma crise de desenvolvimento, fruto de uma série de fatores, que vão desde a
transferência da capital federal para Brasília em 1960, até a escolha do modelo de
cidade para o Rio de Janeiro que gerou uma crise na cidade que refletiu nas décadas
seguintes em uma estagnação econômica.
Com a chegada dos anos 1990, a cidade – assim como o resto do mundo –
passou a sofrer mais intensamente o processo de globalização econômica e seus
efeitos sobre o território e a utilização do espaço como estratégia para se obter
6 O decreto em sua totalidade pode ser conferido no Anexo I, disponível ao fim da presente dissertação.
29
desenvolvimento econômico. O grande marco deste processo foi a reformulação da
cidade de Barcelona para receber os Jogos Olímpicos em 1992, que conseguiu algum
êxito em um primeiro momento. Em conseqüência disto, este modelo passou a ser
desejado por diversas cidades do mundo, inclusive a cidade do Rio de Janeiro sobre a
liderança do prefeito César Maia em seu primeiro mandato (1992-1996).
Deste momento em diante, a Prefeitura – auxiliada por diversos órgãos de
outras esferas do governo, tanto estadual quanto federal – decidiu transformar a cidade
em uma “cidade global”, como Saskia Sassen (2001) já tornava claro, principalmente
através da tentativa de transformar a cidade em um pólo esportivo e cultural. A primeira
tentativa se deu com o projeto de instalação do Museu Gugenheim na zona portuária do
Rio de Janeiro, que já demonstra uma sinergia entre esta proposta de revitalização
urbana com o “modelo Barcelona”, já que o escritório de arquitetura responsável pelo
projeto em Barcelona foi o mesmo do projeto do Museu Gugenheim no Rio de Janeiro.
A instalação do museu foi impedida pela ação da opinião pública e pela resistência
social dos seus moradores (EGLER, 2005). Outra tentativa foi a candidatura da Cidade
para sediar os Jogos Olímpicos de 2004, com a qual se realizou uma intensa campanha
de exaltação das vantagens que a cidade possuía para se tornar sede dos Jogos
Olímpicos. (EGLER, 2006)
Entretanto, devido às dificuldades – como carência de um sistema de
transporte público eficiente, número suficiente de vagas no sistema hoteleiro e
problemas de infra-estrutura ineficiente de equipamentos esportivos (como estádios,
ginásios e locais de competições), a candidatura fracassou.
Com a chegada da primeira década do século XXI, as atenções da Prefeitura
se voltaram para a candidatura aos Jogos Pan-americanos de 2007, para a qual foi
vitoriosa. O evento foi realizado em Julho de 2007, tendo conseguido construir um
imenso “consenso” em torno deste projeto global, que resultou em um conjunto de
processos de mobilização popular – como já assinalara Egler (2007) – e que reafirmou
a dedicação da Prefeitura da cidade de tornar o Rio de Janeiro uma “cidade global”
voltada para atender as elites globais, sejam elas ligadas ao esporte ou ao turismo,
buscadoras de um sentimento de “bem estar” decorrentes de sua participação no
30
mundo global e do incremento da mobilidade dentro da rede de cidades-globais. Como
afirma Egler (2007), a venda dos imóveis onde se hospedaram os integrantes das
comitivas dos países que disputaram os Jogos Pan-americanos por um valor bem
acima da faixa de mercado em relação a outros empreendimentos similares na cidade,
assim como sua rápida vendagem, ocorrida em poucos dias, são fortes indícios que o
ratificam.
Este fato se explica principalmente por um enorme aparato construído pelas
empresas responsáveis pelo marketing dos Jogos associados à ação de diversos
órgãos das três esferas da administração pública envolvidas no evento. No entanto, ao
se refletir sobre que áreas as corporações globais selecionam para receber os seus
investimentos é necessário recorrer ao pensamento de Milton Santos que aponta para
as “produtividades espaciais”7 que acabam por funcionar como um elemento
potencializador de uma produtividade inerente a determinado local, o que de certa
forma justificaria a exclusão ou inclusão de um certo lugar, pois as distintas
“produtividades espaciais” determinariam participações diferentes no processo de
globalização, como se percebe, por exemplo, na escolha de Santa Teresa e não Santa
Cruz na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, para ser objeto da globalização – pois
embora ambos possuam um “tempo histórico” semelhante, o primeiro data do século
XVII e o segundo do século XVI, mas tendo participações bem destoantes no processo
de globalização.
1.2. O PAPEL DO MARKETING NA PROPOSTA DE “COMERCIALIZAÇÃO” DO ESPAÇO
O marketing urbano possui um papel extremamente relevante na tarefa de
“comercializar” o espaço como forma de estimular o desenvolvimento econômico da 7
Cf. SANTOS; Milton. “O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise”. In: Cadernos IPPUR, ano XIII, n.2, ago-dez. 1999, p.15-26.
31
região (RIBEIRO, 2003 e SANCHEZ,2003). No caso de Santa Teresa, o espaço é
encarado como uma “imagem” a ser vendida através de diversas estratégias, que em
nossa análise terá laços estreitos com o turismo.
A pergunta adequada a se fazer é: quais são os instrumentos utilizados pelo
marketing e quais são as suas conseqüências frente ao propósito de “vender” a cidade?
Para tanto, torna-se necessário compreender processos mais amplos, como é o caso
de um estímulo ao “urbanismo de promoção de vendas” como afirmara Lefebvre (1991),
que pode ser percebido através do enorme investimento em marketing para ressaltar o
mais atraente e as características mais desejáveis.
Conseqüentemente, as estratégias de marketing se colocam em um contexto
mais amplo de inserção destes fragmentos, bairros ou regiões em espaços
“pasteurizados” e que oferecem uma gama de serviços e produtos a serem consumidos
por uma elite que pode adquiri-los.
Este novo espaço é reforçado pela afirmação de Egler (2007) que discorre
sobre a ação das políticas urbanas como produtores de um espaço simbólico que
confirmaria a cultura dominante, contribuindo para o reforço dos interesses das
corporações globais e das elites, que auxilia no acirramento da distinção frente aos
grupos originários do local e que não são portadores da mesma acessibilidade que
eles.
Logo, o marketing acaba por gerar um conjunto de formas de pensar e de
agir e principalmente de sentir. Egler (2007) reafirma que este possibilita a criação de
uma “imagem”, fruto de uma intensa massificação de seus conteúdos e que termina por
conferir a ela, uma transformação em realidade que consegue obter uma capacidade
relativa de influenciar as práticas espaciais.
Uma conseqüência deste processo, percebida ao se olhar o caso de Santa
Teresa, é a existência de um imenso mercado de cultura que exerce um papel de
promotor do turismo. Neste caso, não apenas de um turismo global, mas também de
um turismo alternativo que abrange segmentos sociais de menor poder aquisitivo.
32
Desta forma, a “imagem” se configura como uma estratégia de
desenvolvimento que se cristaliza em Santa Teresa devido ao incentivo às práticas
típicas do marketing que fazem com que seja divulgado intensamente esta “imagem”
como principal instrumento gerador de desenvolvimento econômico, assim como a
existência de uma “indústria do turismo” que consegue transformar diversas
características do bairro – como a identidade local, a paisagem, o patrimônio e,
principalmente, a paisagem composta por prédios antigos, ruas de paralelepípedos e a
paisagem natural que funciona como um excepcional produto a ser vendido.
Resumindo, transforma os ícones urbanos em produtos a serem comercializados como
pode ser observado nos museus e centros culturais do bairro.
Conseqüentemente, este espaço se transforma em um lugar onde o privado
se afirma, gerando signos que indicam a realização de desejos e fantasias de consumo
moldados por valores de “mundialidade”. Logo, é possível apontar a importância do city
marketing, pois é a partir da definição de Ashworth e Voogd (1991) apud Sanchez
(2003) – que o entende como mecanismo institucional de promoção e venda das
cidades, a partir da percepção das vantagens na obtenção de investimentos privados e
preparação de estruturas de parceria para alcançá-los – que se pode analisar o bairro
de Santa Teresa. Lá ocorre um processo de valorização dos principais atributos
locacionais, suas qualidades urbanas (também de acordo com denominação de
Ashworth e Voogd, 1991 apud Sanchezz, 2003, que seriam os diferenciais que o bairro
oferece e funcionariam como “mercadorias” a serem vendidas de modo a incentivar a
vinda do turismo global.
A contribuição de David Harvey8, ao examinar o caso da cidade de Baltimore
nos EUA, permitiu compreender a complexidade dos processos de “venda” da cidade
através do marketing urbano. Ele indicou os efeitos de uma intensa mobilização em
torno do marketing de determinadas áreas da cidade, que posteriormente se percebeu
8 Cf. HARVEY, David. “Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio” in Espaço e Debates: Cidades: estratégias empresariais. São Paulo: n. 39, ano XVI, 1996.
33
serem bem diferentes da realidade vivida por seus moradores, que se constituía em
outra imagem, repleta de melancolia e pobreza.
Ao se pensar sobre a experiência relatada por Harvey (1996), é possível
refletir também sobre Santa Teresa que, além de possuir um patrimônio histórico,
cultural e arquitetônico de grande potencial a ser explorado, também é possuidora de
um lado negativo, que fica de fora das campanhas publicitárias: as treze comunidades
carentes que representam a pobreza existente no bairro.
Ao camuflar este outro lado, o marketing urbano, assim como o “urbanismo
dos promotores de venda”, auxilia no aumento das desigualdades sociais em Santa
Teresa e colaboram imensamente para o aumento da segregação sócio-territorial já
constatada no bairro em uma fase preliminar da pesquisa.
1.3. A INFRA-ESTRUTURA PARA UM TURISMO GLOBAL
Ao se analisar a estrutura turística, principalmente a de hotéis existentes em
Santa Teresa, se pôde pensar o papel exercido pelos enormes investimentos turísticos
no local, evidenciados em um primeiro momento com a (já mencionada) compra do
Hotel Santa Teresa, pelo grupo Exclusive/Luminar em 2004, e sua reforma para a
instalação de um estabelecimento de alto luxo – como evidências de um processo
muito mais amplo.
Bem diferente deste contexto, no período anterior à este momento, existiam
apenas o Hotel Mauá Bela Vista e os restaurantes Bar do Marcô, o Sobrenatural e o
Bar do Arnaudo. Com o processo de turistificação do bairro, ocorreu um intenso
investimento em Santa Teresa, seja ele público ou privado. O nosso objetivo aqui, no
entanto, é o de analisar a infra-estrutura turística de ordem privada apenas, e como
resultado da pesquisa foram encontrados além do Hotel Exclusive mais dois hotéis de
luxo, o Mama Ruisa e o Rio 180º suítes & cousines; dois hotéis de porte médio (Mauá
34
Bela Vista e Solar de Santa), apart-hotéis (Rio Hostel Santa Teresa e Trip Hotel) e a
rede “Cama e café”, com 55 exemplares. Dentre estes três modelos de hospedagem
turística, ressalta-se destacar uma questão importante que envolve a publicidade de um
hotel de luxo (Mama Ruísa) e os apart-hotéis é feita em inglês enfatizando a
necessidade de se atender ao público estrangeiro.
A estrutura do Mama Ruísa9 é bem sofisticada, demonstrada pelo reduzido
número de suítes (apenas sete no total), onde três delas possuem uma enorme vista
para a Enseada de Botafogo, estando a 5 minutos do centro histórico do Rio de Janeiro
e da zona sul da cidade. O luxo presente em seus quartos assim como em sua
estrutura, pode ser observado nas fotos a seguir, que comprovam o propósito a que se
destina, atender a uma demanda dita “global”.
Imagem 01: Vista para a Enseada de Botafogo - Mama Ruísa10
9
Localizado em Santa Teresa, à Rua Santa Cristina, 132. 10
As fotos 01, 02, 03 e 04 foram retiradas do site do Hotel Mama Ruisa. Cf. HOTEL MAMA RUISA. Website. Disponível em <http://www.mamaruisa.com/photos.asp#i15>, acessado em 15 de maio de 2007.
36
Imagem 04: Piscina e conjunto das instalações do hotel - Mama Ruísa
Este modelo de hotel é classificado pelo seu próprio dono, Jean Michel Ruis,
como sendo uma “pousada de charme”, charme este fruto de sua experiência como ex-
diretor da rede de hotéis Meridién, associada à representação social existente em
Santa Teresa que, retratada como um bairro bucólico onde o Rio pretérito não
desapareceu, ainda se apresenta um ambiente extremamente tranqüilo, principalmente
para a instalação de um hotel de luxo com algumas características distintas àquelas
encontradas nas redes de hotéis digamos assim, globais.
Isto resulta em um
casarão de paredes brancas, chão de tábuas corridas, varandão, amplas janelas e portas de madeira, voltado para a Baía de Guanabara. O palacete, de 1871, onde funcionou uma clínica para dependentes químicos, foi todo reformado. Jean Michel cuidou pessoalmente da decoração, garimpando objetos e móveis – como sofás que ele reformou com tecidos franceses – nos antiquários da Lapa.11
11
PRATES, Jean-Paul. “Novo Rio: Hotel Santa Teresa, Victer e Bueno.” In: Jornal O Globo. Artigo publicado em 16 de Novembro de 2006. Disponível em <http://oglobo.globo.com/blogs/petroleo/post.asp?cod_Post=15189>, acessado em 24 de marco de 2007.
37
Uma análise sobre esta afirmação aponta para um processo mais amplo de
refuncionalização de alguns casarios no bairro – que se encontra no cerne de um
embate entre as duas propostas de desenvolvimento para Santa Teresa.
Outro hotel se encaixa neste mesmo perfil, o próprio Hotel Exclusive/ Santa
Teresa em construção. A partir de seu projeto é possível conjecturar algumas
considerações sobre ele. Este pretende oferecer o máximo de conforto em suas 45
suítes onde cada uma apresentará uma decoração única, mas mantendo algumas
características do antigo Hotel Santa Teresa, exemplificadas através da manutenção
das árvores centenárias, o telhado e a fachada, ambos em estilo colonial.
Este novo empreendimento imobiliário de considerável porte será divulgado
pela internet e promete expor a imagem de Santa Teresa para o mundo – como afirma
o representante da rede Exclusive em Santa Teresa, François Delort12.
Imagem 05: Projeto do Hotel Exclusive/Santa Teresa13
12 Retirado do site do Jornal do Brasil, www.jb.com.br no 06 de outubro de 2006. 13 Imagem retirada do artigo de Jean- Paul Prates antes citado. Cf. PRATES, Jean-Paul. “Novo Rio: Hotel Santa Teresa, Victer e Bueno.” In: Jornal O globo. Artigo publicado em 16 de Novembro de 2006. Disponível em <http://oglobo.globo.com/blogs/petroleo/post.asp?cod_Post=15189>, acessado em 24 de marco de 2007.
38
O terceiro exemplar é o Rio 180º suítes & cousines14, inaugurado em julho de
2007 e também dedicado a turistas de luxo, fato este comprovado pelo elevado valor de
suas diárias, que variam de R$ 648,00 a R$ 864,00, consistindo em um hotel com
características próprias com outras características globais como se nota no próprio site
do hotel onde se diz que
o Rio 180º procura apresentar aos seus hóspedes o jeito carioca e elegante de ser. Espontaneidade, charme, alegria e muito bom gosto fazem deste hotel um lugar contemporâneo, sofisticado e cheio de calor humano15.
Os nomes de suas nove suítes são representativos de ícones do Rio de
Janeiro, como Pão de Açúcar, Corcovado, Carnaval e de bairros bem conhecidos na
cidade como Arpoador, Copacabana, Ipanema, Leblon e Jardim Botânico. Já os quatro
pavimentos do hotel têm nomes sugestivos da cidade, sendo eles os seguintes: Praias
Cariocas, Cidade Maravilhosa, Mata Atlântica e Apoteose. Isso reflete claramente a
associação antes citada por eles buscada.
Conseqüentemente, podemos observar que algumas imagens confirmam
esta tendência já evidenciada na nomenclatura das instalações do hotel como é o caso
da suíte Pão de Açúcar, a vista da cidade à partir do hotel e a presença de um espaço
zen.
14
Localizado em Santa Teresa, à Rua Doutor Júlio Otoni, 254. 15 HOTEL RIO 180º SUÍTES & COUSINES. Website. Disponível em <http://www.rio180hotel.com/1/>, acessado em 15 de maio de 2007.
39
Imagem 06: Suíte Pão de Açúcar - Hotel Rio 180º suítes & cousines16
Imagem 07: Vista da cidade a partir do Hotel Rio 180º suítes & cousines
16 As fotos 06, 07 e 08 foram retiradas do site do citado Hotel. Cf. HOTEL RIO 180º SUÍTES & COUSINES. Website. Disponível em <http://www.rio180hotel.com/1/>, acessado em 15 de maio de 2007.
40
Imagem 08: Espaço Zen - Hotel Rio 180º suítes & cousines
O segundo conglomerado de instalações turísticas é constituído por um hotel
(Mauá Bela Vista), uma pousada (Solar de Santa) e dois apart-hotéis (Rio Hostel Santa
Teresa e Trip Hostel). Estes três modelos de hospedagem possuem características
distintas, mas com semelhanças principalmente no que se refere ao propósito, ou seja,
de atender aos turistas de um poder aquisitivo um pouco menor daqueles a que se
destina o Mama Ruísa e o Exclusive / Santa Teresa.
O Hotel Mauá Bela Vista é um dos mais antigos do bairro em atividade,
datando de 1942, tendo sido o seu casario, originário do final do século XIX, expandido
e transformado em Hotel no citado ano. Se localiza no centro do bairro, próximo ao seu
principal largo, o Largo dos Guimarães e possui, atualmente, 26 suítes. Ele possui uma
tarifação que engloba diárias e/ou mensalidade que giram entre 65 reais a diária e 1200
reais a mensalidade. Como principal resultado deste perfil, o hotel consegue integrar
um pouco mais o hóspede a vida cotidiana do bairro17.
17 Retirado do site www.mauabelavista.com no dia 06 de outubro de 2006.
41
Imagem 09: Hotel Mauá Bela Vista18
Imagem 10: Suíte do Hotel Mauá Bela Vista
18 Retirado do site www.mauabelavista.com no dia 06 de outubro de 2006.
42
Já o Solar de Santa é uma pousada com cinco quartos de estilo mais rústico
que o Mauá Bela Vista, só que com um diferencial, tanto para o turista nacional quanto
para o turista internacional, por conferir ao turista uma idéia mais intensa de integração
com a vida cotidiana de Santa Teresa. Isto é endossado pela própria presidente da
ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis), Marluce Magalhães ao afirmar que
o bairro, entrecortado, por ladeiras centenárias, exibe casas lindas e charmosas que aos poucos trazem um novo décor ao Rio de Janeiro. ‘Hospedar-se por lá é reviver a Belle Époque, de forma moderna e confortável’, exalta a presidente da ABIH Nacional, acrescentando que os hóspedes não se sentem isolados. ‘Trata-se de um novo estilo de hospedagem, onde a cultura encontra o lazer e a arte de forma leve e diferente’, observa.19
Imagem 11: Fachada do Hotel Solar de Santa
19 Relato fornecido ao site http://www.hotelcompetitivo.com.br/index.hpl/boaspraticas?sub_mostra=3010 no dia 24/03/2007.
43
Imagem 12: Quarto do Hotel Solar de Santa
Os apart-hotéis são os que apresentam as características mais peculiares
até aqui, pois os sites em que são realizadas sua publicidade são em inglês. O Rio
Hostel Santa Teresa e o Trip Hostel possuem 21 leitos sendo dois apartamentos com
ar-condicionado e dois leitos, respectivamente. Os preços variam entre 35 e 120 reais a
diária em ambos os estabelecimentos20.
Sendo os sites em inglês, se confirma a hipótese do público-alvo a que se
destinam estes empreendimentos turísticos seja de fato uma elite global (BAUMAN,
1998). Uma elite que possui como principal característica sua mobilidade, em sua
eterna busca pelo exótico e experiências em diversas partes do globo terrestre.
Já o terceiro modelo é o de hospedagem do tipo “Cama e café”, que consiste
em uma hospedagem de forte cunho pessoal, na qual o hóspede tem acesso a um
ambiente familiar com direito a um café da manhã básico e que, em comparação com
outros tipos de hospedagem, sai mais barato. Ainda se destaca a segmentação interna
20 Retirado do site www.riohostelsantateresa.com no dia 06 de outubro de 2006.
44
do “Cama e café”, em função da diferença entre as casas onde as hospedagens são
realizadas. Elas se dividem em três: da mais popular, com valores entre 70 a 90 reais;
passando por aquelas entre 100 e 125 reais; e as mais caras, de 145 reais em diante.21
Esta rede é composta por 23 unidades, entre alguns casarios do século XIX,
acabando então por funcionar como uma forma de turismo que auxilia na manutenção
das características típicas do bairro, auxiliando a preservar estes casarios sem alterar a
sua estrutura. Algumas imagens22 dos casarios e das acomodações dos hóspedes
reforçam o caráter mais familiar deste modelo de hospedagem e contribuem para a
percepção do tipo de turista que ele atende, como será visto a seguir.
Imagem 13: Fachada da Casa da Brigite - integrante da rede “Cama e Café”
21 Retirado do site www.camaecafe.com.br no dia 10 de outubro de 2006. 22 Retirado do site www.camaecafe.com.br no dia 10 de outubro de 2006.
45
Imagem 14: Café da manhã da Casa da Ana Laura - integrante da rede “Cama e Café”
Imagem 15: Quarto da Casa da Flávia - integrante da rede “Cama e Café”
46
Associado às instalações hoteleiras encontra-se ainda uma enorme rede de
restaurantes voltados ao atendimento destes turistas. Ela é formada por 35 bares e
restaurantes23 oferecendo diversos tipos de culinária, variando da brasileira à alemã.
A tendência demonstrada acima é reforçada pelo esforço em reafirmar o
caráter turístico do bairro, o que repercutiu na criação de um mapa com as atrações a
serem visitadas no bairro, mostrado na próxima página.
23
A relação de bares e restaurantes encontra-se listada no Anexo II, disponível ao fim desta dissertação.
47
Imagem 16: Mapa de atrações - Santa Teresa24
24 Imagem retirada do caderno de eventos do Santa Teresa de Portas Abertas 2006.
48
Retornando a análise das instalações turísticas, percebemos assim
segmentação no seu interior, que se evidencia na distinção referente aos diferentes
tipos de turistas que escolhem o bairro de Santa Teresa como local de visitação. Desde
turistas que desejam se isolar em um paraíso tranqüilo em um país tropical25, até
aqueles que desejam encontrar um local hospitaleiro que possibilite também formas
mais intensas de sociabilidade local.
Analisemos estes dois modelos de turistas que buscam Santa Teresa.
O primeiro, indiretamente através de atividades que o estimulam a vir,
constroem um conjunto de fenômenos que serão analisados nesta parte do capítulo.
Entre eles, se destaca o processo de acirramento de uma nova territorialidade. Ela se
caracteriza pela criação de novos espaços que atendam aos interesses das elites
globais analisadas por Bauman em sua obra Globalização: as conseqüências humanas,
na qual ele afirma que o turismo, no contexto fornecido pela globalização, se torna um
dos mais emblemáticos representantes deste processo, pois simboliza a mobilidade: “a
peculiaridade da vida turística é estar em movimento, não chegar” (BAUMAN, 1998,
p.114).
Desta forma, esta idéia de mobilidade está intimamente relacionada à outra
idéia, à de novidade, que consegue englobar diversos aspectos no caso de Santa
Teresa, como: o rico patrimônio histórico-cultural; e a rede de restaurantes e bares
servindo diversos tipos de culinária de várias partes do Brasil e do mundo.
Bauman confirma a nossa hipótese ao afirmar que
os turistas iniciam suas viagens por escolha – ou, pelo menos, assim eles pensam. Eles partem porque acham o lar maçante ou não suficientemente atrativo, demasiadamente familiar e contendo demasiadamente poucas surpresas, ou porque esperam encontrar em outro lugar uma aventura mais excitante e sensações mais intensas do que a rotina doméstica jamais é capaz de transmitir. A decisão de abandonar o lar com o fim de explorar terras estranhas é positivamente
25 São aquele que desejam se isolar em seus hotéis de luxo buscando tranqüilidade e belas paisagens, naturais e/ou aquelas construídas pelo homem.
49
a mais fácil de tomar pela confortadora percepção de que sempre se pode voltar, se for preciso. (BAUMAN, 1998, p.116)
Concomitante a essa mobilidade, a relação espaço-tempo que é produzida
com a globalização, gera uma flexibilização desta relação através da valorização da
dimensão temporal, pois ela é relativizada com o intenso conjunto de incrementos
tecnológicos, como as novas tecnologias da comunicação e a maleabilidade das
fronteiras do Estado Nacional, pois facilita a redução da noção de espaço através da
redução das distâncias no globo terrestre.
No entanto, a mobilidade se configura no que Bauman denominou de “um
fator de estratificação mais poderoso e mais cobiçado, [através da posse] da matéria de
que são feitas e refeitas diariamente, as novas hierarquias sociais, políticas,
econômicas e culturais em escala cada vez mais mundial”.(BAUMAN, 1999, p.16).
Então, o que estratifica esta sociedade pós-moderna é a capacidade de se mover ou
não. Se certo indivíduo possui uma liberdade de escolher onde estar, ele ganha o
status de turista que será exposto mais a frente e, se não, ele será um portador de
“uma imobilidade forçada tornando-se algo desprezível resultando em sentimentos de
incapacidade e dor” (BAUMAN,1999, p.18). De posse desta reflexão, é possível pensar
em Santa Teresa como um local que sofre com os efeitos desta mobilidade, pois os
turistas globais que escolhem o bairro ficam livres para circularem neste mundo
globalizado enquanto os indivíduos agrupados nas comunidades carentes, não-
portadores de mobilidade, ficam presos em um território estigmatizado.
50
CAPÍTULO II
MEMÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL E ARQUITETÔNICO: ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE LOCAL
O objetivo neste capítulo é perceber o processo de construção do patrimônio
histórico, arquitetônico e cultural de Santa Teresa enquanto processo de construção da
identidade territorial no bairro, dento do qual ambos os processos são características
singulares que se destacam em uma extensa análise sobre o bairro e sua composição
social.
Para complementar o conceito de identidade e patrimônio, emprega-se o
conceito de memória, através do qual se pretende perceber o processo de construção
social do bairro e sua singularidade dentro de uma perspectiva que valorize os laços de
pertencimento e identidade coletiva que estimularam o fortalecimento de práticas
sociais no âmbito do cotidiano do bairro.
A utilização de um recorte histórico atendeu a demanda de se reconhecer, no
decorrer dos quatro séculos que perpassaram pelo bairro, diversos itens que constituem
a identidade de Santa Teresa, uma identidade que se configura como uma
representação social de papel muito importante. Ao se considerar este processo,
destaca-se a presença hoje de dois segmentos sociais que caracterizam o bairro até os
dias de hoje: os representantes de uma classe média e alta & as comunidades carentes
que passaram a ocupar o bairro a partir da primeira metade do século XX.
51
Como metodologia para este capítulo, empregou-se a pesquisa documental
em livros e documentos de diversas ordens, tais como: atas, revistas e jornais,
encontrados em instituições como o Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, a Biblioteca
do Estado do Rio de Janeiro e até em sites na internet como o da AMAST Outro
importante instrumento metodológico empregado principalmente no intento de
apreender o patrimônio histórico, cultural e arquitetônico, se utilizou do trabalho de
campo para retratar este acervo assim como o recurso da fotografia digital.
O referencial teórico empregado neste capítulo consistiu em autores como
Pierre Nora (1993), Maurice Halbwachs (1990), Zygmunt Bauman (1998, 2003) e
Françoise Choay (2001), com as contribuições, a nível nacional, de Maurício de Abreu
(1987, 1998) e José Reginaldo Gonçalves (2003). De Pierre Nora (1993) e Maurice
Halbachs (1990) obtivemos as suas reflexões sobre a memória tanto em sua escala
individual quanto na coletiva e como ela se adere ao urbano na figura da memória
urbana. Já Zygmunt Bauman (1998, 2003) oferece análise sobre a formação da
identidade na contemporaneidade e seus impactos sobre as relações sociais existentes
no período atual. E em sua obra, também discute o conceito de comunidade, que ele
reforça ser fruto de seu olhar sobre as últimas décadas do século XX, nas quais se nota
o fortalecimento de algumas típicas características comunitárias, como a idéia de
pertencimento e de unidade em torno de uma história em comum.
Já as contribuições de Maurício de Abreu (1987, 1998) e José Reginaldo
Gonçalves (2003) se dão, respectivamente, através de suas análises sobre a memória
urbana, no caso da memória das cidades, e da reflexão sobre o patrimônio e seus
impactos, em nossa pesquisa, sobre o rico patrimônio histórico, cultural e arquitetônico
existente no bairro de Santa Teresa.
De posse deste farto material, permitiu-se pensar na criação de dois grandes
marcos que delimitassem processos históricos relevantes para Santa Teresa e que
abarcassem a cidade do Rio de Janeiro como dimensão mais ampla. Estes são o pós-
Segunda Guerra Mundial e a década de 1970.
52
Outras duas questões centrais serão retratadas no decorrer do primeiro item
deste capítulo: a história do bonde e seu papel para a história do bairro, sendo esta
parte mais profundamente analisada no segundo item; e a história do Hotel Santa
Teresa que é um dos objetos de análise deste estudo.
A adoção de referências no século XX apenas, não desqualifica a
importância dos séculos anteriores no interior do processo de construção do patrimônio,
mas esta escolha se deve pela grande modificação na configuração social do bairro e
que reflete diretamente em grandes problemas enfrentados assim como a intensa
segregação sócio-espacial existente ali.
2.1. O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL: UM PROCESSO EM PERMANENTE CONSTRUÇÃO
Discutir a questão do patrimônio é uma tarefa árdua principalmente pela
necessidade de se considerar as diversas variáveis presentes na definição do próprio
conceito, ainda mais quando se consideram as dimensões histórica, cultural e
arquitetônica. O grau de complexidade amplia-se exponencialmente quando se
considera o papel que a memória social exerce nesta definição. Neste sentido, a
memória coletiva adquire um papel importante, posto que, construída a partir de uma
seletividade, torna-se também um resultado das disputas pelo sentido da história.
Para se obter uma análise mais profunda e abrangente envolvendo a
questão do patrimônio, é importante abordar sua relação com a memória e sua
contribuição para a compreensão de como se estruturou o atual bairro de Santa Teresa,
no que se refere ao patrimônio e, especialmente, à própria identidade do bairro.
Para se discutir a noção de patrimônio, se utilizou a definição de Ruben
Oliven (2003, p.77), “o termo patrimônio – em inglês hermitage – refere-se a algo a ser
preservado e que, por conseguinte, deve ser preservado”. Nesta dimensão que
53
contempla a herança material de determinada sociedade, preservarmos da destruição o
conjunto dos bens arquitetônicos (não mais integrados nas nossas práticas cotidianas)
sob o risco da perda de uma memória coletiva.
Outra noção de patrimônio adotada por Nestor Canclini (1984, p.95) afirma
que o “patrimônio não inclui apenas a herança de cada povo, as expressões ‘mortas’ de
sua cultura, mas também os bens culturais visíveis e invisíveis”, o que sugere “um
patrimônio que expressa a solidariedade que une os que compartilham um conjunto de
bens e práticas que os identifica, mas também costuma ser um lugar de cumplicidade
social” (idem, p.97). Conseqüentemente, esta noção mais dinâmica de patrimônio está
profundamente associada ao conceito de cultura, onde esta inclui hábitos, costumes,
tradições, crenças e um acervo de realizações materiais e imateriais.
Em decorrência destas duas noções, podemos sintetizar que “o patrimônio
[passou a ser utilizado] não apenas para simbolizar, representar ou comunicar, [ele] é
bom para agir. Não existe apenas para representar idéias e valores abstratos e para ser
contemplado. O patrimônio, de certo modo, constrói, forma as pessoas.” (GONÇALVES,
2003, p.27). Este aspecto “antropológico” do patrimônio que queremos salientar
funciona como um elemento que auxilia na estruturação dos elos que criam um
sentimento coletivo de pertencimento comunitário e colabora para sedimentar uma
sólida identidade local em Santa Teresa.
Já para Choay (2001, p.11), a palavra patrimônio, em sua origem, está ligada
as estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma dita sociedade. Logo, é possível designar como patrimônio histórico destinado à ser utilizado por uma comunidade alargada constituído pela acumulação continua de uma diversidade de objetos que congregam a sua pertença comum ao passado. (CHOAY, 2001, p.11)
Logo, as noções de patrimônio apresentadas até aqui pretendem dar conta
da complexidade do acervo histórico, cultural e arquitetônico existente em Santa Teresa
e conseqüentemente poder analisá-la à luz de uma ótica que privilegie uma abordagem
54
que valorize as particularidades do bairro, ou seja, a busca pela sustentabilidade26 no
uso deste acervo. Como principal objetivo deste item, selecionou-se compreender o
processo de formação deste patrimônio a partir do processo histórico que colaborou
enormemente na tarefa de construção do bairro como de sua própria singularidade que
motivou este estudo.
Ao se analisar este processo, torna-se necessário considerar a demarcação
do que é o patrimônio histórico, cultural e arquitetônico do bairro e o papel que a
memória exerce nesta definição. Este processo é fruto de uma intensa disputa em torno
do que é possível qualificar como patrimônio, pois ele acarreta em um conjunto de
conseqüências de diversas ordens como a da cultura, política e principalmente, a de
cunho econômico. Neste caminho, a memória27 adquire um papel importante, pois ao
ser construída a partir de uma seletividade, se torna um resultado da incapacidade de
se retratar a totalidade da realidade.
Também é importante apontarmos para os patrimônios material e imaterial
que ao compará-los, é possível assinalarmos que o patrimônio imaterial das elites
/classes médias foram preservados sendo adotados como o modelo hegemônico de
sociabilidade já a das camadas populares se perde devido a impossibilidade dele se
aderir à memória urbana.
Outros elementos colaboram para este processo, como é o caso da ausência
dos personagens que auxiliaram na construção deste patrimônio para “recontar” esta
memória assim como a estratégia de atuação de órgãos oficiais ao selecionarem o que
deve ser preservado ou não através da classificação como um patrimônio histórico,
cultural ou arquitetônico.
Inicialmente, ao nos referirmos à memória devemos atentar para a seguinte
questão que envolve os objetivos da constituição de uma memória, ou seja, o que está 26 Este conceito será mais detidamente analisado no terceiro capítulo, a luz das recentes contribuições do debate sobre sustentabilidade, principalmente ao se considerar o caso específico do bairro de Santa Teresa e até em um determinado limite, algumas insuficiências no processo de delimitação do que é sustentável. 27 Neste caso, tratamos da memória coletiva.
55
por trás da criação desta memória além da forma pelo qual o valor é atribuído às obras
humanas, o interesse que despertam e mesmo a percepção explícita do que é
absorvido pela memória que é constantemente aumentado devido ao afastamento
histórico resultando em uma apropriação social pelo que é ou não incorporado pela
categoria da memória. Entretanto, o nosso objetivo principal é apresentar o acervo
histórico de Santa Teresa; a constituição de uma memória coletiva em torno de recortes
do passado28 e como ela colaborou na construção do atual patrimônio histórico, cultural
e arquitetônico do bairro.
Visando compreender melhor esta questão, é importante apontar para o
papel exercido pelos personagens envolvidos no processo de construção do patrimônio
que são as elites/ classe média e as comunidades carentes que usufruíram do bairro ao
longo de sua ocupação. Ao se analisar a contribuição destes personagens neste
processo, é possível percebermos alguns pontos de semelhança em relação à
memória oficial. No entanto, assinalaremos algumas diferenças importantes como a
definição de memória de cada grupo social e a sua efetivação ou não. No caso, a
memória utilizada e estimulada é a da elite e da classe média cristalizada no casario
antigo enquanto a memória das camadas populares foram esquecidas devido à
dificuldade de aderência de sua memória, principalmente e como um reflexo das
desigualdade social existente no bairro.
Um ponto em comum entre estas duas memórias é peso da memória afetiva
que auxilia na cristalização da memória, mas que isolada não consegue fortalecer a
mesma.
Ao focarmos a nossa análise na memória, tratamos da memória urbana, que
é de fato o objeto que constitui o patrimônio de Santa Teresa. Abreu (1998) discute o
que seria memória urbana, conceito que fugiria da discussão clássica sobre memória
28 As diversas vertentes teóricas que discutem a memória em suas várias esferas discordam mais do que concordam. Entre estas concordâncias, a mais importante neste momento é a que afirma a incapacidade das faculdades humanas de absorverem e conseqüentemente, recordarem toda a complexidade da realidade social, o que necessariamente gera uma seletividade do ato de lembrar, o que acarreta uma intensa necessidade de disputar “o que se deve lembrar”, no decorrer do processo de constituição da memória coletiva.
56
social, por se focar em torno do que ele denominou de memória das cidades. Por
memória das cidades ele entende o estoque de lembranças “eternizadas”, frutos do
passado perceptíveis na paisagem de determinado lugar, onde elas podem ser re-
apropriadas por segmentos da sociedade.
De posse desta definição, distinguiremos a memória das cidades de outro
conceito, o de memória urbana, que Maurício de Abreu conceitua como sendo “o
estoque de lembranças do modo de vida urbana per se, sem obrigação de relacioná-las
a uma base material particular, a um lugar específico” (ABREU, 1998, p. 18). Esta
distinção é importante para a compreensão do papel da história no processo de
resgatar a memória, e principalmente os embates que decorrem do ato de resgatar o
passado de um determinado lugar.
A história exerce neste contexto o relevante papel de “desenterrar” o
passado, mas com um viés mais reflexivo – especialmente no que se refere à
percepção mais ampla do processo histórico com relação às conseqüências daquilo
que a memória recupera e a sua atual apropriação.
Recuperando as distinções mencionadas acima, é possível afirmar que a
história isoladamente só consegue recuperar o passado, mas não o lugar, repleto de
vivências e cotidianidades. Esta incapacidade da história de recuperar o lugar é
derivada de sua dedicação ao urbano, que Maurício de Abreu definiu como tendo “o
referencial, o abstrato, o geral e o externo” (ABREU, 1998, p.19). Apenas um olhar mais
detido sobre a cidade poderia recuperar a importância pretérita do lugar, pois é a cidade
que diz respeito ao particular, ao concreto e ao interno.
Na tentativa de compreender como a memória se fixou em Santa Teresa, se
tornou importante retomar Halbwachs (1990), que afirma que “o tempo da memória só
se concretiza quando encontra a resistência de um espaço” (HALBWACHS, 1990,
p.150). Este espaço, no caso, seria a cidade, pois ela seria capaz de conferir aderência,
e, ao ligar os indivíduos, famílias e grupos sociais, conferiria memória, um processo de
cristalização na figura de seu patrimônio histórico, cultural e arquitetônico – como, por
exemplo, é o caso de locais como o Castelo do Valentim, o Parque das Ruínas e a
57
antiga Casa de Laurinda Santos Lobo, destaques do bairro de Santa Teresa, que
podem ser vistos nas fotos 1729, 1830 e 1931 a seguir.
Imagem 17: Castelo do Valentim
29 Retirado do site www.santateresa10.com no dia 15 de outubro de 2006. 30 Retirado do site www.santateresa10.com no dia 15 de outubro de 2006. 31 Retirado do site www.santateresa10.com no dia 15 de outubro de 2006.
59
Entre o patrimônio histórico, cultural e arquitetônico de Santa Teresa, além
dos principais prédios do bairro pode-se ainda incluir seus três principais largos: o
Largo do Curvelo, o Largo dos Guimarães e o Largo das Neves, que podem ser
visualizados nas fotos 2032, 2133 e 2234 a seguir. Estes também funcionam como
importantes locais de sociabilidade para seus moradores, se constituindo em um acervo
de “valor patrimonial”35 imenso, e funcionando como uma das principais características
do bairro.
Imagem 20: Largo do Curvelo
32 Retirado do site www.santateresa10.com no dia 15 de outubro de 2006. 33 Retirado do site www.santateresa10.com no dia 15 de outubro de 2006. 34 Retirado do site www.santateresa10.com no dia 15 de outubro de 2006. 35
Este conceito foi apropriado de Antônio Firmino da Costa. Cf. Costa (2005).
61
O resgate do valor patrimonial do bairro como um todo – percebido por
muitos como um museu a céu aberto – suscita uma questão relevante referente à
ausência de utilização sustentável deste mesmo patrimônio, tendo em vista o
acentuado processo de depredação do mesmo. A ineficácia das estratégias de
preservação adotadas gerou um impasse em torno de “como” preservar, contrapondo
de um lado, os órgãos responsáveis por esta tarefa e, de outro, os proprietários dos
imóveis a serem preservados.
Para fins de análise, nos detivemos no que se refere ao patrimônio
propriamente dito. O patrimônio pode ser pensado através da ótica da invenção da
tradição (HOBSBAWN;RANGER, 1984), que indica um processo social de luta
simbólica em torno do que deve ser preservado, entendendo patrimônio como um
produto a ser preservado dentro da lógica de mercantilização da cultura.
Os debates atuais reproduzem a lógica de mercantilização da cultura que, no
caso de Santa Teresa, tem significado, atualmente, vocação para o turismo. A premissa
da “invenção das tradições” permite compreender a noção de patrimônio histórico como
construção social. Este processo é perpassado por uma idéia de “patrimônio genuíno” e
aponta uma seleção
de entre os inúmeros possíveis, focalizando de maneira privilegiada esta ou aquela época, este ou aquele elemento arquitetônico ou urbanístico, no conjunto virtualmente inesgotável de todos os que foram sendo construídos e destruídos, refeitos e modificados, num processo permanente, ao longo da história. (COSTA, 2005, p.34)
Nesta perspectiva, a antiguidade torna-se um indício para se conferir
“autenticidade histórica” ao que se pretende classificar como patrimônio histórico,
cultural e arquitetônico. Ela só é possível através do emprego da antiguidade aliado à
memória, seja ela urbana ou coletiva. Esta última fixa a memória de uma forma mais
ampla, posto ser viva, e sua vivacidade ser fruto de sua própria definição, apontada por
Halbawachs (1990, p.42) como sendo “um conjunto de lembranças”.
62
Ao se adotar a premissa da “invenção das tradições” é possível utilizá-la para
a compreensão do processo de “invenção do patrimônio” como gerador da necessidade
de entendimento de como ocorreu o processo de formação deste patrimônio. Este
processo é perpassado pela idéia de “patrimônio genuíno”, indicado para seleção
dentre inúmeras possibilidades, focalizando de maneira privilegiada esta ou aquela
época, este ou aquele elemento arquitetônico ou urbanístico, no conjunto virtualmente
inesgotável de todos os que foram sendo construídos e destruídos, refeitos e
modificados, num processo permanente, ao longo da história. (COSTA, 2005, p.34)
Ao se apresentar alguns exemplares do patrimônio histórico, cultural e
arquitetônico de Santa Teresa, se percebe uma característica importante da memória
que é o seu caráter, confirmada pela estratégia de preservação de algumas “instituições
de memória” materializados na paisagem e que está vivo na cultura e no cotidiano dos
lugares e que auxilia no processo de busca da identidade do lugar através da
recuperação de suas raízes em tempos pretéritos. Desta forma, a singularização de seu
patrimônio tornou Santa Teresa um lugar possuidor de atrativo favorável a
investimentos voltados, principalmente, para atividades turísticas como já fora
demonstrado no primeiro capítulo.
Cabe ressaltar também a existência de “diversas“ memórias coletivas em
Santa Teresa, embora seja “impossível recuperar a memória de uma cidade na
totalidade de memórias coletivas que tiveram a cidade como referencial” (ABREU,
1998, p.15). O que se deve resgatar e o que é deixado de lado é derivado de uma luta
simbólica entre os diversos grupos sociais que residem no bairro, envolvendo também
as memórias coletivas dos grupos que não possuem poder decisório na esfera do
bairro36.
36
É importante destacar que o objetivo deste item não fora discutir as diversas memórias coletivas presentes em Santa Teresa, mas sim destacar a memória coletiva mais fortemente presente no bairro, o que não inviabiliza a possibilidade futura de uma pesquisa mais aprofundada destas “outras memórias” coletivas, especialmente daquelas, por exemplo, das comunidades carentes do bairro.
63
2.1.1. Um breve olhar sobre a história de Santa Teresa
O bairro de Santa Teresa situa-se no Morro de Santa Teresa que é composto
por três morros – Nova Cintra, dos Prazeres e Paula Matos. Devido a estas condições,
o relevo foi um fator importante para conferir singularidade ao bairro, por demarcar o
traçado das ruas, a técnica utilizada nas construções e a adoção do bonde como
principal meio de transporte.
Como principal resultado, a ocupação inicial se realizou por pessoas da elite,
justificado pelo custo elevado das construções nas encostas e a necessidade de
automóvel para o acesso, dificuldades que selecionaram os que podiam usufruir da
“proximidade do céu”. Assim o bairro ficou protegido da intensa ocupação que se
efetivou nas áreas adjacentes37.
A composição social também merece destaque, por fornecer um objeto
valioso a ser analisado. A presença de grande número de grupos sociais diversos que
compõem o bairro de Santa Teresa, suas disparidades, funcionam como um exemplo
singular do microcosmo da cidade do Rio de Janeiro em suas desigualdades sociais.
Ali se reuniram diversos grupos sociais, tais como: estudantes universitários,
profissionais liberais, artistas e populações de baixa renda. Essa singular combinação
conferiu a esse espaço social características próprias, que podem servir como proposta
de solução para o dilema da nossa cidade, que é a busca por integração social,
tentando diminuir as diferenças sociais, sobretudo entre a riqueza e a pobreza.
Ao se propor analisar aqui a forma em que ocorreu o processo de formação
do espaço social de Santa Teresa, principalmente no decorrer do século XX, planejou-
se compreender como a população local se constituiu em tal conjunto heterogêneo que
37 Cf. Albernaz, Bretas e Moura (2004).
64
deu ao bairro sua gama de características singulares. Com isso, se colocou um objeto
de estudo extremamente valioso para se pensar a singularidade caracterizadora da
organização do bairro de Santa Teresa.
Então, para perceber as nuances presentes no local, é importante pontuar
uma questão fundamental em qualquer análise da categoria bairro, que são seus
conteúdos e limites territoriais. Logo a afirmação de Cafezeiro (2001) ganha destaque,
ao apontar a necessidade de que, para se entender este em totalidade, é necessário
identificar tais áreas, assim como seu conteúdo social & relações. Isto contribuiu para
alcançar a profundidade da categoria “bairro” a partir da relação com esta idéia valiosa
para a geografia, que é a de lugar permeado por conteúdos simbólicos, composicional e
interacional, principalmente em suas relações sociais, sugerindo também a
possibilidade de afirmarmos que bairro é o lugar vivenciado em seu todo.
Cabe observar que, antes de se pensar na questão do bairro é importante
apontar para um importante detalhe: essa noção é contemporânea ao século XX e
chamar determinado local de bairro, antes desse momento, é ser muito precipitado. Do
século XVI até 1918, a cidade era dividida em freguesias. Esse critério de divisão
territorial foi adotado a partir da divisão utilizada pela Igreja Católica para facilitar a
administração de suas paróquias.
O atual bairro de Santa Teresa pertencia às antigas freguesias do Espírito
Santo, Glória e Sacramento, sendo estas extremamente populosas, devido
principalmente à sua proximidade com o perímetro urbano da cidade até o início do
século XIX.
A região de Santa Teresa, a partir do início do século XVII, passou a ser
pensada a partir da tentativa de solucionar a crônica carência de água potável na
cidade do Rio de Janeiro. Para tanto, foi considerado um caminho para se chegar às
águas limpas da cidade, logo a região tornou-se mais freqüentada por aguadeiros e
logo depois, por nobres que se encantaram com as belezas da região e pela
proximidade da água potável.
65
Outra importante providência que pesou sobre a região, foi a construção de
um aqueduto pelo vice-rei Ayres de Saldanha (1719-1725), funcionando ao captar a
água do rio Carioca na nascente, nas Paineiras, e desviando seu curso para Santa
Teresa, passando pela atual rua Almirante Alexandrino e seguindo pela hoje rua
Evaristo da Veiga através do Caminho dos Arcos Velhos, atuais Arcos da Lapa, e
levando , assim, água até o centro.
A importância dada à proximidade das fontes de água potável confirma-se,
no dizer de Carlos Lessa: “A escassez de solo urbano com acesso fácil a água potável
produziu a densidade de ocupação e acúmulo de vizinhança nas cercanias dos
chafarizes” (LESSA, 2001, p.72). Além da necessidade da proximidade da água
potável, um outro motivo para a ocupação da região de Santa Teresa foi o valor
simbólico-religioso, marcado pela instalação ali, de uma pequena capela para a Nossa
Senhora do Desterro, onde mais tarde, seria construído um Convento, o de Santa
Teresa.
Assim a região receberia uma ocupação mais efetiva a partir do início do
século XIX, como nos aponta Albernaz, Bretas e Moura (2004), no seguinte trecho:
O caminho acompanhava os encanamentos que traziam água do alto do morro para abastecer o chafariz da Carioca, no Centro da cidade. O caminho do aqueduto fez-se rua – a Almirante Alexandrino – que, serpenteando pelo morro, ainda hoje é a principal via do bairro. (ALBERNAZ; BRETAS; MOURA, 2004, p. 7)
Com o crescimento da cidade, principalmente de seu centro (que era, aliás, a
única área urbana da cidade até meados do século XIX) – crescimento este auxiliado
pela abertura e posterior fortalecimento do porto como pólo de entrada para uma cidade
que começava a se tornar cosmopolita –, gerou-se um boom, que criou a necessidade
de transbordar o perímetro colonial da cidade.
Então, a cidade passou a se dividir mais claramente entre pobres, que
ocupam os cortiços no centro da cidade e os ricos, fugindo da pobreza e dos miasmas,
rumando para São Cristóvão e para o morro de Santa Teresa. Esse processo se deu
66
lentamente até o final do século XIX, mantendo as suas características aristocráticas.
Somente com a chegada do século XX e com a reforma do centro da cidade, a região
de Santa Teresa passou a ser procurada por uma população de menor poder aquisitivo,
que necessitava estar próxima dos empregos do centro da cidade, tendo ocupado
residências mais antigas deixadas pela elite local (CAFEZEIRO, 2001).
Para atender às novas necessidades, criadas por esses novos atores
sociais, as chácaras que antes ocupavam a região foram loteadas e vendidas, sendo
criadas obras de infra-estrutura urbana – como a abertura de ruas e saneamento. E
esta ocupação foi feita se aproveitando da proximidade do centro e a relativa calmaria
que dominava a região do futuro bairro de Santa Teresa.
Além de uma elite, o clima também atraiu estrangeiros que deram a sua
contribuição para o bairro com hotéis, chalés e castelos, que chamava a atenção pela
sua semelhança com um panorama europeu como nos mostra Albernaz, Bretãs e
Moura (2004, p.100): “Coelho Netto faz a propaganda de um desses hotéis no que
considerava uma Suíça brasileira: “ Se lê apraz vem daí passar um dia neste cantão de
Santa Teresa”.
A próxima fase importante da história do bairro de Santa Teresa advém com
a chegada do bonde38 à cidade do Rio de Janeiro. Ele facilitou uma maior ocupação do
bairro, resultado de um transporte mais eficiente na região. Este meio de transporte é
instalado na região como uma forma de intervenção do Estado naquele local, como fica
evidenciado com o decreto nº 5126, de 30 de outubro de 1872, onde o governo imperial
concedia privilégio exclusivo, por 16 anos, para “uso e gozo de uma linha de carris de
ferro para o transporte de passageiros e cargas em diversas ruas desta cidade, e nos
morros de Santa Teresa e Paula Mattos”39.
38
Não podemos deixar de mencionar que este passaria a ser a marca mais conhecida marca de Santa Teresa. 39 Retirado do Boletim da AMAST do dia 05 de junho de 2005 na lista de discussão da mesma no yahoo grupos.
67
Essa primeira linha de bondes para Santa Teresa partia da Rua do Riachuelo
até a antiga chácara denominada do França, sendo puxada por tração animal. O
próximo passo no processo de intensificação da ocupação do bairro ocorreria, em 1º de
setembro de 1896, com a inauguração da primeira linha de tração elétrica para Santa
Teresa. Esta utilizaria o famoso aqueduto que deu origem aos Arcos da Lapa. Assim,
criou-se um clima favorável para uma aliança entre o Estado, a empresa administradora
dos bondes (Ferro Carril Carioca) e as empresas imobiliárias, com o propósito de
ocupar e lotear a região, inserindo-a definitivamente no tecido urbano da cidade.
Com o hábito do Imperador de freqüentar lugares que pudessem oferecer um
clima semelhante àquele encontrado na Europa, a elite carioca passou a ocupar de
uma forma mais intensa a futura cidade de Petrópolis e que indiretamente refletirá em
Santa Teresa40. A proximidade com o centro comercial da cidade conferiu a Santa
Teresa um status privilegiado para uma elite até meados dos anos 1950, quando
ocorreram significativas mudanças que alteraram definitivamente seu tradicional perfil.
Com a demolição do restante do morro do Castelo em 1922, a população
residente ali, que trabalhava na venda de peixes, legumes, frutas e jornais, passou a
residir no morro da Paula Mattos, e uma parte da elite do bairro se transferiu para
algumas regiões não ocupadas do morro de Santa Teresa.
Uma parte da burguesia carioca ocupava, tradicionalmente, bairros de
subúrbios próximos que ainda mantinham um ar de calmaria relativa, mas que, a partir
de então, sofreriam grande crescimento demográfico. Isto os levou a procurarem uma
região que tanto fosse próxima do centro quanto ainda mantivesse resquícios dessa
calmaria: eis Santa Teresa. Logo, iniciou-se uma ocupação desordenada do bairro, o
que mais tarde possibilitaria o surgimento de diversas favelas no bairro.
40 O bairro é próximo ao centro, e possui características geográficas parecidas com as da região serrana fluminense – principalmente pelo seu isolamento, não tanto por sua altitude.
68
Alguns dados dos Censos de 1890, 1906 e 192041 comprovam esse
crescimento demográfico, como pode ser observado nas tabelas a seguir.
Tabela 01: Aumento Populacional na região entre 1890 e 190642
1890 (n° habitantes)
1906 (n° habitantes) Crescimento 1890-1906(%)
Espírito Santo 31389 59.117 88
Glória 44.105 59.102 34
Sacramento 30.663 24.612 -20
Tabela 02: Aumento Populacional na região entre 1906 e 192043
1906 (n° habitantes)
1920 (n° habitantes)
Crescimento 1906-1920(%)
Espírito Santo 59.117 77.798 32
Glória 59.102 68.330 16
Sacramento 24.612 27.370 11
Tabela 03: Aumento da Densidade demográfica entre 1906 e 192044
1906 1920 Crescimento demográfico(%)
Santa Teresa 1617 1407 -13
41 Apud Abreu (1987). 42 Apud Abreu (1987). 43 Apud Abreu (1987). 44 Apud Abreu (1987). Cumpre observar ainda que estes dados sobre densidade demográfica se referem ao número de habitantes por quilômetro quadrado.
69
As tabelas 01 e 02 mostram o crescimento demográfico durante as décadas
de 1890 e 1920, como reflexo do grande crescimento urbano ocorrido no Rio de
Janeiro, na época ainda Distrito Federal, como um todo.
Entretanto, os dados referentes à população em freguesias devem ser
analisados com cautela, pois se ao se analisar a área das freguesias em que hoje se
localiza o atual bairro de Santa Teresa, teremos os bairros da Glória, Catete e uma
parte de Laranjeiras juntos. Então, esses dados devem ser utilizados apenas como um
referencial para se pensar no crescimento urbano do bairro em seu entorno, como mais
um instrumento para análise de nosso objeto.
2.1.2. O primeiro momento: o pós-Segunda Guerra Mundial
A Segunda Guerra Mundial tornou-se um marco dentro de um processo de
ocupação mais efetivo do bairro de Santa Teresa. O grande crescimento demográfico
ocorrido no bairro de Copacabana incentivou uma parcela considerável da classe média
residente ali a transferir-se para Santa Teresa a procura de paz e aluguéis mais
baratos.
Assim como atraiu diversos setores típicos de uma classe média, oriundos de
outros bairros da cidade, o bairro de Santa Teresa atraiu também diversos universitários
e artistas45, que compõem até hoje uma parte considerável da população residente no
bairro.
45 Os artistas, uma marca do bairro, tornaram-se também um instrumento de revitalização do bairro no presente, com a instalação ali de diversos ateliês. Mais tarde, isto geraria a criação de eventos para expor trabalhos criados por esses artistas como o evento “Santa Teresa de portas abertas”.
70
Tabela 04: Aumento Populacional em Santa Teresa entre 1940 e 195046
1940 1950 Crescimento 1940-1950(%)
Santa Teresa 61.476 71.733 17
Tabela 05: Aumento Populacional em Santa Teresa entre 1950 e 196047
1950 1960 Crescimento 1950-1960(%)
Santa Teresa 71.753 83.215 16
As tabelas 04 e 05 confirmam que Santa Teresa veio a sofrer um processo
acelerado de crescimento a partir do período de 1940 a 1960, sendo que em 1970, a
população já seria de 83.000 habitantes, o que nos indica um crescimento de 38% em
três décadas, com uma média de crescimento de quase 12% por década. Entretanto,
esse crescimento demográfico, não possuindo um planejamento adequado, gerou
diversos problemas como, por exemplo, o início de um processo de favelização.
Outro dado que confirma essa hipótese é a data de surgimento da maioria
das favelas do bairro, como o Morro dos Prazeres, Escondidinho, Fogueteiro e da
Coroa, que são entre as décadas de 1930 e 1940. E é esse quadro que justifica a
escolha do pós-Segunda Guerra Mundial para ser o primeiro grande marco histórico
nesse processo. No entanto, como por toda a cidade do Rio de Janeiro, a favela era
considerado um problema típico dos mais pobres, não merecedor de uma atuação
efetiva do Estado.
46 Apud Abreu (1987). 47 Apud Abreu (1987).
71
2.1.3. A visibilidade de um novo ator: a favela (a partir da década de 1970)
O segundo momento que pode ser considerado com um marco para o bairro
se apresentou durante a década de 1970, que veio a evidenciar a pobreza,
representada na figura emblemática da favela. Entretanto, nota-se que ocorreu também
um boom no início dos anos 70, especialmente com a construção de edifícios voltados
para a classe média, com o surgimento de vários empreendimentos imobiliários no
local.
A segregação sócio-territorial em Santa Teresa só se tornou um problema de
primeira linha ao constituir-se em uma questão tanto local quanto global, fruto do
crescimento desordenado das grandes metrópoles mundiais e no Brasil, reforçado por
uma ausência crônica da atuação do Estado nesse campo. Dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) da década de 1990 confirmam esta segregação,
através do empobrecimento de uma parte considerável da população do bairro, pois
cerca de 48,2% ganham até três salários mínimos, além de 18,62% dos moradores de
Santa Teresa morarem em favelas.
Do início da década de 1990 até a primeira década do século XXI, o bairro e
seus dois principais segmentos sociais encontrar-se-iam frente a frente no dilema que
assola as grandes cidades mundiais: como pensar um modelo citadino frente à
convivência entre “incluídos e excluídos”, representados pelas classes média & alta e
pela favela, respectivamente?
Cafezeiro (2001, p.58), caracterizou o bairro como um lugar onde “as
fronteiras entre a miséria e a fartura compactuando-se numa mesma linha”. O processo
de ocupação do bairro de Santa Teresa pode ser entendido como reflexo do processo
mais amplo, que atingia toda a cidade do Rio de Janeiro nesse momento, fruto de
diversos problemas. A saber: a ação da iniciativa privada, no campo da construção de
residências e na implantação de estabelecimentos comerciais, associada à procura de
72
uma maior especulação financeira, muitas vezes contra os regulamentos urbanísticos,
que se tornaria responsável pelo crescimento desordenado e não dirigível.
Com a chegada das décadas de 1960 e 1970, diversos moradores da classe
mais privilegiada da região passam a se mudar, devido principalmente ao acelerado
processo de favelização de áreas do bairro. Entretanto, mesmo com este problema, o
bairro continuou a ser um chamariz de artistas das mais diversas linhas, incorporando
ao bairro uma importante marca de pólo artístico e, através de seu enorme acervo
histórico e arquitetônico, um centro histórico com necessidade de ser preservado.
2.1.4. A história do bonde de Santa Teresa
No início do século XIX, com a chegada da Família Real e com a abertura
dos portos, a região começou a receber ilustres moradores, famílias de diplomatas
estrangeiros e, gradualmente, ocorreu uma implantação de grandes chácaras em todo
o bairro, que chegou a ser conhecido como “Estação de Repouso do Rio”. O acesso ao
morro recebeu melhoria considerável com a implantação de um Plano Inclinado (1877)
a partir da Rua do Riachuelo (antiga Mata Cavalos). No alto, a ligação dos principais
pontos, largo do Curvelo e largo do França, se fazia através de bondes puxados a
burro.
Em 1872, os engenheiros Januário Cândido de Oliveira e Eugênio Batista de
Oliveira obtiveram através do Decreto n.º 5.126 de 30 de outubro, o privilégio de, por 16
anos para a construção, uso e gozo, disponibilizar uma linha de carris de ferro para os
morros de Santa Teresa e Paula Matos. Seu traçado seria o seguinte:
"Na cidade seguiria os Largos do Moura, Batalha e Misericórdia, praia e Rua
de Santa Luzia, rua da Ajuda, Largo da Lapa, ruas das Mangueiras e,
Riachuelo, Rezende e Arcos; nas montanhas Largo do Guimarães, Caixa
73
d'Água, pelas Ruas do Aqueduto e Largo dos Neves pelas Ruas áurea, do
Oriente e Progresso". (AMAST, 2007)
A linha das montanhas começaria na Rua do Riachuelo, tendo o seu horário
previsto em casos de um movimento constante e regular desde as 5 horas da manhã
até a meia-noite, sendo o número de carros suficientes para o serviço da linha a juízo
do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. A empresa seria, porém
obrigada a prolongar as horas de serviço, durante a noite, sempre que, por motivo de
alguma festividade ou divertimento público, a afluência de passageiros assim o
exigisse. Em 1874, se achavam terminadas as obras na cidade e se esperava para
breve o começo dos serviços no morro de Santa Teresa, onde era prevista para a
ascensão da tração a vapor, por meio de máquina fixa.
Em 13 de março de 1877 seria inaugurado o plano inclinado na região de
Santa Teresa, com 513,3m de extensão. A linha de carris na parte plana da cidade
tinha a extensão de 7 km (linhas de Santa Luzia, Lapa e Riachuelo), quando foram, em
1878, integradas à Companhia de Carris Urbanos, continuando a da parte alta sob a
responsabilidade da Companhia Ferro-Carril Carioca. No plano inclinado trabalhavam
dois carros, com lotação de 28 passageiros cada um. No alto do elevador, funcionavam
os pequenos bondes a burro, que subiam vagarosamente as íngremes ladeiras até
Paulo Matos, e na volta desciam só com a ajuda das declividades.
Em fins do século XIX, a Carril Carioca lançou dois arrojados projetos: a
eletrificação das linhas e segundo, a ligação dos morros Santa Teresa e Santo Antônio,
passando os bondes sobre os Arcos. A inauguração desses dois melhoramentos se
deu no dia 1º de setembro de 1896, sob grande aclamação popular. O plano inclinado
funcionou ainda até 1900, quando foi suspenso o serviço. Alguns anos depois, em
1906, foi restabelecido o tráfego, funcionando até 1926, quando foi definitivamente
suspenso.
O belo passeio, atravessando sobre os arcos do antigo Aqueduto, a uma
altura de quase 20m era excitante e inclusive até hoje é uma das atrações turísticas da
cidade do Rio de Janeiro. Em 1900, os bondes partiam do Largo da Carioca, de 20 em
74
20 minutos. Por contrato de 12 de novembro de 1903, a Companhia iniciou os trabalhos
para o prolongamento de suas linhas até o Alto da Boa Vista na Tijuca, passando por
Sumaré. Em 9 de novembro de 1906, foi inaugurada a estação de Sumaré, a partir do
Largo do França.
Por motivo de desavença entre a companhia construtora e a concessionária,
em 1907 o tráfego foi paralisado e nada mais foi feito para reativar o serviço. Em 1928
foi construída uma linha pela Rua Francisco Muratori, que estabelecia também uma
ligação entre a parte baixa da cidade e as linhas do morro de Santa Teresa, quando
esteve em tráfego até 1966, quando foi desativada.
Em abril de 1926 a Companhia Ferro-Carril Carioca adquiriu cinco novos
bondes de fabricação belga. A Companhia construiu carros reboques por estes
modelos. Entraram em tráfego no mês seguinte. Já em janeiro de 1975 foi inaugurada a
nova estação dos bondes, agora sobre o teto do estacionamento dos automóveis da
empresa Petrobrás, na Avenida República do Chile. Em 1966, em virtude de
deslizamento de terras provocado pelas fortes chuvas, a linha do Silvestre teve seu
ponto final em Dois Irmãos, e posteriormente ampliada até pequena distância do Corpo
de Bombeiros.
O sistema de bonde carioca foi extinto em 1964 quando alguns bondes foram
vendidos aos museus norte-americanos, restando somente a ligação do centro da
cidade ao bairro de Santa Teresa, que é único remanescente em todo o país.
Ao longo do tempo, Santa Teresa chegou a ter em circulação mais de 35
bondes, alguns com reboque. Em 1975, de um total de 28 veículos, só funcionavam 18,
com uma taxa de ocupação das mais altas (69%) de toda a história da vida dos atuais
bondinhos. No Rio de Janeiro foi a Companhia, a primeira empresa de carris a unificar o
serviço de tração elétrica em todas as suas linhas, numa extensão total de 17,30km de
linhas sendo 10,30km de linhas ativas, 1,50km de pátios e desvios e 5,70km de linhas
operacionais. Ao longo do século XX, com o avanço da malha urbana, Santa Teresa
tornou-se um bairro único e especial no território do Município do Rio de Janeiro, com
uma feição urbanística e um acervo arquitetônico que se destaca no panorama carioca.
75
Por essas qualidades, Santa Teresa foi objeto de legislação especial – Lei n.º
495/84 – que transformou o bairro em área de Preservação Ambiental (APA), a primeira
em todo Brasil. Como decorrência, o Poder Executivo Municipal regulamentou a Lei e
passou a exercer a tutela através do DGPC/Departamento Geral do Patrimônio Cultural
da Secretaria Municipal de Cultura.
Através do decreto nº 28.848 de 18/06/2001, do governo do estado do Rio de
Janeiro, ocorreu a transferência da administração dos serviços prestados pela
Companhia de Transportes Coletivos (CTC) à Companhia Estadual de Engenharia de
Transportes e Logística (CENTRAL), contando o sistema de bonde de Santa Teresa,
hoje, com extensão total de 17,3 km de linha.
2.1.5. O Hotel Santa Teresa: de hotel de bairro a hotel global
2.1.5.1. Da fundação em 1859 até os dias de hoje
A primeira notícia que se tem do Hotel Santa Thereza (também conhecido, a
partir de 1879, por Grande Hotel Santa Thereza) é do Almanak Laemmert nº 5, p.15 de
1859, que menciona este hotel é o primeiro a se estabelecer em Santa Teresa;
aparecia no almanaque com os seguintes endereços; em 1859, no Morro de Santa
Teresa, nº 26; em 1873, na rua do Aqueducto (atual Almirante Alexandrino), nº 22; em
1876, nas páginas 48 e 50 e Junguilhos (atual rua Felício dos Santos), n° 4; em 1880,
nas páginas 48 a 54 e Junguilhos, nº 5; em 1889; nas páginas 66 e 68; em 1911, nas
páginas 176 e 184. (AMAST, 2007)
Em 1882,
76
“O Grande Hotel Santa Thereza era um dos estabelecimentos que já
dispunham de linhas telefônicas para todos os pontos da cidade e
arrabaldes”. Constituía assim um dos grandes estabelecimentos do período
que anunciava “bom e grande estabelecimento, tendo sempre salas e
quartos mobiliados com elegância; com sala de bilhar e piano a integrar suas
dependências”, proclamava ainda “integrar seus quadros, João José Torres
e Carlos Ternite o primeiro antigo chefe de cozinha do Paço Imperial,
durante 32 anos e o segundo com experiência adquirida ocupando o mesmo
cargo nos principais hotéis da Europa.” (AMAST, 2007)
O Hotel Santa Theresa, após sua aquisição em 2004, pelo grupo hoteleiro
francês, Exclusive Hotels, teve a existência fadada então a uma ampla reforma, que
suscitou uma polêmica, devido aos diversos afetos e interesses envolvidos – dos
proprietários do imóvel, da vizinhança, dos ex-moradores do Hotel e da AMAST. Foi
tombado no mesmo ano pelo prefeito César Maia, que declarou fazê-lo para preservar
um patrimônio que pertencia à história do bairro e de seus moradores.
2.2. A IDENTIDADE LOCAL
Uma análise da identidade local e de seu processo de formação não pode
estar desvinculada do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico de Santa Teresa,
além de refletir algumas relações societárias existentes no bairro e o sentimento de
pertencimento e de comunidade encontrados que o caracteriza. Para realizar esta
análise, selecionamos um caso semelhante encontrado em Portugal, mais
especificamente, o caso de Alfama, um bairro de Lisboa, que possui diversas
características comuns ao bairro de Santa Teresa. Este foi analisado por Antônio
Firmino da Costa (2005) empregando o conceito de “sociedade de bairro” para
77
conseguir compreender os fenômenos societários que lá ocorrem e que podem ser
utilizados também na tentativa de entendimento da sociabilidade de Santa Teresa.
Ao se adotar algumas premissas para se pensar a identidade local do bairro
de Santa Teresa, é possível delimitar algumas questões relevantes que permitem
discutir e compreender os processos responsáveis pela identidade local. Logo, é
possível apontar para questões como a idéia de pertencimento, a noção de bairro e,
conseqüentemente, a de comunidade.
Estas três questões estão entrelaçadas de tal forma que elas não podem ser
compreendidas separadamente; no entanto para fins de análise, elas serão tratadas
separadamente – ainda que suas inter-relações sejam assinaladas no decorrer da
análise. Inicialmente, começamos com a noção de bairro, a qual acarreta a
necessidade de se empregar a idéia de pertencimento e que é base para a
compreensão do conceito de comunidade e para sua aplicação no caso de Santa
Teresa.
No entender de Hobsbawn e Terrance em “A invenção das tradições” (1984),
a noção de bairro é construída a partir de um processo de invenção, por componentes
da esfera pública, principalmente a municipal, para fins administrativos48 e para
delimitação do território, este alvo de intensas disputas, pois ele possibilitava a posse
ou não de poder político a nível local. Bairro então adquire centralidade, que
anteriormente era exercida pela vila onde até então ela era reforçada pela sua
caracterização a partir do binômio interior/exterior em relação ao bairro. Esta relação
manteve-se e passou a singularizar o bairro através de relações entre protagonistas
sociais situados dentro e fora do bairro, práticas entre ele e outros espaços, processos
de comunicação e de formação de representações simbólicas efetuados como
48 No caso carioca, a primeira divisão existente foi a de freguesias, que se dividiam em urbanas e rurais, no período do século XVI até o final do século XIX, Deste momento até 1918, se adotou a categoria freguesia suburbana para designar regiões que possuíam características das duas categorias existentes até então. A partir de 1918, foi adotada a divisão da cidade por zonas, elas são: urbana, suburbana e rural, permitindo a formação de unidades menores conhecidas como bairros, que devido ao intenso crescimento demográfico e de complexidade social criaram-se os bairros, locais estes onde indivíduos possuem raízes e onde se encontram, em diversos níveis imersos em uma comunidade.
78
resultado de relações entre segmentos da população residente e outros agentes sociais
externos ao bairro.
Uma comparação entre o caso do bairro de Alfama em Lisboa, retratado por
Costa (2005), e o caso de Santa Teresa torna-se relevante por estes possuírem
diversos pontos em comum como: a malha urbana; o caráter materialmente fechado do
bairro; os becos, as escadinhas e vielas apertadas e a impregnação da vivência
cotidiana pelas formas locais de identidade coletiva arraigadas no bairro. A malha
urbana é acidentada em ambos os casos, divergindo apenas na localização de ambos
os bairros em relação a proximidade com o centro da cidade, no caso de Alfama, a sua
localização é distanciada do centro enquanto que Santa Teresa fica nos arredores do
centro, possuindo até duas saídas no centro da cidade e no que se refere às outras
duas categorias e os dois bairros possuem mais similitudes do que diferenças,
principalmente devido à sua topografia, regiões compostas por morros, e devido às
suas complexas identidades coletivas.
Como conseqüência do processo de socialização do local, o bairro ganha
espaço como local de convivência e onde as relações cotidianas são construídas e se
fortalecem, pois elas são formadas a partir de um sentimento de pertencimento. Esta
idéia é construída a partir de um sentimento de pertença, seja ele através de seu local
de nascimento ou de moradia seja ele por uma mera pertença de caráter afetivo ou via
relacionamento com os moradores do bairro. Além destas características, apresentam-
se outras como um certo caráter isolador do espaço local, da forma urbana e o
ambiente sócio-cultural.
É possível delimitar esta idéia de pertencimento ao bairro de Santa Teresa à
sua intensidade e a sua valoração. A intensidade pode ser medida através da idéia de
reconhecimento de uma forma positiva como um morador do local se utiliza de
instrumentos como a enorme quantidade de comunidades49 sobre Santa Teresa na
rede relacionamentos Orkut da internet. Esta relação é medida pelos próprios
moradores como uma característica extremamente positiva que é ressaltada em
49 Um total de 43 comunidades, cuja listagem está disponível no Anexo III.
79
reportagens e entrevistas. Esta integração também é reforçada por um certo isolamento
do bairro tanto no que se refere às suas características ligadas ao território (um
conjunto de três morros), a sua malha urbana apertada, o seu aspecto materialmente
fechado associado à uma típica forma cultural que se expressam através do cotidiano,
das práticas simbólicas e da vida coletiva lá presentes.
As relações de vizinhança no bairro de Santa Teresa se constituem em um
importante instrumento societário que gerou uma nova coletividade permeada por
várias redes de relacionamento social que o atravessam. Conseqüentemente, a
proximidade exercida pela vizinhança, mesmo contrariando a dificuldade de acesso via
automóvel, aliada a diversos atrativos paisagísticos e simbólicos, acabam por incentivar
a vontade de permanência de famílias de classe média & alta que ainda representam
70% da população do bairro. (IBGE, 2000)
Elas contribuem para a construção de processos interlocais – termo cunhado
por Antônio Firmino da Costa (2005) onde
aqueles que estabelecem relações entre subconjuntos populacionais e espaciais da cidade... No caso, [estimulando] dinâmicas de constituição recíprocas de identidades coletivas enquanto ‘bairros’ e [em um] quadro de relações mais abrangente, simbolicamente representada nos mapas cognitivos da população, de tais subconjuntos com a cidade no seu todo, num jogo de demarcações e inclusões identidárias. (COSTA, 2005, p.112-113)
Estes funcionariam como um instrumento de conexão entre os diversos
grupos sociais distribuídos na cidade tanto no referente ao critério de divisão social
quanto no critério de ocupação do território que, como já foram demonstrado em Santa
Teresa, se constituiu na maioria dos diversos momentos históricos em que coabitaram
os dois50 foram de uma complexidade enorme, no entanto este relacionamento será
mais detidamente analisado no decorrer do terceiro capítulo.
50 Segmentos de classe média e alta e as comunidades carentes do bairro.
80
Além das questões envolvendo o bairro e a idéia de vizinhança, a noção de
comunidade se apresenta como uma forma de compreender a complexidade existente
em Santa Teresa que, ao mesmo tempo em que é rara em uma cidade como o Rio de
Janeiro, caracteriza a singularidade do bairro no contexto atual da cidade. Esta noção é
utilizada se adotando como referencial analítico Zygmunt Bauman (2003) e seu estudo
sobre comunidade, que analisa a vertente comunitária na sociedade contemporânea
permeada por processos globais de deslocamento societário que alteram as
tradicionais estruturas societárias até então em vigor.
Desta forma, está noção de comunidade se evidencia em Santa Teresa
através de um sentimento de pertença – especialmente ao se considerar a valorização
de um “modo de vida” existente típico do bairro, que já constatamos ser uma
representação social – uma “imagem urbana” – que também funciona como
potencializador de uma identidade coletiva que diferencia o bairro com relação aos
outros.
No entanto, esta visão não é compartilhada igualmente por ambos os grupos
que habitam o bairro. Uma delas é que se refere ao desenvolvimento, por exemplo eles
divergem de uma forma bem evidente. No entanto, encontramos alguns pontos em
comuns entre ambas as visões como a idéia de agregação presente no bairro. Como
uma hipótese à ser comprovado no decorrer da pesquisa, seria que ocorre por parte
das comunidades carentes a adoção da imagem dominante no bairro que é de um forte
agregador social.
A afirmação de Costa (2005, p.150), de que uma teoria geral da comunidade
considera um nível específico de integração social, dado através de laços de vizinhança
e de cooperação acentuados acabam por auxiliar na tarefa de compreender o
fenômeno comunitário existente em Santa Teresa, pois este encontra um paralelo em
outro conceito do autor, o de “comunidade perdida”, onde ele considera as profundas
transformações sociais da modernidade (em particular no decorrer do século XX), e
deduz que o novo modo de vida urbano, cujo cenário tradicional seriam as grandes
metrópoles, tenderiam a extinguir as comunidades tradicionais – em especial, as de
bairro.
81
Este conceito também guarda uma enorme similitude às considerações
formuladas por Bauman (2003) em seu ensaio sobre comunidade, já citado. Ele, em
sua reflexão sobre alguns dos princípios norteadores de comunidade, permitiu uma
compreensão mais ampla ao colocar sua reflexão do processo mais amplo daquilo que
algumas vertentes da teoria social denominou de pós-modernidade. Os reflexos desta
sobre as relações societárias iriam desde princípios identitários a princípios de
sociabilidade em suas menores esferas.
Entre elas, se destaca o princípio de pertencimento a um determinado grupo
seja devido à proximidade espacial ou por afinidades de interesses sociais, culturais e
políticos51 específicos, e que adquire uma considerável importância no decorrer do
processo societário existente em Santa Teresa.
Então, o bairro de Santa Teresa se constitui em comunidade ainda que
possuísse dois “habitus” ali presentes: um, oriundo das classes média e alta e o outro,
das comunidades carentes. Mesmo ambos sendo extremamente distintos, conseguem
construir um sentimento de pertencimento mais amplo como se o bairro fosse uma
“instituição” agregadora de diversos segmentos sociais distintos e ainda mais, como se
fosse possível se retirar o foco das contradições típicas do modo de produção
capitalista. Esta noção de comunidade apresentada por Bauman (2003) é fruto de uma
concepção tradicional de constituição de agregação social que tenderia a ser
substituída pelo conceito de identidade que é apontado na concepção de Bauman
(2003) e é reforçado por Jock Young (1999).
Entretanto, em um olhar mais apurado sobre esta noção de comunidade, é
possível indicar alguns caminhos que podem auxiliar na tarefa de compreender melhor
a relação entre comunidade/ identidade, principalmente ao se adotar a concepção de
Bauman (2003) sobre ela.
Se analisando o caso do bairro de Santa Teresa, se percebeu que os
princípios comunitários auxiliam na construção e na manutenção da identidade espacial 51 A este conjunto de interesses que norteiam um determinado modo de viver e/ou de agir, Bourdieu nomeou de “habitus”. (BOURDIEU, 1999)
82
ali existente. E de certa forma, é possível também incluir, em um segundo plano, as
diferenças sociais fruto de hierarquias sociais, como já fora mostrado anteriormente.
Esta associação é reforçada por uma distinção que é “compartilhada por um
grupo ou categoria de indivíduos suficientemente numerosos e determinados
para merecer consideração [...] que se torna uma reinvidicação coletiva”
(BAUMAN, 2003, p.71)
que se apresenta e se solidifica através de diversas esferas e exemplos,
expressando melhor o fenômeno societário conhecido como comunidade presente em
Santa Teresa.
Como exemplo, podemos citar o Bloco das Carmelitas que, a partir do
carnaval de 2007, decidiu não divulgar mais o horário em que o bloco sairia nos dois
dias no qual estavam programados. O motivo alegado para tal atitude foi o excesso de
foliões que acompanhavam o bloco, e tal decisão foi tomada não só para reduzir o
número de freqüentadores, mas também como uma tentativa de retornar aos tempos
em que apenas os moradores do bairro participavam do bloco.
Assim a
defesa do lugar [é] vista como condição necessária de toda segurança, devendo ser uma questão do bairro, um “assunto comunitário” ... [Só] poderá a comunidade – a comunidade local, uma comunidade corporificada num território habitado por seus membros – e ninguém mais. (BAUMAN, 2003, p.102)
Mas algo assim se sustentar em um mundo guiado por uma lógica oriunda
da globalização?
Esta pergunta não será respondida nesta pesquisa, mas serve como um
estímulo ao instigamento para a discussão de novas formas de “agrupamento” social
que se apresentam neste novo contexto social e que são evidenciados em algumas
características do bairro de Santa Teresa.
83
Ao se recuperar o caso ocorrido no carnaval 2007 em Santa Teresa, se
evidencia a busca por um “abrigo”, que alguns denominam como comunidade e onde
se oferece um ambiente seguro sem ladrões e à prova de intrusos. E, ainda mais:
“comunidade”, como afirma Bauman (2003), significa isolamento, separação, muros
protetores e portões vigiados que, associado ao isolamento físico colaboram para uma
tentativa de isolamento simbólico através de práticas que buscam retornar a tempos
pretéritos que caracterizavam o bairro.
Assim é possível afirmar que se pretende, pelo menos na tentativa de alguns
segmentos sociais que habitam o bairro, construir um “gueto voluntário” como nos diria
Loic Wacquant e que é assumido por Bauman (2003), definido pela seguinte
característica: a de impedir a entrada de intrusos e permitir que os de dentro possam
sair à vontade.
Após discutir alguns elementos constituintes da identidade coletiva presente
no bairro, como as noções de pertencimento, bairro e comunidade que de certa forma
auxiliaram na tarefa de compreender a identidade existente ali, abordaremos agora
mais detalhadamente a identidade espacial propriamente dita. Primeiramente, é
possível assinalar a presença de uma “genuína” identidade coletiva, considerando esta
“genuinidade” como fruto de seu passado histórico e conseqüentemente de seu
patrimônio histórico, cultural e arquitetônico; assim ela se relaciona diretamente com o
“nascimento” e desenvolvimento inicial da cidade.
Entretanto, esta identidade coletiva não é resultado de uma homogeneidade
social em Santa Teresa, mas sim resultado de distinções que são expressas através de
hierarquias sociais e de conflitos sociais, mas que consegue superar este empecilho e
constituir uma sólida identidade coletiva, o que necessariamente não ocorre em todas
as unidades sócio-espaciais locais. Elas só são possíveis graças a uma determinada
configuração social com referentes significativos de sentimentos de pertença permitindo
a criação desta identidade. Mas cabe ressaltar também que esta identidade local não
gera necessariamente um sentimento de pertença pautado em atributos sociais
reportados ao território, nomeadamente à vizinhança residencial, pelo contrário, a
84
noção de vizinhança é percebida apenas no interior dos dois principais segmentos
sociais do bairro (classe média e alta e comunidades carentes).
Mas para efeitos de uma identidade que possa ser exteriorizada para além
das fronteiras do bairro e para explícitos fins de atividades turísticas, ela corresponde
aos padrões culturais desta população e seus reflexos como uma representação
simbólica do bairro, como uma “entidade coletiva” que será analisada mais detidamente
no terceiro capítulo. Logo, a identidade local reforçada pela identidade cultural52 se
torna partilhada, assim como ocorre a manutenção de um conjunto de atributos
fundamentais, quer em sua amplitude no bairro e em sua intensidade com que ela é
experimentada, quer nos conteúdos afetivos e cognitivos e relacionais nela investidos
quer ainda nas formas simbólicas e nas práticas sociais em que se exprime.
Conseqüentemente, se constata a presença de estratégias identidárias que
são
estratégias sociais que encontram na identidade cultural do bairro as condições de sua emergência, de estratégias sociais que recorrem de maneira explícita a identidade cultural [que no caso de Santa Teresa funciona] como uma referência privilegiada e argumento da legitimação dos processos desencadeados e, ainda mais, de estratégias sociais que utilizam os ingredientes relacionais e simbólicos desta identidade cultural como instrumentos centrais dos modos concretos de ação coletiva capazes de gerar condições para uma agência transformadora capaz de ser portadora da resistência frente a processos econômicos globais. (COSTA, 2005, p.480)
Assim, o mais importante a ser ressaltado neste processo é a capacidade
desta identidade cultural em gerar efeitos sociais potencializadores de elementos
básicos para a formação de protagonismos coletivos, que possam romper com o
intenso conflito que insurgiu na esfera social e política do bairro de Santa Teresa.
52 No caso de Santa Teresa, a identidade local acaba influenciando a constituição de uma identidade cultural, e esta acaba por reforçar a identidade local.
85
CAPÍTULO III
CONFLITO EM TORNO DO DESENVOLVIMENTO: DO LOCAL AO GLOBAL EM SANTA TERESA
Este capítulo analisa o conflito em torno dos projetos de desenvolvimento
percebidos no bairro e como eles afetam o bairro nas mais diversas instâncias da vida
social. Este conflito, ao contrapor visões distintas de desenvolvimento econômico de
cunho local, suscita uma discussão mais ampla acerca da participação social das
comunidades envolvidas no processo.
Destaca-se neste contexto os diversos elementos constituintes deste
processo que são: o projeto ligado à globalização e ao turismo global e o outro, voltado
para um desenvolvimento sustentável atentando para as características do patrimônio
histórico, cultural e arquitetônico do bairro – assim como as necessidades das
comunidades locais. As raízes deste processo se encontram em um momento de crise,
principalmente no que se refere à preservação do patrimônio e a auto-estima de seus
moradores.
No início do século XXI, o bairro ficou frente a um dilema: o de adotar um
modelo de desenvolvimento pautado no turismo global ou em outro que valorizasse o
desenvolvimento atentando para as particularidades do bairro e de seu patrimônio.
86
3.1. A ARENA DE SANTA TERESA A PARTIR DA DÉCADA DE 1990
Nas décadas de 1980 e 1990, o bairro passou a receber também
constantemente a presença de boêmios que passam a freqüentar o bairro atrás de seus
tesouros arquitetônicos, históricos e a procurar o que o Rio deixou para trás, um clima
de nostalgia e retorno ao passado.
Além destes, o bairro passou a ser alvo de empreendimentos turísticos dos
mais diversos portes, que acabaram por tentar transformar o bairro em uma área
destinada ao turismo, principalmente o global.
Com a apresentação deste contexto, os diferentes agentes sociais presentes
no bairro se posicionaram frente conflito social existente em grandes cidades mundiais,
em especial, a cidade do Rio de Janeiro – entre pobreza e riqueza, entre continuidade e
transformação, que possam de alguma forma, contribuir para pensar algumas propostas
para se alcançar uma sociedade mais justa e democrática em seu sentido pleno.
Desta forma, se evidenciou como um objetivo mais imediato, pensar a
construção do espaço social de Santa Teresa à partir das representações sociais
envolvidas com o intento de compreender as propostas existentes para desenvolver o
bairro e a região do seu entorno, sem, contudo destruir o seu patrimônio e sua longa
história de vida.
87
3.2. O CONFLITO
3.2.1. O conflito: as duas representações
Se propor analisar as principais representações sociais, existentes em Santa
Teresa, é refletir sobre o imaginário urbano de um bairro com um rico e extenso
patrimônio histórico-cultural. Logo, este item da dissertação analisará as duas principais
representações sociais do bairro, a partir da contribuição de Henri Lefebvre em um
primeiro momento e, posteriormente, dos trabalhos realizados por Fernanda Sanchèz.
Dentro desta proposta, serão abordadas as representações propriamente
ditas, os agentes envolvidos em sua construção e seus efeitos sobre o lugar. As duas
representações existentes no bairro de Santa Teresa são: uma, em que o bairro é
retratado de uma forma bucólico, repleto de tranqüilidade e como possuidor de algumas
características típicas do Rio Antigo que, atualmente não são encontrados em outras
áreas da cidade e que oferecem quase que um novo “modo” de vida. E a outra, é a
representação vivida a partir do cotidiano dos próprios moradores em seu dia-a-dia,
como: a violência urbana, que assola a cidade como um todo, a degradação de seu
patrimônio histórico, cultural e arquitetônico e a ausência de projetos para a geração de
desenvolvimento que valorizem as características locais do bairro e que incorpore os
ambos segmentos sociais existentes em Santa Teresa.
A delimitação destas representações só foi possível graças à percepção
obtida através de um trabalho de campo no bairro e do olhar externo às dinâmicas
societárias presentes ali. Partindo destes pressupostos, estruturou-se estas
representações assim como os agentes envolvidos na sua criação e manutenção,
influenciados por processo da ordem local e global. Esta proposta analítica foi criada a
88
partir de uma análise de Henri Lefebvre53, onde o autor aponta para a necessidade de
se atentar para
quién engendra o produce las representaciones ? ; Donde emergen ? ; Quién las percibe y la recibe? ; Qué sujeto ? Y qué hace com ellas ? Es el sujeto individual y/o social el que produce las representaciones ¿ Según qué proceso? (LEFEBVRE, 1981, p.24)
A representação de uma Santa Teresa bucólica é resultado de uma
associação entre representação e ação no decorrer do movimento de produção do
espaço e à partir do que Fernanda Sanchéz afirma ser “o conteúdo das representações
coletivas acerca dos lugares que contribuem para dar impulso à sua transformação”
(2003, p.90) rumo à um modelo de desenvolvimento associado a premissas de ordem
global. Esta representação é consumida por pessoas externas ao bairro sejam eles,
moradores de outra região da cidade ou turistas de outros estados e/ou países. Ela é
incentivada por órgãos públicos ligados ao turismo tanto nas esferas municipal quanto
na estadual, e setores privados como proprietários de restaurantes, hotéis e comércio
voltados para atender estes segmentos, de uma forma geral.
A pesquisa forneceu indícios para se permitir afirmar que esta representação
adquiriu uma certa “tangibilidade” ao ser inserida em um processo mais amplo de
consumo da imagem e conseqüentemente do espaço. Ao retratar este fato, a
contribuição de Lefebvre sobre as representações sociais torna-se valiosa ao
possibilitar compreender que os interesses privados associados a órgãos da
administração pública54 geraram uma representação que obtém força e se “cristaliza”.
Entretanto, ela continua sendo uma “representação” pois como afirma
Lefebvre (1981) que “la reprodución de la percepción em la representación no siempre
es um regreso fiel de ésta; puede ser modificada por omisiones o cambiada por la
emergência de diferentes elementos” (LEFEBVRE, 1981, p.19). São nos espaços
53 Presente em sua obra Ausência e Presença: uma contribuição á teoria das representações sociais, de 1981. 54 Leia-se do Município e do Estado do Rio de Janeiro.
89
deixados por estas omissões que se insere a ação dos agentes citados acima gerando
uma “hipervalorização” de alguns aspectos que realmente o bairro possui e a omissão
de outras como é o caso da pobreza e das desigualdades sócio-territoriais existentes
no bairro, que poderiam prejudicar o processo de marketização urbano.
Desta forma, cabe atentar para um processo de produção social das
representações que busca a geração de mercadorias propriamente ditas como se
expressa através da imagem à ser consumida pelos turistas. Ela é ressaltada pela
criação de uma aura de “exotismo” originada pela necessidade de se singularizar a
“imagem urbana” a ser vinculada.
Lefebvre reforça o peso dados às representações, pois dependendo da
agência de determinados atores, elas “amplificam, desplazam, transponen ciertas
“realidades”. Forman parte de una estrategia “ inconsciente”. Nacen como símbolos em
lo imaginário y se fortalecen volviéndose corrientes, casi instituídas” (LEFEBVRE, 1981,
p.60) Ainda mais, o essencial desta análise é o de compreender o “poder de las
representaciones, la capacidade Del discurso que suscita el deso sustituyiendo lo ”real”.
“(LEFEBVRE, 1981, p.67) e que no caso de Santa Teresa se constitui em um
arcabouço simbólico sedimentado sobre uma realidade adversa, que mesmo
enfrentando problemas cotidianos inerentes a qualquer grande metrópole, colabora
para fortificar uma segregação sócio-territorial no bairro que só tende a aumentar.
Assim ao atentar para a representação social oriunda do cotidiano do bairro
esbarramos em um contexto bem distinto daquele retratado acima. Ela descreve um
bairro com problemas sociais relevantes que refletem tanto na ocupação do espaço
público quanto na divisão social presente no bairro e alcançando o patamar de se
perceber a presença de um sentimento coletivo de “medo”55 , fato este comum na
cidade do Rio de Janeiro como um todo.
Buscando uma maior compreensão desta segunda representação e
almejando a formulação de uma relação entre ambas as representações encontram-se
no par analítico presença e ausência de Lefebvre uma importante ferramenta de análise
55 Esse sentimento é compartilhado em sua maioria pela população de classe média e alta local.
90
para se alcançar o objetivo proposto. No entanto, é necessário considerar dentro da
relação realidade/ representação, a criação da representação como sendo uma “obra”
de um determinado grupo social visando comercializar o que Lefebvre denominou de
“virtualidade”. Ela corresponde a uma mediação entre a presença e a ausência e que
no caso de Santa Teresa, adquire uma imensa corporeidade auxiliado pela formulação
de uma idéia de consenso na busca por um modelo de desenvolvimento que atenda
prioritariamente às elites locais e como demonstrou nosso estudo, as elites globais.
A contraposição entre as representações (a de Santa Teresa bucólica e a
Santa Teresa do viver cotidiano) permite evidenciar desde uma diversidade de
interesses até o papel exercido pelo marketing urbano e sua capacidade de criar
consensos de considerável eficácia simbólica. Os grupos de interesses se agremiam
em dois: os defensores da “Santa Teresa bucólica” que investem maciçamente no
marketing e os defensores da “Santa Teresa do viver cotidiano” que são os segmentos
de classe média e alta que buscam impedir os projetos de cunho global e de outro lado,
a AMAST.
O primeiro grupo atua a partir do que Lefebvre denominou de “percebido”, ou
seja, o que fora apropriado pela imagem e que, como já fora demonstrado, é resultado
de uma imensa agência de cunho simbólico norteado por valores locais influenciados
por diretrizes globais relacionados ao nosso caso, ao turismo. Com esta finalidade, se
torna necessário pensar o “percebido” por Lefebvre como uma
mercadoria espacial, [que precisa de] estratégias especiais de promoção: são produzidas representações que obedecem a uma determinada visão de mundo, são construídas imagens-sínteses sobre a cidade e [onde] são criados discursos referentes à cidade, encontrando na mídia e nas políticas de city marketing importantes instrumentos de difusão e afirmação. As representações do espaço e, baseadas nelas, as imagens-sínteses e os discursos sobre as cidades, fazem parte, pela mediação do político, dos processos de intervenção espacial para a renovação urbana. (SANCHÈZ, 2001, p.33)
Isso resulta em uma intensa luta em torno da construção destas
representações e seus efeitos dentro da lógica de valorização do espaço que, no caso
91
de Santa Teresa, é apropriado por agentes e uma lógica típica do turismo. Desta
forma, analisa-se o papel do turismo dentro da formação desta representação social.
Para tanto devemos apontar para a relação entre a representação e a agência no
decorrer do processo de produção do espaço que, como assinalara Fernanda Sanchéz.
é a partir dos conteúdos das representações coletivas sobre os lugares que se torna
possível transformar o espaço, gerando com isso novos espaços moldados para o
consumo são “espaços sem espessura, sem história, descartáveis” (SANCHÈZ, 2003,
p.90) e são frutos de uma busca por criar uma ambiente em que o turista possa usufruir
de diversas vantagens que apenas o dinheiro poderia proporcionar. Elas se constituem
através de um intenso investimento simbólico conferiu ao espaço urbano do que
Lefebvre denominou como sendo “uma dupla existência, real, imaginária” (LEFEBVRE,
1968, p.170).
Esta “dupla existência real” é estimulada pela mídia ao funcionar como um
instrumento privilegiado por
por moldar as representações acerca das transformações urbanas e dos lugares produzidos. Por meio dela, são produzidos signos de bem-estar e satisfação no consumo dos espaços de lazer, [assim como] comportamentos e estilos de vida e a promoção da valorização dos lugares e espetacularizado pela mídia (SANCHÈZ, 2003, p.101-102)
gerando o que já fora mostrado no item anterior na figura dos grandes hotéis
reproduzindo características locais e outras globais. Como algumas características
como os quartos com nomes de bairros cariocas e paisagens naturais típicas do Rio de
Janeiro e os preços e acomodações com alto níveis representam o padrão global de
consumo.
Outro exemplo desta imagem a ser consumida pode ser evidenciado à partir
do trecho descrito abaixo da reportagem do jornal O Dia56
56 ROMEO, Madalena. “Santa Teresa vira a nova queridinha dos gringos” in Jornal O Dia. Publicado em 19 de Agosto de 2007. Disponível em <http://odia.terra.com.br/turismo/htm/geral_118159.asp>, acessado em 19 de Agosto de 2007.
92
Santa Teresa é a nova princesinha do Rio. Nunca se viu tanto turista passeando pelas ruas do bairro. A grande maioria é de estrangeiros à procura de maior contato com a cultura e o charme da região. Prova disso é o aumento no número de hospedagens. Hoje, a região conta com 617 leitos em nove hotéis e pousadas, além das 50 residências do programa de hospedagem familiar Cama & Café. Há cinco anos não havia mais do que dois hotéis caquéticos.
‘Os moradores são simpáticos. Parece que estamos no subúrbio e ao mesmo tempo muito perto do Centro’, comenta o jornalista inglês Matthew Evans, 33 anos. Ele e a namorada, Judy Slenner, 31, ‘se mudaram’ para o bairro assim que o visitaram, no terceiro dia na cidade. ‘Foi uma surpresa conhecer um local tão interessante’, diz Judy.
O clima de cidade do Interior encanta os turistas. Bastou passar uma noitada de samba no Simplesmente para a estudante americana Amanda Earley, 21, começar a ser cumprimentada na rua pelos moradores. ‘Aqui todo mundo acaba se conhecendo e se cumprimenta na rua. Parece que moro aqui há anos’, observa Amanda.
Já o marketing urbano será desenvolvido a partir do referencial de Manuel
Castells e Jordi Borja para compreender como se dão as estratégias utilizadas para se
realizar o marketing urbano no bairro de Santa Teresa e na cidade do Rio de Janeiro
como um todo.
A análise das representações sociais existentes no bairro indica intrincadas
relações de poder e de participação entre atores e agentes que atuam no bairro. Dentre
elas, duas se destacam, como veremos a seguir.
A primeira, que é hegemônica no bairro, tem como seus principais agentes a
Associação Comercial de Santa Teresa, setores ligados aos serviços turísticos e alguns
órgãos da Prefeitura ligados também ao turismo, principalmente. Essa representação
apresenta um bairro como possuidor de um “modo de vida” típico do Rio Antigo onde as
pessoas podem usufruir de paz e tranqüilidade bem ao lado do centro financeiro da
cidade e aproveitar o lazer oferecido por bares e restaurantes e assistir diversas
atividades culturais como exposições de arte, por exemplo.
Esta representação é compartilhada pelo forasteiro comum, seja ele morador
de outras regiões como este pesquisador e outras pessoas oriundas de outras cidades
e principalmente, de outros países.
93
Já a segunda “representação” referente ao bairro é formulada pelos
moradores que ao viver o cotidiano possuem uma outra percepção do bairro, um com
problemas comuns a todas as grandes cidades do mundo, como violência urbana,
fortes desigualdades sociais e estagnação econômica57.
Com o intento de analisar essas representações e seus efeitos nessa disputa
por poder em suas mais diversas esferas no bairro, emprega-se o conceito de Henri
Lefebvre para se compreender melhor as finalidades das mesmas e suas
conseqüências dentro de um luta simbólica no bairro.
Para compreender de uma forma mais ampla esta disputa, recorremos ainda
a Pierre Bourdieu através de seu conceito de bem simbólico e violência simbólica, que
colaborará enormemente nesta tarefa, pois esta disputa influenciará decisivamente na
temática do último eixo aqui abordado, que corresponde às formas de organização do
bairro e suas (im)prováveis formas de resistência a este projeto global.
E para se compreender como a representação dominante adquire substância
até conseguir se associar ao senso comum, empregaremos ainda o conceito de Antônio
Gramsci referente ao seu conceito de senso comum.
3.2.2. Os agentes à favor deste modelo: a globalização em Santa Teresa
Os agentes favoráveis ao modelo de desenvolvimento pautado no turismo,
principalmente naquele voltado para os denominados “turistas globais” que associam
grupos de interesse internacionais e grupos locais tanto a nível do bairro como a nível
municipal. Eles são as redes de investidores franceses, os donos de pousadas e hotéis,
os comerciantes do bairro, setores da classe média local que denominaremos de 57 Essa idéia de “estagnação econômica” foi colocada pelo autor, recuperada do discurso de alguns moradores do bairro e presente na representação criada e vivenciada pela maioria dos moradores do bairro. O intento com a utilização desse termo foi o de dualizar as duas “representações” e com isso perceber grupos em disputa no espaço social do bairro.
94
“modernizantes”, dirigentes das comunidades carentes e secretárias de turismo e
cultura das esferas municipal e estadual.
A tarefa neste momento é delimitar a ação de cada elemento, as suas
relações internas entre os agentes envolvidos e suas conseqüências no decorrer do
processo de “turistificação” do bairro. Para tanto, é importante agrupá-los em grupos de
interesses que se organizaram em pequenos grupos, mas que tem obtido vantagens
importantes no desenrolar do processo.
O primeiro grupo, composto por redes de investimentos, no caso francês e
de pessoas que curiosamente tiveram passagem pela França, como é o do Santa
Teresa/Exclusive e do Mama Ruísa e do Rio 180º, respectivamente e que demonstram
um aspecto das estratégias de investimentos de determinados setores do capital, que
se apresenta através da figura destas redes que selecionam diversos estabelecimentos
como pequenos hotéis e pousadas inicialmente na Europa e agora no Brasil.
Estas redes articulam capitais globais com vantagens locacionais que
permitem a criação de estabelecimentos que associam ao mesmo tempo, um charme
local com tarifas elevadas, conseqüentemente acabam funcionando com o principal
elemento do modelo de desenvolvimento baseado no turismo global.
Logo, se percebe uma conexão mais estreita entre estes hotéis de luxo e os
capitais internacionais possibilitando refletir sobre uma relação mais sedimentada entre
as escalas local e global permitindo perceber a presença de um projeto amplo
envolvendo diversos agentes na tentativa de transformar Santa Teresa em um pólo
turístico voltado à receber “viajantes” com um lugar para voltar como já afirmara
Bauman58, internacionais.
Ao lado destes hotéis de luxo encontra-se um grupo de hotéis de médio porte
e apart-hotéis totalizando dois exemplares de cada um que auxiliam na tarefa de
implementar no bairro o seu principal propósito. Aliado à estes agentes situam-se
58 Cf. Globalização: as conseqüências humanas, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.
95
restaurantes, bares, lojas de souvenirs59 e lojas com serviço de internet, que cresce no
bairro de uma forma destacada e que colabora na função de suprir de serviços os mais
diversos tipos aos turistas que passaram a freqüentar Santa Teresa.
O crescimento do setor de suporte ao turista tem se configurado em um
caminho através do qual estes agentes têm se baseado no momento de construir um
discurso pautado no desenvolvimento econômico do bairro através do incremento da
atividade turística.
Sobressaem neste contexto também a ação dos produtores culturais que
atuam no bairro através da organização de eventos culturais dos mais diversos portes e
tipos, indo da Semana Cultural em Santa60 a um sírio de Nazaré. Eles constroem estes
eventos à partir do financiamento de empresas para eventos culturais e do apoio ou
financiamento de órgãos municipais e estaduais dos setores de cultura e turismo.
Entretanto, o esforço principal neste momento é de caracterizar a agência de
cada grupo e se possível, analisar alguma ação integrada que conte com a presença da
maioria destes grupos.
A ação de setores do Estado tem sido de considerável impacto seja na
criação de políticas públicas de fomento ao turismo seja na divulgação do bairro como
uma atração turística no interior de um contexto maior, que seria o da cidade do Rio de
Janeiro.
As secretárias municipal e estadual de turismo atuam de uma forma bem
incisiva na tarefa de construir uma representação sobre o bairro como ele sendo
bucólico e tranqüilo capaz de receber os turistas que buscam ter uma breve noção do
que foi a cidade do Rio de Janeiro no passado. Cabe considerar aqui que o papel
destes órgãos nesta tarefa não é uma investida isolada, mas corresponde sim, em uma
tentativa da Prefeitura do Rio de Janeiro em transformar a cidade em uma “global city”.
59 Leia-se souvenirs como artesanato e obras de arte. 60 Em sua 4ª edição no ano de 2007.
96
Um outro fato que evidencia claramente o propósito do poder público
municipal é percebido no relato de Lauro Schuch, advogado dos residentes no Hotel
Santa Teresa a época de sua desocupação, que diz “antes do interesse dos moradores,
está o da cidade em preservar o patrimônio. Mas o poder público, que deveria estar
preocupado com isso, inventa um risco de desabamento só para forçar a desocupação
do hotel.” (O Globo, 24/05/2004, p.14)
No entanto, a nossa principal tarefa é mapear a ação destes agentes e seus
impactos sobre o bairro. No que se refere às políticas públicas, é possível citar algumas
que merecem uma atenção maior como o incentivo na “requalificação”61 de antigos
casarios, que receberam uma nova funcionalidade – seja de uma forma mais
cosmopolita, como é o caso dos hotéis de luxo62 ou de uma forma mais tímida, na figura
de pequenas pousadas e da rede bed & breakfast – e o incentivo a um
desenvolvimento do bairro presente no Plano Estratégico63.
As estratégias propostas pelo Plano Estratégico para Santa Teresa64
consistem de estabelecer as “bases institucionais para a criação do centro de referência
histórico da cidade” dentro do contexto da região do centro histórico do Rio de Janeiro
pautado em valorizar o turismo baseado no passado histórico que neste caso fica
caracterizado principalmente pelo bonde, ruas estreitas e tortuosas e pelo casario
antigo presente ali.
Já o outro objetivo presente no Plano Estratégico consiste na preocupação
em estruturar determinadas “políticas de recuperação, revitalização e utilização dos
espaços públicos e de prédios históricos” que possam dinamizar o local, seja através da 61 Este incentivo é dado pela própria Prefeitura através do decreto do Prefeito nº 26.748 de 17 de Julho de 2006. 62 Merece citação o antigo Hotel Santa Teresa e sua posterior “reforma” resultando na grande motivação para a realização desta dissertação, devida a percepção da atuação de um conjunto de políticas de cunho turístico eu passaram a atuar sobre o bairro a partir deste momento. 63 O Plano Estratégico é elaborado em conjunto entre associações empresariais e o poder público na figura da Prefeitura sendo estes dois os principais condutores dos grupos de interesses mais importantes em disputa. 64 PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Plano Estratégico para Santa Teresa. Disponível em <www.rio.rj.gov.br/urbanismo/planoestrategico>, acessado em 20 de Outubro de 2007.
97
refuncionalização de prédios históricos seja através da criação do pólo gastronômico
instalado ali.
Elas contribuem decisivamente na tentativa de implementar um pólo turístico
em Santa Teresa o que vai de encontro ao projeto maior da Prefeitura que é o de
transformar a cidade em uma “cidade global”, onde a contribuição de Santa Teresa
seria um exemplar interessante na demonstração do sucesso deste modelo à nível do
projeto inicialmente apresentado pelo poder público municipal.
3.2.3. Os agentes contrários à globalização
Os agentes que defendem um modelo de desenvolvimento alternativo àquele
associado à globalização por intermédio do turismo são a associação de moradores
local (a AMAST); setores da classe média local, que são defensores da representação
social de um bairro calmo e tranqüilo e a Chave Mestra, que organiza o evento Santa
Teresa de Portas Abertas.
Este grupo de agentes, mesmo que agindo isoladamente, acabam por
funcionar como organizadores de um modelo de desenvolvimento distinto daquele
desejado pelas elites globais e por segmentos da comunidade local. Cabe atentar para
a agência destes grupos como um caminho de resistência social frente à este modelo
exógeno ao bairro, conferindo a estes grupos uma certa unidade favorecendo uma
maior visibilidade de objetivos à serem alcançados.
Dentre estes, o que mais se destaca neste meio é a AMAST que devido a
sua organização interna mais voltada para uma atuação mais incisiva nos principais
assuntos pertinentes ao bairro consegue obter alguns resultados satisfatórios como a
agremiação dos agentes envolvidos na resistência frente à globalização em aspectos
que são características marcantes no bairro como a defesa do bondinho como principal
meio de transporte no bairro, a manutenção de seu casario antigo e especialmente, na
98
defesa de uma posição contrária à adoção de medidas que possam descaracterizar o
bairro em sua singularidade histórica, cultural e arquitetônica.
3.2.4. A AMAST e a sua participação no conflito
Em 1978, os moradores fundaram a AMAST baseados na luta coletiva e
organizada pela preservação do bondinho e do patrimônio histórico, urbanístico,
arquitetônico, social e ambiental. Em 1984, é aprovada a área de Proteção Ambiental
(Apa) com o Decreto 5050, em 1985, que consagra o bairro como residencial,
garantindo e incentivando a preservação e restringindo os impactos da exploração
comercial. Em 1986, o Sistema de Bondes é tombado pelo Conselho Estadual do
Patrimônio Histórico Artístico e Cultural, por ação da AMAST. De 1989 a 1991, são
elaborados e aprovados a Lei Orgânica e o Plano Diretor da cidade que consagram o
Direito de Vizinhança, obrigam Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental e
estabelecem nas Audiências Públicas as maneiras decisórias de participação popular.
A AMAST tem se configurado em um grupo de relevante peso em sua ação
de defesa dos interesses de uma parcela significativa de moradores e de outros
“ocupantes” do espaço social do bairro.
Como resultado de uma antiga mais complexa forma de associação que tem
adquirido força com uma participação da sociedade civil através da ação dos
movimentos sociais e, mais especificamente, as associações de moradores e de
vizinhos de bairro.
Ao analisar este conflito é indispensável discutir a agência deste ator e de
uma forma mais abrangente a agência de movimentos associativos como é o caso de
associações de moradores. Assim como da discussão em torno dos movimentos sociais
em seus mais diversos aspectos como motivação dos agentes, a composição social do
movimento e as demandas que são defendidas pelo movimento.
99
A contribuição de Maria da Glória Gohn ao recuperar Tarrow65 ganha um
destaque, pois o autor contribui ao afirmar que
os movimentos são criados quando oportunidades políticas se abrem para atores sociais que usualmente são carentes. Movimentos são produzidos quando ”demonstram a existência de aliados e revelam vulnerabilidade de seus oponentes” assim como “as pessoas constroem as ações coletivas por meios de repertórios conhecidos e de disputas” (GOHN, 1997, p.98)
busca ressaltar os elementos característicos que demarcam a essência do
que um movimento social possui e principalmente, o que o faz ele ter ai a sua principal
força como instrumento impulsionador da agência social.
Uma definição de movimento social de Maria da Glória Gohn auxilia no
esclarecimento do campo de ação da AMAST ao afirmar que
movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciadas pelo grupo na sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento à partir de interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupos em espaços coletivos não-institucionalizados.(GOHN, 1997,p.251)
Ao associar diversos segmentos sociais com formações sócio-culturais
distintas em torno de um elemento comum, pelo menos em determinados momentos e
questões, é possível perceber a existência de um contexto propício à formação de um
grupo capaz de agremiar diversos segmentos distintos em torno de um objetivo comum
como notado ao se analisar a AMAST como movimento social principalmente, em sua
65 TARROW, S. Power in Movement, Cambridge; Un.Press, 1994
100
agência como uma ferramenta que busca responder ao um conjunto de demandas
propostas pelos seus moradores como afirmara anteriormente Gohn (1997)66 .
Como resultado desta ação se estrutura uma identidade comum ao
movimento, conferindo ao mesmo tempo força e consistência pelo menos no que se
refere à representação à nível de bairro.
Ao nos referirmos à identidade, é relevante destacar os conteúdos simbólicos
carregados pela definição de identidade que geram
um movimento antagonista [que ao] lutar por objetivos que preservem sempre a identidade fundamental doa atores. Não se trata mais do controle sobre os recursos imediatos ou da aquisição de vantagens materiais, mas da orientação da mesma da produção social. Trata-se de estabelecer uma forma diversa de apropriação dos recursos sociais. Neste sentido, um conflito antagonista atinge os fundamentos culturais de uma sociedade. (MELUCCI, 2001, p.45)
Logo ao incorporar a análise do conceito de movimento antagonista é
possível compreender mais profundamente a motivação da AMAST e do imenso
interesse em defender a identidade local presente me Santa Teresa.
Melucci, ao apresentar o conceito de conteúdos simbólicos auxilia na análise,
ao associar este conceito como um agremiador de diversos aspectos presentes no
bairro como a motivação e nos permite até afirmar de sua força como representando
alguns interesses do bairro, da AMAST e a luta pela manutenção de sua identidade.
Ao destacar estes “conteúdos simbólicos” como um conjunto de atributos de
cunho simbólico, caracterizadores da identidade local como o bonde, o casario antigo e
o “modo de vida” típico que são produzidos no bairro e útil também ressaltar um item
importante neste momento, quem se apropria destes “conteúdos simbólicos”?
66 Em sua definição de movimentos sociais é possível compreender as principais motivações, assim como seus princípios aglutinadores, que buscam explicar a formatação de uma identidade coletiva em torno do movimento.
101
Com base na pesquisa realizada e na análise em curso é possível afirmar
que a luta em torno de modelos de desenvolvimento apresentados para o bairro
expressa de uma forma esclarecedora disputa em torno da apropriação estes
conteúdos simbólicos, seja para o turismo global seja para uma atividade econômica
que não afete muito o “modo de vida “ local.
Ela envolve as representações sociais presentes no bairro, e ainda mais o
que Alberto Melucci denominou como sendo uma “apresentação” onde ele a define
como
uma capacidade de dar voz à demandas e interesses, mas e também representação, imagem e fantasma de uma realidade que permanece diversa e nunca inteiramente ouvida. Assim, a participação significa, contemporaneamente tomar parte, isto é agir, para promover os interesses e as necessidades de um ator, mas também fazer parte, reconhecer pertencimento a um sistema, identificar-se com os ”interesses gerais” da comunidade. Esta ambivalência insuperável do “político” não é uma ameaça, mas a condição para a ação criativa.“ (MELUCCI, 2001, p.139)
Ele nos auxilia na tarefa de compreender melhor as estratégias de
participação política principalmente quando ele utiliza expressões como tomar parte e
fazer parte, pois elas colaboram na percepção de que os moradores do bairro fazem
parte, mas em sua maioria não tomam parte, ou seja, auxiliam na construção de uma
identidade local através de um forte sentimento de pertencimento, mas devido à uma
reduzida participação política67 acabando por contribuir para um processo de
desvalorização do bairro.
Este processo de desvalorização se dá através da utilização do bairro
apenas como valor de troca e não como valor de uso, como nos ensinou Henri Lefebvre
em sua reflexão sobre o direito à cidade.
67 Por participação política entende-se o processo de luta por direitos. Aqui é possível destacar o direito a um lugar com qualidade de vida que é aqui associado ao “modo de vida” encontrado em Santa Teresa. Esta luta por direitos faz parte de um discurso de um conjunto de moradores.
102
Associado ao tomar parte é relevante destacar o papel exercido pelo
potencial de mobilização. Melucci a define como “um conjunto de relações sociais [que]
como uma percepção interativa e negociada das oportunidades e dos vínculos da ação,
comuns à um certo número de indivíduos” (MELUCCI, 2001, p.66)
Ele permite articular oportunidades e vínculos direcionados à ação que
conseguem posteriormente mobilizar diversos segmentos em torno de um objetivo em
comum: preservar a identidade local do bairro.
Logo, o potencial de mobilização contribui consideravelmente para que se
construa uma rede que possibilite alcançar resultados mais significativos no ato de
resistência em Santa Teresa.
A formação de uma identidade local em Santa Teresa com uma considerável
solidez e fundada em critérios reconhecidamente importantes para a população local
como o patrimônio histórico, cultural e arquitetônico e “o modo de vida” peculiar ao
bairro que fora criado com base neste mesmo patrimônio. Esta identidade local
colaborou enormemente para o fortalecimento da identidade coletiva da AMAST que,
mesmo possuindo pontos discordantes em algumas questões, consegue empreender
uma certa unidade operacional em sua luta.
A identidade deste movimento social se fortalece com a presença de uma
solidariedade interna que o sedimenta internamente assim como aquela encontrada no
bairro68 auxiliando na criação de novos espaços não-institucionalizados pelo menos
formalmente, possibilitando uma agência fora das instituições tradicionais de
participação política.
Melucci também construiu uma reflexão que norteou a nossa análise sobre a
AMAST como um movimento social e o mais importante, sobre os seus princípios
motivadores ao afirmar que 68 Esta solidariedade interna encontrada no bairro é importante principalmente no nível de reconhecimento dos moradores, tanto do “asfalto” quanto da “favela” como membros do bairro. É importante ressaltar que as favelas que se localizam mais para o centro do bairro possuem um sentimento de pertencimento maior do que as que ficam mais afastadas do centro, sendo consideradas até como pertencentes a outros bairros.
103
um movimento social é uma ação coletiva cuja orientação comporta solidariedade, manifesta conflito e implica a ruptura dos limites da compatibilidade do sistema ao qual a ação se refere. [Logo] um movimento é a mobilização de um ator coletivo, definido por uma solidariedade específica, que luta com um adversário para a apropriação e o controle de recursos valorizados por ambos. (MELUCCI, 2001, p.35)
Ao associar movimento social à ação coletiva, se permitiu notar a presença
de indícios suficientes para afirmar que a agência só é possível graças à combinação
destes elementos amalgamados por uma solidariedade capaz de fornecer uma
capacidade de agir que se opõe ao adversário com quem se disputa os recursos
disponíveis que, no caso de Santa Teresa, consiste no imenso patrimônio histórico,
cultural e arquitetônico construído no decorrer dos quatro séculos de existência do
bairro.
Para uma melhor compreensão da agência da AMAST é importante recorrer
à definição de ação coletiva de Alberto Melucci que afirma que
a ação coletiva de um movimento é resultante de objetivos, recursos e limites, isto é, uma orientação finalizada que se constrói por meio de relações sociais no interior de uma campo de oportunidades e vínculos. Os atores constroem a sua ação através de investimentos organizados: definem, isto é, em termos cognitivos, o campo das possibilidades e dos limites que percebem, ativando ao mesmo tempo as suas relações para dar sentido ao seu agir comum e aos objetivos que perseguem. (MELUCCI, 2001, p.46)
Conseqüentemente ela indica para uma articulação de interesses em
comum, neste caso, a defesa do modo de vida encontrado no bairro, motivadores de
uma agência que colabora na agregação das pessoas em torno do projeto defendido
pela AMAST.
Ele é resultado de movimento que se articula como “redes de solidariedade
com fortes conotações culturais” (MELUCCI, 2001, p.23) que contribui para a formação
de uma sólida identidade coletiva em Santa Teresa que funciona como o mais
importante elemento agregador do “modo de vida” percebida ali.
104
Esta identidade coletiva funciona como um conjunto de
indivíduos que produzem orientações da ação e do campo de oportunidades e de vínculos no qual ela se coloca: interativa e compartilhada significa construída e negociada através de um processo repetido de ativação das relações que ativam os atores (MELUCCI, 2001,p.69)
E deste modo, contribui enormemente para a ação de um grupo que se
apresente como seu representante oficial. No entanto, o relativo sucesso da AMAST em
sua tarefa se deu graças à necessidade de que a
construção da identidade coletiva exige investimentos contínuos e ocorre como um processo: a identidade pode tanto mais cristalizar-se em formas organizativas quanto mais nos aproximamos das formas mais institucionalizadas do agir social. Na ação coletiva ela tem prevalentemente o caráter de um processo que deve ser continuamente ativado para tornar possível a ação. (MELUCCI, 2001, p.69)
resultando em uma agência dotada de uma representação dotada de fortes
recursos simbólicos onde “ os indivíduos experimentam a capacidade de definir e
controlar o que são e o que fazem. “ (MELUCCI, 2001, p.72) influenciando na
percepção de sua capacidade de agir o que resulta em estratégias com um alcance
considerável como é o caso da lista de e-mails que oferecem alguns indícios da
mobilização de seus moradores como aquela representada pelos 103 e-mails só até
março de 2008 e os 384 e-mails de 2007.
Ao se pensar a AMAST como um movimento social é importante destacar a
contribuição de Alain Touraine sobre este tema ao salientar
os elementos construtivos dos movimentos sociais: o ator, seu adversário e o que está em jogo no conflito. Existiram três princípios de interpretação dos movimentos sociais – identidade, oposição e totalidade. Eles reagrupam, no âmbito da ação coletiva, as dialéticas de criação e controle, situadas, desta vez, imediatamente no campo dos problemas da sociedade industrial (princípio da totalidade) isto permite à análise reencontrar, por trás da ação coletiva, o projeto pessoal dos atores individuais (TOURAINE,1977,p.33)
105
A partir desta contribuição de Touraine (1977) é possível aferir a AMAST a
condição de movimento social, pois ela possui um ator (ela mesma como associação),
um adversário (os grupos e pessoas que querem transformar o bairro em um pólo de
turismo global) e o que está em jogo na disputa (a manutenção do “modo de vida”
existente em Santa Teresa).
Entretanto, é possível perceber a unidade em torno da ação da AMAST na
defesa do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico e o seu já citado “modo de vida”.
No que se refere às formas de preservar e nas estratégias de desenvolvimento do
bairro onde se constroem duas grandes vertentes em tensão no interior da AMAST:
uma que defende um isolamento maior do bairro e outro, que se posiciona
favoravelmente ao turismo, mas de uma forma controlada e que não afete
consideravelmente o cotidiano e a rotina do bairro e de seus moradores.
3.2.5. As redes sociais como instrumento de mobilização social
As redes sociais têm se constituído em importantes instrumentos
fomentadores da ação social em um mundo que procura incessantemente por novas
formas do agir político.
Para tanto, dedicou-se uma parte da dissertação à análise das redes sociais,
estimuladas por redes técnicas ou não, que dizem respeito tanto a ação social motivada
pela preservação de seu patrimônio seja pela manutenção do modo de vida local, que
principalmente funcione como mais uma ferramenta incentivadora da agência visando a
resistência social.
Diversos estudos de Tamara Egler têm indicado para um papel importante
das ditas “redes sócio-técnicas” na tarefa de facilitar a estruturação em torno de um
objetivo comum, podendo ser ele a governança democrática da cidade ou a resistência
social frente à fluxos globais de capitais de modelos de desenvolvimento.
106
Ao se analisar o caso de Santa Teresa notou-se a presença de diversas
redes sócio-técnicas a serem investigadas como é o caso da rede da AMAST
constituídas através de e-mails e de um fórum da rede de relacionamentos no Orkut; as
redes criadas à partir de fóruns no Orkut sobre o bairro de Santa Teresa e a rede de
artistas “Santa Teresa de Portas Abertas” organizada pela Chave Mestra.
Para fins analíticos, decidiu-se por fazer um recorte para facilitar a
interpretação dos dados e possibilitar obter resultados de maior profundidade possível
assim como de perceber a sua complexidade no que se refere à sua agência.
Selecionou-se sete redes sociais sendo agrupadas em três grupos que se
assemelham: o primeiro, é o da AMAST que possui uma lista de e-mails, um site e uma
comunidade no Orkut; o segundo, composto por três comunidades no Orkut: Santa
Teresa, Bloco das Carmelitas e Bonde de Santa Teresa e o terceiro, a comunidade no
Orkut “Arte de Portas Abertas” e a rede “Santa Teresa de Portas Abertas”.
O primeiro grupo consiste de uma rede formada por uma lista de e-mails
contando com 461 membros, entre eles militantes da AMAST, colaboradores,
moradores e pessoas que nutrem alguma simpatia pelo bairro. Ela funciona como um
fórum de discussão das principais questões envolvendo o bairro, indo desde a luta
contra a violência passando pela defesa de seu patrimônio até a divulgação dos
eventos artísticos que acontecem no local.
Existindo desde junho de 2002 ela articula diferentes atores entorno de
objetivos comuns mostrando o conflito de posições no interior do bairro o que, de uma
certa forma, reforça a principal questão da dissertação que a análise do conflito que se
evidencia no decorrer do processo de delimitação e construção do objeto empírico.
Já o site conta com diversos meios para a divulgação das ações e dos
principais problemas enfrentados pelo bairro através de links como a Agenda,
Legislação, Estatuto e Atas, Arquivo de Notícias, Bondinho69 e o Acontece em Santa.
69 É o informativo da AMAST, que busca recuperar o principal símbolo do bairro, aliás, este é o principal objeto de luta na preservação do patrimônio liderada pela AMAST.
107
Estes itens auxiliam na interação com as pessoas empregando desde de
conhecimentos técnicos como é o caso da Legislação e Estatuto/Atos à parte de
Arquivo de Notícias e Acontece em Santa que são responsáveis pela divulgação de
eventos e atividades da AMAST e de demais organizações que atuam em Santa
Teresa.
A AMAST também possui uma comunidade no Orkut possuidora de 197
membros que também funciona como um fórum de debates e discussões sobre o
bairro. Ela possui 5 comunidades associadas à ela sendo 4 delas objetos de nossa
análise e que, conseqüentemente, cria relações indiretas com a comunidade da AMAST
conectando 1227170 membros à esta rede.
O segundo grupo possui três redes: Santa Teresa, Bonde de Santa Teresa e
Bloco das Carmelitas. A primeira é composta por 7906 membros, maior de todas
analisadas, e articula indiretamente 16403 pessoas.
É importante notar a variedade de temáticas que estão presentes nas 9
comunidades associadas à “Santa Teresa”, elas abordam os colégios presentes ali (o
CEAT71 e Colégio Tomás de Aquino), dois bares/restaurantes (Simplesmente e Bar do
Mineiro), o cinema do bairro (Cine Santa), uma de cunho ambiental (Parreiras – Rio de
Janeiro) e uma que também será analisada (Arte de Portas Abertas).
Destaca-se a presença entre as comunidades associadas à “Santa Teresa”
com seus 7906 membros que também se encontra conectadas em todas as
comunidades analisadas o que confere a ela uma centralidade na estrutura desta rede
como mostra a espacialização das redes abaixo.
70 Visando ressaltar a importância desta rede é relevante considerar que 12217 pessoas representam um pouco menos de um terço da população total de Santa Teresa, número que – se considerarmos todas as pessoas maiores de 15 anos capacitados a participar da rede – alcança um índice de quase 50% da população do bairro. 71 Centro Educacional Anísio Teixeira
109
A rede Bonde de Santa Teresa é composta por 1003 membros que agregam
8 comunidades e conecta indiretamente 17854 pessoas onde o principal foco é o bonde
propriamente dito e cotidiano do bairro como propaganda de imóveis, por exemplo.
Já o Bloco das Carmelitas agremia 4186 membros e possui 8 comunidades
interligadas e totaliza 87785 membros através de todas estas comunidades. A proposta
desta rede é associar através do Bloco, que mesmo sendo relativamente recente já
consegue reunir um número elevado de pessoas em dois dias do carnaval carioca.
O terceiro grupo é composto pela comunidade no Orkut “Arte de portas
abertas” e pela rede “Santa Teresa de Portas Abertas” orquestrada pela organização
Chave Mestra. O segmento presente na internet é formado por 613 membros e 6
comunidades associadas à ela. Como membros relacionados indiretamente encontram-
se 49.199 membros o que demonstra uma enorme abrangência desta rede formada
pela “Arte de Portas Abertas” e seus associados.
Já a rede “Santa Teresa de Portas Abertas” conta com 100 artistas filiados à
Chave Mestra sendo que participaram na edição de 2006, 89 artistas e 55 ateliês e na
edição posterior, 66 artistas e 45 ateliês. O porte deste evento é resultado da
preocupação em recuperar a auto-estima do bairro.
O evento foi criado em 1990 com o propósito de articular os diversos artistas
que moram ou possuem seus ateliês no bairro assim como reforçar a ligação entre os
moradores e o bairro, pois o contexto em que se encontrava o bairro era descrito por
Júlio Castro73 como “um lugar interessante, mas abandonado e que possuía poucos
atrativos”.
Visando reverter esta situação, foi organizado um evento nos moldes de um
Festival de Inverno, buscando uma articulação maior com o artista, um símbolo do
bairro e o morador comum, buscando reforçar os laços comunitários em Santa Teresa.
73 Presidente da Chave Mestra. Entrevista concedida em 28/01/2008.
110
Como um dos resultados pretendidos, esta rede almeja “melhorias o espaço
de convivência e preservar o bairro urbanisticamente [assim como seu] modo de vida”
como afirma Júlio Castro. Cabe ressaltar o papel de destaque da Chave Mestra como
um fomentador das atividades artísticas no bairro como um fruto de um
amadurecimento, tanto do evento propriamente dito quanto de seus membros.
Este amadurecimento lhes permitiu adotar duas importantes posições: uma,
de não tentar transformar Santa Teresa em uma “fábrica de arte” como afirma o
entrevistado e a necessidade de captação de recursos para uma crescente
profissionalização do evento.
A primeira posição se explica através da preocupação com a tentativa de
atores exógenos de buscar ali um lugar da cultura o que também geraria uma atenção
com o tipo de turismo adotado no bairro atualmente principalmente à partir do que se
tem notado nas duas últimas edições do evento.
O que transcorreu no bairro foi um enorme número de freqüentadores no
bairro, mas o número de pessoas que adentram aos ateliês e exposições foi reduzido
drasticamente74. No entanto, o número de vendedores ambulantes e de artesanato e a
freqüência em bares e restaurantes aumentaram consideravelmente.
No que se refere ao segundo ponto, a Chave Mestra se configurou em um
passo importante na busca por recursos sejam eles oriundos de Secretária Municipal de
Cultural, Petrobrás, Furnas, Caixa Econômica Federal e Ministério da Cultura assim
como de capital privado como o da União Nacional dos Economiários, Antártica
Original, Mário Queiroz, CEAT75 e Rádio Paradiso, o que colaborou enormemente para
um fortalecimento do evento e conseqüentemente da rede.
74 De acordo com os próprios artistas, o número médio de freqüentadores dos ateliês nas primeiras edições girava em torno de 800 pessoas por ateliês já nas duas últimas edições, o público médio tem sido de 80 pessoas por ateliês. 75 Centro Educacional Anísio Teixeira.
111
3.2.6. O conflito e suas etapas
O conflito se apresentou de uma forma mais explícita a partir da compra do
Hotel Santa Teresa pelo grupo francês Exclusive em 2004 e teve um impulso maior com
o projeto de “revitalização” de o hotel a partir da manutenção de sua fachada
centenária. O primeiro passo para realizar este intento foi dado com a ação de despejo
dos hóspedes, que devido aos íntimos laços com o Hotel, já alcançaram a
denominação de moradores, devido principalmente pelo longo tempo de hospedagem
ali quanto pelo fato de possuem suas próprias linhas telefônicas, receberem
correspondências e contas em seus quartos.
Um relato de um “morador“ confirma a presença desta relação afetiva na fala
de Róbson Pinheiro: “vim de São Paulo e me apaixonei. Aqui não há o ambiente
impessoal dos hotéis, nem exigências como fiador. Sem contar que há muito verde,
piscina e estacionamento. E um café da manhã com os vizinhos” (O Globo, 24/05/2004,
p.14). No momento da desocupação do hotel, cerca de 15 hóspedes com estadas que
chegam a até 18 anos residiam no local.
Todo este processo foi implementado se utilizando de um discurso
modernizante como afirma a carta da empresa Luminar onde ela dá “um prazo até 15
de Julho para liberarem o hotel erguido em 1875, para a entrada do pessoal da
demolição, que o tornará mais confortável e moderno” (O Globo, 24/05/2004,p.14) que
acabou simbolizando como sendo a marca registrada do processo de transformar o
bairro de Santa Teresa em um pólo turístico global.
Alguns dados fortalecem este discursos da necessidade da preservação
como o elevado número de casas em estado precário e a dificuldade sofrida pelo bairro
entre as décadas de 1970 e 1980 no que se refere a baixa auto-estima do bairro
acentuada pelo abandono de seu patrimônio. Logo, eles funcionam com um valioso
argumento e que embasa a estratégia utilizada por aqueles que defendem a
112
implementação do turismo global através principalmente da refuncionalização de
alguns imóveis.
O capítulo seguinte se deu com o embargo da obra pela Secretaria Municipal
de Urbanismo através do Departamento Geral de Patrimônio Cultural que afirma a
existência da concessão de um pedido de licença para a adaptação de uso, mas não
para a demolição do prédio como fora feito pela empresa responsável pela obra no
Hotel. A justificativa para a preservação se explica pela sua localização em uma área de
Preservação do Ambiente Cultural (APAC).
A partir de 2006, a AMAST se mobilizou de uma forma contrária a estratégia
de preservação do Hotel e dos projetos de desenvolvimento para o bairro baseado no
turismo global conferindo mais fôlego é esta disputa. Ela passou a ser o grande agente
na tarefa de defender os interesses contidos na representação social da tranqüilidade e
do isolamento que se incorporou na maioria de seus habitantes.
Desta forma, se delimitam dois grupos claramente, os que defendem um
modelo de desenvolvimento baseado no turismo e o outro, defensor de um modelo que
gere desenvolvimento sem afetar muito as características típicas do bairro. Assim, é
possível perceber a conjunção de alianças entre diversos grupos de agentes e atores
em Santa Teresa.
Um composto pelos representantes dos hotéis e pousadas76, comerciantes
locais, segmentos de classe média e alta “modernizadas”77, setores da administração
pública nos setores de turismo e cultura em suas esferas municipal e estadual e a
maioria das lideranças das comunidades carentes no bairro.
O outro se compõe com a AMAST, segmentos da classe média e alta
“tradicional”78 e a Rede Santa Teresa de Portas Abertas que mesmo possuindo um
76 Frutos de redes de capitais internacionais, em sua maioria, francês. 77 Eles representam a minoria no contexto da classe média e alta de Santa Teresa. 78 Eles se constituem na maioria da classe média e alta do bairro.
113
menor número de agentes, tem conseguido obter uma relativa capacidade articulativa
em prol de seus interesses.
Outro episódio significativo de forte cunho simbólico foi um “churrasco”79
organizado por François Delort, responsável pelo Hotel Santa Teresa/Exclusive para
comemorar a reforma de revitalização80 do Hotel Santa Teresa o que possibilitou o seu
“renascimento junto com todos que acreditam na paz social, que buscam incrementara
segurança, a vida cultural e econômica do nosso bairro”81, o que atraiu a atenção de
diversas pessoas das comunidades carentes do bairro.
Para rivalizar com o evento organizado pelo Hotel, a AMAST organizou um
evento com o sorteio de rifas e discussão pública de temas especialmente relacionados
ao hotel o que acirrou a rivalidade entre ambos os eventos contando até com o
constrangimento moral dos artistas que tocavam na festa do Hotel por partidários da
festa rival.
A partir daí é possível delimitar um embate de forte cunho simbólico entre
estes dois grupos que se configuraram no principal foco deste capítulo e onde à partir
daí foi possível rumar para a última parte deste capítulo que analisa uma proposta de
desenvolvimento construída pelo próprio conjunto dos moradores e dando um espaço
para se atentar em avanços e retrocessos na preservação do bairro.
79 Um detalhe interessante que merece ser citado é que o evento possuía até uma banda tocando ao vivo. 80 Termo utilizado pelo próprio François Delort. Retirado da entrevista relaizada com a direção da AMAST no dia 25 de Janeiro de 2005. 81 Retirado de uma carta destinado aos membros do fórum e do público em geral disponibilizado na comunidade do orkut Santa Teresa (http://www.orkut.com.br/Community.aspx?cmm=74678).
114
3.3. UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: O CASO DA AGENDA 21 DE SANTA TERESA
As questões referentes ao desenvolvimento se tornaram o grande empecilho
na busca por qualidade de vida especialmente nos meios urbanos e com um destaque
maior, para as metrópoles.
Como resultado de intensos debates entre os pesquisadores que refletiram
sobre a questão do desenvolvimento, foi possível apontar duas grandes vertentes
dentro dos teóricos sobre o desenvolvimento: uma que defende o desenvolvimento
nacional e a outra que valoriza a dimensão local e regional, ao incentivar o
desenvolvimento local.
Ao discutir sobre estas correntes, é importante destacar que as duas não são
totalmente incompatíveis e inconciliáveis, mas podem ser pensados de forma conjunta,
possibilitando uma combinação de estratégias e abordagens que permitam obter
resultados satisfatórios em se tratando de pobreza urbana, desigualdade social e
desigualdade regional, por exemplo.
Entretanto, o foco principal desta parte da pesquisa não é discutir
profundamente estas vertentes do desenvolvimento econômico, mas sim priorizar a
questão modelo de desenvolvimento local, tão em evidência nos últimos anos, poderia
ser uma solução para o bairro de Santa Teresa? E mais, quais seriam as estratégias
direcionadas para se alcançar o tão “badalado” desenvolvimento local seria o mais
adequado para este local?
O discurso proposto pela Agenda 21 de Santa Teresa apresenta um modelo
de desenvolvimento sustentável e de desenvolvimento local. A proposta do primeiro
trabalha a partir do estímulo e fortalecimento de negócios e do empreendedorismo em
atividades típicas do bairro assim como o desenvolvimento de atividades voltadas para
o turismo e a criação de demandas e mercados específicos à realidade do bairro.
115
Já o desenvolvimento local seria pautado no estimulo às atividades típicas ao
bairro como o turismo e a utilização do patrimônio histórico e cultural com o propósito
afirmado anteriormente.
Então, o objetivo em destaque é analisar a Agenda 21 de Santa Teresa com
o propósito de compreender se ele seria o mais adequado ao bairro e se ele funcionaria
como ferramenta de estímulo à participação política no interior dos distintos segmentos
sociais que lá habitam.
Para pensarmos mais profundamente a Agenda 21 local de Santa Teresa, é
necessário pensar o propósito da Agenda 21 e, mais ainda, uma ação mais efetiva da
sociedade civil.
Por sociedade civil, utilizamos o conceito de Habbermas onde ele afirma ser
esta
um conjunto de movimentos, organizações sociais e associações que captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública política. (HABERMAS,1997, p.92)
E para se compreender a mobilização em torno da Agenda 21, é preciso vê-
la como um resultado desta associação da sociedade civil em busca da resolução dos
problemas sociais a nível local, pois são as
instituições da sociedade civil que viabilizam a transformação dos discursos capazes de solucionar problemas formados nas redes de comunicação da esfera pública privada, em questões de interesse geral, no quadro das esferas propriamente públicas. (BERNARDES, 2005, p.20)
Então, a participação política se torna elemento importante para se pensar
novas estratégias para se almejar desenvolvimento econômico. Neste contexto, a
proposta da Agenda 21 consegue abarcar duas importantes vertentes do
desenvolvimento: o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento local.
116
A reflexão em torno do desenvolvimento sustentável teve o seu grande ápice
em 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, a Rio 92, onde foi possível aprofundar a discussão em torno do
conceito de desenvolvimento sustentável – que poderia ser definido como aquele que
combina crescimento econômico, justiça social, exercício da democracia, respeito às
culturas locais e proteção ambiental, onde o conjunto de ações voltadas para alcançar
estes objetivos seria denominada de Agenda 21.
A instrumentalização do desenvolvimento sustentável através da atuação da
Agenda 21 incorpora a perspectiva do desenvolvimento local, que é inspirada no
conceito de desenvolvimento endógeno82.
Esta perspectiva de desenvolvimento local valoriza os processos de
descentralização, através da transferência de parte do poder das esferas macro para as
esferas micro (leia-se municípios e comunidades) visto que a tradicional visão de
desenvolvimento nacional passou a possuir uma contraparte, o desenvolvimento local.
Na perspectiva do desenvolvimento local se destaca a idéia de planejamento
local que consiste na construção de uma visão coletiva da realidade local e de seu
contexto, com base no envolvimento dos atores locais.
No entanto, é importante destacar que mesmo com os enormes avanços no
que se refere à relação entre Estado e Sociedade Civil, pelo menos nos meios
opinativos dos processos de participação política, não houve grandes rupturas nas
relações de poder hierárquicas entre estes dois atores sociais.
Esta crítica se constrói a partir da constatação de que não foram criadas
novas estruturas de poder horizontais que possibilitem, principalmente, modificar os
atuais processos decisórios. Um exemplo desta relação ainda verticalizada de poder
entre Estado e Sociedade Civil se encontra na discussão em torno da revisão do Plano
82 Consiste em apreender o território em sua globalidade e engajar a população em um processo de transformação que a mobilize.
117
Diretor83 da cidade do Rio de Janeiro que, mesmo contando com uma participação
significativa dos atores da sociedade civil não conseguiu resultados significativos no
que tange aos processos decisórios, onde as propostas defendidas por estes mesmos
atores foram consideravelmente alteradas no âmbito da Câmara dos Vereadores da
cidade.
Logo, torna-se relevante destacar a importância da busca por novas formas
de poder baseadas na horizontalidade principalmente no que se refere à esfera
decisória do processo político.
3.3.1. A Agenda 21 Local de Santa Teresa
Pensar um projeto como a Agenda 21 principalmente para um bairro como
Santa Teresa é pensar em uma associação entre grupos de moradores mobilizados,
mesmo que com posições e projetos de desenvolvimento distintos e um rico patrimônio
histórico, cultural e arquitetônico permitiriam pensar a valorização do local de uma
forma concisa e relativamente sólida.
Como resultado desta combinação, foi possível apreender elementos
capazes de criar a agende 21 Local de Santa Teresa. Para iniciar esta análise, é
possível apontar para uma definição de Agenda 21 que assinala que é um “conjunto de
diagnósticos e recomendações para o desenvolvimento sustentável, elaborado com a
participação de toda a comunidade” (AGENDA 21, 2003, p.05) – que colabora na
compreensão de sua proposta como ferramenta de participação política.
Cabe salientar que este processo de implementação da Agenda 21 não fora
tão democrático quanto o seu relatório parece demonstrar. Informações coletadas com
outros representantes do bairro, como a AMAST, principalmente, contradizem este 83 Retirado do trabalho de conclusão do autor desta dissertação da disciplina “Cidade, cidadania e Política” do professor Luiz César de Queiroz Ribeiro.
118
discurso, ao afirmar que a participação reforçada no decorrer do texto ficou localizada à
abertura de fóruns de discussão apenas, não abrindo caminho para uma efetiva
participação. No entanto, ela acaba esbarrando no mesmo problema já assinalado na
discussão envolvendo o Plano Diretor, ou seja, a abertura de fóruns de discussão
permitiu uma maior participação dos segmentos interessados,mas não criou
oportunidades de interferências nos processos decisórios, que neste caso, são os mais
importantes.
Mesmo esbarrando neste impasse, é relevante destacar o papel da Agenda
21 como articulador de iniciativas voltadas para preservar a identidade e o rico
patrimônio histórico, cultural e arquitetônico do bairro. A seguir apontaremos as
principais questões presentes nas propostas na Agenda 21 para Santa Teresa.
A primeira questão a ser discutida envolve alguns resultados das ações do
Viva Santa84 onde o relatório apontou para “a mobilização da comunidade;
recuperação da auto-imagem do bairro e da auto-estima de seus moradores; prestigio
da comunidade artística; fortalecimento do comércio; restauração de mais de 100
imóveis; aquecimento do mercado imobiliário e replicação do Arte de Portas Abertas
em outros bairros e cidades” (AGENDA 21, 2003, p.06).
Alguns destes resultados foram positivos para o bairro e permitiram
melhorias na qualidade de vida como a mobilização da comunidade, a recuperação da
auto-imagem do bairro e da auto-estima dos moradores e o Arte de Portas Abertas; já
outras colaboraram para o processo de “turistificação” do bairro, entre elas, o
fortalecimento do comércio, a restauração de mais de 100 casas e o aquecimento do
mercado imobiliário.
O primeiro item, sob um primeiro olhar, se constituiria em algo positivo aos
seus moradores, entretanto ao se analisar mais aprofundada se notou que a maior
parte destes estabelecimentos comerciais é voltada para o turismo enquanto os
moradores reclamam constantemente da dificuldade de acessos a determinados
84 Ela é uma ONG capitaneadora da Agenda 21 Local de Santa Teresa.
119
produtos, resultado da reduzida oferta de estabelecimentos voltados a atender a
população local.
A restauração de imóveis no bairro suscita uma questão relevante que é a
nova funcionalidade destes imóveis. Na maioria dos casos, estes imóveis são
refuncionalizados para fins comerciais, recebendo – esteticamente falando – um visual
mais moderno, o que auxilia na descaracterização do mobiliário urbano.
O aquecimento do mercado se dá motivado, especialmente, por novas
instalações turísticas apontadas à época da confecção deste relatório e confirmado com
informações85 coletadas ao longo do primeiro semestre de 2008. O ponto negativo
neste item é que estas instalações turísticas reforçam a exclusão (principalmente a
simbólica), como já fora assinalado no primeiro capítulo, não facilitando a sociabilidade
entre os diversos segmentos sociais que habitam o bairro.
Com o fim de facilitar a compreensão da auto-imagem e o mais relevante, da
auto-estima dos moradores através das inúmeras entrevistas realizadas pelos
responsáveis pela criação da Agenda 21, houve um tópico que se referiu aos atributos
do bairro na visão dos próprios moradores. Os resultados foram: a temperatura/ o clima
sendo escolhido como o atributo mais votado com 29,44% do total de votos; a beleza
natural, com 24,89% dos votos; o patrimônio arquitetônico com 9,33%; a tranqüilidade
com 7,95% ; o bonde com 4,16%; o espírito de comunidade com 0,27% e o casario com
0,13%. Estes dados podem ser melhor visualizados na Tabela 06, a seguir.
85 Como resultado do trabalho de campo e de entrevistas realizadas no bairro.
120
Tabela 06: Principais atributos de Santa Teresa86
Merece destaque a consideração de que os dois principais grupos de
moradores do bairro, o “asfalto” e a “favela” possuem interessantes divergências sobre
os dois principais atributos e do bairro, onde no primeiro atributo, a valorização do
“asfalto” por esta “qualidade” é quase o dobro da valorização por parte da “favela”, onde
este dado pode indicar para as condições de vida precárias destes moradores que
colabora para a baixa valorização também do atributo clima/temperatura do bairro.
Já o segundo atributo, aponta para uma aceitação bem mais próxima por
ambos os grupos, que no caso da beleza, de alguma forma poderia funcionar como um
apaziguador, no caso da “favela”, de seus problemas cotidianos. 86 AGENDA 21 Local de Santa Teresa, p.50
121
Outro elemento interessante é a visão dos dirigentes de setores do bairro
que possuem sobre as necessidades do bairro. Dentre estas, duas se destacam: a
cultural e a das comunidades carentes.
O primeiro valoriza a cultura como capital social87, pois em sua visão “a
cultura pode ser [um] instrumento eficaz na redução da violência e da criminalidade na
geração de trabalho e renda, no aumento da auto-estima e no fortalecimento da
identidade local”.(AGENDA 21, 2003, p.18). Esta associação destes elementos contribui
imensamente para o reforço da identidade local presente em Santa Teresa através da
reafirmação da idéia de pertencimento.
Já o segundo representa as comunidades carentes do bairro que preconizam
a associação entre educação e capital social88, onde a educação – aliada à cultura e ao
lazer, que permitem a “integração – ensina valores éticos, promove a resistência,
possibilita a formação de lideranças e abrange a educação ambiental e para a
cidadania” (AGENDA21, 2003, p.18)
A questão da cultura é um item que recebe uma atenção especial na Agenda
21 pois o bairro possui a “vocação do caminhar. Este caminhar viabiliza o
conhecimento de museus, da arquitetura e da atmosfera do Rio Antigo.” (AGENDA 21,
2003, p.24). No entanto, a Agenda 21 aponta para as limitações impostas pela
legislação urbanística que transforma o Santa Teresa em uma área de preservação do
patrimônio ambiental e cultural (APAC) e pelo fato de defender a identidade do bairro e
insiste no aquecimento do mercado imobiliário, em sua maioria voltados para o
atendimento dos turistas, aponta para uma posição contraditória.
Outra contradição presente na Agenda 21 envolve a relação moradores e
preservação de patrimônio do bairro, onde ela afirma que o
87 Entende-se por capital social como um bem coletivo, fruto de processos complexos e padrões sócio-culturais de longo prazo, historicamente construídos. 88 Estas lideranças entendem por capital social, o fortalecimento da mobilização, participação e da solidariedade dos moradores.
122
próprio morador de Santa Teresa [é] um dos grandes responsáveis pela preservação do patrimônio arquitetônico do bairro, por ter consciência de sua importância... [no entanto ela também afirma que] o padrão de consumo dos habitantes de Santa Teresa não gera uma demanda compatível com as atuais experiências de lucratividade dos negócios. (AGENDA 21, 2003, p.29).
Ela resulta em uma valorização extremada da necessidade de lucros
imediatos, o que na visão da Agenda 21 poderia ser atenuado com o incremento do
turismo, enquanto isto, os moradores prosseguem com uma carência de
supermercados e padarias no bairro, por exemplo, pois atualmente só existem um
exemplar de cada um dos tipos de estabelecimentos citados.
Esta valorização do turismo pode ser constatado através do seguinte trecho
da Agenda 21: “a legislação urbanística que vigora hoje em Santa Teresa é vista como
restritiva e defasada [assim como] restringe também o funcionamento de algumas
atividades que são importantes para o bairro como o turismo e o comércio” (AGENDA
21, 2003, p.31) assim como as relacionadas à renovação, que são importantes mesmo
dentro de uma área de proteção do patrimônio.
Estas informações indicam para algumas questões relevantes, como a
contraposição entre a legislação urbanística/ desenvolvimento e a questão da
renovação. O texto indica para uma legislação urbanística que tolheria o
desenvolvimento econômico do bairro e que atrapalharia a busca por melhores
condições de vida dos moradores. Nesta explicação também se encaixa a questão do
patrimônio, que pode ser percebido como um entrave ao desenvolvimento, e que, sob
esta nova ótica, ele deve ser utilizado como valor de troca e deixando de lado o direito à
cidade, de Lefebvre.
Já a renovação pressupõe uma idéia de trazer a vida novamente o que
definitivamente não é o caso do bairro de Santa Teresa, que é caracterizado por um
modo de vida atípica à cidade do Rio de Janeiro. Então de que tipo de renovação trata
este relatório? Uma vida “estranha” e que não se identifica com o bairro? Fica no ar
esta pergunta.
123
Outra questão envolvendo o discurso dos que defendem o comércio e o
turismo como fomentadores de emprego e desenvolvimento econômico para o bairro,
dados do relatório da Agenda 21, confirmam a hipóteses de que a maior parte dos
moradores do “asfalto” (53%) não trabalham ali e que 66% dos moradores da “favela”
não trabalham no bairro, o que derruba a tese de que tanto o comércio quanto o turismo
gerariam empregos especificamente para os moradores do bairro.
A afirmação de que a vocação do bairro é o de receber “pequenos
empreendimentos, que pela vocação artística e cultural e o patrimônio natural do bairro,
devem ser voltados particularmente para o desenvolvimento do turismo” (AGENDA 21,
2003, p.36) é indicativa de uma posição dos grupos89 que detiveram o controle do
processo decisório da Agenda 21 Local de Santa Teresa frente às saídas para a
geração de desenvolvimento local e sustentável de Santa Teresa.
89 REST (Rede Empresarial de Santa Teresa) e o Viva Santa a quem os grupos que lhes fazem oposição e a seu modelo de desenvolvimento, denominaram de “Movimento Nova Lapa”.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo desta pesquisa foi o de analisar as políticas globais em
Santa Teresa – a partir de um grupo de políticas direcionadas ao turismo – e as
conseqüências destas políticas – na figura do conflito em torno de projetos de
desenvolvimento para o bairro.
A dissertação foi estruturada em torno de três grandes eixos: o primeiro, que
envolveu as políticas globais no bairro e uma reflexão em torno do fato de ela ser
constituinte de um projeto mais amplo, que é o de transformar a cidade do Rio de
Janeiro em uma “cidade global” e os seus efeitos no que se refere à dimensão espacial
no bairro de Santa Teresa. Já o segundo, foi voltado a compreender o processo de
construção da memória, do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico e a identidade
local do bairro e, por último, o terceiro eixo, que abordou o conflito em torno de projetos
de desenvolvimento para o bairro.
Em relação ao primeiro eixo, é possível destacar algumas questões centrais
que permitiram compreender a relação entre a globalização e o turismo em Santa
Teresa a partir do projeto da Prefeitura do Rio de Janeiro de transformar o Rio de
Janeiro em uma “cidade global”. Por este viés, este bairro adentraria esta lógica,
através de um intenso processo de “turistificação”, a partir da proposta do “marketing
urbano” e da criação de uma infra-estrutura voltada para o turismo.
Ao se associar estes três elementos foi possível notar a presença de um
projeto em curso, que incorpora diversos agentes como a Prefeitura (principalmente),
setores de classe média e alta que busca uma valorização do bairro com fins de
125
aquecer o mercado imobiliário local; o comércio local e o capital global que se instala no
bairro na figura de hotéis e pousadas.
A figura do “marketing” do espaço se configura em um elemento importante
na estratégia de comercialização do espaço realizada pelo turismo através da
paisagem, que é vendida como parte integrante do território a ser consumido pelos
turistas globais à quem se destina estas “imagens” do território.
A infra-estrutura turística no bairro denota a importância que o turismo tem
apresentado, como pode ser atestado, principalmente, pela quantidade de hotéis,
pousadas e restaurantes lá presentes voltados para o turismo. Ela é resultado do
incentivo à representação social hegemônica em Santa Teresa que é a aquela que
afirma que o bairro é bucólico e ainda apresenta ares de um Rio Antigo, que foi
apossado pelos órgãos do setor de turismo para fortalecer ali um modelo de
desenvolvimento baseado nesta atividade econômica.
Ao refletir sobre a representação social hegemônica e seus efeitos sobre o
bairro, é relevante discutir o que torna Santa Teresa tão atraente. O seu principal
atrativo é o patrimônio histórico, cultural e arquitetônico construído ao longo de seus
três séculos de existência. Logo, ao se pensar o bairro, é importante refletir sobre esse
tema, a memória construída a partir deste patrimônio e a identidade local.
O processo de construção deste patrimônio é uma questão importante, pois
envolve uma série de disputas entre os segmentos sociais que habitam o bairro. O
patrimônio que se pretende preservar acaba sendo o das elites, funcionando de certo
modo como um reforço da segregação social, e, do mesmo modo, também o processo
de construção da memória que, ao criar uma ligação entre os elos dos grupos sociais
vivenciadores do local e o mobiliário urbano, reforça o sentimento de pertencimento
destes ao local.
A identidade local funciona como um importante elemento aglutinador da
“comunidade” no sentido baumaniano que discutimos ao longo do texto, pois ele
126
incorpora itens importantes como um sentimento de pertencimento e uma idéia de
“comunidade”.
O conflito em torno dos modelos de desenvolvimento se constitui em um dos
principais focos da pesquisa, principalmente ao apresentar estes modelos e seus
respectivos defensores. Como vimos, o modelo que defende o turismo global como uma
estratégia de desenvolvimento é apoiada pela Prefeitura, pelo comércio local, por
parcelas da classe média e alta dita “modernizadas” e alguns empresários locais e a
maioria das comunidades carentes. Já o outro modelo, o alternativo, é defendido pela
AMAST e por parcelas da classe média e alta “tradicional”.
Algumas conclusões preliminares
É possível apontarmos para algumas conclusões desta pesquisa, sobretudo
relacionadas ao intenso processo de “turistificação” do bairro e conseqüentemente o
conflito em torno de projetos de desenvolvimento e a organização em torno da
resistência por parte por parte dos moradores contra o turismo global.
O processo de “turistificação” do bairro se comprova pelo elevado número de
restaurantes e demais estabelecimentos – como lojas de souvenirs, pequenos bazares
e pequenos mercados – que são voltados para atender os turistas, devido
principalmente aos altos preços oferecidos nestes estabelecimentos.
Outro elemento que corrobora esta conclusão se deve às inúmeras
pousadas e hotéis instalados no bairro que fazem a publicidade de seus
estabelecimentos muitas vezes somente em língua inglesa, o que reforça a afirmação
de que estes hotéis e pousadas são direcionadas para os turistas globais.
A organização por parte dos moradores em um movimento de resistência,
estimulado pela AMAST – que conseguiu capitanear uma considerável capacidade de
agência o que resultou em uma visibilidade maior das causas defendidas por este
grupo – pode ser considerado como um avanço no processo de resistência local,
mesmo não tendo ainda conseguido os resultados desejados.
127
Finalizando, cabe ressaltar que as contribuições teóricas das diversas
matrizes utilizadas no decorrer de nosso percurso de pesquisa não conseguiram
esgotar a riqueza e a complexidade do contexto social existente no bairro, ou de seus
processos sociais. Antes auxiliaram consideravelmente na visualização dos diversos
processos societários em curso, permitindo uma melhor compreensão de, pelo menos,
sua extensão, sendo que só será possível entender toda sua complexidade através de
uma pesquisa empírica posterior ainda mais aprofundada.
Algumas indicações para a continuação em pesquisa futura
Como resultado direto desta pesquisa, podemos indicar algumas questões
que nortearam o prosseguimento da mesma, como, por exemplo, acerca de uma
melhor compreensão dos tipos de capitais que investem em Santa Teresa, seus efeitos
sobre o bairro e principalmente, o processo de resistência de seus moradores frente a
este processo.
Ao se analisar os primeiros investimentos realizados no bairro, estes indicam
um processo mais complexo de estruturação de um conjunto de capitais que
selecionaram este local para receberam os seus investimentos. Auxiliados por
informações coletadas no decorrer das entrevistas, foi possível notar a existência de um
projeto de transformar o bairro em um pólo turístico, o que se configuraria em questão a
ser aprofundada em um momento posterior.
A resistência social em torno de um projeto alternativo representa também
outra importante questão a ser analisada. Não podemos esquecer que esta pode vir a
se configurar como uma oportunidade singular de organização de moradores e, de
forma mais ampla, também daqueles que usufruem da cotidianidade do local e que
podem ser elementos relevantes para o sucesso da empreitada frente a processos mais
robustos oriundos das dinâmicas globais em vigor.
128
As estratégias, as estruturas criadas para organizar moradores, a análise dos
movimentos que estimulam a resistência e, principalmente, também a capacidade de
agência destes grupos podem oferecer uma alternativa de resistência social e constitui
questões de peso cuja análise nos instiga ao prosseguimento desta análise em uma
pesquisa de doutorado, em um momento futuro.
129
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134
RODRIGUES, Adyr Balastreri. Turismo e territorioalidades plurais: lógicas excludentes ou solidariedade organizacional. In: LEMOS, Amália Inês Geraiges de; ARROYO, Mônica; SILVEIRA, Maria Laura. América Latina: cidade, campo e turismo. São Paulo: CLACSO Livros, 2006. ROMEO, Madalena. Santa Teresa vira a nova queridinha dos gringos. Jornal O Dia. Publicado em 19 de Agosto de 2007. Disponível em: <http://odia.terra.com.br/turismo/htm/geral_ 118159.asp>. Acesso em: 19 ago. 2007. SANCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades na virada de século: agentes, estratégias e escalas de ação política. Revista de Sociologia e Política,Curitiba, n.6, p.31-49, jun. 2001. ______ . Políticas urbanas em renovação: uma leitura crítica dos modelos emergentes. Revista de Estudos Urbanos e Regionais, São Paulo, n.1, p.115-132, maio 1999. ______. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003. SANTOS, José Henrique de Oliveira. Turismo e hospitalidade: um estudo de caso da rede Cama & Café em Santa Teresa (RJ). 2005. Dissertação (Mestrado)-Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. SANTOS, Milton. O território e o saber local: algumas categorias de análise. Cadernos IPPUR. Rio de Janeiro, a. 13, n.2, p.15-26, ago./dez. 1999. SASSEN, Saskia. As cidades na economia mundial. São Paulo: Studio Nobel, 1998. ______. Ciudades em la economia global: enfoques teóricos y metodológicos. Eure, Santiago do Chile, v. 24, n. 71, mar. 1998. ______. The Global City: New York, London and Tokyo. New Jersey: Princeton University Press, 2001. SASSEN, Saskia; ROOST, Frank. A cidade: local estratégico para a indústria global do entretenimento. Espaço e Debates: revista de estudos regionais e urbanos, São Paulo, a. 17, n.41, 2001.
135
ROOST, Frank. Localizando ciudades em circuitos globales. Eure, Santiago do Chile, v. 29, n. 88, p.5-27, dec. 2003.
Jornais e revistas consultados
O Globo, 24/05/2004
Boletim da AMAST, 05/05/2007
136
ANEXO A
DECRETO Nº 26199 DE 27 DE JANEIRO DE 2006. CRIA O PÓLO GASTRONÔMICO, CULTURAL E TURÍSTICO DE SANTA TERESA E
DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS
O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso das suas atribuições legais e,
Considerando a concentração de bares e restaurantes existentes nos trechos delimitados pela linha do bonde de Santa Teresa, bem preservado que contribui significativamente para a unidade do bairro, assim como pelos principais centros de cultura e circulação turística, ou seja, nas ruas Joaquim Murtinho, Almirante Alexandrino, Pascoal Carlos Magno, Monte Alegre, Oriente, Progresso, Dias de Barros, Murtinho Nobre, Ladeira do Castro, àurea, Aprazível, Felício dos Santos, Ladeira dos Meirelles, Carlos Brant, Constante Jardim, Aarão Reis, nos largos do Curvelo, dos Guimarães, das Neves e do França e nos mirantes Dois Irmãos, Rato Molhado e dos Bombeiros;
Considerando a oportunidade de criação de um pólo gastronômico no local, incentivando o comércio, o lazer, as artes e o turismo na região;
Decreta:
Art. 1.º - Fica criado o Pólo Gastronômico, Cultural e Turístico de Santa Teresa, compreendendo a àrea formada pelos seguintes trechos: partindo da estação de bondes da Carioca, subindo pela Rua Joaquim Murtinho, em direção ao Largo do Curvelo e ruas no entorno (Dias de Barros e Murtinho Nobre), seguindo pela Rua Almirante Alexandrino até o Largo dos Guimarães e ruas no entorno (Carlos Brant, Ladeira do Castro, Ladeira dos Meirelles, Triunfo), onde se encontra um polígono formado pelas ruas Aprazível, Aaarão Reis, Paschoal Carlos Magno e Almirante Alexandrino (que compreende ainda as ruas Monte Alegre, àurea, Laurinda Santos Lobo, Teresina, Felício dos Santos e Constante Jardim), de onde se segue em direção ao Largo do França e, por fim, às Paineiras.
137
Art. 2.º - A Prefeitura incentivará a promoção do local, mediante apoio dos órgãos envolvidos, visando a preservar:
I - o livre trânsito de veículos e transeuntes;
II – o ordenamento público;
III - a harmonia estética;
IV - a sinalização indicativa dos estabelecimentos participantes; e
V - a repressão ao comércio ambulante irregular.
Art. 3.º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2006
- 441º ano da fundação da Cidade
CESAR MAIA
138
ANEXO B
COMIDA ALEMÃ
Adega do Pimenta R. Almirante Alexandrino, 296 Telefone: 2224-7554 Mike´s Haus R. Almirante Alexandrino, 1.458 A Telefone: 2509-5248 COMIDA JAPONESA
Sansushi R. Almirante Alexandrino, 382 Telefone: 2252-0581 COMIDA MEXICANA
Rincon Mexicano Rua Progresso, 51 Telefone: 3233-0202 COMIDA MINEIRA
Bar do Mineiro Rua Paschoal Carlos Magno, 99 Telefone: 2221-9227
COMIDA NORDESTINA
Bar do Arnaudo Rua Almirante Alexandrino, 316 B Telefone: 2252-7246 COMIDA PORTUGUESA
Alda Maria Doces Portugueses R. Almirante Alexandrino, 1.116 Telefone: 2232-1320 CULINÁRIA BRASILEIRA
Casa àurea R. àurea, 80 Telefone: 2242-5830 Espaço Esquina de Santa Rua Monte Alegre, 348 Telefone: 2508-7112
FRUTOS DO MAR
Sobrenatural R. Almirante Alexandrino, 432 Telefone: 2224-1003 NATURAL
Ora-Pro-Nobis R. Almirante Alexandrino, 1.458 D Telefone: 2508-6188 MASSAS
Creperia Beliska R. Progresso, 51 Telefone: 3233-0202
La Bella Massa Caseira R. Progresso, 51 Telefone: 3233-0202
Porta Kent (pizzaria) Largo dos Guimarães s/nº Telefone: 2509-5152
VARIADOS
Bar da Fatinha (bar e lanchonete) Rua àurea, 2 A Telefone: 2252-6047 Bar do Marcô R. Almirante Alexandrino, 412 Telefone: 2531-8787
Bonde Bar R. Aarão Reis, 20 Telefone: 2507-4185
Espírito Santa (bar, restaurante e lounge) R. Almirante Alexandrino, 264 Telefone: 2508-7095
Estação do Chopp R. Almirante Alexandrino, 6 Telefone: 2258-7316 Santa Saideira R. Progresso, 5 - Largo das Neves Telefone: 2222-6414 Taberna Diferent Rua do Oriente, 437 Telefone: 2232-4477
OUTROS
Aprazível Rua Aprazível, 62 Telefone: 2507-7334 / 2508-9178 Armazém São Thiago Rua àurea, 26 Telefone: 2232-0822 Bar Bom Jardim Rua Gonçalves, 196 Telefone: 2502-1344
Bar do Abílio Rua Progresso, 5 Telefone: 2252-3699 Bar do Serginho Rua Dias de Barros, 2 Telefone: 2222-1449 Bar e Mercearia Luzinde Rua Padre Miguelino, 60 Telefone: 2502-2433 Bar Oriental Rua Oriente, 432 Telefone: 9137-1146 Bar Taylor Rua Taylor, 36 Telefone: 2221-8329 Café Bar Flor Santa Teresa Rua Paula Matos, 107 Telefone: 2232-2725
Café e Bar Jardim Dourado Rua Cândido Mendes, 16 C Telefone: 2221-6442
Goiabeira Largo das Neves, 13 Telefone: 2232-5751 Juarez Estrada Dom Joaquim Mamede, 98 Telefone: 2557-6135 La Cave de Paris Rua Oriente, 437 Telefone: 2252-2802
Simplesmente Rua Paschoal Carlos Magno, 115 Telefone: 2508-6007
ANEXO C
LISTA DAS COMUNIDADES SOBRE SANTA TERESA NO ORKUT90
1. Santa Teresa
2. Arte de portas abertas
3. Bloco das Carmelitas
4. Amo Santa Teresa
5. Santa Teresa – cidade bairro
6. Bonde de Santa
7. Cine Santa
8. Caroneiros de Santa Teresa
9. Rua Paula Mattos – Santa Teresa
10. Só acontece em Santa Teresa
11. Casarão Hêrme – Santa Teresa
12. Sequelados de Santa Teresa
13. Jasmim Manga - Santa Teresa
14. Santa Teresa só tranqüilidade
15. Eqüitativa - Santa Teresa
16. Moro ou conheço Santa Teresa
90 ORKUT. Site de relacionamentos. Disponível em <www.orkut.com>, acesso em XX de MÊS de 2008.
17. Lagoinha clube em Santa Teresa
18. Santa Teresa
19. Bêbados em Santa Teresa
20. MSN Santa Teresa RJ
21. Santa Teresa nós amamos vc
22. Gonçalves Fontes / Santa Teresa
23. Músicos de Santa Teresa
24. Bonde de Santa Teresa
25. MST (Movimento Santa Teresa)
26. Santa Teresa – rua Terezina
27. Músicos de Santa Teresa
28. Eu amo o Guia Santa Teresa
29. Santa Teresa
30. Bar do Gomes em Santa Teresa
31. Eu ando de 206 – Santa Teresa
32. Vintage – Santa Teresa
33. Eu amo Santa Teresa
34. Bodyboardes de Santa Teresa
35. Eu amo Santa Teresa
36. Ciclistas de Santa Teresa
37. Santa Teresa
38. Santa Teresa 10
39. Eu moro no solar Santa Teresa
40. Adoro Santa Teresa – RJ
ANEXO D
Modelo de questionário para as entrevistas com a AMAST
1) Na sua visão, quais são os principais problemas enfrentados pelo bairro de Santa
Teresa?
2) No que se refere ao desenvolvimento do bairro, quais são os projetos para o bairro?
3) E quais são os impactos destes projetos sobre Santa Teresa?
4) Como se deu a organização da AMAST até a compra do Hotel pelo grupo Exclusive?
Modelo de questionário para a entrevista com a “Santa Teresa de portas abertas”
1) Qual é o objetivo do “Santa Teresa de portas abertas”?
2) Quantos artistas são afiliados à esta rede de artistas?
3) Quais são os efeitos da ação destes eventos sobre o bairro?
4) Como a “Santa Teresa de portas abertas” tem contribuído para o desenvolvimento do
bairro?
5)“Santa Teresa de portas abertas “ atua em conjunto com outras instituições da
sociedade civil?
Modelo de questionário para a entrevista com os donos de Hotéis
1) O que motivou a instalação do hotel em Santa Teresa?
2) Quais são os principais atrativos do seu hotel?
3) Qual é o perfil do turista que o seu hotel recebe?
4) Santa Teresa pretende ser a “Montmartre” carioca? Qual é a sua opinião sobre esta
tentativa .
5)O que busca o turista que vem para o hotel e conseqüentemente para Santa Teresa?
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo