o sucesso de uma sobrevivente: a poupança de keynes a
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ
INSTITUTO DE ECONOMIA - IE
TESE DE DOUTORADO
O SUCESSO DE UMA SOBREVIVENTE:
A POUPANÇA DE KEYNES A NOSSOS DIAS
LUCILENE MORANDI
Orientador: Prof. Dr. Mário L. Possas
Rio de Janeiro
2004
i
O SUCESSO DE UMA SOBREVIVENTE:
A POUPANÇA DE KEYNES A NOSSOS DIAS
LUCILENE MORANDI
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação do
Instituto de Economia – IE/UFRJ, como requisito
parcial para obtenção do grau de Doutor.
Aprovada em março de 2004.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Dr. MÁRIO LUIZ POSSAS – Orientador
_________________________________________
Prof. Dr. ANTONIO CARLOS MACEDO E SILVA
_________________________________________
Prof. Dr. ANTONIO LUIZ LICHA
_________________________________________
Profa. Dra. CARMEM APARECIDA FEIJÓ
_________________________________________
Prof. Dr. FERNANDO J. CARDIM DE CARVALHO
ii
Para Ruy, Ian,
Helena e Angela
iii
Agradecimento
Este trabalho foi incentivado basicamente pela postura coerente e de grande
conhecimento teórico de dois professores que fizeram a diferença nos meses em que cursei o
doutorado no Instituto de Economia da UFRJ. Mário L. Possas e Fernando J. Cardim de
Carvalho motivaram questionamentos sobre a teoria econômica e sobre a forma como esta é
passada aos estudantes de economia. São professores cuja dedicação à profissão provoca
revisões de nossas concepções em economia.
iv
Sumário
Resumo......................................................................................................vi
Introdução.................................................................................................. 1
Capítulo 1................................................................................................... 5
Poupança: Keynes, Kalecki e a teoria dos fundos de empréstimo ....... 5
1.1 – Introdução ............................................................................................................. 5
1.2 – Poupança............................................................................................................... 7
1.2.1 – A teoria dos fundos de empréstimo .................................................................... 9
1.3 – O princípio da demanda efetiva .......................................................................... 11
1.3.1 – A definição de poupança em Keynes e Kalecki................................................ 19
1.4 – Poupança versus investimento ............................................................................ 26
Capítulo 2................................................................................................. 32
Poupança, finance, funding e decisões de portfólio ............................. 32
2.1 – Introdução ........................................................................................................... 32
2.2 – Demanda efetiva e o multiplicador ..................................................................... 36
2.3 – O motivo finance de demanda por moeda........................................................... 46
2.4 – Finance, funding e decisões de portfólio ............................................................ 67
2.5 – Poupança forçada ............................................................................................... 74
Capítulo 3................................................................................................. 82
A poupança nos modelos de crescimento econômico........................... 82
3.1 – Introdução ........................................................................................................... 82
3.2 – Modelos de crescimento econômico e o papel da poupança .............................. 88
3.2.1 – Modelo dinâmico coerente com o princípio de demanda efetiva: Kalecki ...... 90
3.2.2 – Modelos de crescimento com acelerador e/ou efeito multiplicador: neo-keynesianos................................................................................................................... 96
3.2.3 – Poupança, financiamento e funding no crescimento econômico: keynesianos neoclássicos e pós-keynesianos.................................................................................. 105
3.2.4 – Modelos de crescimento neoclássicos: a partir de Solow.............................. 110
Conclusão............................................................................................... 128
Referências Bibliográficas.................................................................... 135
v
Resumo
Este trabalho propõe um retorno à discussão, a partir das proposições de Keynes e
Kalecki, sobre a igualdade poupança-investimento e o papel da poupança – se existe algum –
relativamente ao investimento. Esse retorno se faz necessário dado que a discussão não foi
conclusiva, no sentido de que não apenas a teoria neoclássica não entendeu e não aceitou
essas proposições, como mesmo muitos autores heterodoxos – teoricamente mais próximos de
Keynes (e de Kalecki) – não aceitam que a poupança seja apenas um resíduo da renda após a
realização dos gastos, não tendo qualquer importância para a determinação, nem mesmo como
limite, do investimento. A não aceitação da teoria keynesiana (e kaleckiana) passa
basicamente pela não compreensão e/ou não aceitação do princípio de demanda efetiva como
princípio norteador da análise econômica de uma economia com produção para o mercado. A
evidência de que as proposições de Keynes (e de Kalecki) caíram no vazio é o fato de os
modelos de crescimento – a exceção do modelo de crescimento e ciclo de Kalecki –
admitirem que a poupança tem algum papel na determinação do nível de investimento e,
portanto, de crescimento econômico.
Abstract
The objective of this thesis is a review of the discussion raised by the theories of
Keynes and Kalecki about the equality of saving and investment and the role – if any – of
saving relatively to investment. This review is considered to be necessary because that
discussion has not been conclusive, not only for neoclassical economists, but also for many
heterodox ones. Economists as a rule do not accept either an unconditional equality between
saving and investment, or the proposition that saving simply does not matter for investment,
even as a constraint, as proposed by Keynes and Kalecki, basically because they do not
understand and/or do not accept the principle of effective demand as a basic guide for the
economic analysis of a market economy. This becomes clear when one considers most growth
models – except for Kalecki’s business cycle model – which take saving as a determinant, at
least in part, of investment and, as a result, of economic growth.
vi
“A lição sabemos de cor só nos resta aprender”
(Sol de primavera, Beto Guedes e Ronaldo Bastos)
vii
Introdução
Uma questão importante para a teoria econômica em geral, e a macroeconomia em
particular, é o financiamento do investimento, responsável pela determinação do nível de
produção e pelo crescimento econômico. A teoria econômica está dividida em várias correntes
de pensamento, determinando diferentes escopos teóricos; mas, para maior simplicidade e no
contexto desta tese, serão considerados dois grandes blocos: a teoria neoclássica, inteiramente
hegemônica, e a “teoria heterodoxa”, esta reunindo visões diversas. A primeira é
caracterizada, especialmente no campo macroeconômico, e novamente de forma muito
simplificada, por uma análise da economia centrada no lado da oferta; pela aceitação implícita
da lei de Say – toda oferta cria, no agregado, sua própria procura –; e por adotar o paradigma
do equilíbrio geral como a diretriz básica. O enfoque heterodoxo que será considerado aqui,
restrito ao campo macroeconômico, por sua vez, está baseado nos trabalhos de Keynes e
Kalecki, principalmente no primeiro, e é caracterizado por destinar à demanda um papel
importante – principalmente pela aceitação do princípio de demanda efetiva – com a
conseqüente anulação da validade da lei de Say e a não aceitação do paradigma do equilíbrio
geral.
A primeira fonte de financiamento do investimento e, portanto, da produção
vislumbrada pela teoria econômica foi a poupança, ou seja, a parte da renda não gasta. Os
primeiros teóricos a se contraporem de forma sistemática a essa visão foram J. M. Keynes
com A Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda, de 1936, e M. Kalecki com o trabalho de
1954, Teoria da Dinâmica Econômica. O trabalho de Keynes foi mais difundido e também
mais discutido e criticado, provavelmente pelo fato de o autor já ser conhecido e estar
associado à escola de Cambridge, um centro de grande produção e prestígio na época,
enquanto Kalecki lança suas primeiras idéias um pouco antes de Keynes, mas na Polônia, um
país cuja língua é pouco conhecida no resto do mundo.
A motivação principal dos dois autores foi a grave crise por que passou a economia
capitalista no final dos anos 20 e início dos anos 30. O pensamento econômico predominante
defendia que uma economia capitalista deveria crescer enquanto houvesse recursos
disponíveis ou enquanto fosse lucrativo utilizá-los, ou seja, enquanto o custo de utilização do
1
recurso fosse igual ou inferior à renda gerada pelo mesmo recurso (sua produtividade
marginal). Como conseqüência, não se admitia a existência de desemprego, a não ser o
voluntário ou o friccional, dado que toda mão-de-obra que aceitasse receber um salário que
equivalia, teoricamente, à sua produtividade marginal poderia ser empregado. Além disso,
dado que a produção gerava renda, esta seria toda utilizada em gastos, de consumo ou de
investimento. A moeda não teria nenhuma outra função que não a de numerário e meio de
troca, ou seja, a ponte para a aquisição de bens. Estas premissas de funcionamento de uma
economia capitalista validavam e ao mesmo tempo estavam embasadas na lei de Say.
No entanto, a crise de 1929 mostrou um mundo capitalista em que a produção não
encontrava demanda suficiente, gerando estoques crescentes nas fábricas e, em decorrência da
redução das vendas, desemprego crescente. Esse fenômeno não era previsto e dificilmente
encontrava explicação na teoria econômica vigente. Os trabalhos de Keynes e Kalecki tiveram
o intuito principal de responder a essas questões, i.e., porque havia desemprego involuntário e
porque as mercadorias produzidas não eram vendidas se a renda necessária à sua aquisição
havia sido supostamente gerada durante seu processo produtivo.
A resposta tanto de Keynes quanto de Kalecki é que a lei de Say não é válida como
representação de uma economia capitalista ou mesmo de uma economia de produção para o
mercado. Não é verdade que toda produção gere sua própria demanda, porque quem recebeu
uma renda pode decidir quanto e em que gastar, logo também pode decidir não gastar e,
portanto, contribuir para a não realização da produção. Isso define, de forma simplificada, o
princípio de demanda efetiva, base de ambas as teorias; são os gastos que determinam o nível
de renda e não o inverso1. Keynes dará maior ênfase ao papel da moeda e às expectativas para
explicar porque os possuidores de renda decidem não gastá-la em consumo ou em
investimento. Kalecki dará maior ênfase às decisões de gastos em consumo e investimento,
deixando implícito o papel da moeda nesse contexto.
Como decorrência desse tipo de análise, concluem que a poupança não pode
determinar o investimento, nem mesmo participar indiretamente de sua determinação, porque
ela não é um gasto e sim, por definição, um componente de renda. A igualdade I=S é uma
equação com sentido de determinação do tipo I S. O princípio de demanda efetiva não
apenas se contrapõe à lei de Say como inverte seu sentido, já que sustentava que S I.
1 O princípio de demanda efetiva é comumente confundido com problema de escassez de demanda. Mas ele não destaca apenas que a produção pode não ser realizada; ele na verdade define um sentido de determinação nas igualdades que relacionam grandezas que representam gastos e que representam renda, sendo aquelas que determinam essas. Essas igualdades deixam de ser apenas identidades contábeis, a nível micro ou macroeconômico, para serem equações com sentido de determinação. 2
Essa inversão de determinação na igualdade entre poupança e investimento é muito
importante para a teoria econômica porque ela é parte de uma mudança radical de percepção
das relações econômicas. É por isso que ela é uma das fontes de discórdia nas indicações de
política econômica das teorias econômicas neoclássica e heterodoxa.
Logo após a publicação da Teoria Geral de Keynes, a relação entre poupança e
investimento proposta por ele foi discutida amplamente, gerando os trabalhos que fizeram
parte do primeiro ciclo de discussão, nos anos 30, sobre o assunto. Nos anos 50 houve nova
tentativa de afirmação da posição defendida por Keynes e nos anos 80 ocorre o terceiro e
último ciclo de debates envolvendo a igualdade e o sentido de determinação da relação entre
investimento e poupança. Pode-se adiantar, no entanto, que nenhum desses ciclos foi
conclusivo no sentido de firmar as posições defendidas por Keynes e Kalecki no âmbito da
teoria econômica. A aceitação de suas teorias ficou basicamente restrita aos autores
heterodoxos e mesmo assim, como será mostrado ao longo do trabalho, de forma muito
parcial, justamente porque não correspondeu à aceitação plena do princípio de demanda
efetiva.
O objetivo deste trabalho é mostrar a não incorporação da igualdade incondicional
entre poupança e investimento e o sentido de determinação presente nessa igualdade, como
proposto pelas teorias keynesiana e kaleckiana, não só pelas teorias neoclássicas de
crescimento posteriores, mas até mesmo pelos teóricos heterodoxos propagadores da teoria
keynesiana. O primeiro capítulo apresenta a versão da teoria neoclássica para a relação
poupança-investimento, discutindo a teoria dos fundos de empréstimo; e a versão keynesiana,
apresentando a teoria da preferência pela liquidez. Como ponto de partida para a análise, é
apresentado o princípio de demanda efetiva, base para toda a discussão posterior. No capítulo
dois são apresentados os três ciclos de debates sobre a relação poupança-investimento,
destacando os principais itens como o multiplicador do investimento, o motivo finance de
demanda de moeda proposto por Keynes, as decisões de portfólio e o papel do funding e a
idéia de poupança forçada. O terceiro capítulo apresenta um ramo da teoria econômica em que
as diferenças para a relação poupança-investimento têm muita importância, como é o caso das
teorias de crescimento. São apresentados um modelo de crescimento e ciclo econômico que é
coerente com o princípio de demanda efetiva, o modelo de Kalecki; os modelos de
crescimento que utilizam o multiplicador e/ou acelerador; e modelos neoclássicos a partir do
modelo de Solow. Tanto o capítulo dois quanto o três estão direcionados para o objetivo de
analisar a relação poupança-investimento nas diversas correntes de pensamento econômico a
partir das propostas de Keynes e de Kalecki. A conclusão é que, apesar do grande impacto 3
provocado pela publicação dos trabalhos desses autores, fundadores da macroeconomia –
especialmente de Keynes, e pelas alterações que introduziram na teoria econômica, suas
propostas fundamentais em relação a este tema foram efetivamente ignoradas, mesmo por
autores defensores de suas teorias.
4
Capítulo 1
Poupança: Keynes, Kalecki e a teoria dos fundos de empréstimo
1.1 – Introdução
A discussão sobre os determinantes e o papel da poupança é tema da teoria econômica
desde seus primórdios, e esteve ligada mais diretamente aos determinantes do nível de
produto e do crescimento econômico. Os trabalhos de J. M. Keynes (1936), A Teoria Geral
do Emprego, Juros e Moeda, e M. Kalecki (1954), Teoria da Dinâmica Econômica, trazem
formulações de teoria macroeconômica nas quais a relação entre poupança e investimento –
igualdade esta aceita também pelos economistas clássicos e neoclássicos – apresenta diferença
fundamental em relação às teorias clássica e neoclássica2. Os primeiros acreditavam ser a
poupança que determina o investimento, enquanto os neoclássicos defendem a determinação
simultânea da poupança e investimento via variação da taxa de juros. De forma geral, todos os
economistas, clássicos ou neoclássicos, aceitam a igualdade entre poupança e investimento. A
novidade da teoria keynesiana e kaleckiana é a afirmação de que, se essa igualdade possui
algum sentido de determinação ou de antecedência, é o investimento que na verdade
determina a poupança, e não o contrário.
A inversão de determinação não trouxe mudanças apenas marginais à teoria
econômica. Ela implicou uma nova formulação da teoria macroeconômica, com mudanças
significativas, principalmente relacionadas à formulação de políticas macroeconômicas: a
afirmação de que é o investimento que determina a poupança não apenas invalidou a lei de
Say, como criou uma “anti-lei de Say” (Possas, 1987 e 2001); retirou a determinação da taxa
de juros do âmbito do mercado de oferta e demanda por crédito para o mercado de moeda
(Keynes, 1936); deu o destaque devido ao princípio da demanda efetiva como formulação
2 Aqui são classificados como economistas clássicos todos os economistas anteriores a K. Marx, cuja característica comum é a análise da economia apenas pelo lado da oferta. E são classificados como economistas neoclássicos os autores que aceitam a lei de Say, adotam uma função demanda que tem um papel passivo, relativamente à oferta e utilizam (atualmente) o paradigma do equilíbrio geral. 5
básica e essencial de uma economia capitalista e, portanto, monetária (Kalecki, 1954; Keynes,
1936); além de negar o equilíbrio de pleno-emprego como o resultado comum do
funcionamento de uma economia capitalista (Keynes, 1936).
O fato de terem ocorrido pelo menos três ciclos importantes de debate após a
publicação da Teoria Geral – nos anos 30, 50 e 80 – tendo como tema central a igualdade
entre poupança e investimento e a determinação da poupança é mostra mais que suficiente da
relevância das proposições de Keynes e Kalecki para esse tema e de seu potencial de
controvérsia. Por outro lado, o fato de hoje essa discussão ser considerada ultrapassada não
quer dizer que as questões ligadas a ela tenham sido esclarecidas, ou que os economistas
tenham plena consciência do conceito de poupança de que fazem uso em suas formulações
macroeconômicas, ou das conseqüências teóricas desse conceito. Após o último ciclo de
debates, na segunda metade da década de 80, esse tema teve apenas destaque secundário na
literatura econômica. Apesar disso, é possível encontrar na quase totalidade dos manuais de
economia, assim como nos vários modelos de crescimento neoclássicos, inclusive em suas
derivações de política, afirmações de que é necessário aumentar a poupança privada
doméstica ou a poupança externa para provocar expansão do investimento, sem nenhuma
menção às diferenças entre as proposições neoclássica e keynesiana/kaleckiana. Não só isso;
boa parte dos que tomam decisões sobre políticas macroeconômicas concordariam com tal
afirmação, apesar de encontrarmos entre eles alguns (poucos) que poderiam afirmar, que são
seguidores do pensamento econômico keynesiano.
Este trabalho tenta mostrar que a questão sobre o papel da poupança na teoria
macroeconômica não está resolvida, mas encoberta. Para a grande maioria dos estudantes de
economia, essa é uma questão de pouca relevância porque é apresentada como definitiva na
maioria dos livros-texto. Mais que isso, mesmo para os economistas para os quais tal questão
tem relevância, a definição de poupança e o uso desse conceito não são por vezes consistentes
ao longo do corpo teórico por eles proposto. Para os pós-keynesianos, por exemplo, como
veremos, a discussão sobre o funcionamento do mercado financeiro ainda envolve questões
sobre a poupança, tratada de maneira dúbia.
Neste primeiro capítulo serão apresentados a definição e o papel da poupança
apresentado por Keynes na Teoria Geral e por Kalecki em seus textos de 30 e 50, bem como
as definições utilizadas pela teoria neoclássica, dado que é a teoria à qual os dois autores se
contrapõem. Nessa discussão serão incluídos alguns elementos que têm importância
fundamental na definição do papel da poupança nas teorias de Keynes e Kalecki, isto é, o
princípio da demanda efetiva, o papel da moeda e o financiamento do investimento. 6
1.2 – Poupança
A determinação do nível de produto e renda numa economia capitalista é objeto de
análise da teoria econômica desde os primeiros economistas. Adam Smith (A Riqueza das
Nações, 1776) defendeu a importância da frugalidade para o progresso econômico: quanto
maior a poupança (dos capitalistas), maior a acumulação de capital, o que condiciona a
acumulação (ou crescimento) à existência de poupança prévia. Na sua visão, a produção é
totalmente adquirida, e a renda gerada nesse processo tem duas destinações possíveis:
consumo ou poupança; neste último caso, é canalizada para a acumulação. A fonte de
referência desse raciocínio é a produção agrícola, na qual o produto não consumido torna-se
parte da base produtiva do próximo período (a produção de trigo já serviu de exemplo várias
vezes).
Na seqüência, J. Mill (A Defesa do Comércio, 1808), na Inglaterra, e J. B. Say
(Tratado de Economia Política, 1814), na França, formularam o que ficou conhecido como
“lei dos mercados de Say”, segundo a qual toda produção cria uma demanda necessária para
absorvê-la. Essa “lei” recebeu maior consistência teórica a partir de D. Ricardo (Princípios de
Economia Política e Tributação, 1817). J. Stuart Mill (Princípios de Economia Política,
1848) contribuiu, por sua vez, para transformar a lei de Say em dogma, forma pela qual foi
incorporada pelos economistas da época em questões como a acumulação de capital, o
desenvolvimento econômico, a idéia de impossibilidade de crise de superprodução, a questão
da distribuição de renda entre salários e lucros, além de servir de base à hipótese de
insignificância do papel das exportações e dos gastos públicos para o aumento da produção.
Ao se utilizar a lei de Say na análise de uma economia capitalista, a demanda passa a
ter um papel passivo na determinação do nível de produção e de renda. A renda não
consumida ou é usada para a aquisição de bens de investimento (acumulação de capital) ou
para empréstimo a outros capitalistas, que a utilizam para adquirir bens de investimento.
Assim, o destino de toda renda não gasta (poupança) é a acumulação (investimento), o que
garante a realização de toda a produção e, como conseqüência, elimina-se a possibilidade de
superprodução. E mais, a lei de Say permite afirmar que a distribuição de renda não altera sua
determinação3. No caso de um aumento de salário, por exemplo, a conseqüência é um
3 Por isso a lei de Say é chamada às vezes de lei de preservação do poder de compra (Miglioli, 1983). 7
aumento de consumo dos trabalhadores, compensado por uma redução proporcional do
consumo dos capitalistas em decorrência da redução da participação dos lucros na renda; um
aumento de tributos, por outro lado, equivale a uma transferência de renda do setor privado
para o setor público, provocando aumento do consumo deste em detrimento daquele; e, da
mesma forma, um aumento das exportações implica apenas um aumento da participação da
demanda externa frente à demanda doméstica. A renda está dada, sendo definida pelas
condições de oferta. As alterações indicadas acima apenas modificam a forma de distribuição
da renda total (Miglioli, 1983).
Keynes e Kalecki não foram os primeiros autores a contestarem a lei de Say. Vários
autores contemporâneos de Ricardo já o haviam feito, como Malthus e Sismondi4, além de K.
Marx (O Capital, 1867, cap. 4), que chegou, como se verá adiante, a conclusões bem
próximas das dos autores que utilizaram o principio da demanda efetiva, ao mostrar que o
lucro do conjunto dos capitalistas depende dos seus gastos em consumo e investimento. No
entanto, nem mesmo Marx contestou a lei de Say de forma tão contundente e ao mesmo
tempo criando bases para uma nova teoria como o fez Keynes (e Kalecki com menor
repercussão) ao publicar a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Keynes estava
interessado em analisar por que produto e emprego flutuam, e com eles o nível de utilização
dos recursos. Ao analisar os determinantes do nível de renda e produto de uma economia,
definiu novos rumos para a teoria econômica e, ao mesmo tempo, fez ver que a teoria
neoclássica estava apoiada em bases que não representavam adequadamente a economia
capitalista (monetária) moderna. Keynes e Kalecki foram além de Marx ao inverterem o
sentido de causalidade da lei de Say.
A definição de poupança é essencialmente idêntica nas teorias clássica, neoclássica e
keynesiana/kaleckiana5. Apesar disso, o tratamento dispensado à determinação da poupança e
sua relação com o investimento – que inclui seus determinantes – é absolutamente diverso. A
análise predominante na teoria clássica/neoclássica é conhecida como teoria dos fundos de
empréstimo, enquanto que a visão de corte keynesiano baseia-se na hipótese da preferência
4 Um dos primeiros foi T. R. Malthus (Princípios de Economia Política, 1820), que defendeu que a demanda efetiva pode ser menor que a oferta agregada porque, se é verdade que os trabalhadores consomem toda a renda, o mesmo não é verdade em relação à classe capitalista. A renda dos capitalistas é parte destinada ao consumo, parte à acumulação e parte é simplesmente não gasta – quando estes manifestam sua “preferência pela indolência”. E concluiu que, se a demanda não é igual à produção, então o nível de produto depende não só do aumento de capacidade produtiva mas também dos determinantes da demanda efetiva, tais como a distribuição da renda, o aumento das exportações e dos gastos improdutivos (mencionando como exemplo os gastos públicos).
8
pela liquidez.
Dentre as questões levantadas ao se discutir o conceito de poupança e seu papel como
variável econômica destacam-se a distinção entre o papel do crédito e da poupança no
financiamento do investimento, as dimensões financeira e real da poupança e os processos
causais de determinação da taxa de juros, da poupança e do investimento, além de diferentes
noções de equilíbrio. É necessário, dessa maneira, definir com maior precisão a ligação entre
a poupança e as demais variáveis macroeconômicas, além de identificar seu papel na
determinação do nível de produto, renda e emprego.
Nesse sentido, são apresentados, na seqüência, os conceitos de poupança da teoria
neoclássica ou teoria dos fundos de empréstimo e da teoria heterodoxa ou de preferência pela
liquidez – representada por seus precursores, Keynes e Kalecki –, e as conseqüências, em
termos de teoria econômica – ou mais especificamente, em termos de diretrizes de política
econômica – que tais definições e usos do conceito de poupança trazem.
1.2.1 – A teoria dos fundos de empréstimo
Apesar de a igualdade entre poupança e investimento não implicar nenhuma relação
de equilíbrio para os clássicos, a teoria neoclássica a utilizou para definir um sentido de
determinação e um equilíbrio – possíveis a partir da aceitação da lei de Say –, concluindo que
a realização de qualquer nível de investimento (gastos) necessita de um montante equivalente
de poupança prévia (renda). Essa leitura da igualdade e do sentido de determinação entre
poupança e investimento numa economia capitalista é objeto de crítica e de redefinição de
causalidade por parte de Keynes e Kalecki que, para tanto, utilizam o princípio da demanda
efetiva.
A igualdade entre acumulação e poupança para os clássicos é obtida automaticamente,
i. e., um ato de poupança implica necessariamente um ato de investimento. No fim do séc.
XVIII e início do séc. XIX, os capitalistas representavam a classe que investia e que poupava.
Eles realizavam os investimentos e efetuavam a poupança no sentido de disponibilizar parcial
5 “Amidst the welter of divergent usages of terms, it is agreeable to discover one fixed point. So far as I know, everyone is agreed that saving means the excess of income over expenditure on consumption” (Keynes, 1936, p. 61). 9
ou totalmente os recursos necessários ao investimento. O poupador e o investidor estavam
representados por uma mesma figura (não necessariamente a mesma pessoa) e, assim, parecia
verdadeira a afirmação de que o montante do investimento dependia do montante de poupança
do capitalista. Quanto mais poupasse, maiores seriam seus recursos para investimento.
A teoria neoclássica assume entre suas hipóteses básicas o funcionamento da lei de
Say e o paradigma do equilíbrio. Ao admitir a separação entre as decisões individuais de
investimento e poupança, teve que buscar uma justificativa para sua igualdade. A igualdade
entre investimento e poupança totais seria garantida pela taxa de juros, que funcionaria como
o preço de qualquer bem em qualquer mercado. A taxa de juros é o mecanismo de mercado
que ajustaria oferta de fundos de empréstimo ou “poupança” e demanda por fundos de
empréstimo ou “investimento”, representando a remuneração de quem oferta os recursos e o
custo de quem necessita deles. Quanto menor a taxa de juros, maior o incentivo ao
investimento, porque implica uma redução de custo e, consequentemente, aumento de
rentabilidade. Por outro lado, quanto maior a taxa de juros, maior o incentivo a reduzir o
consumo presente e aumentar a poupança. O poupador ganha juros sobre o montante de
crédito que disponibiliza, o que representa a possibilidade de acesso a um maior nível de
consumo no futuro.
Neste contexto, o aumento de poupança provoca redução da taxa de juros – porque
aumenta a oferta de crédito e, sendo esta tratada da mesma forma que qualquer outra
mercadoria, o aumento de sua oferta reduz o preço da mesma –, induz a um aumento do
investimento – dado que o preço do bem (crédito) diminuiu, a tendência é que sua demanda
aumente – e, portanto, a um aumento da demanda por bens de produção. Como por hipótese a
renda de equilíbrio é dada, o aumento da demanda por bens de investimento requer uma
conseqüente redução da demanda por bens de consumo, levando a uma redução de preços e
de rentabilidade desse setor. A tendência, então, é que os capitais se desloquem para os
setores produtores de bens de capital em busca de maior rentabilidade, aumentando sua
produção. Portanto, um aumento de poupança equivale a uma redução dos gastos em bens de
consumo e um aumento dos gastos em bens de investimento e, para os períodos seguintes,
implica maior nível de produto e de consumo. Ou seja, a poupança representa uma parte do
consumo que é postergada no tempo, de modo que um maior nível de poupança hoje pode
significar maior nível de consumo no futuro dado que, por hipótese, a moeda só é desejada
para realizar gastos.
A conclusão é que a escassez ou o excesso de poupança em relação ao investimento
provoca aumento ou redução da taxa de juros. A uma taxa de juros muito alta, isto é, a um 10
nível muito baixo de poupança, o montante de investimento se reduz, retraindo produto e
renda da economia. Uma solução para uma economia com um baixo nível de produto,
portanto, seria incentivar os indivíduos a reduzirem consumo e aumentarem poupança,
aumentando com isso a oferta de recursos disponíveis, causando redução da taxa de juros e
aumento do volume de investimentos. Desnecessário enfatizar que a posição de Keynes e a de
Kalecki é diametralmente oposta a esta, em conseqüência essencialmente da utilização do
princípio da demanda efetiva na conceituação da poupança e de sua relação com o
investimento.
Schumpeter consegue esclarecer essa questão, além de se adiantar às propostas de
Keynes e de Kalecki, como no trecho abaixo:
“E não podemos recorrer à poupança a fim de explicar a existência de um fundo do qual venham a surgir créditos. Isso porque um tal procedimento implicaria a existência de lucros prévios, sem os quais não existiria nada que se assemelhasse aos montantes exigidos – mesmo assim a poupança geralmente fica aquém das necessidades – e, numa explanação de princípios, a presunção de lucros prévios resultaria num raciocínio circular. A ‘criação-de-crédito’ transforma-se, assim, numa parte essencial tanto do mecanismo do processo como da teoria que o explica. Portanto, a poupança propriamente dita vem a ser menos importante do que a doutrina comumente aceita dá a entender, para a qual o crescimento contínuo da poupança – a acumulação – é o sustentáculo da explanação” (1928, p. 283).
A seguir é apresentado o princípio da demanda efetiva. A abordagem de Keynes –
assim como a de Kalecki –, diversa da teoria neoclássica com relação ao papel da poupança,
tem nesse princípio teórico seu fundamento principal, que permite, entre outras coisas, a
negação definitiva da lei de Say.
1.3 – O princípio da demanda efetiva
O conceito de demanda efetiva foi muito utilizado no contexto de insuficiência de
demanda ou o ‘problema da demanda efetiva’, apontado como decorrente do entesouramento
ou adiamento de consumo. Keynes – assim como Kalecki –, no entanto, utilizou a demanda
efetiva como um princípio teórico, uma formulação geral que antecede qualquer análise da
economia capitalista. O princípio da demanda efetiva não havia sido utilizado, até então,
como um axioma ou um princípio geral que se contrapunha à lei de Say.
11
Na teoria neoclássica, o nível de emprego de equilíbrio é determinado pela igualdade
entre salário real e produtividade marginal do trabalho. Considerando dados a técnica e o
montante de recursos disponíveis para a produção, determina-se o nível de produto de
equilíbrio. Nesse caso, a igualdade entre oferta e demanda agregadas é possível a qualquer
nível de emprego, e a demanda agregada não assume apenas um, mas infinitos valores de
equilíbrio. Cada nível de salário real, por exemplo, corresponde a uma determinada oferta de
mão-de-obra, que tem apenas limite superior, dado pela desutilidade do trabalho. E, se isso é
verdade, a concorrência faz com que os empresários expandam o nível de emprego até que a
oferta agregada deixe de ser elástica ou se atinja o pleno-emprego. Pode-se concluir que
afirmar que a oferta cria sua própria demanda, ou considerar como válida a lei de Say,
equivale à afirmação de que não existe obstáculo ao pleno-emprego.
Segundo Possas (2001), tanto Keynes quanto Kalecki aceitam o princípio da demanda
efetiva como um ‘princípio’ geral, porque funciona como uma ‘anti-lei’ de Say, e essencial,
porque estabelece relações básicas de determinação, que devem anteceder qualquer
formulação teórica em macroeconomia. Kalecki formula o princípio da demanda efetiva,
mesmo sem explicitá-lo, de uma forma mais simples e radical que Keynes, o que ressalta
especialmente a relação unívoca de causalidade gasto-renda e dispensa a noção de equilíbrio.
Em Keynes esse princípio está mais obscurecido porque a preocupação maior é mostrar que a
determinação do emprego e da produção é ex ante, contrapondo-se assim à teoria neoclássica
de determinação simultânea. Mas em Kalecki a preocupação com o emprego é secundária,
porque este é validado pelo volume de produção confirmado pelas vendas ou demanda. Assim
fica mais claro o princípio da demanda efetiva, que consiste na determinação unilateral da
renda pelo gasto, dado que esta é a única decisão autônoma.
Sendo a formulação de Kalecki do princípio da demanda efetiva mais simples que a de
Keynes, deixa mais clara a relação de determinação na igualdade entre investimento e
poupança, diferenciando-a mais fortemente da abordagem neoclássica (Possas, 2001; Possas e
Baltar, 1981; Tavares, 1978). Sua apresentação tem a vantagem adicional de ser menos
passível de enquadramento neoclássico em comparação com a de Keynes. Kalecki utiliza a
distribuição funcional da renda, supondo uma representação da economia distribuída em
departamentos e supondo que os trabalhadores não poupam, sendo seu consumo igual à sua
renda (montante de salários). O consumo capitalista e o investimento6, especialmente este
6 Determinado pela capacidade de auto financiamento das empresas de parte ou totalidade do investimento, representada pelos lucros não distribuídos e pelas reservas de depreciação; pela variação das taxas de lucratividade ao longo do tempo – que estimula o investimento quando está crescendo e vice-versa; pelas 12
último, são gastos autônomos, ao que se conjuga a idéia de que o investimento é sempre capaz
de se autofinanciar, bastando haver um sistema de crédito que permita a criação de poder de
compra adicional, o que permite a Kalecki não entrar em considerações sobre poupança
prévia (Possas e Baltar, 1981).
Essencialmente, o princípio da demanda efetiva transforma uma equação de
determinação simultânea pela variação da taxa de juros, I=S, numa equação com sentido de
determinação, I→=S, mantendo verdadeira a igualdade. A interpretação de J. Hicks da Teoria
Geral, em seu artigo “Mr. Keynes and the classics” de 1936, ao contrário, transforma o
sistema de Keynes num sistema de determinação simultânea, retomando a igualdade entre S e
I como determinada pela variação da taxa de juros e, dessa forma, “a contribuição de Keynes
à demanda efetiva é eliminada de um só golpe” (Pasinetti, 1979, p. 57)7. Apesar de poder
parecer a alguns uma alteração inocente, o uso ou não do sentido de determinação nessa
equação faz toda a diferença. A diferença é entre uma teoria que utiliza o princípio da
demanda efetiva para explicar determinações unilaterais e outra que trabalha com equações de
equilíbrio geral, com determinação simultânea.
A modelagem da análise keynesiana em equações simultâneas retoma a idéia de uma
economia de trocas. Não é de surpreender que as idéias de Keynes se tornem pouco originais
ou parciais, afigurando-se como fruto de imperfeições de mercado, rigidez de preços e
salários e armadilhas de liquidez (Pasinetti, 1979).
Na teoria keynesiana o volume de emprego é resultante das decisões de investimento,
determinadas pelo volume de produto que os empresários desejam ofertar, dados a técnica, os
recursos, os custos dos fatores e o montante de lucro que esperam ganhar àquele nível de
produto. A igualdade entre oferta e demanda agregada é sui generis no texto de Keynes,
porque compara valores efetivos (da oferta agregada) a valores esperados (da demanda
agregada). Os empresários decidem produzir o que esperam vender a fim de auferir o lucro
esperado. A demanda efetiva é definida por Keynes como:
“Simply the aggregate income (or proceeds) which the entrepreneurs expect to receive, inclusive of incomes which they will hand on to other factors of production, from the amount of current employment which they decide to give. The aggregate
inovações tecnológicas, por possibilidade que apresentam de aumento de lucratividade; e pela variação do volume de capital fixo. Quanto maior o capital aplicado em dada atividade, menor o incentivo à expansão do investimento nesta mesma atividade (Miglioli, 1980). 7 É bom ressaltar que, apesar do comentário destacado acima, Pasinetti analisa a demanda efetiva como problema de realização, diferentemente de Keynes e Kalecki e não coerente com o princípio de demanda efetiva que defende. 13
demand function relates various hypothetical quantities of employment to the proceeds which their outputs are expected to yield; and the effective demand is the point on the aggregate demand function which becomes effective because, taken in conjunction with the conditions of supply, it corresponds to the level of employment which maximizes the entrepreneur’s expectation of profit” (Keynes, 1936, p. 55).
Afirmar que é possível ocorrer equilíbrio abaixo do nível de pleno-emprego é
decorrência da interpretação do princípio da demanda efetiva como um princípio geral. Como
o interesse principal de Keynes era a determinação do nível de emprego, ele definiu o
princípio da demanda efetiva ex ante (antes do início do período de produção), porque é nesse
momento que os empresários decidem quanto irão produzir e, portanto, quanto irão empregar
de mão-de-obra e de fatores de produção.
Em sua análise, Keynes dividiu a renda agregada ou valor da produção em unidades-
salário, Yw, em consumo em unidades-salário, Cw, e investimento em unidades-salário, Iw: Yw
= Cw + Iw. Por outro lado, a poupança, por definição, é igual à renda total menos os gastos em
consumo. A partir das definições anteriores, a poupança em unidades-salário é igual a Sw =
Yw – Cw. Segue-se daí que Sw = Iw, e o sentido de causalidade é o investimento determinando
a poupança (I → S). Ou seja, as decisões dos empresários sobre quanto produzir e, portanto,
empregar, dados o nível de salário e a demanda esperada (expectativas de curto prazo)8,
definem o nível de oferta agregada; e as decisões de investir, dadas as expectativas de longo
prazo e a taxa de juros, juntamente com o consumo, definem o nível de demanda agregada e,
finalmente, de renda da economia9. A partir da renda, basicamente, os indivíduos decidem
quanto desejam consumir. O restante será a renda não-consumida ou poupança, que é apenas
um resíduo de renda, não é fruto nem fonte de decisão dos agentes. O investimento é a
variável exógena e autônoma, enquanto que a poupança está condenada a ser igual ao
investimento. Como destaca Hansen (1953, p. 73) “toda a análise keynesiana poderia realizar-
se sem jamais usar a palavra ‘poupança’. De fato, na frase final do capítulo 6 da Teoria Geral,
Keynes anunciou que ‘a concepção da propensão a consumir tomará o lugar, daqui por
8 As expectativas de curto prazo são consideradas endógenas no sentido que podem ser corrigidas a partir da confirmação ou frustração das expectativas que levaram à escolha daquele nível de produção. A produção será ajustada em conseqüência desses resultados, e esses ajustes são considerados de relativo baixo custo. Mas o que importa na realidade são as expectativas de longo prazo porque influem diretamente sobre o nível de investimento e não apenas sobre o nível de produção. 9 É no aspecto ex ante da demanda efetiva que o empresário define produção e, portanto, emprego. Se o resultado dessa decisão é um nível de emprego abaixo do de pleno-emprego, o que Keynes alerta é que não existe nenhum mecanismo de ajuste automático que leve a economia ao pleno-emprego. Dados a demanda esperada e o nível de produção decidido pelos empresários, fica determinado o nível de produção, classificado de equilíbrio. Mas é um equilíbrio ex ante (o que, segundo Possas, é quase uma aberração da noção mesma de equilíbrio). Só será equilíbrio propriamente (ex post) se a demanda esperada se confirmar. 14
diante, da propensão ou disposição a poupar’” (Keynes, 1964, p. 65).
Nesse contexto, como sustenta Keynes, se o nível de emprego resultante das decisões
dos empresários for inferior ao de pleno-emprego, não existe nenhum mecanismo automático
de ajuste que leve a economia ao pleno-emprego. Os empresários só alterarão suas posições
para o período seguinte se os resultados ao final do período de mercado indicarem que a
demanda realizada foi maior (ou menor) que a esperada no início do período de produção, e
então desejarem empregar mais (ou menos) mão-de-obra. Caso contrário, a demanda por
mão-de-obra permanece constante, e os trabalhadores desempregados não têm meios de
pressionar os empresários, porque não têm poder de decisão, mesmo que aceitem salários
menores, porque o nível de emprego para Keynes não é definido num mercado de trabalho
onde se contrapõem forças opostas de oferta e demanda, tendo o preço (salário) como variável
de ajuste. O nível de emprego é definido unilateralmente a partir das decisões autônomas de
produção, dados os salários nominais negociados.
Se o princípio da demanda efetiva é aceito, então são os gastos que determinam a
renda. Assim, na igualdade entre poupança e investimento, é este que determina aquela,
porque representa o gasto autônomo. Além disso, se todo gasto é autônomo em relação à
renda prévia, inclusive o consumo, a propensão marginal a consumir, a rigor (logicamente),
fica sem sentido, exceto como uma relação empírica aproximativa, e, portanto, também o
multiplicador perde seu peso na discussão do sentido de determinação e igualdade entre
poupança e investimento.
Possas (1987) propõe uma sistematização da formulação do princípio da demanda
efetiva deixando mais claras as condições lógica e teórica estritamente necessárias e
suficientes para sua validação, redefinindo-o a fim de torná-lo um princípio ‘pré-teórico’, uma
espécie de ‘anti-lei’de Say. Mas nem por isso axiomático, e sim um teorema, porque
demonstrável.
Para validar o princípio da demanda efetiva e invalidar a lei de Say não é necessário
invocar a idéia de entesouramento, como nos clássicos e marxistas, nem a preferência pela
liquidez, como em Keynes. A autonomia do gasto em relação à renda prévia decorre do fato
de que, numa economia mercantil e monetária, gasta-se não renda prévia mas poder de
compra, que pode ser maior ou menor que a renda porque não depende apenas desta, mas do
acesso a recursos líquidos – basicamente moeda – como meio de troca e de pagamento, bem
como ao crédito. Portanto, na igualdade entre poupança e investimento, por se gastar não um
montante que provém do desentesouramento, mas sim poder de compra, não importa qual terá
sido o montante de poupança no período anterior. Importa, sim, com qual poder de compra o 15
empresário pode contar, o qual tem relação com seu estoque de riqueza.
Segundo Kalecki (1935), o investimento adicional é financiado pela criação de poder
de compra, isto é, o aumento da demanda por créditos bancários. Os recursos utilizados pelos
empresários nos novos investimentos acionam a indústria de bens de capital, aumentando a
utilização de capacidade e o emprego nessas indústrias. O aumento do emprego gera expansão
do consumo dos trabalhadores e, portanto, expansão da indústria produtora de bens de
consumo. Assim, os gastos com os novos investimentos irão, diretamente ou através dos
gastos dos trabalhadores – supondo que os trabalhadores não poupam –, para os capitalistas,
sendo que o lucro adicional resultante da expansão retorna aos bancos sob a forma de
depósitos, expandindo o crédito bancário; ou seja:
“Os lucros, para usar um paradoxo, são investidos antes mesmo de existirem. Os lucros que não são investidos não podem ser mantidos porque são eliminados pela subseqüente queda da produção e dos preços. A criação de poder de compra para financiar o investimento adicional eleva a produção do baixo nível atingido na depressão e, assim, cria lucros iguais a esse investimento” (Kalecki, 1935, p. 24).
Kalecki não trata explicitamente de expectativas. Destaca como principal motivação
do investimento a rentabilidade. Assim, durante um período de depressão, a redução de
estabelecimentos aumenta a utilização da capacidade instalada e, consequentemente, a
rentabilidade do investimento. O aumento de rentabilidade funciona como um incentivo a
novos investimentos, o que provoca o início de um novo ciclo de crescimento econômico. O
inverso ocorre como conseqüência de um período expansivo. Nas palavras de Kalecki,
“O investimento tem um efeito favorável sobre a situação econômica somente enquanto é efetuado e provê uma saída para o poder de compra adicional. De outro lado, o caráter produtivo do investimento contribui para o enfraquecimento da recuperação e finalmente a estanca, porque é a ampliação do equipamento de capital que [...] causa o colapso da expansão econômica” (Kalecki, 1935, p. 26).
É importante destacar que, apesar de Kalecki afirmar que o investimento se auto-
financia – o que é possível pela criação de poder de compra por parte do sistema bancário – a
análise acima mostra que a simples existência de poder de compra não garante o investimento.
Em Keynes os novos investimentos são dependentes da taxa de juros, mas as expectativas são
fundamentais para a decisão de investir. Enquanto que, apesar de Kalecki não tratar de
expectativas de forma explícita, é plenamente possível, como afirma Possas (1981), admitir
expectativas do tipo adaptativo em seu modelo. Não só isso: no parágrafo acima, está
explícito que o investimento só será realizado se for uma alternativa ao poder de compra
16
adicional criado pelos bancos. Pode-se deduzir dessa afirmação que o detentor de poder de
compra está decidindo, dentre as possibilidades disponíveis para o seu uso, a que lhe é mais
satisfatória e, certamente, a mais rentável. Uma forma de pensar as decisões econômicas
muito próxima da de Keynes e, certamente, muito distante da análise neoclássica.
Extrapolando a fórmula geral de Keynes e Kalecki para o princípio da demanda
efetiva, Possas (1987) afirma que a única condição necessária e suficiente para que o princípio
seja verdadeiro e geral é que se trate de uma economia mercantil monetária, i. e., em que
exista crédito, e o dinheiro seja o meio-de-circulação de mercadorias, fonte de
entesouramento e medida de valor (mesmo que ainda não seja capital)10. Nessa economia as
transações ocorrem entre possuidores de mercadoria e possuidores de dinheiro. Nesse
contexto, a relação é bilateral (vendedor versus comprador) mas de determinação unilateral,
porque a única decisão autônoma é a de gasto. Apesar de ser uma relação de equivalência
contábil (o total da compra é igual ao total da venda), a decisão autônoma é a do detentor de
dinheiro em gastar, e não de quem possui a mercadoria em vendê-la. Isso porque, ao adquirir
a mercadoria, o proprietário do dinheiro perde a vantagem da livre escolha no mercado, perde
liquidez. Como regra geral, não se decide quanto ganhar, mas apenas quanto gastar.
Assim, uma primeira implicação importante do princípio da demanda efetiva é que a
relação entre mercadoria e dinheiro é assimétrica, dado que a decisão autônoma é de quem
decide gastar. Essa assimetria está na base da validade do princípio ou da invalidade da lei de
Say. O princípio da demanda efetiva não apenas nega a lei de Say como apresenta uma
relação de determinação inversa, i. e., não só não é a oferta que cria sua demanda como é a
demanda que cria (em valor) sua oferta. E, como conseqüência, o princípio da demanda
efetiva é válido tanto para o nível macro quanto para o nível microeconômico, no âmbito de
qualquer transação.
Outras conseqüências dessa primeira implicação do uso do princípio da demanda
efetiva como um princípio geral são: primeiro, existe apenas uma relação remota entre renda
prévia e poder de compra. Poder de compra pode ser maior que a renda, por exemplo, a partir
do endividamento, do acesso a crédito ou uso de riqueza líquida. Os gastos representam a
decisão de usar o poder de compra disponível. Como afirma Possas (1987, p. 55) “... não se
gasta uma renda (ou parte dela) previamente criada; gasta-se poder de compra, que pode estar
mais ou menos relacionado com algum nível anterior de renda, mas em nenhuma hipótese se
10 Segundo Possas (1987), não é necessário supor uma economia de escambo, como fez Keynes, na qual a lei de Say supostamente seria verdadeira. A simplificação teórica de uma economia mercantil já é suficiente para deixar clara a importância da moeda na economia, da divisão social do trabalho e da especialização dos agentes. 17
confunde com este”. O que corrobora a afirmação de Keynes de que “the expenditure is
determined partly by yesterday’s income, partly by today’s, partly by expectations of
tomorrow’s and by many other things too” (Keynes, 1973, p. 181). O consumo, assim como o
investimento, pode crescer pela disponibilidade de acesso a crédito.
Segundo, não é possível inferir conseqüências do nível de renda sobre qualquer outra
variável que seja uma parcela da renda, como salários ou lucros, sem analisar como varia a
própria renda. Não é possível inferir sobre o nível de salário, por exemplo, a partir de um
nível de renda dado, porque o salário, que é função do nível de renda, influi sobre o nível de
gastos e, portanto, sobre o nível de renda. Assim, conclui-se que é incorreta uma análise que
não considere a renda como uma variável endógena mas como uma variável dada, pré-
determinada.
Terceiro, o equilíbrio abaixo do pleno-emprego pode não ocorrer não apenas porque
Keynes teria suposto preços e salários nominais rígidos, como afirmam os keynesianos
neoclássicos e reafirmam os novos keynesianos, por exemplo, mas simplesmente porque os
gastos são autônomos. Esse fato implica que não existe qualquer mecanismo de ajuste que
obrigatoriamente leve a economia ao pleno-emprego. O equilíbrio de pleno-emprego não
funciona como um atrator, porque ele só pode ocorrer por acaso, não existindo mecanismos
de ajuste automático que levem a economia a ele.
A quarta implicação está relacionada à mudança de visão da relação poupança-
investimento atribuída a Keynes11. Como comentado anteriormente, na visão neoclássica a
relação poupança-investimento reproduz o que ocorre em qualquer mercado, no qual as forças
de oferta e demanda se opõem, e uma variável preço – no caso a taxa de juros – estabelece o
ajuste. Utilizando o princípio da demanda efetiva, o papel das expectativas e da moeda,
Keynes mostrou que poupança e investimento são distintos, porque são determinados por
variáveis distintas. A taxa de juros não resulta do confronto entre forças opostas de oferta e
demanda de fundos de empréstimo. A taxa de juros é uma variável eminentemente monetária,
determinada pela oferta e demanda de moeda; portanto, fora da relação poupança-
investimento. A poupança é o resíduo de renda após a decisão de consumo. Se o nível de
consumo é dependente do nível de renda, então a poupança, por conseqüência, também o é.
Pelo princípio da demanda efetiva a decisão autônoma é a de gasto e, portanto, a decisão
autônoma é a de consumo, que empiricamente pode estar relacionada com um dado nível de
11 Kalecki chegou a relações muitíssimo próximas às de Keynes, porém por caminhos diversos. Não utilizou explicitamente nem expectativas nem o papel da moeda como variáveis fundamentais na determinação do nível de renda e produto. 18
renda, presente, passado ou esperado. A poupança não é fruto de uma decisão, é apenas o
resíduo da renda após as decisões de gasto terem ocorrido.
1.3.1 – A definição de poupança em Keynes e Kalecki
As teorias formuladas por Keynes e Kalecki, apesar das diferenças, têm hipóteses
básicas estreitamente relacionadas, o que resulta em análises e conclusões semelhantes.
Ambos têm como ponto de partida, para a caracterização de uma economia capitalista (e,
portanto, monetária), o princípio da demanda efetiva, que explicita a relação unívoca existente
entre gasto e renda. A aceitação desse princípio nega a possibilidade de determinação do
investimento pela poupança, como seria possível utilizando-se a lei de Say como princípio
teórico.
As origens da teoria da preferência pela liquidez de Keynes estão no Tratado da
Moeda (1930). Nesse trabalho Keynes se identifica como um wickselliano e tenta transformar
a análise de Wicksell em um corpo teórico. Genericamente, a natureza wickselliana dessa
análise está caracterizada: primeiro, por considerar em separado poupadores e investidores, ao
contrário da teoria clássica; segundo, por pensar o processo de acumulação como a conjunção
de duas esferas diversas: a financeira e a real, sendo que a informação sobre cada uma das
esferas está contida nos preços; e, terceiro, por dar ênfase especial ao papel dos bancos.
A intenção de Keynes era tratar os ciclos econômicos, uma tarefa que se mostrou
difícil se considerasse válida a dicotomia entre mundo real e monetário. Keynes percebeu,
entretanto, que não era possível tratar ciclos econômicos considerando-se dados os níveis de
emprego e renda. No seu clássico trabalho posterior, A Teoria Geral do Emprego, Juros e
Moeda (1936), Keynes redefiniu alguns conceitos que haviam sido apresentados no Tratado
da Moeda, tornando sua teoria completamente distinta da teoria neoclássica. A Teoria Geral
de Keynes mostra a evolução do seu pensamento e se constituiu num marco da evolução do
pensamento econômico. Sua importância se manifesta não só para a evolução da obra de
Keynes, mas também para o desenvolvimento da teoria econômica em geral.
A Teoria Geral inovou na crítica à teoria neoclássica porque apresentou uma nova
frente de pesquisa para a teoria econômica, lançando bases para a estruturação de um novo
paradigma teórico. É importante destacar algumas das diferenças conceituais existentes entre 19
o Tratado da Moeda e a Teoria Geral porque são relevantes para o tema do presente trabalho.
Primeiro, no Tratado da Moeda há distinção entre poupador e investidor, enquanto que na
Teoria Geral isso não ocorre, ou pelo menos não é relevante. Segundo, no Tratado poupança
é definida como renda não-gasta e investimento como produto não-consumido, sendo que
poupança se constitui numa demanda por ativos. O conceito não é utilizado dessa forma na
Teoria Geral. Nesse trabalho, poupança é definida simplesmente como o excesso de renda
sobre os gastos em consumo. Terceiro, na Teoria Geral Keynes abandona a idéia de taxa
natural de juros à la Marshall ou Wicksell. No Tratado a definição de taxa natural de juros
está relacionada a uma situação que os agentes julgariam fosse ‘normal’ e suas ações seriam
guiadas pela comparação entre o estado atual da economia e o ‘normal’. Na Teoria Geral
existe alguma coisa próxima desse raciocínio, não ligada, no entanto, à determinação da taxa
de juros e distante da idéia de equilíbrio embutida no conceito original de Marshall, que são as
convenções. Ou seja, os indivíduos, diante da incerteza forte em relação ao futuro, procuram
apoiar suas decisões em julgamentos que são adotados pela maioria naquele mercado, criando
assim as convenções ou opiniões médias de pelo menos um grupo importante de participantes
do mercado. Um quarto ponto de distinção importante entre o Tratado e a Teoria Geral é que,
no primeiro, investimento é entendido tanto como um gasto em bens reais quanto em ativos
papéis, sendo que os dois são substitutos imperfeitos. Além disso, o nível de emprego é dado
e a renda real é fixa. Na Teoria Geral são considerados investimentos apenas os gastos com
ativos reais; a renda nominal e o emprego são considerados variáveis, sendo que a renda pode
variar tanto porque variam os preços quanto porque varia a renda real. E, quinto, no Tratado a
escolha dos agentes é entre moeda, títulos e bens de capital, enquanto na Teoria Geral é
definida de forma muito mais abrangente entre liquidez e iliquidez, ou entre ativos de maior
ou menor liquidez.
Essas diferenças devem ser entendidas como decorrentes da introdução de novos
elementos importantes à análise na Teoria Geral, com destaque principalmente para o papel
do estado das expectativas nas decisões dos agentes, a definição do papel da moeda e a (re)
definição do princípio da demanda efetiva que irá conduzir, a partir de sua afirmação como
verdadeiro, a análise de Keynes para um caminho distante da análise neoclássica.
O marco divisório provocado pela Teoria Geral, também na obra de Keynes, está
explicitado numa carta a Hawtrey, esclarecendo mais uma vez o que denomina de autores
“clássicos” e se incluindo nessa classificação quando considera suas obras anteriores:
“I mean by classical school, as I have repeatedly explained, not merely Ricardo and
20
Mill, but Marshall and Pigou and Henderson and myself until quite recently, and in fact every teacher of the subject in this country with the exception of yourself [R. G. Hawtrey] and a few recent figures like Hayek, whom I should call ‘neo-classicals’” (Keynes, 1973, p. 24. Carta de J. M. Keynes a R. G. Hawtrey, 15 de abril de 1936).
Os dois primeiros capítulos da Teoria Geral compõem a apresentação geral e a
descrição dos postulados da teoria neoclássica. Esse início deixa claros vários pontos
importantes que serão discutidos ao longo do livro, como a negação de alguns desses
postulados. A partir do capítulo três, o autor começa a defesa propriamente dita de sua teoria
econômica, apresentando algumas inovações, como o conceito da demanda efetiva. Não que
esse conceito seja exatamente novidade, mas o é na forma como Keynes o interpreta.
A segunda parte do livro apresenta a escolha das unidades a serem utilizadas (capítulo
quatro) e a apresentação de uma grande novidade em teoria econômica, que é o papel central
das expectativas na definição do nível de emprego e renda (capítulo cinco). Nos dois capítulos
seguintes (capítulos seis e sete) analisa como são tratados alguns dos principais agregados
econômicos, como renda, consumo, investimento e poupança, e quais os seus determinantes,
definidos pela teoria convencional e em sua teoria geral.
As definições apresentadas até o final do Livro II (até o capítulo sete) são a base das
afirmações e conclusões que utiliza ao longo de sua análise. A poupança é um dos agregados
discutidos e, pelo fato de Keynes considerar poupança como um resíduo, qualquer
interpretação diferente traz conseqüências sérias à sua estrutura teórica. É essencial questionar
a relevância do conceito de poupança, seus determinantes e seu papel quando se discutem os
determinantes do produto e da renda numa economia capitalista, tal como apresentado por
Keynes na Teoria Geral.
No presente trabalho a Teoria Geral é considerada como uma obra ímpar, no sentido
de que deve ser compreendida e analisada de forma individualizada, sem tentar agrupá-la a
qualquer dos trabalhos anteriores de Keynes. E isso, como se verá adiante, pode fazer muita
diferença. Se considerarmos a Teoria Geral dessa forma, torna-se difícil pretender uma
continuidade entre as definições e afirmações presentes na Teoria Geral e obras anteriores,
em particular o Tratado da Moeda, como pretendem alguns economistas.
A definição e o uso do agregado “poupança” dados por Keynes na Teoria Geral e suas
implicações para a teoria econômica já foi tema de discussão em épocas diversas e gerou
centenas de páginas (vide os vários ciclos de debate nas décadas de 30, 50 e 80, retomados).
As contribuições dos diversos autores que participaram desses ciclos não foram definitivas,
não só porque não esclareceram de uma vez por todas as diferenças entre as correntes
21
neoclássica e keynesiana de pensamento econômico, mas também por não terem esgotado a
discussão a respeito do agregado poupança e sua importância (se tem alguma) na definição de
estratégias de política econômica. Após cada ciclo de discussão, a questão sobre o papel da
poupança acabou reaparecendo, mas de forma cada vez mais camuflada. Foi tratada nas
últimas décadas, pela teoria econômica, como uma questão resolvida, quando não
simplesmente ignorada.
Mais ainda do que Keynes, Kalecki analisa a economia capitalista a partir dos
agregados macroeconômicos e não a partir da ação de indivíduos maximizadores, como a
teoria neoclássica. Sua base teórica, como a de Keynes, é a formulação do princípio da
demanda efetiva que, no entanto, é mais simples e radical, mesmo que não o faça
explicitamente.
No modelo simplificado12, Kalecki representa uma economia fechada (sem relação
com o exterior) e sem governo. Assume que a capacidade produtiva é constante num dado
período, que não existe formação de estoques e que os trabalhadores não poupam. A
economia está dividida em três departamentos: o departamento I é responsável pela produção
de bens de investimento (I), o departamento II é o produtor dos bens de consumo dos
capitalistas (Cc) e o III é produtor dos bens de consumo dos trabalhadores (Cw). A renda é
igual à soma dos salários pagos (Wi) mais o lucro auferido pelos capitalistas (Pi) em cada
departamento i. Assim,
33
22
11
)()(
)(
WPCIIIWPCII
WPII
w
c
+=+=
+= (1.1),
ou seja, para a economia como um todo, a renda agregada é igual ao total dos lucros mais os
salários pagos:
WPY += (1.2).
Por outro lado, a renda agregada é a soma de investimentos, consumo dos capitalistas
e consumo dos trabalhadores,
Wc CCIY ++= (1.3).
A partir de (1.2) e (1.3) conclui-se que
wc CCIWP ++=+ (1.4)
e, dado que Cw = W1 + W2 + W3 = W => P = I + Cc, ou seja, o lucro dos capitalistas é igual
12 A apresentação do modelo segue Miglioli, 1980. 22
à soma de seus gastos em consumo e investimento.
Nessa igualdade são possíveis dois sentidos de determinação: i) os capitalistas usam o
lucro na aquisição de bens de consumo e de investimento; e ii) os gastos dos capitalistas em
bens de consumo e investimento determinam seus lucros. O sentido determinado por Kalecki
é I + Cc = P, i. e., os gastos dos capitalistas determinam seus lucros, e não o inverso, como
numa visão convencional. E isso é verdade porque os capitalistas só auferem lucro a partir das
vendas realizadas. Quanto mais produzem e vendem, maiores seus lucros; ou seja, quanto
mais gastam, mais ganham13. Definindo o consumo dos capitalistas como função do lucro, Cc
= A + qP, o investimento passa a ser o principal determinante dos lucros.
Por outro lado, dado que a poupança é a renda menos o consumo, e dado que os
trabalhadores não poupam, Sw = 0, temos que Sc = P – Cc => Sc = I. Como I + Cc = P => I =
P – Cc = Sc. Ou seja, o investimento determina a poupança. É a mesma conclusão de
Keynes, i.e., que são os gastos que determinam as receitas; a renda é decorrente das decisões
de gastar. No modelo de Kalecki a importância do investimento na determinação da renda fica
mais evidente em função de suas simplificações, como Sw = 0, e ao não tratar especificamente
da função consumo. Por outro lado, Kalecki, apesar de não tratar do papel da moeda nem se
ater aos determinantes da taxa de juros, é bastante claro em sua análise do financiamento do
investimento.
Se é verdade que os gastos determinam os lucros, como os capitalistas financiam o
investimento, o verdadeiro gerador da renda? Em primeiro lugar, o lucro em t é determinado
pelo investimento e consumo dos capitalistas em t. Segundo, para adquirir I e Cc em t, os
capitalistas utilizam Pt-1. Terceiro, mas se eles gastam apenas o lucro do período anterior, Pt =
Pt-1, não haverá crescimento econômico. Para aumentar seus lucros em t, os capitalistas
gastam mais que seus lucros em Pt-1, Pt = Pt-1 + E. Os recursos para esse gasto adicional
provêm de reservas financeiras das empresas e/ou empréstimos bancários. O investimento se
autofinancia porque gera o lucro com que é financiado e, portanto, não depende de poupança
prévia. Na verdade, a poupança é gerada pelo investimento.
Como afirma Kalecki (1965), se os capitalistas decidissem consumir e investir num
período apenas o lucro do período anterior – lucro estacionário – a questão sobre quem
determina quem na equação de lucro bruto não seria importante. Kalecki reconhece a
importância do lucro do período anterior como um dos determinantes do consumo e
13 É dessa conclusão a frase clássica de Kalecki de que os capitalistas ganham o que gastam, enquanto que os trabalhadores gastam o que ganham. 23
investimento dos capitalistas, mas não o reconhece como o determinante. O lucro passado ou
a poupança própria equivale à capacidade da empresa de se autofinanciar, de um lado, e de
apresentar contrapartida em empréstimos, de outro lado. A poupança prévia se constitui numa
garantia para reduzir o risco crescente da empresa ao se endividar. Mas, ao reconhecer que
não é a poupança que determina o investimento, ele consegue responder por que lucros
flutuam ao invés de serem estacionários.
As conclusões não se alteram quando se inclui o setor externo e o governo no modelo
geral:
wcbNP CCGMXITTWTP +++−+=+−+− )()()( (1.5)
onde, do lado esquerdo da equação, temos a soma do lucro bruto, P, descontado os impostos
diretos, TP, salários e ordenados, W, descontados os impostos diretos, TN, e receita de tributos
(diretos e indiretos), T, que é igual ao (lado direito da equação) investimento bruto, Ib, mais
saldo de exportações, X-M, mais gasto do governo em bens e serviços, G, mais consumo dos
capitalistas, CC, e consumo dos trabalhadores, CW.
Subtraindo-se de ambos os lados os impostos menos transferências (Tr):
wcrbNrP CCTTGMXITTWTP +++−+−+=−++− )()()()( (1.6)
Subtraindo salários, ordenados e transferências:
wcrbP SCTTGMXITP +++−+−+=− )()()( (1.7)
ou seja, o total dos lucros brutos menos impostos diretos é igual ao investimento bruto, mais o
saldo de exportações, mais o déficit orçamentário, mais o consumo dos capitalistas, menos a
poupança dos trabalhadores.
Esse resultado é diferente da equação do modelo simplificado pelo fato de que do lado
esquerdo, além do investimento bruto, estão o saldo orçamentário e o saldo de comércio. Mas,
supondo-se saldos comerciais e orçamentários equilibrados e nenhuma poupança dos
trabalhadores, chegamos a lucros brutos iguais a investimento bruto mais consumo dos
capitalistas. Ou, o que dá no mesmo, poupança dos capitalistas igual a lucro menos o
consumo dos capitalistas. Resultado igual ao do modelo simplificado.
Além disso, a igualdade S = I + (X-M) + (G-T) é sempre válida, independentemente
da taxa de juros, considerada a variável de ajuste entre a oferta e a demanda de capital novo
na teoria neoclássica. Para Kalecki, o investimento, uma vez realizado, forma
automaticamente a poupança necessária a seu “financiamento” (em Kalecki, entendido apenas
no sentido concomitante – não prévio – de prover liquidez equivalente ao sistema econômico,
em particular ao sistema bancário, que geralmente teria fornecido o crédito). Portanto, a taxa
24
de juros não pode ser determinada pela demanda e oferta de capital novo, porque o
investimento se autofinancia. Como explica,
“Se alguns capitalistas aumentam seu investimento usando para isto suas reservas líquidas, os lucros dos outros capitalistas aumentarão pro tanto, e então as reservas líquidas investidas passarão à posse destes últimos. Se o investimento adicional for financiado por crédito bancário, o gasto dos montantes em questão fará com que iguais montantes de lucros poupados sejam acumulados sob forma de depósitos bancários. Os capitalistas que investiram poderão então emitir títulos de crédito no mesmo valor e assim pagar os compromissos bancários” (Kalecki,1965, p. 57)
Por sua vez, o saldo das exportações e o déficit orçamentário também não financiam –
na verdade, nada têm a ver com – o investimento. Eles sempre servem, isto sim, para
aumentar o lucro dos capitalistas, juntamente com os gastos destes em investimento e
consumo. Um aumento do saldo das exportações aumenta o lucro pro tanto, dado que o
aumento da produção no setor exportador gera aumento dos lucros e salários nesse setor, se
estes últimos são (por hipótese, usual em Kalecki) totalmente consumidos. O déficit
orçamentário tem efeito similar. Sua contrapartida é um aumento do endividamento do
governo junto ao setor privado e esses saldos geram lucros da mesma forma (Kalecki, op. cit.,
p. 57-58).
A abordagem de Kalecki apresenta algumas vantagens em relação à de Keynes. Em
primeiro lugar, porque explicita a distribuição de renda entre as classes (trabalhadores e
capitalistas); segundo, porque dispensa o uso de qualquer noção de equilíbrio; e terceiro,
porque ao supor que os trabalhadores não poupam, sua explicação do funcionamento de uma
economia capitalista dispensa qualquer menção à poupança, mesmo se muito relativizada e
minimizada como em Keynes. Miglioli (1980, p. 19-20) destaca algumas outras diferenças,
como: i) Kalecki aborda a economia capitalista com firmas com diferentes graus de controle
sobre o mercado e preços, i. e., uma economia dominada por monopólios, enquanto Keynes
parece utilizar um modelo de firmas em concorrência perfeita. Apesar disso, ou por isso
mesmo, essa observação não destaca um demérito da abordagem de Keynes. Pelo contrário,
podemos destacar que Keynes consegue fazer a crítica à teoria neoclássica apesar de usar os
mesmos pressupostos que aquela. O que ele mostra é que a teoria neoclássica está equivocada,
porque mesmo dentro de seu corpo teórico ele encontra inconsistências; ii) Miglioli destaca
ainda que Keynes não está preocupado com a distribuição de renda, mas apenas com a
distribuição entre empresários e rentistas, por considerá-la perniciosa à expansão econômica,
enquanto para Kalecki a questão é fundamental; iii) o modelo de Keynes estaria explicando o
nível de renda apenas no curto prazo enquanto que o modelo de Kalecki analisa uma dinâmica
25
de longo prazo, ao tentar integrar ciclo e tendência, e levar em conta (ainda que
superficialmente) o papel das inovações tecnológicas. Essa visão de Miglioli, quanto a
Keynes, pode estar equivocada, como destaca Possas (1987). Ao analisar os determinantes do
investimento e os reflexos na economia de variações nas expectativas de longo prazo e com
isso nas decisões de investir, Keynes está analisando não apenas o curto prazo; as
conseqüências dessas decisões afetam a dinâmica da economia em muitos períodos seguintes.
A preocupação principal de Kalecki está relacionada à análise de uma economia
capitalista típica, com destaque para a ciclicidade de seu crescimento. Em sua teoria, as crises
e fases de expansão são inerentes ao próprio funcionamento da economia capitalista e sua
explicação está diretamente relacionada ao uso da demanda efetiva como princípio norteador
da análise.
1.4 – Poupança versus investimento
A geração de uma poupança igual ao investimento realizado não é um “problema”
quando se utiliza o princípio da demanda efetiva como princípio teórico para a análise de uma
economia capitalista; assim, não há necessidade lógica da hipótese de uma função consumo
da renda – que deve ser vista apenas como hipótese empírica – como fez Keynes, por
exemplo. A poupança não é fruto de nenhuma decisão, como já assinalado: é inteiramente
passiva e é conseqüência das decisões de investir e de consumir, quando estas últimas são
comparadas à renda do mesmo período de referência contábil. A partir da decisão de
investimento, e dado o nível de consumo – independentemente de que este seja ou não função
de alguma renda –, a renda necessária para “gerar” S = I já está determinada.
Apenas quando se introduz a função consumo é que se pode aplicar o modelo
keynesiano mais conhecido (difundido por Hansen), segundo o qual a renda e o consumo se
ajustam a um nível compatível com um dado investimento, de tal forma que a diferença entre
ambos – que é por definição poupança – se iguale a este nível de investimento. No entanto, é
importante frisar que essa hipótese é dispensável quando se pretende caracterizar a
determinação da poupança pelo investimento. Como afirma Possas (1987, p. 70), “a rigor, a
noção de poupança pode ser totalmente dispensável de uma teoria da determinação da renda, e
mais ainda, de qualquer apresentação ou discussão da demanda efetiva. Para esta, em termos 26
agregados, o investimento sempre determina uma poupança equivalente que é apenas a
diferença ex post entre renda e consumo agregados”.
Para a teoria neoclássica a igualdade entre investimento e poupança é um equilíbrio no
qual a taxa de juros funciona como uma variável de ajuste entre oferta e demanda. A decisão
sobre quanto disponibilizar da renda para a poupança está diretamente ligada ao nível da taxa
de juros, entendida como incentivo à postergação do consumo. Por sua vez, investimento é a
decisão de gastos com bens de produção, cujo volume varia de acordo com a taxa de juros
porque implica variação do custo do investimento, o que altera sua rentabilidade. Ambas as
decisões são formadas com base na busca da maximização da função objetivo de cada
indivíduo: lucro para os capitalistas e utilidade para as famílias. Para Keynes, a poupança
também é a parte da renda não consumida e, como o consumo, depende do nível de renda do
indivíduo; mas não é objeto de decisão, é apenas um resíduo. As decisões estão restritas ao
consumo e ao investimento, isto é, às variáveis de gasto, e não de rendimento, coerentemente
com o princípio da demanda efetiva.
A versão neoclássica da teoria dos fundos de empréstimos é equivalente à análise de
uma economia com um sistema bancário ‘primitivo’, no qual os bancos recebem depósitos e
fornecem certificados que são não-negociáveis. Assim, o estoque de depósitos nos bancos
equivale às poupanças passadas acumuladas e varia em função das poupanças correntes
(positivas ou negativas). Os bancos financiam a parte do investimento que não é coberta por
capital próprio do empresário (poupança prévia própria), utilizando parte dos recursos
depositados, sendo apenas repassadores de poupança aos investidores. A totalidade do
investimento é financiada pela poupança, sendo a poupança prévia (própria ou de terceiros)
claramente uma condição necessária à realização do investimento (Amadeo e Franco, 1988).
Versões ‘mais modernas’ da teoria dos fundos de empréstimo, com origem nos
trabalhos de Wicksell, Robertson e Ohlin, consideram um sistema bancário mais ativo. Além
das poupanças passadas e correntes, os bancos dispõem de reservas próprias advindas de
depósitos (correspondentes aos saldos de transação) que são aceitos junto ao banco central. Os
investidores são os demandantes de fundos e os bancos os ofertantes. Dependendo da política
de empréstimos do setor bancário, a oferta pode ser mais ou menos elástica. Nessa
abordagem, admite-se uma taxa natural de juros que iguala oferta e demanda por fundos de
empréstimo, levando à igualdade entre a taxa de mercado e a taxa natural de juros. Mesmo
que os bancos definam uma política de crédito que leve a uma disparidade entre poupança e
investimento, a taxa de juros se encarregaria de levar o mercado ao equilíbrio, i. e., à taxa
natural, ao fazer variar a remuneração dos poupadores e os custos dos investidores. A taxa de 27
juros de mercado é determinada pelo montante de “poupança” – oferta de fundos de
empréstimo – de um lado, e pela demanda por recursos – montante de “investimento” – de
outro, sendo a variável que equilibra oferta e demanda por recursos, funcionando da mesma
forma que os preços no mercado de bens nas análises de equilíbrio.
No entanto, antes de se discutir as diferenças entre os sistemas financeiros supostos ou
subjacentes a cada paradigma, como fazem Amadeo e Franco, está na base da hipótese das
teorias neoclássica e keynesiana uma diferença secundária para alguns, mas fundamental para
outros: a definição do papel da moeda. Deixando de lado o fato histórico de como funciona o
sistema financeiro, é a própria definição do papel da moeda que irá permitir que a teoria trate
de um sistema financeiro mais ou menos desenvolvido. Ao definir as funções da moeda,
incluindo a função de reserva de valor, além das de unidade de conta e meio de pagamento,
Keynes fez ver que reter moeda dá ao indivíduo o poder de decisão no tempo e a segurança de
que sua opção poderá ser facilmente realizada porque os indivíduos não recusam poder de
compra em forma de moeda14.
O estado das expectativas está relacionado, no caso do investimento, ao fato de os
empresários decidirem um dispêndio no presente baseados numa projeção de lucros possíveis
que só ocorrerão no futuro, podendo confirmar ou não as expectativas (ex ante). O
investimento é um gasto que leva tempo para gerar resultado (retorno). É esse ‘salto no
escuro’ que, para ser dado, requer que o empresário julgue sua atitude correta, que tenha
confiança nela. A maior ou menor confiança em suas expectativas faz com que realize ou não
o investimento. A explicitação de que as expectativas dos empresários são parte integrante, e
das mais importantes, dos determinantes do investimento, mostrou um novo caminho para a
teoria econômica. Ficou evidente que não é possível discutir decisões autônomas numa
economia capitalista sem tratar das expectativas. E nisso Keynes foi absolutamente original.
Associado à questão das expectativas nas decisões autônomas dos agentes está o papel
da moeda no capitalismo. A moeda é tratada por Keynes como sendo também um ativo
porque é reserva de valor (‘carrega’ no tempo um valor que representa riqueza no sentido de
que é um meio de acesso a ela), e nisso ela é idêntica a outros ativos. E, diferentemente dos
outros ativos, é a forma mais líquida de riqueza.
Em que medida isso interfere na decisão de investir? Primeiro, sendo a moeda um
ativo, não é mais retida apenas para servir de meio de troca imediato, como defendia a teoria
14 A não ser em situações específicas que configuram exceção, como uma hiperinflação, em que a moeda nacional perde valor muito rapidamente. Mas em tais situações alguma forma alternativa de riqueza líquida faz as vezes da moeda plenamente aceita, o ouro ou uma moeda forte, por exemplo. 28
neoclássica, ou mesmo potencial, mas é desejada pelo que representa, como riqueza em forma
geral e de liquidez imediata. Segundo, ao decidir um investimento, o empresário está abrindo
mão de liquidez (moeda ou poder de compra disponível), adquirindo ativos reais (máquinas e
equipamentos) e se tornando, portanto, menos líquido. De acordo com Keynes, as
expectativas dos agentes estão embutidas na eficiência marginal do capital (EmgK). O
investimento é julgado rentável se, confrontada à taxa de juros (relevante) – e levando em
conta a demanda esperada e a taxa de salários –, a EmgK for superior a esta.
A taxa de juros não é o determinante do investimento, mas apenas um dos itens
(importante sem dúvida) que o empresário leva em conta na decisão. Ela influi, de um lado,
sobre o custo de financiamento e, de outro, sobre a rentabilidade esperada dos demais ativos.
Numa economia com um sistema financeiro sofisticado, no qual os bancos não têm apenas o
papel de intermediário, como definido pela teoria pré-keynesiana, o possuidor de riqueza
líquida tem à sua disposição um leque de opções de alocação de riqueza. Na verdade, ele
decidirá qual será a composição de sua carteira. A riqueza líquida será distribuída entre
diversos ativos dentre os disponíveis, de acordo com suas projeções de rentabilidade esperada,
calculadas segundo suas expectativas. Estas opções vão desde a aquisição de ativos reais
(investimento), passando por títulos, até à própria moeda. Quanto maior a incerteza e
insegurança quanto ao futuro, maior a probabilidade de o possuidor de riqueza optar por um
ativo de maior liquidez, preterindo ativos menos líquidos. Em termos de liquidez, num
extremo estão os ativos reais (menos líquidos) e, no outro, a moeda. Ativos-papéis têm
características diversas com níveis correspondentes de liquidez.
Mas, para que o possuidor de riqueza abra mão da liquidez e segurança que a moeda
lhe proporciona, é necessário que os ativos alternativos – que embutem risco – apresentem
compensações, sob a forma de níveis variáveis de rentabilidade e de liquidez. Reter moeda
implica segurança e liberdade de escolha, mas implica também a não expansão da riqueza em
valor, porque a moeda não proporciona nenhuma rentabilidade15, enquanto que os ativos
menos líquidos proporcionam ganhos, que tendem a ser tanto maiores quanto maior o risco
envolvido.
Porém, não é suficiente demonstrar que o nível de renda é uma variável endógena,
como se conclui a partir do princípio da demanda efetiva. Se o investimento provoca aumento
15 Supondo-se situação de inflação zero ou baixas taxas de inflação. Em situações de inflação (ou deflação) alta, a moeda pode deixar de ser um ativo que traz segurança. Porém, a busca pela segurança pode estar não naquela moeda específica mas numa moeda alternativa, considerada moeda forte, uma moeda que não esteja sofrendo inflação. 29
de renda maior que seu próprio valor, como se define o novo nível de consumo e a poupança
que irá se igualar a esse investimento? Com relação ao consumo, temos de um lado a renda de
salários, que pode ser parte inclusive dos gastos antecipados e, de outro lado, a renda dos
capitalistas, que é determinada a partir dos lucros efetivamente realizados. Keynes
representou a função consumo sem defasagem entre renda e consumo. Nesse caso, ou se
considera que o consumo aumenta à medida que o efeito multiplicador provoca aumentos de
renda; ou se considera que o efeito multiplicador é instantâneo e que o investimento causa
aumento imediato da renda e, portanto, também do consumo. Há um problema em interpretar
o multiplicador como instantâneo, que é eliminar por completo o fator tempo, algo
fundamental na análise da economia capitalista, tanto de Keynes quanto de Kalecki.
O multiplicador mostra como o gasto autônomo de investimento é capaz de
desencadear uma seqüência de gastos de forma ampliada, que implicam expansão da renda e,
dada uma propensão marginal a consumir entre zero e um, expansão do consumo em menor
magnitude que a renda.
Para Keynes, de forma simplificada, a oferta e a demanda de moeda determinam a
taxa de juros, segundo a teoria da preferência pela liquidez. A esta taxa de juros, e em função
das expectativas dos agentes econômicos, determinam-se os gastos de investimento e, de
acordo com o mecanismo do multiplicador, os níveis compatíveis de renda e consumo. Assim,
a igualdade entre poupança e investimento resulta de variações no nível de renda, e não da
taxa de juros, e com isso a teoria de Keynes se torna incompatível com a teoria dos fundos de
empréstimo. Mas as variações no nível de atividade também afetam a demanda por liquidez
para fins de transação que, no entanto, têm um efeito diverso sobre a taxa de juros. Segundo
Amadeo e Franco (1988), na situação em que estoques de ativos já existentes não podem ser
negociados a qualquer momento, então é razoável afirmar que a taxa de juros seja
determinada pelo fluxo de renda (os novos ativos que se somam no mercado ao estoque
‘velho’). Porém, se existe um sistema financeiro que possibilita a realocação de todo ou parte
do estoque existente de ativos, e isso a qualquer momento, então não é verdade que a taxa de
juros seja determinada pelo fluxo e sim pelo estoque mais fluxo. Num sistema financeiro mais
desenvolvido, certamente a proporção fluxo/estoque existente é relativamente pequena, o que
leva a que a taxa de juros fique determinada pelo estoque, como em Keynes. Ou seja, a
determinação da taxa de juros proposta por Keynes está mais próxima de uma economia
capitalista moderna com um sistema financeiro mais desenvolvido, enquanto que a hipótese
neoclássica de determinação da taxa de juros pelo fluxo de renda seria mais representativa de
uma economia capitalista primitiva, com um sistema financeiro nascente. 30
No próximo capítulo serão apresentadas, de forma sumarizada, as discussões sobre a
relação entre poupança e investimento suscitadas a partir da publicação da Teoria Geral. Para
tanto, serão utilizados correspondências e textos publicados por Keynes e vários economistas
de formações diversas, no que ficou conhecido como o primeiro ciclo de debates, ocorrido
entre 1936 e 1937. A questão da relação entre poupança e investimento voltaria a ser foco de
debate entre os economistas nos anos 50 e, novamente, nos anos 80, quando estiveram
envolvidos basicamente autores de linha pós-keynesiana.
31
Capítulo 2
Poupança, finance, funding e decisões de portfólio
2.1 – Introdução
A redefinição do papel da poupança proposta na Teoria Geral causou estranheza e
polêmica. Esta estendeu-se por pelo menos três ciclos de debate, o primeiro tendo ocorrido
logo após a publicação da Teoria Geral; o segundo ocorreu da metade dos anos 50 até início
dos anos 60; e o terceiro na década de 80. À época da publicação da obra de Keynes, a teoria
econômica vigente aceitava a poupança como a fonte de financiamento por excelência do
investimento e como uma variável chave para a determinação da taxa de juros. A idéia de um
mercado de crédito funcionando em leilão, do qual participavam os detentores de poupança e
os investidores, e cujo embate definia o prêmio dos ofertantes e o custo dos demandantes,
parecia não questionável. Assim, o problema de uma economia capitalista consistia em definir
quais as melhores condições para a realização do investimento, que basicamente se resumiam
à escolha da melhor combinação entre os fatores de produção e a tecnologia disponíveis. A
existência de fatores de produção não utilizados ou subutilizados não caracterizava
desemprego involuntário, porque resultava da não aceitação, por parte dos detentores desse
conjunto de fatores de produção, das condições resultantes da livre concorrência nestes
mercados.
Algumas das discussões foram iniciadas mesmo antes da publicação da Teoria Geral,
como deixa claro a correspondência entre J. M. Keynes e B. Ohlin. Dos ciclos de debates aqui
considerados – o dos anos 30; o de 1950/60 e o dos anos 80 – Keynes participou diretamente
do primeiro que, por isso, pode ser considerado de certo modo o mais importante. Além disso,
nele estão presentes, senão todas, pelo menos as principais questões que irão reaparecer nos
demais ciclos.
É razoável afirmar, em primeiro lugar, que a discussão sobre o papel da poupança não
se restringiu aos textos e autores que participaram dos ciclos e, segundo, que os
32
desdobramentos foram além do que fica evidenciado nesses textos. O papel definido para a
poupança é uma das características que delimitam um escopo teórico. Essa definição implica
desdobramentos absolutamente diversos em termos de proposições de política econômica,
desde o tratamento da taxa de juros até alternativas para o crescimento econômico. Se à
poupança é dado ser a fonte financiadora para o investimento, que por sua vez é a peça central
para o crescimento econômico, pode-se ter como conseqüência um indicativo de política
econômica que privilegie o aumento de poupança; ou seja, a poupança representaria a função
oferta de crédito, que junto com a função demanda de crédito determina a taxa de juros. Nesse
caso, as políticas de redução de taxa de juros passam necessariamente pela redução da
demanda (investimento) ou aumento da oferta (poupança). No outro extremo, se à poupança
não for dado nenhum papel relacionado à decisão de investimento, sendo este fruto das
expectativas de ganhos e custos dos investidores, então a política econômica não incluirá
nenhum instrumento que trate especificamente do nível de poupança da economia.
Portanto, a definição do papel da poupança influi sobre itens importantes que induzem
a propostas de condução de política econômica diversas e por vezes contraditórias. Apesar de
a poupança ser apenas, por definição, a parte da renda não gasta, ela pode ser alternativamente
entendida como uma decisão em si mesma ou como resultado de decisões de gasto e tornar-se
apenas um resíduo. Ser uma coisa ou outra faz toda a diferença, como fica claro pelos textos
resultantes dos debates.
O primeiro ciclo de debates envolveu principalmente B. Ohlin, D. H. Robertson, R. G.
Hawtrey, J. R. Hicks e R. F. Harrod e é durante essas discussões – através de cartas e artigos –
que Keynes acrescenta o motivo finance de demanda de moeda, complementando os motivos
de demanda de moeda sem, no entanto, alterar a essência de sua teoria apresentada na Teoria
Geral.
Os debates se iniciaram em 1936 e foram interrompidos em 1937 por motivo de saúde
de Keynes, que só voltou à ativa completamente em 1939.
Apesar do curto período de debates, o resultado foi muito rico. O fato de ser
questionado sobre pontos importantes de sua teoria obrigou Keynes a ser mais explícito em
seus comentários. É uma oportunidade de tomar conhecimento de sua reação às críticas e
interpretações de sua obra, por parte de economistas de orientações as mais variadas, mas que,
de forma geral, tinham formação neoclássica.
O segundo ciclo de debates não é propriamente um ciclo mas um debate limitado às
tentativas de Tsiang (1956) e Davidson (1965) de retornarem às proposições de Keynes e
destacarem as diferenças entre a teoria da preferência pela liquidez e a teoria dos fundos de 33
empréstimos. Esses textos não suscitaram grandes desdobramentos, tendo a discussão se
limitado basicamente aos dois autores.
O último ciclo, ocorrido nos anos 80, teve como palco principal o Journal of Post
Keynesian Economics e o Cambridge Journal of Economics, envolvendo principalmente
autores pós-keynesianos, tendo como motivação principal a publicação dos Collected
Writings de J. M. Keynes, iniciada em 1971, que disponibilizou material para os autores que
se contrapunham à visão da Síntese Neoclássica. A reedição das obras de Keynes e a
publicação de suas correspondências trouxeram de volta a discussão, travada nos anos
imediatamente posteriores à publicação da Teoria Geral, centrada no novo motivo de
demanda de moeda apresentado então por Keynes, o chamado motivo finance. Os artigos de
Tsiang (1980) e de Asimakopulos (1983) abriram os novos debates, tendo o segundo servido
de base para as discussões seguintes sobre limites impostos pela poupança ao investimento e o
papel do multiplicador, provavelmente por suas proposições mais ousadas.
O texto de Asimakopulos propôs questões que foram centrais no terceiro ciclo de
debate, como a questão sobre qual é o tempo necessário para o completo funcionamento do
multiplicador, se este é instantâneo ou se demanda algum tempo; a possível desigualdade
entre poupança e investimento no caso de o funcionamento do multiplicador não ser
instantâneo; e a necessidade de os poupadores desejarem transformar suas poupanças em
bônus de longo prazo, a fim de financiar os investidores. É da interpretação de Asimakopulos
sobre o papel da poupança em relação ao financiamento do investimento que surgiram as
propostas de análise em separado do finance e do funding, presente principalmente em textos
de autores pós-keynesianos16.
O debate não traz novidades em termos de propostas teóricas, girando em torno do
financiamento do investimento, da disponibilidade de crédito e da determinação da taxa de
juros. Segundo Carvalho (1996), as principais motivações do debate foram, em primeiro
lugar, a discussão dos conceitos de investimento e poupança e suas relações com o nível de
renda e da taxa de juros; segundo, a tentativa de destacar o contraste entre as teorias de fundos
de empréstimo e de preferência pela liquidez; e terceiro, o processo de financiamento da
atividade econômica, enfatizando-se o papel do finance e do funding. No entanto, assim como
os demais, esse último ciclo não foi conclusivo e contribuiu para obscurecer aspectos como o
papel da poupança e a forma de financiamento do investimento.
16 Há inclusive uma discussão sobre se Asimakopulos é ou não um autor pós-keynesiano. Apesar da pretensão dele, segundo Kregel sua visão teórica não se coaduna com a dos pós-keynesianos. 34
Nos Drafts of the General Theory17 Keynes discute as variações no nível de poupança
individual e suas conseqüências sobre o montante de poupança agregada e investimento,
deixando clara sua posição quanto à poupança não ser fruto de decisão do indivíduo, mas sim
um resíduo de suas decisões de gasto. Supõe inicialmente que, se ocorrer um aumento
previsto de poupança individual, a quase-renda18 – que seria ganha em outras circunstâncias a
esse mesmo nível de produção de bens de consumo – se reduz no mesmo montante do
aumento de poupança e, a menos que se espere um aumento de lucro na produção de bens de
investimento, os níveis de produto e emprego se retraem até que a redução no montante de
poupança dos demais indivíduos seja igual ao aumento de poupança do primeiro indivíduo,
menos qualquer aumento de investimento ocorrido. Se, no entanto, o aumento de poupança
individual não for previsto, os preços dos bens de consumo produzidos equivocadamente
serão reduzidos até que alguém compre mais do que o planejado inicialmente – em função da
redução dos preços – ou aumente seus estoques esperando aumento de demanda no futuro. Se
houver alguma elasticidade na demanda individual por consumo real, a primeira alternativa
ocorrerá em alguma proporção e a conseqüência do aumento de poupança individual será a
redistribuição do consumo, deixando os níveis de poupança agregada e investimento
inalterados. Nesse caso, o aumento de riqueza do indivíduo que aumentou a poupança será
compensado em parte pela redução da poupança dos que aumentaram o consumo e em parte
pela redução da renda e poupança dos investidores.
Se, por outro lado, a demanda por bens de consumo retidos em estoque tiver alguma
elasticidade, a segunda alternativa ocorre em algum grau e, nesse caso, o aumento de
poupança individual provoca aumento de investimento. Esse aumento inicial, no entanto,
implica redução de emprego no período seguinte, quando são negociados os bens de consumo
do estoque (Keynes, 1973, p. 433-434).
Mas continua sendo verdade que poupança e investimento são sempre iguais pela
definição mesma da poupança vista sob a ótica da demanda efetiva. Apesar de o montante de
poupança individual influir sobre o nível de consumo individual, as implicações da decisão
individual de poupar sobre a renda dos demais indivíduos torna impossível a todos
simultaneamente pouparem qualquer quantia. Qualquer tentativa de poupar mais, reduzindo o
17 Keynes (1973), p. 351-512. 18 A quase-renda tem três interpretações possíveis: i) o retorno de um investimento efetivamente ganho no período corrente, chamado de lucro (profits); ii) a expectativa de lucro de curto prazo, que levou ao uso do equipamento no período corrente, chamado de a quase-renda líquida (net quasi-rent); e iii) a expectativa de longo prazo das séries de quase-renda a serem ganhas nos períodos sucessivos durante a vida do equipamento, chamado de ganho esperado (prospective yield) do investimento (Keynes, 1973, p. 418-419). 35
consumo, afeta a renda de tal forma que a tentativa falha necessariamente. Da mesma forma, é
impossível à comunidade como um todo poupar menos que o montante do investimento
corrente, porque essa tentativa necessariamente aumenta a renda, elevando-a ao nível em que
a soma que os indivíduos escolhem poupar seja igual ao investimento realizado. Esse é um
resultado de relação recíproca que é inescapável, da mesma forma que não existe vendedor
sem comprador (Keynes, 1973, p. 425-436).
Neste capítulo serão apresentadas as discussões acerca do papel da poupança a partir
dos textos que participaram dos ciclos de debates, incluindo textos importantes que, no
entanto, não participaram diretamente dos debates, como é o caso de textos de autores
brasileiros e alguns mais atuais. A apresentação das discussões seguirá uma seqüência
cronológica em alguns momentos, dado que os argumentos são desenvolvidos dessa forma, a
partir dos comentários e críticas, e temática em outros. O interesse aqui não é apresentar um
histórico das discussões, mas destacar os pontos relevantes em relação ao papel da poupança.
Considero importante retomar essa discussão, mostrando que as verdades de hoje estão
pautadas em fundamentos teóricos nem sempre – ou quase nunca – tão assentados quanto
pretendem os economistas que desprezam discussões ou teorias que tenham surgido há mais
de cinco anos ou que não estejam presentes nos últimos números das revistas consideradas
mais representativa pelo mainstream da profissão. A apresentação seguirá os principais
tópicos tratados juntamente ao papel da poupança, como a demanda efetiva, o multiplicador, o
motivo finance, o correspondente revolving fund e as decisões de portfólio, passando pelo
papel do sistema financeiro (especificamente dos bancos) e o nível de liquidez.
Em suma, apesar de a discussão ser velha, as novas idéias de Keynes parecem ter
penetrado apenas superficialmente na teoria econômica, principalmente quanto ao (suposto)
papel e à (des) importância da poupança na formulação de políticas macroeconômicas.
2.2 – Demanda efetiva e o multiplicador
Se pela formulação mais geral do princípio da demanda efetiva toda transação de
compra e venda envolve apenas uma decisão autônoma, a de gastar, pode-se concluir que a
receita é determinada pelo gasto e será sempre igual a este, não podendo nem ultrapassá-lo
nem antecipá-lo. No agregado, vale a mesma lógica. Portanto, se na igualdade (abstraindo 36
governo e setor externo) I=S o investimento (I) representa os gastos autônomos, então o
sentido de determinação da igualdade, I S, está definido, sendo a poupança (S) apenas um
resíduo e não podendo ser diferente do nem antecipar o investimento.
É importante notar também que o princípio da demanda efetiva contraria a noção de
que o multiplicador tem um papel importante na igualdade entre I e S. O significado básico do
multiplicador é que o gasto autônomo provoca variações amplificadas na renda, e que essas
variações dependem da propensão marginal a consumir. Quando a renda varia em função da
expansão do investimento, como o consumo cresce menos que a renda, a parte da renda não
gasta aumenta e, ao final do processo multiplicador, a poupança (“desejada”) terá atingido o
mesmo nível que o investimento. A questão relevante pareceria ser então a temporalidade do
multiplicador: se funciona instantaneamente ou ao longo de um período.
Utilizando-se expressamente o princípio da demanda efetiva como o princípio
norteador da análise, no entanto, a igualdade I=S não depende em nada da função consumo e,
em conseqüência, o multiplicador deixa de ser variável relevante nesse sentido. Torna-se
evidente que não é o multiplicador que provoca a variação da renda que resulta num nível de
poupança agregada igual ao investimento. A renda é uma variável dependente, assim como a
poupança, e tanto uma como a outra variam em função da variação dos gastos autônomos,
nesse caso representados pelo investimento. Além disso, o consumo não está limitado pela
renda corrente (Ct = ƒ (Yt)) ou mesmo pela renda defasada, à la Robertson (Ct = ƒ (Yt-1)). O
consumo é limitado pelo poder de compra, que depende não apenas da renda, mas também da
riqueza líquida e do acesso ao crédito. É nesse sentido que a discussão sobre a temporalidade
do multiplicador deixa de ser relevante para a determinação da poupança.
Por outro lado, a discussão sobre a temporalidade do multiplicador passou pela
demonstração de que a liquidez do mercado financeiro ou a disponibilidade de crédito
dependem de o efeito multiplicador ter se completado e gerado expansão de renda suficiente
para gerar expansão de poupança que a iguale ao montante dos investimentos. Nesse caso,
enquanto o multiplicador ainda não gerou todo o seu efeito de expansão sobre a renda, a
poupança corrente é ainda insuficiente para fazer frente a todos os créditos anteriores, que
viabilizaram a expansão do investimento. A idéia é que é necessário saldar todos os débitos
anteriores, antes que novos créditos possam ser viabilizados.
Na verdade, o multiplicador é até certo ponto um corpo estranho na teoria
macroeconômica de Keynes. De um lado, ele mostra que os gastos autônomos são
responsáveis por um dinamismo econômico. Esses gastos, principalmente o investimento,
provocam expansão em todos os setores que participam direta ou indiretamente da realização 37
do investimento, seja como fornecedores de máquinas e equipamentos, matérias-primas ou
insumos necessários à expansão, seja pelo consumo adicional induzido pela massa de salários
acrescida com o aumento de emprego. Nesse sentido, o multiplicador é uma forma
interessante de se mostrar o impacto potencial dos gastos autônomos sobre a renda e o
emprego. Mas, de outro lado, é uma medida frágil, primeiro porque a definição do
multiplicador – a expansão de renda em função de uma expansão de gastos autônomos –
depende da definição das relações entre gastos autônomos e renda (especificação mais precisa
da função consumo, etc.); e, segundo, porque é necessário que se defina se a expansão de
renda resultante da expansão dos gastos autônomos ocorre instantaneamente ou se requer uma
duração temporal, que é em princípio indeterminada.
Além disso, embora o multiplicador mostre o impacto de um tipo de variável
econômica (gasto) sobre outra (renda), com um sentido de determinação definido, seu
funcionamento não é uma condição de equilíbrio desta relação, o que nem sempre é
compreendido. E isso fica evidente especialmente em textos de autores que participaram do
debate dos anos 80, a ser referido em seguida. A igualdade entre I e S, por exemplo
(abstraindo como sempre governo e setor externo), não depende de nenhuma variável
intermediária, como parece ser o caso quando se analisa esta igualdade como resultado do
efeito multiplicador, i. e., ΔI ΔY ΔS e ΔC. A igualdade I=S depende apenas da relação
imediata (num mesmo período) dessas duas variáveis, na qual uma é gasto e depende de poder
de compra e crédito, enquanto a outra é renda e é sempre dependente e determinada pelo
gasto. Nada mais existe entre elas, nem é necessário esperar algum “tempo” indefinido até
que o multiplicador complete seus efeitos para que a igualdade seja verdadeira.
A viabilização do financiamento para gerar o poder de compra necessário aos gastos
autônomos, acessível ao consumidor ou empresário, depende basicamente da estrutura do
mercado financeiro. Quanto mais amplo e sofisticado for esse mercado, maiores as facilidades
de crédito disponíveis19. A decisão das entidades financeiras de disponibilizar crédito não está
relacionada ao montante de poupança prévia, já que nem crédito nem poder de compra
dependem diretamente da poupança. O maior ou menor acesso ao crédito ou poder de compra
disponível tem relação com a riqueza dos consumidores e empresários, composta, dentre
outros, de montantes de renda não gasta em períodos anteriores e outras riquezas líquidas. E
os bancos, ao emprestarem, utilizam como referência a relação desejada entre empréstimos e
19 O sistema capitalista é “caracterizado pela propriedade privada (iniciativa privada), pela produção para um mercado e pelo fenômeno do crédito que, por sua vez, é a differentia specifica que distingue o sistema ‘capitalista’ de outros sistemas, históricos ou possíveis...” (Schumpeter, 1928, p. 255). 38
depósitos à vista, variável no tempo, além do nível aceitável ou desejável de risco esperado,
que também pode variar no tempo. A decisão de emprestar dos bancos faz parte de decisões
de composição de portfólio, que envolvem entre outros aspectos sua diversificação de ativos.
Por esses motivos, não tem sentido estabelecer qualquer relação entre poupança prévia
e investimento ou poupança prévia e volume de financiamento ou crédito concedido ou
disponibilizado. A conclusão óbvia a partir do princípio da demanda efetiva é que a poupança
não financia o investimento. Primeiro, porque não o precede nem temporal nem logicamente:
a poupança é um fluxo de rendimentos simultâneos ao investimento e por ele determinada. E
segundo, porque o investimento é financiado e precedido pelo poder de compra, que é um
estoque de moeda criado pelo sistema bancário, nada tendo a ver com poupança (Possas,
2000).
Apesar da relevância do princípio da demanda efetiva na formulação teórica
apresentada na Teoria Geral e na discussão sobre o papel da poupança, como já comentado,
ele não está incluído como tema central em nenhum dos ciclos de debate, pelo menos não de
forma explícita. Keynes faz menção ao princípio numa correspondência com R. F. Harrod,
criticando-o por não mencionar a demanda efetiva em seu artigo20, e comenta que uma das
coisas que mais o impressionou no desenvolvimento da teoria econômica – e que só percebeu
após a publicação do Tratado da Moeda – foi o completo desaparecimento da teoria da
demanda e oferta do produto como um todo, a teoria do emprego:
“You [Harrod] don’t mention effective demand or, more precisely, the demand schedule for output as a whole, except in so far as it is implicit in the multiplier. To me, regarded historically, the most extraordinary thing is the complete disappearance of the theory of demand and supply for output as a whole, i. e. the theory of employment, after it had been a quarter for a century the most discussed thing in economics. One of the most important transitions for me, after my Treatise on Money had been published, was suddenly realizing this. It only came after I had enunciated to myself the psychological law […], a conclusion of vast importance to my own thinking but not apparently, expressed just like that, to anyone else’s” (Keynes, 1973, p. 85, carta de Keynes a Harrod, de 30 de agosto de 1936).
Em nota, Carvalho (1996)21 destaca um comentário de Keynes a respeito da
cronologia de estruturação de sua teoria, no qual explica que primeiro concebeu a relação
entre investimento e poupança e só depois criou a teoria da preferência pela liquidez, porque
20 Comentário de Keynes a respeito do artigo de Roy Harrod, “Mr. Keynes and the Traditional Theory”, Econometrica, 1937, janeiro. 21 “… the famous comment by Keynes that he conceived first of the relationship between investment and savings (and the multiplier) and then created liquidity preference theory just because the interest rate was left without an explanation” (Carvalho, 1996, op. cit., p. 314, nota de rodapé 3). 39
se fazia necessário explicar a taxa de juros. Apesar de normalmente não se dar maior destaque
a essa cronologia, ela é interessante quando se tem em mente o princípio da demanda efetiva
como um guia norteador. A cronologia utilizada por Keynes torna-se coerente quando
analisada à luz deste princípio. Para ele, primeiro ocorre a decisão dos indivíduos em relação
ao nível desejado de gastos, ficando assim estabelecido o sentido de causalidade na igualdade
entre poupança e investimento; e, então precisa-se de uma explicação para a taxa de juros,
dado que foi descartada a hipótese de que esta seja definida no mercado de crédito. Essa
cronologia deixa ainda mais evidente a importância do princípio da demanda efetiva como
parte central do corpo teórico proposto por Keynes.
Se aplicarmos a mesma cronologia para explicar o multiplicador22, podemos afirmar
que ele é lançado como conseqüência da igualdade entre poupança e investimento. O
multiplicador serve para mostrar que o aumento dos gastos autônomos, se o consumo for uma
função crescente da renda, causa uma expansão ampliada da renda – independentemente da
natureza do investimento, como defende em sua correspondência com W. H. Beveridge23 –,
resultando em acréscimos paralelos da renda e do consumo, ainda que estes últimos sejam
inferiores. Não é que a renda “se ajuste” para gerar um montante de poupança igual ao
investimento; na verdade, a expansão de renda correspondente ao aumento do investimento
equivale exatamente ao montante de poupança já criado no ato (mais exatamente, ao longo do
período) da realização do investimento. E o acréscimo subseqüente na renda acima do
acréscimo do investimento, devido ao efeito multiplicador, nada tem a ver com algum “ajuste
da poupança”, que permanece inalterada e igual ao investimento, mas unicamente com o
aumento do consumo devido ao próprio acréscimo da renda; efeito esse que prossegue até que
o consumo e a renda (assim como, indiretamente, a poupança) estejam entre si na proporção
desejada pelos consumidores e expressa pela função consumo.
Como afirma Keynes,
22 O multiplicador destaca a relação das variações dos gastos autônomos sobre as variações de renda. O investimento (I) – um gasto autônomo – determina imediatamente a poupança (S) e provoca aumento da renda (Y), que, através da propensão marginal a consumir, provoca aumento de consumo (C) – menor que o aumento da renda. O aumento de C causa novo aumento de Y, que causa aumento de C e assim por diante, até que C e Y sejam tais que C=f(Y). Nesse ínterim, porém, permanece a igualdade I=S. 23 Keynes discute o fato de Beveridge, da mesma forma que a teoria neoclássica, ignorar o processo multiplicador dos gastos de investimento, dando como razão principal a suposição de produto inelástico e pleno-emprego como a situação normal de uma economia capitalista. Quando analisa o efeito multiplicador de gastos em construção de novas casas, comenta: “non of this depends on the houses, when built, being useful. If, instead, they were holes in the ground, all the rest would follow as before. You will not, of course, imagine that I am advocating digging holes in the ground” (Keynes, 1973, p. 58. Carta de Keynes a W. H. Beveridge, 28 de julho de 1936). 40
“Saving, in fact, is a mere residual. The decisions to consume and the decisions to invest between them determine incomes. Assuming that the decisions to invest become effective, they must in doing so either curtail consumption or expand income. Thus the act of investment in itself cannot help causing the residual or margin, which we call saving, to increase by a corresponding amount” (Keynes, 1936, p. 64).
A afirmação de Keynes de que a igualdade entre poupança e investimento é sempre
verdadeira trouxe à tona, para seus pósteros, o papel do multiplicador. A análise dos efeitos
do gasto autônomo sobre a renda via multiplicador parecia ter suscitado a possibilidade de a
poupança não ser sempre igual ao investimento – uma questão muito presente principalmente
na literatura sobre crescimento econômico. Nesse contexto, discutia-se desde a relevância do
multiplicador para a definição da igualdade entre investimento e poupança até sua
temporalidade, i.e., como já mencionado, se funciona instantaneamente ou se leva algum
tempo até que seus efeitos sobre a renda se tornem efetivos e quais as implicações disso24.
Asimakopulos (1983)25, ao contrário de Tsiang (1980), parte do princípio de que a
teoria dos fundos de empréstimos e a da preferência por liquidez são teorias diferentes. Mas,
na sua opinião, são necessárias algumas alterações na abordagem de Keynes a fim de eliminar
supostos equívocos. Na análise proposta por Keynes e Kalecki, a igualdade entre poupança e
investimento só seria verdadeira ao final do processo multiplicador, quando a renda fosse a
nova renda “de equilíbrio”. Tornar-se-ia relevante, nesse contexto, determinar o tempo
necessário para que o efeito multiplicador se complete e, ao mesmo tempo, determinar o que
ocorre no período em que os bancos e as famílias estão funcionando com um nível de liquidez
e de poupança, respectivamente, abaixo do desejado26.
Segundo Asimakopulos, os bancos, ao disponibilizarem finance, tornam-se mais
vulneráveis pelo fato de a razão entre o volume de empréstimos e o volume de depósitos ficar
menos favorável, o que provoca redução da capacidade de gerar novos créditos. Além disso,
supõe que esta só é restaurada pelo pagamento total dos empréstimos concedidos. Por outro
lado, os investidores devem trocar suas dívidas de curto prazo por dívida de longo prazo, ou
seja, substituir a dívida bancária por meio da venda de bônus de longo prazo para as famílias,
detentoras de poupança. As famílias, por sua vez, só adquirem bônus de longo prazo se seu
nível de poupança for igual ao desejado, o que ocorre apenas ao término do processo
24 Um aspecto mais presente nas discussões de autores de linha pós-keynesiana. 25 A título de curiosidade, Asimakopulos é o único autor que cita Kalecki além de Keynes.
41
multiplicador, quando a renda for a “de equilíbrio”.
No período intermediário, no qual o processo multiplicador ainda não se completou e
o nível de poupança das famílias ainda não é o desejado, as famílias só aceitam adquirir os
bônus de longo prazo com deságio, ou seja, com uma taxa de juros implícita mais favorável.
Neste período intermediário, portanto, a afirmativa de Keynes e Kalecki de igualdade
incondicional entre poupança e investimento não seria aplicável27; além disso, a insuficiência
de poupança pode provocar aumento da taxa de juros.
A temporalidade do multiplicador – se instantâneo ou não – tem importância para a
questão da igualdade entre poupança e investimento apenas na medida em que se supõe que
essa igualdade dependa, de alguma forma, dos efeitos do multiplicador sobre a renda e,
conseqüentemente, sobre a poupança. A hipótese subjacente à idéia de um multiplicador não
instantâneo é que, nesse caso, existiria um período de tempo no qual a afirmação de Keynes
não seria verdadeira, i. e. em que a poupança (pelo menos a “desejada”) não seria igual ao
investimento.
Mas, como visto, o multiplicador, na teoria keynesiana, não deve ser entendido como
o elemento que equilibra poupança e investimento via variação de renda. Na verdade, ele é o
elemento que representa as características dinâmicas dos gastos autônomos – em especial o
investimento, e da “lei psicológica” do consumo (propensão marginal a consumir menor que
um) – que gera aumentos de produto e emprego superiores a seu próprio valor. Nesse sentido,
o multiplicador deve ser visto como o elemento que explicita a inter-relação entre algumas
das principais variáveis macroeconômicas (gastos autônomos versus renda e produto) e não
como a variável que explica a igualdade entre investimento e poupança.
A preocupação com o funcionamento do multiplicador de alguns autores pode ser
exemplificada nos trechos a seguir:
“Briefly, the idea was that when an investment project is implemented it increases the community’s income as much as necessary to generate savings that are equal in amount to the original investment. Income, thus, was the adjusting variable charged with the task of equilibrating investment and saving decisions of individuals, and the way it did so was denominated multiplier” (Carvalho, 1996, op. cit., p. 314).
26 Na verdade essa opinião equivale a um resumo dos argumentos de Robertson e Kaldor de que apenas os gastos de investimento não são suficientes para restaurar a liquidez do sistema financeiro, como propõem Keynes e Kalecki, a não ser que o efeito multiplicador do investimento sobre a renda fosse instantâneo. 27 Kaldor faz uma análise semelhante, com a diferença que o aumento da taxa de juros dos bônus é temporária e não provoca aumento da taxa de juros da economia. O fato é que o montante de recursos movimentado pelos especuladores em relação ao montante total de recursos do mercado não é suficiente para tanto. Para Asimakopulos, isso só é verdade se ocorrerem algumas condições especiais como desemprego e capacidade ociosa. 42
“If they [investment and saving] were merely two names for the same object, no multiplier or any other equilibrating mechanism between them could be more than tautologies” (idem, p. 315).
Nesses trechos o multiplicador é sugerido como um elemento importante na
determinação de um equilíbrio entre investimento e poupança agregada. Essa também parece
ser a opinião de outros autores pós-keynesianos, dado que a temporalidade do multiplicador
tornou-se item importante em sua pauta de discussões.
Na verdade, não é necessário criar renda adicional que gere um montante de poupança
agregada de valor igual ao investimento realizado. A poupança igual é simplesmente um
resultado automático do investimento, ainda que ela não seja de imediato “desejada”, no
sentido de que o consumo não é ainda uma proporção desejada da renda. Não é algo cuja não
ocorrência gere algum problema, porque ela nunca deixa de ocorrer. E, ao mesmo tempo, sua
ocorrência não traz conseqüência alguma aos níveis de produto e emprego da economia. Não
é relevante como variável de análise nem quando se trata de determinação de políticas
macroeconômicas nem de crescimento econômico.
Aplicando-se o princípio da demanda efetiva, a renda não é a variável de ajuste entre
poupança e investimento, porque simplesmente não há ajuste a ser feito. Uma variação
ampliada da renda, ou seja, um eventual aumento da renda em montante superior ao
incremento nos gastos de investimento é conseqüência das características específicas da
função consumo de Keynes, que assume uma propensão marginal a consumir entre zero e
um28. O multiplicador mostra o impacto desse tipo de gasto sobre a renda, mas não é a
variável que torna aquela igualdade possível, seja através da variação da renda – como no
texto de Carvalho – ou de qualquer outro agregado.
Robertson levanta a questão da temporalidade do multiplicador em carta a Keynes
logo após a publicação da Teoria Geral, afirmando que o multiplicador “only becomes
interesting when, in Hicks´s phrase, it has wings, i. e., is used to analyse a dynamic process”
(Keynes, 1973, p. 97. Carta de W. H. Robertson a J. M. Keynes, 29 de dezembro de 1937).
Apesar de não ser lógico que o multiplicador seja a variável responsável pela
equalização dos montantes de investimento e poupança no contexto do princípio da demanda
efetiva, esse é o aspecto central do terceiro ciclo de debates iniciado com o texto de
Asimakopulos. A preocupação principal está relacionada às condições que definem a
capacidade do mercado financeiro de recompor seu nível de liquidez e às condições para que
43
a demanda, por parte dos poupadores, e a oferta, por parte dos investidores, de ativos de longo
prazo, definam condições de financiamento de longo prazo que não impliquem redução de
investimento, via aumento da taxa de juros.
Tomar como necessário o efeito do multiplicador sobre a renda para tornar
investimento e poupança iguais é equivocado em vários sentidos. Em primeiro lugar, porque o
efeito multiplicador dos gastos autônomos sobre a renda é um efeito potencial; o valor
esperado depende das definições e parâmetros utilizados para as funções consumo em relação
à renda agregada. Em segundo lugar, não é possível determinar qual o tempo necessário para
o pleno funcionamento do multiplicador, ou seja, o tempo necessário para que a renda
represente plenamente o efeito dos gastos, entre outros motivos porque o efeito potencial
previsto dos gastos sobre a renda é calculado supondo-se que não ocorra nenhuma outra
mudança na economia até que a renda atinja seu novo valor de equilíbrio, ou seja, supõe-se
tudo o mais constante. Caso ocorram outras expansões ou reduções de gastos, a renda final
poderá ser maior ou menor que a prevista inicialmente. Terceiro, dadas as considerações
anteriores, pode-se concluir que o que se convencionou chamar de poupança forçada, que se
refere a um valor de poupança que ocorre no “período intermediário” entre o gasto de
investimento e a plenitude do efeito multiplicador sobre a renda, na verdade corresponde
apenas a um nível de consumo – e, portanto, de poupança – em relação à renda diferente
daquele desejado em média pelos consumidores. Ou ainda, em outras palavras, que os
consumidores em média não se encontram sobre a sua função consumo. Essa situação só pode
ser considerada de “desequilíbrio” nesse sentido muito limitado, o qual implica também que a
função consumo representaria uma espécie de “equilíbrio” dos consumidores. Se o princípio
da demanda efetiva é coerente como representação de uma economia capitalista, então
investimento é sempre igual à poupança, estejam ou não os consumidores “em equilíbrio”
quanto ao nível desejado de consumo em relação à renda. E quarto, se os gastos de
investimento geram a poupança correspondente ao mesmo tempo, então a liquidez do
mercado financeiro não depende do funcionamento do multiplicador, como defendem alguns
autores pós-keynesianos, por exemplo. O crédito criado para financiar o investimento não
necessita de poupança prévia e, da mesma forma, sua ampliação também não depende da
poupança prévia nem do efeito multiplicador. A liquidez do mercado financeiro está
relacionada às escolhas de portfólio (alocação de riqueza) dos agentes e dos bancos, à aversão
ao risco de ambos, à sofisticação do sistema financeiro em termos de variedade de produtos,
28 Como comentado anteriormente, depende das definições utilizadas para a função consumo. 44
extensão do mercado, volume de ativos que aí circulam, capacidade de atração dos detentores
de riqueza, etc.
Enfim, o potencial de expansão da renda representado pelo multiplicador e decorrente
dos gastos de investimento não afeta substancialmente nem o mercado de crédito de uma
economia nem seu nível de liquidez, relevantes para a realização dos investimentos, tendo seu
interesse circunscrito ao maior ou menor dinamismo da economia a partir de gastos
autônomos, particularmente o investimento; ou seja, aos efeitos potenciais do investimento
para o crescimento econômico, e não às suas causas ou fatores determinantes.
Quando se toma o multiplicador como a variável chave para a igualdade entre
poupança e investimento, desemboca-se num impasse. Se a proposição de Keynes e de
Kalecki está correta e, portanto, poupança é sempre igual ao investimento (abstraindo governo
e setor externo), então pareceria necessário admitir que o multiplicador é instantâneo. Nesse
caso, o funcionamento do setor financeiro e a demanda por ativos por parte dos poupadores
tornam-se irrelevantes, além de, com isso, eliminar-se a importância do tempo na teoria
keynesiana. Se, por outro lado, toma-se o tempo como relevante, então o multiplicador
funciona durante algum período e, nesse ínterim, pareceria que as afirmativas de Keynes e de
Kalecki não são verdadeiras. Poupança e investimento só seriam iguais quando a renda já
tivesse refletido todo o impacto dos gastos de investimento. Caso ocorresse qualquer outro
“choque” na economia, a renda jamais seria suficiente para igualar poupança e investimento:
haveria uma “corrida” infrutífera do nível de poupança tentando se igualar ao nível de
investimento.
No entanto, é somente quando se supõe que a renda deveria crescer o suficiente para
gerar um montante de poupança igual ao investimento realizado que se torna necessário
estabelecer se o multiplicador é ou não instantâneo. Esse tipo de análise comete erros
importantes. Primeiro, porque não utiliza corretamente o princípio da demanda efetiva ao
ignorar o sentido “instantâneo” (no sentido de referido a um único período) da causalidade na
igualdade entre poupança e investimento. A igualdade, como já reiterado, deixa de representar
que os gastos autônomos determinam “imediatamente” (no mesmo período) receitas
correspondentes e de igual valor – no caso, o investimento determinando a poupança sem
qualquer retardo. Segundo, porque, por outro lado, a opção por um multiplicador que funcione
instantaneamente, isto é, a cada variação dos gastos de investimento a renda varie
imediatamente em maior magnitude, de forma a refletir o aumento de gastos, termina por
eliminar a passagem do tempo ao longo dos períodos de produção, essencial para Keynes, e
com ele as expectativas e a incerteza presente nas projeções de variáveis econômicas 45
utilizadas como base de decisão dos agentes econômicos.
Ao mesmo tempo em que destaca a importância do multiplicador, Keynes alerta para
as possíveis dificuldades em seu uso, fazendo quase uma previsão das confusões futuras ao
afirmar que “the detailed theory of the multiplier is not very easy, and one can easily omit
some relevant circumstances in trying to give it a numerical value” (Keynes, 1973, p. 57.
Carta de J. M. Keynes a W. H. Beveridge, 28 de julho de 1936).
Aliás, os manuais dos cursos de economia – quando tratam do multiplicador – utilizam
exemplos numéricos para explicar como variações de investimento causam variações
amplificadas de renda, sem discutir os possíveis problemas temporais envolvidos, o que
distorce a percepção de Keynes a respeito.
2.3 – O motivo finance de demanda por moeda
Keynes especifica e diferencia a demanda de moeda para a realização de investimento
dos demais motivos de demanda de moeda. A demanda de moeda para investimento, finance,
tem características semelhantes à demanda de moeda para transações, porém é mais volátil,
pela própria característica dos gastos de investimento. Apesar da semelhança de análise entre
os autores, essa questão não é abordada por Kalecki porque, por um lado, não trata tão
detalhadamente da demanda de moeda e, por outro, não trata da decisão de investimento no
bojo das decisões de portfólio. Sua análise se atém às formas de financiamento do
investimento, como a utilização de capital próprio – utilização de lucros não distribuídos – e o
endividamento – acesso a poder de compra disponibilizado pelo setor bancário –, bem como
às vantagens de cada forma de financiamento sem, no entanto, tratar especificamente das
expectativas. Mas, apesar disso, para Kalecki assim como para Keynes, é a criação de poder
de compra por parte dos bancos que possibilita o financiamento do investimento que resulta
em expansão econômica, dado que se todo o investimento for financiado apenas com lucros
das próprias empresas retidos e não distribuídos, não haverá crescimento econômico, apenas
manutenção de uma dada capacidade de produção.
Segundo Kalecki, os gastos de investimento são os responsáveis por restaurar o nível
de liquidez do sistema bancário. A demanda adicional decorrente da expansão do
investimento – realizado com o poder de compra disponibilizado pelo sistema bancário – 46
atinge inicialmente as indústrias de bens de investimento, proporcionando redução de sua
capacidade ociosa e desemprego. O aumento de emprego provoca aumento de demanda por
bens de consumo, gerando expansão de emprego e redução de capacidade ociosa também
nestas indústrias. O lucro adicional, decorrente da expansão dos gastos de investimento e
consumo, é apropriado totalmente pelos capitalistas29 e retorna ao sistema financeiro sob a
forma de novos depósitos bancários, permitindo que os bancos aumentem sua oferta de
crédito (poder de compra) num montante igual ao do investimento adicional. Os empresários
que se engajam nos novos investimentos “transferem” aos demais capitalistas lucros em
montante igual ao seu investimento. Estes, por sua vez, ao demandarem poder de compra,
tornam-se devedores dos capitalistas através dos bancos (Kalecki, 1935, p. 24).
Para Kalecki a motivação principal do investimento é sua rentabilidade esperada,
sendo as flutuações econômicas reflexos das flutuações do volume de investimento. Nos
momentos em que o crescimento econômico e a expectativa de lucros são crescentes, mais
investimentos são decididos. O investimento, no entanto, demanda tempo para ser realizado e
gerar produto e lucro. Nesse ínterim, podem ocorrer decisões de investimento em volume tal
que implique redução da lucratividade dos mesmos e, até que isso se torne visível aos
capitalistas, novos investimentos continuam a ser decididos. A redução da lucratividade
esperada caracteriza o início de um período de redução do volume de investimento e
conseqüente redução do crescimento econômico. Alguns projetos não serão implementados e
alguns investimentos realizados podem resultar em lucros negativos e encerramento dos
mesmos. A redução do estoque de capital provoca nova expansão da lucratividade esperada,
levando a nova expansão do investimento e a uma nova onda de crescimento econômico,
repetindo o ciclo anterior. As expansões e contrações do nível de investimento constituem o
ponto nevrálgico da economia, como fica claro na passagem:
“[O] investimento tem um efeito favorável sobre a situação econômica somente no tempo em que é efetuado e provê uma saída para o poder de compra adicional. De outro lado, o caráter produtivo do investimento contribui para o enfraquecimento da recuperação e finalmente a estanca, porque é a ampliação do equipamento de capital que [...] causa o colapso da expansão econômica” (Kalecki, 1935, p. 26).
Mas a pura e simples criação de poder de compra não leva à expansão dos
investimentos, que pode ser estimulada pela rentabilidade estimada ou por inovações
tecnológicas e investimento público e é possibilitada pela disponibilidade de poder de compra.
29 Kalecki supõe que os trabalhadores não poupam. 47
Se a expansão de poder de compra for acompanhada por aumento correspondente da taxa de
juros, esse pode anular total ou parcialmente o efeito expansivo da disponibilidade de crédito
sobre o investimento.
Foi durante os debates ocorridos logo após o lançamento da Teoria Geral que Keynes
propôs o motivo finance de demanda de moeda, acrescentando-o aos motivos anteriormente
apresentados como justificativa para a demanda de moeda, em resposta às discussões acerca
do financiamento do investimento. O motivo finance nasce da discussão com B. Ohlin a
respeito da dicotomia ex ante - ex post, apresentada por este e que pretendia ser uma resposta
adequada a questões do tipo: se o investimento cria a expansão de renda e a poupança
correspondente a seu valor, quem financia o investimento? De onde vem o fluxo monetário
que gera o investimento?
Ohlin defende que a igualdade entre poupança e investimento só é verdadeira em
termos ex post. Em termos ex ante, não há como tornar investimento e poupança iguais, dado
que resultam de decisões totalmente independentes, realizadas por indivíduos diferentes. Por
outro lado, quando se trata de taxa de juros, não importa o investimento e a poupança
realizados (ex post), mas o investimento e a poupança desejados (ex ante)30, porque estes
representam a demanda e a oferta de crédito.
Numa exposição posterior mas fazendo defesa semelhante à de Ohlin, Tsiang (1956)
afirma que não existiria diferença entre as teorias de preferência por liquidez e de fundos de
empréstimo. Esses modelos, se corretamente definidos, i.e., com funções oferta e demanda
definidas em termos ex ante, determinam a mesma taxa de juros. Conclui que a teoria dos
fundos de empréstimo seria mais geral por contemplar também a teoria da preferência por
liquidez. Fica evidente em seu texto que sua interpretação do papel da moeda é idêntico ao da
teoria neoclássica, ou seja, a moeda é demandada apenas como meio-de-troca,
“The perfect agreement between the two theories is found to exist because the ex ante decisions to supply loanable funds to the market necessarily imply corresponding decisions (also ex ante) as to the funds required to finance one’s own consumption and one’s own demand for idle money, while the decisions to take loanable funds off the market necessarily imply corresponding decisions as to the requirements for funds to finance investment expenditures” (Tsiang, 1956, p. 551).
30 Segundo Tavares (1978), “o conceito de poupança ‘ex-ante’ é uma das maiores armadilhas montadas contra a Teoria Keynesiana. Este vício estático de raciocínio, juntamente com a versão de Hicks do pensamento de Keynes e sua reinterpretação em Mr. Keynes and the Classics: a suggested interpretation, Econometrica, 1937, acabou por produzir essa ‘generalização neo-neoclássica’ que aí está, dos esquemas IS-LM, que reintroduzem a taxa de juro no centro da análise, promovendo a igualdade entre poupança e investimento, justamente aquilo contra o qual se havia levantado o pensamento de Keynes” (p. 25, nota 2). 48
Keynes rejeitou a dicotomia entre investimento e poupança ex post e ex ante, e, fato
interessante, aceitou a definição de investimento ex ante, caracterizado por uma demanda de
moeda para investimento que afeta a taxa de juros. Mas, ao mesmo tempo, rejeitou a idéia de
que se possa definir uma poupança ex ante relacionada de alguma forma à taxa de juros. O
investimento ex ante é a busca de crédito para realizar o investimento31. Sua influência sobre
a taxa de juros depende do montante do investimento relativamente ao montante de liquidez
disponibilizado pelo sistema bancário e demais detentores de moeda, ou seja, quanto eles
estão dispostos a abrir mão de liquidez em troca de ativos menos líquidos. Ao admitir o
investimento ex ante, i. e. a decisão de investir que poderá ou não se efetivar no futuro,
Keynes não alterou sua teoria original, não invalidou nenhuma afirmação anterior.
A relação entre o investimento ex ante (planejado) e ex post (realizado), apresentada
por Keynes, é completamente diferente da proposta por Ohlin. O investimento planejado,
como qualquer outro tipo de gasto, pode aumentar a demanda por moeda para transações, pelo
fato de o empresário querer ter à sua disposição o dinheiro antes da data de pagamento. Essa
demanda por moeda, o finance, tem características semelhantes à demanda de moeda para
transações mas apresenta flutuações mais discricionárias.
A demanda de moeda pelo motivo finance é distinta da demanda por active
balances32, que surge enquanto o investimento está sendo realizado. O investimento
planejado ou ex ante pode demandar provisão financeira antes de ser efetivamente realizado e,
nesse caso, é necessário cobrir o gap de tempo entre o investimento planejado (que pode
inclusive não se concretizar) e os gastos efetivos de investimento, o que pode ser feito tanto
por novas emissões no mercado quanto pela criação de moeda por parte dos bancos33. Como é
razoável supor que existe um limite para os compromissos que o mercado aceita assumir
antecipadamente, o acúmulo de decisões de investimento não executados ou incompletos
pode ocasionar uma demanda extra por moeda, que exerce pressão sobre a taxa de juros.Uma
questão passa a ser então a taxa de crescimento do investimento. Se o investimento está
crescendo a uma taxa estável, o finance requerido pode ser suprido por um revolving fund de
um montante mais ou menos constante (alguns investidores estão retirando moeda para se
31 Segundo Schumpeter (1928), o crédito é essencial por causa dos gastos com inovações, que ocorrem anteriormente à produção. 32 Keynes define preferência pela liquidez relacionada à demanda total por moeda para qualquer fim e não apenas à demanda por inactive balances (Keynes, 1973, p. 223. Carta de J. M. Keynes a D. H. Robertson, 5 de dezembro de 1937). 33 O gap ocorre mesmo quando o investidor se auto financia, porque, também nesse caso, os compromissos aceitos pelo mercado excedem a poupança efetiva no momento de início do investimento. 49
financiar enquanto outros estão pagando ou repondo). Mas se a taxa de investimento está
crescendo, haverá demanda adicional de moeda. A pressão por mais finance pode pressionar a
taxa de juros e, a menos que o sistema bancário esteja preparado para aumentar a oferta de
moeda, a não disposição de finance suficiente pode ser um obstáculo importante ao
investimento. Como destaca Keynes (1937d apud Davidson, 1965, p. 59-60),
“[T]o the extent that the overdraft system is employed and unused overdraft ignored by the banking system, there is no superimposed pressure resulting from planned activity over and above the pressure resulting from actual activity. In this event the transition from a lower to a higher scale of activity may be accomplished with less pressure on the demand for liquidity and the rate of interest”.
Mas, como reitera Keynes, “’finance’ has nothing to do with saving” (Keynes, 1937c,
p. 209). Finance é basicamente um revolving fund. Não usa poupança e é, para a comunidade
como um todo, apenas “book-keeping transactions [...] [and] self-liquidating” (Keynes,
1937d, p. 219). E afirma que “at the ‘financial’ stage of the proceedings no net saving has
taken place on anyone’s part, just as there has been no net investment” (Keynes, 1937c, p.
209).
É claro que uma demanda grande por investimento pode gerar escassez de recursos
financeiros. A capacidade do mercado de criar formas alternativas de financiamento, além da
disposição do mercado e dos bancos de ficarem menos líquidos, influi no ritmo dos novos
investimentos. Mas, “up to the point of full employment, no amount of actual investment,
however great, can exhaust and exceed the supply of savings, which will always exactly keep
pace” (Keynes, 1937c, p. 210, grifo meu).
É o sistema bancário que toma a decisão de disponibilizar ou não finance suficiente
para o investimento planejado que, por sua vez, quando realizado gera “the appropriate level
of income […] out of which there will necessarily remain over an amount of saving exactly
sufficient to take care of the new investment” (Keynes, 1937c, p. 210). Ou seja, a inclusão do
motivo finance de demanda de moeda não alterou a teoria inicialmente proposta por Keynes,
mas contribuiu para destacar o financiamento do investimento pelo sistema financeiro e suas
necessidades de liquidez, e não pela poupança. E, nesse ponto, essa análise é muito
semelhante, embora mais detalhada, feita por Kalecki.
A discussão iniciada por Keynes após a publicação do artigo de Pigou (1937) mostra
sua preocupação em se fazer entender e a importância que dá ao aspecto monetário da
economia e a estreita relação entre o lado real e o monetário da economia. O fato de definir a
taxa de juros como resultante da oferta e demanda de moeda e, portanto, um fenômeno
50
monetário, desvinculando-a do mercado de crédito diretamente (apesar de esse também ser
um fator que influencia a taxa de juros), é um aspecto central de sua visão do funcionamento
de uma economia monetária.
O artigo de Pigou suscita inúmeros comentários, por parte de Keynes, por constituir
como que uma reafirmação da teoria neoclássica, contra a qual se opõe a Teoria Geral.
Keynes mostra que os resultados alcançados por Pigou são fruto de equívocos teóricos e
metodológicos presentes em seu trabalho e aproveita a discussão para reforçar suas críticas à
teoria neoclássica34.
Pigou define dois critérios normais de política bancária. O primeiro determina que a
quantidade de moeda que o sistema bancário disponibiliza para circulação é função positiva
da taxa de juros; e o segundo determina que, à taxa de juros corrente, o sistema bancário
disponibiliza a quantidade de moeda que o público deseja reter. E, como fica evidenciado, o
sistema bancário não restringe o volume de empréstimos de outro modo que não via taxa de
juros. Além disso, acredita que a principal diferença entre a teoria neoclássica e a keynesiana
seja a suposição de que a poupança varia com a renda real. Se a elasticidade da poupança em
relação à renda, dS/dY, fosse zero, a taxa de juros seria determinada pela função poupança, S,
e não pela oferta e demanda de moeda, e sempre existiria um nível de salário monetário capaz
de garantir o pleno-emprego.
Segundo Kaldor35, Pigou demonstra que o montante de moeda que o público deseja
depende da taxa de juros, da renda monetária e da distribuição da renda. Se há redução de
salários e a taxa de juros permanece constante, a oferta de moeda será maior que a demanda, a
menos que a renda monetária permaneça constante. Mas, nesse caso, a taxa de juros não pode
permanecer constante, devendo cair. A proposição de Pigou de que um efeito favorável da
redução de salário age através da taxa de juros, pode ser formalmente demonstrada tanto no
caso em que o investimento é suposto variável quanto constante. Mas vê inconsistência em
supor que tanto a quantidade de moeda quanto a taxa de juros permanecem constantes quando
há redução de salários. No entanto, a taxa de juros pode cair temporariamente e no novo
equilíbrio permanecer a mesma se a taxa de preferência no tempo não mudar, i. e. dS/dr=0
(elasticidade da poupança em relação à taxa de juros).
Para Keynes as suposições de Pigou, em relação às políticas normais dos bancos, não
34 Aqui vamos destacar apenas as principais críticas e respostas referentes mais diretamente à discussão sobre os determinantes da taxa de juros e definições de poupança e seu papel. 35 Keynes mantém correspondência com Joan Robinson, Kahn, Robertson e Kaldor, no intuito de discutir o artigo de Pigou. Com Kaldor a discussão se estende entre setembro e novembro de 1937. Na verdade, Keynes está abismado com o fato de Pigou ter publicado seu artigo sem nenhuma crítica anterior. 51
são consistentes com o resto. A sua função velocidade renda da moeda (V) mostra que o
montante de moeda que o público deseja depende do salário e da renda monetária, o que
significa que é impossível ao sistema bancário agir na suposição de que a demanda por moeda
seja função apenas da taxa de juros. Além disso, Pigou assume que a quantidade de moeda
depende apenas da taxa de juros e, ao mesmo tempo, que depende apenas da renda monetária.
Se o montante de moeda que o público deseja depende de sua renda monetária, é impossível
ao sistema bancário efetivar uma política que seja dependente da taxa de juros apenas. Assim,
se o produto fica invariável, a renda monetária só pode ficar constante se os preços forem os
mesmos. Mas, por outro lado, quando os salários caem, os custos se reduzem e deveria
ocorrer um aumento do emprego para retornar os níveis de preço e custo aos de equilíbrio.
As conclusões do trabalho de Pigou resultam, segundo Keynes, das inconsistências
das suas suposições. E isto ocorre porque: i) confunde bank loans com bank balances (saldo
bancário). Apesar de os dois serem iguais em montante, demanda bank loans quem quer
gastar mais que sua renda líquida e demanda bank balances quem gasta menos que sua renda
líquida; e porque ii) assume uma velocidade-renda da moeda constante, o que é perfeitamente
razoável mas não no contexto de suas suposições. Além disso, ao afirmar que o emprego é
constante e, portanto, a proporção da renda em salários é constante, segue que se o salário
monetário diminuir, os preços monetários também vão diminuir na mesma proporção36. Mas
Pigou faz tal afirmação em meio à sua demonstração de que a queda nos salários monetários
não é seguida de queda nos preços monetários, se o nível de emprego estiver constante.
O artigo de 1939 apresenta as críticas de Keynes aos métodos do Comitê de
Estatística37 relativos ao processo de formação de capital. Nesse artigo Keynes retoma
algumas questões e sua contribuição é esclarecedora principalmente em relação a alguns
conceitos como finance, poupança e revolving fund.
O Comitê definiu fomação de capital como um termo “intended to cover the whole
process from the contribution of funds by savings, etc., to the acquisition of capital goods,
whether the funds are used to provide additions to invested capital or for maintenance and
replacement of old capital” (Keynes, 1939, p. 279). A formação de capital é precedida de três
estágios, que apresentam alguma defasagem de tempo em relação ao investimento
propriamente dito: o primeiro consiste “in the setting aside of savings out of current income;
36 Como afirma Kregel (1984-85), aceitar a teoria dos fundos de empréstimo equivale a aceitar que o preço da moeda (taxa de juros) é determinado pelo preço dos bens e, então, vale a teoria quantitativa da moeda. 37 Committee of Statistical Experts: membros – A. Flux, E. Cohn, O. Morgenstern; contribuidores externos: E. Akermann, H. Clay, J. Deuc, E. Lindahl, F. Ravizza, W. W. Riefler e J. J. Vincent. D. Robertson participou da primeira reunião. 52
the second stage in streams of ‘funds’ becoming ‘available for investment’; and the third stage
in the actual outlay of money for the acquisition of capital goods” (idem, p. 279).
Inicialmente, o público decide não gastar uma parte da renda; essa poupança é um dos
‘ingredientes’ do fundo disponível para o investimento, transferido ao investidor; e,
finalmente, esse fundo é utilizado para adquirir bens de capital, o que completa a formação de
capital. A parte da renda não gasta, os fundos disponíveis e os utilizados para adquirir bens de
capital no período não são a mesma coisa, mas fazem parte dos diferentes processos de
formação de capital. Na verdade, a renda poupada num período é utilizada para adquirir bens
de capital em algum período futuro. Portanto, poupança precede investimento e este é
financiado pelas provisões disponibilizadas para manutenção e reposição, pelo
desentesouramento e pela expansão de crédito.
As críticas de Keynes: o Comitê aponta corretamente que a poupança, realizada em
um dado período anterior, e o investimento corrente não têm porque ser iguais. Mas, ao
mesmo tempo, as definições apresentadas têm como corolário que os montantes de poupança
e de investimento correntes devem ser iguais. O problema é que o leitor é levado a conclusões
falsas, tais como que o meio de aumentar o investimento é poupar mais em algum período
anterior ao investimento. Mas o corolário mostra que isso não é possível: a poupança em
qualquer período anterior não pode ser maior que o investimento àquela data.
“Increased investment will always be accompanied by increased saving, but it can never be preceded by it. Dishoarding and credit expansion provides not an alternative to increased saving, but a necessary preparation of it. It is the parent, not the twin, of increased saving” (Keynes, 1939, p. 281).
Apesar de contraditório com suas próprias análises, o Comitê insiste que os fundos
para investimento só podem ser obtidos por poupança passada (desentesouramento) e
expansão de crédito, ignorando a possibilidade de ocorrer um aumento de investimento pelo
aumento da produção de bens de capital e redução da produção de bens de consumo,
mantendo um mesmo nível de produto e renda agregado. Nesse caso, de onde viriam os
fundos para expansão do investimento? O esquema apresentado sugere que um aumento do
investimento acima da poupança dos períodos passados requer desentesouramento ou
expansão de crédito para disponibilizar os fundos necessários. Mas, por que isso seria
necessário se o produto total está inalterado? Para Keynes, “the committee have overlooked
the fact that spending releases funds just as much as saving does, and that these funds when
released can then be used indifferently for the production either of capital goods or of
consumption goods”. E conclui que “prior saving has no more tendency to release funds
53
available for subsequent investment than prior spending has” (Keynes, 1939, p. 282).
Não é o aumento de investimento que requer um aumento imediato de fundos
disponíveis, mas um aumento de produção, seja para investimento seja para consumo, ou mais
especificamente um aumento das transações (gastos) para qualquer finalidade. A distinção da
demanda antecipada de moeda para financiamento do investimento não retorna à questão
sobre a necessidade da existência de fundos antecipados de empréstimo para a realização do
investimento. Isso é verdade mesmo quando se trata das escolhas de portfólio feita pelos
detentores de riqueza e pelos bancos. O motivo finance não altera a afirmação de Keynes de
que o investimento não depende da poupança, antecipada ou corrente. O finance ocorre em
algum período anterior aos gastos de investimento mas não envolve uso de poupança porque
se utiliza de lançamentos contábeis associados à geração do crédito.
“[M]oney which is spent on prior consumption flows into the same pool of available funds as money which is saved and is available to finance at the next stage the acquisition either of capital goods or of consumption goods” (Keynes, 1939, p. 283).
Portanto, a lista de fontes de financiamento potencialmente disponíveis para
investimento, apresentada pelo Comitê, está incompleta. Os fundos disponíveis surgem a
partir de toda a renda ganha num período anterior, não importando se esta foi gasta ou
poupada, acrescida do desentesouramento – poupança ou renda não gasta de períodos
anteriores – e do volume de crédito disponibilizado pelos bancos, e é empregada em toda a
produção – tanto para investimento quanto para consumo – num período posterior. Ou seja, o
sistema de crédito diz respeito apenas ao finance e nunca à poupança (Keynes, 1973, p. 284).
O Comitê, por outro lado, relaciona os fundos de empréstimo apenas à renda não gasta em um
período anterior ao investimento.
O Comitê classifica os fundos de empréstimo, disponíveis no mercado de crédito,
segundo a finalidade do financiamento. Nesse contexto, os fundos de empréstimo para
financiamento de gastos de investimento formam um pool com taxa de juros própria,
determinada pela interação entre a demanda e a oferta nesse mercado específico. Essa visão
do mercado de crédito é um retorno à teoria dos fundos de empréstimo, apesar da nova
roupagem.
Na visão keynesiana, o finance se refere tanto ao uso de um revolving pool of fund
para financiar gastos com bens de capital, e bens de consumo quanto com um aumento do
turn over dos estoques. A taxa de juros é determinada pela preferência pela liquidez, ou seja,
54
toda a demanda por fundos líquidos compete em bases iguais pela oferta disponível desses
fundos, constituídos pela renda corrente, pelas poupanças passadas e pelo poder de compra
que os bancos disponibilizam. O finance serve de ponte para o lag de tempo entre a
disponibilidade de poder de compra e os gastos efetivos. A poupança sempre ocorre
simultaneamente ao investimento, mas os gastos ocorrem posteriormente à disponibilidade de
crédito para investimento.
Quando a expansão do investimento é superior à queda no consumo, os fundos para
fazer frente ao investimento “must ‘become available’ subsequently and not prior to the
production of the new capital good – unless, indeed, hoarders or the credit system become
permanent investors: and at any rate it is no good looking for them in the fruits of prior
savings” (Keynes, 1939, p. 284). As taxas de poupança anteriores só nos dizem quanto do
investimento corrente pode obter permanent home sem pressionar a liquidez e a taxa de juros
de longo prazo. Assim,
“Subject to these conditions, the increment of current investment over prior investment (or saving) can only be cared for permanently out of the increment of current saving; and the period during which current savings are kept liquid by their owners must be bridged by an increase in the revolving fund of ‘finance’, i. e., of liquid funds provided by the banking system or by dehoarding. It is the rôle of the credit system to provide the liquid funds which are required first of all by the entrepreneur during the period before his actual expenditure, and then by the recipients of this expenditure during the period before they have decided how to employ it” (Keynes, 1939, p. 284-5).
Keynes admite que o aumento do investimento pode pressionar a taxa de juros, mas
esse aumento não é provocado, como quer Robertson, pela redução de poupança nem o
aumento da taxa de juros é necessário para provocar aumento de poupança até que se iguale
ao investimento. A conclusão de Robertson, segundo Keynes, é um raciocínio ortodoxo e
tradicional. Pela ótica da teoria da liquidez, o aumento de juros é resultado do aumento da
demanda por moeda relativamente à sua oferta, observando-se que Keynes se refere à
demanda de moeda como um todo e não apenas à demanda de moeda em conseqüência da
expansão do investimento, um aspecto destacado por ele principalmente quando discute o
motivo finance de demanda de moeda. O destaque dado à demanda de moeda para
investimento só é razoável, segundo Keynes, como já mencionado, pelo fato de essa demanda
ter características mais discricionárias que as demais. No entanto, para o mercado financeiro
como um todo, o aumento de demanda por moeda tem conseqüências e tratamento
semelhantes, seja quando se destina a investimento, seja quando faz frente a qualquer outro
tipo de gasto.
55
O destaque de Davidson (1965) para a importância do motivo finance de demanda de
moeda na determinação da taxa de juros, como no trecho em que afirma que “it should be
noted that the analysis presented in this paper firmly supports Hahn’s assertion that the rate of
interest is never independent of the demand for ‘finance’” (p. 56), talvez tenha sido uma das
motivações principais para o futuro desenvolvimento de análises mais detalhadas do mercado
financeiro pela teoria pós-keynesiana, em que as condições de realização do finance e do
funding passam a ter importância para a determinação da taxa de juros e a influência desta
sobre os novos investimentos.
Os montantes de poupança e investimento, segundo Keynes, não são duas variáveis
distintas que tendem a se mover em direções opostas em resposta a variações na taxa de juros.
Elas necessariamente se movem na mesma direção. É impossível que um aumento da taxa de
juros possa, ao mesmo tempo, aumentar o excesso de renda sobre o consumo e diminuir o
montante do investimento corrente. A qualquer taxa de juros, não importa quão arbitrária,
existirá igualdade entre poupança e investimento. A analogia com a demanda e oferta de um
bem a um dado preço é falsa (Keynes, 1973, p. 475-476). A taxa de juros é “the reward for
parting with liquidity, is a measure of the unwillingness of those who possess money to part
with their liquid control over it” (Keynes, 1936, p. 167).
Na Teoria Geral, a taxa de juros é um fenômeno monetário e representa a eficiência
marginal da moeda em termos de si mesma. A tentativa de obter a melhor vantagem da posse
de riqueza tem como conseqüência que a troca de ativos, em equilíbrio do portfólio do agente,
é feita em valores proporcionais, que equivalem à eficiência marginal em termos de moeda ou
de qualquer unidade comum, ou seja, os ativos são adquiridos enquanto seu preço de demanda
não for menor que seu preço de oferta (custo de reposição), que depende da capacidade
disponível para produção, i. e. sua elasticidade de oferta, e da taxa à qual sua eficiência
marginal diminui à medida que aumentam os investimentos. A comparação entre preço e
rentabilidade esperada deve satisfazer o entesourador potencial marginal, ou seja,
“[T]he price system resulting from the relationships between the marginal efficiencies of different capital assets including money, measured in terms of a common unit, determines the aggregate rate of investment” (Keynes, 1937a, p. 102).
Numa situação de crise, por exemplo, em que a preferência pela liquidez aumenta
rapidamente, a conseqüência não é um aumento significativo de entesouramento – porque
existe pouca moeda disponível relativamente à nova demanda –, mas um aumento da taxa de
juros, para induzir quem procura liquidez a desistir, por não conseguir realizar a troca de
56
ativos por moeda a uma taxa razoável. A taxa de juros mede o prêmio que deve ser oferecido
para induzir as pessoas a reterem sua riqueza em outra forma que não moeda, dado que o
desejo de reter moeda como um estoque de riqueza é um barômetro do grau de nossa
desconfiança nos cálculos e convenções sobre o futuro (Keynes, 1937a, p. 116).
Nesse sentido, pode-se afirmar que reter moeda ou se desfazer dela em prol de um
ganho esperado, ao decidir possuir qualquer outro ativo, é uma decisão de distribuição da
riqueza individual entre os diversos ativos disponíveis ou decisão de composição de carteira.
Não é decisão sobre poupar. A parte da renda não consumida pode somar-se à riqueza
existente (sob a forma de moeda ou ativos variados). Esse montante de riqueza é distribuído
entre ativos mais ou menos líquidos, dependendo das expectativas sobre o futuro, da
confiança com relação às convenções e da preferência pela liquidez dos agentes, o que, no
entanto, não constitui decisão sobre poupar ou sobre quanto poupar. Riqueza não é poupança,
nem apenas soma de poupanças passadas, que também a compõem.
Uma das primeiras discussões sobre o papel da taxa de juros como abordado pela
teoria keynesiana versus a teoria neoclássica está presente na correspondência entre Keynes e
R. G. Hawtrey no início de 1936. Na verdade, essa é uma continuação do debate iniciado
enquanto Keynes ainda escrevia a Teoria Geral. O debate não foi muito compensador para
Keynes, como se pode constatar por sua afirmação de que “I am now convinced that nothing
that I can say will open your eyes – I do not say to the truth of my argument – but to what the
essence of my argument, true or false, actually is” (Keynes, 1973, p. 23. Carta de J. M.
Keynes a R. G. Hawtrey, 15 de abril de 1936).
Segundo Hawtrey, a taxa de juros é completamente determinada pelo montante de M2
(M é determinado pelo sistema monetário e M1 pelas atividades econômicas, M2 = M – M1 e
em equilíbrio, M2 = 0), “the pool of idle savings” (Keynes, 1973, p. 4. Carta de R. G. Hawtrey
a J. M. Keynes, 01 de fevereiro de 1936). Nesse caso, existe uma taxa de juros de equilíbrio
(ou taxa natural) e a taxa de juros de mercado flutua de acordo com o excesso ou escassez de
oferta de moeda para crédito em relação à demanda, sendo que “the rate of interest is wholly
cause and the adjustment of the volume of investment is wholly effect” (idem, p. 3). A
diferença fundamental para Keynes seria que a teoria neoclássica supõe que “the fluctuations
in M2 are negligible, or at any rate that such fluctuations as are dependent on the rate of
interest are negligible” (idem, p. 18. Carta de 03 de abril de 1936).
Ou seja, a taxa de juros não seria determinada pela oferta de moeda, como define
Keynes, mas o investimento, a poupança e a taxa de juros teriam, na verdade, as
características definidas pela teoria neoclássica, acrescentadas de alguns comentários de 57
Keynes, interessantes, mas não relevantes o suficiente para alterar suas naturezas.
Mas, segundo Keynes, a taxa de juros não é completamente determinada pelo
montante de moeda M2, porque nesse caso ter-se-ia que admitir uma função liquidez
constante, que ele não achou razoável. A taxa de juros é determinada pela conjunção do
montante de M2 com a função de preferência pela liquidez, sendo que qualquer influência que
não o montante de moeda está contemplada na função liquidez. Isso não era muito importante
para ele, porque não via nenhum efeito óbvio previsível de variações da eficiência marginal
do capital sobre a taxa de juros, apesar de não excluir a possibilidade, porque “in economics
everything affects everything else” (idem, p. 11. Carta de 6 de março de 1936).
Pelo fato de aceitar a teoria dos fundos de empréstimo, segundo a qual o montante de
poupança depende da propensão a consumir e da taxa de juros tomadas em conjunto, e o
montante de investimento depende da eficiência marginal do capital e da taxa de juros
tomadas em conjunto, sendo a taxa de juros definida no ponto em que poupança e
investimento se igualam, Hawtrey entende que a igualdade entre poupança e investimento
proposta por Keynes é essencial no corpo da teoria apresentada na Teoria Geral. No entanto,
segundo Keynes seu desenvolvimento teórico não depende “in the least on [these] particular
definitions” (Keynes, 1973, p. 16. Carta de J. M. Keynes a R. G. Hawtrey, de 24 de março de
1936). A igualdade entre poupança e investimento, na verdade, não é central para Keynes. Ele
a aceita da mesma forma que os demais economistas, como afirma várias vezes. Não é o fato
de aceitar a igualdade entre investimento e poupança que o faz diferente ou dissidente do
corpo teórico da teoria neoclássica38. Essa igualdade não distingue teorias. O que a teoria de
Keynes – assim como a de Kalecki – tem de diferente da teoria neoclássica é o sentido de
determinação que define entre as duas variáveis (poupança e investimento), e o fato de não
estabelecer como possível nenhuma situação em que a igualdade não se verifique.
A leitura de Robertson da Teoria Geral, assim como a de Hawtrey, é uma tentativa de
adaptar as propostas de Keynes ao corpo teórico neoclássico39. E, como é característico de
38 “I say that all classic economists hold my view as to the equality of savings and investment, I mean that Marshall and Pigou and all the rest of them believe that saving is the excess of income over consumption and that income is the sum of consumption and of new investment. At any rate, I have never seen a hint of their meaning anything different from this. But that they also hold conclusions which are in fact inconsistent with these definitions I should, of course, agree” (Keynes, 1973, p. 27. Carta de J. M. Keynes a R. G. Hawtrey, 15 de abril de 1936). 39 “I have gone through real intellectual torment trying to make up my mind whether, as you often seem to claim, there is some new piece on the board or rather a rearrangement, which seems to you superior, of existing pieces. It has been an intellectual relief to me to find Hicks and Harrod both taking the latter view, though agreeing far more with you than with me about the merits of the re-arrangement” (Keynes, 1973, p. 95. Carta de D. H. Robertson a J. M. Keynes, 13 de dezembro de 1936). 58
autores neoclássicos, preocupa-se com o equilíbrio resultante de cada alteração na economia,
acusando a abordagem keynesiana de apenas demonstrar que uma posição é determinada, sem
se importar se é equilíbrio ou apenas um ponto de transição. Isso explica, segundo Robertson,
as definições tautológicas de Keynes para a poupança e o multiplicador, que não contribuem
em nada para se distinguir entre diversas situações possíveis de equilíbrio.
Segundo Keynes, o investimento pode flutuar por razões diferentes das que
determinam a propensão a poupar, a partir de uma renda dada. A escala à qual novos ativos de
capital são produzidos depende da relação entre seu custo de produção e os preços esperados
de venda. Quando a relação é favorável sua produção aumenta e vice-versa. O volume de
investimento pode flutuar enormemente porque depende de julgamentos sobre o futuro, como
a propensão a entesourar, no sentido de que maior incerteza leva a uma maior preferência pela
liquidez, e as expectativas sobre a rentabilidade futura dos ativos de capital. A taxa de juros
tem a função de “modify the money prices of other capital assets in such a way as to equalise
the attraction of holding them and of holding cash” (Keynes, 1937c, p. 213). E, nesse sentido,
não importa a decisão do público a respeito de quanto deseja aumentar ou reduzir o nível de
entesouramento, porque essa decisão não acarreta um montante total de poupança nem maior
nem menor que o volume de investimento corrente.
Seja quando os fundos de empréstimo são criados pelos bancos seja quando resultam
de desentesouramento, em decorrência da redução da preferência por liquidez, a taxa de juros,
segundo Robertson, é sempre “the price at which the quantity of loanable funds demanded is
equal to the quantity supplied. The attempt to represent it as being something different is
needless and confusing” (Keynes, 1973, p. 97. Carta de D. H. Robertson a J. M. Keynes, 29
de dezembro de 1936). Como resposta Keynes afirma que a taxa de juros pode depender dos
fundos de empréstimo se “by ‘loanable funds’ […] [Robertson] mean ‘active balances’”
(idem, p. 90. Carta de J. M. Keynes a D. H. Robertson, 13 de dezembro de 1936).
Não importando o “grau de parentesco”, a taxa de juros em Robertson é ainda
resultante da oferta e demanda de fundos de empréstimo e é definitiva para a determinação do
investimento (exclui a influência das expectativas), o que fica claro quando afirma que um
nível alto de renda é resultante de juros baixos no passado, ou seja, “the supply schedule of
saving may be a great-grandchild of last year’s rate of interest and also a parent of today’s
rate” (idem, p. 100. Carta de D. H. Robertson a J. M. Keynes, 29 de dezembro de 1936).
Keynes lamenta que “there is a deep-seated obsession associating idle balances, not
with the action of the banks in fixing the supply of cash and of other assets, but with some
aspect of current savings” (Keynes, 1937a, p. 214). Algo contra o qual ele se sente impotente, 59
mesmo com todas as ênfases e observações que fez a respeito da dissociação entre finance,
revolving funding e poupança. E, infelizmente, parece que não conseguiu convencer, apesar
de enfatizar que “[…] the quantity of hoards depends in any way on what people are doing
with their savings, or that there is any connection between idle balances and the conception
(meaningless on my definitions) of idle savings” (idem).
As conseqüências importantes da inclusão do motivo finance de demanda de moeda
são, em primeiro lugar, que Keynes mantém sua posição de que não é a taxa de juros que
torna o investimento e a poupança iguais e, segundo, que a demanda de moeda assim definida
exaure a oferta de moeda. Genericamente falando, os indivíduos retêm moeda ou na forma de
active balance, isto é, retêm moeda para transações já programadas ou esperadas, sendo que
esta moeda retorna mais ou menos rapidamente à circulação; ou na forma de inactive balance,
isto é, retêm moeda por precaução ou por expectativa de mudança nas condições de mercado;
ou, finalmente, demandam moeda pelo motivo finance, que pode ser visto como “lying half-
way between the active and the inactive balances” (Keynes, 1937c, p. 208).
Para Davidson (1965) a inclusão do motivo finance de demanda de moeda na teoria
keynesiana tem importância maior que a simples diferenciação, em termos de demanda de
moeda para transações, de uma demanda mais volátil que a demanda de moeda para a
aquisição de bens de consumo. Destaca o fato de o texto de Tsiang (1956) ser o único que faz
referência ao motivo finance depois das discussões dos anos 30 entre Keynes e seus
debatedores. Segundo Davidson, a omissão do motivo finance de demanda de moeda levou a
uma incursão teórica em direção à independência entre os lados real e monetário da economia.
O motivo finance, em sua opinião, é responsável por mostrar a ligação estreita entre os lados
real e monetário da economia. Esse destaque, no entanto, parece desconsiderar que a teoria
keynesiana, mesmo antes da inclusão do motivo finance de demanda de moeda, já havia
promovido – na verdade, desde a formulação do princípio da demanda efetiva – uma
interpretação em que os lados real e monetário de uma economia capitalista não se
distinguem, como acontece nas análises econômicas de cunho neoclássico. A inclusão
posterior feita por Keynes do motivo finance de demanda de moeda, relacionado
especificamente à demanda de crédito para investimento, não alterou de forma substancial –
como ele mesmo destacou – sua teoria inicialmente apresentada. Como o próprio Davidson
destaca, Keynes classificou o motivo finance como a coping-stone da teoria da preferência
por liquidez, e não como a pedra fundamental.
Para Keynes, a confusão pode ter surgido por causa dos diferentes usos do conceito de
crédito, como, por exemplo, o uso de crédito no sentido de ‘finance’, crédito significando 60
‘empréstimos bancários’ e crédito no sentido de ‘poupança’. Para ele, confundir o primeiro e
o último seria o mesmo que confundir fluxo e estoque, dado que o crédito no sentido de
finance está relacionado ao fluxo de investimento, e equivale a um
“[R]evolving fund which can be used over and over again. It does not absorb or exhaust resources. […] But credit, in Professor Ohlin’s sense of ‘saving’, relates to a stock. Each new net investment has new net saving attached to it. The saving can be used once only. It relates to the net addition to the stock of actual assets” (Keynes, 1937c, p. 209).
A demanda do empresário por finance, na interpretação de Robertson, pressiona a taxa
de juros porque utiliza parte dos fundos de empréstimo disponíveis e reduz o nível de liquidez
(disponibilidade de crédito) do mercado. O nível de liquidez, por sua vez, é restituído apenas
quando se alcança o nível de revolving fund inicial. Os gastos de investimento não repõem o
nível de liquidez do mercado, como Keynes defende. Para tanto, é necessário que o
empresário reponha (pague) o que retirou do revolving fund na forma de finance. Para
Robertson, revolving fund equivale a um volume de fundos para empréstimo, reduzido a cada
empréstimo concedido pelos bancos e que é restituído somente com o pagamento, pelos
empresários, de seus empréstimos bancários. E, só então, os bancos estão aptos a
disponibilizar novos créditos.
A visão de Keynes do funcionamento do mercado financeiro é mais representativa,
que a da teoria dos fundos de empréstimo, de uma economia monetária moderna se pensarmos
que, na verdade, a disponibilidade de crédito dos bancos aos empresários equivale a um
acréscimo em seu saldo bancário. Não implica que o empresário vá retirar esse crédito
imediatamente ou em sua totalidade. E é a partir de seus gastos de investimento, isto é, a
partir do repasse de parte de seu crédito, que o revolving fund volta ao nível anterior. Não é
necessário, como quer Robertson, esperar que o empresário termine de pagar todo o
financiamento que lhe foi disponibilizado para o investimento para que, só então, os bancos
disponibilizem novo volume de crédito. No momento do repasse de crédito do empresário em
favor do fornecedor do equipamento, máquinas ou instalações, por exemplo, a conta corrente
do credor estará mais líquida (maior volume de poder de compra) que anteriormente e, tanto o
credor quanto o banco recebedor do crédito, estarão dispostos a fazer nova distribuição de sua
riqueza entre os diferentes ativos disponíveis, segundo suas preferências por liquidez e ganhos
versus riscos esperados.
Mas, novamente, é preciso destacar que a poupança não tem qualquer participação
nesse processo, porque nele está envolvida a escolha de composição de portfólio por parte dos
61
agentes econômicos, segundo seus níveis de riqueza líquida disponível e suas preferências
individuais em relação a risco. A escolha de portfólio é uma forma de alocar a riqueza –
líquida ou não – segundo as aversões ao risco individuais. Poupança corrente é o acréscimo, a
cada período, à riqueza disponível, geralmente em forma líquida. A poupança não envolve
disponibilidade de crédito por parte do setor bancário porque também este, ao emprestar ou
disponibilizar crédito, o faz segundo sua escolha de composição de portfólio, dado o montante
de liquidez disponível e os ganhos/riscos envolvidos em cada operação. A liquidez
disponibilizada no setor bancário, para ser usada para empréstimos, é resultado dos diversos
depósitos realizados em conta corrente, conjugados às determinações do banco central ou
agência regulatória semelhante, em relação à taxa de depósito compulsório, taxa de
redesconto e qualquer outro instrumento utilizado pelo governo para regular o nível de
liquidez no mercado financeiro. Isso, no entanto, não é poupança. Está depositada em conta
corrente, por exemplo, também a parte do salário dos indivíduos que será utilizada para fazer
frente a gastos em algum momento futuro.
O último ciclo de debates sobre as proposições keynesianas quanto ao papel da
poupança, o finance e o revolving fund, foi iniciado com o texto de Tsiang (1980) em que
defende que não há distinção entre as teorias de determinação da taxa de juros keynesiana e a
dos fundos de empréstimo40, usando a formulação de D. H. Robertson. O motivo finance,
como definido por Keynes, é demanda antecipada de moeda41 para gastos de investimento,
mais volátil que a demanda de moeda para transações, mas também é demanda por liquidez.
Um aumento da demanda por finance, supondo dada a oferta de moeda, pode resultar em
pressão altista sobre a taxa de juros. Com isso Tsiang conclui que a demanda de moeda para
investimento, como definida pela teoria da preferência por liquidez, exerce influência sobre a
taxa de juros semelhante à definida pela teoria dos fundos de empréstimo. Sendo assim, as
duas teorias representam apenas uma teoria de determinação da taxa de juros e, portanto,
Ohlin e Robertson estavam certos em suas críticas.
O equívoco da interpretação de Tsiang está em supor que o motivo finance de
demanda de moeda determina a taxa de juros da mesma forma que a demanda de fundos de
40 Cita autores que tentaram demonstração semelhante como A. P. Lerner, “Alternative formulations of the theory of interest”, Econ. Jour., 1938, XLVII, 211-30; J. R. Hicks, Value and Capital, 1939; ch. XII, 153-162; W. Fellner e H. M. Somers, “Alternative monetary approaches to interest theory”, Rev. Econ. Stat., feb. 1941, XXIII, 43-48; e T. W. Swan, “Some notes on the interest controversy”, Econ. Rev., dec. 1941, XVII, 153-165. 41 É demanda antecipada de moeda porque o empresário busca financiamento antes de realizar gastos de investimento propriamente dito. Pode inclusive acontecer de o crédito ser liberado pelo banco e o empresário não o utilizar por desistir do investimento. 62
empréstimo na teoria neoclássica. Na verdade a demanda de moeda pelo motivo finance pode
pressionar a taxa de juros da mesma forma que a demanda de moeda para transações, pelo
simples fato de ser um dos componentes da demanda de moeda. Mas, o finance não é
demanda por fundos de empréstimo (poupança), é demanda por crédito, disponibilidade de
poder de compra por parte do sistema bancário.
A conclusão de Tsiang é conseqüência de suas definições, como a demanda de moeda
ter por finalidade a aquisição de bens ou serviço, assumindo que moeda é apenas meio de
troca. Trata as duas teorias como uma só pelo simples fato de que a igualdade entre gasto
(C+I) e renda (C+S) é a mesma nas duas teorias e, com isso, ignora que a diferença está no
sentido de determinação das variáveis e não na igualdade em si. Nesse sentido, sua
interpretação não é novidade porque não difere da Síntese Neoclássica.
O finance representa um crédito disponibilizado num período anterior aos gastos de
investimento. Nem Kalecki nem Keynes negam que as poupanças passadas sejam parte da
riqueza e que, portanto, constituam parte da base monetária a partir da qual os bancos criam
crédito (poder de compra) para financiamento de gastos, principalmente de investimento.
Kalecki analisa especificamente os benefícios da firma que financia parte de seu investimento
com os lucros passados não distribuídos. Ambos os autores não descartam a possibilidade da
demanda por finance – poder de compra para a realização de gastos de investimento – ser alta
o bastante para provocar aumento da taxa de juros e que isso pode ser um impedimento à
realização de alguns projetos de investimento. Essa análise, no entanto, não implica que o
investimento depende do volume de poupança disponível, dado que é a disponibilidade de
crédito que pode facilitar ou limitar a realização do investimento.
Uma das características das análises de grande parte dos autores que participaram do
ciclo de debates dos anos 80 é a preocupação com o nível de poupança corrente versus o de
poupança desejada, e o período necessário para que o multiplicador funcione plenamente,
sendo que ambos têm influência direta sobre a taxa de juros e, portanto, sobre as decisões de
investimento. Segundo Asimakopulos (1986), pode acontecer que o nível de poupança
corrente das famílias seja menor que o de poupança desejada e, nesse caso, a demanda por
bônus de longo prazo – adquiridos pelas famílias detentoras de poupança – é menor que a
oferta, provocando aumento da taxa de juros implícita e conseqüentemente aumento do custo
de financiamento do investimento, podendo levar à não realização de alguns investimentos. A
escassez de poupança resultante da diferença entre a poupança corrente e a desejada se deve à
incompleta operação do multiplicador. Ou seja, pelo fato de o efeito multiplicador dos gastos
de investimento não ter se completado, a renda corrente é inferior à renda de equilíbrio e a 63
poupança corrente também é inferior à desejada. Como isso não é um fenômeno monetário e
sim real, os bancos não podem suprir tal escassez para compensar o impacto sobre a taxa de
juros, inclusive porque seus níveis de liquidez ainda não foram restaurados.
Kregel (1986) e Asimakopulos concordam que a variável chave na limitação do
investimento é a taxa de juros, mas discordam sobre o que provoca o aumento da taxa de
juros. Para Asimakopulos a taxa de juros é definida pelo montante de oferta de poupança
relativamente à oferta de bônus, enquanto que para Kregel ela é definida pela preferência por
liquidez por parte dos bancos e do público. Quando os bancos adiantam um dado volume de
crédito aos empresários para realizarem investimento, as famílias ainda não dispõem da renda
correspondente ao novo equilíbrio para aumentar proporcionalmente seus gastos, dado que o
efeito multiplicador ainda não foi completado. Para Asimakopulos, nesse intervalo de tempo
as famílias estão acumulando poupança não desejada, enquanto que para Kregel está
ocorrendo um aumento temporário da preferência por liquidez, que explica por que as
famílias não gastam o correspondente ao nível de consumo da nova renda (futura) de
equilíbrio. As análises deixam claro que para os autores o processo multiplicador tem
importância fundamental na explicação da igualdade entre poupança e investimento.
O texto de Asimakopulos é uma síntese da visão de autores que defendem que
poupança não determina o investimento, mas o limita de alguma forma, ao afirmar que
“[T]he availability of increased finance, both short and long term, is needed to make possible higher investment, but the provision of long-term finance at reasonable terms, and thus the achievement of higher investment, may, in certain circumstances, be contingent on the expectation of a substantial increase in the flow of savings into the securities markets” (Asimakopulos, 1986, p. 88, grifos no original).
E completa,
“Credit expansion by the banks may not be sufficient to keep long-term interest rates from rising when domestic savings are insufficient to finance increased investment, either because of the resulting trade deficits or because of the diversion of savings to finance large government deficits. When the economy is moving toward fuller utilization of resources, the rising money-wage rates and prices may cause the monetary authorities to restrain the increase in the money supply and thus put brake on investment. In both cases a higher propensity to save may assist the achievement of a higher rate of investment”(idem, p. 88-89).
Terzi (1986-87) apresenta mais detalhadamente a idéia de que o destino dado pelas
famílias à poupança tem importância e influencia as condições de financiamento do
investimento em seu modelo de fluxo de fundos de empréstimo. O modelo analisa uma
64
economia fechada em que as famílias (H) ofertam trabalho e demandam bens de consumo; as
firmas ofertam produtos e demandam trabalho e estão subdivididas em produtoras de bens de
consumo (A) e de bens de capital (U), sendo que somente as firmas A investem; e os bancos,
cujo papel é cobrir o déficit entre os gastos das firmas (investimento e pagamento de salários)
e suas receitas de vendas. Os investidores pagam o financiamento bancário com a receita de
vendas e o débito restante é coberto com a venda de títulos para H e U. Ou seja, a demanda
por liquidez das firmas A é igual à diferença entre o montante de crédito garantido pelos
bancos e sua receita de vendas, e a oferta de fundos é a parte da poupança que as famílias e as
firmas U usam para adquirir títulos das firmas A.
A conclusão interessante do modelo é que qualquer aumento de poupança, com a
conseqüente redução do consumo, implica a redução de bem-estar das famílias e de receita
das empresas, de um lado, e aumenta a necessidade de financiamento externo das firmas, de
outro, em conseqüência da redução de receita, o que provoca aumento do custo de produção.
Ou seja, qualquer variação de poupança, pelo fato de afetar tanto demanda quanto oferta de
fundos, tem como resultado apenas variações no custo social. Mas, apesar dessa conclusão, ao
final volta ao senso comum da maioria dos economistas ao ressaltar que qualquer nível de
poupança das famílias é compatível com o pagamento total dos débitos bancários, desde que
as famílias usem a poupança para comprar os títulos emitidos pelas firmas investidoras.
Segundo Tsiang, Keynes distinguiu dois estágios no processo de investimento. No
primeiro estágio, finance, o sistema financeiro disponibiliza crédito no montante
correspondente aos gastos de investimento; e no segundo, funding, o investidor emite títulos
de dívida de longo prazo para financiar suas obrigações de curto prazo. O aspecto financeiro
do investimento é importante porque seus gastos são realizados sem uma contrapartida
financeira, quando ainda não se dispõe da renda correspondente. A solução está na criação de
moeda por parte do sistema financeiro quando disponibiliza crédito aos investidores.
Enquanto que a possibilidade de o investidor conseguir financiamento de longo prazo em
condições satisfatórias, no segundo estágio, depende da preferência pela liquidez dos
detentores de riqueza líquida, baseada em suas expectativas. Uma visão parecida com a de
Kaldor.
No caso em que toda a poupança é destinada a depósito bancário, o fato de os
poupadores não adquirirem nenhuma security das firmas reduz a oferta de fundos de
empréstimo. A solução é o aumento dos empréstimos por parte dos bancos ou um aumento da
taxa de juros que convença os poupadores a abrirem mão da liquidez dos depósitos bancários.
Não é o volume, mas sim o uso da poupança que importa ao pagamento do débito bancário, 65
“In sum, when investment decisions by firms and consumption-and-saving decisions by households are taken independently […], then saving decisions out of current income are, per se, irrelevant for the conditions in the money market. Decisions by households to spend more or less out of this period’s income will merely determine how aggregate savings […] are redistributed among sectors” (Terzi, 1986-87, p. 195).
Se a totalidade da poupança das famílias for mantida em depósitos bancários, o único
problema é que, para manter o nível de investimento, é necessário criar a cada período o
mesmo montante de crédito do período anterior mais o montante necessário para financiar a
expansão. Existe disponibilidade de financiamento para o investimento poder ser realizado,
porém a preferência por liquidez estando alta, pressiona a taxa de juros.
O texto de Davidson (1986) segue um estilo semelhante de análise, isto é, separando
em etapas subseqüentes o finance e o funding. Segundo ele, é necessário separar a criação do
finance por parte dos bancos do papel do financiamento de longo prazo, que requer que o
público abra mão de liquidez num montante igual à poupança real para servir de funding ao
investimento. Apesar de a poupança não limitar investimento, a escolha sobre o ‘destino’ da
nova poupança influi sobre a taxa de juros, e pode reduzir a taxa de crescimento do
investimento futuro pelo aumento dos custos de funding de longo prazo.
Uma leitura da Teoria Geral e textos posteriores de Keynes deixa claro que ele não
subestimou o problema da falta de liquidez no financiamento do crescimento, mas, por outro
lado, não concorda que o aumento da propensão a poupar traga alívio ao mercado financeiro.
Se a propensão a poupar aumenta após os intermediários financeiros terem se comprometido
com o investimento das firmas, eles terão mais facilidade em vender securities para o público.
Mas, por outro lado, as firmas descobrem uma queda inesperada nas suas receitas de venda,
causando aumento de suas necessidades de financiamento externo. Se os intermediários estão
em melhor situação com o aumento da propensão a poupar, as firmas estão em pior, e para o
sistema como um todo o aumento da propensão a poupar causou um aumento do
endividamento das firmas. Assim,
“[T]he real problem in financing growth is not that of promoting enough savings to sustain accumulation. The problem is rather that of structural and functional adequacy of the financial system in meeting growth requirements” (Terzi, 1986, p. 80).
Apesar de vários autores iniciarem seus textos concordando que investimento não
depende nem é determinado pela poupança, suas análises por vezes terminam em questões
66
sobre como financiar o investimento se os poupadores não aceitarem títulos de longo prazo, se
o multiplicador ainda não tiver provocado todo o aumento de renda necessário a levar à
igualdade entre poupança e investimento ou se a demanda de moeda para investimento for
maior que a oferta de poupança. Essas conjecturas deixam claro que as análises não são
apoiadas inteiramente nos preceitos teóricos como apresentados no corpo da teoria
keynesiana, mas que tomam alguns pontos dessa teoria e os incorporam à estrutura teórica das
abordagens de cunho neoclássico, ou até de senso comum, pelo menos no que diz respeito à
relação entre poupança e investimento, e ao financiamento do investimento.
Em particular, o fato de vários autores separarem o finance e o funding como dois
momentos distintos do financiamento do investimento e destacarem a importância das
condições de oferta de bônus de longo prazo encontrada pelos empresários, não tem
correspondência na teoria keynesiana. A afirmativa de Keynes de que “credit expansion
provides not an alternative to increased saving, but a necessary preparation for it. It is the
parent, not the twin, of increased saving” (Keynes, 1939, p. 572) deixa isso muito claro.
2.4 – Finance, funding e decisões de portfólio
Os textos que participaram do ciclo de debates dos anos 80 e que apresentaram
preocupação principalmente com questões como o funcionamento e influência sobre a
disponibilidade de crédito e sobre a taxa de juros do finance, do revolving fund, e do tempo de
funcionamento pleno do multiplicador, tiveram como motivação básica o texto de
Asimakopulos (1983).
O artigo de Davidson (1986) em resposta a Asimakopulos destaca que o ponto
principal dos argumentos de Keynes é a distinção entre finance e funding, sendo o primeiro
relativo à criação de moeda – poder de compra – por parte dos bancos para o financiamento
de novos investimentos, enquanto o segundo trata das condições de financiamento
franqueadas ao investidor ao tentar trocar seu débito bancário por financiamento de longo
prazo via emissão de obrigações, ofertadas às famílias, detentoras de poupança. Tanto o
finance quanto o funding podem provocar aumento da taxa de juros caso impliquem demanda
maior que oferta. Mas é a preferência por liquidez e não a propensão a poupar que pode
determinar condições desfavoráveis ao financiamento via aumento da taxa de juros, ou seja, 67
uma alta preferência por liquidez implica condições desfavoráveis, para o empresário, para a
negociação dos ativos de longo prazo. O financiamento de longo prazo requer que o público
abra mão de liquidez num montante igual à poupança real. Por outro lado, uma alta propensão
a poupar não é nem necessária nem suficiente para garantir o nível de funding. Conclui que
poupança não limita investimento, mas a escolha da ‘destinação” da poupança influi sobre a
taxa de juros e pode reduzir a taxa de crescimento do investimento futuro, porque pode
aumentar os custos de funding de longo prazo.
A resposta de Kregel (1986) destaca dois aspectos da teoria keynesiana. Em primeiro
lugar, a poupança real aumenta instantaneamente com o investimento e, portanto, o montante
de poupança não é obstáculo ao investimento. Segundo, o finance e o funding não foram
concebidos por Keynes como processos seqüenciais, mas simultâneos. O investidor emite
securities de longo prazo no início do processo de investimento e não em seqüência ao
financiamento bancário. Seu problema principal é obter crédito ou emitir securities em termos
favoráveis, o que depende não de poupança mas de disponibilidade de moeda (liquidez). Os
bancos são capazes de acomodar a necessidade de recursos financeiros até certo limite sem
exercer pressão sobre a taxa de juros, independentemente do multiplicador ou do
comportamento dos poupadores.
A maioria dos autores está interessada em definir em que condições poupança e
investimento são iguais, caindo na velha questão de que a igualdade é verdadeira apenas ex
post. Kregel (1984-85) apresenta as linhas gerais do que classifica como autores pós-
keynesianos, que aceitam a determinação da taxa de juros pela relação entre oferta e demanda
de moeda, à la Keynes, e que ela é, ao mesmo tempo, a única restrição ao investimento42.
Apesar de destacar as diferenças de tratamento das abordagens pós-keynesiana e neoclássica,
a taxa de juros continua a ser a variável chave na determinação do nível de investimento:
“Once it is accepted that ex post savings and investment are always equal at any level of employment, it is possible to argue that there is ‘poverty in the midst of plenty’ even in conditions of equilibrium; therefore incomes and output may be increased without ‘foregoing consumption’. All that is necessary to bring about expansion is a reduction in the money rate of interest” (Kregel, 1984-85, p. 143).
A interpretação de Kregel da teoria keynesiana privilegia fortemente as condições de
financiamento. Se houver suficiente facilidade monetária para garantir uma taxa de juros real
42 “The post Keynesian position is directly opposed to [this] view and does not recognize any constraint on current output other than a monetary constraint, or better, a liquidity constraint” (Kregel, 1984-85, p. 139). 68
ao nível desejado, a expansão de renda e emprego é automática dado que nem a poupança
nem os recursos físicos restringem a expansão. Enquanto que, ao contrário de vários autores
que participaram desse ciclo de debates, não dá maior atenção seja ao multiplicador ou ao
tempo necessário para que este provoque variações na renda. Nem tampouco considera a
política monetária a responsável pelo entrave ou favorecimento do crescimento, porque ela
age apenas indiretamente sobre os preços nominais via efeito da taxa de juros. A verdadeira
restrição provém da relação entre preferência por liquidez do público e dos bancos versus
oferta de bônus de longo prazo por parte dos investidores. Destaca que “additional investment
and growth is limited not by the provision of resources via real ‘savings’, but by the
determination of relative spot price of durables based on the current market rate of interest”
(idem, p. 147).
O destaque dado ao papel dos bancos por Kregel43 é comum a autores pós-
keynesianos que, no entanto, o utilizam numa conotação diferente. Esses autores abordam o
sistema bancário na maioria das vezes com a finalidade de analisar em que condições os
bancos realizam novos empréstimos – finance –, como e em que condições os investidores
conseguem financiamento de longo prazo e pagam os empréstimos bancários – revolving
funding – e a importância do multiplicador nesse processo. Kregel, ao destacar o papel dos
bancos como emprestadores, não condiciona o volume de novos empréstimos ao
funcionamento do multiplicador ou ao pagamento dos empréstimos, que recompõem o nível
de liquidez dos bancos segundo diversos autores, mas apenas à preferência por liquidez dos
bancos ao decidirem emprestar ou não e, nesse aspecto, sua visão está mais próxima da teoria
proposta por Keynes.
Richardson (1986) critica Asimakopulos porque ele não teria entendido corretamente
os conceitos de liquidez e finance. A partir de um modelo simples mostra que a preocupação
de Keynes relacionava-se não aos balanços contábeis dos bancos ou empresas, mas à
suficiência de crédito para fazer frente aos desejos de investimento.
Snippe (1985) não descarta que o efeito multiplicador é o responsável pela definição
do novo equilíbrio, mas não concorda com a separação entre magnitudes ex ante e ex post
proposta por Asimakopulos. Concorda que a igualdade entre investimento e poupança pode
implicar situações de desequilíbrio temporário que, no entanto, não devem ser confundidas
com divergência entre magnitudes ex ante e ex post. A expansão do investimento num dado
43 “Supporters of endogenous and exogenous monetary creation seem to ignore the fact that banks also make investment decisions which affect both the supply and the demand for money” (Kregel, 1984-85, p. 152). 69
setor provoca variações no consumo – via variação da renda –, no nível dos estoques e no
nível de investimento de outros setores da economia. Até que esse efeito seja absorvido
completamente e a economia atinja um novo equilíbrio, o nível de investimento agregado não
é o de equilíbrio e as propensões marginais a poupar e a consumir estão variando. É
importante lembrar que nesse período de ajuste,
“[N]o one will ever have to buy or sell against his own deliberate
preferences. Individual free choices will, in combination with the inducements produced by the markets mechanism, ensure that saving always keeps pace with investment” (Snippe, 1985, p. 263).
Ao mesmo tempo em que aceita a igualdade e não precedência da poupança em
relação ao investimento, Snippe defende que existe uma relação de dependência entre
poupança e investimento que, apesar de pequena, tem importância teórica. Isso porque, de um
lado, o aumento de poupança é uma fonte extra de disponibilidade de finance e, de outro, o
finance compete com as outras demandas por liquidez, ou seja, a mudança na preferência por
liquidez interfere na disponibilidade de finance. E, por último, o aumento da taxa de juros
provocado pelo aumento da demanda por finance causa variação da propensão a poupar e,
portanto, do investimento.
O que se pode depreender da análise de Snippe é que ele confunde escolhas relativas à
preferência por liquidez nas decisões de composição de portfólio – alocação de riqueza – com
a relação entre poupança e investimento. Sua interpretação equivale à teoria de Keynes do
Tratado da Moeda, na qual poupança era demanda por alguma coisa. Esta interpretação, no
entanto, não é válida no contexto da Teoria Geral, na qual a teoria da preferência por liquidez
trata das decisões de demanda efetiva em função da escolha entre ativos de maior ou menor
liquidez.
Segundo Snippe, na análise de Keynes os recursos reais necessários à atividade
econômica são providos pelos mecanismos de mercado, sendo que para haver aumento de
produção é necessário existir alguma elasticidade de oferta. De forma semelhante, a relação
entre investimento e poupança estabelece concorrência pelo uso dos recursos líquidos, cujo
reflexo é a variação da taxa de juros associada. Nesse sentido, a conclusão principal de
Keynes seria que os bancos e a autoridade monetária detêm a chave para a expansão da
atividade econômica, enquanto investimento e poupança são regidos por um mercado de
oferta e demanda como outro bem qualquer.
Pode-se concluir que essas interpretações, diferentemente da teoria keynesiana em que
70
o finance é disponibilizado com a ampliação de crédito ou criação de moeda por parte das
instituições financeiras, definem crédito como a transferência de propriedade de papel-moeda
dos poupadores para os investidores44. A idéia de que o montante de poupança é, de alguma
forma, um limitador do investimento é coerente com a interpretação de que o crédito é
derivado da renda não gasta, depositada junto aos bancos e disponível para empréstimo. Mas
a oferta de moeda definida na teoria keynesiana compõe-se, além do montante de papel-
moeda posto em circulação pela autoridade monetária, do montante de moeda criado pelas
instituições do mercado financeiro – sempre obedecendo aos limites impostos pela autoridade
monetária – via disponibilidade de crédito ou outros instrumentos do mercado financeiro
(cheque, cartão de crédito, etc.).
Por outro lado, não existe coerência em que se aceite, num mesmo escopo teórico, que
poupança não financia investimento e, ao mesmo tempo, que a igualdade entre os dois
agregados ocorre apenas após o efeito multiplicador dos gastos de investimento sobre a renda
ter se completado, como fazem Asimakopulos, Kaldor, Snippe e outros, porque isso implica
que de alguma forma o montante de poupança é restrição ao investimento. É como se os
autores supusessem que a poupança não financia nem limita investimento apenas no primeiro
momento em que ocorre um investimento. Na seqüência, porém, para que novos
investimentos possam ser financiados será necessário restabelecer as condições iniciais de
liquidez. Ou, como Snippe (1985) resume muito bem,
“[The] finance will be a revolving fund only if the multiplier process subsequent to an increase in investment associated with the provision of finance has been completed” (p. 257).
Nas teorias de Keynes e Kalecki, os bancos disponibilizam financiamento e os
empresários tomam emprestado sempre que julgam vantajosa sua decisão, dados os custos e
os riscos estimados envolvidos. Em relação ao sistema financeiro, o grau de endividamento da
empresa é uma informação importante porque contribui para definir o risco envolvido no
empréstimo. Por outro lado, a relação entre empréstimos e depósitos é uma medida do grau de
exposição do banco, relacionada à estabilidade dos mercados financeiros. Mas isso não tem
relação com poupança. A riqueza45 em ativos das famílias sob a forma de moeda depositada
44 Para Tsiang “... in a monetary economy, where loans are perforce given and taken in money, it should not make difference to say that the rate of interest (i. e., the price of loans) is determined by the supply and demand for loans, or that it is determined by the supply and demand for money, in which these loans are given and taken” (1980, p. 469). 45 Não apenas a poupança corrente mas toda poupança passada que já compõe a riqueza. 71
junto aos bancos compõe (e, portanto, não é o único item) o volume de ativos de que o banco
dispõe e sobre o qual decide sobre a concessão ou não de empréstimos.
É possível que uma taxa crescente de investimento provoque aumento da taxa de
juros, em função do aumento contínuo da demanda por crédito. Mas isso não deixaria de
ocorrer se a política econômica induzisse o aumento da poupança das famílias, porque essa
medida não implicaria aumento da oferta de crédito por parte do setor financeiro. A renda
depositada junto ao sistema bancário, tanto a que compõe a poupança das famílias quanto a
que compõe o montante usado para consumo, é moeda que circula pelos mercados
financeiros46. A conseqüência de uma política econômica que visa aumentar o volume de
poupança da economia, como alertou Keynes, é a queda do nível de renda em conseqüência
da redução do consumo que, por sua vez, reduz as vendas das empresas e, portanto, sua
liquidez e capacidade de pagamento de empréstimos e de investimento. Este não é regulado
pelo volume de poupança, mas pelas financial facilities disponibilizadas pelo sistema
financeiro.
É interessante a crítica de Terzi (1986) a Asimakopulos. Segundo ele, se supomos que
a posição líquida dos bancos pode ser restaurada ao final do período, ao mesmo tempo, em
decorrência do aumento da taxa de investimento no início do período seguinte, a demanda por
crédito aumentou. Nesse caso, os bancos têm a opção de renovar os créditos anteriores e
disponibilizar crédito adicional ou simplesmente adiar o pagamento do crédito concedido
anteriormente. Na visão de Asimakopulos, no entanto, isso não configuraria uma restauração
da posição líquida dos bancos ou de seu potencial de conceder crédito. Mas, como destaca
Terzi, isso é um equívoco porque não implica uma situação de poupança desejada
insuficiente. Não é por falta de fundos que o pagamento não é completado.
A posição de Asimakopulos (1986) de que a liquidez do mercado só é restaurada ao
final do processo multiplicador, quando os débitos bancários são pagos, parece ter sido
herdada de Kaldor (1960)47, que defende que, ao supor que as firmas obtêm financiamento de
longo prazo antes de realizarem o investimento, é necessário que a estrutura da taxa de juros48
não se altere até que a poupança atinja o nível desejado, quando então a absorção, por parte
dos especuladores, dos ativos de longo prazo será adequada ao nível de investimento
46 A menos que as condições do sistema financeiro dessa economia sejam tais que induzam as pessoas a manterem toda sua renda não utilizada embaixo do colchão, completamente à parte do sistema financeiro. Nesse caso, porém, os bancos certamente não resistiriam por muito tempo. 47 Kaldor, Nicholas. Essays on Economic Stability and Growth. London: Duckworth, 1960. Apud Asimakopulos (1986), p. 83-85. 48 Relação entre a taxa de juros de curto e de longo prazo. 72
desejado. A tensão desse processo pode ser minorada pelo aumento da propensão a poupar
das famílias, demandantes dos bônus de longo prazo.
Segundo Kaldor, a retomada do nível inicial de liquidez necessário para a ampliação
do crédito bancário é dificultada por “vazamentos” de renda, tanto numa economia fechada
quanto numa economia aberta. Numa economia fechada o aumento de investimento e,
consequentemente de demanda, provoca alta dos preços. Se a inflação é vista como
duradoura, os poupadores pressionam por um aumento da taxa de juros implícita nos bônus de
longo prazo. No entanto, o aumento da taxa de juros, ao mesmo tempo que beneficia os
poupadores, reduz a capacidade de financiamento e de investimento dos investidores, mesmo
no caso de o sistema bancário estar disposto a oferecer crédito de curto prazo. Novamente, a
solução para minorar ou eliminar o “vazamento” é aumentando a propensão a poupar.
Em se tratando de uma economia aberta, o aumento do investimento gera expansão de
produção e renda e, supondo tudo o mais constante, também gera expansão das importações,
equivalente a um “vazamento” de renda e que limita a expansão da poupança desejada das
famílias. Novamente, a redução da expansão da poupança exerce pressão altista sobre a taxa
de juros, tendo as mesmas conseqüências sobre o investimento que no caso anterior. No caso
da economia aberta, a escassez de poupança pode ser minorada se a poupança externa se
dirigir ao mercado doméstico de bônus de longo prazo, impedindo ou pelo menos reduzindo o
aumento da taxa de juros.
A conclusão de Kaldor, assim como autores da Síntese Neoclássica, é que a teoria de
Keynes não é uma teoria geral porque trata de um caso especial em que a expansão do
investimento é possível sem o aumento da taxa de juros. Sua teoria não se aplica a uma
economia aberta porque nesse caso a poupança doméstica não se iguala ao investimento
doméstico, dado que parte da expansão dos gastos promovida pelo aumento do investimento
se dirige aos bens estrangeiros na forma de importações. Se não houver, ao mesmo tempo,
expansão da venda de bônus ao mercado externo, a taxa de juros doméstica de longo prazo
pode aumentar relativamente à de curto prazo como forma de induzir os especuladores a
adquirirem compromissos de longo prazo. Um aumento do déficit do governo levaria a
resultado semelhante.
73
2.5 – Poupança forçada
Apesar de ser um conceito utilizado de forma relativamente ampla por autores das
mais diferentes formações, sua utilização deixa de ter lógica num contexto teórico em que se
admite o princípio da demanda efetiva como o princípio norteador da análise de uma
economia capitalista. O termo poupança forçada é utilizado freqüentemente para representar
uma situação em que a diferença da renda em relação aos gastos não equivale a uma situação
de equilíbrio. A idéia de poupança forçada relaciona-se diretamente com a hipótese de que o
aumento de renda gerado pela ampliação de um gasto autônomo depende do funcionamento
do multiplicador e que este não é instantâneo. Portanto, existe um período – não determinado
– no qual a renda está crescendo e só atingirá seu montante “de equilíbrio” quando todo o
efeito multiplicador do gasto autônomo sobre a renda tiver se completado. Nesse ínterim,
tanto a renda quanto a diferença entre ela e os gastos, ou seja, a poupança, não atingiram
ainda seu valor de equilíbrio. O fato de o agente econômico conseguir realizar um nível de
poupança menor que o de equilíbrio ou menor que o desejado é batizado de nível de poupança
de não equilíbrio ou poupança forçada.
O termo poupança forçada não é tratado por Kalecki pelo simples fato de ter discutido
tanto a realização quanto o financiamento do investimento, e mesmo sua relação com os
ciclos de crescimento econômico, sem se referir mesmo à poupança. Quando trata do
financiamento, por exemplo, aborda as vantagens de o empresário utilizar os lucros próprios
não distribuídos para financiar parte de seu investimento, porque isso implica menor
exposição ao risco. Mas, reserva de lucros não distribuídos não é poupança e está relacionada
ao fato de o empreendimento proporcionar ganhos positivos.
Keynes, por outro lado, tratou explicitamente da poupança forçada49 com o intuito de
desmentir qualquer necessidade de uso desse conceito. Segundo ele, a garantia de que o
investimento e a poupança são necessariamente iguais torna sem sentido a idéia de poupança
forçada, lembrando que utilizou esse termo no Tratado da Moeda para definir a diferença
entre o investimento e a “poupança” como definida naquele trabalho. O montante de
poupança varia em função de variações na renda agregada decorrentes de alterações no
produto e no emprego ou de alterações na distribuição de renda. Mas, como afirma Keynes:
49 Keynes, 1973, p. 429-432.
74
“Since, therefore, changes in the quantity of money may result in a change in the volume and distribution of income, such changes may involve, indirectly, a change in the amount saved. But such changes in the amounts saved are no more ‘forced savings’ than any other changes in the amounts saved due to change in circumstances; and there is no means to distinguishing between one case and another, unless we specify the amount saved in certain given conditions as our norm or standard” (1973, p. 430).
Ou seja, a classificação de algum valor de poupança agregada como sendo o
equivalente a um montante de poupança de alguma forma diferente do desejado ou esperado
e, portanto, forçado, depende da definição de qual é o nível de poupança desejado. É
necessário explicitá-lo como, por exemplo, no caso em que se define que o nível de poupança
desejado equivale ao da renda de pleno emprego. A poupança forçada seria a diferença entre o
montante efetivamente poupado e o que seria poupado numa situação de pleno emprego. E
nesse caso, como alerta Keynes:
“This definition would make good sense, but a sense in which a forced excess of saving would be a very rare phenomenon, and a forced deficiency of saving the usual state of affairs” (1973, p. 431).
A explicação, segundo Keynes, da necessidade – quase uma imposição – da igualdade
da poupança em relação ao investimento em comparação com o aparente ‘free-will’ do
indivíduo em poupar o que deseja ou escolhe é decorrência da característica mesma da
poupança de ser ‘a two sided affair’. De um lado, o montante de poupança de um indivíduo
influi sobre seu montante de consumo que, por sua vez, traz conseqüências sobre a renda dos
outros indivíduos e, portanto, no conjunto os indivíduos não podem decidir quanto irão
poupar porque não conseguem fazer valer sua vontade. O resultado será a redução da
poupança em conseqüência da redução dos gastos agregados (consumo) e, portanto, da renda.
Por outro lado, também a comunidade como um todo não consegue decidir poupar menos, por
exemplo, porque a influência dessa decisão sobre a renda dos indivíduos trará como resultado
justamente o oposto, ou seja, a expansão da poupança agregada em função da expansão do
consumo e, portanto, dos gastos e da renda.
A conclusão lógica da análise é que poupança nunca pode ser forçada no sentido de
ser diferente da desejada porque ela nunca pode ser desejada. Ela é automaticamente definida
e determinada pelo montante dos gastos autônomos de uma economia capitalista. Poupança
forçada, portanto, é apenas ficção em teoria econômica.
De forma geral, o que os autores parecem não aceitar é que o financiamento do
75
investimento possa ser realizado por um crédito que é apenas lançamento contábil. A
disponibilidade do crédito ao investidor, por parte do banco, está ‘lastreada’ na probabilidade
esperada de que haverá depósito suficiente para fazer frente às retiradas, de que os devedores
do banco paguem na proporção esperada, de que os depósitos cresçam à taxa esperada, enfim,
na probabilidade de que os negócios de empréstimo (disponibilidade de poder de compra) e
aquisição (de ativos de liquidez variada) feitos pelo banco tenham, na média, o resultado
esperado. É com isso que conta o banco quando faz suas operações envolvendo risco.
A poupança privada é geralmente vista como o fator estratégico no processo de
crescimento, interpretada como o adiamento do consumo para liberar recursos reais. Aceitar a
teoria de Keynes e Kalecki relativas ao financiamento do investimento envolve compreender
que o crescimento, numa economia capitalista, envolve risco não passível de ser quantificado
(incerteza), de um lado, e que envolve a denominação da moeda como algo que vai muito
além de um simples mecanismo para facilitar trocas. Caso se defina a função da moeda
apenas como meio de troca que facilita as relações de compra e venda da economia, é
impossível conceber a criação de moeda por mecanismos existentes no próprio mercado
financeiro e que são, de certa forma, descolados do quantum de papel moeda circulando na
economia. O investimento é realizado antes que a riqueza que o representa exista. Ele é, na
verdade, o gerador da nova riqueza, que é a base do crescimento.
A afirmação de Keynes de que “the lack of liquidity is automatically made good”
(Asimakopulos, 1983, p. 227) implicaria um multiplicador instantâneo somente quando se
supõe que a poupança financia o investimento. Porque nesse caso os bancos teriam
‘adiantado’ um montante de empréstimo que seria ‘coberto’ pela poupança gerada pela
expansão da renda, fruto da expansão do investimento.
O caso é que, seguindo esse raciocínio, se o investimento for mal sucedido, a
poupança não será igual ao investimento porque este não gerou expansão de renda necessária
à criação de um montante de poupança equivalente. Se, por outro lado, utilizarmos os
instrumentos de análise de Keynes e Kalecki, em particular o princípio da demanda efetiva, o
fato de o investimento não ser bem sucedido não impede que a poupança seja igual ao
investimento. O investimento realizado gera concomitantemente poupança igual à medida que
são feitos os gastos de investimento. O finance disponibilizado e não utilizado para
investimento não gera investimento e, portanto, não gera poupança. A análise dos reflexos
econômicos dos investimentos – bem ou mal sucedidos – independe da análise da poupança.
Tavares (1978) faz uma análise à la Kalecki da relação poupança-investimento, em
76
que destaca o aspecto dinâmico50 da relação entre os agregados. A divisão da sociedade em
classes – empresários e trabalhadores –, feita por Kalecki, evidencia diferenças nas decisões
de gastos dos agentes econômicos que, no entanto, não alteram as conclusões alcançadas
também por Keynes. Os empresários ou capitalistas têm seus ganhos determinados por seus
gastos, dado que sua renda resulta da rentabilidade de seus investimentos e, assim, quanto
mais gastam mais ganham e, como conseqüência, mais poupam. Mas, se o empresário decidir
aumentar sua poupança e, portanto, reduzir seus gastos de investimento, nesse caso o
montante de lucros diminui e efetivamente resulta em menor poupança e não maior. Os
capitalistas, ao decidirem investir, podem fazê-lo com capital próprio ou de terceiros,
endividando-se. Não decidem ex ante o que lucram, mas o que investem e em quanto se
endividam, sendo que as decisões estão pautadas nas expectativas de lucro versus risco
envolvido no investimento. E “o que é importante levar em conta é que os capitalistas
individuais, sozinhos, não podem levar a cabo apenas com sua poupança prévia, i. e., seu
capital, todo o processo de financiamento” (Tavares, 1978, p. 26-7). Sua expansão se limitaria
à sua capacidade de gerar lucros. Os trabalhadores, por outro lado, têm renda fixa igual a seu
salário e a parte da renda não gasta num período possibilita gastos maiores que a renda
corrente de um período futuro51.
Mas, se a possibilidade de gastar mais no futuro em função da redução de consumo no
presente é verdadeira quando se analisa apenas um consumidor individual e sem levar em
conta a dinâmica da economia como um todo, no agregado isso não ocorre, como mostrou
Keynes, pelo fato de a decisão de consumir menos num dado período gerar redução de renda
da economia como um todo. Ou seja, o aumento da poupança corrente não implica maior
consumo futuro e sim menor renda futura. Como Tavares expõe muito bem,
“Assim, quando os assalariados se endividam estão não só afetando a distribuição de lucros no interior do circuito intercapitalista, mas, também, contribuindo para sua realização plena, vale dizer, a compra de uma produção já existente. Não estão ‘diminuindo a poupança’ através do ‘excesso de consumo’; ao contrário, estão ajudando a realizar os lucros e por isso permitindo que a ‘poupança potencial’ se efetive” (p. 31, grifos no original).
Porém, é verdade também que tanto as empresas gastam mais que suas poupanças52,
50 Posicionamento semelhante é apresentado por Bibow (1995). 51“O sentido especial em que se faz a confusão é identificar ‘poupança’ com depósitos e com ‘ativos financeiros’ e admitir que a taxa de juros regula a ‘oferta e demanda’ de ‘poupanças’” (Tavares, 1978, p. 27, nota 3). 52 Poupança passada composta por lucros de períodos anteriores não distribuídos e que compõem parte do financiamento do investimento das empresas. 77
via empréstimos, quanto as famílias podem gastar mais que suas rendas, endividando-se. Os
gastos maiores que a renda corrente são possíveis pelo crédito (criação de moeda)
disponibilizado pelo sistema financeiro53.
A poupança volta a ser decisão e a leitura keynesiana é revertida, como nota Amadeo
(1989), pela introdução da riqueza na função consumo, base do real balance effect. Esse
modelo estabelece que a escolha do individuo é entre consumo presente e futuro, ou seja,
entre consumir ou poupar, e assim a poupança volta a representar uma decisão do individuo
com referência no futuro.
Na tentativa de defesa da posição keynesiana, Amadeo utiliza o método do equilíbrio
(seqüência de equilíbrios de curto prazo), mostrando preocupação excessiva com o
multiplicador, a que ficaria subordinado o princípio de demanda efetiva. O multiplicador é
tido como o mecanismo de ajuste na Teoria Geral. O equilíbrio entre poupança e
investimento deixa de ser via taxa de juros, como na teoria neoclássica, e passa a ser via
multiplicador. Sua interpretação é decorrente da suposição de que a poupança forçada,
presente no Tratado da Moeda e responsável pelo equilíbrio entre investimento e poupança
voluntária, tenha sido substituída na Teoria Geral pelo multiplicador. Segundo Amadeo
(1989), a noção de poupança forçada está presente na Teoria Geral na possibilidade de a
economia funcionar com retornos decrescentes de escala ou em plena capacidade54.
Quando se comparam os dois textos de Keynes, é importante ter em mente que a
Teoria Geral traz definições que mostram mudanças radicais de posições do autor, que o
tornam mais distante da visão neoclássica da economia capitalista. A comparação entre os
dois trabalhos tem interesse maior do que apenas histórico, no sentido de permitir analisar a
evolução e as mudanças das interpretações teóricas do autor.
Interpretações das teorias de Keynes ou de Kalecki sobre o papel da poupança
relacionado ao investimento que levam em conta o fato de os gastos de investimento
determinarem novos e maiores níveis de renda, devidos ao processo multiplicador; ou que
separam o financiamento do investimento em etapas distintas e subseqüentes (finance e
funding), em geral cometem equívocos importantes, como já foi visto nas seções precedentes.
53 Tavares (1978) observa que o total de créditos de uma economia supera em muito o total de poupança desta mesma economia. 54 Existem diferentes visões sobre poupança forçada. A mais geral e mais comum julga que a poupança forçada resulta de redução de poder de compra dos agentes com renda fixa, decorrente do aumento do nível de preços quando o nível de investimento excede a poupança ou os gastos excedem a renda num dado período. Outra visão associa poupança forçada à inflação persistente, fruto da expansão de demanda numa economia na qual o produto agregado é dado, ou à inflação temporária, resultante da expansão numa economia que funciona a plena capacidade. E uma terceira visão associa poupança forçada à oferta monetária (Amadeo, 1989).
78
No primeiro caso, os gastos de investimento não são necessários nem são suficientes para
recompor o nível de liquidez do mercado financeiro, responsável pela disponibilidade de um
volume de crédito superior ao volume de poupança do período anterior, permitindo a
expansão do investimento ao longo do tempo. Os bancos disponibilizam crédito aos
investidores e só podem disponibilizar novos créditos quando tiverem recebido o pagamento
pelos empréstimos anteriores. Nesse caso, existe um montante físico de moeda para crédito de
posse dos bancos, que é reduzido a cada retirada (empréstimo) e é recomposto a cada
pagamento por parte dos investidores. Para uma situação de investimento crescente seria
necessário o pagamento dos empréstimos bancários o mais rápido possível, o que equivale a
que os empresários consigam financiamento em outra parte. Essa outra parte é justamente a
poupança das famílias. Ou seja, o investimento não será interrompido e as taxas de
investimento podem crescer se as famílias estiverem dispostas a transformar suas poupanças
correntes em ativos de menor liquidez, como os bônus de longo prazo. Mesmo que num
primeiro momento a poupança não seja relevante em nenhum sentido para as decisões e
realizações de investimento, no momento seguinte torna-se crucial.
Essa interpretação da teoria keynesiana deságua em questões como condições
impostas pelas famílias poupadoras às negociações dos bônus de longo prazo; sua influência
sobre os níveis de taxa de juros e os níveis de investimento; o tempo necessário para o
completo funcionamento do multiplicador; e sobre os níveis de poupança desejada versus
poupança forçada. Qualquer dessas linhas implica, como já visto, que não se aceita que os
gastos de investimento determinem concomitantemente e sem qualquer restrição níveis iguais
de poupança, e também não se aceita que a disponibilidade de poder de compra por parte dos
bancos não seja função direta da poupança corrente (exceto indiretamente, no sentido que
poupança torna-se parte da riqueza).
Separar em etapas subseqüentes, e não simultâneas, o finance e o funding é apenas
uma forma mais elegante de fazer a análise nesses mesmos moldes. De qualquer forma está se
impondo a idéia de que poupança é demanda “por alguma coisa” e as características dessa
demanda definem as condições de alguma das etapas do financiamento do investimento.
Parte dos equívocos de interpretação da teoria keynesiana relativa ao financiamento do
investimento está relacionada às interpretações diversas de o que é crédito. Segundo Keynes e
Kalecki, o investimento é financiado pela criação de moeda ou poder de compra por parte do
sistema financeiro. Ainda não existe a renda correspondente a esse gasto. Afinal de contas, se
79
adotarmos o princípio da demanda efetiva como princípio norteador da análise de uma
economia capitalista, são os gastos que determinam a renda e não vice-versa. Sendo assim,
não deveria ser estranho que o investimento – um gasto – determine unilateralmente e
imediatamente a renda que lhe é correspondente. No momento da realização do investimento,
esse gasto gera a contrapartida – renda – correspondente, ou seja, a poupança, em volume
exatamente igual ao investimento. Como afirma Keynes, é a mesma coisa que analisar uma
transação de compra e venda: os valores são idênticos e simultâneos.
A interpretação da maioria dos autores que participaram dos ciclos de debate não é
exatamente essa. A disponibilidade de crédito depende do volume de poupança e, portanto, de
renda. Torna-se fundamental definir de que forma e em quanto tempo o multiplicador será
capaz de gerar a renda de equilíbrio correspondente ao novo nível de investimento; e quais as
condições e o montante de bônus de longo prazo que as famílias desejam adquirir. Ou seja, só
existe crédito para financiar o investimento se os detentores de poupança estiverem dispostos
a abrir mão de sua liquidez no montante igual ao do investimento. Na verdade, neste contexto
não existe criação de moeda por parte dos bancos, senão que geração de moeda por parte da
nova renda de equilíbrio. Só a partir da existência concreta de moeda equivalente ao novo
nível de renda é que é possível financiar o investimento que, por incrível que pareça, já foi
realizado.
Nas teorias de Keynes e Kalecki, numa situação limite como aquela em que todos os
agentes econômicos decidem manter a totalidade da renda não gasta na forma de moeda,
demandando zero de qualquer outro tipo de ativo de menor liquidez, é possível ocorrer
investimento líquido. Não há empecilho para os bancos disponibilizarem crédito, a não ser a
alta preferência por liquidez das empresas e famílias. Se mesmo assim os bancos decidirem
que o nível de risco versus ganhos possíveis lhes é favorável, eles criarão moeda e financiarão
o investimento. A única coisa aparentemente estranha nisso seria que a preferência por
liquidez das famílias e dos bancos é muito diversa. Mas, por outro lado, a mesma situação
interpretada pela grande maioria dos autores participantes desses debates, não seria possível
porque, mesmo que o nível corrente de poupança das famílias fosse igual ao da poupança
desejada – caso em que o multiplicador já teria funcionado plenamente e a renda já seria a
renda “de equilíbrio” –, o fato de as famílias não desejarem transformar suas poupanças em
qualquer tipo de ativo menos líquido que a moeda impossibilitaria o investimento, porque a
taxa de juros necessária para fazer com que as famílias abrissem mão de liquidez seria
proibitiva.
A preocupação de vários autores com o fato de os empresários não conseguirem 80
vender bônus de longo prazo a uma taxa de juros razoável é absolutamente legítima e não
conflitante nem com Keynes nem com Kalecki. No entanto, a mesma preocupação, quando
vinculada a condições de geração de poupança igual ao investimento ou a escolhas sobre que
ativos adquirir com o montante de poupança, não são legítimas na forma como são
apresentadas, em termos da teoria desses autores. A decisão de sob que forma manter a
poupança ao longo do tempo é uma escolha de portfólio, mas que não interfere no
financiamento do investimento. Os autores que participaram dos ciclos, principalmente do
último, estão preocupados com a decisão do poupador a respeito da compra ou não de bônus
de longo prazo, mas o aspecto estranho, incoerente com as teorias de Keynes e Kalecki, é que
essa preocupação está diretamente ligada à possibilidade de não continuidade do
financiamento do investimento. O investimento já foi realizado com o empréstimo bancário,
sendo que este é pago com a venda de bônus de longo prazo às famílias. Nesse sentido os
autores estão admitindo que poupança financia investimento, apesar de não precedê-lo, e que
se ela não for suficiente, sua escassez provocará aumento da taxa de juros e redução do
investimento. O crédito bancário precede o investimento, mas tem necessidade vital de
poupança para se manter. Nesse caso deveríamos entender que o crédito bancário origina-se,
mesmo se indiretamente, de poupança, e a conclusão seria que poupança gera crédito
bancário, que financia investimento, que gera aumento de renda, que gera poupança, que
cobre o déficit do crédito bancário (provocado pelo primeiro movimento de empréstimo). A
grande questão é: em que isso difere da teoria dos fundos de empréstimo? Provavelmente em
nada. Ela apenas é menos explícita (ou supõe mediações) nos mecanismos de financiamento
do investimento pela poupança. O que, aliás, em nada a favorece em relação àquela teoria.
Nas decisões de portfólio, no entanto, não se está tratando de poupança, mas apenas da
distribuição da riqueza de forma a mantê-la e de preferência aumentá-la no tempo (inclusive
via investimentos em ativos fixos). E, como já foi dito antes, riqueza não é a mesma coisa que
poupança corrente, pelo menos não apenas poupança corrente.
Aceitar o princípio da demanda efetiva na relação entre poupança e investimento, e
que o financiamento do investimento é feito a partir da criação de moeda por parte dos
bancos, é aceitar que os gastos precedem renda e que, quando efetuados, a renda
correspondente ainda não existe. O que existe é apenas um lançamento contábil equivalente à
disponibilidade de um dado poder de compra, sendo que o montante de poder de compra
disponibilizado ao investidor tem relação com sua riqueza, como comentado anteriormente.
81
Capítulo 3
A poupança nos modelos de crescimento econômico
3.1 – Introdução
O debate acerca da relação entre poupança e investimento na visão keynesiana
encerrou-se com os textos publicados, na década de 80, no Cambridge Journal of Economics
e Journal of Post Keynesian Economics. Os resultados, visíveis nas relações definidas entre
os agregados na nova macroeconomia – pós-Teoria Geral –, porém, não eram satisfatórios em
relação às proposições de Keynes e Kalecki relativas à questão do financiamento do
investimento.
Os textos dos autores que participaram dos debates deixam claro que a discussão se
ateve a demonstrações sobre a importância do funcionamento do mercado financeiro, do papel
dos bancos e do nível de poupança para a determinação do nível de investimento, tratados de
forma coerente com o escopo teórico representativo da corrente de pensamento econômico de
cada autor. Isso mostra apenas a dificuldade de diálogo entre, de um lado, autores que
buscavam ser fiéis à teoria proposta por Keynes e, de outro lado, autores que acreditavam ser
a teoria keynesiana apenas um caso particular da teoria neoclássica.
Contrapondo-se ou tentando complementar a proposta de Keynes para o papel da
poupança relativamente ao financiamento do investimento, podemos distinguir algumas
definições de poupança que surgiram ao longo dos debates, e que quase nunca são
compatíveis com a teoria keynesiana. A primeira delas é a definição desde sempre adotada
pela teoria neoclássica, i. e., poupança equivale a um montante de crédito55 igual à parte da
renda não gasta, disponibilizada aos investidores. A poupança representa a oferta de crédito e
juntamente com a demanda de crédito, representada pelos desejos de investimento, define a
taxa de juros da economia.
55 Crédito não no sentido keynesiano de criação de moeda por parte do sistema financeiro, mas no sentido de oferta de fundo de empréstimo. 82
Em outra definição, esta mais próxima da corrente pós-keynesiana de pensamento
econômico, a poupança equivale a uma demanda por ativos, inclusive moeda, que compõem
uma carteira de ativos, cujas quantidades são função crescente da rentabilidade e decrescente
do risco oferecido. Os investidores emitem títulos de longo prazo a fim de sanar seus débitos
de curto prazo junto aos bancos e os vendem às famílias detentoras de poupança, desejosas de
ativos que lhes dêem remuneração maior que a moeda ou que simplesmente desejam
diversificar sua carteira de ativos. Também nesse caso a poupança pode ser vista como oferta
de crédito, como pelo menos parte do montante de crédito disponível.
A terceira definição observada está mais próxima da teoria neoclássica, retomada em
versão atual pela teoria do crescimento endógeno, que define poupança como adiamento de
consumo, representando a parte da renda não utilizada (não consumida) num dado período e
que proporciona um nível de consumo maior que a renda de um dado período futuro. Esta
definição traz implícita a idéia de que toda a renda é gasta em consumo; o máximo que pode
acontecer é que esse consumo seja adiado por alguns períodos.
Como fica claro pelo exposto acima, em qualquer desses casos a poupança não é
dispensada de um papel importante, relacionado em especial à capacidade de financiamento
do investimento de uma economia. O debate sobre o papel da poupança esmoreceu, mas
pode-se afirmar que a questão não foi adequadamente respondida porque não foi
adequadamente formulada ou entendida. E isto porque, de um lado, a “neoclassização” da
teoria keynesiana permitiu a incorporação pela teoria neoclássica de alguns conceitos
propostos por Keynes, mas modificados de forma a não anular as hipóteses neoclássicas56. De
outro lado, também contribuiu a interpretação de autores que, apesar do maior compromisso
com a teoria keynesiana, insistem em dar alguma importância, mesmo que declaradamente
pequena, ao nível de poupança quando se discute o financiamento do investimento. O
resultado foi a perda total do sentido proposto, por Keynes e Kalecki para o papel da
poupança (negligível) relativamente ao investimento no conjunto da teoria econômica.
Dessas interpretações resultou o desenvolvimento tanto de modelos de crescimento
quanto de análises do mercado financeiro, especificamente em relação ao financiamento do
investimento, em que o nível de poupança tem relevância seja para a determinação do
investimento – como nos modelos neoclássicos de crescimento –, seja influenciando as
condições de financiamento conseguidas pelos investidores em alguma fase do processo de
investimento – como na teoria pós-keynesiana. Essas interpretações ajudaram a atenuar e
56 No que foi aliás bem sucedida. 83
mesmo descaracterizar a radicalidade das propostas de Keynes e Kalecki para o papel da
poupança numa economia capitalista, tanto pela não oposição direta da teoria neoclássica,
quanto pelo fato de autores de formação heterodoxa terem mesclado as propostas presentes na
Teoria Geral às presentes em textos anteriores, como o Tratado da Moeda, que apresentam
visões do autor nem sempre agrupáveis no mesmo escopo teórico da Teoria Geral.
O que se pode dizer é que as proposições de Keynes, na Teoria Geral, e de Kalecki,
relativamente ao papel da poupança, são coerentes não só com o escopo teórico de cada um, o
que já implica um afastamento profundo da teoria neoclássica, mas também entre si. Suas
visões do funcionamento de uma economia capitalista, a partir da relação definida pelo
princípio da demanda efetiva entre gasto e renda, leva, como tratado anteriormente, à
conclusão de que o montante de poupança não só não resulta de nenhuma ação ou decisão
direta dos agentes econômicos numa economia monetária, como também, e talvez
principalmente, sua magnitude não tem qualquer importância para nenhuma das decisões
relevantes desses agentes.
Para alguns autores, a apresentação de Kalecki do papel da poupança tem menos
possibilidades de gerar controvérsias relativamente à apresentação de Keynes na Teoria
Geral. Tavares (1978) relaciona a controvérsia sobre o papel da poupança à apresentação de
Keynes, que deixa margem a que a poupança seja interpretada como um não-consumo, um
entesouramento ou um fundo a ser aplicado no financiamento do investimento. Em Kalecki
essas dimensões estariam mais restritas57.
Segundo Possas, a apresentação do conceito de demanda efetiva feito por Kalecki é
mais simples, capta o essencial – a determinação da renda pelo dispêndio – e dispensa
qualquer noção de equilíbrio. Enquanto que a apresentação de Keynes leva à confusão entre
demanda efetiva e um conceito (ambíguo) de equilíbrio58, proporcionando uma série de
distorções neoclássicas posteriores. As fontes de ambigüidade seriam as funções de oferta e
demanda agregadas, que têm um sentido mais de agregação de decisões individuais que de
agregados obtidos diretamente, e a definição ex ante da demanda efetiva. O “equilíbrio”
macroeconômico ex ante é definido pela igualdade entre oferta e demanda agregadas, que
representam valores esperados e não efetivos59.
57“O sentido especial em que se faz a confusão é identificar ‘poupança’ com depósitos e com ‘ativos financeiros’ e admitir que a taxa de juros regula a ‘oferta e demanda’ de ‘poupanças’” (Tavares, 1978, p. 27, nota 3). 58 O ponto de demanda efetiva é definido como o nível de renda esperada associado à interseção entre as funções de demanda agregada e de oferta agregada a cada nível de emprego, e que Keynes denomina de equilíbrio (Possas, 1987, p. 76-77). 59 Possas, op. cit., p. 74-80. 84
É verdade que o lucro gerado e “não gasto” em períodos anteriores compõe a
poupança própria60 do empresário, podendo ser utilizada para cobrir parte dos gastos de
investimento61. Da mesma forma, a renda não gasta pelas famílias gera a possibilidade62 de
gastos futuros maiores que a renda corrente daquele período. Mas tanto empresas quanto
indivíduos podem gastar além da sua capacidade de autofinanciamento, por meio de
endividamento63. O sistema financeiro é o responsável por possibilitar gastos maiores que a
renda.
A questão do papel da poupança em teoria econômica não tem relevância menor,
como foi mostrado nos capítulos anteriores. Sua importância também é fundamental para os
modelos de crescimento econômico quando se trata de definir como o investimento é
determinado, se pelo montante de poupança disponível ou pelas expectativas dos
empreendedores conjugada à disponibilidade dos bancos de gerarem crédito para
investimento. É, obviamente, a partir de considerações como essas que se definem as políticas
econômicas cabíveis para induzir e/ou favorecer o crescimento.
Dos dois autores, apenas Kalecki trabalhou especificamente com modelos de
crescimento – mais exatamente, modelos dinâmicos (crescimento e ciclo). Keynes, apesar de
não formular um modelo de crescimento, apresentou uma teoria que tem, senão toda a
estrutura necessária, pelo menos a espinha dorsal teórica para se pensar o crescimento. Harrod
foi um dos primeiros a utilizar a teoria de Keynes para gerar um modelo de crescimento. Seu
objetivo era dinamizar e estender para o longo prazo a análise de curto prazo de Keynes.
A visão de que a Teoria Geral de Keynes não tem dinâmica nem inclui o longo prazo
não é compartilhada por todos os economistas, mas satisfaz a boa parte deles. Mas a questão
não é tão simples. Na Teoria Geral está incluído algo mais que o curto prazo. As decisões de
investimento influem sobre os níveis de produção e emprego que podem ser oferecidos a cada
período de produção seguinte, dependendo dos resultados obtidos pela empresa ao final do
período atual. Esses ajustes, no entanto, estão limitados pela decisão inicial de investimento –
uma dada tecnologia e uma dada capacidade de produção –, além é claro, de estarem restritos
a um dado produto ou conjunto de produtos a ser produzido. Ou seja, o volume de produção, a
60 Compõem a poupança própria a reserva para depreciação e os lucros não distribuídos. Schumpeter (1928) também concorda que o lucro empresarial é fonte primária de financiamento. 61 Kalecki (1954) diferentemente de Keynes, destaca especificamente os recursos próprios (lucros retidos) das empresas como parte do financiamento do investimento. 62 A possibilidade levantada por Kalecki não tem nenhuma relação com a idéia de poupança equivalente a adiamento de consumo como a teoria neoclássica. 63 As famílias e empresas gastam poder de compra e não renda (Possas, 1987). 85
tecnologia e o nível de emprego não são normalmente alterados a cada variação dos preços
relativos, segundo uma fórmula de maximização de lucro ou de utilidade individual – da firma
ou do individuo – como quer a teoria neoclássica64. Além disso, as decisões de investimento
geralmente implicam gastos volumosos e defasagem de tempo entre a decisão do
empreendimento, sua implantação e o início de produção. Se nesse ínterim as alterações das
condições gerais da economia alterarem as expectativas dos investidores e um determinado
empreendimento deixar de ser um bom negócio – no sentido de ser a preferência entre os
ativos disponíveis – esse fato não leva os empresários, já instalados ou que estejam em meio à
implantação de suas plantas, a abandonarem imediatamente seus negócios em favor de outro
empreendimento que lhes pareça mais favorável. E não porque não o desejem, mas
simplesmente porque os ativos fixos geralmente criam sunk costs, por não serem facilmente
(rapidamente e sem custo) conversíveis para outros usos, ou seja, não possuírem liquidez.
Essas decisões implicam que o empresário está comprometido com o seu negócio, pelo menos
de forma mais definitiva do que estaria com a posse de um ativo papel, como um título
público ou privado. Reverter decisões de investimento – desfazer-se do negócio, vendendo-o
ou simplesmente fechando as portas –, significa incorrer em custos, por vezes tão
significativos que levam à manutenção da decisão inicial. Essas questões, que não são de
nenhuma forma referentes apenas ao curto prazo, estão fortemente presentes na Teoria Geral
quando Keynes trata da questão das decisões de investimento65.
A decisão de realizar novos investimentos por parte dos empresários gera novos
empregos diretamente ligados ao novo empreendimento, além de ampliar a produção e o
emprego nos setores direta ou indiretamente ligados ao setor em expansão. Em se tratando de
crescimento econômico, portanto, para ambos os autores a chave é detectar como e por que
ocorrem – ou não ocorrem – os investimentos.
Os dois autores constroem os conceitos agregados de contabilidade social segundo a
ótica do produto e da renda, mostrando a identidade contábil desses dois agregados a partir da
apropriação dos rendimentos derivados do valor adicionado direta e indiretamente na
produção dos bens finais. Porém, o fato de Kalecki incluir a distribuição de renda como fator
64 Joan Robinson foi crítica feroz da função de produção neoclássica por representar um estoque de capital amorfo (geléia), passível de alterar sua finalidade e suas características a cada alteração de preços relativos, por pequena ou por menos duradoura que seja. Nessa perspectiva, qualquer variação de preços relativos implicaria rearranjos nas ‘cestas’ de bens escolhidas ou preferidas, inclusive de ativos fixos quando se trata de investimento, o que é claramente irreal. 65 Harrod (1939) define que “static theory consists of a classification of terms with a view to systematic thinking, together with the extraction of such knowledge about the adjustments due to a change of circumstances as is yielded by the ‘laws of supply and demand’” (p. 43). E prefere “to define dynamic as referring to propositions in
86
coadjuvante, enquanto Keynes privilegia a função consumo agregada ao destacar as
proporções de renda utilizadas para consumo versus poupança, leva a algumas diferenças
entre as duas teorias, interessantes para a discussão de modelos de crescimento.
O multiplicador utilizado para mostrar o montante de variação da renda decorrente da
variação dos dispêndios autônomos, depende da propensão marginal a consumir média da
sociedade como um todo, na análise keynesiana; ou da propensão marginal a consumir dos
capitalistas e da participação dos salários e ordenados na renda, na análise de Kalecki66. Além
disso, a questão de qual o tempo necessário para que o efeito do multiplicador gere a
expansão de renda correspondente ao novo “equilíbrio” (da função consumo, conforme
observado anteriormente), passível de ser incluída na análise keynesiana67, não o é em
Kalecki porque neste caso a função consumo (dos capitalistas), e portanto o multiplicador,
tem uma defasagem definida empiricamente, além de não assumir qualquer papel de
ajustamento – não há nenhuma noção de equilíbrio, mesmo se “estranha” (ex ante) como a de
Keynes, na análise de Kalecki.
É importante destacar como o multiplicador está apresentado no escopo das teorias de
Keynes e de Kalecki porque, como se verá mais adiante, ele é utilizado como parte da
dinâmica em modelos de crescimento de cunho neo-keynesiano e pós-keynesiano. Modelos
neo-keynesianos68 de crescimento baseiam-se de alguma forma nas implicações dinâmicas,
extrapoladas da Teoria Geral de Keynes, a partir da interação do efeito multiplicador dos
gastos de investimento sobre a renda e do efeito acelerador do crescimento sobre o
investimento. Os modelos pós-keynesianos, por sua vez, buscam estabelecer uma análise
dinâmica a partir da análise do funcionamento do multiplicador.
Este capítulo apresenta os modelos de crescimento divididos em quatro grupos. O
primeiro inclui modelos de crescimento cuja estrutura é coerente com o princípio de demanda
which a rate of growth appears as an unknown variable” (p. 47). 66 Como ressalta Possas (1987, p. 89, nota 94), o multiplicador não está inteiramente explícito mas pode ser deduzido de Kalecki (1954, cap. 5, p. 62). O multiplicador de Keynes é representado por: ΔY/ΔI=1/(1-c), sendo c a propensão marginal a consumir; e de Kalecki por: ΔYt/ΔIt-w=1/((1-α)(1-q)), sendo α a parcela da participação dos salários e ordenados na renda, mas autônoma em relação à renda, e q a propensão marginal a consumir dos capitalistas. 67 É importante ressaltar que essa não é a única interpretação coerente com a teoria keynesiana. Também é possível de se entender o multiplicador apenas com uma função teórica e atemporal, como ressaltado no capítulo anterior. Como destaca Possas, “a fórmula do multiplicador preenche em Keynes apenas o papel de um sucedâneo da análise dinâmica no ‘curto prazo’, ao substituí-la por um indicador quantitativo agregado que permita evidenciar em forma ‘reduzida’ (atemporal) o potencial ativo de expansão do nível de renda e emprego associado ao investimento – e, secundariamente, aos demais componentes da demanda final ‘autônomos’ em relação ao nível de renda –, em contraposição ao papel basicamente passivo do consumo” (1987, p. 90) 68 Ver Possas, 1987, p. 112. 87
efetiva, ou seja, são as fontes de gastos – principalmente o investimento – que definem o nível
de renda. Nesse sentido a poupança, por não ser fruto de decisão mas apenas o resíduo da
renda ao se realizarem os gastos de consumo69, não tem qualquer importância em relação às
decisões de investimento. A poupança não é limite nem determina os gastos de investimento.
Este grupo está representado unicamente pelo modelo dinâmico – inclui ciclo e tendência – de
Kalecki.
No segundo grupo estão os modelos de crescimento que incorporam o multiplicador
da renda keynesiano e/ou algum tipo de acelerador relacionando produto ou estoque de capital
e investimento. Estão incluídos os autores que de alguma forma se reportam à teoria
keynesiana e por isso são classificados de forma geral como neo-keynesianos. No terceiro
grupo estão tratados os keynesianos neoclássicos e os pós-keynesianos e as questões relativas
a poupança, financiamento e funding nos modelos de crescimento. O quarto e último grupo
engloba os modelos neoclássicos de crescimento econômico, desenvolvidos a partir do
modelo de Solow. Fazem parte desse grupo os autores que utilizam o princípio de
maximização nas decisões individuais – consumo, poupança e investimento. Em alguns
modelos a poupança se confunde com o próprio investimento, dispensando a formulação de
uma equação de investimento. A decisão de investimento é uma decisão maximizadora entre
os valores presente representando cada uma das oportunidades de investimento disponíveis ao
empresário, sem qualquer destaque sobre as fontes possíveis do financiamento do
investimento. O papel relevante da poupança está geralmente implícito, funcionando como
limite ou incentivo ao investimento.
3.2 – Modelos de crescimento econômico e o papel da poupança
Os determinantes da poupança e do investimento desempenham um papel crucial em
muitos modelos de crescimento econômico de origem keynesiana70. De forma geral a
poupança é tratada como uma função simples da renda derivada da função consumo, S=sY,
sendo 0<s<1 a propensão média ou marginal a poupar. Alguns modelos distinguem entre
69 Supondo uma economia sem governo e sem setor externo. 70 Ver p. ex. Jones (1979), para uma reconstituição didática desse papel nos modelos tradicionais. 88
renda dos capitalistas (lucros), P, e dos trabalhadores (salários), W, sendo a renda total igual a
Y=P+W, e a poupança total S=swW+spP71, sendo sW e sp as respectivas propensões a poupar,
com 0<sw<sp<1.
As correntes de pensamento econômico que suportam a hipótese de que a poupança
tem alguma importância para o financiamento do investimento de forma geral apresentam
modelos de crescimento que diferenciam a igualdade S=I em termos ex ante ou desejada e ex
post ou efetiva, e supõem que a igualdade é sempre verdadeira apenas em termos ex post.
Alguns modelos, entretanto, não tratam da possibilidade da poupança e investimento serem
diferentes em termos ex ante, assumindo que sejam iguais por definição, com o que eliminam
a necessidade de definir uma função de investimento. Também são de uso comum as
hipóteses do efeito multiplicador72 e do acelerador. O multiplicador é utilizado para mostrar o
impacto das variações do investimento sobre a renda, que levaria à igualdade entre poupança
ex post e investimento; e a hipótese do acelerador relaciona as decisões de investimento a
variações da demanda agregada ou do estoque de capital.
Em geral, os modelos de crescimento utilizam (implicitamente) uma função de
produção representando o volume eficiente de produto associado aos montantes dados de
capital e trabalho. Essa função de produção de coeficientes fixos determinaria o nível de
produto como proporção direta das quantidades de capital e trabalho tal que, dado qualquer
estoque de capital e trabalho, se estabelece um único nível de produto.
Essa função de produção, expressa na forma Y=min[K/γ, L/v], com γ=K/Y e v=L/Y
constantes e onde K e L representam os estoques de capital e de mão-de-obra,
respectivamente, admite a hipótese de subutilização de capital ou de trabalho, mas não admite
a hipótese de substituição entre os fatores de produção, K e L, dada a tecnologia empregada
(usualmente chamada função de produção de Leontief). Já a função de produção tipicamente
neoclássica, além de adotar a forma contínua, assume a possibilidade de substituição contínua
entre os fatores de produção, o que faz com que qualquer fluxo de produto possa ser
produzido por uma infinidade de combinações de capital e trabalho. Esta é definida pelas
hipóteses de produto marginal positivo do capital, δY/δK>0, e da mão-de-obra, δL/δK>0;
produtividade marginal decrescente (ou retornos decrescentes) de um fator dado o outro,
71 Ou a poupança total é igual a S=spP quando se supõem que os trabalhadores não poupam. 72 “Ao expor a teoria a partir da relação entre salários e lucros [...] e não entre consumo e investimento, ele [Kalecki] interpreta o multiplicador de Keynes em termos ‘dinâmicos’, como uma fórmula vinculando as variações da renda às alterações do investimento. Nesse sentido, Kalecki percebe o multiplicador como um instrumento fraco para a análise dinâmica” (Boianovsky, 1992, p. 291). 89
δ2Y/δK2<0 e δ2Y/δL2<0; de modo geral, homogeneidade linear ou retornos constantes de
escala, F(λK,λL)=λF(K,L)=λY, ∀λ>0; e, por último, que a produção é nula quando não há
insumos (fatores de produção).
A função de produção Cobb-Douglas é apenas uma forma especial de função de
produção desse tipo, embora a mais empregada. As hipóteses de retornos constantes de escala
e de elasticidade de substituição igual à unidade implicam que variações nos preços relativos
dos fatores de produção, mesmo que muito pequenas, levam à substituição entre trabalho e
capital. Outro exemplo muito comum de função de produção com essas propriedades é a que
assume a hipótese de elasticidade de substituição constante (CES), cuja forma geral é Y =
[AK-β+BL-β]-1/β, com A e B constantes e com elasticidades de substituição constantes iguais a
σ=1/(1+β)73.
A hipótese de retornos constantes de escala não só não é incompatível com a de
produtividade marginal decrescente74 como é vantajosa para a análise neoclássica, como se
verá adiante. Primeiro, porque permite que se escreva a função de produção na forma
intensiva ou em unidades de trabalho, Y/L=F[K/L,1] ou y=f(k,1); e, segundo, porque permite
a utilização do teorema de Euler, garantindo que a economia, se os mercados de fatores são
perfeitos, funciona em pleno-emprego, dado que as produtividades marginais dos fatores de
produção são iguais às respectivas remunerações e assim as parcelas apropriadas por cada
fator exaurem completamente o produto.
3.2.1 – Modelo dinâmico coerente com o princípio de demanda efetiva: Kalecki
O modelo dinâmico – de crescimento e ciclo – de Kalecki inclui distribuição de renda
e, o mais importante, é coerente com o princípio de demanda efetiva. Este fato tem especial
relevância porque, como afirma Possas, boa parte da controvérsia desde os anos 50 sobre
crescimento, ciclo e crise gira em torno do papel da distribuição funcional da renda e suas
implicações com relação à inflação e ao desemprego, sendo comum que as posições acerca da
73 Esta é utilizada principalmente em trabalhos empíricos. 74 Essa hipótese implica que a produtividade marginal decrescente de um fator de produção está relacionada à maior utilização de um fator de produção enquanto se mantém constante as quantidades dos demais fatores. Os retornos de escala referem-se ao caso em que todos os fatores de produção variam na mesma proporção. 90
distribuição sejam incompatíveis com o princípio de demanda efetiva75.
A determinação da renda em Kalecki pode ser resumida76, no modelo simplificado,
como: dados o investimento e a propensão a consumir dos capitalistas, num dado período,
determina-se a massa de lucros e, dada a distribuição agregada entre lucros e salários,
determina-se simultaneamente a massa de salários e a renda agregada. No caso geral, dados o
investimento, as propensões a consumir dos trabalhadores e dos capitalistas, o saldo da
balança comercial, o déficit orçamentário e a distribuição agregada da renda, determinam-se
simultaneamente os lucros, salários e a renda77.
A descrição do modelo de Kalecki aqui apresentada tem por base o texto de 1954,
Teoria da Dinâmica Econômica78. Kalecki está interessado em explicar, além da
determinação do nível de renda, suas flutuações (ou os ciclos econômicos) e seu crescimento
ao longo do tempo. Para tanto analisa, dadas as condições de produção, como são
determinados a renda nacional e seus componentes (lucros e salários, pelo lado dos
rendimentos, e consumo e investimento, pelo lado dos gastos).
Supõe inicialmente uma situação em que os trabalhadores consomem “toda a sua
renda”, ou seja, têm propensão a consumir igual a um (não poupam) e em que se abstrai o
saldo do comércio exterior, e que os gastos e a tributação do setor público são desprezíveis ou
o déficit orçamentário é nulo. Ao estabelecer a igualdade contábil entre produto e renda,
chega à igualdade entre lucros brutos e investimento bruto mais consumo capitalista. A
questão que Kalecki levanta neste ponto é quem determina quem nessa igualdade – sua forma
de apresentar o princípio da demanda efetiva. Como observa, “Se os capitalistas sempre decidissem consumir ou investir num dado período o que ganharam no período anterior, os lucros desse período dado seriam iguais aos do anterior. Num caso desses, os lucros permaneceriam estacionários e o problema da interpretação da equação [...] perderia sua importância” (Kalecki, 1954, p. 36).
Ao definir os determinantes do investimento, Kalecki inclui a poupança própria das
empresas, que corresponde à parte dos lucros passados, destinados ao fundo de depreciação, e
aos lucros não distribuídos. Essa definição de um montante acumulado de riqueza como
75 “Talvez se possa afirmar que na problemática distributiva se tem revelado as inconsistências e mal-entendidos mais sérios quanto à natureza e desdobramentos daquele princípio” (Possas, 1987, p. 94-95). 76 Ver capítulo 1 para detalhes do modelo de Kalecki. 77 Possas, 1987, p. 93. 78 “Apresentada por Kalecki em sua versão mais acabada e, a meu ver mais satisfatória” (Possas, 1987, p. 124). Além disso, o autor comenta no prefácio que a versão de 1954 substitui as anteriores: Ensaios em teoria das flutuações econômicas (1939) e Estudos de dinâmica econômica (1943). 91
poupança traz confusão quando escreve sua função investimento79 como:
dtKc
tPbaSD +
ΔΔ
−ΔΔ
+= (3.1)
ou seja, a taxa de decisões de investimento, D, é função da poupança bruta, S, da taxa de
modificação do montante dos lucros, ΔP/Δt, função decrescente da taxa de modificação do
estoque de capital em equipamentos, ΔK/Δt,80 e de uma constante d, que varia no longo
prazo81.
Kalecki justifica a inclusão do termo aSt pela suposição de que existe uma tendência
para usar essas poupanças para investimento. No entanto, essa suposição não pode ser tomada
a priori, sem levar em conta o risco e a rentabilidade envolvida. Mas a inclusão desse termo
traz vantagens ao modelo de crescimento. É através dele que as condições financeiras e de
risco são introduzidas nos determinantes do investimento. Além disso, sua introdução confere
uma vantagem em relação ao acelerador convencional, porque faz com que o investimento
dependa não só da variação do nível de atividade, como do próprio nível. Isso reduz o
potencial de instabilidade do acelerador, aumentando a probabilidade de as flutuações cíclicas
produzidas pelo modelo estarem numa faixa razoável de valores dos parâmetros82.
Como Ft+τ=Dt, os determinantes do investimento ficam:
dt
Kc
tP
baSF tttt +
ΔΔ
−ΔΔ
+=+τ (3.1’)
Sua equação de investimento não inclui a taxa de juros porque considera que a taxa
relevante, a de longo prazo, “não apresenta flutuações cíclicas nítidas”83. Mas, por outro lado,
admite que “a elevação nos rendimentos dos títulos [debêntures] labora no mesmo sentido da
queda dos lucros” 84.
Na equação (3.1’) o termo [bΔPt/Δt-cΔKt/Δt] representa um acelerador, pois existem
dois mecanismos implícitos: o ajuste do estoque de capital em direção às vendas realizadas e a
projeção das vendas em função das vendas passadas. Representa, além disso, o investimento
79 Supõe que a poupança bruta das empresas está relacionada ao total da poupança privada bruta, S. 80 “É lícito admitir que as variações da taxa de lucro captadas por aqueles dois termos [ΔPt e ΔKt] estão representando variações no nível de atividade vis-à-vis da capacidade instalada e não na rentabilidade ‘microeconômica’ das empresas” (Possas, 1987, p. 130). 81 O termo d representa todos os componentes de investimento autônomos em relação à demanda efetiva, associados à reposição do capital, à demanda final exógena, às mudanças estruturais e inovações de maior impacto, não induzidas pelo comportamento endógeno das variações determinadas pela atividade econômica (Possas, 1987, p. 131). 82 Possas, 1987, p. 126-128. 83 Kalecki, 1954, p. 81. 84 Idem. 92
induzido, dado que o ajuste da capacidade produtiva é feito com o objetivo de se manter um
nível desejado de utilização de capacidade. Neste está embutida a expectativa da taxa de
lucro85.
A partir da equação (3.1’) e fazendo a taxa de variação do capital em equipamento
fixo igual ao investimento em capital antes da depreciação, tem-se ΔKt/Δt=Ft-δ, sendo δ a
depreciação do capital. A equação pode ser reescrita como:
dFct
PbaSF t
ttt +−−
ΔΔ
+=+ )( δτ
O termo aSt reflete a percepção do risco crescente das empresas. Tanto as empresas se
vêem sob maior risco de não conseguirem pagar seus débitos, quanto os financiadores
reduzem ou cortam o financiamento se percebem que a empresa aumenta significativamente
seu endividamento.
Dividindo-se a equação por (1+c) e fazendo Ft+θ a média ponderada entre Ft+τ e cFt:
cdc
tP
cbS
caF t
tt ++
+ΔΔ
++
+=+ 111
δθ
Os determinantes do investimento ficam reduzidos à poupança própria passada e à
taxa de variação dos lucros. O efeito negativo do aumento do estoque de capital está refletido
em (1+c). Fazendo b/(1+c)=b’ e (cδ+d)/(1+c)=d’, temos:
''1
dt
PbS
caF t
tt +ΔΔ
++
=+θ (3.2)
Essa equação mostra que o nível de investimento é função tanto do nível de atividade
quanto de sua variação. O valor da poupança, S, está ligado ao nível de atividade (não
esquecer que S é determinado por e igual a I) e a taxa de variação dos lucros está ligada à taxa
de variação desse nível. É por isso que o princípio de aceleração é insuficiente para explicar o
investimento em capital fixo, mas explica a variação do investimento em estoques, que
também varia com defasagem em relação ao nível de atividade.
Uma vez introduzido o investimento em estoques, na forma de uma função acelerador
simples, obtém-se finalmente o investimento total, I:
''1
dt
Oe
tP
bSc
aI tttt +
ΔΔ
+ΔΔ
++
=+θ (3.3)
85 Afirmar que o investimento é função da taxa de lucro não é trivial e, além disso, afirmar que a taxa de lucro esperada pode ser bem projetada a partir da taxa passada é ainda mais forte. É por esse motivo e por não incluir expectativas que Kalecki é acusado pelos pós-keynesianos de apresentar um modelo mecanicista. Mas, o mecanicismo de Kalecki só faz sentido num ambiente de incerteza forte. Numa visão keynesiana, porque existe incerteza, existem convenções (Possas, 1987).
93
sendo que St depende do nível de atividade em t, enquanto ΔPt/Δt e ΔOt/Δt dependem de sua
taxa de variação. O investimento total, portanto, depende tanto do nível quanto da variação da
atividade econômica.
Da equação (3.3), como S=I, então:
''1
dt
Oe
tP
bIc
aI tttt +
ΔΔ
+ΔΔ
++
=+θ (3.4)
O investimento em capital fixo por unidade de tempo é determinado (com alguma
defasagem de tempo) pela poupança bruta interna corrente das firmas, pela taxa de elevação
dos lucros e pela taxa de elevação do volume de capital em equipamentos86.
Numa economia estática, o investimento bruto é igual ao nível da depreciação,
gerando uma poupança bruta igual, “e como essa poupança beneficia exclusivamente as
firmas, tende a ser reinvestida”87. O volume de investimento e o de estoque permanecem
constantes, bem como o de produção e de lucros, determinados pelo nível de investimento. A
única flutuação nesse sistema diz respeito às flutuações cíclicas em torno do volume de
investimento que se iguala à depreciação.
O modelo de Kalecki apresenta duas omissões relativamente ao de Keynes: não inclui
as expectativas nem a taxa de juros. Em relação à primeira, Kalecki faz menção nos textos
anteriores à influência do lucro esperado e da rentabilidade esperada do investimento em
capital fixo. No entanto, descarta-a posteriormente, supondo que a rentabilidade bruta
esperada pode ser estimada pela rentabilidade bruta efetiva da planta existente. Esse
raciocínio não está tão longe quanto parece da proposta keynesiana de projeção para o futuro
com base no passado recente ou nas decisões baseadas nas convenções88.
A apresentação de Kalecki de um estado estacionário com flutuações serve para
exemplificar de forma bastante clara o que ele denomina poupança própria ou interna das
firmas. Ela equivale a uma reserva feita pelas firmas para fazerem frente à reposição de
capital necessário em decorrência da depreciação dos mesmos. Sua posição fica ainda mais
clara ao afirmar que “a existência de poupança corrente externa às firmas, realizada pelas
pessoas que vivem de rendimentos, tende a deprimir o investimento”89. Ou seja, o aumento de
86 Kalecki, 1954, cap. 15. 87 Idem, p. 133. 88 “A análise de Kalecki, longe de omitir as expectativas incertas, as inclui na forma ‘keynesiana’ básica – a ‘convencional’, que se funda precisamente nas incertezas, e sob a hipótese mais simples de que as expectativas assim formadas permaneçam estáveis, permitindo antecipar o futuro pela rota de menor resistência, como prolongamento do presente e do passado próximo” (Possas, 1987, p. 135). Ver também p. 132-133. 89 Kalecki, 1954, p. 133. 94
poupança externa às firmas implica redução de investimento em função da redução de
consumo que implica. A influência negativa da poupança externa se acelera se ela aumenta
mais rapidamente que o estoque de capital.
Comentando o uso da taxa de crescimento populacional como fator de estímulo ao
investimento e ao crescimento, utilizado em alguns modelos de crescimento, Kalecki ressalta
que não é o crescimento populacional em si, mas a melhoria do poder aquisitivo da população
que pode funcionar como estimulante do investimento por expandir o mercado consumidor. O
simples crescimento populacional pode, em algumas situações, deprimir salários e não trazer
nenhum benefício ao crescimento.
A conclusão de Kalecki é próxima à schumpeteriana ao afirmar que o
desenvolvimento a longo prazo não é inerente à economia capitalista, fazendo-se “necessária
a presença de ‘fatores de desenvolvimento’90 específicos para sustentar um movimento
ascendente a longo prazo”91. As inovações seriam o fator mais importante na promoção do
desenvolvimento e a poupança externa às firmas é um obstáculo e não um estímulo. Da
mesma forma, a elevação do grau de monopólio, quando não é contrabalançado por outros
fatores, promove a transferência relativa de renda dos salários para os lucros, constituindo em
fator de retardamento do crescimento.
Kalecki deixa clara uma questão que será tratada por Pasinetti: o fato de os modelos de
crescimento não conseguirem representar, simultânea e endogenamente, o crescimento e os
ciclos, ou seja, estes não podem ser determinados conjuntamente no mesmo modelo, a menos
que um deles – no caso, o crescimento (a longo prazo) – seja tratado exogenamente. Além
disso, Kalecki destaca o papel dos fatores de desenvolvimento, que representam basicamente
as inovações tecnológicas, como responsáveis por gerar a tendência de crescimento numa
economia capitalista. Mas o mais importante a se destacar no modelo de Kalecki no presente
contexto é sua coerência com o princípio de demanda efetiva e, como conseqüência, o papel
nulo representado pela poupança quando se analisa (não apenas) o crescimento econômico.
Kalecki é o único autor a apresentar um modelo de crescimento nesses moldes, como se
poderá depreender dos modelos comentados no restante desse capítulo.
90 São apenas dois: as inovações, que inclui tanto os desenvolvimentos tecnológicos quanto a introdução de novos produtos ou a abertura de novas fontes de matérias-primas; e a poupança externa às firmas, que tem influência negativa sobre o investimento de longo prazo (Possas, 1987, p. 220-221). 91 Kalecki, 1954, p. 136. 95
3.2.2 – Modelos de crescimento com acelerador e/ou efeito multiplicador: neo-
keynesianos
Os modelos neo-keynesianos são caracterizados pelo uso do multiplicador keynesiano
e de um modelo de acelerador. O acelerador determina a parte induzida do investimento, pela
variação do produto ou do estoque, e não inclui hipótese explícita sobre expectativas, apenas
implicitamente as de tipo adaptativo92. No entanto, as expectativas adaptativas, como o
próprio Keynes admitiu, são mais compatíveis com decisões de curto prazo, o que não é o
caso do investimento. Admite-se que o investimento, sujeito a expectativas de longo prazo em
grande parte exógenas, é a variável-chave, que apresenta um efeito dual: ao mesmo tempo em
que promove aumento de demanda, aumenta também a oferta. Se essas expansões não
coincidem no tempo, pela presença de defasagens, gera-se desequilíbrio e potencialmente
flutuações. Os modelos neo-keynesianos estão preocupados especialmente em mostrar como
se determinam e relacionam tendência e ciclo.
O primeiro modelo de inspiração keynesiana é o modelo de 1939 de Harrod, An Essay
in Dynamic Theory93, em que tenta dinamizar a teoria keynesiana, extrapolando no tempo
resultados conseguidos dentro do período e estabelecendo as condições necessárias para o
equilíbrio entre poupança e investimento. O objetivo de Harrod é modelar o crescimento
econômico com base nos princípios da teoria keynesiana, conjugando o princípio do
acelerador e a teoria do multiplicador. Um problema importante é que ignora a hipótese
keynesiana de igualdade incondicional entre poupança e investimento e o sentido de
determinação dessa igualdade.
Harrod levanta duas questões: a possibilidade de crescimento estável, com razões
capital-produto e poupança-produto fixas, e a instabilidade da trajetória de crescimento
equilibrado94. A taxa de crescimento equilibrado ou garantido, gw, pode não ser a de pleno-
emprego, gn, i. e., gw=s/γ ≠ gn=m+n, onde gn é a taxa de crescimento natural do produto
potencial, igual ao somatório das taxas de crescimento (exógeno) do produto per capita,
92 Compatível em princípio com a teoria keynesiana: ver Keynes, 1936, cap. 5. 93 O modelo é muito conhecido como Harrod-Domar, apesar de constituírem dois modelos desenvolvidos separadamente. Domar publicou dois trabalhos: Capital Expansion, rate of growth and employment, em 1946 (Econometrica, p. 137-147) e Expansion and Employment, em 1947 (American Economic Review, p. 34-55). 94 Sen (1970). 96
m=Y/L, e da população economicamente ativa, n=ΔL/L95 (Jones, 1979). O modelo mostra que
a extrapolação dinâmica da afirmativa de que é possível ocorrer equilíbrio abaixo do pleno-
emprego gera uma trajetória de equilíbrio sustentável com nível de produto abaixo do pleno-
emprego e, além disso, a trajetória de equilíbrio não é convergente porque o equilíbrio não
funciona como um atrator.
O modelo de Harrod é altamente agregativo e tem como hipóteses implícitas: i) a
poupança é função simples e proporcional da renda, S=sY96; ii) a força de trabalho cresce a
uma taxa constante exógena, ΔL/L=n; iii) não há progresso técnico nem depreciação do
estoque de capital, K; iv) os montantes de capital e trabalho necessários são determinados
univocamente; v) a função de produção é de proporções fixas, Y=min[K/γ,L/v]. Se toda a
mão-de-obra é empregada, o fluxo máximo de produto, qualquer que seja o estoque de capital,
é L/v, e na hipótese de ausência de progresso técnico, a taxa máxima de crescimento da renda
e do produto é dada pela taxa n de crescimento da força de trabalho, determinada
exogenamente.
Harrod estava interessado no incremento do estoque de capital, a relação capital-
produto marginal. Como é verdade que K=γY, então para pequenos acréscimos também é
verdade que ΔK=γΔY. Como não há depreciação do estoque, ΔK=I, chega-se à fórmula do
acelerador, representada por I=γΔY.
A função investimento não incorpora expectativas e tem como objetivo manter
constante a relação capital-produto. O investimento responde ao nível de atividade – é sempre
backward looking – e fica determinado pela variação da demanda:
)( 1−−= ttt YYI γ (3.5)
As decisões de investimento não levam em conta nenhuma hipótese sobre expectativas
dos empresários, nem qualquer revisão das decisões anteriores. As variações de produto
provocadas por variações de investimento derivam do princípio do multiplicador,
sI
Y tt = (3.6)
que gera um novo nível de demanda a partir da propensão a poupar, s97.
A partir das duas equações temos a equação fundamental, que incorpora o princípio do
95 γ é um parâmetro que representa as condições técnicas de produção e m mostra o progresso técnico. 96 São três as proposições iniciais do modelo de Harrod: “(a) that the level of a community’s income is the most important determinant of its supply of saving; (b) that the rate of increase of its income is an important determinant of its demand of saving; and (c) that demand is equal do supply” (Harrod, 1939, p. 43).
97
acelerador e o multiplicador:
)( 1−−= ttt YYs
Y γ ou wt
t gsYY
==Δ
γ (3.7)
sendo gw a taxa garantida de crescimento98.
O modelo, no entanto, tem um problema de definição: as equações (3.5) e (3.6)
apresentam It definido por Yt que, por sua vez, é definido por It. Essa relação só tem sentido se
o período de tempo considerado no modelo não for discreto, mas instantâneo99. A alternativa
apresentada por Sen (1970) para esse problema é utilizar na equação (3.5) não o produto
efetivo, Yt, mas o produto esperado, YEt, fazendo It = γ(YE
t – Yt-1).
Um resultado interessante do modelo é que não há nenhum mecanismo automático
que leve a economia ao equilíbrio de pleno-emprego. As decisões de investimento geram
apenas de forma casual o produto de pleno-emprego. Essa é uma conclusão bem ao estilo
keynesiano, no sentido de que não há razão para acreditar que o equilíbrio e o crescimento a
pleno emprego sejam atingidos. Nesse sentido, o “primeiro problema de Harrod” pode ser
interpretado como uma versão dinâmica da alegação keynesiana de que é possível ocorrer
equilíbrio com desemprego numa economia capitalista. Segundo Jones (1979), “a maior parte
da literatura sobre a teoria do crescimento nos últimos vinte anos pode ser interpretada como
uma tentativa contínua de enfraquecer essa conclusão” (p. 65).
A solução do modelo é uma trajetória em Y determinada pela relação de equilíbrio
sustentável “fio da navalha”, s/γ = gw, em que qualquer gt ≠ gw resulta numa trajetória
explosiva para cima ou para baixo. Os desvios da taxa efetiva de crescimento em relação à
taxa garantida não são autocorretivos, mas cumulativos. O sistema gera um resultado
explosivo sempre que o nível de investimento não é o adequado para gerar o produto de
equilíbrio, porque a cada vez que o nível de investimento é maior que o de equilíbrio, o
multiplicador gera uma demanda ampliada, levando à conclusão errônea dos investidores que
o investimento não foi suficiente. O mesmo ocorre no caso inverso.
A equação fundamental do modelo, γΔY=sY, mostra que se s e γ são constantes, a taxa
de crescimento do produto deve ser constante, bem como a taxa de crescimento, s/γ, do
97 A propensão a poupar é exógena. Alguns modelos utilizam a propensão marginal e outros a propensão média, sendo que isso não altera de forma significativa a análise (Jones, 1979). 98 “The warranted rate of growth is taken to be the rate of growth which, if it occurs, will leave all parties satisfied that they have produced neither more nor less than the right amount” (Harrod, 1939, p. 45). 99 Possas destaca que Harrod tem razão ao defender que o tempo para análise de relações econômicas deve ser discreto, por que entre a decisão de investir e a realização do investimento decorre tempo. O problema é que a especificação do acelerador proposta por Harrod se torna inconsistente com o tempo discreto. 98
estoque de capital, dado que ΔK=S=sY=s/γK ⇒ ΔK/K=s/γ. Sen (1970) destaca que o ajuste
entre as duas taxas, natural e garantida, poderia ocorrer teoricamente pela variação de uma ou
mais variáveis da condição de equilíbrio s/γ = n+m.
Comentando rapidamente, o modelo de Domar está relacionado à natureza dual do
investimento. Ao mesmo tempo em que o investimento determina o nível de renda através de
seu efeito multiplicador, ao promover a expansão do estoque de capital, aumenta o nível
potencial de renda. A preocupação de Domar era encontrar uma taxa de investimento que
mantivesse o nível de renda igual ao de pleno-emprego. E para que o equilíbrio seja mantido é
necessário que as variáveis macroeconômicas cresçam à mesma taxa100. A semelhança dos
modelos está em que ambos geram condições de equilíbrio a uma taxa de crescimento
proporcional constante.
Apesar das críticas recebidas, Jones defende que os modelos de crescimento de Harrod
e de Domar têm várias facetas importantes. Seus trabalhos reintroduziram a idéia de
crescimento estável e equilibrado, “reinfatizaram o papel ‘clássico’ da poupança como
acumulação de capital depois da controvérsia keynesiana sobre o papel da poupança no
contexto da determinação do nível da renda nacional” (Jones, 1979, p. 79), além do fato de
suas idéias terem sido utilizadas nos modelos de desenvolvimento econômico. O comentário
de Jones exemplifica de forma bastante clara a opinião dos autores neoclássicos a respeito da
controvérsia que as propostas de Keynes e Kalecki para o papel da poupança relativamente ao
financiamento do investimento suscitaram.
O modelo de Harrod não utiliza explicitamente o princípio de demanda efetiva – uma
questão importante na Teoria Geral de Keynes que utiliza como ponto de partida – como
norteador de sua análise, além de parecer restabelecer alguma importância ao montante de
poupança – afinal, a propensão marginal a poupar é parte de sua equação final. Porém, é
importante destacar que a poupança não impõe qualquer limite ou determinação ao nível de
investimento da economia. Além disso, é importante destacar que, diferentemente dos
modelos neoclássicos, no modelo de Harrod o aumento de poupança gera redução e não
aumento da taxa de crescimento. Seu modelo define as condições que determinam um
crescimento equilibrado, capaz de gerar estabilidade ao sistema econômico. E mais, mostra
que essa condição é difícil de ser atingida e, mesmo quando alcançada, difícil de ser mantida.
Aliás, ela é atingida por puro acaso. O modelo de Harrod-Domar, nesse sentido, difere
100 “... the equilibrium rate of growth. So long as it remains constant, the maintenance of full employment requires investment to grow at a constant compound-interest rate” (Domar, 1946, p. 70). 99
substancialmente dos modelos neoclássicos que o seguiram. Podemos mesmo dizer que o tour
de force de Solow foi mostrar que os princípios neoclássicos eram possíveis de serem
utilizados num modelo de crescimento, que gerasse resultados bem comportados em
equilíbrio estável.
Os chamados modelos de crescimento de Cambridge fazem o ajuste via taxa de
poupança. O coeficiente de poupança depende da distribuição da renda entre trabalhadores e
capitalistas, dado que os trabalhadores têm menor propensão a poupar. A condição de
equilíbrio:
wc
w
sssmn
P−
−+=
γ)( (3.8)
implica, em primeiro lugar, que os valores das variáveis estão limitados pela restrição dos
valores de renda dos capitalistas ou lucros, P, 0<P<1; e, segundo, provar que existe um P de
equilíbrio não garante que a economia se mova nessa direção101.
Sen classifica como modelos de Cambridge todos os modelos de crescimento que
separam a poupança por classe, trabalhadores e capitalistas. Porém, esse tipo de classificação
não é adequado por englobar autores das mais diversas correntes, como Kahn, Kaldor,
Mirrlees, Pasinetti, bem como Kalecki e Robinson102. A distinção da poupança por classe
pode ser incluída em qualquer modelo de crescimento, seja de cunho neoclássico ou
heterodoxo, sem que seus resultados finais sejam alterados. A distinção entre os autores é
significativa, no entanto, quando se considera a fonte de financiamento do investimento, por
exemplo.
De forma geral, os chamados autores de Cambridge preferem utilizar hipóteses de tipo
regras de bolso (ou convenções, como designa Keynes) para definir as decisões que afetam o
futuro e não, como faz a teoria neoclássica, estipular regras de acumulação ótima de capital
que maximizem o fluxo descontado de lucros associados ao investimento. Isto porque julgam
que a adoção contínua de uma regra de maximização é muito restritiva e pouco representativa
das ações dos investidores. Isso, no entanto, não gerou modelos de crescimento em que a
poupança tem o mesmo papel – ou seja, nenhum – que na teoria keynesiana ou kaleckiana,
101 A solução proposta por Kaldor só funciona em situações de pleno emprego, dado que o valor de s da solução é o que se iguala a I/Y. 102 Alguns modelos de Cambridge – Champernowne (1958), Kahn (1959), Pasinetti (1965) e Robinson (1962) – não tratam apenas da convergência para uma trajetória de equilíbrio. Joan Robinson foi crítica severa da utilização, em análises econômicas, de medidas de estoque de capital em que o capital é considerado homogêneo ou maleável. Cada item de capital adquirido refere-se a uma dada tecnologia e só é substituído ou trocado quando for depreciado ou se tornar obsoleto em função dos avanços tecnológicos. Na realidade não é possível
100
como se pode ver pelos comentários sobre alguns dos modelos a seguir.
Robinson (1962), de forma coerente com sua visão da teoria keynesiana, cria um
modelo em que o crescimento resultante é fruto de uma conjugação de fatores como as
condições gerais da economia no momento da decisão de investimento. Analisa de forma
detalhada as condições gerais que definem o meio ambiente no qual as decisões de
investimento serão tomadas, como os aspectos do mercado – que vão desde a concorrência até
situações de monopólio –, o mercado de trabalho, a tecnologia disponível – incorpora desde
qualidade da mão-de-obra até aspectos tecnológicos propriamente ditos, bem como os
aspectos relativos ao financiamento – organização das instituições financeiras, a atitude dos
tomadores e emprestadores em relação ao risco e a taxa de juros. O resultado é uma lista de
possibilidades de crescimento resultantes dos desejos de investimento conjugados às
condições gerais da economia que vão desde crescimento continuado com níveis de utilização
próximos ao de pleno emprego até situações de inflação103.
O interessante do modelo de Robinson é sua análise da influência das características
do mercado – concorrência ou monopólio – em que a empresa está ou estará inserida, as
características do mercado de trabalho, bem como das condições de financiamento sobre as
decisões de investimento dos empresários. Ainda coerente com a teoria keynesiana, a
poupança não determina ou limita o investimento nem está ligada às fontes de financiamento
possíveis da economia. Ao tratar do financiamento do investimento, Robinson se reporta
exclusivamente às condições institucionais e às características dos investidores e das
instituições emprestadoras frente ao risco. Os resultados possíveis que apresenta são fruto das
possíveis conjugações entre os diversos fatores que definem o mercado no qual se dará o
investimento, sendo que os resultados não equivalem a equilíbrio no sentido de se manterem
após serem alcançados ou de serem com certeza alcançados. É uma análise rica porque
representativa de uma economia de mercado capitalista, no qual as empresas sofrem
concorrência de formas variadas e em que o investimento depende do crédito no sentido
keynesiano.
O modelo de Kaldor para poupança (1955/6), da tradição de Cambridge, foi
originalmente concebido para extrapolar a teoria keynesiana para o longo prazo, incluindo
distribuição de renda. Kaldor considera que o multiplicador keynesiano pode ser utilizado de
passar automaticamente de uma situação de mão-de-obra intensiva para capital intensiva sem que se incorra em custos, como supõe uma função de produção neoclássica 103 As possibilidades de crescimento listadas são: golden age; limping golden age; restrained golden age; galloping platinum age; creeping platinum age; bastard golden age e bastard platinum age (Robinson, 1962). 101
duas formas ao se analisar a distribuição da renda: para determinar a relação entre preços e
salários, dado o nível de produção e emprego; ou para a determinação do emprego e da renda,
dada a distribuição – essa forma, apenas, coerente com o princípio de demanda efetiva.
Segundo Kaldor, a segunda deve ser restrita a uma teoria de curto prazo, estática, enquanto a
primeira deve ser usada para o longo prazo, num modelo dinâmico de crescimento. A
primeira forma de utilizar o multiplicador keynesiano tem alguns problemas. Em primeiro
lugar não é coerente com o princípio de demanda efetiva e, portanto, com a teoria keynesiana,
ao contrário do que pretendia Kaldor e, segundo, ao tomar como dados a produção e o
emprego, mesmo a longo prazo, Kaldor retorna à lei de Say, dinamizando-a104. O modelo de
Kaldor, no entanto, foi amplamente utilizado ou referido em modelos de crescimento
posteriores.
Kaldor assume preços e salários flexíveis no longo prazo. A renda total é igual a soma
de salários, W, e lucros, P, Y=W+P. A poupança total é igual à poupança proveniente da
renda de salários, SW=sWW, mais a da renda de lucros, SP=sPP. Assim,
WsPsSI WP +== 0<sw<sc<1 (3.9)
Na igualdade I=S, a poupança se ajusta ao investimento. Substituindo W=Y-P e
dividindo a equação (3.9) por Y, temos:
wp
w
wp sss
YI
ssYP
−−
−=
1 (3.10a)
Similarmente, dividindo a mesma equação agora por K, temos:
KY
sss
KI
ssKP
WP
W
WP −−
−=
1 (3.10b)
As equações mostram que a participação dos lucros na renda, P/Y, e a taxa de lucro,
P/K, estão relacionadas às propensões a poupar. Na hipótese de que a poupança de salário seja
zero, a equação (3.10b) torna-se P/K=(1/sP)(I/K). I/K é a taxa de crescimento do estoque de
capital. Supondo-a igual à taxa natural de crescimento da população, n, a equação mostra que
a taxa de lucro no crescimento equilibrado é “determinada” pela propensão a poupar das
rendas de lucro. A propensão a poupar média não é constante. Dentro de certos limites, existe
uma razão lucro-renda que assegura que a propensão média a poupar é exatamente a
necessária para igualar s/v=n105. O resultado é que o crescimento estável é possível com a
distribuição apropriada de renda.
104 Possas, 1987, p. 104.
102
Segundo Kaldor, as economias capitalistas atravessam duas fases. Na primeira o
estoque de capital é insuficiente para proporcionar emprego para toda a força de trabalho
existente. Nesse caso, a taxa de salário é mantida no nível de sobrevivência e os capitalistas
acumulam todas as poupanças. A partir do momento em que toda a mão-de-obra está
empregada, o sistema entra na segunda fase, em que a taxa natural de crescimento, gn, torna-
se o ponto de estrangulamento. Além disso, ao discutir a distribuição de renda, supõe que o
investimento é dado e independente de sp e sw, mas o modelo só funciona se for cumprida a
condição de que a primeira for maior que a segunda106. Ou seja, a distribuição de renda
depende crucialmente das relações entre as propensões a poupar de trabalhadores e
capitalistas. Dessa forma, a poupança pode não determinar o investimento – já que ele é dado
– mas é item essencial na determinação do equilíbrio ou não da trajetória da economia,
representado por uma distribuição de renda compatível com o equilíbrio. Mas, além disso, de
certa forma a poupança determina o investimento, porque quando a economia está na primeira
fase de crescimento definida por Kaldor é necessário que toda a poupança seja apropriada
pelos capitalistas; caso contrário, não haverá crescimento e a economia não alcançará a
segunda fase. Apesar de não estar presente uma relação de dependência do investimento
frente à poupança, podemos afirmar que a imposição de um equilíbrio de longo prazo entre
ambos, tendo como mecanismo de ajuste a distribuição de renda através da flexibilidade da
relação preços-salários a longo prazo, implica um afastamento profundo das posições de
Keynes e Kalecki a respeito.
Utilizando o modelo de Kaldor para uma análise de longo prazo, Pasinetti (1961-62)
mostra que se a relação capital-produto é constante e se a taxa de retorno dos ganhos sobre o
valor acumulado da poupança dos trabalhadores e dos capitalistas é igual, a economia
converge para uma trajetória de crescimento que depende apenas da propensão a poupar dos
capitalistas. É o primeiro modelo trabalhado de forma mais rigorosa.
Na tentativa de corrigir um problema lógico, Pasinetti terminou desenvolvendo um
modelo geral com uma conclusão surpreendente107. Pasinetti utiliza como hipóteses iniciais:
trabalhadores e capitalistas poupam; uma parte dos lucros é auferida pelos trabalhadores; e os
trabalhadores também possuem capital. E obtém como resultado que, supondo-se um
crescimento balanceado – as variações proporcionais dos estoques de capital dos
105 Usando a equação (3.20), substituindo W=Y-P e dividindo a equação por Y , temos: S/Y=s=(sp-sw)(P/Y)+sw. 106 As condições são que sp≠sw e sp>sw. 107 O resultado independe de a análise ser feita num contexto neoclássico (como faz Jones, 1979) ou sem qualquer hipótese neoclássica (como o original). 103
trabalhadores e capitalistas é zero e a taxa de crescimento da força de trabalho é n –, a taxa de
lucro correspondente é igual à razão da taxa de crescimento da força de trabalho pela
propensão a poupar dos capitalistas. Um resultado formalmente similar ao de Kaldor, na
hipótese de propensão a poupar dos salários igual a zero, que, no entanto, é alcançado sem
utilizar essa hipótese. Portanto, o resultado mais geral conseguido por Pasinetti é que a taxa de
lucro independe da propensão a poupar dos trabalhadores, sem necessidade de invocar
qualquer consideração sobre produtividade marginal do capital. A distribuição da renda entre
trabalhadores e capitalistas independe da propensão a poupar daqueles, apenas da propensão a
poupar dos capitalistas.
A propensão a poupar dos capitalistas é um item determinante no modelo de Pasinetti,
como fica claro no trecho reproduzido abaixo:
“These conclusions [...] now suddenly shed new light on the old classical idea, hinted at already at the beginning, of a relation between the savings of that group of individuals who are in the position to carry on the process of production and the process of capital accumulation. This idea has always persisted in economic literature but in a vague and muddled form. Economists have never been able to bring it out clearly. In particular they have always thought […] that the relation between capitalists’ savings and capital accumulation depended on particularly simplifying and drastic assumptions about negligible savings by the workers. The novelty of the present analysis has been to show that the relation is valid independently of any of those assumptions. It is valid whatever the saving behaviour of the workers may be” (Pasinetti, 1961-2, p. 103).
Por outro lado, em sua discussão posterior da família de modelos neo-keynesianos de
crescimento e de ciclo, Pasinetti chega à conclusão de que todos os modelos desse tipo
desenvolvidos até então, “baseados num dinamismo endógeno resultante da interação entre
multiplicador e alguma forma de princípio de aceleração” (Pasinetti, 1979, p. 79), devem ser
desconsiderados porque não conseguem gerar, endógena e simultaneamente, o crescimento e
as flutuações ou movimentos cíclicos. Ou os modelos geram endogenamente os movimentos
cíclicos e incorporam uma variável exógena para gerar crescimento – como faz Kalecki que
considera os fatores de crescimento exógenos –, ou geram crescimento e o movimento cíclico
é gerado por uma variável exógena.
Pasinetti mostra que esses modelos tinham uma mesma estrutura e que o ciclo e a
tendência eram alcançados pelas especificações das hipóteses, sendo que o elemento
autônomo é geralmente ad hoc. Julga que eles não conseguiram combinar tendência e ciclo
por utilizarem equações de segunda ordem, o que, no entanto, seria possível utilizando
modelos com equações de ordem superior. O problema, no entanto, é que em matemática
sempre uma das raízes será dominante e, nesse caso, ou é complexa e o modelo gera 104
flutuações, ou é real, e o modelo gera tendência. Portanto, mais uma vez, ou a tendência ou o
ciclo seria exógeno.
A percepção inicial de Pasinetti é perfeita mas sua conclusão final errônea. Sua
conclusão é ingênua por descartar todo e qualquer modelo de crescimento que não gere
crescimento e ciclo endogenamente, julgando-os irrelevantes em termos de teoria econômica.
Mas acerta ao afirmar que “as flutuações cíclicas e o crescimento econômico, longe de se
afigurarem como dois fenômenos opostos, ou mesmo incompatíveis – como, na realidade, se
afiguram, numa visão puramente baseada em modelos macroeconômicos – emergem como
dois aspectos ou resultados diferentes do mesmo processo complexo e fundamental” (idem, p.
89). De forma geral, no entanto, tem-se a impressão que Pasinetti tocou em alguns pontos
importantes mas que não foi adiante e acabou não sendo capaz de apresentar uma
contribuição própria importante à teoria econômica do crescimento, apesar dos importantes
esclarecimentos técnicos e formais que ofereceu. Finalmente, em termos do papel da
poupança em modelos de crescimento, sua contribuição não foi além da de Kaldor, cabendo
aqui crítica semelhante.
3.2.3 – Poupança, financiamento e funding no crescimento econômico: keynesianos
neoclássicos e pós-keynesianos
Ao tratar do financiamento do investimento, Studart (1999) classifica de visão
convencional as teorias que tratam o mercado financeiro como o locus da intermediação de
capital entre poupança e investimento, no qual privilegia-se o estabelecimento de um mercado
financeiro competitivo, com taxas de juros reais positivas e únicas para estimular a poupança,
a intermediação financeira e o investimento. Essa visão está presente na literatura da
liberalização financeira, que considera como o principal problema financeiro dos países em
desenvolvimento a repressão financeira, evidenciada em taxas de juros abaixo das taxas de
equilíbrio e políticas de crédito seletivo, que distorcem e torna menos eficientes a alocação da
poupança.
Studart, assim como Chick (1983), defende que a interpretação da teoria dos fundos de
empréstimo para o papel da poupança é compatível com economias com um sistema
financeiro não desenvolvido ou nas quais a moeda-mercadoria é o meio de pagamento por 105
excelência. Essa visão, semelhante a de outros autores como Amadeo e Franco (1988), de que
a teoria dos fundos de empréstimo é compatível com os primórdios do capitalismo, em que o
sistema bancário não era desenvolvido, é na verdade uma visão distorcida do funcionamento
de uma economia de produção para mercado como a capitalista.
Não é a sofisticação do mercado financeiro que possibilita a dissociação entre
poupador e investidor. Para isso é suficiente que a produção se destine ao mercado e não
apenas ao consumo próprio (Possas, 1987). O sistema financeiro não se desenvolve
separadamente do lado produtivo da economia, além do que ele é parte integrante de uma
economia capitalista que produz para comercializar.
A teoria dos fundos de empréstimos vê o sistema financeiro como um simples
intermediário entre poupadores e demandantes de crédito, definindo o mercado de capitais
pela curva de oferta de poupança, positivamente relacionada à taxa de juros e função das
preferências das famílias; e pela curva de investimento, negativamente relacionada à taxa de
juros e função direta do retorno do capital. O equilíbrio é estabelecido quando a taxa de juros
de mercado equilibra poupança e investimento desejados. Nesse contexto, o investimento e o
crescimento econômico são determinados em última instância pelo estado da tecnologia e
pelas preferências dos consumidores. O volume de recursos financeiros (poupança) é definido
fora do sistema e o mercado financeiro funciona enquanto aloca eficientemente os recursos
poupados entre as diversas opções de investimento produtivo. Esse ambiente institucional
torna-se relevante apenas quando se desvia do paradigma de mercado competitivo, como
quando as políticas econômicas interferem na determinação da taxa de juros (Studart, 1999).
Segundo Studart, na concepção convencional, o baixo crescimento dos países em
desenvolvimento é conseqüência direta da adoção de políticas que mantêm subsidiadas as
taxas de juros, gerando carência crônica de poupança interna. A política de “repressão
financeira” é a responsável por níveis de investimento e crescimento abaixo do potencial,
escolhas ineficientes de investimento e pressões inflacionárias. Essas últimas seriam
decorrentes da adoção de políticas compensatórias de crédito seletivo na alocação de recursos
escassos.
A solução para um nível inadequado de investimento estaria em o governo utilizar
políticas econômicas que permitam que a taxa de juros flutue livremente e atinja seu valor de
equilíbrio. Intervenções de políticas econômicas provocam desvios em relação à taxa natural
e geram níveis de investimentos inadequados ao equilíbrio da economia.
A convergência teórica em torno da teoria dos fundos de empréstimo iniciou-se com a
proposta de síntese neoclássica de Hicks (1937) e se consolidou com a análise de escolha de 106
portfólio proposta por Tobin (1958). Hicks “adapta” a teoria keynesiana exposta na Teoria
Geral ao escopo teórico neoclássico, enquanto Tobin reinterpreta a teoria da preferência pela
liquidez de Keynes numa abordagem de equilíbrio geral, substituindo o conceito de incerteza
keynesiano pelo conceito de risco. Segundo Tobin, a poupança individual é distribuída entre
os diferentes ativos financeiros disponíveis, segundo a propensão ao risco de cada indivíduo.
A poupança é demanda por ativos e quanto maior a aversão ao risco dos agentes econômicos,
maior deverá ser a recompensa, oferecida na forma de juros ou rentabilidade, para que abram
mão de liquidez e comprometam-se com ativos menos líquidos. A atitude dos agentes
econômicos em relação ao risco influencia a maior ou menor facilidade de os empresários
conseguirem financiar seus investimentos em prazos mais longos. A política monetária só é
eficaz na promoção do crescimento se for capaz de reduzir o retorno percebido sobre a moeda
e ativos de maior liquidez, levando à substituição destes por ativos de capital no portfólio dos
agentes econômicos.
Tanto a análise de Tobin quanto a síntese neoclássica definem o papel do mercado
financeiro como mero provedor de meios de pagamento e intermediário de poupança. Esse
mercado é responsável por disponibilizar recursos, que são determinados fora do sistema
financeiro, para as alternativas de investimento produtivo e alocá-los eficientemente. A oferta
de crédito não altera o volume de recursos disponíveis para financiamento, sendo igual e
limitada pelo volume de poupança disponível. A demanda de crédito, representada pelo
volume desejado de investimento, se constitui na outra parte da “tesoura” que define a taxa de
juros (ou o preço do crédito) de equilíbrio. O ambiente institucional que configura o sistema
financeiro é relevante apenas na medida em que imponha qualquer regra de funcionamento
que desvie esse mercado do paradigma do mercado competitivo.
De forma aparentemente coerente com a visão pós-keynesiana, Studart defende que
Keynes apresenta um circuito de financiamento do investimento constituído por
financiamento-investimento-poupança-funding, afirmando que
“Em economias com um sistema bancário desenvolvido o financiamento do investimento independe de poupança prévia; é o financiamento do investimento que possibilita a criação posterior da renda através do efeito multiplicador; a poupança agregada representa um subproduto desse mesmo multiplicador” (Studart, 1999, p. 156).
Nessa interpretação está explícita, de um lado, a separação entre financiamento
(finance) e funding e, de outro, a importância do multiplicador. Além disso, o fato de a
poupança prévia não ser necessária ao financiamento do investimento não é uma condição
107
geral; ela seria verdadeira apenas para um sistema financeiro desenvolvido. No entanto, o uso
do princípio de demanda efetiva, no sentido de que são os gastos que determinam a renda e
não o inverso, elimina qualquer dúvida sobre a condição pela qual fica estabelecido que
poupança não determina investimento e que a poupança fica completamente determinada a
partir dos gastos de investimento. Condicionar essa afirmação a uma situação específica do
mercado financeiro equivale a afirmar que ela não é geral.
Ao se estabelecer um papel para a poupança, no sentido de lhe ser dada alguma
importância no que concerne à determinação do investimento, as visões de Tobin e dos pós-
keynesianos se confundem, apesar da diferença em relação ao tratamento da incerteza entre
esses autores (os pós-keynesianos acusam corretamente Tobin pelo fato de este ter, em sua
teoria de escolha de portfólio, eliminado a incerteza keynesiana em troca de uma análise de
risco). Isto fica claro na afirmação de Studart de que “a alocação das poupanças individuais
determinará a disponibilidade de fundos para a consolidação financeira (funding) dos passivos
das empresas individuais e do sistema bancário” (1999, p. 156). Essas visões tornam-se
semelhantes no sentido de que Tobin analisa a escolha de portfólio ou composição de carteira
a partir da poupança, que pode ser interpretada como escolha sobre alocação de riqueza. Os
pós-keynesianos, quando afirmam que poupança é demanda por “alguma coisa”, passam a se
preocupar com suas características e particularidades. Se essa demanda implicar preferência
por ativos mais líquidos, então os investidores teriam dificuldade para realizar a última etapa
do ciclo financiamento-investimento-poupança-funding.
A posição de Keynes (1936, apud Studart, 1999, p. 158) de que “as decisões
individuais de alocação de poupanças [...] em geral não afetam o volume, mas, simplesmente,
a distribuição da riqueza na forma financeira”, é complementada, em nota de rodapé, por “isso
não quer dizer que a alocação da poupança gerada tenha um papel irrelevante na análise pós-
keynesiana” (p. 168, nota 17). Ou, segundo Davidson (1986), “num mundo incerto, mesmo
após o desenvolvimento completo do multiplicador, o funding estaria condicionado pela
propensão do público a adquirir títulos de longo prazo ou ações ao longo do processo de
multiplicação da renda” (apud Studart, 1999, p. 161). Nesse contexto, a disposição dos
agentes econômicos de se tornarem menos líquidos, bem como as instituições financeiras e
suas características, representam os limites financeiros à expansão do investimento. O
financiamento bem sucedido do investimento está baseado num sistema bancário
desenvolvido (para o finance) e na existência de mercados organizados de ações (para a
realização do funding).
108
Por um lado, a poupança seria igual ao investimento somente após o completo
funcionamento do processo multiplicador, como afirma Studart108. Por outro lado, teria
importância crucial a propensão do público em adquirir ativos de menor liquidez para
complementar a última etapa necessária à realização do investimento, que é o funding, como
deixa claro Davidson:
“When savers’ liquidity preference is sensitive to long-term interest rates, then the fact that savers have a marginal propensity to buy securities (at the initial interest rate) of less than unity will, ceteris paribus, increase the costs of long-term funding, lowering the profitability of prospective investments and thereby slowing down future additional investment flows and depressing the economy – even though the ‘multiplier effects’ have ‘worked their way out’” (Davidson, 1986, p. 109-110).
Existe aqui uma confusão sutil mas importante entre decisões de portfólio ou escolha
da forma de manutenção da riqueza, de um lado, e poupança, de outro. Nas decisões de
portfólio dos agentes (bancos, empresas e público em geral) estão incluídas suas preferências
por liquidez, o que pode influenciar a menor ou maior facilidade de aceitação de títulos de
longo prazo. Quando esses autores pós-keynesianos discutem as condições do funding e sua
influência sobre a continuidade dos investimentos ou sobre os investimentos futuros, como na
afirmação de Davidson, estão na verdade discutindo a influência das escolhas de portfólio, e
não da poupança em sentido estrito, dos agentes sobre a maior ou menor dificuldade de se
negociar títulos de longo prazo e sua possível influência sobre a taxa de juros. É importante
deixar claro que, na perspectiva de Keynes e Kalecki, isso não tem nenhuma relação com
poupança, a não ser na medida em que a poupança acresce a riqueza dos agentes,
necessariamente antes que este acréscimo seja alocado entre ativos alternativos. Em outras
palavras, a poupança já aconteceu, como decorrência dos investimentos de outros agentes, no
momento da escolha de portfólio109. As condições de colocação de títulos no mercado não
sofrem qualquer influência da poupança como tal, muito menos o investimento futuro, como
afirma Davidson, simplesmente porque ela não é gasto, mas componente de renda (resíduo), e
portanto – vale a pena insistir - logicamente não pode, pelo princípio da demanda efetiva, ser
objeto de nenhuma decisão.
108 “Em economias com um sistema bancário desenvolvido o financiamento do investimento independe de poupança prévia; é o financiamento do investimento que possibilita a criação posterior da renda através do efeito multiplicador; a poupança agregada representa um subproduto desse mesmo processo multiplicador”(Studart, 1999, p. 156). 109 Não importa que percentual do investimento tenha sido financiado com títulos de longo prazo; o importante é que a poupança correspondente a este já está realizada. 109
Pode-se concluir daí que, apesar do raciocínio mais elaborado e bem mais próximo de
Keynes dos autores pós-keynesianos, estes não aceitam integralmente a igualdade
incondicional entre poupança e investimento decorrente do princípio da demanda efetiva e,
além disso, o processo que leva à igualdade entre aqueles agregados inclui uma etapa
(funding) em que a poupança acaba de algum modo afetando o investimento.
3.2.4 – Modelos de crescimento neoclássicos: a partir de Solow
O desenvolvimento da teoria do crescimento econômico neoclássica tem como
motivação a análise de fatos estilizados como as taxas de crescimento dos países e sua
variação ao longo do tempo; a relação entre as variações de gastos, principalmente
investimento, e crescimento econômico; a relação entre crescimento e volume de comércio
internacional; bem como as conseqüências do crescimento econômico como as diferenças
entre as rendas per capita dos países; os fluxos migratórios de trabalhadores, qualificados ou
não, entre as regiões e países mais pobres e os mais ricos; e a variação da posição relativa de
um país na distribuição mundial da renda per capita.
A questão do equilíbrio é uma parte integrante crucial, do ponto de vista
metodológico, das análises de crescimento econômico. Modelos – como todos os neoclássicos
– que pressupõem solução de equilíbrio estão impregnados da idéia de convergência
(estabilidade) e descartam qualquer solução de não-equilíbrio por não a suporem estável. Esta,
no entanto, é uma restrição não compatível com o sistema capitalista, no qual o desequilíbrio
é um objetivo buscado pelos agentes econômicos a fim de obterem vantagens comparativas,
como os ganhos monopolísticos – mesmo que temporários – decorrentes de inovações.
Utilizar o equilíbrio como pressuposto pode facilitar a análise em termos formais mas, por
outro lado, um modelo que não tem o equilíbrio como pressuposto obviamente não deve
considerar-se preso às hipóteses restritivas necessárias à geração da solução de equilíbrio.
Em conhecido artigo de 1972, Kaldor destacou que a hipótese de retornos crescentes
generalizados na economia inviabiliza a noção de equilíbrio competitivo e, como
conseqüência, a análise alocativa como realizada pela teoria neoclássica. No entanto, não
impede uma análise dinâmica da economia, mais adequada na presença de retornos
crescentes, por seus efeitos alocativos que interferem nas decisões de investimento e na 110
acumulação.
Além disso, o equilíbrio não inclui nenhum aprendizado. Em situações de equilíbrio os
resultados estão dados. Apenas em desequilíbrio o agente econômico tem oportunidade de
aprendizado, quando incorpora elementos que podem alterar sua avaliação. Como destaca
Hahn (1984), ao criticar a idéia de equilíbrio tautológico de Robert Lucas, em situações de
desequilíbrio o agente econômico está desejoso de aprender para que suas ações resultem em
equilíbrio (sic) (supondo-se o equilíbrio como um atrator).
Segundo Hahn, equilíbrio equivale a uma situação em que as expectativas dos agentes
não são sistemática ou freqüentemente violadas nem se tornam inconsistentes. Mas admite
que a teoria neoclássica carece de uma teoria sobre formação de expectativas. A análise das
situações de não-equilíbrio é importante principalmente quando se está interessado na análise
da dinâmica interna de um dado sistema econômico e não apenas na solução. Mesmo quando
não é possível definir uma estabilidade geral, pode-se tentar estabelecê-la localmente.
A teoria neoclássica do equilíbrio geral em sua versão “pura” (walrasiana) supõe que
nada acontece num sistema econômico fora do equilíbrio. O “leiloeiro” entra em ação,
encontra a solução e a partir daí os agentes agem individualmente e ocorrem as transações.
Outras versões, no entanto, abandonam o “leiloeiro” walrasiano e assumem os processos de
ajuste (“tâtonnement”) ad hoc, o que é uma concepção de ajuste questionável por apresentar
características contrárias às próprias definições de decisões individuais maximizadoras
propostas pela teoria neoclássica110.
Os modelos que estipulam processos de ajuste em direção a um equilíbrio
maximizador trazem implícita ou explicitamente a suposição de que os agentes dispõem de
informações e dados suficientes, o que é confundido com conhecimento e capacidade de
interpretação correta111 dos fatos. A suposição de incerteza forte – como em Keynes, na
Teoria Geral – implica que não se conhece a lei de formação do evento nem sua freqüência
observada, de forma a permitir construir uma função de distribuição de probabilidades. Não
só o futuro é desconhecido, como também o próprio passado. Não é possível, portanto,
identificar simplesmente racionalidade com maximizações uma função objetivo bem definida,
não apenas por carência de dados ou complexidade computacional, mas porque nunca que se
conhece completamente o modelo que representaria mais corretamente o fenômeno112. A
teoria das expectativas racionais, por exemplo, supõe o que deveria explicar, i.e., como os
110 Boland (1986). 111 Correta no sentido de conseguir antecipar os acontecimentos futuros. 112 Vercelli (1991). 111
agentes sabem ou aprendem o modelo “verdadeiro”. Ela supõe que o aprendizado acontece
por um método perfeitamente eficaz, levando imediatamente à convergência entre
expectativas e resultados reais.
Segundo Vercelli, a análise do equilíbrio não pode estar dissociada da possibilidade de
ocorrência de desequilíbrio. Supor que o sistema apresenta uma trajetória necessariamente em
equilíbrio é admitir que todo o movimento do sistema é realizado como reação e ajuste a
choques exógenos. Por sua vez, supor que o desequilíbrio tem importância é admitir que o
sistema apresenta movimentos que são endógenos, o que não implica necessariamente que o
sistema seja instável. Se é um sistema dinamicamente estável, implica que seu movimento é
em direção a um equilíbrio, que funciona como atrator; e se é um sistema dinamicamente
instável, não possui um atrator, podendo explodir ou flutuar, apresentando ciclos mais ou
menos regulares ou explosivos.
Ao se supor o desequilíbrio como possibilidade relevante, admite-se que existe uma
infinidade de trajetórias possíveis, que não apresentam obrigatoriamente tendências pré-
determinadas. A solução do sistema depende das condições iniciais e do valor dos parâmetros,
i.e., existe path dependence. Uma contribuição importante de Vercelli está em admitir que a
análise do equilíbrio não é dissociável da ocorrência possível de desequilíbrios, abandonando
assim a imposição metodológica da noção de equilíbrio, desnecessária para se pensar as
relações econômicas, que podem ser definidas e analisadas em termos de causalidade sem
equilíbrio (como em Keynes e Kalecki, por exemplo).
Após os modelos de crescimento surgidos nas décadas de 40 e 50 e que tiveram como
motivação principal o modelo de Harrod de 1939, o tema do crescimento econômico tomou
novo fôlego, no âmbito da teoria neoclássica, com os trabalhos de Robert Solow de 1956 e
1957, que destacaram o papel da acumulação de capital físico e a importância do progresso
técnico como os motores fundamentais do crescimento econômico sustentado. Nos anos 80 o
debate e o interesse pela teoria do crescimento econômico foram renovados com os trabalhos
desenvolvidos por Paul Romer e Robert Lucas, que incluíram no modelo de Solow o estoque
de capital humano e o tratamento diferenciado para o avanço tecnológico com a economia das
“idéias”. Romer utilizou a teoria da concorrência imperfeita para desenvolver a economia da
tecnologia. Os modelos neoclássicos de crescimento derivam dos trabalhos de Robert Solow
de 1956 e de Swan de 1956, ainda que muitas características estejam incluídas no trabalho de
Tobin de 1955.
O modelo de crescimento econômico de Solow de 1956, em A contribution to the
theory of economic growth, pretende apresentar uma resposta ao problema da divergência 112
entre taxa natural e garantida de crescimento do modelo de Harrod, fazendo o ajuste pela
relação capital-produto113. O modelo explica o crescimento econômico como função do ajuste
recíproco dos estoques de capital físico e de mão-de-obra disponíveis na economia.
Solow supõe um conjunto de países que produzem um único bem, consumido ou
investido e, portanto, não há comércio internacional; como toda poupança é investimento, não
é necessário especificar uma função investimento; o estoque de capital da economia toma a
forma do bem composto: todo produto não consumido é poupado e automaticamente
incorporado ao estoque de capital. Como não há função investimento, estão descartadas as
expectativas e qualquer tipo de incerteza. Supõe que a taxa de crescimento é suficiente para
manter o pleno-emprego. A hipótese do modelo é que a economia está em pleno-emprego,
mesmo que a taxa de crescimento não seja a de steady state. O pleno-emprego é, na verdade,
um pressuposto do modelo.
As hipóteses básicas do modelo são: i) função proporcional simples de poupança,
S=sY; ii) estoque de capital não se deprecia, ΔK=I; iii) taxa de participação da força de
trabalho é constante e taxa de crescimento populacional é exógena e igual a n. Portanto, a taxa
de crescimento da força de trabalho é ΔL/L=n, com crescimento exponencial ; iv)
as possibilidades técnicas são dadas pela função de produção agregada contínua com retornos
constantes de escala, Y=F(K, L) e produto marginal positivo, f’(k)>0, ∀k. Essas condições
definem uma função de produção dita bem comportada. Além disso, Solow mantém a
hipótese neoclássica em relação à moeda
ntoeLtL =)(
114.
Como se sabe, a conclusão do modelo de Solow é que o investimento (= poupança) é a
base do crescimento econômico, sendo que a riqueza dos países pode ser explicada pelas taxas
de investimento (= poupança) relativamente ao crescimento populacional e à depreciação,
ceteris paribus. A afirmação de que o crescimento depende primordialmente dos níveis de
investimento, no entanto, foi contestada por modelos posteriores que incluíram o progresso
técnico.
Se a taxa garantida, s/γ, for maior que a taxa natural de crescimento, n+m, a economia
tenta superar a barreira do pleno-emprego tornando a mão-de-obra mais cara relativamente ao
capital, induzindo mudanças em direção a técnicas poupadoras de mão-de-obra. Processo
113 O modelo de Kaldor faz o ajuste pela taxa de poupança. 114 Os autores normalmente associam a eliminação de “dificuldades” keynesianas nesse tipo de modelo à hipótese de igualdade entre poupança ex ante e investimento. As “dificuldades” keynesianas ou o resultado de modelos que não geram obrigatoriamente crescimento com pleno-emprego não está nessa igualdade, mas sim no papel definido para a moeda, na ausência de uma função investimento e na não inclusão de expectativas em decisões que envolvem tempo e incerteza com as decisões de investimento. 113
semelhante ocorre quando a taxa garantida é menor que a natural, sendo que todo o trabalho
de ajuste é via γ, mantendo constantes todas as demais variáveis (s, n, m)115. O resultado é
possível pela suposição de substitutibilidade conjugada à hipótese de previsão perfeita e
ausência de barreiras à taxa de salário real e de juros. A maior contribuição do modelo de
crescimento de Solow, segundo Sen (1970), é ter mostrado a estabilidade do modelo de
crescimento neoclássico, utilizando um mecanismo de ajuste extremamente simples116.
O modelo apresenta alguns problemas. Primeiro, para o equilíbrio com progresso
técnico ser estável é necessário assumir que este seja aumentador da produtividade do
trabalho. Essa suposição na verdade é necessária para todos os modelos de crescimento
estável com taxas de poupança constantes ou com suposições sobre poupança à la Kaldor.
Esse é o caso especial do assim chamado progresso tecnológico Harrod-neutro, sendo que
outros tipos de progresso tecnológico são incompatíveis com crescimento estável.
Segundo, o mecanismo de ajuste neoclássico está apoiado na flexibilidade dos preços
dos fatores e na ocorrência de rendimentos decrescentes dos fatores na função de produção. A
questão é se o ajuste é o adequado para gerar a taxa necessária de variação de preços. A
resposta é sim, por causa das suposições neoclássicas, em particular a de que a poupança ex
ante determina o volume de investimento, e a relação entre a taxa de aumento do salário
monetário e a proporção de desemprego, representada por uma função de oferta bem-
comportada (p. ex., a partir da curva de Phillips). Segundo Sen, a estranheza das suposições
neoclássicas torna-se mais clara nesse contexto, dado que no processo de ajuste, um aumento
da taxa de juros real parece induzir a uma maior taxa de crescimento, ao aumentar a
poupança, quando se deveria esperar uma redução do investimento. Isso não acontece no
modelo de Solow porque não existe função investimento, pelo fato de este supor que o
comportamento da poupança define completamente o investimento.
Como a solução do modelo é um crescimento equilibrado, não há necessidade de
análise mais detalhada do ajuste. A análise inicia-se apenas quando a taxa de crescimento se
igualou à taxa natural. Dessa forma Solow elimina os questionamentos presentes em Harrod
quando a taxa garantida diverge da natural, ou seja, quando as expectativas são frustradas.
Terceiro, os modelos neoclássicos de crescimento não incluem expectativas, até
115 Joan Robinson analisa o mesmo resultado conseguido pelo modelo neoclássico como uma das possibilidades de crescimento, chamada de “creeping platinum age”. A diferença é que para Solow esta não é uma, mas a única possibilidade. 116 Solow conseguiu fazer desaparecer a possibilidade de crescimento sem pleno-emprego e sem equilíbrio do modelo de Harrod. Ou seja, abandonou uma das poucas características keynesianas que ainda persistiam naquele modelo. 114
porque não definem uma função investimento. O modelo de Solow pretende definir uma
trajetória de pleno-emprego sem analisar o que motiva os investimentos numa economia
capitalista. E quarto, os modelos neoclássicos, como o de Solow, supõem homogeneidade do
capital117. A questão é se a homogeneidade é uma simplificação que ajuda, tornando a análise
mais tratável, ou se ela altera os resultados. Hahn, em seu trabalho de 1966, mostrou que a
existência de duas ou mais variedades de bens de capital dificulta enormemente o problema
da convergência para o crescimento. A trajetória de crescimento pode ficar indeterminada e
não convergir para o crescimento equilibrado.
Apesar de o modelo de Solow estar fora da discussão da relação entre poupança e
investimento, mesmo porque supõe uma economia de um só produto, na qual essa igualdade
ocorre por hipótese, ele serve para mostrar a estrutura básica dos modelos neoclássicos.
Vários modelos neoclássicos posteriores derivam dos trabalhos de Solow.
Outro problema diz respeito ao tratamento dispensado ao progresso tecnológico.
Kaldor é um dos principais críticos e mostra, em seu trabalho com Mirrlees, que o progresso
tecnológico está interligado à acumulação de capital, bem como ao aprendizado. Segundo
Sen, a tentativa de separar a influência de fatores específicos118 na geração da taxa de
crescimento é uma questão difícil empiricamente. A análise do resíduo não é trivial e é
preciso lembrar que a resposta à questão proposta tem sentido sob as suposições específicas
do modelo.
O modelo também não discute as condições de financiamento do investimento. A
hipótese é que toda poupança é investimento. Uma questão que fica em suspenso é se o
investimento é realizado apenas com a poupança corrente. E, nesse sentido, não importa se a
poupança é uma parte da renda corrente ou da renda passada. O que importa é que a economia
só pode crescer na medida da renda já existente. Como não existe crédito no sentido de
criação de moeda, o volume de financiamento disponibilizado para investimento não pode
nunca superar a renda (corrente ou passada) menos o consumo (corrente ou passado). E é só
nesse contexto que cabe a idéia, presente na teoria neoclássica, de poupança como sacrifício
ou postergação de consumo. Na economia delineada pelo modelo de crescimento neoclássico
de Solow, não importa quão disposta esteja a sociedade para se sacrificar em prol do
crescimento, este estará sempre limitado pelo montante de renda gerado no período anterior,
já que o financiamento de investimento não se dá pela geração de crédito.
117 A crítica mais contundente dessa hipótese foi a de Joan Robinson, como já comentado. 118 A proposição inicial foi de Solow em seu trabalho de 1957. 115
No artigo de 1957, Technical change and the aggregate production function, Solow
apresenta um modelo de crescimento em que variações do produto são explicadas por
variações de capital, de mão-de-obra e/ou tecnologia:
BB
LL
KK
YY Δ
+Δ
−+Δ
=Δ )1( αα (3.11)
em que o resíduo (“medida da nossa ignorância”), ΔB/B, representa o crescimento da
produtividade total dos fatores relacionado ao progresso tecnológico.
A extensão do modelo anterior apresentada por Solow inclui progresso tecnológico,
representado por uma variável exógena que não sofre influência de nenhuma atividade das
empresas, nem mesmo de seus gastos em pesquisa e desenvolvimento119. Solow utiliza uma
hipótese de progresso tecnológico aumentador de trabalho, com produtividade do trabalho, A,
que cresce a uma taxa constante, g. A função de produção por trabalhador, incluindo
tecnologia é igual a: αα −= 1Aky (3.12)
e a equação de acumulação de capital,
dKYs
KK
−=Δ (3.13)
A taxa de crescimento do capital é constante se Y/K for constante e, nesse caso, y/k
também é constante e y e k crescem à mesma taxa. O produto, o capital, o consumo e a
população crescem a taxas constantes, o que determina uma trajetória de crescimento
equilibrado, com taxas de crescimento iguais a g:
gggg Aky === (3.14)
A trajetória de crescimento equilibrado implica que o produto por trabalhador e o
capital por trabalhador crescem à taxa do progresso tecnológico exógeno g e este se torna a
fonte de crescimento per capita sustentado. As variações na taxa de investimento ou na taxa
de crescimento populacional afetam o nível de produto por trabalhador no longo prazo, mas
não afetam a taxa de crescimento de longo prazo do produto por trabalhador. No modelo
anterior não há crescimento de longo prazo no produto por trabalhador ou no capital por
trabalhador: gy = gk = g = 0. A diferença entre os dois modelos é que, com progresso
tecnológico, o estado estacionário implica uma trajetória de crescimento da renda per capita a
119 “É como maná que cai do céu”. A tecnologia pode ser incluída no modelo como uma variável aumentadora de trabalho (Harrod neutra) ou aumentadora de capital (Hicks neutra). O progresso técnico é tratado como um efeito que gera aumento da produtividade média da mão-de-obra, que corresponderia a um aumento do número de trabalhadores. Essa é a forma de introduzir progresso técnico aumentador de trabalho.
116
uma taxa constante, enquanto que no modelo sem progresso técnico a renda per capita no
estado estacionário não cresce.
Por causa da suposição de que as taxas de crescimento mantêm-se constantes,
mudanças na política econômica não alteram as taxas de crescimento de longo prazo, tendo
efeito apenas sobre o nível (deslocamento paralelo da curva de crescimento de steady state).
De forma semelhante ao modelo simplificado, os países que apresentam as maiores
taxas de crescimento são os que têm as maiores taxas de investimento e/ou menor crescimento
populacional, ceteris paribus, o que permite acumular mais capital por trabalhador e aumentar
a produtividade da mão-de-obra. As economias registram crescimento sustentado se tiverem
progresso tecnológico, que compensa a tendência declinante do produto marginal do capital,
promovendo o aumento da produtividade do trabalho. Sem progresso tecnológico as taxas de
crescimento tenderiam a arrefecer à medida que os retornos tornam-se decrescentes. No longo
prazo as economias tendem a crescer à taxa de progresso tecnológico. A conclusão do modelo
é que sem progresso tecnológico a acumulação de capital entra na fase dos rendimentos
decrescentes.
Uma das maiores contribuições do segundo modelo de crescimento (1957) de Solow
foi a introdução do progresso técnico. Sua importância está em permitir que a influência da
hipótese de produtividade marginal decrescente dos fatores, presente na função de produção
maximizadora neoclássica, fosse sobrepujada pela influência positiva do aumento de
produtividade – da mão-de-obra ou das máquinas e equipamentos – proporcionado pelo
progresso técnico. Essa possibilidade foi o ponto de partida utilizado pelos modelos de
crescimento endógeno120.
A equação fundamental do crescimento econômico neoclássico de Solow, Δk=sf(k)-
nk, mostra que a taxa de variação da relação capital-trabalho, k, é determinada pela diferença
entre o montante de poupança por trabalhador e o montante de acumulação per capita
requerido para manter constante a relação capital-trabalho, dado que a força de trabalho
cresce à taxa exógena n. Se a poupança por trabalhador for maior, o estoque de capital cresce
mais rapidamente que a força de trabalho e a relação capital-trabalho cai e vice-versa. Isso
garante que, qualquer que seja a relação capital-trabalho inicial, um processo de convergência
suave leva ao crescimento equilibrado.
120 Nos modelos de crescimento endógeno o progresso técnico de Solow será substituído por outras variáveis, como a acumulação do conhecimento ou qualificação crescente da mão-de-obra (acumulação de capital humano). 117
A proposição de propensão a poupar fixa, juntamente com a presença de substituição
contínua de fatores e rendimentos decrescentes na função de produção, garantem uma
tendência à situação de crescimento sustentado ou equilibrado (steady state). Modelos que
utilizam propensão a poupar variável têm como resultado que, quando a renda aumenta,
aumenta a poupança. No modelo neoclássico isso implica que automaticamente aumenta o
investimento. Mas, caso o aumento não seja suficiente para gerar uma nova relação capital-
trabalho com taxa de crescimento estável (igual à da força de trabalho), a economia pode
retornar à relação anterior. Ou seja, haverá crescimento da relação capital-trabalho em função
do investimento, mas se isso resultar em sf(k)<nk ou sf(k)’>nk, haverá expansão ou retração
até que a economia retorne ao ponto anterior, k0, ou atinja um ponto de relação capital-
trabalho mais elevado, k1. Portanto, a economia só pode passar de uma relação capital-
trabalho k0 para outra k1 com um dado volume de poupança. Se a poupança for menor que a
necessária, a economia cresce momentaneamente e vice-versa, mas retorna ao ponto de
partida, no longo prazo.
Isso mostra que a estabilidade apresentada pelo modelo neoclássico é altamente
dependente de suas hipóteses e que a propensão a poupar é uma variável chave. Como ela
representa o próprio investimento, este, apesar de camuflado, continua a ser uma variável
chave quando se discute crescimento. O modelo neoclássico só pode afirmar que o
ajustamento suave à tendência de crescimento equilibrado apresentado em seus modelos é
independente da propensão a poupar porque a considera fixa e exógena. Alguns trabalhos
(como R. Sato, 1963, apud Jones, 1979) mostram que pequenas variações na propensão a
poupar podem implicar um período de ajuste para o novo equilíbrio de longo prazo que pode
ser muito longo, um período de cem anos, por exemplo.
Assim, a fragilidade da taxa de crescimento estável está na variação da taxa de
crescimento do investimento, que é o ponto principal das análises de Keynes e Kalecki, e que
o modelo de Harrod mostrava de certa forma: o crescimento de longo prazo de uma economia
capitalista a taxas sustentadas e estáveis, como pretende a economia neoclássica, é no mínimo
instável e provavelmente ilusório.
Fundamentalmente, a conclusão do modelo neoclássico de crescimento econômico de
Solow em termos de política econômica é que não se pode atingir um aumento permanente
das taxas de crescimento do produto e do capital por meio da manipulação da propensão a
poupar e investir da economia. O aumento da propensão a poupar aumenta o nível de produto
e renda por trabalhador a longo prazo, via aumento do investimento, mas não altera a taxa de
crescimento de longo prazo. Com a força de trabalho crescendo à taxa constante n, e 118
abstraindo-se o progresso técnico, a constância da relação capital-trabalho implica que o
estoque de capital e o produto nacional crescerão à mesma taxa constante n.
A conclusão empírica do modelo de crescimento neoclássico básico de Solow, por sua
vez, é que o que determina a diferença de riqueza entre países é o produto por trabalhador no
estado estacionário, determinado pela taxa de investimento em insumos privados (capital
físico e qualificações), pela taxa de crescimento da força de trabalho e pela produtividade
desses insumos.
A diferença de nível de investimento entre países é explicada pelas diferenças de leis,
políticas do governo e instituições, que definem o ambiente econômico no qual se produz e se
transaciona. As políticas do governo são intervenções externas feitas a partir de políticas
econômicas, como tributação, regulamentação, etc. e, por serem intervenções extramercado,
são em princípio negativas e, sendo assim, quanto mais discretas ou menos discricionárias,
melhor.
Um segundo tipo de modelos simples surgidos pouco mais tarde, que têm interesse
apenas didático por terem sido precursores dos modelos neoclássicos modernos de
crescimento endógeno, são os chamados modelos AK. Estes são modelos rudimentares de
crescimento “endógeno” em que as políticas podem influir na taxa de crescimento de longo
prazo. O produto marginal do capital é constante, e não decrescente como no modelo de
Solow, não sendo portanto modelos tipicamente neoclássicos. Supondo-se que o investimento
é sempre maior que a depreciação e que o crescimento é função direta do investimento, o
crescimento econômico é continuado e a uma taxa constante. Assim, as políticas de governo
que aumentem permanentemente a taxa de investimento provocam aumento da taxa de
crescimento da economia de forma permanente.
Esse resultado é conseguido por uma hipótese economicamente arbitrária, ou seja,
linearidade na relação entre produto e capital (retornos constantes). Esses modelos simples de
crescimento endógeno podem tanto indicar que intervenções de política do governo, que
provocam aumento permanente nas taxas de investimento, causam expansão permanente das
taxas de crescimento da economia, quanto que causam apenas mudança de nível, dependendo
de se o modelo introduziu ou não a referida relação linear.
Mas a introdução da linearidade no modelo não é feita com o intuito de sustentar ou
negar uma hipótese teórica. Como o resultado econômico do modelo é decorrência direta da
utilização de uma hipótese matemática, ele não pode ser utilizado como prova de nenhuma
afirmação teórica. O resultado é contraditório porque “é relativamente fácil construir modelos
nos quais mudanças permanentes nas políticas do governo geram mudanças permanentes nas 119
taxas de crescimento da economia. Obviamente, também é fácil construir modelos em que
isso não é verdade” (Jones, 2000, p. 140).
Segundo Cesaratto (1997), os modelos AK geralmente são tratados como contendo a
mensagem essencial dos modelos de crescimento endógeno, ou seja, que o crescimento
endógeno é proveniente de um setor da economia que produz sem usar recursos escassos, mas
apenas algum fator reprodutível121. O modelo seminal de crescimento endógeno de Romer
(1986) seria uma versão mais sofisticada do modelo AK, na qual “the sector that produces
without using scarce resources is a ‘virtual’ sector [...] in which capital exhibits an externality
that tradduces itself in the production of ‘human-capital’” (idem, p. 16).
Simples variações na função de produção do modelo neoclássico podem alterar
significativamente os resultados quanto ao crescimento econômico esperado. No modelo
neoclássico, segundo Mankiw (1995, p. 296-297), aumentos de poupança geram crescimento
temporário, podendo gerar steady state que, por sua vez, independe da poupança. Nos
modelos de crescimento endógeno – sendo o modelo AK o mais simples deles –, por outro
lado, aumentos de poupança geram crescimento continuado. Nesse sentido, os modelos de
crescimento endógeno, em que a convergência dura eternamente, podem ser vistos como
casos limites do modelo neoclássico, em que a convergência depende da participação do
capital.
Os modelos de crescimento endógeno têm duas propriedades que devem ser
destacadas: primeiro, é que diferenças das taxas de poupança entre os países levam a
diferenças crescentes de renda entre essas economias; e, segundo, grandes diferenças de renda
não estão associadas a diferenças na taxa de retorno do capital.
Por sua vez, os modelos a dois setores surgidos nos anos 60 são uma extensão do
modelo neoclássico básico e se atêm às questões sobre se existe equilíbrio, se ele é único e se
é estável. As respostas alcançadas dependem crucialmente das suposições sobre poupança e
função de produção. Podemos generalizar, sem exageros, dizendo que os resultados
alcançados pelos modelos neoclássicos de crescimento dependem crucialmente de suas
hipóteses iniciais e que, como demonstrado por vários modelos e suas extensões, pequenas
variações nessas suposições alteram significativamente os resultados. Por vezes as análises
dos modelos se voltam apenas à característica matemática ou econométrica da variável, sem
maior preocupação com seu conteúdo econômico.
121 “All that is required to assure the flexibility of perpetual growth is the existence of a ‘core’ of capital goods that is produced with constant returns technologies and without the direct or indirect use of non reproducible factors (Rebelo, 1991, apud Cesaratto, 1997, p. 16). 120
Ao se observar os resultados obtidos pelos modelos a dois setores e relacionando-os às
hipóteses iniciais, é possível observar a influência dessas sobre aqueles. Modelos que supõem
que todo o lucro é poupado e os trabalhadores não poupam necessitam, para garantir a
existência do equilíbrio único, que o setor produtor de bens de consumo seja mais capital
intensivo que o setor produtor de bens de capital. Mas se a suposição é de que tanto
trabalhadores quanto capitalistas poupam, o equilíbrio único é garantido com a hipótese de
que a propensão a poupar de trabalhadores é igual à de capitalistas. A discussão dessas
hipóteses é importante porque é crucial, nos modelos a dois setores, poder contar com
hipóteses que garantam a unicidade do equilíbrio. Mas, ao mesmo tempo, a forma encontrada
para garantir a unicidade – a suposição de que trabalhadores e capitalistas poupam a mesma
proporção da renda – é irrealista.
Segundo Cesaratto (1997), uma clara diferença entre os modelos neoclássicos dos
anos 80 e os anteriores é o interesse nas implicações empíricas do modelo, sendo que o ponto
de partida daqueles é a interpretação do modelo de Solow de que países começando com
estoque inicial de capital per capita diferente iriam crescer a taxas diferentes e convergir a
uma taxa de crescimento e talvez de produto per capita comum, se a taxa de poupança fosse a
mesma122. Os modelos de crescimento endógeno são usualmente formulados num contexto de
otimização intertemporal, focalizando as decisões de poupança de um agente representativo
num contexto intertemporal. Em relação à acumulação de capital, o crescimento econômico é
visto como endógeno no sentido característico neoclássico porque depende da escolha dos
indivíduos entre poupança – vista como a fonte de investimento – e o consumo corrente.
Gregory Mankiw, David Romer e David Weil publicaram, em 1992, A contribution to
the empirics of economic growth, um trabalho no qual utilizam uma variante do modelo de
Solow de crescimento econômico em que a produtividade e a remuneração da mão-de-obra
dependem da qualificação desta, medida pelo tempo despendido em aprendizado. A função de
produção é ainda uma Cobb-Douglas, com trabalho qualificado, H: )1()( αα −= AHKY (3.15)
sendo que H depende do tempo despendido em aprendizado, u,
LeH uψ= (3.16)
onde a unidade de mão-de-obra não qualificada é representada por L e ψ>0 é uma constante.
Essa formulação considera que cada ano adicional de estudo aumenta o salário em um
121
percentual fixo igual a ψ. Assume-se que u é constante definida exogenamente e h é
constante123. Sendo assim, y e k crescem à taxa constante g de progresso tecnológico. Ou seja,
a inclusão do capital humano não altera a essência do modelo de Solow.
O termo A é definido como tecnologia aumentadora de mão-de-obra. Mas, da forma
como é calculado, torna-se o resíduo da variação de produção que não é explicada nem pela
variação de mão-de-obra ou sua qualificação, nem pela variação do estoque de capital. Nesse
sentido, A está mais próximo de um índice do nível de produtividade total dos fatores que dos
níveis de produtividade do trabalho associados à tecnologia.
O modelo indica que são mais ricos ou apresentam maior crescimento do produto os
países com maiores taxas de investimento em capital fixo; em que os trabalhadores
despendem tempo considerável na aquisição de habilidades; com baixas taxas de crescimento
populacional; e de altos níveis tecnológicos. No estado estacionário o produto per capita
cresce à taxa do progresso tecnológico, g, como no modelo original de Solow.
Os autores neoclássicos incorporaram os efeitos da hipótese de retornos crescentes de
escala e tornaram endógena a acumulação do conhecimento ou de tecnologia, nos chamados
modelos de crescimento endógeno desenvolvidos a partir de meados dos anos 80, pela
inclusão da hipótese de concorrência imperfeita, à la Romer (1990), ou pela inclusão de
externalidades, como em Romer (1986). No primeiro caso, abandona-se a hipótese de
concorrência perfeita e modela-se a acumulação de conhecimento como resultado de esforços
intencionais; no segundo mantém-se a concorrência perfeita e supõe-se que a acumulação de
conhecimento é um subproduto acidental – uma externalidade – de alguma outra atividade
econômica, como a acumulação de capital124.
Modelos de crescimento endógeno com apropriabilidade surgiram a partir da
observação de Arrow, de que se não houver ganhos de monopólio, não existe incentivo à
inovação. Um exemplo é o modelo de Romer (1990)125 em que supõe que o progresso
tecnológico depende do número de pessoas trabalhando em pesquisa, LA, e da taxa de sucesso,
δ, suposta fixa126. O modelo se assemelha ao de Solow, com a diferença que o progresso
tecnológico, A, não é exógeno. A função de produção é representada por:
122 Segundo Cesaratto “this is not a very generous interpretation of Solow’s model since, for instance, nothing in this model entails the common access to the technological frontier for countries at different stages of development (1997, p. 14). 123 Em letra minúscula, como é usual, as variáveis são unitária (por trabalhador). 124 Jones (2000). 125 Modelo estilizado, apud Jones (2000), caps. 5 e 6. 126 Ou seja, sempre que houver qualquer gasto com a busca de inovações, haverá uma mesma probabilidade de sucesso, independentemente do setor em que se inclui a empresa ou qualquer outro fator. 122
αα −= 1)( yALKY 0<α<1 (3.17)
Como no modelo de Solow, supõe que o investimento e a mão-de-obra cresçam da
forma:
KsYK δ−=Δ nLL =Δ (3.18)
Assume que a poupança é uma fração, s, constante da renda líquida e, como assume
uma economia fechada, “s is also the ratio of net investment to net national product” (Romer,
1994, p. 4). Ou seja, novamente não discute se há desigualdade entre poupança e investimento
em termos ex ante ou ex post porque toda poupança é investimento – seja automaticamente ou
por um mecanismo de equilíbrio que não é discutido no modelo.
A função de produção relativa ao progresso técnico é:
ALA σ=Δ , sendo e φτϕ A= YA LLL += (3.19)
e φ dá o caráter da função de conhecimento127.
Generalizando a equação (3.18) e introduzindo (3.19): λφσ ALAA =Δ (3.20)
sendo λ fator de produtividade e 0<λ<1. O crescimento steady state implica que as taxas de
crescimento das variáveis sejam iguais: gy=gk=gA=ΔA/A, com o último termo representando a
eficiência do trabalho, sendo que gA é determinado endogenamente128.
Os modelos de crescimento endógeno, de um modo ou de outro, tentam modelar as
forças econômicas que impulsionam o progresso tecnológico. Este modelo de Romer torna
endógeno o progresso tecnológico pela introdução da busca de novas idéias por interessados
em se apropriar de lucros econômicos. Romer utilizou elementos de teoria da concorrência
imperfeita para introduzir a “economia das idéias”, caracterizadas como um bem não-rival129,
mas cuja produção envolve custos iniciais muito altos. E é por essa razão que as empresas só
se dispõem a arcar com esses custos caso possam esperar se apropriar de ganhos adicionais,
advindos do direito à propriedade intelectual130.
Para incluir o lucro econômico é necessário abandonar a idéia de que o produto gerado
é comercializado por seu custo marginal. O preço deverá ser maior que o custo marginal para
gerar lucro econômico ou retornos crescentes de escala. O mercado, nesse caso, é
127 Se φ>0, existe cumulatividade na pesquisa; se φ=0, existem retornos constantes em pesquisa; e se φ<0, os retornos de pesquisa são decrescentes.
128 φ
λ−
=1
ng A .
129 É produzido uma única vez e pode ser utilizado simultaneamente por diversas pessoas.
123
caracterizado por concorrência imperfeita com barreiras à entrada.
A acumulação de capital ocorre numa proporção igual à taxa à qual as pessoas abrem
mão de consumir, sk, e à taxa em que o capital se deprecia, d. A taxa de crescimento
equilibrado da economia, gy = gk = gA, é dada pelos parâmetros da função de produção de
idéias e pela taxa de crescimento de pesquisadores que, em última instância, é dada pela taxa
de crescimento da população, gA = λn / (1-φ)131.
Diferentemente do modelo neoclássico original, no qual um aumento populacional é
um dos motivos de redução da taxa de crescimento econômico de transição ao steady state,
porque provoca redução da relação K/L, no modelo de Romer o aumento populacional gera
crescimento, porque aumenta o número de pesquisadores, aumentando a produção de novas
idéias, à taxa de sucesso estabelecida exogenamente. Mas, da mesma forma que no modelo
neoclássico básico, os efeitos de mudanças de política econômica e da taxa de investimento
sobre a taxa de crescimento são apenas temporários. Mesmo um aumento permanente da
proporção da população envolvida em pesquisa não provoca aumento da taxa de longo prazo
de progresso tecnológico. O crescimento, no entanto, pode ser beneficiado com a redução das
intervenções de políticas governamentais que causam entraves ao crescimento e pela melhoria
de qualificação da mão-de-obra, levando a que as economias alcancem a fronteira tecnológica
mais rapidamente. Ou seja, se o governo não criar dificuldades à realização dos
investimentos, toda e qualquer economia alcançará, mais cedo ou mais tarde, a fronteira
tecnológica. Como a concorrência imperfeita suposta por Romer está restrita ao mercado de
inovações tecnológicas, sendo os demais mercados de concorrência perfeita, eles são levados
à equalização da tecnologia utilizada e da rentabilidade dos investimentos.
Alguns comentários se fazem necessários. Primeiro, apesar da expansão tecnológica
ser entendida como o motor do crescimento econômico, ela só interfere na taxa de
crescimento econômico até o limite dado, em última instância, pela taxa de crescimento
populacional. Esse resultado é conseqüência direta da forma utilizada para endogeneizar
tecnologia neste tipo de modelo, em que a acumulação de capital humano é tratada como
função direta da taxa de crescimento populacional. Segundo, apesar da hipótese inicial de
concorrência imperfeita e barreiras à entrada, o modelo evolui para uma análise mais próxima
130 Monopólio de conhecimento. 131 Modelos de características semelhantes incluem uma função aprendizado, caracterizando cada economia e A passa a ser uma fronteira tecnológica mundial a que as economias têm acesso pela qualificação de sua mão-de-obra. O limite da taxa de crescimento da economia é a taxa de crescimento do capital humano, gh, ou da qualificação, que está condicionada à taxa de crescimento da fronteira tecnológica mundial, gA, e, portanto, gy=gk=gh=gA=g. As conclusões do modelo são basicamente as mesmas do modelo comentado no texto.
124
à concorrência perfeita ao estipular que a tecnologia é acessível a todas as economias, desde
que essas se qualifiquem para tanto, i.e., desde que os trabalhadores disponibilizem mais
tempo para qualificação, não existe nenhuma barreira impeditiva; ou seja, não importa quem
produziu e quem detém a tecnologia. O que não é explicado é como garantir concorrência
imperfeita e direito de propriedade, necessários para se obter ganhos superiores aos custos
médios de produção, se todos podem ter acesso irrestrito à nova tecnologia. A taxa de
crescimento é comum a todos os países132.
Mas pode ocorrer que economias com características semelhantes, como estoque de
capital, nível de difusão, conhecimento tecnológico e quantidade de mão-de-obra, que
indiquem um mesmo estado estacionário, um mesmo equilíbrio de longo prazo, apresentem
desempenhos diversos. Essa diferença nas taxas de crescimento seria explicada não pelo
modelo em si mas por opções a que estão sujeitos os empresários, dependendo das
características gerais da economia em que estão inseridos, como representatividade das
instituições e estabilidade econômica, que determinam os níveis de gastos em itens de
investimento versus outros itens como gastos com segurança ou lobby junto a instituições do
governo. As instituições tanto podem facilitar quanto dificultar a realização do investimento,
tornando a economia mais ou menos apta ao crescimento. As instituições e o governo podem
constituir um aspecto negativo nas decisões de investimento se causarem constrangimento ou
dificuldades ao bom funcionamento do mercado.
A idéia, coerente com o escopo teórico neoclássico, é que o melhor resultado é
alcançado quando o mercado funciona livremente. Um aspecto curioso, apesar de adequado a
esse escopo, é que as instituições e as intervenções do governo são sempre analisadas com um
viés negativo. O máximo de benefício que podem suscitar é não constituírem custos extras ao
investimento. Os modelos de forma geral consideram que as intervenções de política do
governo têm efeito de nível mas não efeito sobre a taxa de crescimento de longo prazo.
Políticas econômicas provocam variações na taxa de crescimento apenas temporariamente,
enquanto a economia está se ajustando aos níveis de equilíbrio de longo prazo.
Foi a partir do questionamento empírico de algumas hipóteses do modelo neoclássico
original de Solow, como a de convergência entre economias, que os modelos de crescimento
endógeno tentam criar uma hipótese alternativa viável133 à de concorrência perfeita. A não-
convergência entre países observada nos dados empíricos colocava em xeque hipóteses
132 Jones, 2000, p. 112. 133 Viável no sentido de não ir de encontro aos supostos básicos da teoria neoclássica. 125
neoclássicas como a de mudanças tecnológicas exógenas e a de que as mesmas oportunidades
tecnológicas estariam disponíveis para todos os países. Mas a conclusão de Romer (1994) é
que a defesa ou a negação da convergência da taxa de crescimento das economias carece de
dados suficientes. Algo que chama a atenção é o fato de que a busca para a comprovação ou
negação da hipótese de convergência está toda baseada no conjunto dos dados disponíveis,
não se questionando a teoria que embasa o modelo. Discute-se a formulação matemática e
econométrica do modelo, mas não as hipóteses econômicas que ele representa.
Os modelos de crescimento endógeno impõem uma condição de equilíbrio mais
restritiva que a do modelo de Solow. Para que a economia apresente um crescimento
equilibrado, é necessário que o produto cresça a taxas maiores que as variáveis exógenas
(g>m+n). Além disso, as externalidades são apenas positivas: o aumento de conhecimento
que gera mão-de-obra qualificada gera maior bem-estar para todos os agentes. Esses modelos
são classificados (Cesaratto, 1997) como pseudo Harrod-Domar porque a fonte de
endogeneidade do crescimento é muito parecida: incluem uma variável com rendimentos
crescentes para compensar o fato de haver rendimentos decrescentes na função de produção.
Os rendimentos decrescentes, por sua vez, são necessários no contexto neoclássico para
permitir a substituição dos fatores e para que o equilíbrio seja estável.
Relativamente ao papel da poupança, o modelo de Romer a supõe com o mesmo papel
que o modelo de Solow, ou seja, toda poupança torna-se investimento. Além disso, não
discute o investimento nem seu financiamento. No entanto, supõe que a acumulação de capital
ocorre na mesma proporção em que as pessoas abrem mão de consumo. Ou seja, apesar de
não discutir abertamente o papel da poupança como determinante do investimento,
implicitamente isto está presente em seu modelo, na medida em que a renda não consumida
determina o montante de poupança e, portanto, de investimento. Apesar da crescente
sofisticação desses modelos neoclássicos relativamente aos itens tornados endógenos em
termos de crescimento econômico, como é o caso da inclusão da qualificação da mão-de-obra,
do surgimento de inovações, etc., o investimento e a poupança têm o mesmo papel definido
desde Solow nesse tipo de modelo, i.e., toda poupança é transformada automaticamente em
investimento, em que a decisão sobre quanto investimento realizar é reduzida à decisão de
quanto poupar, por um mecanismo de maximização de utilidade dos agentes, em que a taxa de
juros serve apenas como base de cálculo para a preferência intertemporal.
Em suma, Romer não rompe totalmente com Solow. As teorias de crescimento
endógeno trazem a novidade, para a teoria neoclássica, de tratar crescimento endogenamente,
indo além dos modelos AK, mas obtendo o mesmo tipo de resultado pelo qual a taxa de 126
crescimento passa a depender de fatores endógenos. Quando Solow rompeu com Harrod-
Domar, introduzindo uma função de produção neoclássica de rendimentos decrescentes nos
fatores, tornou o crescimento exógeno. Em Romer, os fatores que explicam o crescimento são
endógenos, explicados por microfundamentos como agentes representativos que maximizam
utilidade e market clearing, via modelos de maximização intertemporal.
Um ponto importante destacado por Cesaratto (1997), relacionado com a poupança,
para explicar a motivação dos modelos de crescimento endógeno, é que um princípio básico
da teoria neoclássica, a produtividade marginal decrescente dos fatores, parecia contrastar
com o papel da poupança líquida como um determinante do crescimento econômico. A
progressiva abundância de capital poderia levar, dada uma relativa escassez de trabalho ou de
outro fator, a uma redução progressiva da produtividade marginal do capital e a um
desincentivo à acumulação. Uma das respostas a isso foi a introdução das “inovações”
poupadoras de trabalho. Ao aumentar a oferta de trabalho em unidades de eficiência, um fluxo
constante dessa classe de inovações preserva o equilíbrio entre as quantidades dos fatores,
evita o estado estacionário e mantém o papel positivo da poupança. Outra forma foi a
introdução de retornos crescentes de escala, que apresenta a vantagem de que as
externalidades não serão apropriadas por uma única firma, preservando, assim, a concorrência
perfeita134.
Em síntese, quanto ao papel desempenhado pela poupança relativamente ao
investimento nos modelos neoclássicos, ou toda poupança é automaticamente investimento ou
é seu determinante. Os modelos mais modernos não passam mais pela discussão sobre se há
ou não diferença entre poupança e investimento em termos ex ante ou ex post. Aceita-se
simplesmente que poupança define e determina igual investimento, seja qual for o mecanismo
definidor ou equilibrador envolvido. A discussão sobre a possível desigualdade entre esses
dois agregados, para a teoria neoclássica do crescimento endógeno, pertence ao passado,
porém não no sentido preconizado por Keynes e Kalecki. A igualdade I=S para os
neoclássicos, tanto os atuais como os do passado, é uma identidade, I≡S, além de uma relação
de equilíbrio, enquanto que para Keynes e Kalecki, embora também seja uma identidade
contábil, não representava uma relação de equilíbrio, mas uma igualdade com sentido de
determinação bem definido, I→S.
134 Como faz, por exemplo, o modelo de Romer (1986). 127
Conclusão
Ao se analisar o papel estabelecido para a poupança na teoria econômica, ao menos
desde Keynes, podemos depreender que a poupança e sua relação com o investimento são
tratados basicamente de três formas diferentes. A primeira delas estabelece que a igualdade
entre poupança e investimento é dada, ou seja, toda poupança torna-se automática e
imediatamente investimento. Essa definição da relação poupança-investimento é utilizada em
modelos neoclássicos de crescimento, excluindo dessa forma a necessidade de apresentação
de uma função investimento, bem como qualquer discussão sobre seu financiamento. Na
verdade, a igualdade é vista como uma identidade, I≡S.
Nessa visão, o montante de poupança é o determinante e o limitador do volume de
investimento. A poupança representa um montante disponível de fundos de empréstimo para
serem usados em gastos de investimento. Não importa se o que está sendo considerado é que é
a poupança do período anterior que determina o investimento, St-1 It, ou se é a do período
corrente, St It. O que importa é que o investimento em t não poderá ser maior que a
poupança em t-1 ou t, simplesmente porque não existiriam fundos de empréstimo para tanto.
O investimento que exceder à poupança será simplesmente uma demanda não satisfeita.
Como a taxa de juros é definida, nesse escopo teórico, neste mercado de fundos de
empréstimos (créditos), um nível de investimento maior que a poupança iria apenas
determinar um aumento da taxa de juros..
Outra forma de se abordar a questão da igualdade entre poupança e investimento nesse
mesmo contexto é considerar que a poupança e o investimento são sempre iguais ex post, mas
não o são necessariamente ex ante, porque não há coincidência de decisões sobre quanto
poupar e quanto investir no início de um período qualquer. Essa idéia foi defendida por Hicks,
Ohlin e diversos outros autores neoclássicos que sofreram alguma influência da teoria
keynesiana e que, no entanto, não aceitaram suas reformulações da teoria econômica. Ela, na
verdade, caracteriza-se mais como uma tentativa de neoclassizar a proposta de Keynes.
Nessa idéia não está incorporado o processo multiplicador do investimento, à la
Keynes. A expansão da economia, representada pela fronteira de produção, se dá com a
128
expansão exógena da disponibilidade de fatores de produção ao longo do tempo –
especificamente, do fator trabalho – e é proporcional a esta. No entanto, não existe nenhuma
dinâmica de expansão da economia que se origine no âmbito do investimento e da poupança.
A poupança apenas impõe um limite ao investimento correspondente ao uso pleno dos fatores
de produção. Ao atingir o pleno-emprego, a economia estará fadada à estagnação, e o
crescimento só será possível com expansões exógenas de fatores de produção ou com
progresso técnico, como nos modelos de crescimento de Solow e de crescimento endógeno.
Uma segunda interpretação para a relação entre poupança e investimento é defendida
por um conjunto heterogêneo de autores que têm em comum o fato de aceitarem que o
investimento é que determina a poupança e não o inverso, sem, no entanto, concordarem que
a igualdade entre poupança e investimento seja sempre verdadeira. Ela seria verdadeira
apenas ao final do efeito do processo multiplicador do investimento sobre a renda. Daí surgiu
uma longa discussão, especialmente no campo pós-keynesiano, sobre se o multiplicador
funciona instantaneamente ou se demanda algum tempo.
Kregel (1986) parece resumir bem as divergências desses autores ao contrapor sua
posição (coerente com os pós-keynesianos) com a de Asimakopulos (não condizente com essa
corrente). Para ambos, o fato de o efeito multiplicador não ocorrer instantaneamente faz com
que os empréstimos não possam ser pagos, a menos que os empresários consigam transformar
suas dívidas de curto prazo em dívidas de longo prazo, emitindo títulos que substituam os
anteriores, de curto prazo, e que serão adquiridos pelos detentores de poupança. Esse
procedimento se faz necessário para que os bancos voltem à sua condição inicial de liquidez e
possam continuar a emprestar. Caso contrário, a redução da oferta de crédito provocará
aumento da taxa de juros, tendo reflexos negativos sobre o investimento. Para a renovação
dos créditos, no entanto, é necessário que os detentores de poupança aceitem ativos menos
líquidos, até que o efeito multiplicador tenha se completado e a expansão da renda resulte em
aumento de liquidez correspondente ao nível desejado.
A diferença entre eles se resumiria a que um grupo (p. ex. Asimakopulos) que acredita
que a taxa de juros se eleva, dado que a oferta de poupança privada é menor que a necessária
para se igualar à demanda por fundos de empréstimo; enquanto que outros (p. ex. Kregel)
acreditam que a taxa de juros aumenta porque, enquanto a renda não tiver sofrido
completamente os efeitos do processo multiplicador, existirá na economia uma demanda por
liquidez maior que a oferta.
Em ambos os casos, porém, concorda-se que é necessário que o multiplicador tenha
funcionado plenamente para que novos investimentos possam ser financiados. Ou seja, 129
mesmo que afirmem que é o investimento que determina a poupança, isso na verdade só
ocorre no primeiro período analisado. Nos demais é preciso que a poupança, gerada pelo novo
nível de renda, tenha se expandido o suficiente para se igualar ao investimento e, então, o
nível de liquidez ou de oferta de empréstimo volta a ser suficiente para gerar os investimentos
desejados. Inicia-se a análise à la Keynes (e Kalecki), mas termina-se à la teoria neoclássica,
ou quase isso.
A terceira forma de se interpretar a relação poupança-investimento é a proposta por
Keynes e Kalecki, ou seja, que a igualdade I=S é incondicional, i.e., não é verdadeira apenas
em termos ex post ou ex ante nem depende de qualquer outro fator, como o efeito
multiplicador, por exemplo. E mais, essa igualdade não é apenas uma identidade porque está
incluído nela um sentido de determinação definido pelo princípio de demanda efetiva. Numa
economia em que a produção é voltada para o mercado e a moeda tem o papel definido por
Keynes135, é o investimento quem determina a poupança, porque na igualdade I=S o
investimento representa a decisão de gasto e a poupança a renda. Nesse caso, a proposta de
Keynes e Kalecki não apenas nega como inverte a lei de Say.
Nas teoria keynesiana e kaleckiana, o investimento é um fator dinâmico e é a causa da
expansão ampliada da renda, por seu efeito multiplicador. Isso porque, como se sabe, os
gastos necessários ao investimento geram uma seqüência de expansões de gastos que atingem
vários setores, sendo que a soma das expansões resultantes deste efeito cumulativo resulta
maior que o volume de investimento inicial. Por outro lado, para realizarem o investimento os
empresários não usam apenas o que dispõem de riqueza líquida – poupança própria ou lucro
não distribuído – porque, nesse caso, ao se analisar a economia como um todo, não haveria
expansão, dado que a economia teria apenas se reproduzido na mesma escala.
O empresário pode realizar investimentos em montantes muito superiores à sua
poupança própria anterior, e seu limite é dado por sua capacidade de endividamento junto às
instituições financeiras ou bancos. Os bancos disponibilizam crédito e assumem os riscos do
empréstimo e, nesse sentido, são multiplicadores monetários, criadores de crédito. Ou seja, a
realização do investimento que gera expansão econômica é possível pela criação de crédito
por parte das instituições financeiras. O limite de crédito a ser criado por essas instituições é
dado tanto pelas regras estipuladas pela autoridade monetária quanto pela capacidade ou
135 A moeda é desejada ou demandada, segundo Keynes, como meio de troca para a aquisição de bens; para especulação; ou com a finalidade de manter a riqueza no tempo, como reserva de valor. Em suas correspondências com Ohlin logo após a publicação da Teoria Geral, Keynes incluiu o motivo finance de demanda de moeda, que é a demanda de moeda para financiamento do investimento. 130
desejo de assumir riscos da própria instituição. O investimento, por sua vez, é decidido pelo
empresário de acordo com as oportunidades disponíveis, relativamente ao risco envolvido e à
rentabilidade esperada, além de seu julgamento sobre o futuro, aspecto esse incluído em suas
expectativas.
Assim, a decisão, por parte dos empresários, de tomar emprestado para realizar o
investimento leva em conta, de um lado, as oportunidades vislumbradas em termos de
possibilidade de geração de receitas e, de outro lado, os custos relacionados a tal
empreendimento, nos quais se inclui o custo do financiamento. A relação entre receita e
custos esperados determina a realização ou não do investimento.
Por parte dos bancos, a análise é semelhante e envolve as oportunidades relativas ao
empréstimo, em termos de ganho de juros, e o risco envolvido, dadas as condições gerais,
desde qualificação do tomador de empréstimo até relações como montante de empréstimo
versus montante de depósitos do banco. Em ambos os casos, as expectativas de ganhos versus
risco envolvido determinam a decisão favorável ou não ao investimento, no caso do
empresário, e ao empréstimo, no caso do banco. Dessa decisão e do resultado dela, favorável
ou não, depende a renda de ambos, determinada por seus lucros.
Na economia como um todo, podemos definir que o produto gerado numa economia
fechada e sem governo pode ser dividido em dois grandes blocos, uma parte consumida e
outra investida. Por outro lado, a renda gerada é utilizada de duas formas possíveis: ou
destina-se a consumo ou não é consumida e, nesse caso, soma-se ao montante de riqueza
disponível. Como resultado, se batizarmos a renda não consumida de poupança, o resultado é
que esta será sempre e incondicionalmente exatamente igual ao investimento inicial, num
mesmo período contábil.
A disponibilização do crédito bancário ocorre antes da realização do investimento (que
pode inclusive não se concretizar). A demanda por liquidez associada a esse crédito foi
batizada por Keynes de finance. No momento da realização do investimento, a cada gasto
efetivado, uma poupança correspondente está sendo gerada, porque o gasto de investimento
corresponde ao uso de um crédito que vai além da renda corrente. Nesse caso, o consumo
estará aquém do possível ao novo nível de renda. Mas isso não implica que o consumo esteja
abaixo do nível desejado de consumo, nem que a poupança esteja acima do nível desejado de
poupança. A conclusão é que poupança é sempre igual ao e é gerada pelo investimento.
Poupança não limita o investimento nem pode afetar a taxa de juros. Poupança é sempre igual
a investimento, não importando o processo multiplicador nem qualquer outra condição.
As discussões que se seguiram nos anos 30 à publicação da Teoria Geral, bem como 131
as dos anos 50 e 60 e da década de 80, estavam relacionadas à definição do papel da poupança
na teoria econômica e principalmente ao verdadeiro papel da poupança relativamente ao
investimento. Os debates não foram conclusivos no sentido de negar ou aprovar de forma
definitiva as proposições de Keynes (e Kalecki) relativas ao papel da poupança e sua relação
com o investimento, mesmo no âmbito das teorias heterodoxas, defensoras das idéias desses
autores. A poupança continuou a ter um papel de determinação, em algum nível, do
investimento e, portanto, o princípio de demanda efetiva não foi integralmente aceito, em
todas as suas implicações, como princípio básico da análise econômica. E isso fica claro
quando se analisam os diversos modelos de crescimento econômico, em que ou não se discute
em absoluto o papel da poupança, definindo-se apenas que toda poupança é automaticamente
investimento, como nos modelos neoclássicos de crescimento; ou quando se afirma que o
nível e a forma da poupança é importante para a continuidade do processo de financiamento
do investimento, como para os pós-keynesianos.
Na verdade, parece que os economistas gostariam, de uma vez por todas, de tornar o
agregado poupança algo ‘real’. A fluidez e simplicidade da poupança na versão apresentada
por Keynes e Kalecki parece não satisfazer ao senso comum dos economistas em geral. Não
se consegue ‘encontrar’ a poupança porque, sendo ela um fluxo, no momento mesmo em que
ela é gerada, como resultado da expansão dos gastos, ela desaparece como tal e passa a outra
forma, juntando-se ao montante de riqueza – um estoque. Torna-se ela mesma parte da
riqueza e ‘desaparece’ como poupança, para fundir-se no estoque de riqueza. Ou seja, a
poupança é na verdade continuamente gerada e destruída. Essa fluidez a torna impalpável,
num certo sentido, provocando nos economistas uma necessidade de ‘construí-la’ sob nova
forma – p. ex. a de poupança desejada versus poupança efetiva, ou de uma oferta de
empréstimo. Dessa forma, retorna-se à causalidade de senso comum, negada inicialmente, de
que é a poupança quem limita, de forma direta ou indireta, o investimento, negando-se
explícita ou implicitamente a fluidez da poupança proposta por Keynes e Kalecki.
O que estes autores propuseram no fundo não é nada obscuro, mas agride o senso
comum: pode-se resumir na proposição central de que a poupança não tem nenhum papel e
não é fruto de nenhuma decisão. É apenas o resíduo de renda após a realização dos gastos de
consumo. A poupança, coerentemente com o princípio de demanda efetiva, não limita nem
muito menos determina o investimento. O crescimento econômico é fruto de decisões de
investimento – que incluem também as inovações – financiadas pelo crédito criado pelas
instituições financeiras. Os bancos, ao disponibilizarem crédito para o investimento, estão
criando moeda. A renda de períodos anteriores ou do período corrente não determina a 132
disponibilidade de crédito, nem a limita. O volume de crédito disponível na economia é dado
pela maior ou menor disposição dos bancos de assumirem riscos associados à iliquidez ou ao
crédito e pela legislação sobre mercado financeiro, definida pelas autoridades monetárias.
Essa análise é válida inicialmente para uma economia sem governo e comércio
exterior, mas obviamente pode ser estendida sem dificuldade quando essas restrições são
relaxadas. A definição usualmente encontrada, principalmente em manuais de economia, de
que a poupança total de uma economia é composta pela poupança pública, igual ao superávit
orçamentário do governo; mais a poupança privada doméstica, igual à diferença entre renda e
gasto do setor privado doméstico; mais a poupança externa ou o saldo do comércio exterior,
não está apoiada na teoria de Keynes (ou de Kalecki) como às vezes se supõe implicitamente.
Ao analisar uma economia aberta e com governo, ainda é verdade que a poupança privada é
igual incondicionalmente pelos gastos em investimento – agora adicionados ao déficit público
e ao saldo do comércio exterior – e que é estritamente determinada por estes. O déficit
comercial e o superávit orçamentário – mesmo admitindo a curiosa designação contábil de
que também sejam formas de “poupança”, externa e pública – não financiam o investimento.
Eles representam realizações de produção e, portanto, de lucro dos empresários. O sentido de
causalidade na igualdade I=S, seu sentido de determinação, I S, e a validade do princípio de
demanda efetiva, em nada mudam quando passamos de um modelo simples de uma economia
sem governo e sem setor externo para o de uma economia aberta e com governo.
A verdade é que nem a teoria neoclássica nem os economistas heterodoxos aceitaram
plenamente as proposições de Keynes e de Kalecki para o papel – inexistente, em suma – da
poupança, por não levarem às suas conseqüências lógicas o princípio de demanda efetiva
como princípio norteador da análise econômica. A teoria neoclássica tentou – e, diga-se de
passagem, foi bem sucedida – transformar a teoria keynesiana num caso particular da teoria
neoclássica, tornando-a uma teoria de preços e salários rígidos. Por outro lado, a maioria dos
economistas heterodoxos, que adotaram e defenderam a teoria keynesiana, continuam em sua
maioria a aceitar o multiplicador como um item importante para levar a economia ao
equilíbrio a cada variação de gastos autônomos, determinando assim uma poupança igual ao
investimento realizado. Nesse sentido, em algum momento a afirmação de que poupança é
sempre igual ao investimento deixa de ser verdadeira, ou recebe uma interpretação particular
– p. ex., a de que só ao final do processo ela significa que o investimento é igual à “poupança
desejada”. Além disso, o multiplicador tem o papel ainda de gerar a renda necessária ao
restabelecimento da liquidez inicial e, com isso, permitir a continuidade do financiamento do
investimento. Assim, mesmo admitindo que a poupança não determina o investimento, esses 133
autores consideram que ela o limita. Voltamos assim, no essencial, à teoria neoclássica da
poupança.
Para a maioria dos economistas a discussão sobre a relação poupança-investimento é
um assunto do passado, como se estivessem convencidos de que a discussão já foi conclusiva,
não restando mais nada a ser analisado. Quando se focaliza com mais cuidado teórico a
relação poupança-investimento, no entanto, verifica-se que essa não é uma discussão
superada, mas apenas adormecida. A negação da teoria de Keynes e Kalecki aparece explícita
ou implicitamente tanto nos livros de graduação em economia quanto nos textos dos autores
heterodoxos, como foi mostrado neste trabalho. A percepção da natureza da relação
poupança-investimento não tem apenas uma importância teórica, num sentido restritivo. Ela
influi direta e decisivamente sobre as diretrizes de política econômica resultantes, por
exemplo, da visão contida nos modelos de crescimento, como discutido no capítulo 3.
Relançar hoje essa discussão nos moldes aqui propostos significa tentar esclarecer a
diferença entre as teorias da relação poupança-investimento baseadas no princípio de
demanda efetiva, como as de Keynes e de Kalecki, e as teorias que não se apóiam neste, como
a teoria neoclássica. Parece uma lição já aprendida, mas quando a observamos mais
atentamente, percebemos que foi aprendida e consolidada a lição errada, e que a teoria
macroeconômica, pelo menos sob esse aspecto, andou para trás nos últimos 50 a 60 anos.
134
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