40 - pedido de ingresso como amicus curiae - pedido de ingresso como amicus curiae 1.pdf

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    EXCELENTISSIMO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES, DIGNSSIMO RELATOR DO

    RECURSO EXTRAORDINRIO N. 635659.

    (...) talvez seja o momento de abrir um novo debate no qual se deve fincar o p nosvalores da diversidade e da tolerncia em uma sociedade aberta, relacionando-oscom o direito dos consumidores de cannabis e outras drogas proibidas de desfrutarda mesma tolerncia que os fumantes de Marlboro possuem. Dever-se-ia convidar osconsumidores das distintas drogas para contribuir com a diversidade de estilos devida, no fora, mas dentro da sociedade aberta. As sociedades abertas no so

    estticas, mas dinmicas, e no so abertas da mesma forma para todos os gruposem todas as pocas. As mulheres, as minorias tnicas e os homossexuais da maiorparte das sociedades ocidentais so bastante conscientes de que, inclusive em umasociedade aberta com respeito s demais questes, alguns grupos tm que lutarmuito para poder desfrutar da igualdade de direitos. Pode se tratar de umpensamento pouco familiar para a maioria dos cidados normais, mas osconsumidores de drogas tambm so uma minoria excluda (SCHEERER, Sebastian.Prohibicin de las drogas en sociedades abiertas in Globalizacin y drogas. Polticassobre drogas, derechos humanos y reduccin de riesgos , Instituto Internacional deSociologa Jurdica de Oati, Madri, Dykinson, 2003, p. 65 traduo livre).

    O fato de que muitas pessoas reagem com medo, indiferena ou agressividade noconstitui um obstculo prtica de uma poltica de drogas racional, e sim umimportante componente do prprio problema que nos cabe reconhecer e solucionar(HASSEMER, Winfried. Descriminalizao dos crimes de drogas in Direito Penal.Fundamentos, estrutura, poltica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 321).

    Em maro de 2009 (Drogas: guerra ou paz?), denunciou-se a inidoneidade daincriminao do porte de drogas para consumo pessoal: A proibio do uso dedrogas representa uma intromisso indevida do Estado na vida privada e naintimidade do indivduo. A autoleso consciente, sua viabilizao e promoo nolegitimam uma proibio penal. A utilizao do Direito Penal para reprimir maushbitos, maus costumes, para operar uma ortopedia moral enfim, representa uma

    ultrapassagem dos limites de uma punio poltico-criminalmente razovel. O queocorre de acordo com a vontade do lesionado uma componente de sua auto-realizao, que em nada interessa ao Estado (Editorial: Drogas: guerra ou paz?,Boletim IBCCRIM, So Paulo, ano 16, n. 196, p. 1, mar. 2009).

    O INSTITUTO BRASILEIRO DE CINCIAS CRIMINAIS (adiante,

    to somente, IBCCRIM), entidade regularmente habilitada nos autos como amicus curiae,

    vem, respeitosamente, elevada presena de Vossa Excelncia ofertar MEMORIAL.

    HELOISA

    ESTELLITA:1562

    8695823

    Assinado de forma digital por HELOISA

    ESTELLITA:15628695823

    DN: c=BR, o=ICP-Brasil, ou=Secretaria da

    Receita Federal do Brasil - RFB, ou=RFB e-

    CPF A3, ou=(EM BRANCO), ou=Autenticado

    por AR Asteca, cn=HELOISA

    ESTELLITA:15628695823

    Dados: 2012.10.31 14:45:08 -02'00'

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    1. Sntese do caso e objeto do recurso

    A Defensoria Pblica do Estado de So Paulo interps Recurso

    Extraordinrio em face de deciso proferida pelo Colgio Recursal do Juizado Especial Cvel

    da Comarca de Diadema, SP, que manteve a condenao de Francisco Benedito de Souza

    pena de dois meses de prestao de servios gratuitos comunidade ou entidade pblica,

    por violao do art. 28, caput, da Lei n 11.343/06.

    O objeto do Recurso Extraordinrio versa sobre a

    inconstitucionalidade da incriminao do porte de drogas para uso pessoal, tipificado no

    referido art. 28, caput e seu 1, da Lei n 11.343/06. Tal dispositivo, segundo a inicial,

    estaria em desacordo com a ordem constitucional, uma vez que no haveria em relao

    conduta incriminada a necessria lesividade a bem jurdico digno da tutela penal, tendo em

    vista que a ao proibida pela norma incriminadora em questo, quando muito, atingiria a

    sade individual, jamais a sade pblica.

    O tema foi debatido em primeiro e segundo graus de jurisdio.

    Com efeito, na sentena, o assunto foi abordado nos seguintes termos, verbis:

    Primeiramente, cumpre ressaltar que a conduta em tela no

    atpica e nem se trata de infrao de menor potencial ofensivo, e sim, de

    nfimo potencial ofensivo, onde se pune o porte de droga para uso prprio,

    no em funo da proteo sade do agente, mas sim em razo do mal

    potencial que pode gerar coletividade. Por isso, face atual disposio legal,

    no mais razovel se afastar a tipicidade da conduta prevista no art. 28 da

    Lei antidrogas, que at o presente momento, no foi declarada

    inconstitucional e, portanto, h que ser observada e cumprida, pelo menos a

    se aplicar uma sano amena, por menor que seja a quantidade de txico,

    evitando-se com isso, o crescimento da atividade do agente, podendo tornar-

    se traficante ou viciado. Na jurisprudncia: turma recursal JECRIM-DF:Pequena quantidade de substncia txica, mesmo quando classificada como

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    Como sabido, a lei penal no pune o uso de drogas, mas tosomente as condutas de adquirir, guardar, ter em depsito, transportar ou trazer consigo, a

    teor do que dispe o art. 28, caput, da Lei n 11.343/06. A alegao de que o porte para

    consumo pessoal conduta tipificada no art. 28 da Lei n 11.343/06 lesa o bem jurdico

    sade pblica , no mnimo, equivocada. Como possvel uma conduta destinada a ofender

    a sade individual o porte destina-se ao consumo pessoal do agente lesar a sade

    pblica? H uma evidente contradio entre a destinao pessoal do consumo e a suposta

    ofensa, ou mesmo risco de ofensa, sade pblica.

    Circunscrita a discusso a ser travada neste recurso

    extraordinrio, passa-se, agora, a uma breve digresso a respeito das drogas e da poltica de

    drogas, para ento se tratar da incompatibilidade do crime do art. 28 da Lei n 11.343/06

    com a ordem normativa estabelecida a partir da Constituio da Repblica, de 05 de outubro

    de 1988.

    2. As drogas ilegais e os novos rumos das polticas de drogas

    A war on drugs fracassou miseravelmente: apesar da represso

    sem quartel a certas substncias nos ltimos cem anos, as drogas ilegais nunca foram to

    abundantes, baratas e acessveis.

    Alm de no ter reduzido demanda e oferta de drogas ilegais, o

    proibicionismo causou inmeros males, dentre os quais encarceramento em massa,

    violncia nsita ao modelo blico e corrupo.

    A despeito de sua implementao deficitria, dizer, dafracassada tentativa de resolver a questo mediante o emprego intensivo de recursos

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    econmicos e jurdicos, o direito penal das drogas passou a influenciar decisivamente a

    interveno punitiva: elevao das penas, sobrecarga do sistema de justia criminal,mtodos invasivos de investigao (delao premiada, infiltrao de agentes, observao

    policial), antecipao prospectiva da punibilidade (compreenso abrangente de todas as

    possibilidades imaginrias de conduta de modo a alcanar todo e qualquer impulso para a

    ao), cooperao internacional, represso criminalidade organizada e ao lucro obtido

    com o delito por meio da incriminao da lavagem de dinheiro, enfim, dele que

    promanam o enrijecimento, a desformalizao e a eroso dos princpios do moderno

    Direito penal orientado para a interveno1

    .

    Em todo o mundo se discute qual o modelo adequado para

    uma poltica de drogas mais justa, humana e eficiente. Questiona-se: a poltica de drogas

    deve ser criminal? Em se tratando o uso de substncias psicoativas de uma espcie de

    tradio ancestral do ser humano, existindo, desde a noite dos tempos, essa relao entre

    pessoas e meios de alterao da conscincia ordinria, havendo, enfim, uma constante

    antropolgica no mpeto para a droga e na compulso para a intoxicao2

    , por que certas

    drogas como lcool, tabaco e frmacos so culturalmente aceitas, enquanto outras so

    proibidas?

    SEBASTIAN SCHEERER afirma, sem meias palavras, que a

    discriminao e a perseguio de pessoas com distintas preferncias no campo das drogas

    uma terrvel vergonha, um crime, um pecado, alm de ser totalmente imprprio em qualquer

    sociedade civil aberta e livre3

    .

    SALO DE CARVALHO, autor da obraA Poltica Criminal de Drogas no

    Brasil (Estudo Criminolgico e Dogmtico), em defesa-manifesto em favor de paciente de

    1 HASSEMER, Winfried. Descriminalizao dos crimes de drogas in Direito Penal. Fundamentos, estrutura,poltica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, pp. 322/324.2 HASSEMER, op. cit., pp. 326 e segs.

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    cannabis medicinal acusado do grave crime de trfico de drogas, observou, com a

    percucincia que caracteriza seus escritos:

    9. O ru nada mais fez, em verdade, do que exercer o direito

    fundamental de dispor do prprio corpo, de cuidar da sua sade da forma que

    melhor lhe aprouver, de consumir o que bem entender, enfim, de exercer a

    autonomia pessoal e a liberdade, que deveriam ser garantidas no mbito de

    um Estado Democrtico de Direito. Um Estado que pretenda regular os

    hbitos da populao ser sempre um Estado autoritrio. O sujeito tem o

    direito de se autolesionar (tatuagens e piercings), de se arriscar(automobilismo), de lutar ferozmente at fazer o adversrio desmaiar (lutas

    de vale-tudo), de comer alimentos gordurosos que notadamente so

    perniciosos sade e, inclusive, de se suicidar: evidente, portanto, que deve

    ter o direito de autogesto farmacolgica, ou seja, de poder gerir a si

    mesmo, de fazer as prprias escolhas, a partir de uma relao responsvel

    com todas as substncias que j existem e com as que ainda sero inventadas

    na face da Terra. O Estado no pode, de forma alguma, confiscar tal direito, e

    ns no podemos nos contentar com tal confisco. A ideia de sade no pode

    estar centrada apenas nos conceitos da medicina estabelecida, mas deveabarcar tambm as formas da medicina alternativa, e, sobretudo, as opes

    personalssimas do cidado4

    .

    Surgiram, nos ltimos anos, muitas iniciativas inovadoras no

    campo das drogas, adotadas com base em paradigmas no alinhados com a proibio e que

    tm obtido resultados muito positivos.

    A alternativa proibio mais em voga na atualidade a no

    incriminao do porte e uso no problemtico de pequenas quantidades legalmente

    definidas de algumas drogas, especialmente a cannabis.

    3 Prohibicin de las drogas en sociedades abiertas in Globalizacin y drogas. Polticas sobre drogas, derechoshumanos y reduccin de riesgos, Instituto Internacional de Sociologa Jurdica de Oati, Madri, Dykinson, 2003,p. 65 traduo livre.

    4http://www.leapbrasil.com.br/media/uploads/jurisprudencia/34_13%2009%2011%20-%20alexandre%20thomaz%20-%20defesa%20%20%20%20%20_preliminar%20vers%C3%A3o%20final-1.pdf?1316644286.

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    Uma das iniciativas mais antigas a poltica holandesa, que se

    baseia em uma opo poltico-criminal marcada pela tolerncia ao consumo de pequenasquantidades de cannabis e derivados, cuja venda a maiores e capazes se d em

    estabelecimentos especficos (coffee shops) com o objetivo explcito de evitar o contato do

    consumidor com traficantes de substncias mais perigosas, como a cocana e a herona.

    No resto do mundo, a proibio juntou maconha e drogas

    muito mais perigosas nas mos dos mesmos traficantes. Como herona e

    cocana so cem vezes mais lucrativas que maconha, os traficantes tm umincentivo para propagandear a droga mais cara para seus clientes. Isso gera o

    chamado efeito escadinha: usurios de maconha, como j tm acesso ao

    mercado, acabam experimentando herona, e muitos ficam dependentes5

    .

    Em prtica desde o final dos anos 1970, as pesquisas revelam

    que os ndices relativos ao uso de drogas ilegais na Holanda menor do que em pases que

    adotam posturas mais repressivas6

    .

    Em 2009, a Comisso Latinoamericana Drogas e Democracia,

    composta por Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da Repblica Federativa do Brasil

    e um dos mais respeitados intelectuais da atualidade, ao lado de ex-dignatrios como o

    mexicano ERNESTO ZEDILLO e o colombiano CESAR GAVIRIA, alm de personalidades outras,

    avaliou o impacto das polticas de guerra s drogas e formulou recomendaes para

    estratgias mais eficientes, seguras e humanas, entre as quais tratar o consumo de drogas

    como uma questo de sade pblica (cf. Drogas e Democracia: rumo a uma mudana de

    paradigma7

    ).

    FERNANDO HENRIQUE CARDOSO lidera tambm a Comisso Global

    Drogas e Democracia, ao lado de personalidades como KOFI ANNAN, ASMA JAHANGIR, MARIO

    5 BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da guerra: a maconha e a criao de um novo sistema para lidar com as

    drogas, So Paulo, Leya, 2011, p. 107.6Cannabis Policy: moving beyond stalemate, p. 48.7 http://www.drogasedemocracia.org/Arquivos/livro_port_03.pdf

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    VARGAS LLOSA,JAVIER SOLANA,MARION CASPERS-MERCK,JOHN WHITEHEAD. Em seu primeiro relatrio,

    divulgado em 2011, citada comisso recomenda acabar com a criminalizao, a

    marginalizao e a estigmatizao das pessoas que usam drogas mas que no causam

    nenhum dano a outros8

    .

    Em 2001, o Parlamento de Portugal aprovou reforma legislativa

    por meio da qual o porte de drogas para consumo pessoal passou a ser considerado infrao

    contraordenacional, com previso de sano administrativa acompanhada de indicao para

    o acolhimento por parte de Comisses para a Dissuaso da Toxicodependncia. Mais de dez

    anos depois, Portugal hoje um dos melhores exemplos de que possvel tratar da questo

    das drogas fora do direito penal com xito, de acordo com o minucioso relato de DENIS RUSSO

    BURGIERMAN:

    O principal motivo do sucesso da estratgia portuguesa foi o fato de ela estar

    vinculada ao Ministrio da sade, e no ao da Segurana. Essa distino pode

    parecer apenas um detalhe administrativo, mas mais do que isso. Justia esade pensam diferente. A justia cega; tem de ser igual para todo mundo.

    A sade no pode ser cega; cada paciente precisa de um remdio diferente,

    diz Nuno Portugal Capaz, um dos membros da Comisso de Dissuaso da

    Toxicodependncia (CDT) de Lisboa. (...) Quando algum surpreendido com

    uma quantidade inferior a 25 gramas de maconha, dois gramas de cocana ou

    um grama de herona ou anfetaminas, supe-se que se trata de um usurio,

    no de um traficante. A droga apreendida, ele liberado para ir para casa e

    recebe uma intimao para comparecer na mesma semana a uma CDT, em

    vez de um tribunal de justia (...). Cada CDT formada por trs membros,cada um de uma rea, em geral um jurista, um psiclogo ou mdico e um

    assistente social ou socilogo. Eles contam com o apoio de uma equipe

    tcnica, tambm composta por trs pessoas especializadas em dependncia.

    O usurio chega CDT de manh e entrevistado por um dos membros da

    equipe tcnica, normalmente um terapeuta ou assistente social. A conversa,

    que dura perto de uma hora, conduzida com tranquilidade e respeito, para o

    usurio sentir-se vontade de abrir seu corao, como faria em uma consulta

    mdica. O objetivo entender em profundidade os problemas que afetam a

    8 http://cbdd.org.br/pt/files/2011/05/Global_Commission_Report_Spanish.pdf

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    pessoa, o papel que a droga tem em sua vida, quanto o consumo

    problemtico, o contexto familiar, social, profissional. Essa outra diferenaentre a sade e a justia, diz Nuno. Que juiz tem tempo de ouvir a histria

    de vida de algum? No esse o trabalho dele. (...) Aps a entrevista, a

    equipe tcnica entrega um relatrio aos trs membros da comisso. Na

    mesma hora, o usurio chamado para a audincia, que tambm muito

    diferente de um tribunal. Ela acontece numa sala despojada, ao redor de uma

    mesa, com os membros da comisso e o usurio sentados mesma altura, e

    no com um juiz l no alto de um trono, exalando autoridade. H um esforo

    consciente para sermos informais, de maneira a estabelecermos laos de

    confiana, afirma Nuno, vestido, no dia de nossa conversa, com umacamiseta branca de uma banda de rock. A audincia em si normalmente

    muito rpida, dura cerca de quinze minutos, porque toda a informao

    relevante j est no relatrio feito durante a entrevista com a equipe tcnica.

    Normalmente, o usurio volta para casa umas duas horas depois de chegar l,

    e o tempo entre a apreenso da droga pela polcia e o fim da audincia no

    passa de dois ou trs dias. Essa rapidez contrasta com os arrastados processos

    da justia, que levam anos. Com esse tipo de populao, no podemos estar

    a atrasar as coisas, diz Nuno. Na entrevista, a equipe tcnica separa os casos

    em dois grupos principais: os dependentes e os no dependentes. Nodependentes, se for a primeira vez deles, so dispensados e o processo

    encerrado. como um carto amarelo. O registro ficar guardado por cinco

    anos. Se, nesse perodo, ele for apanhado com drogas de novo, receber

    algum tipo de sano. Se no, o processo ser destrudo. J os dependentes

    recebem uma sano logo na primeira vez. Mas, se eles voluntariamente

    concordam em se submeter a tratamento, a sano retirada. Isso bem

    diferente do conceito de justia teraputica, no qual um juiz determina que a

    pessoa deve se submeter a tratamento obrigatrio. Num tribunal, o sujeito

    quer sair e l. Portanto, o ru vai concordar com todo que o juiz disser. Masa chance de essa pessoa realmente se tratar pequena, os tribunais, que

    no foram feitos para isso, no tm condies nem competncia para

    acompanhar o caso depois da sentena, explica Nuno.9

    Seguindo o exemplo portugus, em 2009 o Parlamento do

    Mxico aprovou reforma legislativa na qual a posse de pequena quantidade de droga deixou

    9 O fim da guerra, op. cit., pp. 201/203.

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    de ser objeto de incriminao10. Na mesma linha, a partir de 2010, a lei de drogas da

    Repblica Tcheca passou a punir com multa administrativa a posse de drogas para consumopessoal11

    .

    Tanto no modelo portugus, quanto no mexicano e tambm no

    tcheco, o legislador optou por definir critrios objetivos, relativos quantidade mxima de

    cada substncia, para determinar a finalidade de consumo pessoal.

    Todas essas experincias surgiram, frise-se, a partir de

    mudanas legislativas.

    No se pode deixar de mencionar que s vsperas do conclave

    internacional conhecido como Cpula das Amricas, em 2012, o presidente da Colmbia,

    JUAN MANUEL SANTOS, anfitrio do encontro, se declarou favorvel legalizao da maconha e

    da cocana como alternativas para erradicar a violncia decorrente da war on drugs. Logo a

    seguir, os presidentes da Guatemala e El Salvador, OTTO PEREZ e MAURICIO FUNES, conclamaram

    seus pares a iniciar o debate sobre a regulao do uso e comrcio de drogas nesse encontro,

    no que foram secundados pela presidenta da Costa Rica, LAURA CHINCHILLA, e do Mxico, FELIPE

    CALDERN, que embora no assumindo nenhuma posio em suas declaraes concordaram

    ser necessrio promover o debate a nvel internacional12

    . A posio do presidente da Bolvia,

    EVO MORALES, j internacionalmente conhecida, at mesmo pela sua ascenso poltica a

    partir do movimento sindical cocalero.

    Na mesma esteira, o presidente uruguaio, JOS MUJICA, enviou

    ao Parlamento no incio de agosto de 2012 um projeto de lei para descriminalizar a posse de

    maconha e controlar a produo, distribuio e comercializao da droga. Segundo a

    10 Poltica de drogas: novas prticas pelo mundo, Comisso Brasileira sobre Drogas e Democracia, Rio dejaneiro, 2011, pp. 28 e 29.

    11Idem, pp. 36 e 37.12Amrica Latina quiere hablar de drogas. El Pais, 23.02.2012. Internacional. Disponvel em:

    . Acesso em: 23 fev. 2012.

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    proposta, o Estado assumir o controle e a regulao das atividades de importao,

    produo, aquisio a qualquer ttulo, armazenamento, comercializao e distribuio demaconha e seus derivados, no marco de uma poltica de reduo de danos que alerte a

    populao sobre as consequncias e os efeitos prejudiciais do consumo da maconha13

    .

    No mbito judicial, recentes decises proferidas pelas Cortes

    Supremas da Argentina e da Colmbia, ambas em 2009, sufragaram o entendimento de que

    a lei penal no possui legitimidade para enquadrar o consumo pessoal de drogas como

    delito, por ausncia de ofensividade, tendo em vista que a autoleso no pode, jamais, ser

    objeto de incriminao.

    O Tribunal Constitucional argentino (Corte Suprema de Justicia

    de la Nacin) decidiu, no dia 25 de agosto de 2009, que o tipo penal da posse de droga para

    consumo prprio inconstitucional. Os fundamentos dessa deciso foram especialmente

    dois: em primeiro lugar, a ineficincia do dispositivo como meio de combate s drogas na

    sociedade, o que se comprovaria especialmente pelo constante aumento do consumo de

    droga na Argentina e, em segundo lugar, a violao do art. 19 da Constituio argentina, que

    declara que aes privadas apenas interessam a Deus e no ao Direito Penal (...)14

    .

    Do mesmo modo, a Suprema Corte da Colmbia (Corte

    Suprema de Justicia), em 08 de julho de 2009, declarou inconstitucional a incriminao do

    porte de drogas para consumo pessoal, reiterando entendimento anteriormente consagrado

    em deciso de 1994, no sentido de que carece de lesividade a conduta de quem possui

    drogas para consumo pessoal, na medida em que a autoleso insere-se no mbito exclusivo

    da liberdade individual, no sendo vlida nem legtima a interveno penal15

    .

    13 http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/08/parlamento-do-uruguai-analisa-projeto-para-legalizar-

    maconha.html14http://www.csjn.gov.ar/cfal/fallos/cfal3/cons_fallos.jsp, n. de expediente A. 891. XLIV.15http://www.semana.com/documents/Doc-1945_200999.pdf

    http://www.csjn.gov.ar/cfal/fallos/cfal3/cons_fallos.jsphttp://www.csjn.gov.ar/cfal/fallos/cfal3/cons_fallos.jsphttp://www.csjn.gov.ar/cfal/fallos/cfal3/cons_fallos.jsphttp://www.semana.com/documents/Doc-1945_200999.pdfhttp://www.semana.com/documents/Doc-1945_200999.pdfhttp://www.semana.com/documents/Doc-1945_200999.pdfhttp://www.semana.com/documents/Doc-1945_200999.pdfhttp://www.csjn.gov.ar/cfal/fallos/cfal3/cons_fallos.jsp
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    Nos Estados Unidos, o uso medicinal de cannabis regulado

    por lei em dezessete estados em dez deles, a ideia surgiu a partir de iniciativa popular16

    .Em 2011, plebiscito no estado da Califrnia a respeito da legalizao da maconha rejeitou a

    proposta, apesar dos 46% de votos a favor. Em novembro deste ano, mais trs plebiscitos

    sero realizados a respeito, no Colorado, em Washington e no Oregon.

    No Brasil, Anteprojeto de Cdigo Penal elaborado pela

    Comisso de Juristas indicados pelo Senado Federal a despeito dos problemas de forma e

    contedo existentes na proposta contempla, acertadamente, a abolio do crime de porte

    de drogas para consumo pessoal, verbis:

    Art. 212

    (...)

    2 No h crime se o agente:

    I adquire, guarda, tem em depsito, transporta ou traz consigo drogas para

    consumo pessoal;

    II semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas preparao de drogas para

    consumo pessoal.

    3 Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz

    atender natureza e quantidade da substncia apreendida, conduta, ao

    local e s condies em que se desenvolveu a ao, bem como s

    circunstncias sociais e pessoais do agente.

    4 Salvo prova em contrrio, presume-se a destinao da droga para uso

    pessoal quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo

    mdio individual por cinco dias, conforme definido pela autoridade

    administrativa de sade. 17

    Todas essas vertentes da mobilizao poltica mundial visando

    uma reviso ou ao menos uma distenso na poltica de war on drugs revelam a atualidade

    da discusso travada nos presentes autos.

    16Poltica de drogas: novas prticas pelo mundo, op. cit., pp. 24 e 25; NADELMANN, Ethan. Regulate DrugUse, Dont Criminalize It, New York Times, 30.05.12,http://www.nytimes.com/roomfordebate/2012/05/30/should-latin-america-end-the-war-on-drugs/regulate-drug-use-dont-criminalize-it

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    proteo de meros valores ticos e morais, nem a sano de condutas socialmente incuas,

    s existindo interveno legtima do Direito Penal quando este ltimo salvaguarda

    interesses ou condies que renam duas caractersticas: a da generalidade (deve tratar-se

    de bens ou condies que interessem maioria da sociedade e no a uma parte ou setor

    desta) e a da transcendncia (bens essenciais para o homem e a sociedade, vitais), uma

    vez que o contrrio um uso sectrio ou frvolo do Direito Penal: sua perverso25

    .

    NILO BATISTA elenca quatro funes do princpio da lesividade,

    relacionadas com seu aspecto substancial, dentre as quais merecem destaque: i) proibir a

    incriminao de uma conduta que no exceda o mbito do prprio autor : tendo em vista

    que a autoleso, como, por exemplo, o suicdio tentado, impunvel, a incriminao do

    porte de drogas representa franca oposio ao princpio da lesividade e s mais atuais

    recomendaes poltico-criminais; ii) proibir a incriminao de condutas desviadas que no

    afetem qualquer bem jurdico: ainda que se trate de conduta orientada em direo

    fortemente desaprovada pela coletividade, de prticas e hbitos de grupos minoritrios,

    nada disso justifica a interveno penal, restando apenas a apreciao moral26

    .

    4. Consumo pessoal e sade pblica

    Vem de longe a discusso a respeito da (i)legitimidade da

    interveno penal no que diz com o consumo de substncias proibidas. No de hoje se

    questiona a respeito da existncia de bem jurdico digno da tutela penal nessa seara, tendo

    em vista que o uso de drogas causa prejuzo ao indivduo, no a terceiros.

    25 GARCA-PABLOS DE MOLINA Antonio. Derecho Penal Introduccin, Madri: Universidad Complutense, 1995,p. 265.26 Op. cit., pp. 92/94.

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    Para superar esse obstculo lgico intransponvel uma vez

    que a alteridade pressuposto de legitimidade do ilcito penal , criou-se, na jurisprudncia,uma justificao que pode ser definida como um salto triplo carpado hermenutico.

    Convencionou-se, no discurso jurdico, que a incriminao do

    porte de drogas para consumo pessoal justificar-se-ia em funo da expansibilidade do

    perigo abstrato sade pblica. A proteo da sade coletiva dependeria da ausncia de

    mercado para a traficncia. Em outras palavras, o porte para consumo pessoal teria a funo

    de tornar possvel a represso ao trfico de drogas, afinal, no haveria comrcio clandestino

    se no houvesse mercado consumidor.

    Alm disso, haveria uma relao de consequencialidade

    necessria entre consumo e trfico de drogas, alm de outros ilcitos correlatos, como

    crimes contra o patrimnio ou mesmo contra a pessoa.

    No por outra razo, as drogas ilegais e seus usurios

    costumam ser responsabilizados por todos os problemas sociais existentes. WINFRIED

    HASSEMER que foi Vice-Presidente da Corte Constitucional alem observa que o problema

    das drogas, decorrente do mpeto e da compulso do ser humano para a intoxicao, o qual

    pode ser caracterizado como uma constante antropolgica, um campo frtil para

    dramatizaes com motivaes polticas:

    Drogas de incio no aceitas culturalmente acabam sendo assimiladas e

    integradas. O caminho j conhecido comea com a proibio, evolui para uma

    permisso limitada e finalmente chega tributao dos venenos. O crculo de

    novas drogas se amplia. A presena do ch e do caf em nosso cotidiano faz-

    nos perder de vista que, um dia, eles tambm pertenceram a esse rol.

    E j que assim, a esperana de uma sociedade livre das drogas to

    insustentvel cientificamente quanto perigosa do ponto de vista da segurana

    pblica. Este assunto se apresenta com a mesma distoro do objetivo de

    uma sociedade livre do crime, tpica de estados autoritrios. Em ambos oscasos, um comportamento proibido, perseguido e punido, apesar de

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    inseparavelmente atrelado existncia humana em sociedade; em ambos os

    casos, consequentemente, o nico limite aceito para o combate e oextermnio da criminalidade ou do abuso de drogas o esgotamento dos

    combatentes. E j que os fins da luta e seus meios perseguem e justificam so

    inalcanveis, esta mquina de guerra acaba caindo num poo sem fundo: se

    no tem o suficiente, cumpre providenciar mais meios de combate more of

    the same. Nem preciso muita fantasia estratgica a fim de dramatizar com

    sucesso o problema das drogas.

    Dramatizao, porm, um meio perigoso na poltica. E j que assim, as

    pessoas e as sociedades tambm sempre procuraram desmistificar o

    problema das drogas, conviver com ele e torn-lo suportvel. Culturas,contra-culturas e subculturas contm e contiveram uma boa dose dos

    instrumentos capazes de canalizar o uso de drogas, integr-las na convivncia

    diria e torn-las controlveis para os consumidores e para os circunstantes.

    Basta pensar na infinidade de artifcios que a sociedade desenvolveu para

    tornar a perigosa droga lcool no apenas docemente controlada, como

    tambm rigorosamente enquadrada: literatura e msica, folclore e

    publicidade da camaradagem, hbitos e festas de bebida, impostos e

    subvenes, proteo da juventude e legislao de trnsito, culinria e

    enofilia.27

    Para alm da demonizao de certas substncias, no mais

    possvel cincia jurdica ignorar a existncia de um antagonismo evidente entre a

    destinao pessoal do consumo e a proteo jurdica sade pblica: se o consumo

    pessoal, afeta a sade individual. No h alteridade, apenas autoleso, o que inviabiliza a

    atuao do direito penal. Nullum crimen nulla poena sine iniuria.

    Enquanto h destinao pessoal, a posse de substncias

    entorpecentes ou que determinem dependncia fsica ou psquica uma conduta privada,

    como tal, no podendo ser objeto de criminalizao, por constituir esta criminalizao uma

    desautorizada interveno do Estado sobre a liberdade individual, a intimidade e a vida

    privada. Da mesma forma que no se pune como, de fato, no se poderia punir a

    tentativa de suicdio (afetadora da prpria vida) ou a autoleso (trazendo dano efetivo para

    27 HASSEMER, op. cit., pp. 326 e 327.

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    a sade), muito menos se poderia punir uma conduta que, como a posse de substncia

    entorpecente ou que determine dependncia fsica ou psquica para uso prprio, envolveum simples perigo de autoleso (trazendo mera ameaa de dano para a sade unicamente

    daquele que possui tal substncia) (sentena proferida pela Juza Auditora MARIA LCIA

    KARAM, da 2 Auditoria da 1 Circunscrio Judiciria Militar, no processo n 17/95-5, de

    07.08.96).28

    As aes descritas no art. 28 da Lei n. 11.343/06 no afetam

    terceiros. Apesar de a posse de drogas no causar qualquer leso por si s a outra pessoa,

    objeto de incriminao porque provoca outros atores, no controlados pelo ator original, a

    adotar comportamentos que podem causar perigo ou leso a terceiros.

    Aceitar como justificativa para a incriminao dos

    consumidores a necessidade de punio do trfico (ou mesmo de outros crimes) significa

    tornar o punido objeto de intimidao para os demais cidados, coisificando-o e, pois,

    negando-lhe dignidade humana, instituindo-se, ademais, verdadeira responsabilidade

    objetiva, posto que se pune algum (consumidor de drogas) por atos de terceiros

    (traficantes ou autores de delitos relacionados ao consumo ou comrcio de drogas). O

    resultado potencialmente lesivo no pode ser atribudo ao autor original, o que viola o

    princpio da responsabilidade penal pessoal29

    .

    O papel normativo da sano penal sempre esteve relacionado

    ao mbito da censura retrospectiva em vista de fato pretrito30. Segundo ANDREW VON HIRSCH,

    o uso da pena em situaes de autoleso se refere conservao das futuras chances de

    vida da pessoa atingida: ela , agora, afastada de um determinado comportamento, para

    que, mais tarde, continue-lhe possvel perseguir seus supostos objetivos de longo prazo31

    28 Disponvel em www.leapbrasil.com.br

    .

    29 HIRSCH, Andrew von. Paternalismo direto: autoleses devem ser punidas penalmente?, in Revista

    Brasileira de Cincias Criminais, So Paulo, RT, 2007, n 67, pp. 25 e 26.30 HIRSCH, op. cit., pp. 19/21.31 Op. cit., pp. 20 e 21.

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    No entanto, observa o mesmo autor, esse fundamento para a interveno evidentemente

    orientado para o futuro e essa orientao ao futuro faz da pena com suas caractersticas

    fortemente retrospectivas e censuratrias uma forma inadequada de reao32

    .

    No direito penal das drogas, pune-se o consumo com vistas

    evitao de um futuro e incerto perigo abstrato gerador dessa inafervel expansibilidade do

    consumo.

    Trata-se de inaceitvel utilitarismo, o qual, repita-se,

    instrumentaliza a dignidade humana, coisificando a pessoa.

    A alegao de danos indiretos a terceiros vulnera a alteridade

    que deve existir, sempre e sempre, quando se trata de norma incriminadora. Da por que

    proibida a incriminao de condutas que excedam o mbito do prprio autor.

    Um dos mais importantes limites do direito penal reside no

    postulado segundo o qual o dano a si mesmo no pode ser objeto de incriminao. A

    autoleso situa-se na esfera de privacidade do indivduo, nela sendo defeso ao direito

    especialmente o direito penal penetrar.

    LUIS GRECO afirma que se o comportamento pertence esfera

    privada ou de autonomia do agente, a rigor sequer se coloca a questo do bem jurdico33

    .

    Na mesma direo, HIRSCH observa que, em casos normais, o

    Estado no deve empregar sua violncia coativa para impedir que um indivduo pratique

    autoleses34

    32 Op. cit., p. 21.33 Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexes a partir da deciso do Tribunal Constitucional argentino

    sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com a finalidade de prprio consumo in RevistaBrasileira de Cincias Criminais, So Paulo, RT, 2010, n 87, p. 100.34 Op. cit., p. 14.

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    O papel do direito penal no realizar a educao moral depessoas adultas. No compete ao Estado fiscalizar a moralidade privada, para exercer em

    face dos cidados o papel de polcia dos costumes, de sentinela da virtude.

    O direito penal das drogas representa a moralizao do

    problema: significa ortopedia moral.

    A opo por um Direito penal reconhecidamente viciado pelo

    dficit de implementao como instrumento de pedagogia popular inadmissvel num

    estado de Direito. (...) Ele no pode se prestar, em nenhum caso concreto, a uma

    funcionalizao em favor de objetivos estranhos a seus fins, como a educao popular. 35

    Entregar as drogas ao manejo do direito penal impede a

    regulao e controle pelo Estado e libera o campo para o domnio econmico das

    organizaes criminosas. Toda proibio de uma constante antropolgica, como o desejo

    pelas drogas, produz uma presso contnua no sentido de contorn-la e arrefec-la36

    . A

    proibio penal est na raiz do mercado negro, como bem mostrou a experincia da Lei Seca

    nos EUA.

    5. razovel punir a vtima guisa de proteg-la? Condutasautolesivas representam uma pretenso legtima que o autor tem contra si

    mesmo?

    A ideia de que o Estado pode substituir a vontade do indivduo

    para proteg-lo de si mesmo, contraria o pensamento liberal segundo o qual a pessoa tem o

    direito de seguir seu prprio plano de vida. Cuida-se, em ltima anlise, de paternalismo:

    35 HASSEMER, op. cit., pp. 332 e 333.36 HASSEMER, pp. 328 e 329.

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    tratar adultos como crianas. A vontade do mais forte que entende saber o que melhor

    para proteger o mais fraco prevalece. a interferncia na liberdade de ao de uma pessoajustificada por razes que dizem exclusivamente com o bem-estar, a felicidade, as

    necessidades, aos interesses ou aos valores da pessoa coagida37

    . Trata-se de violao da

    autonomia do ser humano.

    Desde os estudos de STUART MILL, h notcia de paternalismo na

    lei penal38

    . Esse fenmeno se verifica no apenas na proibio das drogas, mas tambm na

    proibio da prostituio, do jogo de azar, de certas prticas sexuais, do adultrio, da

    pornografia, do suicdio.

    Segundo ele, a lei s pode proibir condutas que lesem

    terceiros: o dano a outrem deveria ser a nica base para a incriminao de comportamentos

    (harm to others principle)39

    .

    Tratando do paternalismo na lei penal, especialmente no que

    concerne represso prostituio e sua explorao por terceiros, J OEL FEINBERG define

    paternalismo legal moralista, (onde paternalismo e moralismo se justapem via a vaga

    noo de dano moral): sempre uma boa razo em suporte a uma determinada proibio

    que ela seja necessria para impedir danos morais (como opostos a danos fsicos,

    psicolgicos ou econmicos) ao prprio autor. (Dano moral dano ao carter de algum,

    tornar-se uma pessoa pior, como oposto idia de dano ao corpo, pisque ou ao bolso de

    algum)40

    .

    37 DWORKIN, Gerald. Paternalism. In Philosophy of Law. Joel Feinberg (coord.), Beltmont: Wadsworth, 1986, p.230.38 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Tipificao criminal da violncia de gnero: paternalismo legal oumoralismo penal?, Boletim IBCCRIM n 166, setembro/2006.39On Liberty, The Pennsylvania State University, 2006, Chapter 4 Of the limits to the authority of society overthe individual, pp. 74 e seguintes.

    40Harmless wrongdoing: The Moral Limits of the Criminal Law. Oxford: Oxford University Press, 1990, v. 4, p.xx, apud ESTELLITA, Heloisa. Paternalismo, moralismo e direito penal: alguns crimes suspeitos em nossodireito positivo, Boletim IBCCRIM n 179, outubro/2007.

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    O mesmo autor destaca que em alguns casos envolvendo duas

    partes, ambas esto sujeitas a penas, ainda que a lei deseje proteger uma s, o solicitador ou

    comprador. Leis sobre prostituio que punem Joo e a prostituta satisfazem esta

    definio41

    .

    Na medida em que o proibicionismo busca impedir que o

    consumidor tenha acesso a drogas por meio no apenas da represso ao trfico, mas

    tambm ao consumo, adota-se o paternalismo legal moralista de que fala FEINBERG.

    No entanto, a punio do trfico no pressupe punir o

    consumo pessoal.

    Ao contrrio do que se vem sustentando majoritariamente na

    jurisprudncia brasileira, perfeitamente possvel reprimir o comrcio clandestino de drogas

    ilegais sem que haja necessidade de reprimir o consumo.

    exatamente o que ocorre com a prostituio, que, em si, na

    ordem normativa brasileira, considerada fato atpico, s assumindo relevncia jurdico-

    penal quando terceiro a explora em detrimento da vtima que se presta mercantilizao do

    sexo.

    Deixar de punir quem consome drogas significa abandonar a

    vitimizao secundria de que o usurio sempre foi alvo (a vitimizao primria se dava por

    ocasio do consumo causador de autoleso).

    41 FEINBERG, apudESTELLITA, op. cit., com a observao da autora de que este no o caso do Direito Penalbrasileiro que no pune a prostituio em si mesma, o que, talvez, possa explicar a severidade das penas para a

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    6. A impossibilidade de incriminao do porte de drogas paraconsumo pessoal no mbito do domiclio

    Subsidiariamente, ainda que se admita a possibilidade de a

    conduta de portar drogas para consumo pessoal caracterizar algum tipo de risco sade

    pblica ad argumentandum tantum , certo que essa possibilidade deve restringir-se aos

    casos em que o agente porta drogas em local pblico, pois somente nesta hiptese seria

    possvel vislumbrar alguma possibilidade remota de leso sade pblica.

    A Lei n. 6.368/76, em seu art. 12, 2., inciso II, incriminava a

    conduta de quem utiliza local de que tem a propriedade, posse, administrao, guarda ou

    vigilncia, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso

    indevido ou trfico ilcito de entorpecente ou de substncia que determine dependncia fsica

    ou psquica.

    A Lei n. 11.343/06, em seu art. 33, 1., inciso III, deixou de

    tipificar a utilizao de local ou bem de que tem a propriedade, posse, etc., para fins de uso

    de drogas, mantendo a incriminao somente quando a utilizao tem por destinao o

    trfico de drogas. Confira-se:

    (...) utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade,

    posse, administrao, guarda ou vigilncia, ou consente que outrem dele se

    utilize, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com

    determinao legal ou regulamentar, para o trfico ilcito de drogas (grifos

    nossos).

    Pois bem, a atual lei de drogas fez uma opo clara ao no

    incriminar a utilizao de local ou bem de que tem a propriedade, posse, etc., para fins de

    uso de drogas. Trata-se de abolitio criminis, cujas consequncias merecem anlise detida.

    parte, que a nica punida, nos crimes indicados acima e abaixo.

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    Como sabido, a lei penal no pune o uso de drogas, mas tosomente as condutas de adquirir, guardar, ter em depsito, transportar ou trazer consigo, a

    teor do que dispe o art. 28, caput, da Lei n. 11.343/06. A alegao de que o porte para

    consumo pessoal conduta tipificada no art. 28 da Lei n. 11.343/06 lesa o bem jurdico

    sade pblica , como visto anteriormente, insustentvel. Como possvel uma conduta

    destinada a ofender a sade individual o porte destina-se ao consumo pessoal do agente

    lesar a sade pblica? H uma evidente contradio entre a destinao pessoal do consumo

    e a suposta ofensa, ou mesmo risco de ofensa, sade pblica.

    Ainda que se admita a possibilidade de a conduta de portar

    drogas para consumo pessoal caracterizar algum tipo de risco sade pblica o que se

    admite, repita-se, apenas para argumentar certo que essa possibilidade deve restringir-

    se aos casos em que o agente porta drogas em local pblico, pois somente nesta hiptese

    seria possvel vislumbrar alguma possibilidade remota de leso sade pblica.

    Essa exegese decorre de interpretao teleolgica da abolitio

    criminis operada em relao ao crime descrito no art. 12, 2., inciso II: ora, se na lei no h

    palavras inteis, a abolitio criminis referida teve como ratio a proteo constitucional da

    intimidade e da vida privada, valores que se sobrepem represso penal do porte de

    drogas para consumo pessoal.

    Nessa linha de argumentao, por se tratar de infrao penal

    de nfimo potencial ofensivo, o crime do art. 28 da Lei n. 11.343/06 no admite priso em

    flagrante, na exata dico do que dispe o art. 48, 2. do referido diploma legal

    (Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, no se impor priso em flagrante).

    A inadmissibilidade da priso em flagrante bem demonstra que, no conflito entre valores,

    deve preponderar a proteo constitucional da intimidade e da vida privada (CF, art. 5.,

    inciso X), a qual s cede no caso de o porte de drogas para consumo pessoal dar-se em localpblico.

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    Esse entendimento foi pioneiramente defendido por MAURIDES

    DE MELO RIBEIRO, na dissertao Polticas pblicas e a questo das drogas: o impacto da

    reduo de danos na legislao brasileira de drogas (2007) e na tese Drogas e reduo de

    danos: anlise crtica no mbito das cincias criminais (2011), com as quais o autor obteve,

    respectivamente, os ttulos de mestre e doutor em direito penal pela USP. Confira-se:

    Realizando uma interpretao sistemtico teleolgica, tendo em conta os

    princpios que norteiam a nova lei e as finalidades da Poltica Nacional sobreDrogas, com relao ao delito de porte para uso prprio capitulado no seu

    artigo 28 teremos inicialmente que a nova base principiolgica adota

    estabelece que: o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana,

    especialmente quanto sua autonomia e sua liberdade, conforme a dico

    do artigo 4, inciso I; o respeito diversidade e s especificidades

    populacionais existentes, nos termos do inciso II do mesmo dispositivo legal;

    alm da necessidade do fortalecimento da autonomia e da responsabilidade

    individual em relao ao uso indevido de drogas, conforme o disposto no seu

    artigo 19, inciso III.Pois bem, ao punir o delito de porte para uso pessoal, isolada e unicamente,

    com pena restritiva de direitos o legislador inaugura uma nova modalidade de

    delitos em nosso sistema penal, vale dizer, os delitos de mnimo potencial

    ofensivo (Tambm nesse sentido ver: MAGNO, Levy Emanuel. In: GUIMARES,

    Marcello Ovdio Lopes (Coord.). Nova lei antidrogas comentada. So Paulo:

    Quartier Latin, 2007. p. 120). Seguindo nessa linha de pensamento verifica-se

    de plano que o delito de uso de drogas , nos termos da nova lei,

    absolutamente incompatvel com a privao de liberdade do eventual

    infrator.

    Tanto assim que a lei veda em seu artigo 48, 2 a imposio de priso em

    flagrante ao autor da conduta prevista no artigo 28, devendo este ser

    encaminhado imediatamente ao juzo competente ou assumir o compromisso

    de a ele comparecer. Tal compromisso poder ser tomado pela prpria

    autoridade policial, sempre vedada a deteno do autor do fato, conforme

    estabelece o 3 do artigo 48 da nova lei de drogas. Dessa forma, ao contrrio

    do que tem sido afirmado pela maioria da doutrina, no ser possvel,

    realmente, a priso em flagrante do autor da conduta tipificada.

    Diante da impossibilidade de priso em flagrante est absolutamente vedado

    o ingresso em casa particular para a constatao ou apreenso de drogas

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    ilcitas que estejam sendo utilizadas para consumo prprio sem mandado

    judicial, uma vez que a norma constitucional excepciona apenas aquelahiptese, conforme prev o inciso XI do artigo 5 da Constituio Federal.

    Numa anlise sistemtica da lei essa impossibilidade fica realada quando se

    verifica que no foi criminalizada a conduta de quem utiliza local ou bem de

    sua propriedade ou posse, por qualquer ttulo, para o uso de substncias

    psicotrpicas, conduta que era anteriormente equiparada ao trfico conforme

    o inciso II do 2 do artigo 12 da Lei n 6368/76.

    Com essa nova conformao o legislador, na realidade, reconfigurou o mbito

    de interesse e atuao legtima do Estado. Caso a conduta no tenha

    relevncia e permanea no plano da intimidade do cidado que faa uso dadroga, fora do espao pblico, no ser permitida a interveno desmotivada

    do Estado que nesse limite somente poder ingressar munido de autorizao

    judicial.

    Ao delimitar o interesse estatal o legislador deu nova soluo ao conflito de

    direitos constitucionalmente assegurados. A conduta est criminalizada,

    contudo, se praticada no espao pblico ter potencialidade de expanso e

    sujeitar o infrator pronta e imediata interveno estatal, contudo, se

    praticada no recesso de sua privacidade, no interior de sua residncia, por

    exemplo, o infrator, embora cometendo um ilcito penal, somente estarpassvel da interveno estatal se a autoridade pblica se apresentar munido

    de mandado que lhe franqueie o acesso na residncia da pessoa averiguada.

    A mesma orientao se aplica a conduta de plantio para uso pessoal que, nos

    termos do 1 do artigo 28, est equipada conduta de porte para uso

    prprio. Remarque-se, que essa alternativa de suprimento autnomo por

    parte da pessoa que dela se utiliza retira uma fonte fundamental de recursos

    da atividade comercial ilcita e evita o estabelecimento de vnculos da pessoa

    que usa drogas com as organizaes criminosas que se dedicam ao trfico.

    Dessa forma possvel projetar, com a necessidade de poucas alteraeslegais, qui apenas regulamentao de natureza administrativa, para a

    implementao de clubes de canabismo no Brasil. Caso a autorizao para o

    uso seja restrito a determinados locais e certos grupos de pessoas, a conduta

    estar contida naquele mbito especfico e ser passvel de um melhor

    controle criminal, social e mdico-sanitrio.

    Estratgias dessa natureza, que visam preveno de riscos e a reduo de

    danos so condutas adotadas comumente como controles informais e, em

    nossa histria, tivemos experincias semelhantes como os clubes de

    diambistas do Maranho, conforme os relatos de estudiosos da poca

    (IGLSIAS, Francisco Assis. Sobre o vcio da diamba. In: BRASIL. Servio

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    Nacional de Educao Sanitria. Maconha: coletnea de trabalhos brasileiros.

    Rio de Janeiro: Ministrio da Sade, 1958. p. 18-19). Por outro lado, condutasque envolvem aspectos morais e criminalizadas com maior rigor - como o ato

    obsceno, tipificado no artigo 233 do Cdigo Penal e sancionado com pena de

    deteno de trs meses a um ano so tambm de tipificao restrita ao

    espao pblico e h tolerncia com sua prtica privada e mesmo permisso e

    destinao de locais especialmente adequados atividade do naturismo,

    geridos por associaes ou clubes de pessoas cultoras dessa cultura. (Drogas

    e Reduo de Danos: Anlise Crtica no mbito das Cincias Criminais).

    Nessa mesma esteira, merece destaque aresto proferido pelo

    Tribunal de Justia de So Paulo, que afirmou a impossibilidade de majorao da pena pela

    agravante geral da reincidncia com suporte em condenao anterior pela prtica do ilcito

    de porte de entorpecente para uso pessoal, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/06. Confira-

    se:

    Mas sim, com olhos na evidente e profcua reforma legislativa de mitigao

    do desvalor conduta do usurio - vendo-o, agora, como dependente a sertratado e no como delinquente a ser reprimido --, perquirir acerca da

    pertinncia da aplicao da agravante geral da reincidncia, sem a devida

    ponderao, ao condenado por uso de drogas das consequncias jurdico-

    penais aplicveis quando da prtica de qualquer delito, como se estivesse a

    tratar de um ilcito penal ordinrio, sem qualquer especificidade.

    Por mais que se defenda a natureza criminosa do artigo 28 da Lei 11343,

    inegvel que a ausncia de previso de pena privativa de liberdade como

    sano, sequer de forma remota, significa uma relevante alterao na

    valorao do fato, de um diminuto desvalor e ofensividade, notadamente

    tendo-se em conta o regime normativo anterior. Mudana esta que no pode

    ser, pelos aplicadores do Direito, negligenciada.

    De uma breve anlise das sanes previstas no citado dispositivo, dessume-se

    um novel paradigma no Direito Brasileiro, o afastamento in totum da pena

    privativa de liberdade, em um movimento de descarcerizao movido, em

    muito, pela conscincia mundialmente alcanada quanto ao fracasso da

    poltica de embate e represso aos entorpecentes, inclusive quanto ao

    usurio.

    As sanes previstas para o indivduo que pratica conduta tipificada no

    artigo 28 no tm matiz repressivo, mas antes, de cunho preventivo especial

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    O artigo 28 da Lei 11343/06 lei posterior ao artigo 63 do CP fora

    concebido sem qualquer previso de pena privativa de liberdade, na linhadas modernas tendncias de ver o usurio como indivduo carecedor de

    tratamento e no delinquente infrator da ordem jurdica, fato que no pode

    ser negligenciado, como se estivesse a tratar de qualquer delito. Tal a razo

    pela qual aquele j condenado por uso de drogas no pode, a posteriori, ter

    este fato no revelador de uma desconsiderao pela ordem jurdica e

    nem perigosidade valorado em seu desfavor, a ttulo de reincidncia, para

    ampliar o tempo no crcere, em detrimento da vontade hoje estampada na

    lei.

    O indivduo anteriormente condenado pelo artigo 28 que sequer ensejapena de priso no pode ser considerado perigoso e sequer pode ser tido

    como descumpridor da ordem jurdica, donde supostamente colocar-se-iam

    necessidades preventivas, visto que a prpria lei hoje reconhece a condio

    daquele como pessoa a, muito mais do que censura, merecer tratamento.

    (...)

    dizer, a sano prevista no tipo penal retrata o desvalor do ordenamento

    conduta tipificada, pelo que a impossibilidade absoluta de privao da

    liberdade por violao do art. 28 revela, de forma estreme de dvidas, uma

    mudana radical na percepo e reprovao social ao comportamento dousurio, dantes delinquente a ser combatido e segregado, hoje dependente

    a merecer apoio e tratamento. Fator este que no pode ser negligenciado na

    anlise do mbito de incidncia do artigo 63 do CP, que, no demais

    salientar, no pode ser aplicado quando o fato anterior no goza de

    significativa gravidade, pena de admitir-se irrestrita e injustificada

    compresso de direitos fundamentais.

    Se o legislador afasta peremptoriamente a pena privativa de liberdade para

    o indivduo que incide no artigo 28 inclusive no grave caso de

    descumprimento das sanes impostas , como admitir-se que, em eventualdelito posterior, a pena seja, a ttulo de reincidncia, majorada na forma de

    priso exatamente em virtude do uso anterior? Estar-se-ia, por via

    transversa, em flagrante violao ao princpio da proporcionalidade, a admitir

    pena privativa pelo uso quando tal fora afastado, de forma categrica, pelo

    prprio legislador.

    A corroborar a impropriedade de o artigo 28 da Lei 11343/06 servir como

    suporte para a caracterizao da reincidncia, tem-se o regime das

    contravenes penais. Estas, consoante disposto no artigo 5 do decreto lei

    3688/41, sujeitam-se s penas principais de priso simples ou multa, penas

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    estas, realce-se, mais graves do que as previstas para o indivduo que incide

    no artigo 28.Conforme consabido, quem pratica uma contraveno penal e depois um

    crime primrio, visto que o artigo 63 do Cdigo Penal s considera

    reincidente aquele que comete crime anterior, conceito que no abarca

    contraveno penal, e o artigo 7 da Lei das Contravenes Penais no

    contempla tal hiptese como de reincidncia.

    Ora, um sistema penal que se pretenda legtimo deve, ao menos, guardar

    coerncia e razoabilidade. Como pode o artigo 28 da Lei 11343/06 pelo qual

    sequer h possibilidade remota de privao da liberdade gerar reincidncia

    e a contraveno, passvel de priso simples, ser inbil a ger-la em caso decrime posterior? Chancelar-se entendimento desta sorte implica admisso de

    sria fissura em detrimento da coeso e harmonia do sistema penal. E tal, o

    que demasiado grave, em violao aos princpios da proporcionalidade e

    razoabilidade a necessariamente nortearem um legtimo processo de

    tipificao de condutas e cominao de penas.

    Refoge, portanto, ao razovel considerar-se que aquele que fora condenado

    por, v.g., porte de droga para consumo prprio, em futura condenao por

    crime, ser considerado reincidente (quando sequer h pena privativa

    cominada para este delito), quando as contravenes (sancionveis compriso simples) so inidneas para tanto.

    (...)

    Conforme visto exausto, o preceito secundrio do artigo 28 no prev pena

    privativa de liberdade, o que demonstra tratar-se de crime de menor

    gravidade e ofensividade, razo da impossibilidade de considerar-se a

    condenao anterior por tal delito como causa hbil a configurar reincidncia.

    Por tal razo, no pode esta anterior condenao do sentenciado embasar o

    aumento de pena nem a negativa da causa de diminuio, pelo que imperiosa

    a reforma da sentena monocrtica.(...) (TJ/SP, 1 CCrim., Ap. n. 0009781-64.2010.8.26.0400, rel. Des. Mrcio

    Brtoli, m.v., j, 05.03.2012; grifos do original).

    Na doutrina, igualmente, colhem-se manifestaes nessa

    mesma direo. Veja-se:

    No exagerado, assim, equiparar a intensidade da ilicitude do fato porte de

    drogas ao mesmo grau das mais tnues contravenes penais. Sabe-se que a

    prtica da contraveno penal no configura falta grave durante o

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    cumprimento de pena. Tambm no capaz de revogar obrigatoriamente o

    sursis(da pena ou processual) e no gera reincidncia no caso de condenaopor crime. Eis o necessrio raciocnio pela proporcionalidade: ora, se mesmo

    as contravenes penais que cominam pena privativa de liberdade no

    configuram falta grave, no revogam necessariamente o sursis e no geram

    reincidncia para a futura prtica de crime, como uma infrao penal com

    ilcito menos intenso e abstratamente menos reprovvel pode faz-lo? Seria

    evidentemente desproporcional, contrariando os ditames de isonomia e

    razoabilidade que regem a interpretao racional do ordenamento (...) Enfim,

    formalmente um crime, mas seus efeitos secundrios no podem superar os

    de uma contraveno penal, por uma questo de proporcionalidade.(JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda;

    Legislao Penal Especial: volume 1, 5 edio, So Paulo: Premier Mxima,

    2008, p. 225).

    Ainda no mesmo diapaso, deciso judicial que rejeitou

    denncia ofertada pela prtica do crime do art. 28 da Lei n. 11.343/06 nas dependncias de

    estabelecimento prisional por ausncia dos pressupostos processuais da ao penal:

    Vistos.

    O Ministrio Pblico ofereceu denncia contra o ru F.C.T., dando-o como

    incurso no art. 28, caput, da Lei 11.343/06, por portar droga para consumo

    prprio, no interior de estabelecimento penal.

    O artigo 395, II e III, do CPP, aplicvel a todos os procedimentos, na forma do

    art. 394, 4, do CPP, com as redaes modificadas pela Lei 11.719/08,

    autoriza a rejeio da denncia quando faltar condio para o exerccio da

    ao ou justa causa.A respeito do interesse de agir, uma das condies do processo, prelecionam

    Ada Pellegrini Grinover, Cndido Rangel Dinamarco e Antnio Carlos de

    Arajo Cintra:

    Tendo embora o Estado o interesse no exerccio da jurisdio (funo

    indispensvel para manter a paz e a ordem na sociedade), no lhe convm

    acionar o aparato judicirio sem que dessa atividade se possa extrair algum

    resultado til. preciso, pois, sob esse prisma, que em cada caso concreto, a

    prestao jurisdicional solicitada seja necessria e adequada (Teoria Geral do

    Processo, 10 Ed., Malheiros, 1994, p. 256).

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    Destarte, para se afirmar a presena do interesse processual mister se faz que

    o provimento jurisdicional almejado seja til.Nesse sentido:

    O interesse de agir deve ser enfatizado no campo penal, visto ser o processo

    criminal uma coao somente admitida quando seu resultado se mostrar til,

    j que, do contrrio, somente estaria caracterizando-o como meio de aflio,

    constrangimento e gerador de estigmatizaes. Desse modo, pode-se concluir

    que a existncia do processo est condicionada determinao do delito e

    imposio da pena correspondente. Seria ilgico pensar o processo com o

    objetivo de fixar uma pena que ser atacada pela prescrio retroativa, que

    declarar extinta a punibilidade. Ou seja, um processo intil e ineficaz(Lopes, Aury, Introduo Crtica ao Processo Penal, editora Lumen Juris, Ed.,

    Rio de Janeiro, 2006, p. 6).

    No caso em apreo, o acolhimento da pretenso punitiva estatal afigura-se

    totalmente intil, seno vejamos:

    De incio, aponta-se a ausncia de credibilidade de uma confisso do ru,

    quando ausentes outros elementos de convico, porquanto fato comum

    detentos assumirem condutas de outros presos, obrigados por estes sob

    graves ameaas.

    No obstante, a Lei 11.343/06 trouxe medidas despenalizadoras ao delitoprevisto no art. 28 da citada lei, de sorte que a pena final a ser aplicada ao

    denunciado, em caso de condenao, seria uma daquelas previstas no art. 28,

    incisos I, II e III da mencionada lei.

    Tendo-se em conta as finalidades da pena, tem-se que aquelas medidas so

    totalmente incuas no caso vertente.

    A sano de advertncia quanto aos malefcios do uso de drogas, para presos

    condenados definitivamente em regime fechado ou semi-aberto, seria estril,

    j que totalmente esclarecidos quanto aos prejuzos o uso de substncia

    estupefaciente.Ademais, a Lei de Execuo Penal estipula ser falta grave a prtica de crime

    doloso no interior de estabelecimento penal, sendo que tal punio

    administrativa independe da criminal. A previso das sanes da Lei

    11.343/06, em termos prticos, muito mais branda que as consequncias

    administrativas da prtica de falta grave, sendo totalmente desnecessria a

    interveno do Direito Penal nesse caso.

    A cirurgia penal, por seus efeitos traumticos e irreversveis por sua

    nocividade intrnseca s pode ser prescrita in extremis, isto , quando no se

    dispe de outras possveis tcnicas de interveno ou estas resultam

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    ineficazes: como ultima ratio (FRANCO, Alberto Silva e outros, Cdigo Penal e

    sua Interpretao, 8 edio, RT, So Paulo, 2007, p. 49)Assim, qualquer finalidade buscada com a sano de advertncia tambm j

    seria atingida com a punio administrativa.

    Nessa mesma esteira, a pena de prestao de servios comunidade no

    surtiria efeitos para condenados em regime fechado ou semi-aberto, ante a

    impossibilidade de cumprimento de tais reprimendas.

    A converso em penas pecunirias implicaria, quando cumpridas, em violao

    ao princpio da intranscendncia da pena (art. 5, XLV, da CF/88), porquanto

    acabaria sendo os familiares do preso ou pessoas prximas a ele que arcariam

    com tais sanes.Em caso de descumprimento das penas previstas no art. 28 da Lei 11.343/06,

    o legislador previu a aplicao de admoestao verbal e multa (art. 28, 6, da

    Lei 11.343/06), que tambm no surtiriam qualquer efeito prtico no caso em

    exame, pelos motivos j expostos.

    No h a possibilidade de se converter aquelas penas em privativas de

    liberdade, mngua de previso legal nesse sentido.

    Em tese, a nica reprimenda adequada poderia ser a medida educativa de

    comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III, da citada Lei),

    contudo, em caso de recusa no seu cumprimento a sua efetividade restariaaniquilada. Outrossim, estando o denunciado em estabelecimento penal, tais

    medidas j poderiam ser fornecidas pelo prprio Estado, sendo desnecessria

    a aplicao de sano criminal neste sentido. Pois, dever do Estado

    assegurar a higidez mental e fsica dos presos, uma vez que tais direitos no

    lhe foram retirados na sentena penal condenatria (art. 3 e 14, da Lei

    7.210/84).

    (...)

    Destarte, mesmo com uma sentena penal condenatria, nenhuma das

    finalidades buscadas com a sano penal seria atingida.Nem se diga que estaria o Poder Judicirio se abstendo da sua funo de

    sancionar o delito, pois, mesmo existindo a infrao penal, pode o magistrado

    deixar de aplicar a pena ao fundamento da irrelevncia penal do fato ou

    propriamente da desnecessidade de pena, nos termos do art. 59 do CP, j que

    a pena deve ser necessria e suficiente repreenso do crime.

    Infrao bagatelar imprpria: a que nasce relevante para o Direito penal

    (porque h desvalor da conduta bem como desvalor do resultado), mas

    depois se veria que a incidncia de qualquer pena no caso concreto

    apresenta-se totalmente desnecessria (princpio da desnecessidade da pena

    conjugado com o princpio da irrelevncia penal do fato (GOMES, Luiz Flvio

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    e Antonio Garca-Pablos de Molina, Direito Penal, vol.2, Parte Geral, RT, 1 ed,

    So Paulo, p.305).(...)

    No se trata de admitir a legalizao do uso de drogas no interior de

    estabelecimento penal, porquanto existindo previso de tal conduta como

    crime, h sano administrativa por prtica de falta grave, que independe de

    deciso criminal. Alis, sano administrativa com consequncias mais graves

    que a prpria reprimenda criminal.

    (...)

    O nico efeito til que se poderia buscar com a condenao do denunciado

    nas sanes do art. 28 da Lei 11.343/06, seria, em tese, o reconhecimento deuma condenao para efeitos de reincidncia. Todavia, cuidando-se de

    denunciado que j estava cumprindo pena em regime fechado ou semi-

    aberto, inexoravelmente j reincidente.

    De outro lado, a onerosidade representada pela deflagrao e transcurso de

    um processo desse jaez desproporcional a utilidade do processo. Isso

    porque se movimenta toda uma mquina judiciria, com materiais e

    servidores bem como escoltas para conduzir os presos s audincias (no

    raro, presos de alta periculosidade, pois esto em regime fechado ou semi-

    aberto, exigindo maior nmero de escoltas) e requisio dos agentespenitencirios como testemunhas, que esto em dias de folga ou a trabalho

    para ao final aplicar-se uma sano que nem de perto atingir as finalidades

    de uma sano penal.

    Destarte, ntida a inutilidade de um processo-crime nessas circunstncias,

    que de mais a mais apenas servir para estigmatizar o ru, sendo imperiosa a

    sua extino liminarmente.

    Em pesados gravames importa o processo penal, e isso no s ao status

    libertatis, como ao status dignitatis do acusado. Assim, seu aforamento sem a

    evidenciao de um mnimo de justa causa caracteriza ultraje a direitoindividual, cuja salvaguarda de modo algum pode ser subtrada imediata

    apreciao do Judicirio (TACRIM-SP HC Rel. Azevedo Fransceschini

    JUTACRIM-SP 22/170)

    O transcurso de um processo sem utilidade jurdica representa ato contrrio

    ao ordenamento jurdico, razo pela qual no h, tambm, justa causa para a

    continuidade da persecuo criminal.

    Se o processo no for til ao Estado, sua existncia jurdica e socialmente

    intil. O interesse de agir categoria bsica para a noo de justa causa no

    processo penal, e exige da ao penal um resultado til. Sem aplicao

    possvel de sano. Inexiste justa causa para a ao penal (TJRS 8 Cm.

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    Crim. Rec. 700008660530 Rel. Tupinamb Pinto Azevedo j. 10.5.2000

    RJTJTGS 203/128).(...)

    Diante do exposto, com fundamento no art. 395, incisos II e III do CPP, rejeito

    a denncia oferecida contra F.C.T. que imputava ao ru o crime previsto no

    art. 28 caput, da Lei 11.343/06.

    P.R.I.

    Tiago Henriques Papaterra Limongi

    Juiz de Direito.

    Tratando-se de delito que tutela a sade pblica, o art. 28 da

    Lei n. 11.343/06 s tem incidncia quando a posse da droga se d em local pblico. No

    mbito inexpugnvel da privacidade, a posse de drogas para consumo pessoal fato atpico.

    7. Concluso

    Muitos outros argumentos poderiam ser trazidos, como, por

    exemplo, a inidoneidade ou ineficcia do mecanismo penal para tratar a questo 42

    . A

    deciso da Corte Suprema da Argentina fez meno ineficincia da represso penal tendo

    em vista o constante aumento do consumo de drogas naquele pas.

    Referido argumento, contudo, deve ser compreendido apenas

    como uma considerao adicional, no como base da argumentao jurdica, ao menos no

    caso em anlise.

    LUIS GRECO afirma, a nosso ver com razo, que se se quiser

    recorrer ao emprico para deduzir concluses liberais, em especial limites ao poder do estado,

    de ter-se o cuidado de caracterizar esse argumento clara e expressamente como uma

    42 MAGALHES, Maringela. Notas sobre a inidoneidade constitucional da criminalizao do porte e docomrcio de drogas, op. cit., pp. 91/104.

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    considerao adicional. Do contrrio, no se fortalece, mas sim se acaba enfraquecendo o

    postulado limite ao poder estatal, uma vez que esse limite agora passa da situao

    contingente em que se encontre o mundo43

    .

    Como sabido, a tarefa de julgar exige um controle mnimo da

    racionalidade legislativa, sem qualquer ingerncia de um poder em outro, mas exerccio

    regular de funo jurisdicional tpica.

    Afinal, o legislador penal no tem um cheque em branco. Ele

    no pode tipificar livremente condutas, sem qualquer controle e critrio.44

    Alm de no haver demonstrao de que maior represso

    implique menos consumo45

    a realidade demonstra justamente o oposto , a ameaa de

    pena no caso das drogas (ainda que alternativas priso) poltico-criminalmente

    inoperante, inexistindo sentido preventivo ou repressivo.

    E mais: por que incriminar o que no deve ser criminalizado?

    Ora, quando o legislador prev, abstratamente, para condutas

    que deveriam ser srias e que mereceriam a interveno penal, apena de advertncia que

    a que ser suficiente para o geral dos casos em que o autor do fato seja primrio e para o

    seu descumprimento a pena de admoestao, impe-se reconhecer que tais condutas no

    tm a gravidade que reclama a interveno do direito penal46

    .

    Contando ainda com os doutos subsdios que sero trazidos

    colao por Vossa Excelncia e pelos demais ilustres componentes do Plenrio dessa e.

    43 Op. cit., p. 89.44 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho. Controle Jurisdicional da Instituio de Tipos

    Penais Anlise do Artigo 28 da Lei n 11.343/2006 in Revista da EMERJ, v. 10, n 38, 2007, p. 116.45Cannabis Policy: moving beyond stalemate, op. cit., p. 48.46 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, op. cit., p. 120.

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    Corte, aguarda o IBCCRIM o provimento do recurso extraordinrio em tela, a fim de que o

    art. 28 da Lei n. 11.343/06 seja declarado inconstitucional.

    So Paulo, 29 de outubro de 2012.

    MARTA CRISTINA CURY SAAD GIMENES

    OAB/SP 155.546

    DAVI DE PAIVA COSTA TANGERINO DIOGO RUDGE MALAN

    OAB/SP 200.793 OAB/RJ 98.788

    HELOISA ESTELLITA LUCIANO FELDENS

    OAB/SP 125.447 OAB/RS 75.825

    PIERPAOLO CRUZ BOTTINI CRISTIANO AVILA MARONA

    OAB/SP 163.657 OAB/SP 122.486

    THIAGO BOTTINO DO AMARAL MAURIDES RIBEIRO

    OAB/RJ 102.312 OAB/SP 77.102