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Prof. Dr. Luiz Fernando Scheibe Chapecó, 22 de abril de 2015 A GOVERNANÇA DA ÁGUA COMO FATOR DE INTEGRAÇÃO CIDADÃ NO MERCOSUL www.rgsg.org.br

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Prof. Dr. Luiz Fernando Scheibe

Chapecó, 22 de abril de 2015

A GOVERNANÇA DA ÁGUA COMO FATOR DE INTEGRAÇÃO

CIDADÃ NO MERCOSUL

www.rgsg.org.br

O marco inicial do projeto Rede Guarani/Serra Geral foi o desafio

trazido pelo Deputado Edison Andrino, a partir da CARTA DE FOZ

DO IGUAÇU SOBRE O AQÜIFERO GUARANI, de 15/10/2004, da

CPC/MERCOSUL, que preconiza:

“Que a reserva de água subterrânea estocada no Aqüífero

Guarani, ... nos territórios do Brasil, da Argentina, do Paraguai e

do Uruguai, ... seja declarada bem público do povo de cada

Estado soberano onde a reserva se localiza, e que seja protegida

pelos governos e populações para que possam, estratégica e

racionalmente, auferir os benefícios comuns, indispensáveis para

a sobrevivência futura”.

(Princípios mantidos no Acordo sobre o Aquífero Guarani,

assinado em 02/08/2010, pelos quatro países-parte)

Marco Inicial

Rio Paraná, 3.780 km; Paraguai, 2.620 km; Uruguai, 1.600 km.

O MERCOSUL E A BACIA DO PRATA

Importância estratégica da Bacia do Prata:

• Nela, são gerados 70% do PIB dos cinco paísesque a integram, e vive cerca de 50% dapopulação dos mesmos;

• usinas hidrelétricas: Itaipu (Brasil-Paraguai),Yacyretá (Paraguai-Argentina), ambas no RioParaná, e Salto Grande (Argentina-Uruguai), noRio Uruguai. Em estudo /andamento as deCorpus (Paraguai-Argentina) e Garabí (Brasil-Argentina). E já operam, no Brasil, as grandeshidrelétricas dos afluentes do Paraná e as do rioUruguai;

• 15 mil quilômetros de vias navegáveis, a únicasaída natural para o Oceano Atlântico paraBolívia e Paraguai, e para importantes regiões doBrasil e da Argentina.

Trópico do Capricórnio

Por que não um deserto?

Trópico do Câncer

Rios Voadores...

Contudo, conforme demonstram assituações de crise hídrica hojevivenciadas, não mais apenas nonordeste do Brasil, mas em váriaspartes da região do Mercosul,vivemos um contexto em que o ciclonatural das águas não vem dandoconta da reposição das águasutilizadas, nem da renovação da suaqualidade: cresce cada vez mais ouso das águas subterrâneas, e daí aimportância de bem conhecê-las,para melhor utilizá-las.

Bacia do Prata

Sistema Aquífero Integrado Guarani/Serra Geral

BaciaAmazônica

Pode-se considerar a água

subterrânea como aquela que

preenche os poros e as fraturas das

rochas, abaixo do nível freático.

E como aquífero, aquela rocha que

contém água em condições de ser

explorada (para o consumo doméstico,

o abastecimento público, a criação de

animais, a agricultura irrigada ou a

indústria), através de fontes naturais,

de poços escavados ou tubulares

profundos:

AQUÍFERO = ROCHA COM ÁGUA

Área Total do S.

Aquífero Guarani:

1.100.000 km2 (70,2 %

no Brasil); Área do

Aqüífero Serra Geral:

1.000.000 km2

No Paraguai, o Aquífero

Patiño é considerado “el

hermano menor del

Acuífero Guaraní”;

Na Argentina, o grande

litoral do rio Paraná é,

também, um aquífero

imenso.

Área de Ocorrência do Sistema Aquífero IntegradoGuarani/Serra Geral, no contexto da Bacia do Prata:

Diferentemente das águas superficiais, quese renovam contínua e rapidamente a cadaprecipitação atmosférica, o processo derenovação das águas subterrâneas(descarga e recarga dos aquíferos) é muitolento:

As águas de um rio com velocidade médiade 1m/seg se deslocariam 31.536.000m/ano. Ou seja, as águas do rio Amazonaspodem se renovar integralmente 5 vezesnum ano, enquanto as do aquífero situadologo abaixo dele se deslocariam apenas 1 a10m de sua posição nesse mesmo período.

Em períodos de estiagem, os rios sãoimediatamente afetados, e suaregularidade passa a dependerquase exclusivamente das fontes quealimentam suas nascentes: as águassubterrâneas . Estas passam, assim,a constituir reservas estratégicas,não apenas como recursos paranosso uso, como também do pontode vista de sua função ecológica.

Podemos, assim, considerar:

a) A AGUA_VIDA: a dimensão daagua_vida está vinculada aos direitoshumanos. Está relacionada diretamentecom as necessidades vitais do serhumano e deve ser disponibilizadagratuitamente em funções dasobrevivência, tanto dos sereshumanos, como dos demais seres vivos.Por outro lado, nessa dimensão deveser assegurada também asustentabilidade dos ecossistemas.

b) A ÁGUA-ECONOMIA: a maior parte daágua utilizada é destinada à agricultura,seguida da indústria. Nesta dimensão,enfrenta-se uma situação limite, e a águautilizada em funções produtivas ressalta acrise da relação homem/natureza.

O desenvolvimento, concebido naperspectiva do crescimentoeconômico, levou a humanidade auma crise global de múltiplasdimensões, que demonstra aimpossibilidade de se manter essemodelo com os altos padrões deconsumo que levarão o planeta aocolapso. Aqui se trata da passagemda sociedade do consumo(mercado?) para a sociedade doBuen Vivir.

Como afirma Maude Barlow, grandescorporações já controlam os serviçosde abastecimento público em muitascomunidades pobres. Milhões depessoas no Sul global não têmacesso à água limpa, por que nãopodem pagar por ela, e muitassofrem ainda de limitações doacesso à água quando companhiasde água engarrafada conseguemdireitos de extração de longo prazosobre suprimentos locais de água.

Maude Barlow:

O problema na questão da águaengarrafada é a desigualdade: aspessoas que têm condição de pagarpor ela não lutarão por água boapara todos: mais uma vez, os pobresestão sendo segregados, à medidaem que muitos de nós abdicamos donosso direito cidadão por uma águade boa qualidade, para todos.

Quando os interesses privadoscontrolam as fontes de água, asupervisão pública é perdida, assimcomo a possibilidade de gerenciar eproteger as bacias hidrográficas. Aprivatização da água coloca a saúdeda bacia em risco. A commodizaçãoda água torna inatingível uma visãocentrada na Terra para as baciashidrográficas e os ecossistemas.

(Ver posição do povo Uruguaio)

(Maude Barlow, in NATUREZA: UM ECOSSISTEMAVIVO DO QUAL BROTA TODA A VIDA)

c) A AGUA_CIDADANIA: a água,nesta dimensão, está relacionadaaos serviços públicos de interessegeral, por exemplo, os serviços deabastecimento de água potável esaneamento. Vinculam-se aosdireitos e deveres da cidadaniaconectar a água com direitos sociais."As instituições públicas, ao mesmotempo em que garantem os direitosde cidadania, devem estabelecer oscorrespondentes deveres cidadãos"

Muito mais do que isso, em 2008,dois terços dos cidadãos do Equadorvotaram a favor de uma novaConstituição que diz:

“Os ecossistemas e comunidadesnaturais possuem o direitoinalienável de existir, prosperar eevoluir dentro do Equador. Estesdireitos são autoaplicáveis, e serádever e direito de todos osgovernos, comunidades e indivíduosdo Equador fazer valer estesdireitos.”

Essas mudanças estão baseadas nacosmovisão andina, que compõe oparadigma comunitário orientadopara o Bem Viver. A visão andinavisa uma concepção da comunidadeem harmonia, respeito e equilíbriocom todas as formas de vida. Tendocomo referente o viver emplenitude, esses povos religam asseparações cartesianas do projeto damodernidade, na medida em queentendem que na vida tudo estáinterconectado e é interdependente.

Na perspectiva dessa cosmovisão, oEstado equatoriano assumiu umpapel estratégico, junto com ospovos originários e cidadãos, naconservação do patrimônio natural,assim como na edificação de ummodelo de desenvolvimento queabaliza "[...] as raízes milenares,forjadas por mulheres e homens,celebrando a natureza, aPachamama, da qual somos parte eque é vital para nossa existência"

A água pertence a umecossistema vivo, a Pachamama,e sua gestão deve serecossistêmica, buscando aplenitude do ser na resignificaçãoda natureza como espaço onde seconcretiza a

O desafio é mudar a cultura dodesperdício e o entendimento deque a água é um recurso inexaurível,ressaltando-se, nesse contexto, aimportância estratégica das águassubterrâneas e a gestão colaborativa,entre países, quando esses recursosforem transnacionais;

... e restaurar conhecimentostradicionais na promoção demodelos eficientes e justos de gestãoque salvaguardem as fontes e oscursos de água, envolvendodiretamente a cidadania, numagovernança democrática quepermita, com a criação de novosespaços, a participação e o controlesocial, no âmbito de todo oMercosul.

Finalmente, o senso comum (...) liga oconsumo à satisfação dos desejos e dasnecessidades individuais, quando naverdade, como categoria ecológica, oconsumo se refere ao gasto demateriais e energia, para quaisquerobjetivos. (Wallis, 2009, p. 67).

Um exemplo atual e trágico destasituação é a exploração, nos EUA, dasreservas de Gás de Xisto, sob aalegação de atividade ‘Sustentável”.

Na verdade, estão tirando...

O “último suspiro” do modelo fossilista...

A tecnologia de extração de gás de xisto está

embasada em processos invasivos da camada

geológica portadora do gás, por meio da técnica

de fratura hidráulica (o fracking), com a injeção

de água, areia e substâncias químicas, podendo

ocasionar vazamentos e contaminação de

aquíferos de água doce que ocorrem acima do

xisto. Esta é uma grande preocupação dos

técnicos e gestores da área de recursos hídricos

e meio ambiente.

Aquífero

Aquífero

Guarani

Serra Geral

“Xisto”

Tubo por onde passa a mistura de gás e água poluída

Fratura

No caso do Sistema Aquífero Integrado Guarani/Serra Geral...

Maior ainda é a preocupação com os altíssimos

volumes de água que resultam poluídos por

hidrocarbonetos e por outros compostos e

metais presentes na rocha e nos próprios

aditivos químicos requeridos pela complexa

atividade de mineração do gás, exigindo

dispendiosas técnicas de purificação e de

descarte dos resíduos finais.

Especificamente quanto à relação das águas subterrâneas com as crises hídricas, alguns temas são críticos:

Por um lado, a sua grande importânciaestratégica, uma vez que, pela baixavelocidade de deslocamento da águaentre os poros das rochas, os efeitosdas mudanças no comportamento dasprecipitações atmosféricas poderão serretardados por dezenas ou atécentenas de anos;

Por outro lado:- O perigo de contaminação, tantopelos resíduos urbanos comoindustriais e dos insumos agrícolas(pesticidas e fertilizantes);- O perigo da superexplotação, ou seja,a redução da disponibilidade de águados aquíferos, pela interferênciahidráulica entre poços;- A necessidade de melhorconhecimento sobre os aquíferos;- A necessidade de maior participaçãoda sociedade no processo de gestãosustentável em todos os níveis;

Ou, dito de outra forma:

Com o aumento da demanda e dafreqüência e da intensidade desituações de crise, a lentidão dosprocessos internos dos aquíferos podevir a constituir um elemento deestabilização das possibilidades deabastecimento da água, pelo menospara as atividades essenciais,tornando-as “reservas estratégicas” aserem consideradas nas políticas eplanos de remediação, prevenção emitigação.

E quanto à explotação do Aquífero Guarani (resultados do PSAG):

Foster et al. (2011a) comentam que,embora o volume total de águaarmazenada seja imenso, há restriçõesnos volumes exploráveis do SAG,devido a características geométricasdas camadas e hidráulicas da rocha.Definem, assim, cinco “zonas degerenciamento do recurso” erespectivos volumes seguros deextração:

1 - Uma zona “Não Confinada” (ouaflorante), com renovação significativa pelarecarga natural, mas que apresenta altavulnerabilidade à poluição antrópica epotencial redução dos fluxos de base dosrios, se houver superexplotação;

2 - uma zona “Semiconfinada e Coberta por(<100m) Basalto”, com possível explotaçãosustentável, apesar de sua recarga serparcial;

3 - uma zona “Confinada Intermediária(<400m) de Cobertura Basáltica”, semrecarga significativa e com tempo deresidência da água no aquífero maior do que10.000 anos;

4 - Zona Confinada Profunda (>400m de Cobertura Basáltica), com águas ainda mais antigas (eventualmente salinizadas ou com excessivo teor de flúor). Nestas duas últimas zonas, a explotação seria do tipo “mineração não renovável”, pela total ausência de processos de renovação da água em um tempo condizente com novo aproveitamento dentro do atual processo civilizatório.

5 - Zona “Confinada com Água Subterrânea Salina”, não potável, que seria restrita regionalmente à área de ocorrência do SAG na Argentina.