iii sevi - caderno de textos

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  • 7/23/2019 III SEVI - Caderno de Textos

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    CADERNO DE TEXTOS

    Teixeira de FreitasBA22 a 28 de fevereiro de 2015

    Realizao:

    III Semana de Vivncia Interdisciplinardo Sistema nico de Sade

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    Estagiri@s,

    com grande alegria que o Frum Acadmico de Sade(FAS) @s sada eagradece por participarem da II Semana de Vivncias Interdisciplinares no Sistemanico de Sade da Universidade Federal da Bahia, a nossa, d@s estudantes que

    compe o FAS e de vocs, SEVI-SUS-UFBA.O FAS um espao de articulao e lutas entre @s estudantes e diretrios/

    centros acadmicos da rea de sade. um espao aberto, que conta tambm com aparticipao de estudantes de outras reas da UFBA. Um dos principaisobjetivos desse espao a construo de unidade entre os estudantes dasade nas lutas que precisamos travar, de modo a torn-las mais fortes evitoriosas, bem como agregar os estudantes da rea de sade para a atuao nomovimento estudantil, debatendo criticamente a sua formao e a sua atuaofutura enquanto profissionais.

    Nos ltimos quatro semestres, o FAS vem construindo alguns projetos,participando ativamente de espaos dentro da universidade e fora desta tambm.Algumas das atividades realizadas esto:

    FAS o Debate, um espao de discusso de uma temtica contempornea,principal ou transversal na rea da sade;

    Calourada Unificada de Sade, acontece na primeira sexta do semestrerecepcionando @s calour@s dos cursos de sade;

    Participao na XII Conferncia Municipal de Sade, ocorrida nos dias 09 a 11

    de dezembro de 2013, tal construda em parceria com estudantes daUniversidade do Estado da Bahia (UNEB), e da Escola Bahiana deMedicina e Sade Pblica (EBMSP);

    Fruto da articulao e participao na XII CMS: a Frente Estudantil pela Sadede Salvador (FES), uma articulao dos estudantes de sade da cidadede Salvador para pautar as lutas da sade de nossa cidade;

    I Ciranda dos Diretrios e Centros Acadmicos de Sade da UFBA, pararediscutir o papel e as demandas dessas entidades de representaoestudantil;

    SEVI-SUS-UFBA, um projeto de estgio de vivncias no SUS que tem oobjetivo de contribuir no processo de reorientao da Formao em Sade deestudantes de graduao com atuao na rea da sade a partir daaproximao destes e do Sistema nico de Sade.

    Participao na Mostra SUS, em que o FAS se apresentou como Entidade deMovimento Estudantil, alm de mostrar o processo de construo e osresultados da I Semana de Vivncias Interdiciplinares no SUS/UFBA.

    O FAS comemora e agradece a participao de vocs, e de tod@s que seinscreverem para participar a II SEVI-SUS-UFBA, e @s deseja o mximo deaproveitamento desta experincia formadora, crtica e prazerosa.

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    ndice

    Sistema nico de sade: os desafios da construo do direito sade no Brasil............................................................................................................................. 4

    O maior desafio do sistema de sade hoje, no Brasil, poltico (Adaptado)....23

    Desvendar e enfrentar as relaes entre o setor pblico e o privado na sade........................................................................................................................... 27

    A Reforma psiquitrico no Brasil: poltico de sade mental do SUS ................31

    Determinantes Sociais da Sade e Determinantes Sociais das Iniquidades emSade: a mesma coisa? ...................................................................................38

    Determinantes Sociais da Sade: Entrevista com Jaime Breilh........................41

    A sade e a centralidade da luta por uma constituinte exclusiva e soberana dosistema poltico brasileiro...................................................................................47

    Afirmando a sade da populao negra na agenda das polticas pblicas.......57

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    "A utopia est l no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se

    afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez

    passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcanarei. Para que servea utopia? Serve para isso: para que eu no deixe de caminhar."

    (Eduardo Galeano)

    Sistema nico de sade: os desafios da construo do direito sade no Brasil

    (Vera Lcia Almeida Formigli, Hania Silva Bidu, Jos Luiz Moreno Neto)

    1. ANTECEDENTESAs anlises e discusses sobre os problemas de sade no Brasil e

    propostas de alternativas para as deficincias da assistncia, embora j ocorressemanteriormente entre os sanitaristas brasileiros, foram intensificadas e ampliadas apartir da dcada de 60 e, especialmente, nos anos 70. Naquele momento, o quadrosanitrio brasileiro dava mostras de agravamento, sendo ilustrativos o aumento damortalidade infantil e a exploso da epidemia de meningite meningoccica. Osistema de atendimento, por sua vez, no respondia efetivamente aos problemasde sade da populao, caracterizando-se principalmente como curativo ehospitalar, com baixa cobertura e desigualdade de acesso aos servios, alto custo,baixas produtividade e qualidade, gesto centralizada e descoordenada. Esta foi aherana do modelo instalado na dcada de 60, onde o segmento privado da sadefoi expandido e privilegiado com financiamento pelo poder pblico atravs daprevidncia social, sob a forma de compra de servios e subsdios instalao deservios e equipamentos.

    O Estado autoritrio, na busca de legitimao, tentou dar algumas respostasde cunho reformista na dcada de 70:a) criando alguns programas especiais dirigidos a determinados segmentos dapopulao, a exemplo do Programa Materno-Infantil;b) expandindo a assistncia pblica sade com programas de medicinasimplificada, como o Programa de Interiorizao das Aes de Sade eSaneamento (PIASS);c) instalando medidas voltadas reorganizao do sistema de sade, como a Lei doSistema Nacional de Sade, a criao do Sistema Nacional de PrevidnciaSocial (SINPAS) e, dentro dele, o INAMPS (Instituto Nacional de Assistncia

    Mdica da Previdncia Social).Na dcada de 80, as Aes Integradas de Sade (AIS), seguidas dosSistemas Unificados e Descentralizados de Sade (SUDS), tambm se constituram

    PORQUE ESSE TEXTO EST AQUI?

    O Sistema nico de Sade considerado o maior sistema totalmente pblico de sade domundo. Logo, devemos conhec-lo de verdade, a fundo, afinal, TODOS SOMOSUSURIAS(OS) DO SUS!! Trazemos esse texto para falar do SUS: seus antecedenteshistricos, a reforma sanitria brasileira, como surgiu o SUS, financiamento, princpios,diretrizes. Um pouco dessa histria em que estamos inseridas(os). Mas no ache que aquitemos tudo. Busque sempre MAIS, estude sempre MAIS!

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    em iniciativas para descentralizar a gesto do sistema e articularas diversasinstituies pblicas que se superpunham e duplicavam na prestao de servios desade.

    Os segmentos sociais interessados na questo da sade, por sua vez,tambm procuraram se organizar e, no bojo do processo geral deredemocratizao da sociedade brasileira que se intensificava nos anos 80,ampliou-se a discusso envolvendo profissionais de sade, organizaespopulares, intelectuais, universidades, sindicatos e entidades de trabalhadores,parlamentares e partidos polticos, constituindo-se o denominado movimentosanitrio. Este processo se expandiu e ganhou adeses, promovendo umaintensa mobilizao que desembocou na elaborao do projeto da ReformaSanitria Brasileira, que tinha como proposta uma profunda transformaopoltico-institucional na sade, partindo da prpria ampliao da abrangncia doseu conceito, e tendo como referncia a democratizao da sade em todos ossentidos, assumida como direito universal de todos os brasileiros.

    nesse cenrio que se realiza, em 1986, a VIII Conferncia Nacionalde Sade (CNS), reunindo cerca de 4.000 participantes, com uma ampla

    representao da sociedade civil brasileira. Estiveram presentes organizaespopulares, associaes e conselhos de profissionais de sade, universidades,tcnicos do aparelho estatal, representantes do segmento filantrpico da sade,sindicatos e Centrais de trabalhadores, parlamentares e partidos polticos,secretrios estaduais e municipais de sade, representantes da Igreja, dentreoutros. O empresariado da sade, apesar de convidado, no se fez representar nosdebates, alegando que a Conferncia teria um cunho estatizante e esquerdista. Oevento foi precedido de Conferncias Estaduais e Municipais, que enviaram delegadoscomo porta-vozes das suas propostas. As discusses ocorridas na VIII CNSapontaram claramente para a necessidade de uma transformao profunda na sade.Esta transformao deveria iniciar pelo modo de conceber a sade, entendendo-acomo resultante das condies de vida, passando pela sua incorporao como

    direito de cidadania e por uma ampla reformulao do sistema de atendimento,visando corrigir as distores existentes na gesto e no modelo de assistncia,estabelecendo um Sistema nico de Sade (SUS), sob controle social e comgarantia de fontes de recursos para o seu financiamento (BRASIL, 1987).

    As propostas da VIII CNS foram levadas Assembleia NacionalConstituinte, processo de discusso que se desenvolveu entre os anos de 1986 e1988, com o objetivo de revisar o pacto entre a sociedade e o Estado brasileiros, nomomento de mudana aps duas dcadas de autoritarismo, buscando instalar no pasum verdadeiro Estado Democrtico de Direito.

    Evidenciou-se, naquela ocasio, o embate entre dois principais projetos desade para o pas (com diferenas ideolgicas, polticas e operacionais ao interior decada um deles), representando diferentes interesses presentes na sociedade: de um

    lado, estavam entidades de profissionais de sade, associaes comunitrias,movimentos populares, entidades mdicas e de sade pblica, alguns partidospolticos e organizaes de trabalhadores, defendendo o direito universal eigualitrio sade, que deveria ser promovida por condies adequadas de vida eum sistema de atendimento pblico, universal e igualitrio, garantido pelo Estado; deoutro lado, os representantes do segmento empresarial, em geral, e em particular osda sade e a ela relacionados (indstrias de equipamentos e medicamentos), aolado de representantes das elites polticas do pas, advogavam a dominncia dalgica do mercado no sistema de sade, o qual deveria ser alterado apenas nosegmento pblico dirigido ao atendimento da populao pobre, deixandointocado o setor privado de assistncia sade (ABRASCO, 1987).

    Esse embate foi reproduzido no espao constituinte atravs,principalmente, dos lobbies dos setores empresariais no Congresso e nasinstituies de sade, e de uma ampla mobilizao popular e de entidades de

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    sade que, articuladas numa Plenria da Sade, mantiveram presena contnuano Congresso e produziram emendas populares Constituio, assinadas pormilhares de pessoas, contando com apoio de parlamentares e partidos polticosidentificados com a proposta do projeto democrtico da sade.

    Um exemplo ilustrativo desse confronto foi a questo do sangue. Osdefensores dos interesses dos proprietrios de bancos de sangue privados e deindstrias de hemoderivados no Congresso apresentaram vrias emendas proposta de texto constitucional, a qual determinava a proibio dacomercializao da coleta, processamento e transfuso do sangue ehemoderivados, que era praticada largamente e sem qualquer controle,favorecendo a disseminao de doenas como AIDS, hepatite, Chagas etc. Oargumento utilizado pelos empresrios do sangue para convencimento, inclusive daopinio pblica, era o da ineficincia do Estado para garantir a produo efornecimento desses produtos. Por outro lado, a mobilizao de muitas entidades Conselhos, Sindicatos e Associaes de Medicina, Associaes Nacionais eEstaduais de Docentes do Ensino Superior, entre outras -, realizando atospblicos e campanhas que tinham como slogan Sade no mercadoria! Salve

    o sangue do povo brasileiro! e contando com a adeso de vrios artistas epersonalidades a exemplo de Betinho e Ziraldo, contribuiu para evitar adescaracterizao do texto, preservando a vontade dos segmentos da sociedadeque defendiam a proibio da comercializao do sangue (CEBES, 1988).

    As presses e contrapresses entre as diferentes foras existentes naConstituinte, onde eram majoritrios os setores mais conservadores interessadosna manuteno de privilgios, implicaram na necessidade de acordos,determinando que a verso final do texto constitucional perdesse algumas daspropostas emergidas na VIII CNS. Entretanto, foram muitos os avanosincorporados ao texto legal, em relao aos instrumentos anteriores.

    O candidato vitorioso ao primeiro pleito direto para presidncia da Repblicaaps o perodo ditatorial, em 1989 (Fernando Collor de Mello), representando ossetores mais conservadores e inaugurando a era neoliberal no pas, a despeitoda Constituio aprovada, demonstrou total descompromisso com o pacto

    constitucional. Assim, protelou por dois anos a promulgao da Lei que iriaregulamentar a Sade, o que s iria ocorrer em 19/9/1990, atravs da Lei 8080 ou LeiOrgnica da Sade.Foram vetados pelo presidente dispositivos importantes dessaLei, como os mecanismos de participao social no controle do Sistema nico deSade e a forma de repasse regular e automtica de recursos federais para os outrosnveis do sistema. Esses vetos foram revertidos a partir de um intenso processode mobilizao dos defensores do SUS, que resultou numa Lei complementar primeira (Lei 8142),de 28/12/1990. Foi tambm adiada por dois anos a realizao daIX Conferncia Nacional de Sade, que deveria ocorrer em 1990, certamente pelo fatode que esse seria um momento de cobrana da sociedade em relao s definiesda Constituio promulgada.

    Os governos que se seguiram tambm caminharam na contramo dosrumos estabelecidos na Constituio Federal. No perodo atual, cujo governo integrado por foras historicamente comprometidas com o projeto da Reforma

    4. As responsabilidades do Estado brasileiro em relao sade s comeam a serexplicitadas na Constituio de 1934. Entretanto, observa-se, nesta e nas que seseguiram (1937, 1946, 1967/69), o carter limitado e restritivo com que tratada aquesto, garantindo assistncia mdica apenas para trabalhadores vinculados aosistema previdencirio e dependentes, aes assistenciais dirigidas maternidade einfncia e controle de grandes endemias. (Fleury Teixeira, 1986).

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    Sanitria, o SUS ainda enfrenta muitos constrangimentos para sua plenaviabilizao, determinados, em grande parte, pela continuidade de um modeloeconmico e poltico adverso implementao de polticas sociais universais eredistributivas.

    2. O SISTEMA NICO DE SADEA prestao de servios de sade no Brasil realizada por dois subsistemas:(i) um subsistema pblico, correspondente ao SUS, integrado por serviospropriamente pblicos (estatais), pertencentes Unio, Distrito Federal,estados emunicpios, e servios de sade privados conveniados ou contratados pelo poderpblico; (ii) o subsistema privado de ateno mdica supletiva (SAMS), integradopor planos e seguros de sade, financiado diretamente por indivduos, famlias eempresas.

    O SUS um sistema complexo que materializa a poltica nacional desade do Estado brasileiro, integrando as trs esferas de governo e articulando aespromocionais e preventivas com as de cura e reabilitao. Tem como clientelapotencial toda a populao brasileira, estimada em 186.070.268 habitantes (IBGE,

    2008). Uma parte dessa populao, cerca de 38,3 milhes, vinculada aos planosprivados de sade (BRASIL, 2007a), no utiliza os servios de assistncia mdico-hospitalar do SUS, ao menos de forma regular. Entretanto, uma pesquisa doConselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade, realizada em 2002,revelou que apenas 8,7% da populao no havia utilizado algum servio doSUS nos ltimos 2 anos (CONASS, 2003).

    FIGURA 1.Rede de servios de sade do Brasil, distribuda entre servios pblicos (SUS) eprivados (SAMS), 2005.

    Conforme se observa no lado direito da Figura 1, a rede de oferta de

    servios ambulatoriais, constituda por servios de ateno bsica (unidades bsicase de sade da famlia) e especializada, representa 71,8% do conjunto dosestabelecimentos de sade; as unidades de apoio diagnstico e teraputico

    5. O subsistema privado conta com fonte alternativade financiamento: a anistia fiscalconcedida a indivduos, famlias e empresas, que podem deduzir gastos com sade nassuas declaraes de imposto de renda.

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    (SADT) constituem 18,9% do conjunto da rede; a rede hospitalar de mdia e altacomplexidade equivale a 9,3% do total dos servios.

    Ao se analisar dentro de cada um dos grandes tipos de estabelecimentos,observa-se que a rede ambulatorial integrada por 78% de servios do SUS e22% de servios privados. Das unidades de apoio diagnstico e teraputico,59,4% pertencem ao setor privado, e 40,6% ao SUS. 81% da rede hospitalar demdia e alta complexidade pertence ao SUS e 19% so unidades particulares (SAMS).

    Percebe-se, portanto, a grande importncia que representa o SUS para oatendimento populao, constituindo-se numa rede de servios com mais de40.000 unidades ambulatoriais, cerca de 6 mil unidades hospitalares e outras6.000 unidades de apoio diagnstico e teraputico (IBGE, 2007).

    As organizaes privadas de sade participam da oferta de servios aoSUS, em carter complementar, quando demandadas em funo da insuficincia nadisponibilidade de servios pblicos. Os servios privados vinculados ao SUS sotidos como pblicos e, portanto, gratuitos. A legislao estabelece que asentidades filantrpicas e as sem fins lucrativos devem ter preferncia nessaparticipao,que dever se fazer mediante contrato ou convnio, segundo as diretrizes

    do sistema e obedincia s normas do direito pblico:Art.199 da Seo Sade do Captulo da Seguridade Social da Constituio Federal(CF): A assistncia sade livre iniciativa privada.1. As instituies privadas podero participar deforma complementar do sistemanico de sade, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito pblico ouconvnio, tendo preferncia s entidades filantrpicas e as sem fins lucrativos.(BRASIL, 1988).

    Na Figura 2 observa-se que os servios privados conveniados ao SUS,que seriam complementares, representavam, em 2005, 4,4% dos serviosambulatoriais, 52,9% dos servios hospitalares e 81,3% das unidades de apoiodiagnstico e teraputico do SUS. A dependncia do SUS em relao aos serviosprivados , portanto, mais pronunciada na ateno hospitalar e na oferta de servios

    especializados de maior densidade tecnolgica e custo, refletindo, principalmente, ainsuficincia de investimentos na rede pblica de servios de sade erepresentando uma proporo importante dos gastos do sistema.

    FIGURA 2.Servios pblicos prprios e privados conveniados integrantes do SUS, 2005.

    A magnitude do sistema pblico de sade (SUS) pode ser percebidaatravs de alguns nmeros relacionados produo de servios:

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    [...] Sua produo anual aproximadamente de 12 milhes de internaeshospitalares; 1 bilho de procedimentos de ateno primria sade; 150milhes de consultas mdicas; 2 milhes de partos; 300 milhes de exameslaboratoriais; 132 milhes de atendimentos de alta complexidade e 14 miltransplantes de rgos. Alm de ser o segundo pas do mundo em nmero detransplantes, reconhecido internacionalmente pelo seu progresso no atendimentouniversal s Doenas Sexualmente Transmissveis/AIDS, na implementao doPrograma Nacional de Imunizao e no atendimento relativo Ateno Bsica(BRASIL, 2006).

    O combate s epidemias, as campanhas de vacinao, a implementao demedidas que tm contribudo para reduzir a mortalidade infantil no pas, ofornecimento gratuito de medicamentos essenciais para doenas como tuberculose eAIDS, a ampliao do acesso da populao a recursos diagnsticos e tratamentosde alto custo, como hemodilises e quimioterapias, so exemplos de aes do SUSque tm contribudo para evitar a morte, proteger de doenas e melhorar a qualidadede vida de parte significativa da populao.

    3. A SADE NOS TEXTOS LEGAIS: principais avanos e seusdesdobramentos3.1. SADE COMO DIREITO SOCIAL

    Os fundamentos legais do SUS esto explicitados no texto da ConstituioFederal de 1988, nas constituies estaduais e nas leis orgnicas municipais eforam regulamentados, como citado anteriormente, pelas Leis Federais n 8.080e n 8.142, de 1990.

    Na CF, a sade entendida como direito social e integrante do sistemabrasileiro de seguridade social, o que representou um avano em relao polticasocial anterior, na qual s tinham garantia de acesso assistncia sade ostrabalhadores contribuintes do sistema previdencirio. O restante da populao eraassistido em hospitais pblicos e entidades filantrpicas, com grandes

    iniquidades no acesso a aes e servios entre as regies e nas zonas urbanas erurais.

    O Art. 196 da Seo Sade do Captulo da Seguridade Social (CF) define: Asade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais eeconmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acessouniversal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo erecuperao (BRASIL, 1988).

    Dessa forma, o Estado tem o dever de oferecer, de forma universal eisonmica, servios de atendimento sade da populao, preventivos e curativos.Esse artigo define tambm que a Unio, estados e municpios no poderodesenvolver polticas sociais e econmicas que venham de encontro a essesinteresses e, em consequncia, prejudiquem o direito sade. O direito sadeengloba, assim, a exigibilidade de polticas econmicas e sociais que no impliquemem retrocesso na sua promoo, proteo e recuperao e acelerem aconsecuo desses fins (WEICHERT, 2002).

    Entretanto, o que se observa, que a concepo neoliberalprevalecente no Brasil ps- Constituio, defende o mercado como regulador daordem econmica e social, e a noo de que cabe ao cidado a autonomia eresponsabilidade sobre sua prpria vida (e sade). Nessa perspectiva, o Estado seincumbiria da execuo de polticas de sade compensatrias, de carterfocalizado e seletivo. Esta tem sido inclusive a recomendao do Banco Mundialpara pases em desenvolvimento, dentro das polticas de ajuste das contaspblicas, voltadas conteno de custos e retraimento do Estado na prestao de

    servios.

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    3.2. CONCEITO AMPLIADO DE SADEA sade garantida como direito social no texto constitucional concebida de

    forma ampliada, reconhecendo no s a perspectiva de pretenso a um corpo semdoenas, mas incluindo tambm a determinao social sobre o processo sade-doena. Nesse sentido, o teor do Artigo 2 3 da Lei n 8080/90, que vale transcrever:A sade tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, aalimentao, a moradia, o saneamento bsico, o meio ambiente, o trabalho, arenda, a educao, o transporte, o lazer e o acesso aos bense servios essenciais; osnveis de sade da populao expressam a organizao social e econmica do PasBRASIL, 1990).

    Apesar dos avanos constitucionais na garantia dos direitos sociais, noquadro social brasileiro o que se observa a manuteno das desigualdades,sendo o Brasil um dos pases com maior concentrao de renda no mundo.

    Segundo o IBGE (2005), em 2003, 1% dos brasileiros mais ricos detinham 12,7% darenda nacional, quase correspondentes aos 15,5% relativos renda dos 50% maispobres (mais dados sobre desigualdades no Brasil ver JACOBINA, 2005).

    Verifica-se no pas a insuficincia de polticas econmicas e sociaisredistributivas (emprego, reforma agrria, educao, saneamento, habitao) quepossam incidir positivamente na reduo dessas desigualdades. Estas seexpressam nas diferentes condies de vida e de sade, bem como no acessodiferenciado aos servios segundo diferentes inseres econmico/sociais -servios de sade pblicos de baixa qualidade para pobres e planos de sadeprivados para os que podem pagar.

    3.3. RELEVNCIA PBLICA DAS AES DE SADE

    A Constituio Federal reconhece as aes de sade como derelevncia pblica, conforme explicitado pelo Art. 197 da Seo da Sade do Captuloda Seguridade Social:So de relevncia pblica as aes e servios de sade, cabendo ao poder pblicodispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentao,fiscalizao e controle, devendosua execuo ser feita diretamente ou atravs de terceiros e, tambm, porpessoa fsica ou jurdica de direito privado (BRASIL, 1988).

    Ao se considerar um servio de relevncia pblica, indica-se aexistncia de uma importncia adicional nesse servio, merecendo destaque porparte da Administrao Pblica. Estes servios podem ser prestados diretamentepelo Estado ou pela iniciativa privada. Entretanto, pela sua importncia,necessidade e essencialidade para a sociedade, o poder pblico deve regulamentar,

    fiscalizar e controlar as aes e servios de sade, mesmo quando executadospelo setor privado. Neste caso, a importncia desse conceito se faz mais sensvelporque, enquanto servio de relevncia pblica, a sua prestao no poder ficarao mero sabor do mercado, ou da lei da oferta e da procura. O Estado tem o dever deexigir certos patamares mnimos de qualidade populao e exercer controlesobre a atividade (WEICHERT, 2002).

    O Art. 22, da Lei 8080, estabelece que: Na prestao de serviosprivados de assistncia sade, sero observados os princpios ticos e as normasexpedidas pelo rgo de direo do SUS quanto s condies para seufuncionamento. (BRASIL, 1990)

    No mbito interno do SUS, verifica-se que h insuficiente fiscalizao econtrole pblico sobre os servios privados contratados e conveniados, gerando:(i) problemas econmicos, tais como fraudes e superfaturamento da produo, paracontornar os baixos valores das tabelas de pagamento do SUS (o valor atual de

    6 Art. 194 da CF: A seguridade social compreende um conjunto integrado deaes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinadas aassegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia socialBRASIL, 1988 .

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    uma consulta mdica especializada R$10,00); (ii) problemas ticos, comobaixa qualidade no atendimento e cobrana por fora imoral e ilegal, feita por essesservios aos usurios do SUS.

    O estatuto de relevncia pblica autoriza tambm a ampla normatizao econtrole sobre a atividade designada de sade suplementar, no integrante do SUS,realizada pela iniciativa privada atravs de seguros de sade e planos de assistnciamdica.

    O subsistema privado suplementar seguiu sem qualquer tipo de controlegovernamental at 1998, quando foi aprovada a legislao do mercadosuplementar de sade, a Lei 9.656 (BRASIL, 1998), seguida de uma extensaregulamentao complementar. O reconhecimento da necessidade de regulaodo setor suplementar da sade foi resultado da confluncia de vrios fatores,entre eles, a elevada quantidade de queixas e reclamaes dos usurios dosplanos, o crescimento acelerado do setor, abrangendo um contingenteconsidervel de consumidores, e as presses exercidas pela sociedade civilorganizada. No ano de 2000, foi criada a Agncia Nacional de SadeSuplementar para estabelecer normas de regulao do setor. Entretanto, at

    setembro de 2007, 31,9% dos contratos com operadoras mdico- hospitalaresainda eram regidos do modo anterior Lei, o que significa que no so obrigados acumprir certas determinaes da legislao, que protegem o usurio (BRASIL, 2007).

    3.4. NFASE NA VIGILNCIA SADE E INCLUSO DA SADE DOTRABALHADOR

    A Lei n. 8080 d nfase Vigilncia Sade, ao incorpor-la noscampos de atuao do SUS, alm de incluir no texto legal a assistncia sade dotrabalhador, como demonstra o Art. 6:Esto includos ainda no campo de atuao do SUS: I - a execuo de aes:a)de vigilncia sanitria;b)de vigilncia epidemiolgica;

    c)de sade do trabalhador; ed)de assistncia teraputica integral, inclusive farmacutica (BRASIL, 1990).

    As aes de preveno e vigilncia em sade so operadas pelos serviospblicos de sade com abrangncia nacional e cobertura universal, e compreendem:aes de vigilncia sanitria sobre alimentos, produtos e servios; vigilncia ambiental,incluindo os ambientes de trabalho; aes de vigilncia epidemiolgica sobredoenas e agravos e aes de imunizao em relao a um conjunto de doenas.O sucesso no controle da poliomielite, do sarampo, da difteria e da AIDSexemplifica a efetividade das aes de vigilncia do sistema de sade.

    A Vigilncia Sanitria sofreu historicamente de insuficincia de recursospara exercer a sua funo de fiscalizao e normatizao das situaes deriscos sade da populao. Estes recursos tm sido ampliados maisrecentemente, e os mecanismos de financiamento tm sido modificados, com maiorparticipao dos estados e municpios nas aes. Em 1999, foi criada a ANVISA(Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria), autarquia vinculada ao Ministrio daSade, que coordena, nacionalmente, as aes de Vigilncia Sanitria.

    O 3 do Art.6 da Lei 8080 define sade do trabalhador como:um conjunto de atividades que se destina, atravs das aes de vigilnciaepidemiolgica e vigilncia sanitria, promoo e proteo da sade dostrabalhadores, assim como visa recuperao e reabilitao da sade dostrabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condies detrabalho[...] (BRASIL, 1990).

    A assistncia ao trabalhador ainda no foi, de fato, completamente

    absorvida pela rede de servios do SUS, sendo as atividades dessa readesenvolvidas por alguns estados e municpios, muitas vezes dissociadas das demaisaes e servios de sade. Em 2002 foi criada a Rede Nacional de Ateno

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    Integral Sade do Trabalhador RENAST, para implementao das aes desade do trabalhador em toda a rede de servios do SUS e prevendo ampliao donmero de Centros de Referncia especializados (BRASIL, 2005a). Em Salvador,o Centro de Referncia Estadual - CESAT est localizado no bairro do Canela.

    3.5. REGULAMENTAO DOS TRANSPLANTES E PROIBIO DACOMERCIALIZAO DO SANGUE

    O Art. 199 4 da Seo Sade da CF definiu que:A lei dispor sobre as condies e os requisitos que facilitem a remoo de rgos,tecidos e substncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bemcomo a coleta, processamento e transfuso de sangue e seus derivados, sendovedado todo tipo de comercializao (grifos nossos) (BRASIL, 1988).

    Entretanto, ainda no houve o necessrio investimento para tornar oBrasil autossuficiente em hemoderivados, bem como a devida expanso doshemocentros pblicos, mantendo-se a dependncia dos bancos de sangue privados,cujas prestaes de servios, como transfuses e materiais utilizados, soremunerados. Quanto regulamentao dos transplantes, foi criado o Sistema

    Nacional de Transplantes, que tem propiciado significativa expanso da coberturadeste procedimento pelo SUS.

    4. FINANCIAMENTO DO SUSO financiamento um dos grandes problemas para o pleno desenvolvimento

    do SUS, j que ainda no se conseguiu garantir fontes estveis e suficientespara atender s necessidades de sade dos brasileiros. O conjunto dos recursospblicos da sade no Brasil era estimado em aproximadamente 3,5% do ProdutoInterno Bruto brasileiro em 2006, com gasto pblico per capita em torno deU$200,00/habitante/ano (RADIS, 2007), abaixo de muitos outros pases da AmricaLatina.

    A Constituio de 1988 definiu que o SUS seria financiado por toda a

    sociedade, atravs de vrias fontes, juntamente com as demais aes da SeguridadeSocial, trazendo como vantagens: a) a definio de fontes especficas derecursos para a rea social, separadas do oramento fiscal; b) a diversificao defontes de pagamento, contornando o problema das oscilaes conjunturais de cadafonte; c) cobertura de riscos, atravs do financiamento solidrio da sociedade,como um todo:Art.195 do Captulo da Seguridade Social:A seguridade social ser financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta,nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos oramentos da Unio, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municpios, e das seguintes contribuies sociais:-dos empregadores, incidente sobre a folha de salrios, o faturamento e o lucro;-dos trabalhadores;-sobre a receita de concursos de prognsticos (BRASIL, 1988).

    Art. 198 nico do Captulo da Seguridade Social (SS):O SUS ser financiado, nos termos do art.195, com recursos do oramento daSeguridade Social, da Unio, dos Estados, do DF e dos Municpios, alm de outrasfontes (BRASIL, 1988).

    Nos trs primeiros anos aps promulgao da CF, 30%dos recursos dooramento da SS foram destinados ao setor sade, conforme estava estabelecidonas disposies transitrias da CF. A partir de 1994, foram retirados do financiamentode sade os recursos originrios da Contribuio de Empregadores e Trabalhadoressobre a Folha de Salrios, o que aguou a problemtica do financiamento setorial.

    Somou-se a isso, em 1998, a retirada da renda obtida de concursos prognsticos(loterias, sorteios) como fonte de financiamento da sade.

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    Em 1996, a criao da Contribuio Provisria sobre MovimentaoFinanceira (CPMF) foi uma soluo transitria encontrada para suprir asnecessidades do financiamento setorial. Contudo, a entrada desses recursos foiacompanhada da retrao de outras fontes financiadoras. Entre os anos de 1997(quando passou a vigorar) e 1998, a CPMF destinava-se exclusivamente sade. No entanto, quando foi aprovada pela segunda vez em 1999, a alquotade contribuio passou de 0,20% para 0,38%, sendo destinada tambm Previdncia Social e ao Fundo de Combate Pobreza. Alm disso, 20% daarrecadao fazem parte da DRU (Desvinculao das Receitas da Unio) e,portanto, podem ser utilizados com liberdade pelo governo federal.

    A constituio da CPMF teve exatamente como objetivo atenuar oestrangulamento do financiamento do setor sade, sem necessariamente resolver aquesto. A necessidade de se conferir estabilidade ao financiamento da Sadecontinuou sendo um dos graves problemas no campo das polticas sociais. Seuencaminhamento arrastado por quase oito anos culminou na Emenda Constitucionaln. 29, que estabeleceu que:-a Unio devia aplicar em Sade, no ano de 2000, no mnimo 5% a mais do que os

    recursos aplicados em 1999 e, de 2001 a 2004, corrigir anualmente a sua aplicaocom base na variao anual do Produto Interno Bruto;-que os estados e municpios deveriam aplicar, no mnimo, em 2000, 7% dos seusoramentos em Sade e, at o ano de 2004, aumentariam este percentual para 12 e15%, respectivamente, ampliando-se assim, os recursos para a sade nas trs esferasde Governo.

    A EC 29 permaneceu por vrios anos sem regulamentao e o seudescumprimento frequente entre os municpios, estados e governo federal. Desde oano de 2003, um projeto de lei apoiado por profissionais, instituies de sade,Conferncias Nacionais de Sade, parlamentares etc., prope o percentual de 10%das receitas correntes brutas da Unio para financiar as aes e servios desade, permanecendo os mesmos percentuais de vinculao dos estados e

    municpios (12 e 15%, respectivamente). Entretanto, recentemente, a Emenda 29foi aprovada na Cmara de Deputados, com a mesma vinculao dos recursos daUnio ao percentual de crescimento do PIB, o que mantm a instabilidade nagarantia de recursos para a sade. Em dezembro de 2007, o Senado extinguiua CPMF, que representava cerca de um tero dos recursos pblicos federaisdestinados sade.

    O breve relato apresentado demonstra que muito ainda precisa ser feitopara que sejam garantidos de forma efetiva o volume necessrio e as fontesadequadas para o financiamento do SUS.

    5. PRINCPIOS E DIRETRIZES DO SUSO SUS se traduz em princpios e diretrizes incorporados ao texto

    constitucional e s leis ordinrias que o regulamentam. O Art. 198 da CF define:As aes e servios pblicos de sade integram uma rede regionalizada ehierarquizada e constituem um sistema nico, organizado de acordo com asseguintes diretrizes:I - descentralizao, com direo nica em cada esfera de governo;II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, semprejuzo dos servios assistenciais;III - participao da comunidade.

    A Lei 8080 incorporou essas diretrizes e ampliou com outros princpiosdoutrinrios que organizam o sistema, os servios e as prticas de sade do pas,

    contidos em seu Art.7:As aes e servios pblicos de sade e os servios privados contratados ouconveniados que integram o Sistema nico de Sade (SUS), so desenvolvidos de

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    acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituio Federal,obedecendo ainda aos seguintes princpios:I - universalidade de acesso aos servios de sade em todos os nveis de assistncia;II - integralidade de assistncia, entendida como conjunto articulado e contnuodas aes e servios preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos paracada caso em todos os nveis de complexidade do sistema;III - preservao da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade fsica emoral;IV - igualdade da assistncia sade, sem preconceitos ou privilgios dequalquer espcie;V - direito informao, s pessoas assistidas, sobre sua sade;VI - divulgao de informaes quanto ao potencial dos servios de sade e asua utilizao pelo usurio;VII - utilizao da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocao derecursos e a orientao programtica;VIII - participao da comunidade;IX - descentralizao poltico-administrativa, com direo nica em cada esfera

    de governo:a) nfase na descentralizao dos servios para os municpios;b) regionalizao e hierarquizao da rede de servios de sade;X - integrao em nvel executivo das aes de sade, meio ambiente esaneamento bsico;XI - conjugao dos recursos financeiros, tecnolgicos, materiais e humanos daUnio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios na prestao deservios de assistncia sade da populao;XII - capacidade de resoluo dos servios em todos os nveis de assistncia; eXIII - organizao dos servios pblicos de modo a evitar duplicidade de meios parafins idnticos .

    Desses treze princpios norteadores do SUS, seis sero destacados neste

    texto, com explicitao do seu significado e das dificuldades para sua efetivao,alm da ilustrao com uma situao simulada, que se relacionapredominantemente (mas no exclusivamente) com cada um dos princpiosdescritos:AUNIVERSALIDADE

    A Universalidade assegura o direito sade a todos os cidados eacesso sem discriminao ao conjunto das aes e servios de sade ofertadospelo sistema. A universalidade pressupe gratuidade e ausncia de qualquer tipode barreira, seja econmica, geogrfica ou cultural, no acesso da populao aosservios de sade. O exerccio desse princpio traz a perspectiva da oferta atodos os brasileiros, no sistema pblico de sade, da vacina cirurgia maiscomplexa, alterando uma situao anterior em que o acesso era diferenciado entre

    os que tinham vnculos previdencirios e os demais brasileiros tipificados comoindigentes.

    A incorporao de 1/3 da populao ao sistema com a nova Constituioocorreu sem a correspondente expanso dos recursos. Para alguns autores(MENDES, 1993; PAIM, 1997), a consequncia foi uma universalizaoexcludente, com a sada de parte da classe mdia e trabalhadores paraseguros e planos de sade, e excluso de parte dos usurios do SUS pelasfilas, baixa qualidade e maus tratos, resultantes da falta de investimentos e dosucateamento. Na pesquisa j citada, do CONASS (2003), 41% dos usurios doSUS apontaram como o principal problema as filas de espera para consultas,evidenciando as dificuldades de acesso aos servios.

    Constata-se que, apesar de cerca de 70% dos estabelecimentos desade do pas integrarem o SUS, um tero da populao no utiliza regularmente osservios de sade (ALMEIDA et.al., 2002). Isso demonstra que a simples existncia ou

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    a oferta de servios de sade no implica em sua utilizao pela populao. Aorganizao do acesso torna-se, assim, um dos principais problemas a seremenfrentados para a diminuio das desigualdades da assistncia sade no pas.

    BINTEGRALIDADEA Integralidade pressupe considerar as vrias dimenses do processo

    sade-doena que afetam o indivduo e as coletividades e garantir a prestaocontinuada do conjunto de aes e servios, visando promoo, proteo, cura e reabilitao, nos planos individual e coletivo.

    Este princpio aponta para a superao da dicotomia histrica entreprticas preventivas, coletivas e de promoo da sade, realizadas pela rede de sadepblica sob a forma de campanhas e programas (correspondentes ao denominadomodelo assistencial sanitarista) e assistncia mdica predominantementeindividual e curativa, originria da medicina previdenciria (constituinte dochamado modelo mdico-assistencial privatista). A integralidade pressupe aarticulao de todas as prticas necessrias sade num novo modelo, que dconta de todos os nveis de ateno, ainda que no necessariamenteconcentrados num nico servio ou unidade de sade.

    O Programa de Sade da Famlia (PSF), articulado ao Programa deAgentes Comunitrios de Sade (PACS), foi adotado pelo Ministrio da Sade comoestratgia para reorientar o atual modelo assistencial de sade, buscandodeslocar o eixo predominantemente mdico-hospitalar, para um modelo integral,com nfase em aes preventivas e de promoo da sade. Essas estratgias sedisseminaram durante a dcada de 90, de modo que o PSF contava no final de 2007com mais de 27.000 equipes, cobrindo cerca de 47% da populao brasileira (BRASIL,2007b). Entretanto, a prestao da ateno bsica pelo PSF, em grande parte dos

    Joo dos Santos, morador de um bairro perifrico da capital, chega s 6 horas

    da manh numa clnica privada conveniada ao SUS, localizada no centro da cidade,para fazer um exame de imagem. s 8 horas comeam a ser distribudas as senhas,num total de 100, sendo a de S. Joo a de nmero 67. A fila enorme, do lado de forada clnica, e s 11:30h S. Joo chega recepo, onde informado que teria quepagar R$10,00 para fazer o exame, pois "o que o SUS paga no d para cobriros custos". S. Joo, desconsolado, confere no bolso e se certifica que s tem odinheiro para o transporte de volta para casa. Sai da clnica sem fazer o exame.

    Uma adolescente chega a uma Unidade de Sade da Famlia de uma cidade dointerior, distante 400 km da capital, com queixas de indisposio e atraso na menstruao.Aps atendimento pelo mdico, foi feita a suspeita de gravidez e foram solicitadosos exames necessrios. Confirmada a gravidez, a adolescente acompanhada eorientada mensalmente pela Equipe de Sade da Famlia, fazendo todo o pr-natal naunidade. Nas ltimas consultas, foi discutido com ela o local de realizao do parto,um hospital-maternidade localizado em municpio vizinho, a 40 km de distncia. Com aaproximao do momento do parto, a gestante deslocou-se para o municpio e l no

    hospital referido apresentou-se ao mdico com relatrio do seu pr-natal. Aps o parto, ame e a criana voltaram ao municpio de origem. Foram visitadas e orientadas pelo agentecomunitrio de sade sobre os cuidados iniciais com a me e o beb e, posteriormente, seapresentaram unidade para continuarem os respectivos acompanhamentos.

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    casos sem a garantia de retaguarda dos servios mais complexos, vemcomprometendo a integralidade da ateno e o direito universal sade.C - IGUALDADE

    O princpio da igualdade orienta que todos devem ser atendidos peloSUS, sem qualquer tipo de diferenciao que no sejam as suas necessidades desade. A Igualdade traduz-se no debate atual como a Equidade no acesso s aese aos servios de sade, o que justifica a prioridade na oferta de aes e servios aossegmentos populacionais que enfrentam maiores riscos de adoecer e morrer emdecorrncia da desigualdade na distribuio de renda, bens e servios. Inclui-se nalgica do SUS, dessa forma, o princpio da discriminao positiva para com osgrupos sociais mais vulnerveis, buscando-se assegurar prioridade no acesso saes e servios de sade aos grupos excludos e com precrias condies de vida,considerando as desigualdades de condies decorrentes da organizao social.

    No Brasil ainda persistem desigualdades na oferta de aes e servios desade entre as diferentes regies, estados e municpios, intensificando asdiferenas, pois reas de piores condies de vida e sade contam tambm,muitas vezes, com menor oferta de assistncia. S para citar um exemplo, em

    2005 existiam 1,6 leitos/1000 habitantes no Amazonas e 2,8 leitos/1000 habitantesno Rio Grande do Sul (IBGE, 2007).

    D - PARTICIPAO DA COMUNIDADEEsse princpio estabelece a participao da sociedade na gesto dos

    servios e na formulao das polticas pblicas de sade. Representa ainstitucionalizao da democracia participativa e do consequente controle social narea da sade, com a obrigatoriedade de constituio e de funcionamento deconselhos de sade nos trs nveis de governo e a realizao de conferncias desade.

    A participao da comunidade na gesto do SUS, apesar de sergarantida na Lei 8080, necessitou de lei especfica que detalhasse ofuncionamento das instncias de participao popular, sendo esta a Lei 8142, quedefine, em seu art. 1:O SUS [...] contar, em cada esfera de governo [...] com as seguintesinstncias colegiadas:Ia Conferncia de Sade; eIIo Conselho de Sade.

    1- A Conferncia de Sadereunir-se- cada 4 anos com a representaodos vrios segmentos sociais, para avaliar a situao de sade e propor asdiretrizes para a formulao da poltica de sadenos nveis correspondentes,convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por este ou pelo Conselhode Sade.

    Na sala de espera do consultrio de ginecologia do Centro de Sade de CravoBranco, s 10 horas da manh, 18 mulheres esperam por atendimento. Todaschegaram bem cedo na unidade, pois Dra. Lcia s atende 20 pacientes/dia. Muitastiveram que voltar para casa, pois no conseguiram senha para atendimento. D. Jlia j estesperando h 4 horas, mas finalmente ela ser a prxima. Ela est preocupada porquedeixou as duas crianas mais novas em casa com sua filha de 12 anos, mas no vai desistir,porque j a terceira vez que ela marca o seu exame preventivo. Mais ou menos s 10:15h., chegam duas mulheres bem vestidas, que foram direto ao guich com um papel na mo,que ela ouviu muito bem ter sido mandado pelo vereador Euzbio. Para surpresa de D. Jlia,essas duas mulheres foram as prximas pacientes a serem chamadas para atendimento.

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    2- O Conselho de Sade, em carter permanente e deliberativo, rgocolegiado composto por representantes do governo, prestadores de servios,profissionais de sade e usurios, atua na formulao de estratgias e nocontrole da execuo da poltica de sade na instncia correspondente,inclusive nos aspectos econmicos e financeiros, cujas decises serohomologadas pelo chefe do poder legalmente constitudo em cada esfera de governo.(grifos nossos) (BRASIL, 1990).

    Tanto os conselhos como as conferncias so constitudas de formaparitria por entidades de usurios (50%), entidades de trabalhadores de sade (25%)e representantes de governo, de prestadores de servios conveniados ou semfins lucrativos (25%) (BRASIL, 2005b).

    As Conferncias Nacionais so precedidas de Conferncias Estaduais eMunicipais: a IX Conferncia Nacional de Sade foi realizada em 1992; a X CNS, em1996; a XI CNS, em 2000; a XII, em 2003, e a XIII em novembro de 2007. Emtodas as Conferncias Nacionais realizadas aps a Constituio de 1988, tm sidoaprovadas recomendaes que reafirmam os princpios e propem medidas parao avano do SUS. Entretanto, grande parte delas no tem sido cumprida pelos

    dirigentes do sistema.A composio do Conselho deve respeitar a composio de foras decada local e cada segmento da sociedade deve indicar seus representantes. OsConselhos de Sade j esto implantados em praticamente todos os estados emunicpios, o que tem possibilitado a ampliao das discusses e a participaoda populao nas decises sobre sade, propiciando avanos no processo degesto do sistema. Entretanto, em muitos casos, os Conselhos ainda tmproblemas de representatividade ou de legitimidade quando, por exemplo,conselheiros no so indicados ou no se articulam com os setores que devemrepresentar. Por essas e outras razes, muitas vezes, os conselhos assumemcarter consultivo ou de denncias, no tendo poder suficiente para exercer seu papeldeliberativo. Acresce-se a isto o fato de que a populao que utiliza o SUS

    constituda, em geral, por cidados com pouco acesso informao e baixacapacidade de mobilizao para exercer o seu direito de participao e defiscalizao, atravs dos instrumentos e mecanismos disponveis. A pesquisarealizada em 2002 pelo CONASS revelou que apenas 35% dos entrevistadossouberam, espontaneamente, definir o que era o SUS (CONASS, 2003).

    O Conselho Municipal de Sade de um municpio de mdio porte, polo de uma regio queagrega 8 municpios, reuniu-se para discutir uma proposta de uma clnica privadaconveniada ao SUS, de ampliar o nmero de seus atendimentos, tendo em vista a alta demandapara aquela especialidade, e ela ser a nica unidade que a oferece. Essa proposta

    apoiada pelo Secretario Municipal de Sade e pelo representante dos prestadores privadosno Conselho. O representante da Federao das Associaes de Moradores informa querealizou reunio com lideranas das 10 associaes de moradores do municpio e nove delastrouxeram relatos de maus atendimentos na referida clnica, inclusive casos de discriminaode pacientes do SUS, em relao a outros que possuem planos de sade. A proposta daentidade a realizao de fiscalizao e auditoria na referida clnica, antes de qualquerdeciso sobre ampliao de atendimentos, e, em articulao com os municpios vizinhos,contratar especialista para atender demanda para aquela especialidade. Houve intensadiscusso e outras entidades do Conselho apoiaram a proposta da Federao, que foi vencedorapor 8 votos a 4.

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    E - DESCENTRALIZAOA descentralizao dos servios a redistribuio de recursos e

    responsabilidades entre os entes federados, com base no entendimento de queo nvel central, a Unio, s deve executar aquilo que o nvel local, osmunicpios e os estados, no podem ou no conseguem. A descentralizaotem o potencial de melhorar a utilizao de recursos, permitir identificar com maispreciso as necessidades de cada comunidade e aproximar os cidados dos gestoresresponsveis.

    A gesto do SUS, pela legislao, compartilhada entre a Unio, osestados e municpios, com a instituio de espaos de negociao e pactuao entreesses gestores: Comisso Intergestores Bipartite (CIB), congregando estados emunicpios; e Comisso Intergestores Tripartite (CIT) que, alm de estados emunicpios, tem a participao do governo federal. Cada esfera de governo deveexercer o papel de gestor do seu respectivo nvel, sempre em articulao com osdemais nveis e com as instncias de controle social (Conselhos de Sade).

    A direo nacional (Ministrio da Sade - MS) responsvel pelaformulao de polticas, normatizao, fiscalizao e avaliao das aes; a estadual

    (Secretaria Estadual de Sade SES), pelo acompanhamento, avaliao, apoio aosmunicpios e execuo de algumas aes de alta complexidade, de VigilnciaSanitria e Epidemiolgica; e a municipal (Secretaria Municipal de Sade - SMS)deve planejar, gerenciar e executar os servios e aes de sade.

    Houve avanos no processo de descentralizao, sendo este princpioconsiderado, por alguns autores, na mudana poltico-administrativa maissignificativa da reforma do sistema de sade at agora, com efetivatransferncia de poder, responsabilidades e recursos do nvel federal para osdemais, especialmente para os municpios. No incio da dcada de 90, os recursosfederais constituam mais de 70% dos recursos da Sade, e, em 2006, de um total de78,91 bilhes de recursos, as verbas federais eram cerca de 52% (R$ 40,78 bilhes),as municipais 25% (R$ 19,44 bilhes), e as estaduais 24% (R$ 18,69 bilhes)

    dos gastos (RADIS, 2007).

    Situaes como a descrita acima, que j foram muito comuns no passado,hoje so cada vez mais raras. O processo de descentralizao foi implementado pordiversas normas publicadas pelo MS desde 1992 e, a partir de 2007, regido peloPacto pela Sade. Este se constitui num pacto assinado entre os gestores da sadedos trs nveis de governo, onde so explicitadas as aes que sero realizadas,as metas e o montante de recursos financeiros que os municpios e estados iroreceber do MS para a realizao dessas aes pactuadas. Esta ampliao progressivado poder local, com nfase na municipalizao, j vem resultando em mudanaspositivas do perfil da sade em muitos municpios.

    Relacionadas ao princpio da descentralizao, a REGIONALIZAO EHIERARQUIZAOda rede de servios constituem-se na organizao espacial

    dos servios de modo a atender as necessidades da populao de formaracionalizada e equnime, em diferentes nveis de complexidade de assistncia

    O municpio de Pacincia recebeu no ano passado uma grande quantidade devermfugos, comprados com recursos do Ministrio da Sade. Mas, como aprefeitura municipal vinha desenvolvendo h dois anos um amplo trabalho desaneamento bsico e de educao em sade, o nmero de crianas com verminose muito baixo no municpio e a secretaria municipal usou apenas um tero do estoqueque possua. O Secretrio pediu, ento, autorizao ao MS, para trocar por outrasmedicaes necessrias ao municpio, mas recebeu reposta negativa, seguida, diasdepois por uma nova remessa de vermfugos.

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    nas diferentes unidades, articuladas entre si das mais simples s maiscomplexas, promovendo a integralidade e evitando duplicidades. Esta organizaoexige aes articuladas entre estados e municpios, podendo haver a criao deconsrcios intermunicipais ou interestaduais com transferncia de recursos entreeles. Por exemplo, como no so todos que precisam de cirurgias cardacas, umhospital com essa capacidade pode atender a toda uma regio ou at mesmo a umestado.

    Apesar dos esforos de reorganizao em alguns municpios e regies,os servios integrantes do SUS ainda no se constituem como uma redeorganizada, ocorrendo, em certas reas, falta de determinados servios e, svezes, duplicidade de oferta de outros. Nos anos de 2001/02, a NormaOperacional da Assistncia Sade, editada pelo MS, estabeleceu o processo deregionalizao como estratgia de hierarquizao dos servios e de busca de maiorequidade, propondo a diviso de cada estado em regies e microrregies de sade,integradas por mdulos assistenciais, onde deve ser disponibilizado o conjunto deaes bsicas e de mdia complexidade (BRASIL, 2002). Tal processo ainda bastante incipiente, inclusive no estado da Bahia.

    FCAPACIDADE DE RESOLUO o direito de o cidado ter atendimento resolutivo com qualidade, em

    funo da natureza do agravo, com garantia de continuidade da ateno, sempre quenecessrio.

    A capacidade de resoluo (ou resolutividade) em cada nvel deassistncia do sistema de sade, principalmente da ateno bsica,impede que hajasobrecarga nos outros nveis, como a mdia e alta complexidade, e garante ao usurioa assistncia completa s suas necessidades.

    Entretanto, devido ao pouco investimento que historicamente tem sido

    feito em pessoal e recursos materiais, a rede bsica ainda no se constitui, de fato, naprincipal porta de entrada do sistema de sade, e tem baixa capacidade resolutiva dosproblemas de sade, acarretando excesso de demanda nos servios de mdia/altacomplexidade e hospitais.

    Seu Joel, de 73 anos, residente no municpio de Estrada Larga, atendido naUnidade de Sade da Famlia, com queixas de dificuldades na mico. Foi feito um bomexame clnico e detectado um aumento considervel da prstata. O mdico ento solicitouexames de laboratrio e uma ultrassonografia. O pequeno municpio no dispe delaboratrio, nem servio de ultrassonografia. Seu Joel se desloca para um municpio maior,situado a 200 km, em uma tentativa frustrada de realizar os exames, pois l foi informadode que a cota de exames j fora encerrada com pessoas do prprio municpio.Aps 3 meses, houve piora de sua situao, e seus familiares resolveram lev-lo para acapital, a cerca de 500 km do seu municpio, para um hospital de atendimento de urgncia,

    j com complicaes renais, decorrentes do quadro obstrutivo.

    D. Maria acorda sua filha Diana, de 5 anos, s 4 horas da manh, para lev-la aocentro de sade do bairro onde moram. A menina vem tendo diarreia e vmitos h dois diase "no tem nada que pare na barriga dela". Depois de ficar esperando at as 10 horas peloatendimento, D. Maria foi informada de que o caso de Diana no poderia ser atendidonaquela unidade, pois no tinha pediatra no posto, nem servio de rehidratao. D. Mariavoltou para casa e, no dia seguinte, com a piora da menina, resolveu lev-la na emergncia

    de um grande hospital no outro lado da cidade.

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    6. COMENTRIOS FINAISNo Brasil, a excluso social e as severas desigualdades

    socioeconmicas so caractersticas estruturais, determinadas ao longo do seuprocesso histrico. A ordem neoliberal dominante no perodo mais recente tem, entresuas caractersticas, uma poltica econmica que prioriza o mercado e o sistemafinanceiro, com reduo do papel do Estado e restrio da disponibilidade de recursospblicos para enfrentar com polticas adequadas as necessidades sociais dapopulao brasileira. Nesse contexto, o SUS, aprovado em 1988, comprometido coma solidariedade e a cidadania, andou nesses 17 anos na contramo dessa lgicadominante, sofrendo no decorrer do perodo um processo de deformao.

    Ao longo dos anos que se sucederam promulgao da ConstituioFederal, que ampliou os direitos de cidadania, entre eles o de sade, o que se viu foiuma sequncia de descumprimentos dos dispositivos constitucionais, com ameaasde retrocessos atravs de Emendas Constitucionais, e reformas que atingem noapenas a sade, mas muitas outras conquistas sociais dos brasileiros. Por vriasocasies, houve necessidade de mobilizao e luta dos sujeitos interessados noavano do SUS, principalmente para tentar garantir recursos para o seu

    financiamento.Apesar dos inmeros problemas ainda no superados pelo Sistema nico deSade, proliferam no pas, principalmente onde os municpios so responsveis pelagesto plena do sistema, avanos importantes apontados por pesquisadores erelatados por gestores estaduais e municipais, com medidas que j apresentamimpacto positivo sobre os indicadores de sade, como: ampliao da oferta edo acesso a servios ambulatoriais e hospitalares; organizao de servios deVigilncia Sanitria e Epidemiolgica; implantao de Centrais de Internao e deMarcao de Consultas; criao de consrcios municipais para contratao demdicos especialistas, entre outras.

    Uma das iniciativas a serem destacadas expanso dos Programas deSade da Famlia e de Agentes Comunitrios de Sade (PSF/PACS). Entretanto,

    em que pese o reconhecimento do potencial desses programas para contribuircom a reorganizao da assistncia sade, na direo de um modelo maisadequado s necessidades de sade, algumas preocupaes tm sidolevantadas ao longo da sua execuo. Uma delas a fragilidade na suainstitucionalizao, pois as equipes atuam sob vnculos de trabalho precrios,ocorrendo, portanto, alta rotatividade e riscos de interrupo.

    Este no um problema exclusivo desses programas, pois os mecanismosprecrios de absoro de pessoal, assim como a terceirizao de servios, realizadospelo Estado em nome da flexibilizao do processo de gesto, encontram-sedisseminados em toda a administrao pblica brasileira e, em especial, noSUS, criando distores que comprometem o seu processo de consolidao.

    Os progressos do SUS no so veiculados pela mdia, que alardeia

    frequentemente a falcia do sistema pblico de sade (um SUS ainda muito distantedaquele consagrado na Constituio), apresentando-o como de baixa qualidade,perdulrio e corrupto, omitindo que a crise da sade herana de um modeloperverso que antecede ao SUS, e que o sistema atual, apesar das muitasinsuficincias e distores ainda presentes, mais abrangente e efetivo que aassistncia restrita anteriormente existente.

    Por outro lado, apesar da ampliao significativa do leque de sujeitosenvolvidos com a implantao do SUS - Conselhos de Sade, gestoresmunicipais e estaduais, trabalhadores de sade -, de manifestaes de apoios e dealguns movimentos construdos em sua defesa por partidos polticos,intelectuais,entidades profissionais, comunitrias e de trabalhadores, que ocorreramnos anos que sucederam a implantao do SUS, e da reafirmao dos seusprincpios nas Conferncias Nacionais de Sade que se seguiram a 1988, no se

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    identifica na sociedade brasileira um movimento forte e articulado em defesa do SUSpblico, universal e de qualidade.

    Esse esvaziamento do movimento sanitrio acompanhou o recuo dosmovimentos sociais, em geral, tendncia reforada pela difuso da ideologianeoliberal defensora da desresponsabilizao do Estado em relao s polticaspblicas e agravada pelo pequeno poder de vocalizao e mobilizao da parcela dapopulao mais interessada na defesa e aprimoramento do SUS. Por sua vez, omovimento anti-SUS, muitas vezes no explcito, tem seus representantes dentro efora dos aparelhos de Estado, e conta com expressiva visibilidade na mdia.Depreende-se da que o traado de um caminho mais democrtico e solidrio,ou mais excludente e socialmente diferenciado, para a sade no Brasil,depender da capacidade poltica das diferentes foras sociais em disputa pordiferentes projetos de sociedade e de sade no pas.

    PARA COMPLEMENTAR

    Artigos / Livros:

    1. Brasil. Conselho Nacional de Secretrios de Sade. SUS: avanos e desafios.Conselho Nacional de Secretrios de Sade.Braslia : CONASS, 2006. 164 p2. Paim, Jairnilson Silva. Desafios para a sade coletiva no sculo XXI.[Salvador]: EDUFBA, 2006. 158 p.3. Paim, Jairnlson. O que o SUS.4. ROCHA, J. S. Y. Sistema nico de Sade: avaliao e perspectivas.Sadesoc. vol.3 no.1 So Paulo Jan./July 1994.

    Sites:

    1. http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/entenda-o-sus2. http://pensesus.fiocruz.br/3. http://www.unasus.unb.br/site/4. WWW.cebes.org.br

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    De sonhaoO SUS feito:

    Com crena e lutaO SUS se faz.

    Sade coisa de branco?Sade coisa de preto?Sade coisa de gente?

    Sade comporta gueto?

    De sonhao

    O SUS feito:Com crena e lutaO SUS se faz.

    Sade coisa de elite?O SUS coisa do povo?

    O acesso tem um limite?O SUS vida para todos?

    De sonhaoO SUS feito:

    Com crena e lutaO SUS se faz.

    Toda doena complexa

    Do nascedouro ao finzinhoPorque nasce em ser complexo,No h reta nem convexo.

    No despreze um s caminho.

    De sonhaoO SUS feito:

    Com crena e luta

    O SUS se faz.Ray Lima e Johnson Soares

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    O maior desafio do sistema de sade hoje, no Brasil, poltico(Adaptado)

    Jairnilson Silva Paim define o SUS como um sistema que tem como caractersticabsica o fato de ter sido criado a partir de um movimento da sociedade civil e no do

    Estado, de governo ou de partido. Por: Graziela Wolfart.

    IHU On-LineO que o SUS ainda no faz e que deveria fazer para que se alcanceuma sade pblica de qualidade?Jairnilson PaimQualquer sistema de sade montado em cima de, pelos menos,cinco componentes: a infraestrutura, onde temos um conjunto de estabelecimentos,equipamentos, fora de trabalho, cincia e tecnologia, que permitem, portanto, aprestao dos servios populao; o financiamento, que o que faz manter eampliar essa infraestrutura, pagar pessoal, comprar medicamentos e material deconsumo; a gesto, que diz respeito para onde se vai conduzir esse sistema, se vai terum carter mais pblico ou se vai ficar refm do setor privado, se ser um sistemacom uma gesto participativa, descentralizada, ou se piramidal, vertical; aorganizao dos servios, no sentido de como vamos estruturar esse sistema, se serem redes, se ter relaes entre a ateno bsica e a ateno especializada, como segarantir a referncia, como se regular o atendimento (atravs de uma central de

    consultas ou de internaes); e um quinto componente, que seria um dos maiscentrais por ser aquele que a populao mais sente na pele, o modelo de ateno,ou seja, como vamos combinar um conjunto de tecnologias para resolver osproblemas das pessoas, mas, sobretudo, tendo um cuidado para que elas se sintamacolhidas no servio de sade. Em todos esses cinco componentes o SUS ainda temproblemas. Mas na conjuntura atual, a questo do financiamento central. Se noresolvermos o problema do financiamento do Sistema nico de Sade, no havercomo fazer milagres para atender a todos, com todos os servios que a populaomerece.

    IHU On-LineO senhor afirma que h vrios tipos de SUS dentro do SUS. Quetipos so esses?Jairnilson PaimEsses vrios tipos de SUS dentro do SUS representam concepestanto dos dirigentes, quanto da mdia ou dos prprios profissionais da sade e, por queno dizer, da populao. Na realidade, so representaes sociais acerca dessesistema que estamos tratando aqui. Portanto, tem um SUS que est na lei, naConstituio, na Lei Orgnica da Sade, e que ainda no o sistema queefetivamente encontramos na prtica; temos um SUS que eu chamo um SUS pobrepara pobres, que um sistema onde faltam recursos e sobram filas, as pessoas noso bem atendidas e muitos acham que para ser assim mesmo, porque como um

    sistema que ainda no para todos, os pobres, ao serem atendidos, ainda ficamagradecidos, achando que receberam um bom atendimento, e para esse tipo de

    PORQUE ESSE TEXTO EST AQUI?

    Que temos o maior sistema pblico e gratuito de sade, j sabemos. Porm, todos sabemos queele est longe de ser perfeito, completo.. Quais so os problemas que enfrentamos? Qual nossodesafio central? Com o texto que segue, buscamos responder algumas dessas perguntas!

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    concepo qualquer coisa para pobre serve e ponto. Esse sistema no o que foiconcebido nem na legislao, nem pelo movimento da reforma sanitria. Tem tambmo SUS que est na cabea dos gestores, que eu chamo de o SUS real, em que asade da economia mais importante que a sade do povo. Na hora em que se vaidesignar uma quantidade de recursos, se pensa mais no oramento e no equilbrio

    financeiro do que na sade da populao. Esse o SUS refm da rea econmica decada governo que tem passado pelo Brasil. Esse SUS tambm um SUS Real eeu fao o trocadilho com a realidade e com o nome da moeda brasileira , dosconchavos polticos, das indicaes para cargos de comisso, para cargos deconfiana, em que h um uso da sade como moeda de troca entre partidos e entregovernantes. E quando se faz alguma crtica a esse SUS se considerado umsonhador, porque a realidade assim mesma: deve ser garantida a governabilidade,etc. E h o SUS que foi gerado pelo movimento da reforma sanitria, que ainda no foiinteiramente implantado e se encontra ameaado numa encruzilhada sobre a qual asociedade brasileira ter que debater mais para saber qual o sistema de sade que ela

    efetivamente quer. Essas so concepes acerca do SUS. E como essas ideias queesto na cabea das pessoas influenciam na hora de tomar decises, h uma disputasimblica entre os vrios atores sociais sobre qual o SUS que se defende. H umaparticularidade hoje de que ningum no Brasil, em pblico, contra o SUS. Todomundo hoje a favor do SUS e isso um paradoxo, porque um SUS que todomundo a favor, mas que tem tanta dificuldade de ser desenvolvido..IHU On-LineComo a sociedade brasileira v o SUS?Jairnilson Paim A maneira como a sociedade v o SUS aquela com que asclasses dominantes veem o Sistema nico de Sade. Essa ideologia presente na

    sociedade est sendo produzida constantemente pela mdia. A mdia aproveita asdeficincias do SUS para fazer uma ampla difuso do que est nas aparncias. evidente que se voc chega num hospital pblico, numa emergncia, a mdia no estinventando, nem mentindo em destacar a dificuldade do acesso das pessoas naquelaemergncia, as macas e as pessoas deitadas no corredor, no cho. No entanto, o quea mdia faz mostrar o que aparece. Ela no est muito interessada em perguntar porque isso ocorre e por que aquele fato est sendo realizado e produzido. Ela no quersaber dos elementos que eu coloquei antes, que compem o sistema de sade. Elano quer saber por que o financiamento deficitrio em relao ao SUS. Ela no quersaber que, em um ano, o governo federal gasta quase a metade do seu oramentopara pagar juros da dvida em vez de pagar as necessidades da rea social. A mdiano tematiza isso, porque ela vinculada aos interesses dominantes da sociedade,que ganham e se ampliam com esse tipo de modelo econmico. A explicao dasrazes pelas quais estamos com esses problemas no SUS no aparece na mdia. Oque aparece a falta disso e daquilo, a falta de equipamentos, de pessoal, demedicamentos. Ns, da universidade, temos a obrigao de ir alm da aparncia, pormeio da cincia. Quando fazemos pesquisas, produzimos conhecimento que no aquele do senso comum com o qual a mdia trabalha. No estou fazendo uma crtica mdia. So enfoques diferentes que ns, da universidade, temos ao examinar o SUS eo enfoque que a mdia precisa para vender imagem e atender aqueles que patrocinamos seus programas. Ento, o que a sociedade discute em relao ao SUS no o

    SUS em toda a sua complexidade, mas o SUS fabricado por essas imagens e poresses smbolos que os rgos de comunicao realizam. Tem uma frase muito

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    comum que diz: good news, no news, ou seja, boas notcias no so notcia. Segundoo IBGE, mais de 90% das pessoas que procuraram o servio de sade nas ltimassemanas foram atendidas. Isso garante que temos um sistema de sade bastanteacessvel, com a cobertura muito grande. Mas se a mdia fizer uma entrevista, ela novai pegar os 90% que foram atendidos; vai pegar exatamente os 5 ou 10% que no

    foram atendidos.

    IHU On-Line Quais so os maiores desafios que o SUS enfrenta? Ofinanciamento o maior deles?Jairnilson Paim O maior desafio do Sistema nico de Sade hoje, no Brasil, poltico, porque garantir financiamento para um sistema, que tem que passar por umconjunto de negociaes e de interesses no Congresso Nacional, no Executivo, nopacto de federao com estados, municpios, Unio, implica em uma decisoessencialmente poltica. preciso redefinir as relaes pblico-privadas. O SUSsustenta muitos dos servios do setor privado, particularmente os planos de sade. Os

    tratamentos mais caros vo para o SUS e no para os planos de sade que sopagos. Ou ainda se formos considerar que no sistema de sade, na sua relaopblico/privado, o estado brasileiro faz renncia fiscal, ou seja, deixa de recolherimpostos que as pessoas, as famlias ou as empresas deveriam faz-lo. Com isso estdando subsdios ao setor privado para que ele venha crescer. Essa relao eminentemente poltica e, portanto, vai precisar de um acmulo de foras paramodificar essa situao que no favorvel ao SUS. Se temos como perspectiva doSUS a proposta de avano da universalidade para a equidade, e se queremos reduziras desigualdades, precisamos modificar a distribuio de renda. Esses exemplos soilustraes de que um desafio muito grande do SUS poltico. E se quisermos mudar

    o modelo de ateno para garantir a integralidade e no ser um sistema voltadoexclusivamente para hospitais e tecnologias de alta densidade de capital, mas garantirdireito sade pela integralidade da ateno, essa tambm uma deciso polticaque vai envolver profissionais de sade que foram formados com uma determinadalgica e que tero que redefinir as lgicas e racionalidades que orientam seusprocessos de trabalho. A sociedade precisa saber dessas contradies eentendimentos no sentido de se mobilizar para garantir seu direito sade.

    IHU On-Line Qual a importncia dos movimentos sociais para a luta pelodireito sade e para a consolidao do SUS?Jairnilson PaimO SUS nasceu da sociedade civil e conseguiu atravessar o Estado,seja pela constituinte, seja depois pelo parlamento brasileiro. Alguns fatos queocorrem no mundo e que tambm repercutiram no Brasil levaram a certo retrocesso, acerta desmobilizao dos movimentos sociais na ltima dcada do sculo XX e noincio deste sculo XXI. No Brasil, o fato de, a partir de 2003, ter sido eleito umpresidente da Repblica que tinha participado dos movimentos da classe trabalhadora,que tinha fundado um partido que apresentava um projeto de tica na poltica, umpartido que propunha um conjunto de mudanas na sociedade, criou uma expectativade que as coisas aconteceriam pelo governo, que a sociedade no precisava semobilizar tanto porque um companheiro seu j estava na gesto para realizar asmudanas necessrias. Com oito anos de Lula j se verificou que aquelas

    expectativas no foram bem fundamentadas. Talvez seja, hoje, o momento em que, nomundo todo, as sociedades esto se movimentando e no Brasil as pessoas que

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    querem defender o seu direito sade tenham outra forma de investir na defesa dessedireito que no seja apenas de braos cruzados esperando que o governo faa. Ou sevai luta para poder modificar com relao de foras no sentido de um sistema desade pblico e digno para todos, ou vamos pegar apenas as migalhas do quesobrarem dos oramentos que no foram pagos aos bancos. Com isso manteremos

    um SUS pobre, para pobres, e complementar iniciativa privada, e no o contrrio.

    PARA COMPLEMENTAR

    "Se, na verdade, no estou no mundo para simplesmente a ele me

    adaptar, mas para transform-lo; se no possvel mud-lo sem umcerto sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que

    tenha para no apenas falar de minha utopia, mas participar de

    prticas com ela coerentes."

    (Paulo Freire)

    ARTIGOS / LIVROS

    1. MINAYO, M. C. S. Os 20 anos do SUS e os avanos na vigilncia e na proteo sade. Epidemiol. Serv. Sade v.17 n.4 Braslia dez. 2008.2. Paim, Jairnlson. Reforma Sanitria Brasileira: contribuio para compreenso ecrtica. EDUFBA, 2013.3. Entrevista de Ligia Bahia na Revista Histria, Cincias, SadeManguinhos. 24 deabril de 2014 - Por Vilma Reis. (Reportagem). Disponvel em:http://www.abrasco.org.br/site/2014/04/entrevista-de-ligia-bahia-na-revista-historia-ciencia s-saude-manguinhos/

    Sites / Filmes

    1. Ministrio da Sade. POLTICAS DE SADE NO BRASIL: Um sculo de luta pelo direito sade. Direo Renato Tapajs. 2006. (Documentrio).2. Moore, Michael. SIckoSOS Sade. EUA. 2007. (Documentrio).

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    Desvendar e enfrentar as relaes entre o setor pblico eo privado na sade

    Lenaura Lobato

    O debate acerca das relaes entre o setor pblico e privado nasade precisa ser revisto e atualizado pelo movimento sanitrio. Por dois motivosprincipais: em primeiro lugar, vivemos um processo de profunda privatizao dosservios pblicos de sade e, como consequncia ou no desse primeiro aspecto,

    temos hoje um sistema pblico de sade que no est mais na direo do propostopela Constituio de 1988. um sistema segmentado, de acesso insuficiente,baixa qualidade e baixo impacto nas condies de sade da populao.

    Todos os sistemas de sade pblicos e universais, como o brasileiro,contam com algum tipo de participao do setor privado. Hoje h um aumentodessa participao em muitos desses pases. Embora no se saiba ainda dasconsequncias desses novos arranjos para os resultados em sade, h umapreocupao com os riscos que isso pode trazer para os sistemas universais.Historicamente, no capitalismo, as condies de sade avanaram onde a sadefoi entendida como bem pblico, como algo que no pode tratado como umasimples mercadoria. Um dos aspectos mais importantes da construo econsolidao dos chamados estados de bem estar social (welfare states) foi adesmercantilizao de um conjunto de bens, transformados em direitos, cujagarantia depende da interveno estatal na oferta direta de servios e naregulao da prestao, da produo e da comercializao de insumos, sejameles pblicos ou privados. O Brasil avanou na construo do seu estado debem estar ao criar estruturas potentes de proteo, onde a sade o maiorexemplo. Contudo, ns no alcanamos desmercantilizar essa proteo,transformando a sade em um bem pblico de fato. Costumamos nos referir universalizao como elemento central do direito sade, conquistado em 1988.Essa referncia fundamental, mas a universalizao precria se a noo debem pblico frgil. A universalidade define o acesso de todos, mas anoo de bem pblico que garante que o bem seja indivisvel e no possa ser

    capturado ou tratado com exclusividade. O direito sade tem sido restringidono s pelo subfinanciamento, mas pela profuso de interesse privados quepovoam o SUS em todas as reas.

    A participao do setor privado sempre conflituosa na construo desistemas de garantia de bens pblicos, principalmente em reas onde alucratividade intensa, como a sade. Contudo, pouco sabemos da dinmica dosmercados na rea de sade no Brasil hoje. O conhecimento das condies deproduo e reproduo capitalista na sade embasou o movimento sanitrio nosanos 1970. E o diferencial foi a associao entre esse conhecimento ao dadinmica das relaes de poder polticos-institucionais do caso brasileiro. Hoje omovimento, salve melhor juzo, no faz nem uma coisa nem outra. Como, eem que direo, se movimentam os mercados de sade hoje? Quem so os

    atores prevalecentes na arena da sade, a par aqueles conhecidos no campo

    PORQUE ESSE TEXTO EST AQUI?

    Falar do capital falar tambm da sociedade, de um dos pilares que move o mundo globalizadoe capitalista. Mas, at que ponto isso deve interferir no acesso sade, que inclusive, em nossocaso ergueu-se sobre os pilares da universalidade, equidade e integralidade? Quem ser queganha essa briga? Trazemos esse texto com o intuito de aprofundar o debate sobre SUS,financiamento e a relao entre o pblico e o privado, no setor sade.

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    da gesto? O que defendem? Que mecanismos utilizam? Quem so seusrepresentantes no governo, no congresso, nos estados?

    A dinmica capitalista se materializa na ateno sade em doismovimentos relativamente simples e aparentemente contraditrios: o estmulo e arestrio ao uso. O estmulo produo, difuso e comercializao de tecnologias eprocessos de ateno sade se d paralelamente restrio crescente de seuuso, tanto no setor pblico quanto no setor privado. O setor pblico constantemente pressionado a adotar novos processos e tecnologias e tem que lidarcom as restries constantes na distribuio de recursos, onde as reas sociaisso sempre colocadas em segundo plano. No setor privado, a disputa se dentre prestadores de servios (mdicos, hospitais, laboratrios, etc), que queremliberdade de uso, e os terceiros pagadores (como as operadoras de planos) quequerem o oposto, a reduo da utilizao de servios. A dinmica queprevalece no a das necessidades em sade, e isso tem consequnciasdiretas sobre o acesso, a qualidade da ateno e a equidade. Contudo, essadinmica muito pouco conhecida no Brasil atual. O movimento sanitrioadotou o SUS como bandeira, mas no tem investigado (e assim politizado) as

    contradies inerentes construo de uma alternativa pblica para a sade, ede criar alternativas. O SUS deixou de ser um meio para consolidar o direito sade, para ser um fim em si. A tnica da disputa poltica tem sido entre os afavor do SUS e do direito sade, contra os (supostamente) contra o SUS. Oproblema que hoje ningum contra o SUS, nem contra o direito sade.Chamou nossa ateno um seminrio sobre relaes pblico-privado que oCebes promoveu em So Paulo em 2009, onde todos os representantes dosetor privado defenderam arduamente o SUS. Parece que a contradio no maisa universalizao ou quic o direito sade, ou mesmo o dever do estado.

    Uma delas, com certeza, a privatizao intensiva do SUS. Aparticipao do setor privado, de forma complementar, garantida por lei, e necessria para a concretizao da universalizao. Contudo, h que se criar

    mecanismos para que essa participao seja eficiente e dirigida ao bem pblico.O que ocorre hoje o bem pblico em favor do setor privado. Um doselementos cruciais a separao clara de recursos, onde os recursos pblicos devamser dirigidos exclusivamente aos servios pblicos, mesmo que prestados pelosetor privado. inadmissvel, por exemplo, a permanncia da transferncia derecursos para a sade privada atravs do desconto do pagamento aos planos desade no Imposto de Renda. O movimento deve abraar uma proposta de extinoprogressiva desse mecanismo. Uma das maiores excrescncias, smbolo deprivatizao exercida ao interior do prprio setor pblico, a chamada duplaporta, onde hospitais pblicos prestam servios aos planos de sade privados. Aalegao de gerao de recursos para o SUS duvidosa, j que sonecessrios investimentos para garantir a diferenciao de servios requerida

    pelo setor privado, alm de no haver controle sobre o uso desses recursosexcedentes. Fora o disparate de instalaes diferenciadas e segmentao deusurios dentro de instalaes pblicas.

    Outro mecanismo so as chamadas OSs e Oscips. O problema aqui a contratao de servios privados para a execuo de servios pblicos sem anecessidade definida, sem controle sobre a execuo e, pior, sem garantia deser alternativa mais eficiente. Por outro lado, so regulares as denncias de altarotatividade do trabalho, vnculos precrios e condies ruins de trabalho eatendimento. Ou seja, um sub SUS! O Ministrio da Sade, governos estaduaise Conselhos nacional e estaduais devem proceder avaliao urgente dosservios prestados atravs dessas empresas. Por outro lado, urgente que seconstruam alternativas de gesto pblica que garantam condies de expanso doSUS. Se considerarmos apenas o PSF, estima-se que seriam necessrias ainda30.000 equipes, o que significa no mnimo mais 60.000 profissionais. Se

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    adicionarmos as 500 UPAS prometidas pelo novo governo, com 40 mdicoscada, seriam mais 20.000 profissionais. Quem, em s conscincia, acha quequalquer governo, por mais democrtico que seja vai, nos dia de hoje ou emum futuro prximo, fazer concurso pblico para ocupao, pelo RJU, dessaquantidade de gente? Na verdade, para crescer, o SUS precisa de uma polticapblica clara de expanso da fora de trabalho baseada nas necessidades desade, e alternativas de gesto do trabalho que privilegiem o emprego pblico.Assim ser possvel evitar a proliferao das alternativas precrias existenteshoje.

    A privatizao se manifesta tambm na difuso de prticas e interessesque podem colidir com o interesse pblico. No so interesses de lucro, masinteresses particulares que podem minar o bem pblico. O Brasil tem uma longahistria de participao do setor privado na sade, mas tambm uma longa histriade privatizao do pblico, em todas as reas da vida social. precisonomear esses interesses, sejam eles de profissionais, de conselheiros, degestores e mesmo de usurios. Em uma democracia, os interesses individuaise corporativos so legtimos e devem ser estimulados, mas h que se definir

    at onde eles colidem com o interesse pblico. da natureza da rea desade a convivncia entre interesses individuais e coletivos, tanto no campo dasnecessidades, como no das prticas; e muitas vezes necessidades e liberdadesencobrem particularismos que fragilizam o bem comum. O fato de termos nasade princpios solidrios e progressistas no significa que estejamos imunes reproduo de formas tradicionais e particularistas de intermediao deinteresses. Essa dinmica precisa ser identificada e enfrentada.

    Outra forma de privatizao a destacar so os mecanismos usuais deapropriao do pblico, que so legais, exercidos em nome do pblico, masprivatistas. Destaco aqueles bastante conhecidos, mas pouco identificados edenunciados pelos movimentos. Relacionam-se intermediao de interesses entregestores e prestadores de servios, como a facilitao de contratos com o setor

    privado ou o favorecimento contratao privada em lugar do estmulo prestao pblica. H provavelmente uma limitao legal, na medida em queessas prticas so amparadas pela autonomia dos gestores para gerir seussistemas. necessrio que a participao do setor privado, garantida em lei seja,como a lei prev, de forma complementar e em prol do interesse pblico. Esse um papel fundamental dos conselhos, que no vem sendo exercido, e tambmda gesto pblica, que precisa definir mecanismos de contratualizao eficientese passveis de acompanhamento.

    As entidades defensoras da sade universal e pblica, entre elas oCebes, devem aprofundar o conhecimento dos fatores que estimulam aprivatizao em suas diversas dimenses para formular alternativas polticas quefavoream a convivncia com o setor privado, tendo como premissa a garantia da

    sade como bem pblico.

    PARA COMPLEMENTAR

    Artigos / Livros

    1. Crescimento de planos privados prejudica sade pblica.Disponvel em:http://www.brasildefato.co m.br/node/10183.2. Elisa Batalha. Para entender o (sub)financiamento do SUS. Disponvel em:http://www6.ensp.fiocruz.br/radis/conteudo/para-entender-o-subfinanciamento-do-sus

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    Sites / Filmes1. Tendler, Silvio. A Distopia do Capital. Brasil. 2014 (2014) (Documentrio).2. Pronzato, Carlos. A Dvida Pblica Brasileira: a soberania na corda bamba.Brasil, 2014. (Documentrio).

    3. Presidenta da CNS fala sobre o financiamento da sade no Brasil: http://www.saudemaisdez.org.br/index.php/component/allvideoshare/video/presidenta-do-cns-fala-sobre-o-financi amento-da-saude-no-brasil4. Programa Ao Sade: Financiamento da Sade.https://www.youtube.com/watch?v=PzAn 05ch530

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    A Reforma psiquitrico no Brasil: poltica de sade mental doSUS

    Ministrio Da Sade, Braslia, Novembro De 2005 (Texto Adaptado)

    O incio do processo de Reforma Psiquitrica no Brasil contemporneo daecloso do movimento sanitrio, nos anos 70, em favor da mudana dos modelosde ateno e gesto nas prticas de sade, defesa da sade coletiva, equidade naoferta dos servios, e protagonismo dos trabalhadores e usurios dos servios de

    sade nos processos de gesto e produo de tecnologias de cuidado.O ano de 1978 costuma ser identificado como o de incio efetivo do

    movimento social pelos direitos dos pacientes psiquitricos em nosso pas. OMovimento dos Trabalhadores em Sade Mental (MTSM), movimento plural formadopor trabalhadores integrantes do movimento sanitrio, associaes de familiares,sindicalistas, membros de associaes de profissionais e pessoas com longo histricode internaes psiquitricas, surge neste ano. sobretudo este Movimento, atravs devariados campos de luta, que passa a protagonizar e a construir a partir deste perodoa denncia da violncia dos manicmios, da mercantilizao da loucura, dahegemonia de uma rede privada de assistncia e a construir coletivamente uma crticaao chamado saber psiquitrico e ao modelo hospitalocntrico na assistncia spessoas com transtornos mentais.

    na dcada de 90, marcada pelo compromisso firmado pelo Brasil naassinatura da Declarao de Caracas e pela realizao da II Conferncia Nacional deSade Mental, que passam a entrar em vigor no pas as primeiras normas federaisregulamentando a implantao de servios de ateno diria, fundadas nasexperincias dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as primeiras normas parafiscalizao e classificao dos hospitais psiquitricos.

    No contexto da promulgao da lei 10.216 (2001) e da realizao da IIIConferncia Nacional de Sade Mental, que a poltica de sade mental do governofederal, alinhada com as diretrizes da Reforma Psiquitrica, passa a consolidar-se,ganhando maior sustentao e visibilidade. A partir deste ponto, a rede de atenodiria sade mental experimenta uma importante expanso, passando a alcanar

    regies de grande tradio hospitalar, onde a assistncia comunitria em sademental era praticamente inexistente.Neste mesmo perodo, o processo de desinstitucionalizao de pessoas

    longamente internadas impulsionado, com a criao do Programa De Volta paraCasa. Uma poltica de recursoshumanos para a Reforma Psiquitrica construda, e traada a poltica para a questo do lcool e de outras drogas, incorporando aestratgia de reduo de danos. A implementao e o financiamento de ServiosResidenciais Teraputicos (SRT) surgem neste contexto como componentes decisivosda poltica de sade mental do Ministrio da Sade para a concretizao das diretrizesde superao do modelo de ateno centrado no hospital psiquitrico. Assim, osServios Residenciais Teraputicos, residncias teraputicas ou simplesmentemoradias, so casas localizadas no espao urbano, constitudas para responder s

    necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves,egressas de hospitais psiquitricos ou no.

    PORQUE ESSE TEXTO EST AQUI?Entende-se Reforma psiquitrica como um conjunto de transformaes de prticas, saberes,valores culturais e sociais, no cotidiano da vida das instituies, dos servios e das relaesinterpessoais que este processo da Reforma Psiquitrica avana, marcado por impasses,tenses, conflitos e desafios. Buscando aprofundar o debate sobre o tema, trazemos um textoque debate o tema da sade mental no SUS, futuro mbito de trabalho de diversos estudantesde sade!