matéria orgânica do solo - eduardo - gomide - abeas - 1995

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Matéria Orgânica do Solo Prof. Eduardo de Sá Mendonça Prof. Emílio Gomide Loures DEPARTAMENTO DE SOLOS UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA 1995

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Matéria Orgânica do Solo

Prof. Eduardo de Sá Mendonça

Prof. Emílio Gomide Loures

DEPARTAMENTO DE SOLOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

1995

Page 2: Matéria Orgânica do Solo - Eduardo - Gomide - ABEAS - 1995

1. Introdução

2. Origem e Natureza da Matéria Orgânica

3. Agentes Responsáveis

4. Umidade

5. Arejamento

6. Temperatura

7. Acidez do Solo

8. Nutrientes do Solo

9. Exemplos de Transformações

9.1. Transformações da celulos

9.2. Transformações da lignina

10. Síntese e Degradação de Substâncias Húmicas

11. Características e Propriedades das Frações Húmicas e Não Húmicas do Solo

12. Influência da Matéria Orgânica nas Propriedades do Solo e da Planta

13. Conservação da Matéria Orgânica do Solo

14. Bibliografia

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1. Introdução

Figura 1. Dinâmica da matéria orgânica (Alexander, 1977). As tranformações por que passa o carbono compreendem essencialmente duas fases: fase de fixação do gás carbônico e a fase de regeneração. A fixação do gás carbônico atmosférico é efetuada pelos organismos fotossintéticos, plantas verdes, algas e bactérias autotróficas. Esta fixação finaliza-se na síntese de compostos hidrocarbonados de complexidade variável, amidos, hemiceluloses, celuloses, ligninas, proteínas, óleos e outros polímeros. Estes compostos retornam ao solo com os resíduos vegetais; são utilizados pelos microrganismos que regeneram o gás carbônico durante as reações de oxidação respiratória, utilizando a energia que lhe é indispensável. A segunda fase corresponde a participação dos microrganismos do solo que está relacionada particularmente com as diferentes etapas de degradação das substâncias carbonadas que constituem, aproximadamente, 90 %, em relação ao peso da matéria orgânica seca do solo. A velocidade de decomposição da matéria orgânica do solo independente da forma em que se encontra e é condicionada à inúmeros fatores, dentre eles: - Origem e natureza da matéria orgânica

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- Agentes responsáveis - Umidade - Arejamento - Temperatura - Acidez do solo

- Nutrientes do solo

2. Origem e Natureza da Matéria Orgânica A matéria orgânica do solo provem, em quase sua totalidade, de resíduos vegetais cuja composição média varia entre as diferentes espécies de vegetais e, dentro da mesma espécie, com a idade da planta. Todavia, apesar de se encontrar diferenças entre as espécies, ocorre certa constância entre os componentes básicos das plantas, variando apenas o percentual dos componentes estruturais. Em termos percentuais de peso do vegetal seco, os componentes dos vegetais são, comumente, divididos em seis grandes grupos (Waksman, 1952): 1 - Celulose 15 a 60 % 2 - Hemicelulose 10 a 30 % 3 - Lignina 5 a 30 % 4 - Fração solúvel em água 5 a 30 % açúcares simples amino ácidos ácidos alifáticos 5 - Fração solúvel em éter ou em álcool 1 a 15 % gordura resina óleos alguns pigmentos ceras 6 - Proteínas 1 a 10 % Os constituintes minerais usualmente encontrados na cinza variam de 1,0 a 12 %. Como regra geral, a idade da planta influencia na proporção relativa dos componentes. Assim, plantas mais jovens são mais ricas em proteínas, minerais e na fração solúvel em água, enquanto, à medida que a planta envelhece, as frações celulose, hemicelulose e ligninas aumentam.

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0

10

20

30

40

Solúveisem água

Proteínas Cinzas Solúveisem éter

Pentoses Ligninas Celulose

Planta com 25-30 cm alturaAntes do pendoamentoAntes da floraçãoPróximo à maturação

Figura 2. Influência da idade da planta na composição química do centeio, (Waksman,

1952). Durante a decomposição da matéria orgânica pela ação de enzimas e microrganismos, alguns componentes são mais prontamente utilizados que outros. A fração solúvel em água e proteínas são os primeiros compostos a serem metabolizados. A celulose e hemicelulose não desaparecem com a mesma intensidade, mas a permanência no solo destes compostos é relativamente curta. As ligninas são altamente resistentes, tornando-se, às vezes, relativamente mais abundantes na matéria orgânica em decomposição. A relação C/N, carbono/nitrogênio, pode, muitas vezes, determinar a cinética de decomposição. Assim, deve-se considerar a dinâmica da relação C/N sob dois aspectos: a - Relação C/N dos microrganismos b - Relação C/N da matéria orgânica No primeiro caso, verifica-se que a relação C/N das células microbianas varia bastante. Em termos médios pode-se considerar que nos fungos a relação C/N = 10:1, nos actinomicetos igual a 8:1, nas bactérias aeróbias igual a 5:1 e nas bactérias anaeróbias igual a 6:1. A matéria orgânica do solo constitui a principal fonte de C para os microrganismos. Entretanto, nem todo carbono da matéria orgânica é transformado em célula microbiana, grande parte dele se perde sob a forma de CO2 decorrente de sua mineralização. A quantidade de carbono da matéria orgânica, assimilável pelos microrganismos do solo, é variável segundo o microrganismo ou grupos de microrganismos considerados. Percentualmente, têm-se os seguintes coeficientes assimilatórios do carbono orgânico total: Fungos 30 a 40 % 5

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Actinomicetos 15 a 30 % Bactérias 1 a 15 % Em termos práticos, pode-se considerar o coeficiente assimilatório do carbono orgânico, em torno de 35 %. Com os dados citados, pode-se verificar, por exemplo, o que se passa no caso da decomposição da palha do milho. A palha do milho, apresenta 40 % de C e 0,7 % de N. Cosiderando um coeficiente assimilatório do C de 35 %, têm-se em 100 kg da palhada:

100 kg ⎯⎯⎯→ 40 kg C total 40 kg C total x 0,35 = 14 kg C assimilável Considerando uma relação C/N dos microrganismos de 10:1, encontra-se:

C N/ = =1410

1 4, kg de N necessário à decomposição

A palha de milho apresenta, no exemplo, 0,7 % de N.

100 kg ⎯⎯⎯⎯→ 0,7 kg N disponível 1,4 kg N necessário - 0,7 kg N disponível = 0,7 kg N déficit Verifica-se, pelos cálculos, que para que ocorra decomposição rápida de 100 kg de palha de milho, torna-se necessária a adição de 0,7 kg de nitrogênio. Nesse caso, os microrganismos retiram do solo o nitrogênio disponível, provocando o fenômeno da imobilização do N do solo, competindo, assim, com a vegetação, por este elemento. Pelo termo "imobilização do nitrogênio" subentende-se a transformação do nitrogênio mineral do solo - NO3

- e NH4+ - para uma forma orgânica microbiana.

NO3- ou NH4

+ + microrganismo → N orgânico O termo mineralização do nitrogênio corresponde à transformação do N sob forma orgânica a N combinado mineral.

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N orgânico + microrganismos → NH4+ → NO3-

Durante a decomposição da matéria orgânica no solo a relação C/N diminui, tendo em vista que parte do C orgânico se perde sob a forma de CO2.

Figura 3. Relação C/N, imobilização (i) e mineralização (m) do N durante a

decomposição da matéria orgânica. A Figura 3, adaptada de Alexander (1977) e Broadbent (1954), representa a curva de decomposição da matéria orgânica no solo, correlacionando sua relação C/N com os fenômenos de imobilização e mineralização do N. Os resíduos orgânicos com relação C/N > 30 são considerados de relação C/N alta, entre 15-30 relação C/N equilibrada e menor que 15, relação C/N estreita. Cabe salientar que relações C/P/S, C/lignina e teor de fenois também influenciam a taxa de decomposição do material orgânico adicionado ao solo ou da matéria orgânica propriamente dita.

3. Agentes Responsáveis

A microbiota do solo é, em sua maioria, heterotrófica, isto é, depende de uma

fonte de carbono orgânico pré-formado para que possa crescer e multiplicar. Assim,

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praticamente todos os fungos, actinomicetos e a maioria das bactérias e protozoários

participam intensamente do processo de decomposição da matéria orgânica. Durante a

decomposição ocorre flutuação qualitativa e quantitativa na polulação microbiana,

podendo haver predominância de alguns em determinada etapa do fenômeno.

Ação dos Microrganismos e dos Complexos Enzimáticos do Solo

Os compostos orgânicos e minerais do solo sofrem transformações incessantes, seja por processos de natureza química ou físico-química, seja por processos de natureza biológica, estes compreendendo a intervenção direta ou indireta dos microrganismos ou dos complexos enzimáticos do solo. Durand (1966) citado por Dommergues e Mongenot (1970) evidencia a coexistência desses três processos que se encontram em todos os solos. Esse pesquisador comparou o desaparecimento do ácido úrico nas porções de amostras de solo submetidas aos seguintes tratamentos: (1) desinfestação pelo calor, operação que ocasiona a destruição das enzimas e dos microrganismos; (2) desinfestação pelo tolueno, operação que ocasiona a inibição dos microrganismos degradantes do ácido úrico, porém, sem afetar a enzima uricase, (3) testemunha não esterelizada. No tratamento (1), uma fração de ácido úrico desaparece por adsorção físico-química pelos colóides do solo (Figura 4, curva C). No tratamento (2), a quantidade de ácido úrico que desaparece é mais elevada, correspondendo não somente à adsorção físico-química, mas, também, à degradação enzimática (curva B). No tratamento (3), a quantidade de ácido úrico que desaparece é, ainda, mais elevada, correspondendo ao conjunto dos seguites processos: fixação físico-química, degradação por via enzimática e microbiológica (curva A).

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Figura 4 - Desaparecimento do ácido úrico em um solo (Durand, 1966 citado por Dommergues e Mongenot, 1970).

Segundo Burns (1978) e Lynch (1986), os principais grupos de enzimas encontrados no solo pertencem às óxido-redutases, às transferases e às hidrolases.

-- Origem das Enzimas do Solo

As enzimas que se encontram no solo provêm não somente dos microrganismos, mas, também, da vegetação e da microfauna.

a) Enzimas de origem microbiana

As enzimas sintetizadas pelos microrganismos são de dois tipos:

1) as endoenzimas, intimamente ligadas aos corpos microbianos liberados no meio somente após a morte e lise das células;

2) as exoenzimas, sintetizadas no interior da célula e liberadas no meio. São enzimas que irão atuar sobre o substrato, desdobrando-o, permitindo, assim, que os microrganismos possam utilizá-lo.

b) Enzimas de origem vegetal

A contribuição da vegetação resulta na adição ao solo de enzimas contidas nos resíduos dos tecidos vegetais e nos exsudados radiculares.

No solo, encontram-se estes dois tipos de enzimas. A proporção relativa das enzimas de origem microbiana a daquelas de origem não microbiana varia entre tipos de solo. Entretanto, pode-se admitir que as enzimas de origem microbiana são mais representativas.

-- Estado das Enzimas no Solo

As enzimas do solo se apresentam sob três estados:

a) Enzimas livres

Estas enzimas são as exoenzimas, ou endoenzimas que foram liberadas no solo após a lise de células microbianas ou vegetais. Sob essa forma, as enzimas não

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persistem por muito tempo, pois sofrem biodegradação rápida. São encontradas na solução do solo.

b) Enzimas adsorvidas pelos colóides do solo

Adsorção das enzimas nas argilas provoca, em geral, sua inativação parcial, porém pode, também, proteger estas proteínas da biodegradação. Os fenômenos de adsorção das enzimas na matéria orgânica desempenham, provavelmente, papel importante em alguns tipos de solos. Entretanto, os conhecimentos atuais sobre as conseqüências exatas destes fenômenos são, ainda, incompletos.

c) Enzimas particuladas

São enzimas que se encontram aderidas em alguma estrutura celular, especialmente membrana celular, como algumas transferases, e mesmo no interior de células, microbianas ou vegetais, como, por exemplo, osporaginases. Aderidas ou constituindo parte da estrutura celular, elas se conservam no solo por mais tempo.

4. Umidade

Todos os microrganismos, enzimas e organismos do solo dependem da água para o seu crescimento e desenvolvimento. Assim, o teor de água do solo irá influenciar a decomposição da matéria orgânica. Dois extremos de umidade podem ocorrer no solo: enxarcamento e dessecação. Em ambos os casos, verifica-se redução na velocidade de decomposição decorrente da redução nas atividades microbiana e enzimática. A alternância de períodos úmidos com períodos secos pode acarretar elevação e redução na atividade microbiana, favorecendo a decomposição.

As melhores condições para decomposição da matéria orgânica, conforme Figura 5, ocorrem quando o teor de umidade se encontra na faixa entre 40 a 60 %.

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Figura 5 - Influência da umidade na decomposição da matéria orgânica (Waksman e Purvis, 1952, citado por Waksman, 1952).

Em solos tropicais, o enxarcamento permanente do solo constitui fator de acúmulo de matéria orgânica, podendo dar origem aos solos orgânicos.

5. Arejamento

Grande parte dos microrganismos do solo são aeróbios ou microaeróbios, isto é, dependem do oxigênio para realizarem o fenômeno de respiração. No solo, o ar e a água ocupam os macros e microsporos, respectivamente. As Figuras 6 e 7, citada por Waksman (1952), apresentam os efeitos de umidade e da aeração sobre a decomposição da matéria orgânica no solo.

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Figura 6 - Influência da aeração sobre a decomposição da alfafa (Waksman, 1952).

% de umidade

% Materialresidual após2 meses dedecompo-

sição

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

30 50 75 85

Nitrogê-nio total

matériasecatotal

celulose Pentosanas

Figura 7 - Influência da umidade e aeração sobre a decomposição de esterco de cavalo (Waksman, 1952).

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6. Temperatura

A faixa de crescimento microbiano está entre -0,5oC a 68oC (Atlas, 1984). Verifica-se que a amplitude de temperatura de crescimento é relativamente grande, mas não quer dizer que os microrganismos crescem bem em toda ela.

Alguns crescem mais em temperaturas mais baixas, são os Psicrófilos, -0,5oC a 20oC, outros em temperaturas médias, os Mesófilos, 14oC a 45oC e um grupo especial que cresce melhor em temperaturas mais elevadas, os Termófilos, 42oC a 68oC (Atlas, 1984) (Figura 8).

Taxa de crescimento

%

Figura 8 - Faixa da temperatura de crescimento dos Psicrófilos, Mesófilos e Termófilos (Atlas, 1984).

Dentro de cada faixa de crescimento, existe uma "temperatura ótima de crescimento". A temperatura onde ocorre a maior taxa de crescimento, "temperatura máxima de crescimento", que corresponde à temperatura mais elevada onde ocorre, ainda, crescimento, e a "temperatura mínima de crescimento", compreendendo a temperatura mais baixa, onde se apresenta crescimento microbiano (Atlas, 1984) (Figura 9).

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Taxa de crescimento

%

Figura 9 - Efeito da temperatura sobre a taxa de crescimento dos microrganismos e seus limites. Temperatura ótima, temperatura máxima e temperatura mínima de crescimento.

Os microrganismos mesófolos e termófilos são mais ativos na decomposição da matéria orgânica. Em solos tropicais, considerando o efeito da temperatura, verifica-se uma velocidade de decomposição de 5 a 10 vezes maior do que em solos de clima temperado (Sanchez, 1981).

O grupo termófilo de decompositores apresenta importância particular no caso de produção do adubo orgânico, pela técnica de compostagem.

Na Figura 10, verifica-se que a faixa de temperatura mais favorável à decomposição da matéria orgânica está entre 28o e 50oC. Estes limites ótimos de decomposição fazem com que, em solos tropicais, torne-se extremamente difícil a manutenção de níveis elevados de matéria orgânica (Sanchez, 1981).

7. Acidez Total

O pH do solo também influencia na velocidade de decomposição da matéria orgânica. A maioria dos microrganismos do solo tem seu pH ótimo de atuação, em torno da neutralização.

As bactérias são, sobretudo, neutrófilas, mas dentro das bactérias, encontra-se, possivelmente, um ser vivo que cresce em pH 0 ou 1, como no caso da Thiobacillus thiooxidans, que é autotrófico, isto é, não utiliza o C orgânico como fonte de C.

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Matéria Orgânica Total _______ Proteína - - - - - -

Figura 10 - Efeito da temperatura sobre a decomposição da matéria orgânica (Waksman, 1952).

Os próprios fungos que comumente são citados como acidófilos apresentam, também, pH ótimo do crescimento em torno da neutralidade, apenas são mais tolerantes à acidez do solo, fazendo com que predominem em solos ácidos.

O pH do solo influencia no crescimento da microbiota não só devido as concentrações H+ ou OH-, mas, em casos de solos ácidos tropicais, pode provocar a liberação de ínos tóxicos como Al3+ e Mn2+, ou no caso de alcalinidade, a imobilização de nutrientes.

A correção do pH do solo pela técnica da calagem favorece a atividade microbiana e acelera a decomposição da matéria orgânica (Lopes, 1977).

8. Nutrientes do Solo

Além da exigência do carbono e nitrogênio pelos microrganismos do solo, outros elementos igualmente são solicitados, em especial P, S, e microelementos. Todavia esses outros elementos não têm constituído obstáculo para a decomposição,

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considerando que os próprios resíduos orgânicos já apresentam nível favorável para decomposição.

9. Exemplos de Transformações

9.1. Transformações da celulose

A celulose é o polissacarídeo vegetal mais difundido. Forma o constituinte essencial das paredes celulares das plantas superiores, algas e fungos. Nos tecidos vegetais, a celulose é, em geral, associada a outros polissacarídeos tais como: hemicelulose, lignina e pectinas. O teor de celulose nos tecidos vegetais é extremamente variável: atinge 90 % nas fibras de algodão; 60 % na madeira das coníferas, 30 a 40 % na palha de cereais. A rapidez de decomposição da celulose no solo depende da estrutura da celulose considerada, da natureza dos microrganismos que intervêm e das condições ecológicas.

A celulose é formada por uma longa cadeia de polímeros de glucose, seguindo diversos modos, para constituir as fibrilas, apresentando zonas amorfas e cristalinas, com o peso molecular entre 200.000 a 2.000.000 daltons. A decomposição da celulose é relativamente lenta porque as enzimas celulolíticas têm dificuldade em se inserir entre as cadeias que constituem estas fibrilas. Na maior parte dos casos, a degradação da celulose até glucose resulta da intervenção de um sistema plurienzimático: uma primeira enzima (C1) daria longas cadeias lineares que seriam retomadas por uma segunda enzima (C2) para originar a celobiase; uma celobiase intervem em seguida para transformar a celobiose em glucose. Esta sequência plurienzimática explica a incapacidade de numerosos microrganismos atacar a celulose apesar de degradarem facilmente os produtos de hidrólise parcial desta celulose. Tais microrganismos dispõem de um equipamento enzimático incompleto, restrito, por exemplo, a uma só das enzimas.

Os microrganismos celulolíticos do solo pertencem a numerosas espécies microbianas que agem, em sua maior parte, em associações sinérgicas e não isoladamente.

A população celulolítica mesófila aeróbia é encontrada nos solos convenientemente arejados, constituída especialmente por fungos, como Aspergillus, Chaetomium, Curvularia, Fusarium, Phoma, Trichoderma, assim como a classe dos Hyphomycetes. O papel exato destes últimos não está, ainda, bem estabelecido. A

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capacidade para decompor a celulose é menor entre as bactérias do que entre os fungos. Têm-se, entretanto, espécies bacterianas muito ativas, em particular espécies pertencentes aos gêneros Cytophaga, Sporocytophaga, Angiococcum, Cellvibrio, Cellfalcicula. Também actinomicetos celulolíticos e alguns protozoários degradam igualmente a celulose.

A população microbiana celulolítica mesófila anaeróbia, comumente encontrada em solos enxarcados ou em ambientes anaeróbios, é menos rica. Compreende essencialmente bactérias pertencentes aos gêneros Clostridium, Plectridium ou Terminosporus.

A população microbiana celulolítica termófila é adaptado a um grupo onde a temperatura se eleva acima de 50oC tais como em esterqueiras ou medas de decomposição e é formada, em grande parte, por bactérias, entre as quais, as mais ativas pertencem às espécies Clostridium thermocellum e C. thermocellulaseaum.

Os fatores ecológicos que favorecem a degradação da celulose em solos úmidos são: pH próximo à neutralidade, temperatura compreendida entre 20 e 35oC, umidade próxima à capacidade de campo, aprovisionamento em nitrogênio mineral sobretudo sob forma amoniacal. Nessas condições, produtos finais da degradação da celulose é constituído pelo gás carbônico e o carbono incluído no protoplasma celular.

Nos solos hidromórficos, a decomposição da celulose é fortemente retardada, porém, se o pH não alcançar níveis muito baixos, ela é, ainda, relativamente intensa. Além do gás carbônico, resultam do metabolismo anaeróbio dos hidratados de carbono: hidrogênio, metano, etanol e diversos ácidos orgânicos como acético, fórmico, succínico, butírico, láctico.

9.2. Transformações da lignina

A lignina nada mais é do que um polímero de compostos fenólicos relativamente resistentes à decomposição, estando presente em grandes quantidades em resíduos vegetais. De acordo com conceitos atuais, os polifenóis derivados de lignina, ou sintetizados pelos microrganismos, são convertidos em quinonas que se auto-condensam ou combinam com aminoácidos que formam polímeros contendo nitrogênio (Figura 11).

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Figura 11 - Esquema de transformação da lignina (Igue, 1983).

Tanto fungos como bactérias atuam na decomposição da lignina por meio de mecanismos diversos. Os fungos, principalmente, são muito importantes na decomposição da lignina em solos argilosos. São eles que produzem substância do tipo ácido húmico pela biosíntese do fenol.

No processo de formação da matéria orgânica humificada, o material original perde sua composição original no que diz respeito aos grupos funcionais (Quadro 1).

10. Síntese e Degradação das Substâncias Húmicas

As substâncias húmicas se presentam, no solo, como a fração orgânica mais estabilizada e, com conseqüência desta estabilidade, vêm constituir a reserva orgânica do solo.

Sua composição é extremamente variada, desde polímeros de peso molecular relativamente baixo, em torno de 5.000 daltons, até substâncias complexas de peso molecular de algumas centenas de milhares. Todavia, em todas elas, a característica principal é que o componente estrutural básico é o núcleo dado pelo anel benzeno.

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Quadro 1 - Conteúdo de grupos funcionais dos polímeros.

Polímeros O2 % > → OH - COOH

(meq/g) (meq/g)

Ácido Húmico 35 - 37 2,9 - 5,7 1,5 - 3,0

Ácido Fúlvico 44 - 48 2,7 - 6,7 6,1 - 9,1

Lignina 30 0,4 - 1,5 0,1 - 0,4

Tanino (hidrolizável) 43 14 0

Melarmia (sépia) 24 6,5 2,3 - 3,3

FONTE: Lada & Butler, 1975.

A grande variação no grau de polimerização e no número de cadeias laterais e radicais que podem ser encontrados nas substâncias húmicas faz com que não existam duas moléculas húmicas idênticas (Dommergues e Mongenot, 1970).

Sua origem está ligada à atividade de enzimas e microrganismos do solo sobre o material orgânico incorporado, cuja principal fonte é constituída pelos resíduos vegetais. Os conhecimentos exatos de sua formação, ainda hoje, são incompletos e diversos autores apresentam rotas diferentes para sua formação, tendo, contudo, em todas elas, destaque especial a participação da lignina (Stevenson, 1982) (Figura 12).

Na Figura 12, tem-se um mecanismo teórico de formação de ácidos húmicos, no qual o resíduo vegetal é degradado por microrganismos. Nesse processo, ocorre a síntese de compostos aminados, polifenóis, açúcares e produtos de decomposição da lignina que irão formar as substâncias húmicas.

Essas substâncias, no solo, podem ser adsorvidas pelos colóides argilosos, formando complexos argilo/húmicos, ou reagir com o íon Ca2+ e, nestas condições, ficam mais resistentes a biodegradação. Algumas frações húmicas do solo quando avaliadas suas permanências no solo pelo C14, podem atingir alguns anos e chegar, até mesmo, em casos especiais, a 20.000 anos.

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Figura 12 - Síntese de substâncias húmicas (Stevenson, 1982).

Por outro lado, há casos em que a duração da fração húmica do solo é muito curta, como o que se observa em solos tropicais, quando os mesmos apresentam baixo teor de argila.

Os teores da fração húmica também podem ser reduzidos no solo devido às práticas agrícolas que comumente favorecem não só a cultura, mas, também, estimulam maior atividade microbiana e enzimática no solo.

11. Características e Propriedades das Substâncias Húmicas e Não-Húmicas do Solo

Como visto, a fração orgânica do solo representa um sistema complexo, composto de diversas substâncias, sendo sua dinâmica determinada pela incorporação de material vegetal e animal ao solo e pela transformação destes, via ação de distintos grupos de microrganismos, de enzimas e da fauna do solo. Grande parte da matéria orgânica do solo consiste em uma série de compostos ácidos não humificados, e macromoléculas humificadas com variação de cor de amarelo a castanho. Esses compostos são fortemente associados e não totalmente separados um dos outros. O 20

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primeiro grupo é representado pelos compostos orgânicos, incluindo carboidratos, gorduras, ceras e proteínas. Esses compostos orgânicos de natureza individual constituem 10 à 15 % da matéria orgânica dos solos minerais. O segundo grupo, e principal componente da matéria orgânica do solo, é representado pelas substâncias húmicas propriamente ditas, que constituem, nos solos minerais, de 85 à 90 % da matéria orgânica (Kononova, 1982). Sendo assim, grande parte da pesquisa com matéria orgânica está voltada para o estudo das frações húmicas do solo.

O material humificado consiste de uma série de polieletrólitos de coloração amarelada à preta, com grande peso molecular e muito ácido que podem ser denominados de ácidos húmicos, ácidos fúlvicos e humina. Como observado anteriormente, essas substâncias são formadas por reações secundárias de síntese, e têm propriedades distintas dos biopolímeros de organismos vivos, incluindo a lignina das plantas superiores. Não há, ainda, um esquema satisfatório de extração, purificação e fracionamento dessas substâncias (Parson, 1988). Essas substâncias podem ser fracionadas química e fisicamente, sendo o fracionamento químico mais utilizado para estudar a dinâmica da matéria orgânica no solo. Do grande número de extratores estudados, a solução diluida de NaOH (normalmente 0,1 ou 0,5 M NaOH) é o mais utilizado, embora, tem-se tentado utilizar uma mistura de reagentes, tais como 0,1 M NaOH e 0,1 M Na4P2O7 em solução ou reagentes mais brandos, tais como Na4P2O7 a pH neutro. São necessárias extrações sucessivas para se obter o máximo de matéria orgânica. Baseado na sua solubilidade são obtidos os ácidos húmicos, solúvel em álcali e insolúvel em ácido; os ácidos fúlvicos, solúvel em álcali e solúvel em ácido; os ácidos hematomelânicos solúvel em álcool; e humina, insolúvel em álcali e ácido (Figura 13).

De acordo com a literatura (Schnitzes & Khan, 1972, 1978), as frações húmicas são quimicamente muito parecidas, diferindo em peso molecular, teores de C, O, N e S, e conteúdo de grupamentos funcionais. Os ácidos fúlvicos têm menor peso molecular, maior teor de O nos grupamentos funcionais (COOH, OH e C = O) por unidade de peso que as outras frações húmicas (Quadro 5.2).

Os ácidos húmicos podem, ainda, ser divididos em dois grupos por meio da precipitação parcial com adição de solução salina sob condições alcalinas. O primeiro grupo, os ácidos húmicos pardos, não são coagulados com a adição de eletrolitos e são característicos de solos orgânicos e Podzois. O segundo grupo, os ácidos húmicos acinzentados, são facilmente coagulados e são característicos de horizonte A chernozênico (Scheffer and Ulrich, 1960).

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Figura 13 - Esquema de fracionamento das substâncias húmicas.

Adaptado de Schnitzer e Khan (1972) e Stevenson (1982).

Quadro 2 - Composição química média das substâncias húmicas.

Substância C H N S O COOH Fenólico-OH

------------------ g kg-1 ----------------- ------- mol kg-1 -------

Ácidos Fúlvicos 457 54 21 19 448 8,2 3,0

Ácidos Húmicos 558 47 31 8 355 3,6 3,1

Humina 560 53 58 8 328 3,2 2,3

FONTE: Schnitzer e khan (1972).

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As substâncias húmicas extraídas com NaOH, ou outro reagente, normalmente contém quantidade considerável de material inorgânico (cerca de 25 %). Sendo assim, há necessidade de purificar o material extraído para minimizar o conteúdo de cinzas (cátions em geral) e remover os ácidos orgânicos de baixo peso molecular que não são constituintes estruturais das substâncias húmicas. Os ácidos húmicos podem ser purificados por meio de dissolução ácida e precipitação, pela passagem em coluna com resina trocadora de íons, ou pelo uso de HF para dissolver silicatos. A remoção das impurezas dos ácidos fúlvicos pode ser feita passando a solução em coluna contendo resina não iônica e, em seguida, em coluna contendo resina trocadora de cátions. Quantidade considerável de carbono pode ser perdida durante o processo de purificação.

Com base nos dados da tabela 2 pode-se ter uma idéia da fórmula média das substâncias húmicas. Dessa forma, a composição média dos ácidos húmicos pode ser C187N186O89N9S e dos ácidos fúlvicos C135N182O95N5S2. Estas fórmulas indicam que a massa molecular relativa dos ácidos húmicos é maior do que o dos ácidos fúlvicos, que é normalmente menor que 2.000 daltons. Sendo assim, os ácidos húmicos são mais polimerizados do que os ácidos fúlvicos e apresentam-se num estágio de humificação mais avançado (Figura 14).

Com relação à estrutura desses compostos, dados de pesquisa indicam que são micelas de natureza polimérica, sendo a estrutura básica de anéis aromáticos de fenol di-ou-trihidróxidos interligados por pontes de -O-, -CH2-, -NH-, -N=, -S- e outros grupos contendo grupos -OH livres e ligações duplas de quinona.

A acidez total dos grupamentos funcionais das substâncias húmicas é normalmente calculada por meio do somatório dos grupamentos carboxílicos e fenólicos -OH. Deve-se considerar que as cargas negativas superficiais são dependentes de pH. Sendo assim, com a elevação do pH ocorre dissociação dos grupamentos orgânicos, de acordo com o esquema:

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------------------------------- Aumento no grau de polimerização -------------------------------

2,000 daltons ................... Aumento no peso molecular ............... > 300,000 daltons

± 45 % ......................... Aumento no conteúdo de carbono .......................... > ± 70 %

± 48 % ...................... Decréscimo no conteúdo de oxigênio ....................... > ± 30 %

± 1.400 cmolc/kg-1 ............. Decréscimo na acidez trocável .............. > ± 500 cmocl/kg-1

Figura 14 - Propriedades químicas das substâncias húmicas. Adaptado de Steveson & Elliott (1989).

Com a elevação do pH de 3 a 10 ocorre incremento significativo das cargas superficiais das substâncias húmicas (Figura 15). Entre pH 3 e 6,5 ocorre aumento linear nas cargas superficiais, representando a dissociação dos grupamentos carboxílicos. Após este ponto, o gradiente reduz, devido a redução do poder tampão do ácido, representando a dissociação dos grupamentos fenólicos OH. Pode-se observar que os ácidos fúlvicos possuem maior número de prótons dissociáveis por unidade de massa do que os ácidos húmicos. Contudo, ambos possuem mais cargas do que a capacidade de troca típica de uma argila 2:1 (< 2 molc kg-1). Sendo assim, a matéria

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orgânica tem grande influência no poder tampão do solo. Visto que grande parte dos grupamentos acídicos das substâncias húmicas se dissociam entre pH 5 e 7, espera-se que elas tenham carga líquida negativa nos solos.

Figura 15 - Desenvolvimento de carga superficial dos ácidos húmicos e fúlvicos em diferentes valores de pH (Sibanda, 1984).

A grande capacidade de retenção de cátions das substâncias húmicas está relacionada, também, com sua alta superfície específica, decorrente de sua grande subdivisão. Devido a essas duas propriedades, a matéria orgânica pode absorver grandes quantidades de água por meio de pontes de H+ dos grupamentos reativos, podendo reter até 4 a 6 vezes o seu peso em água. Contudo, os compostos aromáticos, que predominam no núcleo das substâncias húmicas, são hidrofóbicos e, por esta razão, o núcleo encontra-se condensado, tendendo a reduzir sua superfície de contato com o meio aquoso e adotando forma esférica. São os grupamentos funcionais, com cargas elétricas não compensadas, que formam as cadeias alifáticas hidrofílicas (Kononova, 1982). Sendo assim, a capacidade de retenção de água também será influenciada pela proporção das moléculas de aneis aromáticos (hidrofóbicos) e dos radicais laterais (hidrofílicos). À medida que se aumenta a

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polimerização das substâncias húmicas, aumenta-se a percentagem de carbono e diminui-se a de hidrogênio, acarretando aumento da relação C/H e diminuição da capacidade de hidratação das substâncias húmicas.

Embora não seja ainda conhecida a configuração molecular das substâncias húmicas, os grupamentos reativos têm sido bem caracterizados. Os principais grupamentos que participam na formação dos complexos com metais são:

Esses grupamentos funcionam como doadores de átomos na formação de complexos, conferindo a abilidade da matéria orgânica de formar complexos, solúveis ou insolúveis em água, com íons metálicos, e oxihidróxidos e interagir com minerais de argila. A propriedade de formar complexos e a presença de anéis aromáticos em sua estrutura faz com que as substâncias húmicas sejam resistentes a degradação microbiana.

Os principais fatores que interferem na formação de complexos organo-metálicos são o pH, a força iônica da solução e o tipo de metal e composto orgânico presente (Stevenson & Fitch, 1986).

Os mecanismos que possibilitam a formação de complexos podem ser divididos em catiônicos, aniônicos, de coordenação, pontes de hidrogênio, ligações covalentes e forças de Van der Walls. Dessa forma, a formação de complexos vai ter influência direta na disponibilidade ou não de elementos às plantas, dependendo do material orgânico e da concentração e carga do metal envolvido. Com a elevaçào do pH, a formação de complexo Al-MO e/ou Fe-MO pode retardar o processo de hidrólise do cátion, mantendo-o em solução e em condições de ser absorvido pelas plantas.

A formação de complexos argilo-húmicos é muito importante na estruturação do solo. Em solos tropicais muito intemperizados, oxihidróxidos e caulinita predominam na fração argila. Os mecanismos dessas ligações são, principalmente, ligações entre as cargas elétricas negativas do colóide orgânico e as da caulinita, por meio de ponte de

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H+ ou catiônica; e as cargas elétricas negativas do colóide orgânico e as cargas positivas dos oxihidróxidos de Fe e Al.

12. Influência da Matéria Orgânica nas Propriedades do Solo e da Planta

A atuação da matéria orgânica nas propriedades do solo é de muita importância como fonte de energia e de nutrientes para os organismos e para as plantas, na capacidade de troca de cátions e no tamponamento do pH. Ela participa, também, como agente cimentante na agregação do solo, influenciando, diretamente, a retenção de água e o arejamento. Dada sua baixa pegajosidade e plasticidade, ela pode elevar o limite de umidade no qual o solo se torna plástico e pegajoso, diminuindo, também, o valor de umidade onde o mesmo se torna muito duro. Dessa forma, ela pode aumentar a faixa ótima de manejo que o solo pode ser trabalhado, sem problemas com os implementos agrícolas. Ela pode, também, aumentar a capacidade de absorção de calor na superfície do solo, dado seu escurecimento.

O solo é considerado um sistema vivo e dinâmico. Nele, são encontrados milhares de organismos e pequenos animais intimamente associados a matéria orgânica, fonte de energia e de nutrientes necessários à biossínteses celulares, principalmente dos microrganismos.

A fonte de energia e de nutrientes disponíveis nos resíduos vegetais e animais está contida numa ampla variedade de compostos orgânicos tais como carboidratos, lignina, proteínas, lipídios e substâncias húmicas, entre outros.

Uma das mais importantes e estudadas contribuições da matéria orgânica nas propriedades do solo é sua capacidade de suprir nutrientes para o crescimento e desenvolvimento das plantas, principalmente nitrogênio. Os nutrientes podem ser retidos ou liberados pela matéria orgânica por meio de dois processos: processos biológicos, que controlam a retenção ou liberação de N, P e S, visto que estes elementos fazem parte de unidades estruturais da matéria orgânica; processos químicos, que controlam as interações com cátions. Visto que a matéria orgânica é freqüentemente a maior fonte de cargas negativas nos solos tropicais, sua manutenção é muito importante para a retenção de cátions disponíveis no solo. Sendo assim, deve-se tentar atingir um equilíbrio se desejar explorar as reservas orgânicas de N, P e S do solo.

Geralmente, 95 % ou mais do N e S e entre 20 e 70 % do P da camada superficial dos solos são encontrados na matéria orgânica. Cerca de 40 a 50 % do N

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orgânico do solo estam na forma de aminoácidos. Com excessão das leguminosas e de outras espécies vegetais que fixam o nitrogênio molecular em simbiose com os microrganismos, as plantas absorvem o nitrogênio principalmente sob a forma mineral, nítrica ou amoniacal e, excepcionalmente, sob outras formas orgânicas como ácidos aminados e vitaminas. Essas formas minerais provêm, em grande parte, da ação dos microrganismos e dos complexos enzimáticos do solo, sobre a matéria orgânica.

É extremamente difícil separar as diferentes etapas de transformações do nitrogênio dos demais elementos, em especial do carbono (Figura 16).

A. Amonificação E. Imobilização

B. Mineralização F. Denitrificação

C. Nitrificação G. Fixação não-Simbiótica

D. Redução do Nitrato H. Fixação Simbiótica

Figura 16 - Ciclo simplificado do nitrogênio (Alexander, 1977).

Grande parte do P orgânico está na forma de ésteres de ácidos ortofosfórico, monoesteres de diesteres (Anderson, 1980), sendo 5-80 % na forma de fosfato-éster de inositol (Figura 17). O acúmulo de fosfato de inositol no solo deve estar ligado à sua capacidade de formar precipitados insolúveis com Fe, Al e Ca, e ser fortemente adsorvido pela superfície de Fe-amorfo e de óxido de Al (Anderson e Arlidge, 1962).

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Figura 17 - Estrutura do di-fosfato ester de inositol.

Outra forma menos expressiva de P orgânico inclui os nucleotídeos e fosfolipídeos. A principal forma de S orgânico está nas estrutura dos aminoácidos, contribuindo com cerca de 30 % (Freney, 1986). De 30 a 70 % do S orgânico no solo podem ser reduzidos para H2S, sendo que grande parte do S reduzido está na forma de éster (C-O-S) ou C-N-S e o S ligado diretamente ao C não é reduzido, dessa forma a dinâmica do S orgânico no solo pode ser semelhante a do N e do P.

Por meio dos seus grupamentos reativos, a matéria orgânica tem grande influência na capacidade de retenção de cátions e capacidade tampão dos solos tropicais. Estes solos que apresentam baixa capacidade de troca decorrente do avançado estágio de intemperização em que se apresentam. Dessa forma, a matéria orgânica tem grande influência sobre a concentração de prótons (pH) e de cátions metálicos na solução do solo. Como já visto, a CTC da matéria orgânica tem sua origem nas cargas negativas oriundas dos grupamentos carboxílicos e fenólicos. A participação da matéria orgânica na CTC dos solos tropicais em comparação com a contribuição dos colóides minerais pode variar de 20 à 80 % do valor total (Verdade, 1956). Portanto, há alta correlação entre a CTC dos solos e sua percentagem de carbono orgânico (Figura 18).

A interação da matéria orgânica com a fração argila tem influência marcante no desenvolvimento da estrutura do solo. A formação e estabilização de agregados no solo melhorando as condições de aeração e infiltração é uma das funções mais importantes da matéria orgânica. Muitos estudos têm mostrado que os microrganismos exercem papel importante no processo de produção de polissacarídeos que interligam as partículas (Martin et al., 1965). A Figura 19 mostra o modelo de agregado proposto por Emerson (1959).

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Figura 18. Correlação entre a capacidade de troca catiônica e o teor de carbono orgânico de horizontes B textural e B latossólico de solos do Estado de São Paulo (Kiehl, 1979).

A = Quartzo - Matéria Orgânica - Quartzo

B = Quartzo - Matéria Orgânica - Argila

C = Argila - Matéria Orgânica - Argila

C1 = face – face C2 = corte -face C3 = corte - corte

Figura 19 - Modelo de agregado de Emerson (1959).

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Como já visto, é esperada grande associação dos grupamentos carboxílicos e fenólicos-OH dos compostos orgânicos com as cargas positivas que dominam nos oxihidróxidos presentes nos solos tropicais. Essa interação será responsável pela formação de uma microestrutura bem desenvolvida, típica de alguns latossolos. Nesses solos, a densidade de volume de poros é alta, favorecendo a lavagem de nutrientes do sistema e uma boa aeração do solo. A munutenção de estrutura granular, com drenagem interna livre, é muito importante nos solos de carga variável, típicos de região tropical com balanço hídrico positivo, onde o processo de lixiviação é intenso.

A matéria orgânica pode também reagir com outros compostos orgânicos como pesticidas, principalmente herbicidas, tornando-os menos ativos no solo e influindo nas suas propriedades.

A matéria orgânica pode ter, também, efeito direto sobre o crescimento e desenvolvimento das plantas. Dessa forma, tem sido observado estímulo no crescimento radicular e foliar com a aplicação de substâncias húmicas na forma de adubo orgânico. Esse efeito tem sido correlacionado com o aumento na absorção de macro e micronutrientes, decorrente do aumento de sua solubilização. Contudo, pode ocorrer, também, absorção pelas plantas de frações orgânicas de baixo peso molecular, podendo acarretar aumento na permeabilidade da membrana celular e agindo, também, como hormónio (Chen & Avrad, 1990). Sendo assim, a absorção de compostos orgânicos pode ocasionar aumento da respiração e dos níveis de clorofila das plantas (Quadro 3).

Quadro 3 - Efeito dos ácidos húmicos e fúlvicos na respiração e teores de clorofila em plantas de tomate (Sladky, 1959).

Tratamento Absorção de O2 Clorofila

Folhas Raízes

------------------------ % do controle -------------------------

Controle 100 100 100

Ácidos Húmicos 124 123 163

Ácidos Fúlvicos 130 138 169

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13. Conservação da Matéria Orgânica do Solo

A exploração de terras virgens têm sido sempre uma opção vantajosa para os agricultores brasileiros que aproveitando-se da fertilidade natural tem alcançado boa produtividade a um custo mínimo. O desgaste que o solo sofre nesses processos exploratórios pode ser verificado ao longo da nossa história por meio de migrações internas dos produtos e mobilidade das regiões produtoras.

O rompimento do equilíbrio de sistemas naturais promove mudanças rápidas cuja velocidade depende do grau de intervenção. Em solos submetidos a um sistema de cultivo por vários anos, os teores de matéria orgânica atingem um equilíbrio, onde a taxa de adição é igual a taxa de decomposição. Quando o equilíbrio é alcançado num agroecossistema, o nível de matéria orgânica é determinado pelo tipo de preparo do solo, sistema de cultico, rotações de culturas, aplicação de fertilizantes, textura do solo e condições ambientais. Nas condições tropicais, as perdas de matéria orgânica após o desmatamento são rápidas, principalmente na fase inicial, e muito dos nutrientes mineralizados, em especial o N, perdem-se rapidamente, sem condições de aproveitamento pelas plantas. O manejo, nessa circunstância, exige que se adotem práticas que protejam o solo, diminuindo as perdas.

A recuperação das terras desgastadas de áreas agrícolas mais antigas ou naturalmente pobres necessita de métodos apropriados que a façam de maneira mais rápida e econômica. A recuperação da matéria orgânica para ativar a vida biológica é de fundamental importância.

Muitos autores (Smith et al., 1951; Greenland & Nye, 1959 & Greenland, 1971) têm procurado determinar as constantes de decomposição e de acúmulo (K) da matéria orgânica ou do carbono e do nitrogênio orgânicos do solo, sob diferente condições de clima e sistema de uso. A Figura 20 mostra a curva de decomposição da matéria orgânica, sob um sistema tradicional de cultivo intensivo, e a sua recuperação sob adubação ou manutenção do equilíbrio sob sistemas planejados de pasto-cultivo. As perdas são normalmente descritas pela equação do tipo:

dNdt

kN A= − + onde,

K = constante de composição

-kN = mineralização do N, C e M.O.

A = adição total de matéria orgânica

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Figura 20 - Decomposição e recuperação da matéria orgânica do solo em função do uso e da adubação orgânica (c = cultivo e p = pastagem).

A constante (K) mede a perda de matéria orgânica do solo, que aumenta com a intensidade de cultivo, menor em condições de pastagens do que em solos cultivados. A incorporação da matéria orgânica no solo altera o equilíbrio; sendo maior que a constante (K) a tendência é enriquecer o solo. As práticas a serem adotadas são, portanto, aquelas que permitam maior adição possível de matéria orgânica ao solo, sejam via rotação de culturas, coberturas verdes, incorporação de restos culturais ou adição de adubos orgânicos de diferentes origens.

No manejo de solos tropicais sob diferentes sistemas agrícolas, a decomposição e recuperação da matéria orgânica devem ser analisadas criteriosamente, tentando aplicar técnicas que proporcionem maior enriquecimento do solo e aumento de sua produtividade final. Deve-se observar que conservação do solo num sentido amplo constitui um conjunto de práticas necessárias para manutenção de um solo biológicamente ativo e, para atender tal objetivo, a prevenção da matéria orgânica constitui requisito indispensável.

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