monografia aline 2012
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA
ALINE FABIANE BARBIERI
A SAÚDE COMO O OBJETIVO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: UMA ABORDAGEM CRÍTICA
MARINGÁ 2012
ALINE FABIANE BARBIERI
A SAÚDE COMO O OBJETIVO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: UMA ABORDAGEM CRÍTICA
Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) apresentado à UEM - Universidade Estadual de Maringá - como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Educação Física.
Orientadora: Profª. Drª. Rosângela Aparecida Mello
MARINGÁ 2012
ALINE FABIANE BARBIERI
A SAÚDE COMO O OBJETIVO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: UMA ABORDAGEM CRÍTICA
Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) apresentado à UEM - Universidade Estadual de Maringá - como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Educação Física.
Aprovado em ______ / ______ / ______
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________________ Profa. Dra. Rosângela Aparecida Mello
Universidade Estadual de Maringá
____________________________________________ Prof. Dr. Ademir Quintilio Lazarini Universidade Estadual de Maringá
____________________________________________ Profa. Dra. Alda Lúcia Pirolo
Universidade Estadual de Maringá
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho aos meus familiares, especialmente a minha mãe, Ana Lúcia Chicati.
AGRADECIMENTOS
Ao término desta minha primeira etapa na vida acadêmica, percorrida na
Universidade Estadual de Maringá, chegou o momento de agradecer aos que foram,
sem dúvida, decisivos para que isto viesse a acontecer.
Desta forma, agradeço primeiramente a minha mãe, Ana Lúcia Chicati, que
viveu minha graduação de maneira tão intensa: obrigada pelo apoio, ajuda e
compreensão em tantos momentos. Certamente, nada disso seria possível sem
você, obrigada.
Ao meu pai, Edson Ricardo Barbieri, bem como à minha irmã Juliana Carla
Barbieri e à minha avó, Maria Izabel Carrera Chicati, e avô, Vicente Chicati, por todo
o apoio dado durante esta caminhada.
À minha prima biológica, mas irmã e amiga de coração, Lígia Maria Coutes,
pela amizade e companheirismo em todas as horas.
À minha tia Izabel Regina Chicati (Tia Gina).
À minha tia Maria Alice Maldonado e demais familiares.
À minha orientadora, professora Rosângela Aparecida Mello, pela paciência,
amizade e por tantos conhecimentos transmitidos. Gostaria de registrar aqui a minha
felicidade em ter sido sua orientanda.
Aproveito para deixar meu agradecimento ao professor Ademir Quintilio
Lazarini, pela amizade e pelas valiosas contribuições dadas, as quais, sem dúvida,
foram fundamentais para a construção desta monografia. Agradeço também por ter
aceitado participar da banca avaliadora: um momento tão importante em minha
graduação.
À professora Alda, que me ofereceu conhecimentos que levarei pra toda a
vida. Da mesma forma, agradeço muito por ter aceitado fazer parte da banca
avaliadora deste trabalho.
Aos meus grandes amigos, com os quais convivi intensamente durante esses
anos: Charles Bronne da Silva de Araújo e Souza (Ceará) e Jeferson Diogo de
Andrade Garcia, pelo companheirismo, amizade e “bulinismo” durante toda a
graduação.
Aos demais colegas e amigos do curso, em especial ao Bruno Ferraz Viana e
Maiara Aparecida Toqueiro Correia, com os quais pude compartilhar inúmeras
experiências.
Ao Programa de Educação Tutorial (PET), por permitir conhecer a
universidade de forma diferenciada, e a todos os colegas e amigos que tive o prazer
de conhecer e conviver neste grupo desde 2009, em especial aos amigos: Danilo
Fernandes da Silva, Valquíria Félix da Rocha Moreira, Isabella Caroline Belém e Ana
Claudia Rodrigues Russi.
Aos companheiros do Grupo de Estudos em Educação, Educação Física e
Marxismo (EDUFESC) e do grupo “Educação e Educação Física: aproximações de
análise à luz da critica marxiana da economia política”, pela amizade e discussões
sempre proveitosas.
À Denise Pirolo, amiga e orientadora, muito querida, sempre.
À todo o corpo docente do Departamento de Educação Física pelos
conhecimentos transmitidos, em especial ao professor Rogerio Massarotto de
Oliveira e aos demais professores que me deram aula, com os quais pude ter
contato mais próximo.
A todos, muito obrigada.
A escola e a educação física, como um dos seus conteúdos, pouco pode
fazer para a superação radical desta sociedade degradada. Mas é preciso ter
clareza que, dentro dos limites e possibilidades atuais, só é possível pensar a cultura
corporal para a emancipação humana se o foco, a direção for a emancipação
humana. Dessa forma, a finalidade última deve ser a transformação radical da
sociedade capitalista em prol dessa emancipação.
(MELLO, 2009, p. 270).
BARBIERI, Aline Fabiane Barbieri. A saúde como o objetivo da Educação Física na escola: uma abordagem crítica. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Educação Física) – Universidade Estadual de Maringá – UEM, 2012.
RESUMO
Nesta pesquisa tivemos como objetivo central analisar criticamente a saúde como o objetivo da Educação Física na escola. Considerando que, atualmente, a abordagem “Saúde Renovada” tem se destacado frente às demais nesta discussão, no desenvolvimento deste trabalho apresentamos as suas fundamentações e proposições principais e, a partir disso, realizamos a crítica. A perspectiva teórica base adotada neste estudo para a interpretação da realidade foi o materialismo-histórico de Karl Marx e Friedrich Engels e, quanto aos procedimentos, esta pode ser entendida como uma pesquisa de caráter bibliográfico. Como resultados, destacamos que, apesar desta abordagem apontar a disciplina de Educação Física como potencialmente capaz de “levar” saúde à população, esta é uma prática social ontologicamente limitada neste sentido, considerando que a saúde e doença são processos sociais e, por isso, respondem às relações sociais estabelecidas. Neste sentido, chegamos ao entendimento de que a disciplina de Educação Física voltada à saúde na sociedade capitalista, pode, quando muito, amenizar os efeitos do capital à saúde humana e, em alguns casos específicos. Concluímos, sobretudo, que a saúde humana é incompatível com a sociedade capitalista e, portanto, os professores que pretendem contribuir para a promoção de saúde de seus alunos, devem ter como finalidade a emancipação humana em detrimento da emancipação política, além de trabalhar na transmissão de seus conteúdos específicos, que, no caso da Educação Física, são os elementos da cultura corporal. Palavras-chave: Educação Física; Capitalismo; Saúde.
BARBIERI, Aline Fabiane. Health as the objective of Physical Education in schools: a critical approach. Work of Conclusion of Course (Graduation in Physical Education) – State University of Maringá – UEM, 2012.
ABSTRACT In this study we aimed to critically analyze the health center as the objective of Physical Education in school. Where as currently a "Renewed Health" has stood against the other in this discussion, we present the development of this work and their foundations and major propositions, from this, we conducted the review. The theoretical basis adopted in this study for the interpretation of reality was the historical-materialism of Karl Marx and Friedrich Engels, and on procedures, this can be understood as a bibliographical survey. As results, we point out that although this approach point to the discipline of Physical Education as potentially able to "lead" the public health, this is a social practice ontologically limited in this sense, considering that health and disease are social processes and therefore respond to social relations. In this sense, we come to the understanding that the discipline of Physical Education directed to health in capitalist society, can at best mitigate the effects of capital to human health and, in some specific cases. We conclude mainly that human health is incompatible with the capitalist society and therefore teachers who want to contribute to the promotion of health of their students, should aim at human emancipation at the expense of political emancipation, besides working on the transmission its specific contents, which, in the case of Physical Education, are the elements of body culture. Key-words: Physical Education; Capitalism; Healthy.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Síntese dos principais artigos científicos de Guedes e Guedes.. 32
Quadro 2 - Principais efeitos respiratórios adversos associados aos
poluentes do ar originados da queima de combustíveis fosseis..
66
Quadro 3 - Os fatores causadores de obesidade apontados pela revisão de
literatura e a frequência com que foram citados............................
77
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Resultados de estudos referentes à prevalência de sobrepeso
e/ou obesidade em crianças de diferentes localidades do Brasil
no período entre 2001 a 2004........................................................
89
Tabela 2 - Resultados de estudos referentes à prevalência de sobrepeso
e/ou obesidade em crianças de diferentes localidades do Brasil
no período entre 2005 a 2008......................................................
90
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria.
ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
AID – Agência Internacional de Desenvolvimento.
AIPS – Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio.
AMGI – Agência Multilateral de Garantias de Investimento.
BCE – Biblioteca Central da Universidade Estadual de Maringá.
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento.
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e o Desenvolvimento.
BM – Banco Mundial.
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe.
CFI – Cooperação Financeira Internacional.
CICDI – Centro Internacional para Conciliação de Divergência nos Investimentos.
COI – Comitê Olímpico Internacional.
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
DIESAT – Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisa de Saúde em
Ambiente de Trabalho.
DPLE - Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
DORT – Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho.
EAA – Esteróides Anabólicos Androgênicos.
FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
FHC – Fernando Henrique Cardoso.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IHRSA – International Healthy Racquet & Sports Club Association.
IPEA – Instituto e Pesquisa Econômica Aplicada.
ISAPS – Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética.
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
LER – Lesões por Esforços Repetitivos.
MPS – Ministério da Previdência Social.
MS – Ministério da Saúde.
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego.
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
OMS – Organização Mundial da Saúde.
ONGs – Organizações Não-Governamentais.
PIB – Produto Interno Bruto.
PNE – Plano Nacional de Educação.
PNST – Política Nacional de Saúde do Trabalhador.
RIPSA – Rede Interagencial de informações para a Saúde.
SINITOX – Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas.
SUS – Sistema Único de Saúde.
TMB – Taxa Metabólica Basal.
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16
1. EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE NA ESCOLA: HISTÓRICO E ATUALIDADE .... 24
1.1. Surgimento da Educação Física: preocupação com a saúde na construção do
novo homem ........................................................................................................... 24
1.2. Breves considerações sobre o surgimento da Educação Física na escola no
Brasil ...................................................................................................................... 26
1.2.1. Década de 1980: novos rumos para a Educação Física na escola ........... 30
2. O TRABALHO NA FORMA SOCIAL CAPITALISTA E SEUS EFEITOS SOBRE A
SAÚDE ...................................................................................................................... 40
2.1. Aspectos gerais sobre os efeitos do capitalismo sobre a saúde do trabalhador
............................................................................................................................... 51
2.1.1. Sobre os acidentes de trabalho ................................................................. 51
2.1.2. O estresse e problemas de saúde relacionados: o caso das doenças
psicossomáticas .................................................................................................. 56
2.1.3. Transtornos psicológicos relacionados ao trabalho: breves considerações
sobre a depressão e o suicídio ............................................................................ 58
2.2. A ginástica laboral ........................................................................................... 59
2.3. A cultura corporal no contexto da empregabilidade e os efeitos sobre a saúde
do trabalhador ........................................................................................................ 60
2.4. Capitalismo e meio ambiente: impactos sobre a saúde .................................. 65
3. AS CAUSAS DA OBESIDADE: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA .................... 75
3.1. As causas da obesidade: uma revisão de literatura ........................................ 77
3.1.1. Sobre o sedentarismo e alimentação inadequada como fatores causadores
da obesidade ....................................................................................................... 79
3.1.2. Sobre os fatores genéticos, fisiológicos e hereditários como causadores da
obesidade ............................................................................................................ 84
3.1.3. Sobre os fatores sócio-econômicos e demográficos como causadores da
obesidade ............................................................................................................ 85
3.1.4. Sobre os fatores psicológicos, estresse, fumo e álcool como causadores
da obesidade ....................................................................................................... 87
15
3.2. Sobre a obesidade na infância e adolescência ............................................... 89
3.2.1. Prevalência de sobrepeso e obesidade na infância no Brasil ................... 89
4. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL: APONTAMENTOS CRÍTICOS
.................................................................................................................................. 94
4.1. Ineficiência do SUS e a indústria farmacêutica: a doença humana como
fonte de lucro ..................................................................................................... 105
5. EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE: A ABORDAGEM SAÚDE RENOVADA EM
QUESTÃO............................................................................................................... 111
5.1. Universalização da saúde via educação ....................................................... 111
5.1.1. Educação para a cidadania e democracia ............................................... 115
5.2. A saúde como objetivo da Educação Física na escola ................................. 119
6. POSSIBILIDADES REVOLUCIONÁRIAS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO: AS
ATIVIDADES EMANCIPADORAS .......................................................................... 127
6.1. O brinquedo artesanal revolucionário: uma proposta de atividade
emancipadora para as aulas de Educação Física ................................................ 132
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 136
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 138
APÊNDICE A: Tutorial para a construção do brinquedo artesanal. .................. 156
16
INTRODUÇÃO
Antes de iniciar a discussão sobre a pesquisa propriamente dita, discorrerei,
brevemente, sobre o caminho histórico percorrido até a construção deste trabalho
de conclusão de curso. Primeiramente, destaco a contribuição fundamental de
algumas disciplinas curriculares, em especial: Fundamentos de Educação Física (I
e II) e Fisiologia Humana e do Exercício, que me despertaram a curiosidade em
compreender a saúde e os processos fisiológicos a partir da perspectiva da
totalidade. Com a contribuição dos grupos “Estudos em Educação Física, Educação
e Marxismo (EDUFESC)”, Projeto de Extensão “Aprofundamento dos Elementos da
Cultura Corporal”, “Educação e Educação Física: aproximações de análise à luz da
critica marxiana da economia política”, projeto este voltado à leitura da obra “O
Capital”, iniciei meus estudos acerca da temática saúde a partir da perspectiva
marxiana, motivada e desmotivada pela escassez de reflexões dessa temática
nessa perspectiva no âmbito da Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR).
Neste contexto, no ano de 2011, com a ajuda de minha professora orientadora,
Rosângela Aparecida Mello, formulei um Projeto de Iniciação Científica (PIC) para
que pudesse aprofundar meus conhecimentos acerca desta temática que tanto me
instigava e instiga – saúde e Educação Física -, projeto este, que resultou na
construção do trabalho monográfico aqui exposto.
Feito esse breve relato sobre o processo histórico de construção dessa
pesquisa, inicio minha síntese teórica sobre o tema.
Adentrando à temática da pesquisa – a saúde como o objetivo da Educação
Física na escola - podemos destacar que dentre as teorias de Educação Física que
surgiram no Brasil, após o movimento de abertura política da década de 1980, a
abordagem da “Saúde Renovada”, também conhecida como movimento da “Aptidão
física voltada à saúde”, tem se destacado frente as demais no que se refere à
discussão da saúde como objetivo da Educação Física na escola (CASTRO; SILVA
JUNIOR; SOUZA, 2008).
De acordo com Schneider (1999), essa tendência toma fôlego dentro da
Educação Física no início da década de 1990 com os seguintes autores: Gaya
(1989) e (1997); Guedes e Guedes (1994) e (1995); Farinatti (1994) e (1995).
17
Dentre estes autores, Guedes e Guedes, são apontados como principais
referenciais dessa abordagem em Educação Física, que propôs a ideia de aptidão
para toda a vida e a construção de estilos de vida ativos nas pessoas (FERREIRA,
2001).
Segundo essa teoria, a escola seria o local ideal para o início da educação
voltada para a saúde, e a disciplina de Educação Física seria um veículo para a
promoção de saúde e qualidade de vida, de modo a agir como condutora principal
deste processo pedagógico (FERREIRA, 2001; MIRANDA, 2006; GUIMARÃES,
2009). O estímulo à prática de exercícios físicos e à adoção de hábitos alimentares
saudáveis ao longo da vida são, de acordo com essa perspectiva, as principais
funções e metas da Educação Física no espaço escolar com pretensões
direcionadas à universalização da saúde.
Os autores, adeptos dessa perspectiva teórica, realizam suas discussões
com base na constatação de que é crescente o número de casos de doenças
crônicas não transmissíveis em nossa sociedade, principalmente, quando nos
referimos ao público infantil e adolescente.
De fato, hoje, as doenças crônicas não transmissíveis representam as
principais causas de mortalidade no mundo. De acordo com dados da Organização
Mundial de Saúde (WHO, 2010), 60% do total de mortes no mundo são decorrentes
dessas doenças, caracterizadas pela longa duração e progressão lenta. Dentre
essas, podemos destacar os problemas cardíacos, derrame, o câncer, doenças
respiratórias e diabetes.
A abordagem toma como base, ainda, o fato de essas doenças serem, na
maioria dos casos, um processo de construção ao longo da vida, diretamente
relacionado com o conjunto de hábitos de vida adotados desde idades mais tenras
(MIRANDA, 2006).
Portanto, existe uma forte tendência nessa abordagem de Educação Física
em associar o desenvolvimento de doenças a uma questão comportamental, a uma
questão de escolha do sujeito. Posição esta que contestamos aqui, por
entendermos que as práticas consideradas inadequadas para a saúde do ser
humano, como o sedentarismo e a alimentação irregular - potencializadoras do
desenvolvimento de doenças - não são adotadas voluntariamente, uma vez que
existem diversos interferentes sociais que podem influenciar diretamente e
indiretamente nos hábitos de vida das pessoas.
18
A esse respeito, destacamos os escritos de Lima, Araújo e Lima (1998). Os
autores consideram que, para termos as condições minimamente indispensáveis
para o entendimento do processo de saúde-doença de forma concreta, existe a
necessidade de retrocedermos à análise marxista do processo de produção
capitalista.
Nessa perspectiva, as doenças humanas emergem como consequência
inerente à lógica de produção social capitalista. Sendo assim, os determinantes
sociais estão presentes com maior ou menor intensidade em todo o processo de
saúde-doença, uma vez que, de acordo com Marx (1983, p. 102 apud LIMA;
ARAÚJO; LIMA, 1998, p. 16) “[...] a produção capitalista só desenvolve a técnica e a
combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de
toda a riqueza: a terra e o trabalhador”. O que, longe de representar qualquer ação
maniqueísta, demonstra uma das grandes contradições da sociedade capitalista,
pois, tanto a terra quanto o trabalhador são de fundamental importância para a
manutenção da sociedade de classes.
O fato é que vivemos em uma sociedade essencialmente desigual e, por
isso, patológica. Isso porque, na sociedade capitalista – onde o lucro é o objetivo
final do trabalho e não o desenvolvimento das potencialidades humanas - ao
mesmo tempo em que a maioria das pessoas vive em situações precárias, sem as
mínimas condições materiais necessárias para terem hábitos de vida considerados
saudáveis; uma minoria esbanja riqueza e desfruta de privilegiadas condições de
vida, favoráveis à manutenção da saúde. Desta forma, a acumulação da riqueza
numa extremidade significa, ao mesmo tempo, “a acumulação de miséria, tormento
de trabalho, escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral” na
extremidade oposta, ou seja, do lado da classe trabalhadora (MARX, 1983, p. 275).
De acordo com dados publicados pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA, 2010), atualmente, 10% da população mais rica do Brasil detêm
75,4% de todas as riquezas do país. Em contrapartida, hoje ainda existem 18,7
milhões de pessoas vivendo com até um quarto de salário mínimo por mês e cerca
de 9,5 milhões de brasileiros vivendo com renda igual ou inferior a R$ 50,00 por
mês (IPEA, 2011).
Além disso, acentuando essa realidade, uma pesquisa realizada pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE,
2010), que buscou identificar o Índice do Custo de Vida (ICV) da população
19
brasileira, apontou que houve significativa elevação deste índice, no final do último
ano, assinalando taxa de 0,65%. Vale destacar que, dentre os grupos analisados:
alimentação, transporte, habitação, vestuário e equipamentos domésticos; o grupo
da alimentação foi o que registrou maior aumento, com alta de 1,54%.
Levando-se em conta que a saúde, na sociedade capitalista, está sempre
associada a bens de consumo, como os medicamentos, os seguros de saúde, os
alimentos especiais e os exercícios físicos, dentre outros; podemos compreender
que a saúde é mais um produto à venda no mercado, por meio de suas
mercadorias específicas. Assim, apenas alcançam as condições adequadas para o
desenvolvimento e manutenção da saúde, as pessoas que podem comprar as
mercadorias promotoras de saúde, ou seja, a minoria da população brasileira
(LEFÈVRE, 1991).
Com esses dados, fica evidente que o desenvolvimento e manutenção de
saúde do ser humano transcendem às questões de vontade deste, uma vez que é
clara a eficácia das determinações sociais nos hábitos de vida das pessoas e, assim,
no processo de saúde e doença humana.
Vale ressaltar, no entanto, que essa forma de abordagem, que camufla os
reais determinantes do processo social de saúde e doença, não está presente
somente no contexto da Educação Física, mas sim, na maioria das discussões sobre
saúde e doença em nossa sociedade.
Entendemos, assim, como importante o desenvolvimento de novas
pesquisas sobre a temática, tendo em vista a necessidade identificada de se
romper com o processo de naturalização e simplificação que acompanha o
entendimento do significado de saúde e doença na sociedade capitalista, bem como
a relação destes fenômenos sociais com a educação e disciplina de Educação
Física. Além disso, o fato de o trato com os conteúdos de cunho biológico e
descontextualizado, por vezes, legitimar a presença da Educação Física no espaço
escolar, suscita o desenvolvimento de estudos mais exaustivos acerca desta
temática (OLIVEIRA, 1983). Compreendemos, ainda, que estudos que abordam a
relação entre a disciplina de Educação Física e a promoção de saúde a partir da
perspectiva materialista histórica constituem, hoje, uma necessidade acadêmico-
científica, por buscarem as causas radicais do processo social de saúde e doença.
Dessa forma, nossa proposta de pesquisa faz-se relevante, uma vez que oferecerá
20
subsídios teóricos capazes de contribuir para maximizar o conhecimento, até então
produzido, acerca dessa temática.
A par disso, e cientes das inúmeras limitações contidas neste trabalho, com
esta pesquisa tivemos como objetivo geral analisar criticamente a saúde como tema
da Educação Física na escola para verificar como o processo social de saúde e
doença influencia e determina a prática pedagógica da Educação Física, ou seja,
pretendemos pensar sobre saúde em nossa sociedade atual e verificar seus
desdobramentos na área de conhecimento da Educação Física na escola.
Como objetivos específicos, elencamos: a) Compreender os problemas de
saúde humana a partir do pressuposto materialista-histórico; b) Analisar o papel da
área de conhecimento da saúde na história da disciplina de Educação Física; c)
Verificar se a abordagem denominada “Saúde Renovada” rompe com a perspectiva
da aptidão física, predominante na área da Educação Física até a década de 1980;
e) Analisar o papel da disciplina de Educação Física no combate às doenças
humanas, em especial às crônico-degenerativas; f) Apresentar o brinquedo como
possibilidade para o trabalho com a temática saúde no ambiente escolar a partir de
uma abordagem crítica e revolucionária.
Quanto aos procedimentos teórico-metodológicos adotados na pesquisa, esta
foi construída com caráter bibliográfico. Para Pádua (2004, p. 56): “Bibliografia é o
conjunto de obras derivadas sobre determinado assunto, escritas por vários autores,
em épocas diversas, utilizando todas ou parte das fontes”. Com isto, este trabalho
pode ser caracterizado como uma pesquisa bibliográfica, uma vez que será
realizada a partir de registro disponível, de pesquisas anteriores, em documentos
impressos, como por exemplo, livros, artigos e teses. Sendo assim, as fontes desta
pesquisa são textos provindos de análises já realizadas e publicadas em forma de
livros, artigos, periódicos e textos presentes na internet (SEVERINO, 2007; GIL,
1994). É importante salientar que toda pesquisa implica, primeiramente, no
levantamento de dados de fontes variadas, etapa de fundamental importância, tanto
para que se melhor compreenda o campo de interesse, quanto para evitar possíveis
duplicações de pesquisas.
De acordo com Pádua (2004), a finalidade da pesquisa bibliográfica é colocar
o pesquisador em contato com o que já se produziu a respeito de um tema de
pesquisa. Segundo as considerações de Marconi e Lakatos (2003), a pesquisa
bibliográfica compreende oito fases distintas, às quais buscamos seguir no decorrer
21
desta pesquisa: a) escolha do tema (tema que se deseja desenvolver); b)
elaboração do plano de trabalho (deve-se observar a estrutura de todo do trabalho
científico); c) identificação (fase de reconhecimento do assunto pertinente ao tema
de estudo, ou seja, de levantamento bibliográfico sobre o tema); d) localização
(localização das obras identificadas); e) compilação (reunião e organização
sistemática do material encontrado); f) fichamento (transcrição dos dados das obras
de referência); g) análise e interpretação (deve-se realizar análise crítica do material
bibliográfico) e h) redação (etapa final na qual o pesquisador se voltará à redação de
seu texto, que poderá ser, por exemplo, uma monografia, dissertação, tese ou artigo
científico).
Neste trabalho, foram utilizadas fontes primárias e secundárias, obtidas por
meio de buscas em base de dados virtuais, como o Google Acadêmico, Scielo,
Lilacs e Periódicos Capes; e, também, por meio de buscas na Biblioteca Central da
Universidade Estadual de Maringá (BCE/UEM). Utilizamos ainda para a construção
do texto dados estatísticos de institutos de pesquisa, dentre as quais, destacamos o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE) e o Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas
de Saúde e Ambientes de Trabalho (DIESAT).
No que se refere ao pressuposto teórico, essa pesquisa foi desenvolvida a
partir da perspectiva materialista-histórica, apresentada por Karl Marx (1818-1883)
e Friedrich Engels (1820-1855). Partindo do entendimento de que é uma
impossibilidade conceber a ciência como imparcial em uma sociedade dividida em
classes, destacamos que esta pesquisa foi desenvolvida a partir da perspectiva da
classe trabalhadora. Sendo assim, não existe aqui neutralidade, o que não significa
ausência de objetividade1. Existe aqui, portanto, clara intencionalidade de contribuir
para o fim da propriedade privada dos meios de produção capitalista e, por
decorrência, com a sociedade dividida em classes antagônicas. Em suma, trata-se
de oferecer contribuições necessárias à superação da ordem social do capital.
Desta forma, a partir do pressuposto teórico assumido, em suma, ao contrário
da visão idealista da história, não se explica a práxis a partir da ideia, mas sim,
busca explicar a formação das ideias a partir da práxis material.
1 Maiores explicações sobre o método de Marx podem ser encontradas no Posfácio da Segunda
Edição d’O Capital (MARX, 1996, p. 133).
22
Dentro dessa concepção, nenhum objeto pode ser adequadamente analisado
se isolado do contexto em que está inserido. Torna-se importante, portanto, para
uma correta apreensão do concreto, situar os dados levantados dentro do quadro
histórico a partir do qual foram extraídos.
Também é fundamental ressaltar que o conhecimento, nessa perspectiva
teórica, não é alcançado a partir da simples observação do fenômeno (TONET,
2005). Faz-se necessário ir além, a fim de buscar aquilo que o constitui, avaliando
como as partes desse fenômeno se articulam produzindo um todo intimamente
relacionado. Com isso, busca-se alcançar a essência do fenômeno, superando as
aparências e atingindo os determinantes deste (SKALYNSKI; PRAXEDES, 2003).
Partimos do entendimento de que a corrente teórica do marxismo não
apresenta um método2, e sim, uma ontologia3, ou seja, um estudo do ser social
(TONET, 2005). Sendo assim, não existe um modelo pronto para a realização de
pesquisas nessa linha teórica, pois:
Para Marx, o método não é um conjunto de regras formais que se ‘aplicam’ a um objeto que foi recortado para uma investigação determinada nem, menos ainda, um conjunto de regras que o sujeito escolhe para enquadrar a sua investigação (NETTO, 2011, p. 52).
Em resumo, parte-se da aparência do objeto que se pretende conhecer, faz-
se o processo de abstração, no qual se analisa o maior número possível de
fenômenos que exercem alguma interferência nesse objeto. Feito isso, chega-se ao
concreto. No entanto, como o concreto está sempre em movimento, o que se tem é
uma aproximação do que seja esse objeto (NETTO, 1998). Iasi (2010) complementa
quando afirma que este pensamento tem a pretensão de captar o movimento, o
devir do fenômeno que se analisa, ou seja, sua gênese e desenvolvimento.
2 O entendimento de método ao qual compartilhamos pode ser verificado de forma mais aprofundada
no livro de Netto (2011), intitulado: “Introdução ao Estudo do Método de Marx”. 3 Como esclarece Mello (2009, p. 15): “Trata-se da ontologia materialista de Marx resgatada por
Lukács, cuja compreensão é a de que o ser social se produz através do trabalho. Lukács (1979, p. 11 apud MELLO, 2009) discute que: ‘Quem tenta resumir teoricamente a ontologia marxiana, encontra-se diante de uma situação paradoxal. Por um lado, qualquer leitor sereno de Marx não pode deixar de notar que todos os seus enunciados concretos, se interpretados corretamente (isto é, fora dos preconceitos da moda), são entendidos – em última instância – como enunciados diretos sobre um certo tipo de ser, ou seja, são afirmações ontológicas. Por um lado, não há nele nenhum tratamento autônomo de problemas ontológicos; ele jamais se preocupa em determinar o lugar desses problemas no pensamento, em defini-los com relação à gnosiologia, à lógica etc., de modo sistemático ou sistematizante.’”.
23
Com vistas a captar este movimento, este trabalho está dividido em seis
capítulos. Na primeira parte, o objetivo foi apresentar, de forma sucinta, o histórico
da Educação Física e sua relação com a saúde na escola, dando enfoque especial
à década de 1980 e ao surgimento da Abordagem Saúde Renovada. Neste primeiro
momento, a intenção é apenas apresentar as principais ideias e proposições desta
abordagem.
Com o intuito de entender o porquê do surgimento desta abordagem, ou seja,
sua funcionalidade perante o capital, desenvolvemos os três capítulos seguintes.
Desta forma, no segundo capítulo, nos debruçamos à realização de uma
breve análise do trabalho na forma social capitalista e de seus efeitos sobre a
saúde do trabalhador.
Na sequência, considerando a importância que vem sendo dada ao tema na
atualidade, em especial, no espaço escolar, tratamos de forma específica da
obesidade e dos problemas de saúde a ela relacionados.
No quarto capítulo, nossa análise se volta à uma breve análise das políticas
públicas no Brasil, em especial as de saúde, considerando que o campo das
políticas públicas é comumente apontado como potencialmente capaz de solucionar
os problemas sociais.
Feito este apanhado do contexto geral, no quinto capítulo, realizamos uma
discussão sobre a Educação Física, mais especificamente sobre a Abordagem
Saúde Renovada, com a intenção de compreender os fundamentos, limites e
possibilidades dessa perspectiva, tomando como central suas proposições de
universalização da saúde via educação e Educação Física e da saúde como o
objetivo da Educação Física na escola.
Partindo da limitação destas proposições, construímos o último capítulo, no
qual buscamos apresentar a emancipação humana como a única possibilidade
histórica compatível com uma forma de sociabilidade realmente preocupada com as
necessidades da humanidade e o papel da Educação e Educação Física neste
contexto.
24
1. EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE NA ESCOLA: HISTÓRICO E ATUALIDADE
Para melhor compreender a relação entre Educação Física e saúde no
espaço escolar, realizamos uma pesquisa bibliográfica a fim de trazermos
elementos, mesmo que pontuais, para o entendimento da articulação entre a
Educação Física-saúde desde a origem da Educação Física na escola até a
atualidade. Sendo assim, buscaremos situar a seguinte questão: como se deu a
construção histórica da saúde como o objetivo da Educação Física na escola desde
os primórdios da Educação Física até a atualidade?
Entendendo que a década de 1980 foi um marco na história da Educação e
Educação Física brasileira, por conta do processo de abertura política4 e surgimento
de novas abordagens em Educação Física que buscaram dar um novo norte a essa
disciplina em âmbito escolar, as considerações dispostas neste capítulo estão
divididas em duas partes principais: a primeira, destinada ao resgate da história da
Educação Física na escola, enfatizando as relações estabelecidas com a saúde até
a década de 1980; e a segunda parte, direcionada a análise da conexão Educação
Física-Saúde na escola após a década de 1980.
1.1. Surgimento da Educação Física: preocupação com a saúde na construção
do novo homem
A Educação Física é uma prática pedagógica e, como tal, surge de
necessidades sociais concretas, que se modificam a cada momento histórico.
Conforme afirma Mello (2009, p. 15), a Educação Física não é um produto natural,
“mas o resultado do processo histórico em que os homens, a partir do seu trabalho,
constroem a si mesmos, a sociedade em que vivem e todas as suas contradições”.
Com o estabelecimento do Estado burguês na Europa, no século XIX, a
burguesia necessitou investir na construção de um novo homem, ajustado à lógica
da sociedade de classes para a manutenção deste poder político. Para tanto, a
construção deste homem precisou se dar integralmente, atingindo aspectos
mentais, intelectuais, culturais e físicos (SOARES, 2001). Neste contexto, os
4 Abertura política com o fim do regime militar (1964-1984), instaurado com o golpe civil-militar, pró-
capitalista e pró-imperialista, instaurado em 31 de março de 1964.
25
exercícios físicos tomam lugar de destaque na construção do novo homem: forte,
ágil, ajustado e adaptado à nova organização social (COLETIVO DE AUTORES,
1992).
O corpo (mais especificamente, a força de trabalho) passa a ser considerado
como uma unidade produtiva, por isso, é entendido como instrumento que deveria
ser controlado para ser útil à sociedade capitalista. Então, o trabalhador saudável é
uma exigência do capital. Isso porque a força de trabalho é o grande combustível da
sociedade capitalista, pois, é apenas a partir dela que o capitalista extrai a mais-
valia, dando continuidade a reprodução do capital (MARX, 1983).
A construção do corpo5 disciplinado, automatizado e saudável se tornou,
também, importante na sociedade para o não questionamento da nova ordem que
se instaurava, pautada na abordagem positivista de ciência, de natureza
individualista. Em suma, a Educação Física:
[...] seja aquela que se estrutura no interior da instituição escolar, seja aquela que se estrutura fora dela, será a expressão de uma visão biológica e naturalizada da sociedade e dos indivíduos. Ela incorporará e veiculará a idéia de hierarquia, de ordem, de disciplina, da fixidez, do esforço individual, da saúde como responsabilidade individual. Na sociedade do capital, constituir-se-á em valioso objeto de disciplinarização da vontade, de adequação e reorganização de gestos e atitudes necessários à manutenção da ordem (SOARES, 2001, p. 14).
Acentuando o esforço individual, a Educação Física contribuiu
significativamente para a naturalização da hierarquia, concorrência, competição e da
ideia de que a vitória é reservada aos mais aptos; conceitos que embasam a
dinâmica capitalista.
Marco importante neste período histórico é a perspectiva da eugenia,
tendência que buscou explicar biologicamente a sociedade, utilizando-se a “raça”
para justificar a exploração de classe e desigualdades sociais. Nessa perspectiva,
entendendo a vida como uma grande competição, os mais aptos melhorariam a
“raça” que, geneticamente, iria se depurando (SOARES, 2001).
E, tendo em vista a grande importância das atividades físicas para a formação
e manutenção da saúde social, chegamos a um momento histórico em que a
5Apesar de utilizarmos em alguns momentos do texto a palavra “corpo” não entendemos este de
forma dicotômica, sendo assim, não compartilhamos da divisão entre corpo e mente, mas sim, do ser humano enquanto totalidade.
26
educação do físico em âmbito escolar se tornou necessária para que estes
“benefícios” fossem estendidos à população em geral. Desta forma, com a formação
dos Sistemas Nacionais de Ensino6, que surgem na Europa no final do século XVIII
e início do século XIX, período de construção e consolidação da sociedade
capitalista industrial, a Educação Física surge enquanto disciplina escolar (PARANÁ,
2008). Então, neste momento, a educação “do corpo” é considerada aspecto
importante para a instituição escolar, fazendo parte de uma boa educação (MELLO,
2009).
Tendo em vista suas funções sociais - desenvolver a aptidão física dos
indivíduos - o desenvolvimento do conteúdo a ser tratado pela Educação Física na
escola foi orientado pelo médico higienista, sendo as aulas ministradas pelos
instrutores físicos do exército, que estabeleceram normas e valores próprios da
instituição militar (PARANÁ, 2008). Assim, a medicina, prática social que mais
interfere neste espaço de investimento (o corpo), toma lugar de destaque, passando
ser o médico, um grande conselheiro social - sujeito capaz de consertar e manter o
“social” com saúde.
Assim, em síntese, a Educação Física surge no cenário mundial com a função
social de disciplinar, regenerar a raça e recuperar a saúde de trabalhadores, saúde
esta já bastante prejudicada pelos efeitos do trabalho assalariado.
1.2. Breves considerações sobre o surgimento da Educação Física na escola
no Brasil
A partir desta breve síntese acerca do surgimento e função da Educação
Física no contexto europeu, nos remeteremos agora, também de forma sucinta, ao
cenário brasileiro.
No Brasil, apesar de este ser um país inserido dentro da mesma lógica
societal, os acontecimentos se deram de forma diferenciada. Isto porque, a princípio,
a preocupação em torno da Educação Física não era em relação aos trabalhadores,
mas sim, com a classe dominante.
6 Ver Leonel (1994).
27
Também é importante esclarecer que a escolarização e a Educação Física
para todos no Brasil se dá de forma lenta: as discussões acontecem no final do
século XIX e se desenvolvem durante o século XX.
Não apresentando um método próprio de ginástica, a Educação Física
trabalhava com aqueles advindos do exército e imigrantes europeus, mas a
preocupação dos dirigentes se colocava também em relação a saúde e a eugenia,
esta última, em princípio, relacionada à política de embranquecimento da raça
(CASTELLANI FILHO, 1999).
Cunha Junior (2009) buscou analisar a influência dos discursos médicos na
história do processo de escolarização da Educação Física, entre 1841 e 1859. Neste
estudo, o autor utilizou como espaço de análise uma das principais instituições
educacionais brasileiras, o “Imperial Colégio de Pedro II” (CPII), fundado no Rio de
Janeiro, em 1837, primeira instituição de ensino oficial que admitiu a Educação
Física em seu interior. Por meio dessa análise, o autor verificou que os médicos e
militares tiveram grande importância na introdução e no desenvolvimento da
disciplina de Educação Física nas escolas brasileiras. Destaca, ainda, que os
médicos e militares brasileiros sofreram grande influência das produções européias
do século XIX, especialmente, de intelectuais da Alemanha, França, Dinamarca e
Suécia, que defendiam os “exercícios gymnasticos” como meios de regenerar a
raça, promover saúde, desenvolver a coragem, força, vontade e a energia para
servir a pátria e à indústria (SOARES, 1998 apud CUNHA JUNIOR, 2009).
Assim, do início republicano (1889) até o fim do Estado Novo (1937-1945)
temos a participação dos militares e médicos higienistas na produção da pedagogia
do corpo (FERREIRA NETO, 1999 apud MILESKI, 2009).
Soares (1994, apud FONTE; LOUREIRO, 1997), destaca, portanto, que as
primeiras tentativas de incluir a Educação Física no espaço escolar foram em nome
da promoção da saúde, da higiene física e mental, da educação moral e da eugenia.
Oliveira (1983) ainda afirma que foi por conta dos benefícios para a saúde da classe
dominante que a Educação Física foi incluída nos currículos escolares no século
XIX.
Especialmente a partir da metade deste século, o discurso médico passou a
influir nas ações de legisladores e dirigentes responsáveis pela instrução pública,
principalmente no que dizia respeito à organização e à regulação do espaço escolar
(CUNHA JUNIOR, 2009).
28
De acordo com Cunha Junior (2009, p. 228), o projeto de Educação Física
escolar para o Brasil, no qual se pode verificar a forte presença dos “exercícios
gymnasticos”, foi formulado a partir do pensamento médico oitocentista. E a prática
destes exercícios foi defendida:
[...] pelos benefícios que traria ao trabalho intelectual dos alunos (descansar a mente através do exercício corporal), pelos bons hábitos e boa moral que ajudariam a construir (disciplina, retidão e autocontrole), como meio de inibir “vícios” (onanismo, homossexualismo) e, principalmente, por ser um instrumento relevante para o desenvolvimento da saúde dos alunos.
Para a garantia de seus benefícios, os médicos recomendavam a prática
regular e diária dos exercícios (CUNHA JUNIOR, 2009).
Também foi destacada a atuação dos militares que, por sua vez, foram
influenciados pelos princípios positivistas que tinham por objetivo a manutenção da
ordem social com vistas ao “Progresso e Desenvolvimento” do país (SOARES et al,
1996). Para este progresso era necessário, então, formar um indivíduo forte e
saudável, pois:
[...] o corpo do indivíduo, como mais um instrumento da produção, passava a constituir uma preocupação da classe no poder (...) era preciso adestrá-lo, desenvolver-lhe o vigor físico desde cedo... discipliná-lo, enfim, para sua função na produção e reprodução do capital (SOARES, 2001, p.33).
Em consonância com Betti (1991), pode-se considerar que até os anos 1960,
a Educação Física no Brasil esteve centrada nos movimentos ginásticos europeus,
especialmente os de Ling, Janh7 e depois da escola francesa. A Educação Física,
guiada pelo método francês, era orientada pelos princípios anatomo-fisiológicos e
visava, desta forma, promover o funcionamento harmônico do corpo. Não podemos
deixar de salientar os aspectos subjacentes a este método, fortemente interessado
7 Hayhurst (1983, p. 01), ao tratar do histórico da ginástica, aponta que: “Em 1.811, um maestro de
escola de Berlim, Ludwing Jahn (1.778 - 1.852) fundou uma escola de ginástica ao ar livre, criando aparelhos para usar na escola. Grande parte do atual equipamento competitivo evoluiu a partir de seus desenhos. Devido a sua imensa contribuição ao desporto, Jahn é lembrado como Turnvater Jahn, ‘Pai da Ginástica’. Na mesma época, na Suíça, Pehr Henrik Ling (1.776 - 1.838) introduziu um tipo diferente de ginástica. Seu sistema, baseado no exercício coletivo, aspirava a desenvolver um ritmo perfeito do movimento. Os métodos de Ling foram adotados também para o treinamento militar. Os dois estilos, desenvolvimento muscular com o uso de aparelhos e movimento rítmico, competiram em popularidade.”.
29
na formação do homem obediente, submisso, respeitador de regras e não-
questionador.
Próximo ao início do período da ditadura militar no Brasil (1964), a prática da
Educação Física (mais especificamente, a prática esportiva) torna-se obrigatória em
todos os níveis de ensino com a Lei nº 4.024/61, sendo, também, estimulada a todos
os trabalhadores. Isso, com o propósito, segundo Mello (2009), de ocupar o tempo
dos estudantes e trabalhadores, como uma forma de dificultar discussões sobre
economia e política. Nesse contexto, nas escolas, as aulas de Educação Física
eram, predominantemente, pautadas na prática esportiva e na aptidão física.
Nesse movimento de hegemonia esportiva, os esportes olímpicos passam a
ser priorizados para promover a formação de atletas que representassem o país em
competições internacionais, tornando a escola, um verdadeiro “celeiro de atletas”
(PARANÁ, 2008, p. 42).
Com a lei nº 5.692, de 1971, a Educação Física permanece como uma
disciplina obrigatória nas escolas, passando, no entanto, a ter uma legislação
específica. Por meio desta, a Educação Física é inserida no currículo de todos os
cursos e níveis dos sistemas de ensino. A importância do exercício físico no Regime
Militar se intensifica, uma vez que, melhores resultados nas competições esportivas
tem o poder de elevar o status político e econômico do país.
Na década de 1970, o governo militar apoiou a Educação Física na escola,
com objetivos voltados tanto a formação de um exército composto por uma
juventude forte e saudável como a desmobilização de forças oposicionistas. O
conteúdo esportivo foi fortalecido e com este, os valores como racionalidade,
eficiência e produtividade (DARIDO, 2007).
Aspecto importante a ser destacado aqui, é a relação histórica da Educação
Física com a saúde no discurso oficial. No ano de 1971, o Decreto n. 69450,
determinou que “a Educação Física nos segundo e terceiro graus deve ter como um
de seus objetivos a conservação da saúde” (FARIA JUNIOR, 1991 apud DEVIDE,
1996, p. 45, grifos meus).
A lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1971, também torna obrigatória a
introdução da disciplina de Educação Moral e Cívica, que é deslegitimada com o
processo de abertura política e redemocratização brasileira iniciado em meados da
década de 1980. Não só a disciplina de Educação Moral e Cívica, mas, também, a
Educação Física passa a ser questionada nesse período. Isso por conta da ênfase
30
do Estado dada aos esportes em detrimento aos graves problemas sociais vividos
pela população brasileira. Buscou-se, então, nesse momento histórico, a verdadeira
função social da Educação Física (MELLO, 2009; BARBIERI; PORELLI; MELLO,
2010).
A fins de síntese, baseando-se em Mello (2009), apontamos que, desde o
século XVIII, a preocupação com a formação da classe trabalhadora se desenvolve
em duas perspectivas:
[...] uma no sentido de compensar os problemas do trabalho simplificado e, outra, com o propósito de formar força de trabalho altamente qualificada para dar continuidade ao aperfeiçoamento tecnológico. A escola para todos trata muito mais da primeira proposição do que da segunda. É fundamental à sobrevivência do capital a crescente base técnico-científica, mas esta não é tão necessária à ocupação de todos os trabalhadores (p. 10).
E essa função social de compensar os problemas do trabalho na forma social
do capital foi predominantemente representada na área da Educação Física, até a
década de 1980, pela perspectiva da aptidão física. Pois, a partir desta década,
essa prática pedagógica passou a ser questionada quanto a sua real função social;
questionamento este que acabou por gerar novas abordagens de Educação Física.
1.2.1. Década de 1980: novos rumos para a Educação Física na escola
Tendo em vista as considerações postas até então, fica claro que a disciplina
de Educação Física na escola, até a década de 1980, esteve bastante atrelada à
área da saúde, principalmente com os propósitos de regeneração da raça,
recuperação de saúde e preparação de indivíduos fortes e saudáveis para
comporem o mercado de trabalho. A principal tendência posta na Educação Física,
até então, é a perspectiva da aptidão física, baseada nos pressupostos positivistas.
Na década de 1980, o Brasil foi marcado por um processo de abertura
política, que, no campo da Educação Física, gerou um momento de discussão e
reflexão a respeito da legitimidade e importância dessa disciplina nas escolas,
disciplina que vinha sendo pautada predominantemente pela perspectiva da aptidão
física. Para ressaltar a importância desse momento na história da Educação e
Educação Física brasileira, destacamos as considerações de Mello (2009, p. 40):
31
A década de 1980 foi de especial importância para a história da Educação Física no Brasil. Com o fim da ditadura militar, há um crescimento dos movimentos sociais e da mobilização sindical envolvendo diversas áreas, dentre elas a área da educação, que tinham por objetivo restabelecer a democracia no país.
Como resultados desse momento, surgiram diversas concepções,
abordagens e perspectivas, que buscaram dar um novo norte para a Educação
Física na escola (BARBIERI; PORELLI; MELLO, 2010).
Dentre as abordagens e perspectivas surgidas, destacamos: abordagem
sociológica, cultural, concepção desenvolvimentista, Educação Física plural,
concepção de aulas abertas, crítico-emancipatória, perspectiva da aptidão física e
crítico-superadora (CASTELLANI FILHO, 1999).
Neste momento da história da Educação Física, foram tecidas inúmeras
críticas à Educação Física, que buscavam desvencilhar essa disciplina do
biologicismo posto até então por meio da prática pedagógica guiada pelos ideais da
aptidão física. Neste sentido, tivemos um enfraquecimento da perspectiva da
Educação Física voltada à saúde.
Apesar disso, além das abordagens, concepções e teorias citadas
anteriormente, que surgiram a partir da década de 1980, temos também o
surgimento da abordagem “Saúde Renovada”. Desde então, esta perspectiva
conhecida também como movimento da “Aptidão física voltada à saúde”, tem se
destacado frente às demais no que se refere à discussão da saúde como tema da
Educação Física na escola.
Não que o conteúdo saúde não esteja presente também em outras
perspectivas de Educação Física. Porém, considerando que a abordagem Saúde
Renovada vem se destacando no cenário escolar, nos voltaremos à análise desta
abordagem, a fim de compreendermos a sua teoria, principais proposições e, por
consequência, também sua concepção ideológica.
1.2.1.1. A abordagem Saúde Renovada
Com vistas ao entendimento das principais proposições da abordagem Saúde
Renovada, que se destacou no cenário brasileiro a partir da década de 1980, quanto
32
ao tratamento da saúde nas aulas de Educação Física, realizamos um levantamento
e revisão de artigos científicos referentes ao tema.
É importante destacar, inicialmente, que a técnica de levantamento
bibliográfico é característica do tipo de pesquisa bibliográfica e, para a realização
desta, concordamos com a assertiva de Lima e Mioto (2007, p. 44) segundo a qual:
“[...] é imprescindível seguir por caminhos não aleatórios, uma vez que esse tipo de
pesquisa requer alto grau de vigilância epistemológica, de observação e de cuidado
na escolha e no encaminhamento dos procedimentos metodológicos”.
Mediante tais considerações, realizamos um levantamento de artigos
científicos em base de dados virtuais, utilizando os seguintes indexadores: Google
Acadêmico, Scielo, Lilacs e Periódicos Capes, entendendo estes como principais
quando tratamos da busca de material bibliográfico acerca do assunto. Para a
busca desses artigos foram utilizadas, de maneira geral, as seguintes palavras-
chave: Saúde Renovada, Educação; Educação Física; Saúde e Escola, sendo estes
termos utilizados isoladamente e de forma combinada. O levantamento de material
bibliográfico também foi feito por meio de buscas na Biblioteca Central da
Universidade Estadual de Maringá (BCE/UEM).
A partir da análise destes artigos científicos, verificamos que Guedes e
Guedes podem ser considerados como os principais referenciais dessa abordagem
em Educação Física, que propôs a ideia de aptidão para toda a vida e a construção
de estilos de vida ativos nas pessoas. Neste sentido, concordamos com Schneider
(1999), que empreende uma análise crítica a esta abordagem, quando o autor
salienta que, quando se objetiva analisar o discurso da Educação Física como
promoção da saúde, deve-se centrar nos escritos de Guedes e Guedes pelo fato de
estes terem formulado uma proposta sistematizada para a Educação Física na
escola com vistas à saúde. Com isto, a proposta dos autores merece ser analisada
porque apresenta amplas possibilidades de ser incorporada no projeto político-
pedagógico escolar, projeto este que irá orientar a prática pedagógica do professor.
Com isso, apresentamos, a seguir, algumas ideias dos principais artigos
científicos Guedes e Guedes:
QUADRO 1. Síntese dos principais artigos científicos de Guedes e Guedes.
Autores
Título da obra Objetivos Principais conclusões
GUEDES; Características Dos Desenvolver uma análise Conclui-se que são
33
GUEDES (1997)
Programas De Educação Física Escolar
quanto ao tipo das atividades e ao nível de intensidade dos esforços físicos oferecidos aos escolares durante as aulas de Educação Física, numa tentativa de estabelecer relações com os objetivos direcionados à promoção da saúde.
necessárias modificações nos atuais programas de Educação Física para que se possa levar os escolares a assumirem atitudes positivas quanto à prática da atividade física relacionada à saúde.
GUEDES; GUEDES (1999)
Educação para a saúde mediante programas de Educação Física escolar
Apresentar subsídios teóricos para a prática da educação para a saúde por meio dos programas de Educação Física escolar.
Existe a necessidade de insistir em um equilíbrio quanto à abordagem do conjunto de conteúdos em termos teórico e prático nos programas de Educação Física direcionados à educação para a saúde. Esta conduta, sem dúvida, requer estabelecimento de novo comportamento por parte dos professores, exigindo uma formação de maior consistência acadêmica.
GUEDES; GUEDES; BARBOSA et al (2001)
Níveis de prática de atividade física habitual em adolescentes
Analisar níveis de prática de atividade física habitual em amostra representativa de adolescentes matriculados em escola de ensino médio do município de Londrina, Paraná.
Como conclusão, a elevada incidência de sedentarismo observada na amostra analisada sugere ações intervencionistas que venham incentivar a prática adequada de atividade física na população jovem.
GUEDES; GUEDES (2001)
Esforços físicos nos programas de Educação Física escolar
Os programas de Educação Física escolar têm procurado desenvolver conteúdos que possam levar os jovens a se tornarem ativos fisicamente no presente e ao longo de toda a vida. Para tanto, durante as aulas de Educação Física torna-se necessário estimular regularmente os alunos mediante esforços físicos adequados. O propósito do estudo foi desenvolver análise quanto à intensidade, à duração e à frequência dos esforços físicos a que são submetidos os escolares nos programas de Educação Física escolar.
Os resultados encontrados indicam que o nível de intensidade e a duração dos esforços físicos administrados aos escolares foram menor que o limite mínimo necessário para que possa ocorrer benefícios à saúde. Foram oferecidas aos escolares poucas oportunidades de participar em esforços físicos de moderada-a-elevada intensidade por quantidade de tempo adequado. Conclui-se que são necessárias modificações nos atuais programas de Educação Física para que se possa levar os escolares a assumirem atitudes positivas quanto à prática da atividade física relacionada à saúde.
GUEDES; GUEDES; BARBOSA, et al
Aptidão física relacionada à saúde e fatores de risco predisponentes às
Analisar a validade de pontos de corte associados às informações referenciadas por critérios preconizados pela
Como conclusão, os achados sugerem que, independentemente dos pontos de corte utilizados, o
34
(2002).
doenças cardiovasculares em adolescentes
proposta Physical Best na identificação de adolescentes portadores e não-portadores de fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares
índice de massa corporal e o somatório das espessuras das dobras cutâneas caracterizam-se como razoável alternativa para identificar a presença de fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares em adolescentes.
GUEDES; GRONDIN (2002).
Percepção de hábitos saudáveis por Adolescentes: associação com Indicadores alimentares, prática de Atividade física e controle de peso Corporal
Assumindo que hábitos adquiridos na juventude podem ser transferidos para a fase adulta, níveis de prática de atividade física, cotidiano alimentar e comportamentos de risco pratica dos por adolescentes têm despertado interesse de especialistas da área. O objetivo deste estudo foi estabelecer associações entre percepções sobre a adoção de hábitos saudáveis e indicadores alimentares, de prática de atividade física e controle de peso corporal em amostra representativa de adolescentes matriculados em uma escola de ensino médio do município de Londrina – Paraná.
Adolescentes demonstram elevado índice de percepção sobre hábitos saudáveis, entretanto, parecem existir indícios de que essas percepções possam não influenciar efetivamente comportamentos adequados, relacionados às condutas alimentar e de prática de atividade física. Sugere-se que programas direcionados à educação para a saúde procurem contemplar não apenas informações quanto à importância de se adotar hábitos alimentares saudáveis e de praticar-se atividade física, mas também como mantê-los cotidianamente.
GUEDES; SANTOS; LOPES (2006)
Estágios de mudança de comportamento e prática habitual de atividade física em universitários
Os objetivos do estudo foram (a) apresentar informações descritivas quanto aos estágios de mudança de comportamento e aos níveis relatados de prática habitual de atividade física em amostra representativa de acadêmicos dos cursos de Educação Física e de esporte; e (b) estabelecer congruência entre os estágios de mudança de comportamento e a identificação dos níveis de prática habitual de atividade física na amostra de acadêmicos.
Como conclusão, os achados do estudo representam uma primeira tentativa de melhor entender os fatores sócio-demográficos associados à adoção de um estilo de vida regularmente ativo entre os acadêmicos dos cursos de Educação Física e de esporte. Os resultados revelaram que o algoritmo dos estágios de mudança de comportamento utilizado no estudo não é apropriado para identificar os níveis relatados de prática habitual de atividade física, apontando para a necessidade de novas investigações envolvendo a população de universitários.
GUEDES (2008)
Atuação do professor de Educação Física no campo da saúde
Oferecer informações que possam levar os professores de Educação Física a refletirem sobre a possibilidade de promoverem a implementação de programas de Educação
A educação para a saúde pode oferecer importantes contribuições na formação do cidadão. A intenção é realçar as experiências que levem os educandos a optarem voluntariamente por
35
Física escolar direcionados à educação para a saúde. Nosso principal objetivo é propor subsídios que possam induzir a eventuais alterações em paradigmas vinculados à saúde no campo da Educação Física escolar, com repercussões para toda a sociedade.
adotar um estilo de vida saudável, repercutindo, portanto, na melhoria e na preservação da saúde e do bem-estar.
Fonte: Autoria própria.
Os autores, adeptos dessa perspectiva teórica, realizam suas discussões
com base na constatação de que é crescente o número de casos de doenças
crônicas não transmissíveis em nossa sociedade, principalmente, a obesidade,
especialmente quando nos referimos ao público infantil e adolescente. Tomam
como base, ainda, o fato de essas doenças serem, na maioria dos casos, um
processo de construção ao longo da vida, diretamente relacionado com o conjunto
de hábitos de vida adotados desde idades mais tenras (MIRANDA, 2006). Esse
pensamento fica claro ao analisarmos os escritos de Guedes (1992), sobre a
educação para a saúde e a Educação Física em âmbito escolar:
Em uma sociedade, onde significativa proporção de pessoas adultas contribuem substancialmente para o aumento das estatísticas associadas às doenças crônico degenerativas em consequência de hábitos de vida não-saudáveis, principalmente no que se relaciona com a prática de atividade física, parece existir fundamento lógico para a modificação da orientação oferecida às aulas de Educação Física para um enfoque de educação para a saúde (p. 1-2).
Nesse sentido, o autor conclui que muitos dos distúrbios orgânicos que
atingem as pessoas na idade adulta, poderiam ser minimizados ou evitados se
hábitos de vida saudáveis fossem adotados desde idades mais precoces
(GUEDES, 1999). Isso porque parte-se do pressuposto de que o estado de ser
saudável não é algo estático. Esse estado deve ser adquirido e reconstruído de
forma individualizada de maneira constante ao longo da vida. Entendendo a saúde
como “educável”, aponta-se que esta pode ser trabalhada em um contexto didático-
pedagógico (SCHNEIDER, 1999, p. 04). Isso fica ainda mais claro mediante as
contribuições de Ferreira (2001):
36
Ao nosso ver, essa é a grande tarefa da ed. Fisica escolar: habilitar os alunos a praticar o exercício físico e o desporto e a compreender os determinantes fisiológicos, biomecânicos, sóciopolíticos-econômicos e culturais dessa prática. Dessa forma ela estará contribuindo para a ampliação do entendimento do binômio exercício-saúde para a construção de estilos de vida e para uma sociedade mais justa e igualitária (p. 51).
Os autores da perspectiva da Saúde Renovada fazem crítica às aulas de
Educação Física na escola que tem como enfoque o conteúdo esportivo. Tal crítica é
feita porque esses conteúdos pelo fato destes não conseguirem alcançar formação
educacional efetiva nos jovens (GUEDES, 2008).
Além disso, Alves (2007), que compartilha das ideias desta abordagem,
considera importante a Educação Física com vistas à promoção da saúde
considerando os altos índices de violência na sociedade atual. Este fato impediria as
crianças a praticarem atividades físicas nas ruas e, por isso, a Educação Física
deveria assumir este papel.
Por esses pontos justificadores, os autores dessa perspectiva consideram que
a escola e, mais especificamente, a Educação Física, deve assumir sua função
educacional e tentar mudar a realidade social. Nesta perspectiva, Silva (2007),
afirma que os conteúdos escolhidos nessa perspectiva são aqueles conteúdos
capazes de viabilizar uma melhor qualidade de vida, o que significa uma vida não
sedentária.
Schneider (1999) destaca que, segundo a abordagem Saúde Renovada, os
conteúdos deverão da Educação Física deverão ser tratados de forma a incentivar
a prática regular de atividades físicas, por meio de brincadeiras recreativas, jogos e
competições esportivas, dentre outras. Compartilhando a perspectiva, Azevedo e
Shigunov (2006) consideram importante que os professores de Educação Física
adotem em suas aulas, não mais uma visão de exclusividade a prática desportiva,
mas, fundamentalmente, atividades físicas diversas para o incentivo à adoção de
um estilo de vida ativo pelos alunos. Ainda de acordo com os autores, baseados
nos escritos de Guedes e Guedes, na abordagem “Saúde Renovada” considera-se
fundamental a promoção da prática prazerosa de atividades que conduzam ao
aperfeiçoamento das áreas funcionais: resistência orgânica ou cardiovascular;
flexibilidade; resistência muscular e a composição corporal como fatores
coadjuvantes na busca de uma melhor qualidade de vida por meio da saúde.
37
Guedes (2008, p. 155-156) critica o conceito de saúde enquanto ausência de
doenças ou de enfermidades. Isto porque o autor compartilha do conceito de saúde
enquanto identificação com uma multiplicidade de aspectos do comportamento
humano direcionados ao bem estar físico, mental, social e espiritual. Em síntese, o
autor entende a saúde como um “continuum” e não de maneira dicotômica, como
ter saúde ou não ter. Sendo assim, o autor entende que: “[...] o estado de ser
saudável não é algo estático; pelo contrário, é necessário adquirí-lo e reconstruí-lo
de forma individualizada e constantemente ao longo de toda a vida” (grifos meus).
Entendendo a saúde como um processo contínuo, o autor considera a
educação como a principal forma de se estar atuando nela. Tendo em vista tais
aspectos, considera-se que a escola seria o local ideal para o início da educação
voltada para a saúde, e a disciplina de Educação Física seria um veículo para a
promoção de saúde e qualidade de vida, de modo a agir como condutora principal
deste processo pedagógico (FERREIRA, 2001; MIRANDA, 2006; GUIMARÃES,
2009; GUEDES, 1999). Como pode ser verificado neste trecho de Maitino (2000, p.
73):
Dentre os componentes curriculares do ensino básico, a Educação Física pode ser entendida como a principal condutora desta ação pedagógica, até porque existe uma demanda de informações confiáveis a propósito de conteúdo e metodologia do exercício físico direcionados à aquisição e manutenção de satisfatório nível de aptidão física relacionada à saúde, na sociedade atual.
De acordo com Ferreira (2001), a Educação Física deve fazer com que os
alunos desenvolvam autonomia e tomem gosto pela prática de atividades físicas
para que as pratiquem durante toda a vida. Complementando, Azevedo e Shigunov
(2006) afirmam que a Educação Física deve buscar a conscientização, sobretudo,
da população escolar para as pesquisas que mostram os benefícios da atividade
física. Neste sentido, Alves (2007) destaca ainda que as propostas escolares devem
superar a especialização esportiva e se mostrarem como novidades, apresentando
aos seus alunos também a dança, a ginástica, as atividades rítmicas entre outras.
Assim, o estímulo à prática de exercícios físicos e à adoção de hábitos
alimentares saudáveis ao longo da vida são, de acordo com essa perspectiva, as
principais funções e metas da Educação Física no espaço escolar com pretensões
38
direcionadas à universalização da saúde. Para isso, nessa abordagem, a Educação
Física na escola deve propor dois desafios a serem alcançados:
a) fornecimento de oportunidades para que os educandos tornem-se ativos fisicamente; b) proporcionar experiências educativas que viabilizem aos educandos a adoção de um estilo de vida ativo ao longo de toda a sua existência (SCHNEIDER, 1999, p. 03).
Pois, se assim não o fizer, a Educação Física não será capaz de levar seus
educandos a terem uma vida produtiva, criativa e bem sucedida (SCHNEIDER,
1999).
Vale destacar, que esse panorama não está restrito à literatura científica
nacional, uma vez que, mediante análise de artigos internacionais, pode-se verificar
que esse discurso se intensifica ainda mais quando tratamos de países
considerados economicamente desenvolvidos, como os Estados Unidos da América
(EUA).
Verificamos assim que no Brasil e, de forma mais intensa, nos EUA, o
pensamento hegemônico sobre a Educação Física relacionada à saúde está ligado,
predominantemente, aos seguintes pontos: a) orientação para se atingir aptidão
física via estilo de vida ativo e; b) associação mecânica dessa conduta, e seus
resultados com a noção de saúde.
Partindo deste pressuposto, existem vários programas de Educação Física
escolar que buscam promover a saúde de seus escolares.
Como exemplo, apresentamos aqui o programa “Pause-2-Play” proposto por
Killough, Battram, Kurtz e colaboradores (2010). Este programa se propõe em
prevenir a obesidade e está direcionado à modificação de comportamentos
sedentários relacionados ao uso de computadores e televisores com o objetivo final
de promover a atividade física entre estudantes da Educação Básica. Foi aplicado
um programa de 12 semanas a 32 escolares e a avaliação do programa foi realizada
a partir da comparação de alterações no Índice de Massa Corporal dos estudantes,
além da avaliação da composição corporal e escores de capacidade física. Foram
aferidos ainda, o tempo gasto por cada aluno em computador ou televisor. Como
resultado, os autores destacam que o “Pause-2-Play” trouxe vários benefícios aos
estudantes, uma vez que resultou em uma redução significativa na quantidade de
gordura corporal e aumento no índice de massa livre de gordura nas crianças
diagnosticadas como sobrepesadas e um decréscimo na circunferência da cintura e
39
aumento na massa livre de gordura foram observados em crianças eutróficas, além
de proporcionar a melhora da capacidade física de ambos os grupos de crianças.
Concluindo, os autores afirmam que o programa é viável e praticável e foi capaz de
alterar de forma positiva a composição corporal e os níveis de capacidade física dos
estudantes.
Outra estratégia metodológica baseada na abordagem da Saúde Renovada é
o programa TARGET, sigla referente aos pontos centrais do programa: tarefa,
autoridade, reconhecimento, grupo, avaliação e tempo. Este programa é
apresentado por Toigo (2007) e propõe a motivação das crianças e adolescentes à
prática de atividade física no sentido de incorporá-las aos hábitos de vida diários ao
longo da vida.
Em síntese, neste capítulo podemos concluir que o campo da Educação
Física na escola construiu-se de forma bastante atrelada com o campo da saúde,
sendo até mesmo em alguns momentos confundidas. Com uma história marcada
pela perspectiva da aptidão física a Educação Física afirma sua função de
manutenção e conservação da saúde do trabalhador. Na década de 1980, por conta
do movimento de abertura política, surgem diversas abordagens em Educação
Física, dentre elas a da Saúde Renovada, que propõe a construção de um estilo de
vida ativo nas pessoas pela via educacional, especialmente pela disciplina de
Educação Física.
Feitas estas breves considerações sobre os principais delineamentos da
abordagem Saúde Renovada, nos voltaremos agora à análise do contexto social
mais amplo a fim de verificar o porquê que esta perspectiva vem se destacando no
campo da Educação Física em âmbito escolar. Nosso objetivo é pensar sobre o
capitalismo e suas relações com o campo da saúde, e os possíveis desdobramentos
deste quadro no campo educacional.
40
2. O TRABALHO NA FORMA SOCIAL CAPITALISTA E SEUS EFEITOS SOBRE A
SAÚDE
Entendendo que as relações sociais são delineadas segundo a forma como
os homens se organizam para produzir sua existência, ou seja, como trabalham,
buscaremos neste momento analisar o trabalho tal qual está configurado na
sociedade capitalista e seus efeitos sobre a saúde dos homens, em especial aos da
classe trabalhadora.
Antes de tratarmos, especificamente do trabalho tal qual está configurado na
sociedade capitalista, faz-se necessário esclarecer que o trabalho nesta sociedade
não pode ser confundido com um trabalho em si. Isso porque o trabalho é a
categoria fundante do ser social, podendo ser definido como a relação que o homem
estabelece com a natureza a fim de satisfazer as suas necessidades. Nesse sentido,
o trabalho é a protoforma de todas as coisas e, por isso, tudo é construído a partir do
trabalho, ou seja, a partir de determinadas relações de produção.
Portanto, o trabalho é a categoria fundante do ser social, o que não significa
dizer que a vida humana se reduza a ele. Pelo contrário, existem, também, as
diversas esferas da vida humana, como por exemplo, a educação. Só afirmamos, a
partir de Marx, que o fundamento da vida humana está alicerçado na categoria
trabalho e que a partir de sua organização construímos toda a cultura, todo um
mundo humano. Neste sentido, é por meio do trabalho, nas relações de produção
por ele determinado, que o homem produz e reproduz a sua vida, uma vez que é por
meio desta atividade que o homem se relaciona com a natureza e obtém dela os
elementos necessários a sua existência. A forma como este se configura é capaz de
permitir, ou não, o desenvolvimento dos sujeitos enquanto seres humanos. Como
explica Marx (1983, p. 297):
Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza.
41
Ainda pautando-se em Marx (2009), podemos afirmar que com a divisão do
trabalho e surgimento da propriedade privada, tivemos o surgimento da sociedade
de classes. Como consequência, tem-se a partir daí, em linhas gerais, a repartição
desigual do trabalho e dos seus produtos, tanto quantitativa quanto qualitativamente.
No capitalismo, sistema de classes em que as relações sociais e de produção
são pautadas na propriedade privada dos meios de produção, além de classes
intermediárias, existem duas classes sociais fundamentais e antagônicas: a classe
burguesa, formada pelos donos dos meios de produção, e a classe trabalhadora.
Expropriados dos meios de produção, resta à classe trabalhadora a venda de
sua força de trabalho no mercado capitalista para a garantia da sobrevivência.
Sendo assim, conforme Iasi (2010), o homem trabalhador, sem a possibilidade de
venda de sua força de trabalho está destinado à fome, privação, doença e morte. A
força de trabalho, cujo conteúdo consiste nas aptidões físicas e intelectuais do
homem, apresenta-se, assim, não só como mais uma mercadoria a venda no
mercado, mas como a principal delas (MARX, 1983). E ao vender a única
mercadoria a qual possui - sua força de trabalho - o trabalhador se depara, na forma
social do capital, com seus efeitos.
Na sociedade capitalista, o trabalho tem a forma de trabalho assalariado e “a
exploração da força de trabalho assalariada é a condição básica da acumulação do
capital mediante relações de produção já de natureza capitalista” (MARX, 1983, p.
17). Com a introdução da maquinaria, tem-se o surgimento do trabalhador coletivo e
combinado. Isto significa que o processo de trabalho passa a ser realizado por vários
trabalhadores e, por isso, não somente trabalha aquele que está em contato direto
com a natureza. Portanto, o trabalho vai adquirindo formas diferentes dependendo
das relações sociais estabelecidas pelos homens.
Uma das consequências deste tipo de trabalho – assalariado - é a alienação,
condição social que surge com a sociedade de classes e pode ser entendida, de
maneira geral, como a condição na qual o trabalho assalariado apresenta-se como
um empecilho para o desenvolvimento humano.
De acordo com Tonet (2005), a raiz da alienação está na divisão social do
trabalho, ou seja, na cisão entre o interesse individual e coletivo. Isto porque a partir
do momento em que se tem esta cisão, não são mais os interesses coletivos que
serão atendidos, mas sim, os interesses da classe dominante, apresentados como
se fosse o interesse geral, situação esta levada ao extremo na sociedade capitalista.
42
Nesta perspectiva, também podemos entender a alienação como uma força
construída pelo próprio homem que ele não controla.
Ela é própria da sociedade de classes, levada ao extremo na sociedade
capitalista e é determinada pelas relações econômicas. O que significa dizer que a
alienação não é uma questão de consciência ou conhecimento, ou seja, o fato de
conhecer as coisas não faz o sujeito menos ou mais alienado. Nesta perspectiva,
nada é alienado em si. Isto dependerá das relações sociais em que estão
estabelecidas.
Sendo a alienação determinada pelas condições econômicas, entendemos
que todos os sujeitos são alienados na sociedade capitalista, seja este parte do
proletariado ou da burguesia, porque estão inseridos dentro da mesma lógica
societal. Desta forma, mesmo o capitalista precisa se precaver e ficar
permanentemente atento aos seus concorrentes para não ir à falência. Este
aprisionamento às amarras do capital indica que ele também é alienado, ou seja,
também está preso a uma base econômica que impõem obstáculos ao seu pleno
desenvolvimento.
Marx em “A Sagrada Família” explicita o sentido social da alienação para a
burguesia e para o proletariado:
A classe dominante e a classe proletária representam a mesma alienação humana. No entanto, a primeira se sente à vontade nesta alienação; ela aí encontra uma confirmação, ela reconhece nesta alienação seu próprio poder, possuindo nela a aparência de uma existência humana; a segunda se sente destruída nesta alienação, vendo aí sua impotência e a realidade de uma existência desumana (2001, p. 37).
Na mesma direção, mas de maneira mais aprofundada, no Livro III de “O
Capital”, Marx aponta que:
O capital cada vez mais se patenteia como força social: tem o capitalista por agente e não se relaciona mais com o que pode criar trabalho de cada indivíduo; mas, patenteia-se força social alienada, autônoma, que enfrenta a sociedade como coisa e como poder do capitalista por meio dessa coisa (1991, p. 303).
Portanto, nesta sociedade, formada por sujeitos alienados, o homem trabalha
para acumular capital, ou seja, para valorizar valor, e não para o desenvolvimento da
humanidade. Isto porque:
43
O capital tem um único impulso vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver com sua parte constante, os meios de produção, a maior massa possível de mais-trabalho. O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo chupa (MARX, 1983, p. 347).
Como resultado, temos o distanciamento do ser humano do gênero humano,
pois, ao invés de proporcionar o desenvolvimento e a emancipação humana, o
trabalho produtor de mais-valia vem fazendo com que o homem empobreça-se
humanamente.
Então, em síntese, as relações sociais capitalistas vêm deixando a
capacidade humana de abstração, criação, comunicação, aprendizagem e, também,
a sua saúde, comprometidas. Desta forma:
O trabalhador submetido a essas relações vê que seu trabalho não é mais um meio pelo qual constrói sua sociabilidade propriamente humana, ao contrário, é a atividade pela qual ele perde a sua humanidade. O trabalho, que em um primeiro momento era a “protoforma do agir humano”, agora se apresenta como forma de estranhamento (IASI, 2010, p. 71).
Sendo assim, por meio do trabalho na forma social do capital, o homem cria
objetos que assumem a forma de algo que se volta contra o próprio homem como
algo estranho, que ele não controla; situação na qual a objetivação humana passa a
impedir o desenvolvimento humano. Com isto, podemos considerar que o
trabalhador, na sociedade capitalista, só interessa à classe dominante enquanto
força de trabalho.
O impacto da sociabilidade do capital passa a ser então desastroso para a
emancipação humana:
O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz também a si mesmo e ao trabalhador como mercadoria, e isto na medida em que, de fato, produz em geral (MARX, 2004, p. 80 apud IASI, 2010, p. 71).
44
Vale salientar que Marx supera este entendimento do trabalhador enquanto
mercadoria. Como pode ser observado neste trecho de “O Capital” (1983, p. 98,
grifos meus): “O que o operário vende não é diretamente o seu trabalho, mas a
sua força de trabalho, cedendo temporariamente ao capitalista o direito de
dispor dela”. Sendo assim, o capitalista é dono de sua força de trabalho por um
determinado tempo, mas não do trabalhador, como ocorria no sistema escravagista.
É de suma importância destacar também que a compra da força de trabalho é
fundamental ao capitalista. Recorrendo a Marx (1983) temos que o modo de
produção capitalista é constituído por capital constante, representado, por exemplo,
por máquinas, instrumentos de trabalho e infraestrutura; e capital variável, que são
os trabalhadores. No entanto, nesta composição orgânica do capital, somente o
trabalhador é capaz de produzir valor, uma vez que as máquinas somente
transferem seu valor aos produtos. A máquina, desta forma, constitui um
componente do valor do produto, mas não produz valor. Tendo isto em vista e
partindo do entendimento de que o capital consiste em um movimento incessante de
valorização do valor, ou seja, de produção de valor, o trabalhador apresenta-se
como fundamental ao capital.
A valorização do valor se dá pela extração da mais-valia, que, por sua vez,
somente é obtida pela exploração do trabalho. Para a explicação do significado de
mais-valia, nos valeremos dos escritos de Gounet (1999). Para o autor, que se
fundamenta em Marx, a jornada de trabalho do operário pode ser dividida em duas
partes. Parte das horas que compõem a jornada de trabalho é direcionada à
reconstituição do valor de sua força de trabalho, que seria o tempo necessário de
trabalho, pago ao trabalhador na forma do salário. Desta forma, este valor destina-
se, por exemplo, à garantia da alimentação, moradia e família; ou seja, para que o
trabalhador possa reproduzir a sua existência e retornar ao trabalho no dia seguinte.
O restante das horas de trabalho do operário, não é remunerada e é, então, captada
pelo capitalista como um trabalho gratuito, chamado de trabalho excedente. Este
trabalho gratuito pode ser entendido como a mais-valia e desta mais-valia surgem os
lucros das empresas.
Portanto, é somente a partir do trabalho que o capitalista consegue captar a
mais-valia, fundamental ao funcionamento da sociedade capitalista. Lembrando que,
de acordo com Marx (1983), existem dois tipos principais de mais-valia: a mais-valia
relativa, que se dá com a diminuição do valor da força de trabalho (que depende,
45
dentre outros aspectos, da diminuição do valor das mercadorias as quais o
trabalhador necessita para sobreviver); e a mais-valia absoluta, que se dá pelo
prolongamento de tempo ou intensidade da jornada de trabalho. Nas palavras de
Marx (1983, p. 431):
A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta; a mais-valia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança da proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa.
A extração da mais-valia, que se dá no momento da produção, somente se
realiza mediante a esfera do consumo, quando o ciclo da mercadoria se efetiva.
Então, só consegue lucratividade as empresas que vendem suas mercadorias. E só
vende mais as empresas que conseguem vender a um menor preço. Portanto, as
empresas precisam baixar o valor das mercadorias, ou seja, precisam diminuir o
tempo de produção de suas mercadorias. Isto não significa que preço seja sinônimo
de valor. Pelo contrário, o preço nem sempre é expressão do valor. Valor significa o
tempo médio socialmente necessário para a produção de mercadorias. Já o preço
pode ser alterado em relação ao valor, em determinadas condições (MARX, 1983).
Neste contexto, encontra-se o cerne da concorrência capitalista. As empresas
precisam, cada vez mais, se valerem de estratégias para reduzirem o valor das
mercadorias. Quando uma empresa consegue alcançar esta redução, tem grande
lucratividade. E, com isto, ela impulsiona as demais a reduzirem também os valores
de suas mercadorias. Até que a lucratividade se equilibre novamente. Então a
extração de mais-valia e lucratividade são os motores da concorrência capitalista
(MARX, 1983).
Portanto, de forma geral, a concorrência faz diminuir o trabalho socialmente
necessário. Reduzindo o valor das mercadorias, reduz-se o valor da força de
trabalho, acarretando em um acréscimo de mais-valia relativa: “Por isso, é impulso
imanente e tendência constante do capital aumentar a força produtiva do trabalho
para baratear a mercadoria e, mediante o barateamento da mercadoria, baratear o
próprio trabalhador.” (MARX, 1983, p. 435).
Dentre as estratégias existentes para que ocorra a queda do valor das
mercadorias, encontra-se o investimento em maquinaria. Quando investe-se em
máquinas, acelera-se e muito a velocidade na produção de mercadorias, diminuindo,
46
portanto, o valor destas. No entanto, retomando a questão de que é somente a partir
do capital variável, ou seja, da exploração força de trabalho que se tem a extração
de mais-valia, quando se aumenta o capital constante e se diminui o capital variável,
tem-se, consequentemente, uma tendência à queda da taxa de mais-valia. Portanto,
neste movimento capitalista de incessante valorização do valor, existe sempre uma
tendência de queda da taxa de mais-valia, porque existe a necessidade de se
reduzir o valor das mercadorias, ou seja, de se diminuir o tempo socialmente gasto
para a produção destas.
Gounet (1999), recuperando Marx, explica que quando acontece a queda da
taxa de mais-valia, é necessário que os capitalistas se reorganizem para retomar o
volume de extração desta. Sendo a origem da mais-valia a exploração da força de
trabalho, a retomada do nível de captação de mais-valia só pode ser realizada às
custas do aumento da exploração do trabalho da classe trabalhadora.
Concordamos desta forma, com Merlo e Lápis (2005), quando os autores
afirmam que o emprego das novas tecnologias, de forma geral, não tem sido
utilizado para aliviar as cargas de trabalho ou de permitir uma maior autonomia dos
trabalhadores na realização dos mesmos, mas, de forma contrária, as inovações
tecnológicas tem servido para impor uma maior exigência de trabalho ao homem.
Assim, o desenvolvimento tecnológico deu o potencial para que o homem se
tornasse mais humano, porque com este o homem não precisaria trabalhar tanto.
Porém, no capitalismo, a maquinaria não foi utilizada para diminuir a carga de
trabalho do trabalhador, mas sim, para intensificar este processo, uma vez que a
produtividade aumenta e muito com a sua introdução (MARX, 1983).
Na verdade, a máquina, além de aumentar a intensidade de trabalho, ainda
diminui o tempo em que são fabricadas as mercadorias. Desta forma, tem-se
intensificadas a extração da mais-valia absoluta e também da relativa. Por isso, o
incremento tecnológico é muito importante ao capital. É importante frisar,
entretanto, que as alterações tecnológicas não mudam o modo de produção,
somente o potencializam. Em certos momentos, a força de trabalho é tão barata
que se torna mais vantajoso ao capitalista deixar a maquinaria de lado. Esta é uma
estratégia bastante utilizada pelas grandes indústrias: construir indústrias em
regiões afastadas, onde o valor da força de trabalho é bastante reduzido e permite
que o capitalista extraia grande quantidade de mais-valia, sem a necessidade de
47
utilização de máquinas. Portanto, as máquinas somente serão utilizadas no
processo produtivo se mostrarem-se mais lucrativas.
Mediante as informações postas, podemos entender que o capital consiste
num movimento incessante de valorização do valor, mesmo que isto custe o sangue
humano. Vale considerar que a exploração do trabalho não é uma questão moral,
mas sim, constitutiva da lógica do capital, tendo em vista que sem a exploração da
força de trabalho o sistema capitalista deixa de existir.
Os momentos em que se acentua a queda do volume de lucratividade são
chamados de crise8. Desta forma, em momentos de crise, o sistema capitalista
busca retomar a taxa de mais valia intensificando a exploração da força de trabalho,
resultando em uma maior precarização social.
Uma das formas para a retomada da taxa de lucro, extraindo mais-valia, é por
meio da reorganização ou reestruturação do trabalho. Desta forma, segundo Gounet
(1999) a cada reorganização do trabalho, intensificam-se as formas de extração de
lucro e, consequentemente, intensificam-se os efeitos desta lógica social no
processo de limitação humana.
Isto significa que as condições de trabalho tendem a piorar significativamente:
aumentam-se o tempo de trabalho (principalmente com as chamas horas-extras),
bem como o número de desempregados e diversos direitos trabalhistas adquiridos
historicamente pela classe trabalhadora são perdidos.
Na crise estrutural9 do capital que aflorou em fins dos anos 1960 e início de
197010, podemos entender que, dentre outras consequências, fez com que a relação
de produção fosse alterada, visando a recuperação do ciclo de expansão e do
controle do capital.
Com a reestruturação produtiva ocorrida com a crise da década de 1970,
tivemos a assimilação parcial (em alguns casos, integral) do sistema toyotista11
8 Estas crises fazem parte da lógica capitalista desde sua efetivação, na primeira metade do século
XIX, e acompanham todo o desenvolvimento desta sociedade com crises cíclicas. 9 De acordo com Pimentel (2007), o termo “crise estrutural” é utilizado por Mészáros, autor que
entende que, a partir da década de 1970, estamos vivendo em constante crise, o que a diferencia das crises anteriores. Isto porque as contradições que resultavam nas crises cíclicas se acumularam ao ponto de tornarem-se estruturais, pois passaram a atingir todas as pessoas das diversas partes do mundo. 10
A crise de 1970, bem como os efeitos desta no Brasil serão melhor abordados no capítulo 4 intitulado “Políticas públicas de Saúde no Brasil: apontamentos críticos”. 11
O toyotismo surgiu nos anos de 1950 no Japão. Em regra, o que aconteceu foi a articulação entre práticas de organização dos processos de trabalho fordista, toyotistas e outras que possibilitaram a flexibilização do fordismo. Por isso, por vezes esta forma de organização também é chamada de acumulação flexível. A esse respeito, consultar Gounet (1999).
48
pelas empresas de países capitalistas centrais, que tem como principais pilares a
preocupação com a qualidade de eficiência.
Na produção, segundo o modelo taylorista, as tarefas a serem executadas
pelos trabalhadores eram predefinidas em seus mínimos detalhes. Assim, não era
necessário que o trabalhador interferisse em nenhuma etapa da tarefa, algo
significativamente nocivo para a manutenção de sua saúde mental. As marcas desta
forma de trabalho (nos referimos aqui não apenas ao modo taylorista de organização
do trabalho, mas ao trabalho assalariado de forma geral) transparecem, então, sobre
a forma de sofrimentos psíquicos ou mesmo em doenças físicas e psíquicas. Apesar
de Taylor ter feito um sistema de controle dos tempos de cada operário, as conexões
entre as diferentes tarefas ainda não tinham sido efetivadas. Nesse contexto, com o
intuito de aperfeiçoar o sistema existente, aparece Henry Ford, em 1910 e cria a
esteira rolante. Com ela, os trabalhadores eram postos lado a lado na linha de
montagem e tinham a cadência de trabalho regulados pela velocidade da esteira.
Com o fordismo, a fragmentação das tarefas e a divisão do trabalho foram ainda
mais intensificadas. Os operários ficaram ainda mais submetidos ao ritmo
automático, à cadência das máquinas, à rotina, executando, várias vezes, um
mesmo movimento em uma linha de montagem (MERLO; LÁPIS, 2005).
Houve, então, um aperfeiçoamento da forma de organização do trabalho
mediante uma necessidade social posta – a de retomar a taxa de extração de lucro.
As relações se tornaram mais complexas, mas a lógica societal não foi alterada.
Também é importante destacar que o fato de ter surgido este modelo que veio
aperfeiçoar os anteriores, não significa que os modelos anteriores deixaram de ser
aplicados, pelo contrário, qualquer modelo de organização do trabalho pode ser
utilizado, no capitalismo, na medida em que se apresente como mais vantajoso em
termos de extração de mais-valia.
Neste modelo de acumulação flexível, tem-se o trabalhador polivalente, o que
significa que cada trabalhador deve se concentrar em um conjunto de tarefas
diferentes e não mais em apenas uma (MERLO; LÁPIS, 2005). Desenvolvimento do
setor de serviços, terceirização, subempregos e o alto índice de desemprego12
também são reflexos deste estágio capitalista.
12
Segundo pesquisa do IBGE, o desemprego no Brasil fechou 2011 com média de 4,7%, representando menor índice desde 2002, porém, ainda é bastante expressivo (BECK, 2012).
49
Neste contexto, e por conta da crise que tem eclodido nos últimos anos,
significativa parte dos trabalhadores ocupados encontra-se no setor informal no
Brasil13, terceirizados, ou ainda, desempregados, representando os expulsos do
processo produtivo do mercado, que hipertrofiam o exército social de reserva na fase
de expansão do desemprego e aumentam, e muito, a concorrência capitalista.
O trabalho, desta forma, passa a ser um momento de avaliações mútuas
constantes, tornando desnecessárias chefias externas imediatas para controle dos
trabalhadores, uma vez que este controle é introjetado em cada um, estabelecendo
uma “luta de todos contra todos” (ALVES, 2010, p. 47). Por isso, segundo Alves
(2010, p. 48) vivemos em um “mundo de simulações”, onde “paz é guerra, liberdade
é escravidão e confiança é desconfiança”.
Nesta dinâmica, a lógica da culpabilização da vítima é frequente. Ainda
segundo Alves (2010), por meio destas estratégias o capital busca a subordinação
do indivíduo humano, que ocorre por meio de frustação recorrente de expectativas.
Instaura-se, neste sentido, a culpabilização do trabalhador pela “escolha” tomada
inadequadamente (como se o trabalhador tivesse esta autonomia). Assim, diante do
fracasso, deve-se culpar a si próprio.
Num contexto de precariedade nas relações de trabalho e risco constante de
desemprego, estabelece-se um sentimento de angústia e a ansiedade no trabalho, o
que provoca, por sua vez, considerável desgaste físico e psicológico (MERLO;
LÁPIS, 2005).
Desta forma, no sistema capitalista, quem quiser continuar usufruindo deste
“privilégio” chamado emprego, acaba tendo a tensão e o medo como parte de seu
cotidiano. Por isso, o trabalhador que não quiser ver seu nome na lista de demissões
deve estar sempre pronto a colaborar. Além disso, os trabalhadores vivem receosos
de não serem qualificados e empregáveis o suficiente para o mercado de trabalho,
principalmente por conta da concorrência existente pelas vagas de emprego
(MERLO; LÁPIS, 2005). Neste contexto, os trabalhadores, enquanto concorrentes,
tornam-se inimigos.
13
De acordo com o IBGE (2010), em 2009, 46,8% dos homens e 51,2% das mulheres estavam no setor de trabalho informal, do total de ocupados. Em 2011,apesar de esta taxa apresentar-se elevada, dados indicaram significativa queda. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o índice de trabalhadores informais no Brasil foi de 35,3% (HOJE EM DIA, 2011).
50
Isso evidencia que neste modo de organização social não se busca saciar as
necessidades do homem, mas sim, as necessidades do capital.
Tendo em vista tais aspectos:
Fica claro que o trabalhador durante toda a sua existência nada mais é que força de trabalho, que todo o seu tempo disponível é, por natureza e por lei, tempo de trabalho a ser empregado no próprio aumento do capital. Não tem qualquer sentido o tempo para a educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e espirituais, para o descanso dominical (...). Mas em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por trabalho excedente, viola o capital os limites extremos, físicos e morais, da jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar puro e absorver a luz do sol. Comprime o tempo dedicado às refeições para incorporá-lo sempre que possível ao próprio processo de produção, fazendo o trabalhador ingerir os alimentos (...) como se fosse mero meio de produção (...) O capital não se preocupa com a duração da vida da força de trabalho (MARX, 1989, p. 300-301 apud PADILHA, 2003, p. 252).
A reformulação do modo de produção denominada toyotista ou flexível, não
apresentou outra mudança senão a intensificação da exploração da força de
trabalho frente aos modelos anteriores, na busca de recuperação da taxa de mais-
valia (GOUNET, 1999).
E, como resultado deste processo, temos a intensificação do adoecimento
humano. Situação que é nesta forma de sociabilidade, sinônimo de anormalidade e
fraqueza. Utilizando as palavras de Ribeiro (2010, p. 307-308):
[...] são os normais os que suportam agravos e agressões sem gemidos e protestos; são anormais, predispostos, suscetíveis, inadaptados ou doentes os que não agüentam e manisfestam mal-estar e sofrimento. Trata-se, pois, de uma concepção de normalidade e anormalidade utilitária do ser humano (homo faber) [...]. Desde então é assim: a saúde e seu anverso, a doença, são estados definidos pela capacidade de produzir. O trabalho, cada vez mais medido e controlado, passou a ser o divisor de água desses estados.
Nesta ótica de superficialidade, assim como o adoecimento, a aposentadoria -
momentos nos quais o trabalhador pode cessar a venda de sua força de trabalho -
também não são bem vistos pelo capital.
Isto porque, enquanto aposentada, a pessoa não é mais obrigada a vender a
sua força de trabalho para garantir a sua sobrevivência. Isto teoricamente, pois, por
51
vezes, o montante de dinheiro provindo da aposentadoria é tão insuficiente que o
trabalhador tem que continuar a vender sua força de trabalho para garantir a
satisfação de suas necessidades. É importante salientar que quando tratamos de
aposentadoria, estamos tratando, principalmente, dos trabalhadores do setor formal,
dos registrados. A grande parcela de trabalhadores da economia dita informal não
conta com este dinheiro, salvo aqueles que contribuem com a Previdência Social
voluntariamente.
Feitas estas breves considerações sobre os fundamentos sociais da saúde e
doença humana no interior da ordem social do capital, abordaremos, na sequência,
alguns problemas de saúde mais recorrentes na sociedade atual.
2.1. Aspectos gerais sobre os efeitos do capitalismo sobre a saúde do
trabalhador
Como visto, a forma como o trabalho está organizado em nossa sociedade
está em contraposição à saúde humana. Sendo assim, inúmeros distúrbios de saúde
podem ser desenvolvidos por conta desta forma de se produzir a vida. Neste
capítulo, trataremos, sem muita profundidade, somente de alguns destes distúrbios.
Estando inseridos dentro da mesma lógica, os problemas sucintamente
abordados na sequência, compartilham de múltiplos determinantes. No entanto, para
facilitar a compreensão do leitor, os trataremos separadamente.
2.1.1. Sobre os acidentes de trabalho
Como verificado, as condições de trabalho na sociedade capitalista não estão
voltadas à saúde humana, e se deterioram ainda mais quando ocorrem crises
cíclicas ou, no caso atual, a crise estrutural de acumulação do capital, que se
fundamenta, sobretudo, na queda da lucratividade. Sendo assim, em momento de
crise, busca-se aumentar a taxa de mais-valia.
Com isso a exploração do trabalho aumenta (tanto na forma de mais-valia
absoluta, quanto na forma de mais-valia relativa), sem ser acompanhada, por sua
vez, pela melhora nas condições de trabalho.
Neste contexto, destacamos que, desde o século XIX, empresas utilizam a
estratégia do pagamento por produção, mais conhecida como horas extras. Isto, por
52
vezes, faz com que o trabalhador ultrapasse seus limites fisiológicos para o alcance
de uma melhor remuneração.
Estudo realizado em minas e setor madeireiro na Suécia demonstrou redução
de 30% e 95% na ocorrência de acidentes de trabalho quando a prática de
incentivos financeiros tornou-se proibida. O incremento de 1 hora de trabalho na
jornada de trabalho no setor metalúrgico da França resultou em aumento de 30%
dos acidentes de trabalho (ALMEIDA; VILELA; GOMES, et al 2010). Porém,
considerando que o aumento da jornada de trabalho significa aumento da extração
de mais-valia do trabalhador, fica claro o porquê que o pagamento de horas extras
não é uma prática proibida, mesmo estando fortemente relacionada com o aumento
do número de problemas de saúde no trabalho. Portanto, esta é uma prática legal:
“[...] os incentivos financeiros como pagamento por produção só podem ser
aplicados se não acarretarem aumento dos riscos de acidentes e lesões conforme
preconiza a Norma Regulamentadora 17 – Ergonomia, Portaria 3.214/1978 do
Ministério do Trabalho e Emprego” (ALMEIDA; VILELA; GOMES, et al 2010, p. 233).
Visualiza-se, assim, que há permissão legal para esta prática, mesmo sendo esta
contrária à saúde do trabalhador.
Neste contexto, existem empresas que ameaçam com a demissão os
empregados que não concordarem em realizar as horas extras, ou seja, os
trabalhadores que se recusarem a jornada absurdamente longa (MAZZEU;
DEMARCO; KALIL, 2007).
Com isto, de acordo com o Departamento Intersindical de Estudos e
Pesquisas de Saúde e Ambientes de Trabalho (DIESAT, 2012), nos últimos anos, o
número de acidentes14 de trabalho no Brasil vem crescendo. Em 2007, foram
registrados 343. 004 acidentes de trabalho em todo o Brasil, cerca de oito mortes
diárias. Já em 2009, o número de acidente de trabalho saltou para 723.452. O
Departamento ainda lembra que a maioria dos acidentes de trabalho não são
notificados, pois, as estatísticas de acidentes de trabalho refletem somente os
acidentes registrados pela Previdência Social. Neste sentido, as estatísticas só
consideram os trabalhadores da economia formal, deixando à margem,
14
Apesar de utilizarmos o termo acidentes de trabalho durante o texto, concordamos com Almeida, Vilela, Gomes e colaboradores (2010, p. 231) quando afirmam ser esta uma expressão enganosa, pois: “Na maioria das línguas mundiais embute o sentido de eventos casuais, fortuitos, fatalidades sem explicação clara capaz de permitir sua antecipação e prevenção”. A experiência mostra que a quase totalidade desses eventos é previsível e evitável.
53
aproximadamente, 40 milhões de pessoas, os chamados trabalhadores da economia
informal.
Também, como salientado anteriormente, com a reestruturação produtiva,
houve aumento na oferta de empregos precários, que são, de acordo com Nogueira
(2010), predominantemente destinados às mulheres15. Tomemos aqui como
exemplo o caso do telemarketing, setor de serviço que se encontra em pleno
desenvolvimento atualmente no Brasil, sendo um dos setores que mais amplia as
ofertas de trabalho. Vale lembrar que este é um setor fundamental ao capital, pois
agiliza a comunicação e, assim, intensifica a concorrência entre as empresas
capitalistas.
Nogueira (2010) afirma que este tipo de serviço estabelece uma rotina
exaustiva e pesada às teleoperadoras. As ações repetitivas são constantemente
controladas pela empresa, o que pode gerar, por vezes, problemas físicos e
psicológicos. E nesta rotina, podem ser listados diversos fatores de risco à saúde,
dentre estes:
[...] ritmo alucinante de trabalho; ausência de pausas para recuperar o organismo; metas de produtividade desgastantes (tempo médio de atendimento – TMA); movimentos repetitivos; pressão constante dos supervisores e controle rígido do trabalho; insalubridade do ambiente de trabalho; inadequação do mobiliário e dos equipamentos; postura estática, etc. Portanto, os efeitos das precárias condições de trabalho nas empresas de callcenter afetam sobremaneira a saúde física e psicológica das trabalhadoras (NOGUEIRA, 2010, p. 163).
Problema de saúde que comumente afeta os trabalhadores deste serviço é o
auditivo, pois, o ruído do fone de ouvido, se não devidamente calibrado pode
ultrapassar os limites considerados saudáveis e provocar lesões no aparelho
auditivo. O serviço no setor de telemarketing também pode acarretar problemas de
voz nos tele atendentes, por exigir e repetitivo e intenso esforço. Neste caso, o mais
comum é ocorrer os chamados calos nas pregas vocais, provocando inflamação
crônica na laringe, além de fadiga vocal e rouquidão. Também são frequentes os
15
Segundo Pimentel (2007), em todas as classes sociais as mulheres são tratadas com desigualdade.
Por isto, elas são as principais vítimas da precarização social. Para Mészáros (2002 apud PIMENTEL, 2007), a luta pela emancipação da mulher é um dos limites absolutos do capital, uma vez que a emancipação feminina significa a emancipação de toda a sociedade, portanto, a emancipação humana. Então, isto representa uma contradição insolúvel do capital.
54
efeitos referentes à saúde mental dos trabalhadores, dentre os quais, podemos
destacar os casos de depressão, estresse e alcoolismo (NOGUEIRA, 2010).
No entanto, os problemas de saúde mais frequentes nestes e em outros
postos, diretamente relacionado às condições de trabalho, são as chamadas Lesões
por Esforços Repetitivos, doença atualmente denominada de Distúrbios
Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT)16 (COUBE, 2011).
De acordo com Chiavegato Filho e Pereira (2004, p. 01), as LER/Dort podem
ser definidas como:
[...] um conjunto de doenças que afetam músculos, tendões, nervos e vasos dos membros superiores (dedos, mãos, punhos, antebraços, braços, ombro, pescoço e coluna vertebral) e inferiores (joelho e tornozelo, principalmente) e que têm relação direta com as exigências das tarefas, ambientes físicos e com a organização do trabalho.
Ainda segundo os autores, não há uma causa única para este distúrbio.
Porém, sabe-se que este é fruto das más condições de trabalho que temos em
nossa sociedade atual e que representa um alarmante problema de saúde pública.
Além do trabalho precário no campo do telemarketing e de outras profissões
atuais, vale lembrarmos, que o trabalho escravo17 é ainda presente no Brasil. Caso
recente, divulgado no mês de setembro de 2010, foi o de 19 trabalhadores, dentre
estes, três meninos com menos de 18 anos de idade, encontrados em condições
análogas à escravidão na extração vegetal de ervamate, na Fazendo São Manuel,
em Palmas (PR), sul do Estado (INFORMATIVO DIESAT, 2010).
Por fim, ainda sobre os problemas de saúde relacionados às inadequadas
condições de trabalho, é importante considerar, de acordo com Nogueira (2010), que
o adoecer não é bem visto na empresa, podendo acarretar a demissão do
16
Importante salientar que o fato desta doença não ser mais chamada de lesão, mas sim de um provável distúrbio, implicou grandes perdas de direitos sociais legais da classe trabalhadora (NOGUEIRA, 2010). 17
Em 2011, no Brasil, 2,2 mil trabalhadores em condições sub-humanas de trabalho foram resgatados pelo Ministério do Trabalho. Desde 1995, mais de 41 mil trabalhadores já foram resgatados de atividades análogas à escravidão em todo o país. Além do trabalho escravo no campo, existem outras formas de exploração nas cidades, especialmente os relacionados ao trabalho doméstico e confecções têxteis (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2011). No ano de 2005, no Brasil, foi criada a “Lista Suja do trabalho escravo”, com a finalidade de registrar os empregadores que se utilizam deste tipo de trabalho. No ano de 2011, esta lista atingiu um record de 294 infratores. Esta lista, bem como
maiores informações podem ser acessadas no site do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (http://www.reporterbrasil.com.br/pacto/clipping/view/1844). Lembrando que o trabalho
55
funcionário. Isto porque: “[...] a doença representa um estado provisório ou definitivo
de exclusão” (RIBEIRO, 2010, p. 309). Sendo assim, a doença sinaliza “prejuízo” à
empresa, pois requerirá o afastamento do trabalhador e a manutenção do salário
(isto quando se trata de um emprego formal). É interessante complementar que
muitas empresas, quando percebem que existe um médico emitindo muitos
atestados, tratam-no de retirá-lo da função (NOGUEIRA, 2010). O que demonstra a
tendência de exploração acentuada do trabalho presente em nossa sociedade,
descrita por Marx (1983), no século XIX em “O Capital”, mais especificamente, no
capítulo XIII intitulado “Maquinaria e Grande Indústria”, e que permanece nos dias de
hoje.
Segundo Lacaz (2010), no Brasil, ainda não temos uma Política Nacional de
Saúde do Trabalhador (PNST). Entretanto, desde a criação do Sistema Único de
Saúde (SUS) existe um direcionamento para o desenvolvimento de ações em saúde
dos trabalhadores. Sendo assim, desde 1988 existe o direcionamento para a
formulação e implementação de uma PNST que integrasse os ministérios
relacionados com a temática, aos quais se destacam: Ministério da Saúde (MS),
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério da Previdência Social (MPS)
(LACAZ, 2010).
Além disso, desde 1930 é de responsabilidade do Ministério do Trabalho a
fiscalização e inspeção das condições e ambientes de trabalho no Brasil. No
entanto, a partir da publicação da Constituição Federal (1988), estas atribuições vem
entrando em conflito com as do SUS. Crítica se faz à atuação do Ministério do
Trabalho por suas ações se concentrarem apenas nos grandes centros e por tratar
especificamente dos trabalhadores formais. Ao Ministério da Previdência Social,
cabe a responsabilidade de conceder benefícios e pensões para os casos
relacionados a acidentes e/ou doenças provindas do trabalho. Ou seja, busca
auxiliar os que perderam as condições de trabalhar. Segundo Lacaz (2010), a
atuação deste órgão sempre foi falha por atuar após o acontecimento dos fatos.
O que ocorre é que, de fato, esta PNST nunca foi implantada. O que existe
são apenas diretrizes que devem nortear a formulação desta política, o que
demonstra a despreocupação do Estado com a melhoria das condições de trabalho
da população, que está intimamente relacionada com a saúde desta.
escravo não pode ser a forma determinante de trabalho no capitalismo. Entretanto, a escravidão tem sido, desde o século XVI, um importante meio de contribuir com a acumulação de capital.
56
2.1.2. O estresse e problemas de saúde relacionados: o caso das doenças
psicossomáticas
Como visto, de maneira geral, busca-se criar trabalhadores adequados às
exigências da dinâmica capitalista: rápidos, produtivos e competitivos. Desta forma,
o capital transforma o campo de trabalho num verdadeiro campo de batalha, onde
impera a concorrência na luta pela sobrevivência. E desta guerra, os envolvidos
certamente levam consigo alguma de suas consequências como exaustão física,
traumas ou estresse (ALVES, 2010).
No que se refere a esta última consequência, considera-se que termo stress
foi utilizado pela primeira vez como sendo a maneira como o organismo responde a
qualquer estímulo: bom, ruim, real ou imaginário; que altere seu estado de
equilíbrio. Dentre os fatores estressantes, ou seja, aqueles que retiram o nosso
corpo do estado de equilíbrio (homeostase), podemos destacar: susto, alegria,
fracasso, dor, frio, calor ou esforço físico. Apesar de distintos entre si, estes fatores
causam respostas similares no corpo, que, em suma, buscam adaptar o organismo
à situação de desequilíbrio funcional e alcançar um novo estado de equilíbrio, que é
mantido pelos sistemas hormonal e nervoso.
No entanto, quando são prolongadas as situações de estresse, advindas da
organização do trabalho atual que estabelece a pressão e o medo como sentimentos
diários, podem acarretar nos trabalhadores o desenvolvimento das doenças
denominadas psicossomáticas.
De acordo com Lourenço, Navarro e Beltrami (2010), atualmente, as doenças
do trabalho são menos visíveis e suas relações com o trabalho, menos identificáveis.
Ao invés de atingir as partes expostas do corpo, o consomem a partir de dentro e
comprometem bem mais a mente do que fisicamente aparece na epiderme do corpo.
No entanto, discordamos de tal afirmação quando nos voltamos à análise das
doenças denominadas de psicossomáticas, que podem ser definidas como doenças
físicas provocadas por um estado emocional alterado e prolongado.
As principais doenças psicossomáticas são: a) distúrbios cardiovasculares
(doença coronariana, infarto do miocárdio e hipertensão); b) distúrbios respiratórios
(síndrome de hiperventilação e asma); c) distúrbios imunológicos (alergias e câncer);
d) distúrbios gastrointestinais (úlcera no estômago ou duodeno e colite ulcerativa); e)
57
distúrbios cutâneos (coceira, sudorese excessiva e urticária); f) artrite reumatóide
(inflamações articulares e em estruturas associadas); g) distúrbios endócrinos
(diabetes mellitus, problemas com os hormônios da tireóide) e dores crônicas.
Dentre estes problemas de saúde mencionados, a hipertensão arterial, que se
dá quando os valores da pressão arterial sistólica e diastólica mantem-se acima da
faixa considerada adequada, vem atingindo elevados índices.
De acordo com Guyton (1986), dentre as causas da hipertensão arterial,
podemos elencar os fatores de ansiedade ou dor. Em um estudo onde foi realizada
estimulação simpática prolongada, provocada em animais por ansiedade ou dor
contínua, os resultados demonstraram que estes animais desenvolvem hipertensão
entre leve e moderada que dura enquanto existirem as condições anormais.
Entretanto, dentro de duas ou três semanas após a remoção da causa, a pressão
arterial em geral retorna ao normal. Ainda de acordo com o autor, muitos médicos
acreditam que tal estimulação simpática anormal dos rins em seres humanos, por
tempo prolongado – talvez durante anos -, faz com que ocorram alterações
estruturais de evolução gradual nos rins, de modo que se desenvolve elevação
patológica permanente da curva de débito urinário. Então, mesmo que a estimulação
simpática seja retirada, ou seja, mesmo que o estresse seja diminuído, a hipertensão
persiste.
Quanto aos prejuízos que a hipertensão arterial pode provocar à saúde
humana, Guyton (1986) destacam dois efeitos principais:
1) Sobrecarga de trabalho ao coração: O músculo cardíaco, como os
demais músculos do corpo, sofrem hipertrofia quando sua carga de trabalho
aumenta. No caso de situação de pressão alta, o músculo cardíaco, mais
precisamente o ventrículo esquerdo, aumenta seu tamanho de duas a três vezes.
Esse aumento do tecido do miocárdio (músculo cardíaco), por sua vez, não é
acompanhado proporcionalmente pelo suprimento sanguíneo coronário. Por isso,
uma isquemia relativa do ventrículo esquerdo se desenvolve enquanto a hipertensão
arterial persiste. A pressão muito elevada nas artérias coronárias causa também o
desenvolvimento rápido de arteriosclerose coronária, fazendo com que o hipertenso
tenha alta probabilidade de morrer de oclusão coronária em idades precoces
(GUYTON, 1986, p. 233).
2) Dano às próprias artérias pela pressão excessiva: A pressão alta nas
artérias além de causar esclerose coronária, pode também provocar esclerose dos
58
vasos sanguíneos em todo o restante do corpo. Este processo arteriosclerótico
provoca o desenvolvimento de coágulos sanguíneos nos vasos e também o
enfraquecimento destas estruturas. Com isto, lesões importantes podem ocorrer em
qualquer órgão do corpo. Um dos tipos de lesões mais frequentes ocorridas é a
hemorragia cerebral.
Desta forma, concordamos com Pereira (2010) no sentido de que, a culpa, o
medo, a pressão do dia-dia não pode ser medidos, mas podem ser tão patogênicos
quanto um vírus.
2.1.3. Transtornos psicológicos relacionados ao trabalho: breves
considerações sobre a depressão e o suicídio
Neste contexto, de precarização do trabalho e, por consequência, da vida, os
distúrbios psicopatológicos relacionados ao trabalho vêm aumentando e atingindo,
além dos trabalhadores, seus familiares (VIZZACCARO-AMARAL; VIZZACCARO-
AMARAL; VIZZACCARO-AMARAL, 2010).
Dentre estes distúrbios, destaca-se a depressão, que pode ser entendida
como: “[...] condição médica comum, crônica e recorrente. Está frequentemente
associada a incapacitação funcional e comprometimento da saúde física. Os
pacientes deprimidos apresentam limitação da sua atividade e bem-estar além de
uma maior utilização de serviços de saúde.” (FLECK; LAFER; SOUGEY, et al 2003,
p. 114).
Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que,
nos próximos 20 anos, a depressão se tornará a doença mais comum do mundo, à
frente do câncer e doenças cardíacas. Também será a doença que mais gerará
custos econômicos e sociais para os governos, devido aos gastos com tratamento
para a população e às perdas de produção (CORREIO DO BRASIL, 2009).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação
Internacional para a Prevenção do Suicídio (AIPS) a depressão é o principal fator
predisponente ao suicídio. Outros fatores, tais como transtornos bipolares, abuso de
drogas e de álcool, esquizofrenia, antecedentes familiares, contextos
socioeconômicos e educacionais pobres ou uma saúde física frágil podem aumentar
a propensão (VIZZACCARO-AMARAL; VIZZACCARO-AMARAL; VIZZACCARO-
AMARAL, 2010).
59
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP, 2011), no Brasil
ocorrem 24 mortes por dia por suicídio. Este índice indica que as mortes por suicídio
tem aumentado em nosso país, acometendo, principalmente, jovens e adultos jovens
do sexo masculino, com faixa etária entre 15 e 29 anos. Ainda de acordo com a
ABP, estima-se que as tentativas de suicídio superem em pelo menos dez vezes o
número de suicídios.
2.2. A ginástica laboral
Frente a este quadro de grande exploração capitalista da força de trabalho,
existem as práticas que visam amenizar ou adiar o desenvolvimento de possíveis
enfermidades. Dentre estas, destacamos, como exemplo, a ginástica laboral.
A ginástica laboral é uma prática que surgiu nas últimas décadas e, para o
trato da temática, nos basearemos nas reflexões realizadas por Coube (2011).
Sendo assim, a perspectiva que se coloca aqui é contrária àquelas que defendem a
ginástica laboral como atividade inteiramente benéfica aos trabalhadores.
A ginástica laboral é uma prática voltada aos trabalhadores, sendo realizada
nos locais de trabalho, três vezes por semana, ou diariamente, por períodos que
variam de 8 a 12 minutos, durante a jornada de trabalho. Podemos considerá-la um
método crescente no Brasil, que objetiva ir ao encontro da prevenção de doenças
ocupacionais, de forma especial, da LER/Dort. Definição complementar é
apresentada por Oliveira (2006, apud OLIVEIRA, 2007, p. 44):
A Ginástica Laboral compreende exercícios específicos de alongamento, de fortalecimento muscular, de coordenação motora e de relaxamento, realizados em diferentes setores ou departamentos da empresa, tendo como objetivo principal prevenir e diminuir os casos de LER/DORT.
Além de ser utilizada como prevenção ao desenvolvimento de LER/Dort,
doença oriunda das más condições de trabalho, a ginástica laboral é importante
estratégia utilizada para aumentar a produtividade dos trabalhadores.
No entanto, apesar dos benefícios à melhora da produtividade dos
trabalhadores, anunciado pela prática da ginástica laboral, muitas empresas não
reservam tempo para este tipo de prática, tendo em vista o alcance de metas de
60
produção. Como podemos verificar no depoimento de uma trabalhadora do setor de
telemarketing:
Quando a gente entrou na empresa tinha ginástica laboral, eles tiravam a gente 15 minutos para fazer ginástica. Agora, vai falar de ginástica laboral pra eles! Eles morrem do coração. Você não pode nem ir ao banheiro, quanto mais ficar 15 minutos fazendo ginástica (NOGUEIRA, 2010, p. 171).
Com isto, e mediante análise da dinâmica capitalista, concordamos com
Coube (2011, p. 02) quando afirma que a ginástica laboral é um modo de docilizar o
corpo com o fim essencial de fazê-lo suportar o esforço decorrente da atividade
física na cadeia produtiva. Desta forma, “[...] por detrás de um discurso
aparentemente preocupado com a saúde do trabalhador há na realidade uma
atenção dirigida ao crescimento econômico da empresa, onde o bem-estar do
indivíduo não é prioritário”. Assim, percebe-se que quem mais se beneficia com a
implementação da ginástica laboral são os donos dos meios de produção e não os
trabalhadores.
Tendo em vista as considerações dispostas neste capítulo, verificamos que as
políticas públicas voltadas à saúde da classe trabalhadora, que buscam amenizar os
efeitos do capital à saúde humana, são ineficazes e, por isso, obrigam a classe
trabalhadora a buscarem os serviços particulares. Serviços estes, na maioria das
vezes inacessíveis à maioria da população, tendo em vista o elevado custo
financeiro.
Assim, em síntese, no funcionamento da sociedade capitalista, onde a
estrutura da saúde pública funciona a serviço do desenvolvimento e manutenção
social, não é difícil concluir que a atenção à saúde está vinculada fortemente à
“recuperação da força de trabalho lesada” (SKALINSKI; PRAXEDES, 2003, p. 312).
2.3. A cultura corporal no contexto da empregabilidade e os efeitos sobre a
saúde do trabalhador
Tendo em vista o processo de reestruturação produtiva e a eliminação de
diversos postos de trabalho, a concorrência intensificou-se no mercado capitalista. E
dentre os fatores que demonstram o diferencial do trabalhador, ou seja, seu grau de
61
empregabilidade está a aparência corporal, ou seja, as questões estéticas. Desta
forma, a cultura corporal, que é construída historicamente com as relações sociais
estabelecidas pelos homens18, é também moldada segundo a lógica capitalista.
Sendo assim, o corpo belo é o corpo magro, principalmente no que se refere as
mulheres e o corpo forte, com relação aos homens, são sinônimos de beleza em
nossa atual sociedade.
Com esta tendência provinda da lógica empresarial, as imagens,
apresentadas pela mídia, nos mostram corpos trabalhados, medicalizados, que
lutam contra o cansaço e envelhecimento.
Nesse contexto, diversas mercadorias estão associadas ao belo e saudável,
como os produtos da indústria do fitness, da indústria cosmética, as cirurgias
plásticas, os alimentos, as academias de ginástica, dentre outras. Assim, cuidar do
corpo em si, para o capital, é indispensável. Isto porque cuidar do corpo em si
significa consumir as mercadorias relacionadas à beleza, e isso é indispensável ao
capitalismo quando lembramos que é na esfera do consumo que o ciclo da
mercadoria se completa, resultando na possibilidade de mais extração de mais-valia,
pertinente ao processo de reprodução ampliada do capital.
Assim, o consumo de mercadorias associadas a beleza é apresentado como
o caminho legítimo e seguro para a felicidade individual e saúde (VILHENA;
MEDEIROS, 2005). Este panorama tornou a estética um importante valor do nosso
tempo (GARCIA; LEMOS, 2003).
Neste contexto de valorização excessiva da estética, existem pessoas que se
envolvem com o exercício físico com tal intensidade que acabam por se tornarem
dependentes desta prática, trazendo, com isto, prejuízos à sua saúde. Alguns
estudos indicam ser a dependência de exercício físico uma forma específica de
dependência comportamental. Esses estudos se baseiam nas propriedades
reforçadoras positivas da prática excessiva de exercício físico, que estariam
associadas a sua capacidade de aumentar os níveis dos principais
18
Como exemplo de que a cultura corporal é constituída de acordo com as relações sociais estabelecidas e, desta forma, os conceitos de belo e feio variam segundo o contexto social, citamos o documentário intitulado “Tabu: Rituais” (Disponível em: http://www.mundofox.com.br/br/videos/tabu/rituais/87239777001/). Neste documentário são retratados os costumes de uma tribo de Papua, Nova Guiné, onde as cicatrizes corporais são sinônimos de beleza, sendo estas realizadas por meio da técnica de escarificação (técnica de modificação do corpo que consiste em produzir cicatrizes no corpo através de instrumentos cortantes).
62
neurotransmissores envolvidos nas vias neurais do prazer, como as endorfinas e a
dopamina (MELLO; BOSCOLO; ESTEVES et al, 2005).
Dados da literatura científica apontam que a dependência de exercício físico
pode ser caracterizada da seguinte forma:
a) estreitamento do repertório, levando a um padrão estereotipado de exercício uma ou mais vezes durante o dia; b) saliência do comportamento de praticar exercício, dando prioridade sobre outras atividades, para que sejam mantidos os padrões de exercícios; c) aumento na tolerância à quantidade e freqüência dos exercícios com o decorrer dos anos; d) sintomas de abstinência relacionados a transtornos do humor (irritabilidade, depressão, ansiedade, etc.) quando interrompida a prática de exercícios; e) alívio ou prevenção do aparecimento de síndrome de abstinência por meio da prática de mais exercícios; f) consciência subjetiva da compulsão pela prática de exercício; e g) rápida reinstalação dos padrões prévios de exercícios e sintomas de abstinência após um período sem prática de exercícios físicos. Segundo o mesmo autor, outras características estão ou podem estar associadas à dependência de exercício como: 1) o indivíduo continua a prática de exercícios, mesmo quando se apresenta doente, lesionado ou com qualquer outra indicação médica ou quando a prática de exercícios físicos interfere negativamente nos relacionamentos com o companheiro(a), familiares, amigos ou no trabalho; 2) o indivíduo faz dieta alimentar para perda de massa corporal como um meio de melhorar o desempenho (DECOVERLEY VEARLE, 1987, apud ANTUNES; ANDERSEN; TUFIK et al, 2006, p. 235).
Os autores ainda destacam que quando impedidos de fazer exercício,
sintomas como irritabilidade, ansiedade, depressão e sentimentos de culpa parecem
ser uma constante em sujeitos dependentes de exercício (ANTUNES; ANDERSEN;
TUFIK et al, 2006).
Nesse contexto, a indústria do fitness é uma das que mais cresce no mercado
brasileiro atual. No ano de 2004, havia, no Brasil, aproximadamente, 7.000
academias. Dados apresentados pela International Health, Racquet& Sports Club
Association (IHRSA, 2010), entidade internacional de esporte e saúde, indicaram
que no ano de 2010, nosso país atingiu o número de 15.551 academias de ginástica.
Dados complementares indicam que, atualmente, mais de 6.000.000 de brasileiros
frequentam esses locais. E, para fins de curiosidade, vale destacar que, nestes
espaços, a ginástica aeróbica, ginástica localizada, a musculação e o treino aeróbico
na bicicleta ergométrica ou na esteira rolante vem contanto com companhia de uma
infinidade de novas modalidades que vem surgindo atualmente, como:“aerodance”,
63
“street dance”, “free aero classic”, “lambaeróbica”, “power yoga”, “aeroboxe”,
“bodypump”, “lift training”, “street funk”, “swing afro-baiano”, “stepcircuit”, “superfit”,
“powerstep”, “spinning”, que alimentam o que Palma (2001, p. 27) chama de
“mercado do corpo”.
É interessante destacar que mesmo nestes estabelecimentos, o sentimento
de insatisfação corporal se faz presente. Pesquisa realizada por Tessmer, Silva,
Pinho e colaboradores (2006) apontou que em uma população de 315
frequentadores de academias de ginástica da cidade de Pelotas, 48% destes
demonstraram estarem insatisfeitos com seu corpo e 30% relataram que se sentiam
pressionados pelos padrões de beleza ditados pela mídia.
A esse respeito, Romaro e Itokazu (2002) salientam que a mídia e o
“imaginário coletivo” estabelecem uma estreita relação entre a forma do corpo e a
saúde, como se os regimes, dietas e exercícios físicos fossem os “passaportes” para
a saúde.
É válido salientar, no entanto, que os padrões de beleza nem sempre estão
ligados à saúde. Aliás, os padrões de beleza, com ênfase no desejo a magreza, é,
para muitas mulheres e homens, uma meta difícil de ser alcançada, somente
podendo ser atingida pela utilização de meios considerados não saudáveis
(DAMASCENO; VIANNA; VIANNA et al, 2006).Como exemplo, podemos citar a
utilização de esteróides anabolizantes.
Estas substâncias, mais conhecidas como anabolizantes ou “bomba” são
substâncias fabricadas em laboratório a partir de hormônios masculinos
(androgênios). Essas substâncias aumentam a síntese protéica, a oxigenação e o
armazenamento de energia, resultando em um aumento da massa muscular
(IRIART; ANDRADE, 2002).
O uso dessas substâncias pode trazer diversos danos ao organismo do
usuário, como por exemplo: hipogonadismo masculino (doença caracterizada pela
secreção inadequada de testosterona pelos testículos e, dentre as suas
consequências, estão a diminuição da massa muscular e a disfunção eréctil);
síndrome de Turner (doença genética que acomete pessoas do gênero feminino e
tem como principais consequências a baixa estatura e a infertilidade); tumor de
mama (desenvolvimento anormal das células do seio que se multiplicam e
substituem as células normais); pré-menopausa (sintomas como cansaço físico e
flacidez muscular que antecedem a menopausa, período fisiológico que se
64
caracteriza pelo encerramento dos ciclos menstruais); estados catabólicos graves
(caracterizados pela grande perda de proteínas corporais) e certos tipos de anemias
refratárias (diminuição de hemoglobina no organismo) (SILVA; MOREAU, 2003).
No campo esportivo, os primeiros a utilizarem os Esteróides Anabólicos
Androgênicos (EAA) sintéticos derivados da testosterona foram os fisiculturistas
(atletas que, por meio da musculação, buscam alcançar a melhor forma muscular) e
halterofilistas (atletas que buscam levantar a maior quantidade de peso possível), no
início dos anos 1950. Desde então, o uso dessas substâncias vem aumentando, e,
atualmente, praticantes de outras modalidades esportivas também estão
consumindo essas substâncias, mesmo sendo estas consideradas substâncias de
uso proibido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e por Federações Desportivas
Nacionais e Internacionais (SILVA; MOREAU, 2003). Além disso, estudos apontam
que frequentadores de academias de ginástica e estudantes de ensino médio
também estão fazendo uso de EAA hoje.
Na busca pelo corpo perfeito, destaca-se, também, a grande procura no
mundo e no Brasil por cirurgias plásticas. De acordo com a Sociedade Internacional
de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS, 2010), em 2009, o Brasil foi o 3º país que mais
realizou cirurgias plásticas no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da
China. Em nosso país, as cirurgias mais realizadas são respectivamente: a
lipoaspiração; aumento de mama; cirurgias nas pálpebras; no nariz e na barriga. O
número total de procedimentos cirúrgicos foi estimado em 8,5 milhões e o de
procedimentos não cirúrgicos, como injeções de Botox (substância utilizada para o
tratamento de rugas e marcas de expressões faciais), foi estimado em 8,7 milhões.
Se compararmos com o ano de 2000, quando, no Brasil, aproximadamente, 350 mil
pessoas realizaram esse tipo de procedimento cirúrgico, verificamos significativos
aumentos.
A pressão social pelo corpo perfeito e pela saúde também pode fazer com
que as pessoas desenvolvam transtornos alimentares, como a bulimia nervosa. Essa
doença consiste na compulsão periódica de alimentos, seguida de estratégias para
eliminar os alimentos ingeridos. Isso, por sua vez, pode ocorrer por métodos
purgativos (auto-indução de vômitos ou uso indiscriminado de laxantes, diuréticos ou
enemas) e por métodos não purgativos (jejuns e exercícios físicos excessivos)
(ROMARO; ITOKAZU, 2002). Geralmente, este distúrbio é cometido por jovens com
idade média de início aos 20 anos. Quando o transtorno está instalado, qualquer
65
situação geradora de sentimentos negativos, como tristeza e decepção, podem
desencadear o ciclo de compulsão-purgação, os quais, na maioria das vezes,
ocorrem às escondidas (ALVES; BARRETO, 2011).
Outro tipo de transtorno alimentar é a anorexia nervosa, transtorno que
implica sérias perturbações no comportamento alimentar. Sua incidência é mais
relacionada a mulheres e as portadoras deste transtorno apresentam como principal
característica o medo mórbido de engordar (GIORDANI, 2006). Apenas 10% dos
casos acontecem com homens (HULSMEYER; MARCON; SANTANA, et al. 2011).
Devido ao medo excessivo que as pessoas com anorexia nervosa tem de engordar,
elas passam por quadros de restrição severa de alimentos, principalmente fontes de
carboidrato e gordura. De acordo com Hulsmeyer, Marcon, Santana e colaboradores
(2011, p. 01) esta privação pode levar a desnutrição crônica e disfunção
hipotalâmica, alterando o funcionamento de vários sistemas:
[...] o gastrintestinal, com obstipação, pancreatite, alteração das enzimas hepáticas; cardiovascular com insuficiência cardíaca, parada cardíaca, miocardiopatias; hematológico com anemia, leucopenia, trombocitopenia; metabólico com hipocalcemia, hiponatremia, hipoglicemia, desidratação; e endocrinológico. E outras complicações clínicas como hipotermia, convulsões, insuficiência renal crônica, diabete melito tipo1, e osteoporose.
Além disso, em razão das complicações físicas da doença como inanição,
morte súbita de causa cardíaca e suicídio, os índices de mortalidade podem chegar
a 20%.
Com isto, entendemos que os problemas de saúde frutos da busca pelo corpo
perfeito representam, sobretudo, que algumas pessoas, não de forma voluntária,
introjetam de tal forma o conceito de corpo belo e saudável formulado pela
sociedade capitalista (porque este lhe é útil), que a introjeção deste conceito passa a
ser causador de transtornos de saúde. Podemos considerar, então, que o
capitalismo acaba gerando em certas pessoas uma introjeção patológica do ideal
capitalista de corpo.
2.4. Capitalismo e meio ambiente: impactos sobre a saúde
Inicialmente, podemos afirmar que a relação entre homem e natureza, nada
mais é do que o processo de trabalho, através do qual o homem, pelas suas ações,
66
se relaciona com a natureza a fim de retirar desta os meios dos quais necessita.
Portanto, a vida humana é dependente da relação entre homem e natureza.
No entanto, apesar de essencial à vida humana, atualmente a relação entre o
ser humano e o ambiente vem sendo desastrosa, resultando em prejuízos para o
meio ambiente e, consequentemente, para o homem.
Atualmente, dentre os problemas ambientais, encontram-se os problemas
ambientais locais, tais como a degradação da água, do ar e do solo, do ambiente
doméstico e de trabalho, que têm impactado significativamente a saúde humana
(PIGNATTI, 2003).
No que se refere à poluição do ar, podemos considerar a existência de dois
tipos de poluentes: as fontes naturais de poluição, dada pela queima natural de
biomassa (materiais derivadas de plantas ou animais) e as erupções vulcânicas (as
mais antigas fontes de contaminação do ar) (CANÇADO; BRAGA; PEREIRA et al,
2006).
A partir da Revolução Industrial surgiram novas formas de poluição do ar
devido à queima de combustíveis fósseis nos motores, indústrias siderúrgicas,
veículos automotivos e produtos químicos (CANÇADO; BRAGA; PEREIRA, et al
2006). Ainda de acordo com os autores, não foi realizado acompanhamento deste
processo para se verificar os efeitos sobre o meio ambiente, a toxidade dos
produtos produzidos e os efeitos destes sobre a saúde humana, demonstrando o
desinteresse social nestes efeitos.
Em síntese, a poluição do ar atua na saúde humana da seguinte forma:
A poluição do ar causa uma resposta inflamatória no aparelho respiratório induzida pela ação de substâncias oxidantes, as quais acarretam aumento da produção, da acidez, da viscosidade e da consistência do muco produzido pelas vias aéreas, levando, conseqüentemente, à diminuição da resposta e/ou eficácia do sistema mucociliar19 (CANÇADO; BRAGA; PEREIRA, 2006, p. 07).
Os autores ainda consideram que os efeitos agudos da poluição do ar sobre
as doenças respiratórias estão associados a diversos poluentes e afetam,
principalmente, as crianças e os idosos. A seguir, estão apresentados na Imagem 1
19
O sistema mucociliar presente nas vias aéreas do sistema respiratório é o principal mecanismo de defesa do trato respiratório (GUYTON, 1986).
67
os principais efeitos respiratórios adversos associados aos poluentes do ar
originários da queima de combustíveis fósseis.
Quadro 3: Principais efeitos respiratórios adversos associados aos poluentes do ar originados da queima de combustíveis fosseis.
A. Aumento da mortalidade; B. Aumento da incidência de câncer de pulmão; C. Aumento da freqüência dos sintomas e das crises de asma; D. Aumento da incidência de infecções respiratórias baixas; E. Aumento das exacerbações em indivíduos já portadores de doenças cardiorrespiratórias ou outras 1. Redução da habilidade de exercer as tarefas diárias (geralmente por piora da dispnéia
20 ou da angina pectoris
21);
2. Aumento das hospitalizações, tanto na freqüência como na duração; 3. Aumento das visitas médicas e à emergência; 4. Aumento do uso de medicamentos; F. Redução do VEF1
22 ou CVF associada a sintomas clínicos e ao aumento da
mortalidade; G. Aumento da prevalência de chiado; H. Aumento da prevalência ou incidência de aperto no peito; I. Aumento da prevalência ou incidência de tosse e hipersecreção pulmonar
23;
J. Aumento da incidência de infecções de vias aéreas superiores piorando a qualidade de vida; K. Irritação nos olhos, garganta e narinas podendo interferir na vida normal.
Fonte: Adaptado de Cançado; Braga; Pereira e colaboradores (2006, p. 09).
A poluição do ar também está associada a efeitos no sistema cardiovascular,
podendo estes efeitos ser classificados como agudos (aumento de internações e
mortes por arritmia cardíaca24, doença isquêmica do miocárdio25 e cerebral) ou
efeitos crônicos, quando se tem a exposição em longo prazo (aumento de mortes
20
Dispnéia é o termo usado para designar a sensação de dificuldade respiratória, experimentada por sujeitos acometidos por diversas moléstias, e indivíduos sadios, em condições de exercício extremo (MARTINEZ; PADUA; TERRA FILHO, 2004). 21
Angina pectoris é uma dor no peito ocasionada pelo baixo abastecimento de oxigénio (isquemia) ao músculo cardíaco. Geralmente é resultado de obstrução ou espasmos das artérias coronárias (GUYTON, 1986). 22
VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF: capacidade vital forçada. 23
A hipersecreção pulmonar está associada à diminuição da função pulmonar (LIEBANO; HASSEN; RACY, et al 2009). 24
Arritmia cardíaca é o nome dado a diversas perturbações que alteram a frequência ou o ritmo dos batimentos cardíacos. Apesar de a maioria delas serem inofensivas, as arritmias ou disritmias podem levar à morte (GUYTON, 1986). 25
Doença isquêmica do miocárdio é sinônimo de infarto do miocárdio e se dá quando o suprimento de sangue a uma parte do músculo cardíaco é reduzido ou cortado totalmente. Isso acontece quando uma artéria coronária está contraída ou obstruída, parcial ou totalmente.Com a supressão total ou parcial da oferta de sangue ao músculo cardíaco, ele sofre uma injúria irreversível e, parando de funcionar, o que pode levar à morte súbita, morte tardia ou insuficiência cardíaca com consequências desde severas limitações da atividade física até a completa recuperação.
68
por doenças cerebrovasculares e cardíacas) (CANÇADO; BRAGA; PEREIRA, et al.
2006).
A radioatividade também pode afetar significativamente a saúde humana.
Estudo26 realizado no Japão indicou que as bombas atômicas lançadas pelos
Estados Unidos contra as cidades de Hiroshima e Nagasaki em 1945 alteraram os
cromossomos de alguns sobreviventes provocando câncer, principalmente na
tireóide.
Além disso, vale destacar a questão da água. Apesar de ser um recurso
natural esgotável, existe grande desperdício e poluição deste bem natural,
demonstrando a despreocupação dos capitalistas com a preservação dos recursos
naturais e com as gerações futuras. Utilizando-se de dados atuais, Gomes (2011, p.
02), alerta sobre a necessidade de evitar o desperdício de água:
- Um sexto da população mundial, mais de um bilhão de pessoas, não têm acesso à água potável; - 40% dos habitantes do planeta (2.600 milhões) não têm acesso a serviços de saneamento básico; - Cerca de 8 mil crianças morrem diariamente devido a doenças ligadas à água insalubre e ao saneamento e higiene deficientes; - Segundo a ONU, até 2025, se os atuais padrões de consumo se mantiverem, duas em cada três pessoas no mundo vão sofrer escassez moderada ou grave de água.
É importante considerar que os grandes consumidores de água são, na
verdade, os capitalistas, considerando que, na maioria das vezes, o consumo de
água é pago, o que restringe e muito o consumo de água potável pelas pessoas,
sem contar que ainda existem inúmeras pessoas no mundo sem acesso a este bem
natural. Também existem casos em que existe acesso, porém, de águas insalubres,
pela falta de saneamento básico27.
26
Maiores informações: Estudo revela efeito cancerígeno de bombas atômicas. 2008. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI3143479-EI238,00.html. Acesso em: 20 de jun. de 2012. 27
Estudos de diferentes organizações indicaram que, em 2009, 800 milhões de pessoas no mundo não tinham acesso à água potável e 2,5 bilhões não tinham saneamento básico. Sobre a realidade atual (2012) ao acesso de água, é relevante apresentar as afirmações de Gérard Payen, consultor do secretário geral da ONU e presidente da Aquafed, federação internacional dos operadores privados de água: “Entre 3 bilhões e 4 bilhões de pessoas não têm acesso à água de maneira perene e elas utilizam todos os dias uma água de qualidade duvidosa. É mais da metade da população mundial". Payen ainda complementa que pelo menos 1 bilhão de pessoas que têm acesso à água encanada só dispõem do serviço por algumas horas por dia e que a água não é potável devido ao mau estado das redes de distribuição. Segundo Payen, 11% da população mundial ainda compartilha água com animais em leitos de rios (FERNANDES, 2012).
69
Apesar destes dados alarmantes, rios e lagos vem sendo comprometidos
pela queda da qualidade da água para captação e tratamento. No caso do Brasil,
Gomes (2011) salienta que na região amazônica e no Pantanal, por exemplo, rios
como o Madeira, o Cuiabá e o Paraguai apresentam contaminação28 há tempos
pelo mercúrio, metal utilizado no garimpo clandestino, e pelo uso de agrotóxicos na
agricultura. Ainda destacam que nas grandes cidades esse comprometimento da
qualidade é causado por despejos de esgotos domésticos e industriais, além do uso
dos rios como convenientes transportadores de lixo.
Atualmente, há grande discussão sobre a influência do homem no aumento
da abertura na camada de ozônio. Na verdade, esta preocupação veio a tona, não
pela preocupação do capital para com a preservação do meio ambiente, mas sim,
porque veio acompanhada de grandes lucros por empresas transnacionais de
química (PIMENTEL, 2007).
Complementando a breve discussão sobre o tema, vale ressaltarmos
também outros itens apontados por Ottoni e Ottoni (1999). Os autores, ao tratar dos
tipos de atuações impactantes do homem que afetam os recursos hídricos naturais,
afirmam que as práticas agrícolas perniciosas têm sido uma das principais
responsáveis pela transformação de áreas férteis em desertos em todo o mundo.
Além disso, a agricultura quando executada sem um controle adequado, costuma
gerar efeitos indiretos de poluição dos rios e lagos devido a utilização desordenada
de pesticidas (no solo e aspergidos no ar) e fertilizantes. Ainda segundo os autores,
a poluição atmosférica tem sido a responsável pela liberação de grandes
quantidades de óxidos de nitrogênio, carbono e enxofre para a atmosfera
provenientes de atividades industriais e veículos motorizados, causando a chuva
ácida, que pode danificar o solo e a vegetação terrestre, bem como produzir
acidificação em algumas áreas, ocasionando, em certas concentrações, a
mortandade de peixes. Também existe a teoria de que o excesso de CO2 liberado
para a atmosfera pelas atividades humanas (queima de combustíveis fósseis,
queimadas, etc.) pode produzir um aumento geral da temperatura do planeta pela
absorção dos raios infravermelhos do sol (efeito estufa); isto poderia levar a uma
elevação do nível médio dos mares (NMM) em alguns centímetros, pelo
28
A contaminação é uma forma de poluição que pode ser entendida como: “[...] a presença, num ambiente, de seres patogênicos, que provocam doenças, ou substâncias, em concentração nociva ao ser humano” (NASS, 2010, p. 01).
70
derretimento das calotas polares, o que seria suficiente para inundar as grandes
cidades do mundo, normalmente localizadas nas regiões costeiras29.
Outro impacto ambiental apresentado por Ottoni e Ottoni (1999) é o
decorrente do lançamento de resíduos domésticos e industriais nos mananciais de
águas naturais. De acordo com os autores, apesar de os resíduos orgânicos serem
biodegradáveis, estes dejetos podem causar uma diminuição de oxigênio dissolvido
(OD) nos lagos e rios, bem como gerar a proliferação de germes patogênicos que
podem transmitir certas doenças de veiculação hídrica como a cólera30, a febre
tifóide31, a desinteria bacilar32, dentre outras.
Os resíduos industriais podem incluir os metais pesados e quantidades
consideráveis de produtos químicos sintéticos, como os pesticidas; estes materiais
são caracterizados pela sua toxicidade e persistência, isto é, eles não são
prontamente degradados nas condições naturais ou nas estações de tratamento
convencionais.
Paralelamente a esta situação a agroindústria vem passando por um longo e
crescente desenvolvimento no cenário comercial internacional, impulsionado pelo
crédito abundante e baixas taxas de juros fornecidos pelo setor público,
principalmente, a partir dos anos 70 (FIESP, 2004). Embora a agroindústria
brasileira tenha registrado queda em 2011, dados do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, indicaram que as exportações do agronegócio neste
29
Apesar de esta teoria ter sido bastante difundida nas últimas décadas, atualmente há indícios que a emissão de CO
2 pode não aumentar temperatura global. Esta teoria é defendida pelo professor Luiz
Carlos Molion, da Universidade Federal de Alagoas e apresentada em uma entrevista cedida por este professor à BAND. Disponível em: << http://mais.uol.com.br/view/99at89ajv6h1/emissao-de-co2-pode-nao-aumentar-temperatura-global-04024E9B366CC4C12326?types=A>>. Acesso em: 18 de set. de 2012. 30
A cólera é uma infecção intestinal aguda causada pelo Vibriocholerae, bactéria que causa diarréia. O Vibriocholerae é transmitido principalmente por meio da ingestão de água ou de alimentos contaminados. Na maioria das vezes, a infecção é assintomática ou produz diarréia de pequena intensidade. Em algumas pessoas pode ocorrer diarréia aquosa profusa de instalação súbita, potencialmente fatal, com evolução rápida (horas) para desidratação grave e diminuição acentuada da pressão sanguínea (Disponível em: http://www.cives.ufrj.br/informacao/colera/col-iv.html. Acesso em: 04 de janeiro de 2012). 31
A febre tifóide é uma doença infecciosa grave, causada por uma bactéria, a Salmonellatyphi. É caracterizada por febre prolongada, alterações intestinais, aumento de vísceras como o fígado e o baço. Se não tratada, pode causar confusão mental progressiva, podendo levar ao óbito. A transmissão ocorre principalmente através da ingestão de água e de alimentos contaminados (Disponível em: http://www.cives.ufrj.br/informacao/ftifoide/ft-iv.html. Acesso em: 04 de janeiro de 2012). 32
Desinteria bacilar é a denominação dada infecção causada por uma bactéria do gênero Shiguella e suas espéciespor meio da ingestão de água e alimentos contaminados, podendo também ser transmitida por contato pessoal. Os sintomas são bem variáveis, podendo ser assintomático ou apresentar formas muito graves.
71
mesmo ano atingiram o recorde de 94,6 bilhões de dólares, aumento de 24,0% em
relação ao ano de 2010, quando atingiram 76,4 bilhões (IBGE, 2012).
Retomando a afirmativa de que a relação entre o homem e a natureza é
essencial à vida e, ao mesmo tempo, visualizarmos como esta relação encontra-se
nesta sociedade, tão destrutiva e violenta, entendemos que a relação entre homem
e natureza na sociedade capitalista demonstra mais uma grande contradição social.
Contradição esta que nos permite deparar com mais uma característica
marcante da sociedade capitalista: o imediatismo e a despreocupação com as
futuras gerações. O importante é a obtenção de lucro imediato, mesmo que este
custe o bem estar, e até mesmo a vida de muitas pessoas. E este é mais um
exemplo de que o sistema capitalista é, em sua essência, prejudicial à vida
humana, ao mesmo tempo em que a utiliza como combustível, pois o capitalismo
destrói um bem fundamental à vida humana na medida em que se desenvolve.
Para contribuir com esta discussão, resgataremos as considerações de Foster
(2005). Remetendo-se a Marx, este autor demonstra com clareza, quão
desequilibrada e insustentável é a relação entre homem e natureza em nossa
sociedade. Neste sentido, o autor considera que, para Marx, a destruição ecológica
representa uma grande falha da sociedade capitalista, uma vez que a natureza é a
base necessária à vida.
Desta forma, na busca de superar seus próprios limites e expandir-se cada
vez mais, o capital atinge também a natureza (e, com ela, também o ser humano).
Para Mészáros (2002 apud PIMENTEL, 2007), a destruição da natureza é
uma das formas de expressão da ativação dos limites absolutos do capital.
Segundo o autor, a ativação destes limites ameaça o capital por inteiro, colocando
em risco a sobrevivência da humanidade como um todo. Dessa forma, a destruição
da natureza não tem importância frente à necessidade de expansão e dominação
do capital.
Para Mészáros, as medidas corretivas tomadas contra as empresas
“infratoras” não geram efeitos significativos. Isto porque não é uma questão isolada,
de uma empresa transgressora. Trata-se de uma lógica voltada a geração de lucro,
completamente despreocupada com as consequências imediatas e futuras
provocadas no meio ambiente.
72
Aumentar constantemente a escala de produção, não se importando com as
consequências destrutivas podem trazer graves efeitos futuros. Assim, podemos
entender que:
[...] quanto mais bem-sucedidas forem as empresas particulares (como assim deve ser, para sobreviver e prosperar) em seus próprios termos de referência – ditados pela “racionalidade” e lógica interna de todo o sistema, que lhe impõem demandas fetichistas de ‘eficiência econômica’ -, tanto piores serão as perspectivas de sobrevivência da humanidade nas condições hoje prevalecentes (MÉSZÁROS, 2002 apud PIMENTEL, 2007, p. 103).
O autor ainda considera que este impulso expansionista do capital é
incorrigível, uma vez que corrigi-lo significa ir contra a sua natureza, o que é uma
impossibilidade. O capital só vai se preocupar com a natureza quando isto lhe for
vantajoso. Assim, se as medidas forem vantajosas, certamente, serão realizadas e
tornar-se-ão legítimas.
O desperdício sem limites é outra característica desta sociedade, que resulta
em grande poluição ambiental. Exemplo disso é a fumaça dos carros que é
prejudicial a natureza, além de atrasar o transporte geral. Situação que pode ser
minimamente explicada pelo enorme incentivo à compra de carros e por não existem
sistemas de transporte coletivo de qualidade. Como resultado, as pessoas, em geral,
preferem não utilizar o transporte coletivo, uma vez que este se tornou sinônimo de
pobreza. Portanto, para grande parte da população é vergonhoso utilizar o
transporte público (PIMENTEL, 2007).
Para amenizar esta “falha”, diversas medidas vem sendo tomadas,
principalmente, por empresas privadas, que, por meio da criação de programas que
utilizam em seus projetos termos como “sustentabilidade33” e “responsabilidade
ambiental”, ganham grande visibilidade social. Como exemplo, destacamos a criação
do Programa Petrobras Ambiental34 que busca, sobretudo, reduzir o impacto desta
Companhia no meio ambiente.
Entretanto, por mais que o homem busque amenizar os efeitos que vem
provocando no meio ambiente, pouco significa diante do muito já causado. Situação
33
A garantia da sustentabilidade ambiental é uma das Metas de Desenvolvimento do Milênio a ser alcançada até 2015. Para maiores informações, acessar: << http://www.institutoatkwhh.org.br/compendio/?q=node/19>>. Acesso em: 24 de jun. de 2012. 34
Maiores informações disponíveis no site: http://www.petrobras.com.br/pt/meio-ambiente-e-sociedade/preservando-meio-ambiente/.
73
esta, já adiantada por Marx e Engels (1978, apud FOSTER, 2005, p. 323) quando
afirmam que o homem sempre se mostrou tão ativo na destruição das florestas que
tudo que foi e for feito pela sua conservação e produção é completamente
insignificante na comparação com aquilo que foi destruído. Os pensadores ainda
ressaltam que, no capitalismo, as condições de sustentabilidade impostas pela
natureza haviam sido violentadas, e que o capitalismo só preocupa-se com a terra
depois que esta foi exaurida pela sua influência e depois que as suas qualidades
naturais foram devastadas. Situação esta que também pode ser estendidas à
relação humana com os demais recursos naturais (FOSTER, 2005).
Assim, as soluções governamentais tentam apenas amenizar a situação com
algumas medidas locais, para manter um ambiente, minimamente, harmonizado.
Mas, não toca-se nas causas. Isto porque ir até as causas significa chegar aos
interesses da classe dominante (PIMENTEL, 2007).
Conclui-se assim, em consonância com o pensamento de Marx (1983), Foster
(2005), Pimentel (2007) e Mészáros (2002), que o sistema capitalista vai no sentido
inverso de uma utilização racional da natureza, e uma utilização racional da natureza
é incompatível com o sistema capitalista.
Daí ser necessário, na sociedade de produtores associados a abolição do
trabalho assalariado, para que o homem possa se relacionar com a natureza de
modo racional, característica que excede completamente as capacitações da
sociedade burguesa (FOSTER, 2005).
Tendo em vista tais aspectos, concordamos com Foster (2005) no sentido de
que é necessária a luta por um mundo de liberdade humana e de utilização racional
dos recursos naturais, considerando que a preservação da natureza é condição para
reprodução das gerações humanas. Complementando com as palavras de Marx (p.
154, 1971 apud FOSTER, 2005, p. 231):
Do ponto de vista de uma formação socioeconômica superior, a propriedade privada da terra por determinados indivíduos vai parecer tão absurda como a propriedade privada de um homem por outros homens. Nem mesmo uma sociedade inteira, ou uma nação, ou um conjunto simultâneo de todas as sociedades existentes é dono da terra. Eles são simplesmente os seus posseiros, os seus beneficiários, e precisam legá-la em melhor estado às gerações que as sucedem como boni patres famílias (bons pais de família).
74
Sendo assim, de acordo com Marx, para que a utilização dos recursos
naturais seja realizada de forma racional, faz-se necessário a transformação social
no sentido de dar fim a propriedade privada dos meios de produção e ao próprio
capitalismo. Portanto, em linhas gerais, a lógica societal tem de ser transformada
para que a relação entre homem e natureza também seja transformada.
Concordamos com Mészáros, nessa perspectiva, no sentido de que faz-se
necessário romper qualitativamente com esta forma de organização social, uma vez
que somente o trabalho associado35 permitirá a realização de um planejamento
verdadeiro e racional da utilização de exploração da natureza. Enquanto isto não
acontece, o futuro vai sendo comprometido aumentando a possibilidade de este ser
marcado pela escassez.
Em síntese, neste capítulo vimos que a compreensão das relações sociais de
determinado momento histórico passa, necessariamente, pela compreensão da
forma como os homens produzem e reproduzem a sua existência, ou seja, pela
forma trabalho. No capitalismo, onde o trabalho tem a forma assalariada, a classe
trabalhadora não tem senão na venda de sua força de trabalho a possibilidade de
garantia de sua sobrevivência, o que acaba por provocar a limitação do
desenvolvimento das potencialidades humanas.
Portanto, o trabalho na forma social capitalista passa a não contribuir para o
desenvolvimento pleno do homem, mas sim para o desenvolvimento do capitalismo.
E, como resultado deste tipo de relações sociais estabelecidas, tem-se a
intensificação do adoecimento humano.
E, além dos problemas de saúde brevemente abordados neste capítulo,
também é importante tratar das doenças crônico-degenerativas, em especial a
obesidade, que vem apresentando dados alarmantes na atualidade, e, por isso, vem
servindo de importante justificativa na reflexão sobre a Educação Física voltada à
saúde na escola. Tendo em vista tais aspectos, no próximo capítulo, trataremos
especificamente desta temática a fim de buscar compreender seus principais
determinantes neste momento histórico.
35
Trataremos do trabalho associado no sexto capítulo, intitulado: “Possibilidades revolucionárias no
campo da educação: as atividades emancipadoras”.
75
3. AS CAUSAS DA OBESIDADE: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA36
Como salientado anteriormente, as perspectivas de Educação Física
voltadas à promoção da saúde, em especial no espaço escolar, partem,
principalmente, da necessidade de se intervir no quadro de crescente aumento dos
casos de doenças crônico degenerativas, em especial, o sobrepeso e a obesidade.
Por isso, sentimos a necessidade de discutirmos melhor esta questão neste
capítulo.
Iniciando o tratamento com a temática, apontamos que segundo dados da
literatura científica, no lugar das doenças transmissíveis, nas últimas décadas, um
dos principais males que acomete a sociedade atual são as chamadas doenças
crônico-degenerativas. Estas doenças são caracterizadas por se desenvolverem
por um longo período, dentre as quais, podemos destacar: diabetes mellitus do tipo
II, hipertensão arterial, cardiopatias e, principalmente, a obesidade.
A obesidade está presente em nossa sociedade desde a pré-história,
simbolizando, por vezes, beleza e fertilidade. No Período Neolítico as “deusas” eram
cultuadas e admiradas por seios, quadris e coxas volumosas. Hipócrates, na
medicina greco-romana, já alertava, no entanto, sobre os malefícios da obesidade
para a saúde humana ao afirmar que a morte súbita era mais comum em indivíduos
com excesso de gordura corporal. Ao longo do tempo, por conta do surgimento de
novas necessidades humanas, os padrões de beleza foram se modificando. No
Império Romano, o corpo belo era o corpo magro e esbelto, o que obrigava as
damas a fazerem prolongados jejuns. Essa mudança no padrão de beleza, também
é possível ser verificada por meio da História da Arte, uma vez que, as obras do
século XIII a XX retratam poucas figuras mitológicas ou pessoas obesas (CUNHA,
NETO, 2006).
Atualmente, temos, o magro como belo, principalmente para o público
feminino, e o corpo musculoso, para os homens. Existe grande interesse econômico
na veiculação do corpo magro e musculoso como o ideal, pois isto faz com que as
pessoas consumam inúmeras mercadorias relacionadas à beleza. Também vale
destacar a importação dos padrões estadunidenses de beleza. O Brasil é um país
36
Parte deste capítulo foi publicada em formato de artigo na Revista Conexões da Universidade Estadual de Campinas (http://polaris.bc.unicamp.br/seer/fef/viewarticle.php?id=779).
76
marcado pela miscigenação de etnias, no entanto, o ideal de beleza remonta ao
modelo estadunidense: mulheres brancas, magras, loiras e de olhos azuis. Isso não
é sem motivo, tendo em vista que o gosto é constituído socialmente e existe uma
ideologia envolvida. Desta forma, nossos gostos são construídos socialmente e
dependem, prioritariamente, dos interesses da classe dominante37. Não temos um
gosto livre. Sendo assim, o ditado “gosto não se discute” é falso. Gosto discute-se
sim e é determinado.
Muitos são os casos de obesidade na sociedade atual. Nas últimas décadas,
a prevalência de obesidade vem aumentando exponencialmente, atingindo homens
e mulheres de todas as faixas etárias, já sendo caracterizada como uma epidemia
mundial (AFONSO; CUNHA; OLIVEIRA, 2008; ENES, SLATER, 2010; FERREIRA,
AYDOS, 2010).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade pode
ser conceituada como o acúmulo anormal ou excessivo de gordura no organismo
que pode levar a um comprometimento da saúde (AFONSO; CUNHA; OLIVEIRA,
2008). Isso porque essa condição corporal pode promover o desenvolvimento de
diversas doenças no ser humano, dentre elas, podemos destacar: diabetes mellitus
do tipo II e disfunções cardiovasculares, que são, atualmente, as principais causas
de morte no Brasil. Além disso, o sujeito obeso tem alta probabilidade de
desenvolver vários distúrbios de ordem psicossocial, tais como: depressão,
transtornos de ansiedade e alteração de imagem corporal. Todas essas
consequências, atribuídas e associadas ao excesso de gordura corporal, fazem com
que a obesidade, na sociedade contemporânea, seja considerada um grave
problema de saúde pública (BARBIERI, 2010; AFONSO, CUNHA, OLIVEIRA, 2008;
ENES, SLATER, 2010; FERREIRA, AYDOS, 2010; DALCASTAGNÉ; RANUCCI;
NASCIMENTO et al, 2008).
Inúmeras são as pesquisas científicas direcionadas ao estudo das causas do
desenvolvimento da obesidade. Em contrapartida, a prevalência desta doença vem
aumentando exponencialmente, atingindo pessoas de todas as faixas etárias. Tal
realidade pode indicar uma possível imprecisão no que diz respeito à identificação
das reais causas dessa doença.
37
Essa afirmação nada tem a ver com determinação absoluta da ideologia e dos hábitos culturais impostos ou aceitos pela classe dominante. Isso porque, se fossem absolutas não poderiam ser sequer objeto de crítica.
77
Feita essa breve introdução a respeito da obesidade e, tendo em vista a
matriz teórica deste trabalho, podemos entender que buscar a compreensão da
obesidade a partir do pressuposto materialista-histórico significa buscar analisar os
determinantes sociais da obesidade em articulação com as relações sociais
estabelecidas entre os homens, suas condições sócio-históricas, materiais e
objetivas no nosso modo de organização social atual, capitalista.
Com a perspectiva de compreensão desse movimento, buscamos,
primeiramente, identificar a realidade, o que significa que buscamos entender a
obesidade em nossa sociedade atual, como vem sendo tratada e compreendida, no
que diz respeito às suas causas.
Num segundo momento, analisamos os principais determinantes da
obesidade apontados pelos artigos científicos à luz de dados científicos, com vistas
a apresentar uma forma de entendimento compatível com a realidade social
concreta de nosso país.
É importante destacar, sobretudo, que pretendemos apenas iniciar uma
discussão sobre o assunto. Discussão essa, que acreditamos ser proveitosa para a
construção de novos conhecimentos e reflexões sobre a obesidade e demais temas
relacionados à saúde na sociedade capitalista.
3.1. As causas da obesidade: uma revisão de literatura
Na busca para identificar o que a literatura científica vem apontando acerca
das causas da obesidade, fizemos um levantamento de artigos científicos referentes
ao tema, indexados pelo Google Acadêmico e Scielo, publicados no período de 2005
a 2010, tendo em vista que estes indexadores são bastante utilizados para a
pesquisa de artigos científicos referentes à obesidade.
Para a pesquisa dos artigos científicos foram utilizadas as seguintes palavras-
chave: etiologia, obesidade, causas, causas sociais, saúde pública, saúde coletiva;
sendo essas palavras utilizadas tanto isoladas como combinadas. Foram analisados
artigos resultantes de revisão de literatura e de pesquisas originais.
Os principais fatores causadores da obesidade apontados pela revisão de
artigos científicos estão reunidos no quadro a seguir:
78
QUADRO 2: Os fatores causadores de obesidade apontados pela revisão de literatura e a frequência com que foram citados.
Fatores causadores de obesidade
75 artigos
Sedentarismo e Alimentação Inadequada
82,66 %
Fatores Genéticos
30,6 %
Nível Sócio-Econômico
30,6 %
Fatores Psicológicos
21,3 %
Fatores Demográficos
16%
Nível de Escolaridade
5%
Desmame precoce
5%
Ter pais obesos
3%
Estresse
2%
Fumo/Álcool
1%
Fonte: Autoria própria.
De uma forma geral, os autores que tratam da etiologia da obesidade
destacam seu caráter multifatorial, apontando a obesidade como resultante de vários
fatores, atuantes, na maioria dos casos, de forma combinada.
Gonçalves e colaboradores (1997, p. 44) destacam que esse conceito,
multifatorial, aparentemente neutro e já cristalizado na literatura científica, formulado
por técnicos de nações de economia central e apontado pela maioria dos artigos que
tratam da obesidade, “foi acumulando uma certa cortina de fumaça sobre os
determinantes sociais da doença”, apresentando-a como um problema “natural” na
sociedade.
Com vistas a ultrapassarmos essa “cortina de fumaça”, a seguir, os fatores
causadores da obesidade, apontados pela revisão de literatura, serão abordados
particularmente com o intuito de identificarmos os possíveis determinantes destes.
79
3.1.1. Sobre o sedentarismo e alimentação inadequada como fatores
causadores da obesidade
Fisiologicamente, a obesidade é uma condição corporal caracterizada pelo
excesso de tecido adiposo no organismo. Já é de consenso na literatura que a
obesidade é uma doença resultante de um desequilíbrio nutricional provocado por
um balanço energético positivo que se dá, por sua vez, na medida em que o sujeito
ingere mais energia do que é capaz de gastar. Assim, tem-se um acúmulo de
energia que, por ação do hormônio insulina, é convertida a gordura (BARBIERI,
2010; LIBERATORE JUNIOR; SANTOS, 2006).
Tendo em vista esta dinâmica fisiológica, a literatura científica aponta que o
desenvolvimento de obesidade está fortemente associado ao “estilo de vida”, mais
especificamente, no que se refere à prática de atividade física e alimentação. Nesse
sentido, sabe-se que quanto mais ativo é o “estilo de vida” de uma pessoa, menor é
a probabilidade desta se tornar um sujeito obeso. E quanto mais rica é a
alimentação de um sujeito em açúcares, lipídeos e alimentos industrializados,
também são maiores as chances deste sujeito tornar-se obeso (CAMPOS; LEITE;
ALMEIDA, 2006; COSTA; BANDEIRA; TRENTINI, 2009; DALCASTAGNÉ;
RANUCCI; NASCIMENTO, 2008; ENES; SLATER, 2010; FAGUNDES; RIBEIRO;
NASPITZ, 2008;FERRARI; BARBOSA, 2008; FERREIRA, TINOCO, PANATO et al,
2006; KUNKEL, OLIVEIRA, PERES, 2009; CAMILO, RIBEIRO, TORO et al, 2010;
NOBRE, DOMINGUES, SILVA et al, 2006; MENDONÇA; SILVA; RIVERA, 2010;
RIBAS; SILVA, 2008; BAPTISTA; VARGAS; BAPTISTA, 2008; CATTAI; ROCHA;
HINTZE, 2008; CHAVES; MARQUES; DALPRA et al. 2008; DIAS; NAVARRO;
CINTRA et al, 2008; FILARDO; PETROSKI, 2007; KEHER; SOUZA; VÁGULA et al,
2007; LIMA; SAMPAIO, 2007; LOTTEMBERG, 2006).
Vale fazermos aqui alguns comentários a respeito do termo “estilo de vida”,
tão utilizado por autores que tratam da obesidade. Dentre os significados da palavra
“estilo”, encontrada nos dicionários de língua portuguesa, destaca-se: “maneira de
dizer, escrever, pintar e esculpir” (DPLP, 2011). Isso indica que o termo “estilo de
vida” se refere à maneira de viver das pessoas, remetendo-nos a uma questão de
comportamento individual, de escolhas do sujeito. A questão é tratada como se as
pessoas pudessem escolher livremente sua maneira de viver: os alimentos
componentes de sua dieta, os horários e locais para a prática de exercício físico, sua
80
moradia etc. Certamente essas escolhas são possíveis às pessoas, desde que, no
entanto, estas estejam providas de recursos financeiros. Nesse sentido, entendemos
que a classe trabalhadora não pode ter um “estilo de vida” em consonância com os
seus desejos, uma vez que as condições materiais impostas por essa sociedade
impossibilita isso. Portanto, de pouco vale o sujeito ter “boa vontade” se este vive em
uma sociedade que se alimenta do “sangue” de seus trabalhadores.
De acordo com Cavalcanti, Dias e Costa (2005), o aumento da obesidade
está tradicionalmente (e equivocadamente) associado com a fartura de alimentos, a
mudanças na composição dietética da população ocidental e ao acesso barateado
às farinhas e gorduras. Os autores ainda acrescentam que a esses fatores deve ser
somado a falta de orientação alimentar adequada e o tamanho das famílias, que
teriam aumentado a quantidade de alimentos disponíveis para as pessoas.
No que se refere à obesidade infantil, autores diversos destacam que ela está
fortemente associada ao desmame precoce e a introdução inadequada de alimentos
(DALCASTAGNÉ; RANUCCI; NASCIMENTO, 2008; LOPES; PRADO; COLOMBO,
2010). Sobre esse aspecto, é necessário considerar que a excessiva jornada de
trabalho das mães e o tempo gasto no transporte até o local de trabalho podem
contribuir para o desmame precoce das crianças e, consequente, introdução
inadequada de alimentos na dieta. Outro aspecto relacionado por autores da
literatura científica é a falta de percepção parental a respeito do estado de
obesidade da criança (LIBERATORE JUNIOR; SANTOS, 2006). Além destes
fatores, ainda são apontados: o peso pré-gestacional materno, o fumo durante a
gestação e o estado nutricional na infância (ENES; SLATER, 2010). Sobre a
obesidade no público adolescente, esses autores afirmam que isso se deve ao
consumo de lanches em excesso mal-balanceados e à enorme suscetibilidade desta
população à “propaganda consumista”.
De acordo com Rodrigues e Boog (2006), estamos numa sociedade
obesogênica, uma vez que esta nos estimula ao consumo alimentar. Além disso, há
produção abundante de alimentos práticos e saborosos, porém, pobres
nutricionalmente. Isso também pode ter forte relação com a excessiva jornada de
trabalho e tempo gasto com transporte, fator citado anteriormente, pois diminui o
tempo do trabalhador destinado ao preparo adequado de suas refeições.
81
No que se refere à prática de atividade física, sabe-se que a hipoatividade
física está diretamente associada com o desenvolvimento de obesidade (KEHER;
SOUZA; VÁGULA et al, 2007; LIMA; SAMPAIO, 2007).
Segundo Enes e Slater (2010) o fato é que houve, ao longo do tempo, uma
redução progressiva da prática de atividade física combinada ao maior tempo
dedicado às atividades de baixa intensidade, como assistir televisão, usar
computador e jogar videogame. Nessa linha de pensamento, também podemos citar
Camilo, Ribeiro, Toro e colaboradores (2010). Esses autores salientam a influência
da evolução tecnológica no estabelecimento de um “estilo” predominantemente
inativo da população (classe trabalhadora).
Sobre a questão do desenvolvimento tecnológico é importante destacarmos
que a tecnologia deveria ser utilizada para a diminuição da jornada de trabalho e
melhoria das condições de vida da classe trabalhadora. Podemos verificar que esse
desenvolvimento, no entanto, veio precarizar, ainda mais, as condições de trabalho
e de vida dessa classe, aumentando o desemprego, subemprego e a concentração
de renda em domínio de minorias.
Além do “estilo de vida hipoativo”, Lopes, Prado e Colombo (2010), destacam
que, nos últimos anos houve uma tendência da população de um modo geral, em
substituir as principais refeições por lanches rápidos, conhecidos como fast-food. Os
pais devido ao trabalho e as transformações provocadas pela vida moderna
transferem esses hábitos ditos incorretos para seus filhos, prejudicando assim a
alimentação adequada das crianças. Ainda de acordo com os autores, a educação
dos pais é um fator importante nos hábitos alimentares das crianças. O horário de se
realizar as principais refeições bem como a seleção dos alimentos consumidos é
passado de pais para filhos (LOPES; PRADO; COLOMBO, 2010).
A questão que, de acordo com nosso entendimento, deveria guiar a reflexão
acerca destas considerações, seria: será que os pais tem esta condição? Como
transmitir bons hábitos alimentares aos filhos, se os pais não tem, em regra,
condições concretas para isso?
Nota-se, de uma forma geral, como dito anteriormente, uma forte tendência
na literatura científica a associar a obesidade a uma questão comportamental, a uma
questão de escolha do sujeito. Nesse sentido, além dos autores citados até então,
Fagundes, Ribeiro e Naspitz (2008), afirmam que o desenvolvimento da obesidade
se dá por conta de hábitos e comportamentos de vida inadequados no que se refere
82
ao plano alimentar e na prática de atividade física. Outros autores também pensam
de forma semelhante, como Fonseca, Nobre, Santos e colaboradores (2008),
Afonso, Cunha e Oliveira (2008), Borges e César (2005), Cattai, Rocha e Hintze
(2008), Dias, Navarro, Cintra e colaboradores (2008), Fernandes, Kawaguti, Agostini
e colaboradores (2007), e Mendonça, Silva e Rivera (2010). Estes últimos autores
destacam que, por muitas vezes, ocorre um comportamento inadequado do sujeito
quanto ao controle de seu peso corporal. Estes autores não abordam, porém, o
porquê deste “comportamento inadequado”.
Frente a essas abordagens superficiais, imediatistas e naturalizadoras, é
relevante atentar-nos para alguns dados estatísticos referentes aos hábitos
alimentares e prática de atividade física.
Dados apresentados pela Rede Interagencial de Informações para a Saúde
(RIPSA, 2008), indicaram que no Brasil, no ano de 2008, 56.263.735 pessoas
sobreviviam com menos de meio salário mínimo mensal, cerca de R$ 255,00,
havendo uma predominância de residentes na região norte. Nesse sentido, ainda de
acordo com dados fornecidos pela RIPSA (2002), a participação diária per capita das
calorias de frutas, verduras e legumes no total de calorias da dieta da população da
região norte do Brasil, era de 1,7%, em contrapartida, na região sul, a participação
era de 2,7% no total de calorias consumidas. A análise destes dados evidencia,
então, a existência de uma forte relação entre a renda mensal e o consumo de
frutas, verduras e legumes, consumo este, negativamente relacionado ao ganho de
massa adiposa.
Aliás, a renda mensal determina o consumo de alimentos de forma geral, e
não apenas no que se refere as frutas verduras e legumes. Neste caso,
evidenciamos a desnutrição protéico-energética, tipo mais comum de anemia38,
uma vez que é a endemia que mais agride a população brasileira, cuja face mais
conhecida é a desnutrição infantil aguda que está associada a deficiências de
crescimento e ganho de peso da criança. Dados estatísticos apontam que, no ano
de 2009, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação (FAO), mais de um bilhão de pessoas viviam em constante estado de
desnutrição no mundo: cerca de 100 milhões a mais do que em 2008, entendendo
38
Segundo Guyton (1986) a anemia pode ser entendida como uma deficiência de eritrócitos (células vermelhas), que pode ser causada por uma perda muito rápida ou uma produção muito lenta de hemácias.
83
como subnutrida a pessoa que ingere menos de 1800 calorias por dia. No entanto,
no ano de 2009 houve um recorde na colheita de grãos, não existindo, assim, falta
de comida, mas sim, falta de acesso à comida. Nunca se produziu tanto alimento
como nos séculos XX e XXI. A produção de alimentos chegou a uma tal magnitude
que os dirigentes da FAO fizeram a seguinte declaração no final da década de
1960: “Não haverá fome em nosso planeta na década de 1980: é para a abastança,
e não para a miséria, que o mundo caminha”. Porém, estas previsões tão otimistas
não corresponder à realidade (FAO, 2009). Isto porque muitos países não tem
alimento suficiente para satisfazer as necessidades de sua população e outros tem
mercados abarrotados, ainda que o fato de os mercados estarem abarrotados de
mercadorias não signifique que a população tenha acesso a estes produtos, uma
vez que este acesso é dependente de recursos financeiros.
Vale salientar ainda que, em alguns momentos, alimentos são jogados fora
para que o preço das mercadorias não se altere. Aliás, chegamos a outro ponto
essencial da sociedade capitalista, o fato de a produção não ser medida pela
necessidade dos homens, mas sim pela proporção em que é possível produzir mais-
valia.
Podemos relacionar também a renda mensal da população brasileira com a
prática de atividades físicas. Como já destacamos anteriormente, o número de
frequentadores de academias não vem sendo expressivo. Quanto à prática de
atividades físicas fora destes estabelecimentos, devemos considerar a influência dos
altos índices de violência urbana em nosso país. De acordo com dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008), agressões e acidentes urbanos
respondem por 12,5% do total de mortes no Brasil e, em 15 Estados, estes fatores
são mais letais do que o câncer. Isto indica que a maioria das pessoas não contam
com possibilidades financeiras para utilizarem os serviços oferecidos pelas
academias de ginástica, principal local quando se pensa na prática de atividade
física, e ao praticarem atividades físicas fora destes estabelecimentos estão sujeitos
à violência urbana.
Com isso, podemos compreender que os hábitos alimentares, bem como a
prática de atividades físicas são orientados e determinados por fatores que
transcendem ao comportamento individual e à vontade dos sujeitos, ou seja, estão
relacionados às condições de vida concretas e materiais impostas pelo nosso modo
84
de organização social, capitalista. Sendo assim, o “estilo de vida” não é uma escolha
somente individual, mas sim uma condição construída coletiva e historicamente.
3.1.2. Sobre os fatores genéticos, fisiológicos e hereditários como causadores
da obesidade
Grande ênfase se dá também aos fatores de ordem genética no
desenvolvimento da obesidade (COSTA; BANDEIRA; TRENTINI, 2009; FERREIRA,
TINOCO, PANATO et al, 2006; GOUVEIA; FREITAS; MAIA et al, 2009). Alguns
autores se referem à questão genética da obesidade como “herança familiar’’.
Indica-se que a correlação entre sobrepeso dos pais e de filhos é grande e decorre
do compartilhamento da hereditariedade e a do meio-ambiente (DALCASTAGNÉ;
RANUCCI; NASCIMENTO et al, 2008).
Ainda sobre a influência genética no desenvolvimento da obesidade, sabe-se
que os fatores hormonais e neurais, que influenciam os sinais de curto e longo prazo
relacionados à saciedade e à regulação do peso corporal normal, são determinados
geneticamente. Defeitos na expressão e na interação desses fatores podem
contribuir para o aumento do peso corporal. Há evidências, também, que fatores
genéticos podem influenciar o gasto energético, principalmente, a taxa metabólica
basal (TMB). Alguns estudos tem mostrado a influencia do hormônio leptina no
desenvolvimento da obesidade, visto que a leptina atua na redução do consumo
alimentar e no aumento do gasto energético. Apesar de pessoas obesas
apresentarem níveis elevados de leptina, a falha pode estar em seu receptor ou
ocorrer por diminuição na sensibilidade do organismo aos efeitos da leptina
(FERREIRA; TINOCO; PANATO et al, 2006).
Outras desordens endócrinas como o hipotireoidismo e problemas no
hipotálamo, alterações no metabolismo de corticosteróides, hipogonadismo em
homens e ovariectomia em mulheres, síndrome de Cushing e síndrome dos ovários
policísticos podem ainda conduzir à obesidade (WANDERLEY; FERREIRA, 2010).
Os aspectos genéticos, fisiológicos e hereditários abordados aqui são apenas
uma pequena parcela da ampla variedade desses aspectos que exercem influência
na etiologia da obesidade e que merecem atenção dos pesquisadores para que haja
a elucidação dos vários mecanismos pelos quais eles influenciam no
desenvolvimento dessa patologia.
85
Uma crítica se faz, porém, na limitação à análise desses aspectos no
processo de desenvolvimento da obesidade, deixando, por vezes, à margem,
aspectos determinantes de natureza social, referentes à dinâmica e funcionamento
da sociedade capitalista.
Sobre essa realidade, mais evidente nos dias atuais, faz-se importante
considerarmos os escritos de Leontiev (2004). Esse autor afirma que o
desenvolvimento humano fez e faz com que cada vez mais as leis sócio-históricas
interfiram nas mudanças fisiológicas do homem, ao invés das leis biológicas. De
acordo com o autor, a partir da hominização, cada vez mais, o que age sobre o
homem são suas condições sócio-históricas. Ainda segundo Leontiev (2004), o que
provoca as diferenças entre os homens, como, por exemplo, a condição corporal
obesa e não obesa, são as desigualdades sociais provocadas pelas sociedades de
classes, uma vez que os homens, diferentemente dos animais, não são
biologicamente determinados. Isto não significa que não somos seres biológicos,
mas que as relações sociais onde estamos inseridos interferem de forma decisiva na
nossa condição biológica. Sobre essa questão, podemos destacar o seguinte trecho
escrito por Marx e Engels (2009, p. 9-10):
[...] a sociedade burguesa, por ser baseada numa forma de exploração do homem pelo homem que mistifica as relações sociais, também oculta a sua verdadeira natureza. Ao transformar as relações sociais em relações entre coisas, faz com que essas relações apareçam como se fossem naturais.
É certo que os seres humanos nascem com certa predisposição genética para
desenvolver certas doenças (predisposição esta também constituída historicamente).
É importante considerarmos, no entanto, que o que vai determinar o
desenvolvimento ou não destas doenças, são os determinantes sociais, materiais e
concretos.
3.1.3. Sobre os fatores sócio-econômicos e demográficos como causadores da
obesidade
Alguns autores salientam os fatores sócio-econômicos como determinantes
para essa problemática (FERRARI; BARBOSA, 2008; GOUVEIA; FREITAS; MAIA et
al, 2009; FARIAS; JUNIOR; SILVA, 2008; CAVALCANTI; MELO, 2008; GIGANTE;
86
MOURA; SARDINHA, 2009). Cavalcanti e Melo (2008) destacam que o padrão
alimentar vem sendo modificado ao longo da história em função de vários aspectos,
como por exemplo, o maior poder aquisitivo da sociedade moderna, que permite
ampliação do mercado consumidor e diversidade dos produtos nas prateleiras. Já
para Ferreira e Magalhães (2006), a obesidade emerge como mais uma face das
desigualdades sociais no Brasil, assim como a desnutrição e as anemias carenciais.
Para Gouveia, Freitas, Maia e colaboradores (2009), os fatores sócio-econômicos
são os principais determinantes do desenvolvimento de obesidade, pois, tem estreita
ligação com a dieta e a atividade física.
De acordo com Campos, Leite e Almeida (2006), em países “em
desenvolvimento”, como o Brasil, a obesidade está associada ao maior nível
socioeconômico. Para estes autores, isto se daria pela maior disponibilidade de
alimentos com maior densidade energética e pela menor atividade física nesses
estratos sociais. Em um estudo realizado com 1158 adolescentes, estes autores
identificaram que a prevalência de sobrepeso e obesidade, em adolescentes do
município de Fortaleza, ocorre principalmente nas classes sociais economicamente
abastadas.
No período de 1989 a 2003, os homens continuaram apresentando aumento
da obesidade independentemente de sua faixa de renda, enquanto, entre as
mulheres, somente aquelas com baixa escolaridade e situadas nas faixas de renda
mais baixas (entre as 40% mais pobres) apresentaram uma maior prevalência de
obesidade (LOPES; PRADO; COLOMBO, 2010).
Considera-se que a comparação com outros estudos apresenta restrições,
visto que os procedimentos para classificação de níveis socioeconômicos são
diversificados (CAMPOS; LEITE; ALMEIDA, 2006). Ainda de acordo com os autores,
nos países desenvolvidos, a obesidade tende a ser mais frequente nas camadas da
população com menor renda, ocorrendo o inverso nos países em desenvolvimento.
As diferenças geográficas no país expressam diferenciações sociais na
distribuição da obesidade. Inicialmente, verificou-se maior prevalência de excesso de
peso nas regiões mais desenvolvidas (Sul, Sudeste e Centro-Oeste) do país e nos
estratos de renda mais elevados, mas já observa-se tendência de aumento da
obesidade nas regiões Norte e Nordeste e nos estratos de renda mais baixos.
Assim, a comparação dos resultados dos estudos referidos acima nas regiões Norte
e Nordeste com os das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste permitiu assinalar a
87
maior prevalência da obesidade nas últimas regiões citadas. Além disso, os estudos
indicaram que a ocorrência desse agravo praticamente triplicou entre homens e
mulheres maiores de vinte anos na região Nordeste e somente entre os homens do
Sudeste (WANDERLEY; FERREIRA, 2010).
Desta forma, em síntese, apesar de alguns estudos indicarem uma fraca
relação entre o nível sócio econômico com o desenvolvimento de obesidade, é
evidente a existência desta relação, uma vez que tanto a alimentação quanto a
prática de atividades físicas são diretamente influenciadas pela economia.
De forma geral, a literatura científica aponta, como já citado anteriormente,
que, por conta da escassez de alimentos, antes o grande problema que atingia as
populações pobres era a desnutrição. Com o passar do tempo, houve expansão na
oferta de alimentos, entretanto, não acompanhada pela qualidade. Por isso, a
desnutrição deu lugar à obesidade como alerta de saúde pública.
3.1.4. Sobre os fatores psicológicos, estresse, fumo e álcool como causadores
da obesidade
Também se destacam na literatura os fatores de ordem psicológica e
psíquica, sendo estes, na maioria das vezes, ligados às questões comportamentais
que resultam, por fim, na falta de adaptação social do sujeito e, consequente,
desenvolvimento de transtornos psicológicos. Dentre estes fatores psicológicos
apontados como relacionados com o desenvolvimento de obesidade, podemos citar:
a baixa autoestima, a ansiedade e a depressão (DALCASTAGNÉ; RANUCCI;
NASCIMENTO, 2008; KEHER; SOUZA; VÁGULA et al, 2007).
A esse respeito, é relevante retornarmos à questão do trabalho em nossa
sociedade. De acordo com Netto e Braz (2006, p. 110), a divisão social do trabalho
faz com que a própria ação do homem se torne para este um poder alienado e a ele
oposto, que o subjuga, em vez de ser ele a dominá-la. Assim que o trabalho começa
a ser distribuído, cada homem tem uma atividade determinada e exclusiva que lhe é
imposta e a qual não pode sair, se não quiser perder seus meios de subsistência. E
essa fixação da atividade social, segundo os autores, “escapa ao nosso controle,
contraria as nossas expectativas e aniquila os nossos cálculos”.
88
E isso tem forte relação com o estresse, promotor de problemas de ordem
psíquica e psicológica, como ansiedade e depressão (como destacamos no capítulo
anterior), importantes desencadeadores da obesidade.
No trato dos fatores psicológicos e psíquicos da obesidade, também é
fundamental apresentarmos os escritos de Navarro (2006). A autora, ao analisar a
relação entre o trabalho, saúde e tempo livre39 dos trabalhadores na sociedade
capitalista, afirma que o contexto da precarização do trabalho propiciou o
crescimento da incidência, entre os trabalhadores, de doenças como a depressão, a
síndrome do pânico, o estresse, fumo, alcoolismo, dentre outros transtornos que
apresentam comprovada relação com as precárias condições de trabalho. Ainda de
acordo com Navarro (2006, p. 56):
A análise da equação trabalho/saúde/tempo livre nos dias atuais passa, pois, pela compreensão da lógica que rege a intensificação do trabalho na sociedade capitalista contemporânea. Lógica esta que desemprega, extingue empregos formais e cria toda sorte de trabalhos precários; lógica que produz tecnologias altamente sofisticadas que permitem o aumento nos ganhos de produtividade, diminuição do tempo necessário para a produção e, ao mesmo tempo, amplia a jornada de trabalho e intensifica a utilização de horas extras em prejuízo da saúde e do tempo livre das pessoas.
Enquanto uns sofrem com a intensificação e precarização das condições de
trabalho, outros sofrem pela falta de trabalho. Neste sentido, destacamos que a taxa
de desemprego no Brasil vem aumentando: enquanto no ano 2000 o Brasil tinha
uma taxa de desemprego de 7.5%, em 2008, o Brasil contava com uma taxa de
desemprego de 7.9% (online, 2008). De acordo com dados do IBGE (2009), nosso
país fechou o ano de 2009 com uma taxa de 8,1%, marcando um progressivo
crescimento no número de desempregados no Brasil. Gostaríamos de deixar claro
com a apresentação destes dados que o desemprego não é algo natural na
sociedade, como tende apresentar a tendência positivista, mas sim, trata-se de uma
situação, que vem apresentando índices cada vez mais elevados nos últimos anos,
recorrente da lógica a qual a sociedade está estruturada.
39
É importante esclarecer, em conformidade com o pensamento marxiano, que não existe um tempo, verdadeiramente, livre na forma social do capital. Pois, parte-se do entendimento da inexistência da cisão entre tempo de trabalho e tempo de não trabalho, ou tempo livre. Trata-se, sobretudo, de um mesmo processo, onde o trabalhador trabalha e, na sequência, precisa recuperar sua força de trabalho para que possa trabalhar novamente.
89
Além desse quadro de precarização do trabalho e aumento do desemprego,
não podemos deixar de destacar o papel da mídia no desenvolvimento da
obesidade. Esta, de acordo com Wanderley e Ferreira (2010), impõe ideais de saúde
e juventude, difunde conselhos dietéticos, estéticos, desportivos, eróticos e
psicológicos, e ainda, impõe um padrão idealizado e homogêneo de beleza, pouco
provável de ser alcançado. Tal realidade pode contribuir de forma significativa para
os aspectos psicológicos e psíquicos envolvidos na gênese da obesidade.
3.2. Sobre a obesidade na infância e adolescência
Dados da literatura apontam que as doenças cardiovasculares, desenvolvidas
em idade adulta, podem ter origem na infância (SILVA; GIORGETTI; COLOSIO,
2009; MARTINS; CARVALHO, 2006; RECH; HALPERN; MATTOS et al. 2007;
BARUKI; ROSADO; ROSADO, et al. 2006; SALOMONS; RECH; LOCH, 2007).
No período infantil a adequada ingestão alimentar está associada ao
crescimento e desenvolvimento saudável. Em contrapartida, o excesso de ingestão
alimentar aliado à inatividade física pode provocar acúmulo de tecido adiposo no
organismo já na infância (SOUZA; CRUZ, 2006).
Apesar de ainda não haver um consenso acerca dos critérios para o seu
diagnóstico, observa-se, nas últimas décadas, um rápido e preocupante crescimento
na prevalência de sobrepeso e/ou obesidade em crianças brasileiras (VELARDE;
RIVAS; ROSA, et al. 2007). Acredita-se, que, aproximadamente 30,3% das crianças
de seis a 11 anos de idade têm excesso de peso e 15,3% são obesas no Brasil.
O acúmulo de tecido adiposo está relacionado a diversos fatores, porém, a
inatividade física somada às dietas altamente energéticas e ao desmame precoce
são apontados por Zanoti, Pina e Manetti (2009) como os principais fatores
predisponentes ao ganho de peso infantil.
3.2.1. Prevalência de sobrepeso e obesidade na infância no Brasil
90
Alguns estudos avaliaram a prevalência de sobrepeso e/ou obesidade em
crianças em diferentes regiões do Brasil. As pesquisas foram realizadas no período
de 2001 a 2008 e seus resultados estão explicitados nas tabelas n. 1 e n. 2.
Tabela 1. Resultados de estudos referentes à prevalência de sobrepeso e/ou obesidade em crianças de diferentes localidades do Brasil no período entre 2001 a 2004.
Autores
Local do estudo e Amostra
Resultados
Data de
Delineamento
NEVES; BRASIL; BRASIL et al. (2006)
Local: Belém (PA). Amostra: 793 crianças entre 6 a 7 anos.
Sobrepeso: 3,0% Obesidade: 4,4%
2001
ASSIS; ROLLAND-CACHERA; VASCONCELOS (2006)
Local: Florianópolis (SC). Amostra: 2.232 crianças entre 7 a 9 anos.
Sobrepeso: 19,9%
2002
COSTA; CINTRA; FISBERG (2006)
Local: Santos (SP). Amostra: 10.822 crianças entre 7 a 10 anos.
Sobrepeso: 15% Obesidade: 18,0%
2002
SOUZA; CRUZ (2006)
Local: Rio Branco (AC). Amostra: 192 crianças entre 5 a 6 anos.
Obesidade: 2%
2003
TRICHES; GIUGLIANI (2005)
Local: Dois Irmãos e Morro Reuter (RS). Amostra: 573 crianças entre 8 e 10 anos.
Sobrepeso: 16,9% Obesidade: 7,5%
2003
BARUKI; ROSADO; ROSADO et al. (2006)
Local: Corumbá (MS). Amostra: 403 crianças entre 7 e 10 anos.
Risco de sobrepeso: 6,2% Sobrepeso: 6,5%
2003-2004
XAVIER; XAVIER; CARTAFINA et al. (2007)
Local: Uberaba (MG). Amostra: 229 crianças entre 5 a 15 anos.
Obesidade: 13,5%
2004
GRILLO; CRISPIM; SIEBERT et al. (2005)
Local: Itajaí (SC). Amostra: 257 crianças entre 3 a 14 anos.
Obesidade: 7,4%
2004
91
Fonte: Autoria própria.
Tabela 2: Resultados de estudos referentes à prevalência de sobrepeso e/ou obesidade em crianças de diferentes localidades do Brasil no período entre 2005 a 2008.
Autores
Local do estudo e Amostra
Resultados
Data de
Delineamento
BORGES; KÖHLER; LEITE (2007)
Local: Ponta Grossa (PR). Amostra: 548 crianças entre 6 a 11 anos.
Sobrepeso: 11,5% Obesidade: 5,8%
2004-2005
FERNANDES; GALLO; ADVÍNCULA (2006)
Local: Mogi-Guaçú (SP) Amostra: 347 crianças entre 3 a 7 anos.
Sobrepeso: 18,73% Obesidade: 7,49%
2006
MONDINI; LEVY; SALDIVA et al. (2007)
Local: Cajamar (SP). Amostra: 1010 crianças entre 6 a 7 anos.
Sobrepeso: 17% Obesidade: 6,2%
2005
ROCHA; GERHARDT; SANTOS (2007)
Local: Região rural de Arambaré (RS). Amostra: 80 crianças entre 0 a 5 anos.
Sobrepeso: 18,7% Obesidade: 1,3%
2005
SALOMONS; RECH; LOCH (2007)
Local: Arapoti (PR). Amostra: 1.647 crianças entre 6 a 10 anos.
Sobrepeso: 19,5% Obesidade: 22,3%
2006
BISCEGLI; ROMERA; CANDIDO et al. (2009)
Local: Catanduva (SP). Amostra: 133 crianças entre 0,5 a 6,5 anos.
Obesidade: 6%
2007
PINTO; OLIVEIRA (2009)
Local: São Paulo (SP). Amostra: 29 crianças entre 2 a 5 anos.
Sobrepeso: 17% Obesidade: 24%
2008
ZANOTI; PINA; MANETTI (2009)
Local: São José do Rio Preto (SP). Amostra: 148 crianças entre 6 a 11 anos.
Sobrepeso: 10% Obesidade: 23%
2008
Fonte: Autoria própria.
Apesar da heterogeneidade das características dos estudos como diferentes
definições para sobrepeso e obesidade, idades de análise, números de crianças na
composição da amostra e regiões brasileiras; foi possível observar um significativo
92
crescimento da prevalência de sobrepeso e/ou obesidade nas crianças brasileiras ao
longo da última década. O que indica que os efeitos da lógica societal à saúde
humana não atinge somente os adultos, mas também crianças e adolescentes. E a
tendência é que as conseqüências se acentuem ainda mais.
Finalizando as considerações sobre a temática, buscamos apresentar até
aqui, uma perspectiva de saúde e doença enquanto processos sociais. Para tanto,
nos voltamos à análise da lógica capitalista e, por meio desta análise, verificamos
que a lógica atual é incompatível com a saúde humana. Exemplo disso pode ser
visualizado quando nos voltamos à análise das consequências da reestruturação
produtiva do capital, ocorrida na década de 1970, oriunda da queda da taxa de mais-
valia e que teve como resultado uma maior intensificação do trabalho.
Portanto, a saúde e a doença são processos sociais e, por isso, configuram-
se de acordo com a forma com que a sociedade produz a sua existência, ou seja,
sua forma de organização de trabalho. E, assim, na sociedade capitalista, as
doenças podem ser entendidas como consequência de um metabolismo social que
produz doenças em grandes escalas - o que representa a grande contradição deste
modo de produção, considerando que a força de trabalho é fundamental para o
funcionamento da sociedade capitalista.
Então, como visto neste capítulo e no anterior, a saúde e doença devem ser
consideradas enquanto processos sociais, desta forma, como condição construída
historicamente, que tomam diferentes contornos de acordo como a sociedade esta
organizada. Na sociedade capitalista, as relações sociais passam a ser contrárias à
saúde da maioria da humanidade, desta forma o adoecimento humano se torna
intensificado.
A obesidade, assim como as demais doenças, tem suas raízes fincadas nas
bases sociais, na realidade concreta. Apesar da tendência em se deslocar estas
causas para os diversos âmbitos da vida, dentre eles da vontade individual.
Entretanto, é importante para o capitalismo que estes problemas de saúde
não se intensifiquem demasiadamente; primeiro porque a força de trabalho é
fundamental ao capitalismo e; segundo, porque isto pode aumentar as tensões
sociais.
Portanto, o capitalismo precisa utilizar estratégias que façam com que estes
problemas sociais, no caso os de saúde, não se acentuem demasiadamente e
coloque em risco o funcionamento deste sistema de classes. Dentre estas
93
estratégias, encontram-se as políticas públicas e a educação formal, temáticas que
nos preocuparemos nos capítulos seguintes.
94
4. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL: APONTAMENTOS CRÍTICOS
Como dito anteriormente, uma das formas que o capitalismo utiliza para tentar
solucionar ou amenizar os problemas sociais, dentre eles os de saúde, que são
intensificados com esta forma de organização social, é a política. Com o intuito de
melhor esclarecer tal questão, buscaremos agora entender, mesmo que de forma
sucinta, os limites e possibilidades da ação política e a configuração atual das
políticas públicas de saúde no Brasil.
Para discutirmos sobre a questão da política, resgatamos a obra de Marx
(2010) intitulada: “Glosas Críticas marginais ao artigo ‘O rei da Prússia e a reforma
social’. De um prussiano.”, uma vez que esta nos apresenta informações valiosas
para esta discussão.
Segundo o autor, ao se colocar a política como categoria central provoca-se
como consequência, a busca da raiz dos males sociais “[...] em todos os lugares,
menos onde ela efetivamente se encontra e que o remédio é sempre alguma
medida de reforma que nunca a revolução” (MARX, 2010, p. 17).
Neste livro, Marx (2010) considera que a política expressa a perspectiva da
classe burguesa. Isto porque a burguesia não pode admitir a categoria da totalidade
como pressuposto porque isto implicaria em admitir como responsável pelos males
sociais a própria forma social capitalista. Este é o principal motivo pelo qual a
burguesia age prioritariamente no âmbito político e, por isso, a política
institucionalizada na sociedade burguesa é essencialmente limitada.
Marx (2010) afirma que o Estado, instituição que atua por meio de políticas
para manter o ordenamento da sociedade, repousa sobre a contradição entre vida
pública e vida privada, sobre a contradição entre interesses gerais e interesses
particulares. Também afirma que: “O Estado é, essencialmente, uma expressão e
um instrumento de reprodução dos interesses das classes dominantes, portanto, um
instrumento de opressão de classe”. A existência do Estado e a existência da
opressão de classe são inseparáveis. Desta forma, o Estado é um instrumento
voltado para manter a sociedade de classes, ou seja, os interesses da classe
dominante (MARX, 2010, p. 21).
Pois, se o Estado fosse acabar com a impotência de sua administração, teria
que acabar com a propriedade privada dos meios de produção. E, fazendo isso,
95
eliminaria a si mesmo. Daí a raiz de sua impotência perante a resolução radical de
problemas sociais.
Sendo esta instituição um instrumento de reprodução da sociedade de
classes, é evidente que:
Como não pode atinar com as causas fundamentais destes males, só resta ao Estado tomar medidas paliativas. Em resumo, o Estado, é insuperavelmente impotente face aos problemas sociais (MARX, 2010, p. 23).
Desta forma, é um desperdício de energia o aperfeiçoamento do Estado, uma
vez que este jamais resultará na solução da precarização social. Por isso, o
pauperismo não pode ser entendido como falha de administração estatal.
Assim, as políticas públicas podem ser entendidas como medidas paliativas
na sociedade do capital, para que não se acentuem demasiadamente as
contradições sociais. Pautando-se em Marx (1983), podemos entender que as
políticas e programas sociais não irão resolver os problemas sociais, pois estão
limitadas no âmbito da emancipação política, condição que representa o nível mais
elevado dessa forma de organização social.
No entanto, apesar de seu caráter limitado e, por vezes, desorientar a classe
trabalhadora, a política não deixa de ter um lado positivo para esta classe, uma vez
que consiste, também, em um espaço de luta. Portanto, ela é importante para o
estabelecimento de reformas no capital, que resultam em melhoras nas condições
de vida da classe trabalhadora. E, por isso, a política pode ser um importante
instrumento nas mãos dos trabalhadores para preparar o terreno para a revolução
social, pois, permite tencionar com o capital, criando embates importantes. O
importante é que se tenha clareza quanto a finalidade do que se busca. Pois, se o
objetivo é a transformação radical da sociedade, não se pode somente agir no
âmbito das políticas públicas, uma vez que são ações controladas pelo Estado, e,
por isso, em momentos de crise, podem simplesmente ser cortadas para salvar
alguma empresa, por exemplo40. Assim, aqueles que tem por objetivo final o
40
Para ilustrar tal questão, ressaltamos os escritos de Oliveira (2008, p. 01) ao tratar dos investimentos estatais destinados a amenizar os efeitos da crise de 2008: “O volume de recursos estatais destinado a salvar o capital financeiro e a amenizar a gigantesca crise mundial do capitalismo já ultrapassou a casa de 1 trilhão de dólares. Mesmo assim não tem sido suficiente. Não basta socorrer bancos com empréstimos subsidiados pelo FED e promover algumas estatizações.”.
96
estabelecimento de uma nova organização social também deve agir para além dos
limites da política institucional (MARX, 2010; TONET, 2007).
Feito este panorama geral sobre entendimento de políticas adotado aqui,
trataremos agora de como as políticas de saúde estão configuradas na atualidade e
os interesses capitalistas envolvidos.
Para tanto, é importante partirmos da década de 1980. Isto porque com o fim
da ditadura militar no Brasil, houve um momento de abertura política, no qual se
buscou, sobretudo, a redemocratização do país. Marco deste momento da política
brasileira foi a promulgação da Constituição Federal de 1988. É interessante
destacar que neste documento a saúde passa a ser entendida como:
Art. 196. [...] um direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Desta forma, esta Constituição Federal garante direitos à seguridade social
(Saúde, Previdência Social e Assistência Social), os direitos relativos à cultura, à
educação, à moradia, ao lazer, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os
direitos sociais da criança e dos idosos.
Para a garantia do direito à saúde, em específico, cria-se o Sistema Único de
Saúde (SUS), com a pretensão de universalizar o atendimento de saúde no Brasil,
principalmente no âmbito das populações menos favorecidas economicamente
(GADELHA, 2006).
O SUS é regulamentado pelas Leis Orgânicas da Saúde nº 8080/90 e nº
8.142/9041 e financiado por recursos provindos de impostos e contribuições sociais
da população, além de compor os recursos do governo federal, estadual e municipal.
De acordo com os escritos legais, tem como obrigação oferecer atendimento público
a todos os cidadãos sem qualquer forma de cobrança. Segundo Lara e Silva (2008),
este discurso de gratuidade na lei, não só no referente à saúde pública, mas de
Disponível em: <http://www.apropucsp.org.br/apropuc/index.php/revista-puc-viva/30-edicao-32/155-o-brasil-na-crise-mundial>. Acesso em: 27 de ago. de 2012. 41
Estas leis estão disponíveis em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/area.cfm?id_area=169. Acesso em 13 de jan. de 2012>.
97
forma geral, é uma falácia uma vez que os serviços prestados pelo Estado são
pagos na forma de impostos.
Fazem parte deste sistema os centros e postos de saúde, hospitais
(universitários, laboratórios, hemocentros, bancos de sangue) e, ainda, fundações e
institutos de pesquisa. Segundo o Ministério da Saúde (2011, online, grifos meus), o
SUS tem como meta:
[...] tornar-se um importante mecanismo de promoção da eqüidade42 no atendimento das necessidades de saúde da população, ofertando serviços com qualidade adequados às necessidades, independente do poder aquisitivo do cidadão. O SUS se propõe a promover a saúde, priorizando as ações preventivas, democratizando as informações relevantes para que a população conheça seus direitos e os riscos à sua saúde. O controle da ocorrência de doenças, seu aumento e propagação - Vigilância Epidemiológica, são algumas das responsabilidades de atenção do SUS, assim como o controle da qualidade de remédios, de exames, de alimentos, higiene e adequação de instalações que atendem ao público, onde atua a Vigilância Sanitária.
A questão da promoção da equidade se desenvolve especialmente a partir da
década de 1990, com a política econômica neoliberalista, formulada no contexto
europeu em resposta à crise de 1970, que veio comprometer significativamente o
alcance dos objetivos deste sistema nacional de saúde.
O neoliberalismo configurou-se uma nova fase do capitalismo, caracterizada
pela redefinição do papel do Estado. Redefinição esta que resultou em uma redução
da prestação de serviços pelo Estado (Estado mínimo), bem como pela ampliação
do controle econômico direto pela esfera privada.
Nesse sentido, no Brasil, a disseminação das ideias neoliberais inicia-se com
o processo de abertura política, ocorrido durante a década de 198043, sendo estas
implantadas, principalmente, por meio de reformas a partir da década de 1990,
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
42
Apesar de o termo “equidade” ser, na maioria das vezes, utilizado como sinônimo de “igualdade”, Oliveira (2001) entende estes como portadores de diferentes significados. De acordo com a autora, o termo equidade não pode ser confundido com o termo igualdade, uma vez que equidade representa a igualdade dentro dos limites do capital. Para não utilizar o termo igualdade, tendo em vista que a igualdade é um patamar inalcançável dentro da sociedade capitalista, passou-se a utilizar o termo equidade, que se refere à igualdade dentro dos limites do capital, portanto, como o máximo de igualdade que se pode alcançar dentro da lógica capitalista. 43
Este momento de abertura política no Brasil se deu por conta do término do período de ditadura militar. Com a abertura política, iniciou-se um movimento de redemocratização do país, que teve
98
Com estes ajustes, o Estado passa a assumir políticas de liberalização,
desregulamentação e privatização, realizando ajustes estruturais necessários à
maior liberdade de desenvolvimento do capital44.
Para Lara e Silva (2008) podemos entender que a reforma do Estado
brasileiro aconteceu em dois momentos. O primeiro pode ser considerado como uma
ofensiva neoliberal, caracterizado pela crítica ao caráter intervencionista do Estado.
Houve a mercantilização dos serviços sociais, mesmo os essenciais como saúde e
educação. O segundo momento foi caracterizado pelo caos ocasionado pelas
políticas neoliberais, que provocaram o agravamento da pobreza. Neste período,
começaram a se destacar no Brasil os projetos de agências internacionais, como
Banco Mundial, UNESCO e BID.
De forma geral, podemos entender que a influência destas agências se dá por
meio do processo de financeirização de países que necessitam de recursos
financeiros. Nesse sentido, estes organismos multilaterais exercem forte influência
nesses países, especialmente, nas economias da periferia do capital. Com este
procedimento, os países menos desenvolvidos economicamente ficam endividados
perante aos grandes fundos privados e, como resultados desta situação, os países
endividados tem que direcionar suas políticas em conformidade com estes agentes
financeiros, que atuam na perspectiva dos reajustes neoliberais. Assim, os países
que concentram o capital pressionam os demais países a adotarem políticas de
liberalização, desregulamentação e privatização, impondo reformas sociais, que
afetam toda a sociedade.
Conforme Correia (2007), na área da saúde houve um protagonismo do
Banco Mundial. Agência que, segundo Coraggio (1996 apud LARA; SILVA, 2008),
vem se preocupando com a eliminação da pobreza absoluta, visando o
estabelecimento da harmonia social, no sentido de diminuir as possibilidades de
conflitos sociais. Assim, esta agência vem impulsionando investimentos em setores
sociais na busca de prevenir situações críticas no mundo.
Mediante estes ajustes neoliberais, incentivados pelas agências
internacionais, o SUS vem sofrendo significativas modificações, principalmente
como primeiro passo a promulgação de uma nova Constituição Federal, em 1988 (TOLEDO; RUCKSTADTER, 2011). 44
Maiores informações podem ser encontradas no livro organizado por Lesbaupin (1999): LESBAUPIN, I. (org). O desmonte da nação: balanço do governo FHC. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
99
devido aos cortes de verbas deflagrados a partir da década de 1990. Neste contexto,
vale destacar a participação do 3° setor, como as ONGs, no oferecimento de
serviços de saúde.
Segundo dados apresentados pelo Ministério da Saúde (2008), os gastos com
saúde pública no Brasil ficam muito abaixo do que se investe em países que também
oferecem saúde gratuita, como Reino Unido, Alemanha, Canadá e Espanha. De
acordo com dados do Ministério, o Brasil gastou 3,6% do PIB (Produto Interno Bruto)
com saúde pública, quantia de, aproximadamente, R$ 109 bilhões, enquanto os
demais países citados anteriormente investem ao menos, 6% de seu PIB no setor de
saúde pública.
Segundo dados da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), somente 56% do que é investido em saúde no Brasil vem de recursos
públicos. A análise dos dados demonstra ainda que com o passar dos anos, esta
realidade pouco mudou. Em 2010, gastou 4% do PIB, aproximadamente 127 bilhões
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
Segundo a Constituição Federal, todos os Estados Brasileiros devem investir
pelo menos 12% de seus recursos para a área da saúde. Entretanto, dados
divulgados pelo Ministério da Saúde45, indicaram que em 2007, 16 Estados
brasileiros não cumpriram esta determinação, o que o não investimento de,
aproximadamente, R$3,6 bilhões no setor da saúde.
Com a Emenda 2946, regulamentada pelo senado em 2011, que pretendeu
definir os percentuais mínimos de investimento em saúde por União, estados e
municípios, tinha-se, em janeiro de 2012, a previsão de que se investisse 10% do
orçamento na saúde. No entanto, manteve-se o investimento vinculado à variação
de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) contrariando esta Emenda (DIÁRIO DO
PARANÁ, 2012). Em fevereiro deste ano, aconteceu novo corte: mais de 5 bilhões
de reais foram retirados do orçamento que iriam diretamente para a saúde.
45
Disponível em:<<http://www.pstu.org.br/cont/2009dez_relatoriasaude.pdf>>. Acesso em 01 de set. de 2012. 46
Maiores informações podem ser acessadas em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/12/senado-aprova-regulamentacao-da-emenda-29.html>.
100
Ainda em 2012, segundo informações divulgadas pelo Ministério do
Planejamento, o maior corte no orçamento foi no Ministério da Saúde, cerca de R$
5,4 bilhões47.
Como resultados, levantamento realizado pelo IPEA (2011), indicou que a
maioria dos brasileiros que já utilizaram os serviços do SUS reclama da falta de
médicos e da demora na realização de atendimentos e exames. Além disso, em
outro estudo divulgado por este instituto, concluiu-se que os profissionais mais bem
qualificados estão concentrados nas regiões do Brasil mais desenvolvidas
economicamente: a média de médicos por mil habitantes que atendem no SUS é de
1,9 na região Norte, 2,4 na Nordeste, 1,9 no Sul e 2,4 no Sudeste (IPEA, 2012).
Para a diretora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO),
Lígia Bahia48 esta realidade precária, a qual se encontra o Brasil, não se deve a falta
de dinheiro, uma vez que o Brasil é considerado a oitava economia do mundo e o
78º em mortalidade infantil.
É interessante destacar que até mesmo o sistema de saúde francês, que
tornou-se exemplo mundial, vem sofrendo com a crise e a ofensiva liberal. Os cortes
no orçamento provocaram fechamento de muitos serviços em hospitais públicos49.
Também o Reino Unido passa por situação semelhante. Em meio a uma crise
econômica, o governo britânico propôs a maior reforma do Serviço nacional de
Saúde. A ideia é a de conceder aos médicos de família o controle de 80% do
orçamento de saúde. A reforma também propõe a participação de empresas
privadas e associações de caridade na oferta de serviços de saúde50.
E esta situação pode ser compreendida se considerarmos que a saúde não é
o foco da sociedade capitalista, uma vez que os governos preferem financiar a
manutenção de bancos em crises do que melhorar as condições de hospitais
públicos.
47
Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/02/maior-corte-no-orcamento-de-r-54-bilhoes-foi-no-ministerio-da-saude.html>. Acesso em: 01 de set. de 2012. 48
Entrevista disponível em: http://noticias.r7.com/brasil/noticias/gasto-com-saude-publica-no-brasil-e-metade-do-usado-nos-paises-que-tem-esses-servicos-de-graca-20110921.html. Acesso em: 21 de dezembro de 2011. 49
O sistema francês de saúde é um dos mais eficientes do mundo. Neste país, as pessoas tem um cartão eletrônico, chamado de Cartão de Seguridade Social, que cobre grande parte dos gastos de saúde, restando somente pequena parcela a ser paga pela população. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18541>. Acesso em: 01 de set. de 2012. 50
Disponível em: << http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/11248/reforma+na+saude+coloca+reino+unido+a+beira+de+uma+crise+politica.shtml>>. Acesso em: 01 de set. de 2012.
101
É importante frisar que na política pública de saúde brasileira, a iniciativa
privada teria por função apenas complementar o funcionamento do sistema público.
No entanto, devido às más condições as quais este sistema público funciona, não é
isso que vem acontecendo de fato.
Tendo em vista a ineficácia do SUS, as pessoas acabam tendo que utilizar os
serviços particulares. De acordo com Temporão (2011), a medicina privada cresce e
se fortalece atualmente. Como exemplo, podemos destacar o fato de que, hoje, os
principais hospitais brasileiros serem privados. Segundo o autor, primeiramente, isto
se deve pela falta de recursos do setor público, que fez com que este perdesse
qualidade e eficiência, abrindo espaço para o avanço da medicina privada. Outra
questão importante a ser destacada e que contribui sobremaneira para o
crescimento do setor privado, ainda de acordo com Temporão, é o fato de haver:
[...] renúncia fiscal e subsídios diretos e indiretos do governo. As famílias e as empresas, por exemplo, podem abater as despesas com saúde no Imposto de Renda e cerca de 50% do custo dos planos do funcionalismo público é pago pelo Estado. Isso é um paradoxo. Quando se soma todo esse conjunto de subsídios e renúncia fiscal, estima-se que isso hoje esteja em torno de R$ 15 bilhões por ano. Isso significa que são transferidos R$ 15 bilhões do SUS para o sistema privado. É como se com uma mão o Estado colocasse subsídios a partir do reembolso das despesas médicas-hospitalares das empresas, famílias de classe média, gastos com os planos do funcionalismo e com a outra mão retirasse esse recurso do setor público (2011, p. 01, grifos meus).
Desta forma, o autor conclui que o setor privado de saúde cresce e se
fortalece a custa do Sistema Público e Saúde, por meio de renúncia fiscal e de
subsídios do poder público. E quando existe a procura pelo sistema privado, as
pessoas tem dificuldades quanto ao valor das mensalidades dos planos de saúde,
segundo o Ipea (2011).
Pesquisa realizada no ano de 2010, pela GFK Brasil (2011), empresa de
pesquisa de mercado, apontou, de forma interessante, que até mesmo quando se
trata do sistema privado de saúde existe significativa insatisfação. Participaram
deste estudo, mil pessoas, em 12 capitais e regiões metropolitanas do Brasil.
Segundo a pesquisa, 45% dos entrevistados possuíam plano de saúde ou algum
tipo de convênio médico. Em relação a esse grupo a média de aprovação, em uma
escala de 0 a 10, o resultado foi 7,54. Desse total, 27% deram a nota máxima ao
102
serviço. Já no que se refere ao SUS, segundo os dados levantados, 68% dos
entrevistados que faziam uso do serviço público de saúde deram notas que variaram
entre 0 e 5, sendo que quase um terço avaliou em 0. Na média, o SUS apresentou
4,22 pontos de satisfação dos usuários. Concluímos assim, por meio da análise
destes dados, que existe grande insatisfação com os serviços de saúde no Brasil,
principalmente, quanto aos serviços ofertados pelo setor público.
Frente a este desmonte do sistema público de saúde no Brasil e, consequente
ineficiência deste, algumas causas são apontadas como, por exemplo, a má
governança do sistema. Neste sentido, destacamos aqui o relatório do Banco
Mundial (BANCO MUNDIAL, 2007) intitulado: “Governança no Sistema Único de
Saúde (SUS) do Brasil: Melhorando a qualidade do gasto público e gestão de
recursos.”, uma vez que este relatório aponta esta a questão da governança como
chave para o melhoramento do SUS.
Em resumo, o relatório aponta que apesar de o serviço desempenhado pelo
SUS ter melhorado nos últimos anos, este ainda é um sistema ineficiente. E para a
resolução dos problemas deste sistema, a responsabilização com base no
desempenho, deve ser peça chave. Neste sentido, de acordo com o relatório:
Isso significa que um desempenho ruim é sancionado e um bom desempenho é recompensado para promover qualidade e impacto. Onde não existe responsabilização de gerentes e profissionais, aqueles com desempenho excelente e aqueles com desempenho baixo são tratados da mesma forma, o sistema resultante é injusto, e compromete a qualidade e o impacto das ações desenvolvidas. Em resumo, a governança impacta sobre a qualidade dos gastos públicos, a efetividade da gestão de recursos e também, a eficiência e qualidade de prestação de serviços.” (BANCO MUNDIAL, 2007, p. 01).
Assim, o problema do SUS, de acordo com esta agência, está na gerência
deste sistema. Uma estratégia apresentada é o rastreamento dos gastos públicos
para a fim de verificar como e onde os recursos financeiros estão sendo aplicados.
No entanto, o Banco considera que isto é uma grande dificuldade pelo fato de que o
SUS é de caráter descentralizado e, por isso, os fluxos financeiros são difíceis de
serem rastreados. Com isto, não existe informação de quanto o SUS como um todo
gasta em atendimento hospitalar ou atenção básica. Além disso, o Banco destaca
que apesar de bem estruturado, o sistema é excessivamente formalístico, fator que
103
acaba por reduzir sua utilidade prática, apesar de dificultar o desvio de verbas. De
acordo com o Relatório, existem quatro principais desafios a serem superados.
Frente a estes desafios o Banco Mundial também apresenta algumas
recomendações:
Fragmentação do processo de planejamento e orçamentação: Sincronizar e alinhar os processos de planejamento, orçamento, execução e informação, e orientá-los para o desempenho [...] Consolidar as transferências de recursos em categorias mais abrangentes e vincular qualquer aumento no financiamento à melhoria do desempenho, assim recompensando o bom desempenho e penalizando o desempenho inadequado; Rigidez e complexidade na execução do orçamento: Desenvolver e introduzir arranjos organizacionais que proporcionem às unidades de gestão níveis crescentes de autonomia e autoridade para tomada de decisão sobre a gestão de recursos; Ausência de autonomia gerencial, incentivos e capacidade: Fortalecer e profissionalizar a capacidade gerencial [...] Aplicar mecanismos para fortalecer a responsabilização, tais como contratos de gestão que induzam os administradores a focarem em objetivos específicos e resultados mensuráveis; Informação inadequada para a gestão: Estabelecer sistemas de monitoração robustos que visem melhorar o
desempenho organizacional (2007, p. 6-7-8).
A ação do Banco Mundial vem se pautando no estabelecimento de
recomendações que acabam por influenciar diretamente na negociação de
programas e projetos sociais. É importante destacar que o Banco representa um
instrumento auxiliar do governo norte-americano na execução de sua política
externa. Segundo Moreira e Lara (2012). O Banco Mundial é composto por cinco
instituições associadas, desempenhando cada uma sua função. As instituições são:
1) O Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) que é o
maior financiador de projetos de desenvolvimento para países em desenvolvimento
de renda média e também tem a função de catalisar recursos para este mesmo fim
provindos de outras fontes. 2) A Agência Internacional de Desenvolvimento (AID)
que presta assistência aos países pobres através de créditos de financiamento sem
juros com prazos de 35 a 40 anos; 3) A Corporação Financeira Internacional (CFI)
que tem por função apoiar o setor privado dos países em desenvolvimento, por meio
de serviços de empréstimos, financiamentos e consultoria; 4) A Agência Multilateral
de Garantias de Investimento (AMGI) que oferece garantias aos investidores contra
riscos não comerciais e busca, também, ajudar os países a atraírem investimentos
104
externos; 5) Centro Internacional para Conciliação de Divergência nos Investimentos
(CICDI) que tem o papel de assegurar fluxo de investimentos externos para países
em desenvolvimento por meio de instrumentos de arbitragem e conciliação.
Desta forma, as recomendações do Banco Mundial exprimem, sobretudo, a
vontade ou necessidades das grandes economias capitalistas, frente os países
menos desenvolvidos. Estas recomendações visam influenciar o estabelecimento de
políticas públicas direcionadas ao estabelecimento da harmonia social.
Verifica-se, portanto, que as causas do não funcionamento adequado deste
sistema no oferecimento de serviços de saúde à população são desvinculadas da
sua causa fundamental, a dinâmica da sociedade capitalista, para outros campos,
como por exemplo, o da gestão.
Como explicitado anteriormente, nessa sociedade o motor social é o lucro.
Sendo o setor privado maior potencializador de geração de lucro se comparado ao
setor público, podemos compreender que é interessante ao sistema capitalista que a
qualidade do SUS seja baixa para que as pessoas busquem, cada vez mais, o setor
privado, gerando, assim, mais lucro ao sistema. Evidenciando, novamente, que a
sociedade capitalista se preocupa primordialmente com a obtenção de lucro e não
com a saúde humana. O que é uma grande contradição, considerando que o
trabalho - atividade humana dependente de condições físicas adequadas – é peça
fundamental à exploração de mais-valia e obtenção de lucro.
Assim, entendemos que políticas públicas como o SUS ou ações privadas
podem apenas amenizar os efeitos do capital à saúde, não resolvendo os problemas
de saúde gerados por este sistema social. Entretanto, é importante lembrar que os
grandes ganhos dos trabalhadores são por meio de lutas no âmbito político, que
longe de se tratar de um processo linear, trata-se de um processo com avanços e
recuos, ganhos e perdas, no qual o capital sempre procura ceder o mínimo
necessário, estando pronto a eliminar os ganhos dos trabalhadores quando
estiverem em jogo os seus interesses vitais (TONET, 2005). Por isso, podemos
afirmar, pautando-se nas considerações de Alves (2010), que não vivemos no
mundo dos homens, mas sim, no mundo do capital.
Assim, na dinâmica do capital, as pessoas que não tem condições
econômicas de comprarem as mercadorias relacionadas à saúde, como os planos
de saúde, se valem do atendimento do SUS, como única saída para a busca de
atendimento. Sendo o SUS ineficiente para o tratamento das doenças ocasionadas
105
pela lógica do capital, como resultado tem-se a intensificação do adoecimento
humano.
E quanto ao papel do Estado51 nesta situação de precarização social, não se
pode esquecer que este tem por finalidade primordial defender os interesses da
classe burguesa. Assim, a ele cabe o papel de mediador social para que as
desigualdades não se ampliem de tal modo a ferir o direito de todos ao acesso a um
mínimo razoável de riqueza social, pois isto pode ser perigoso à manutenção da
harmonia entre os trabalhadores (TONET, 2005).
Por isso, os programas52 e políticas públicas são de extrema importância para
amenização dos efeitos sociais sobre o ser humano e garantia do mínimo necessário
à existência, harmonizando minimamente o todo social.
4.1. Ineficiência do SUS e a indústria farmacêutica: a doença humana como
fonte de lucro
Com o intuito de complementar as considerações postas, realizaremos uma
discussão sobre o papel da indústria farmacêutica no contexto do capital.
Inicialmente, é importante relembrarmos que a mercadoria é elementar na
sociedade capitalista. Sua produção consiste em um momento fundamental na
sociedade capitalista porque a mercadoria é um veículo para a produção de valor.
Desta forma, é importante deixar claro que a sociedade capitalista é uma sociedade
produtora de valor e não de mercadorias (MARX, 1983).
Por isso, a tendência desta sociedade é que tudo se transforme em
mercadoria, inclusive, a própria saúde. De acordo com Lefèvre (1991), a saúde está
sempre associada a bens de consumo que objetivam promover a própria saúde,
como os medicamentos, serviços particulares, os seguros de saúde, os alimentos
51
A ideia de intervenção do Estado na área da saúde pública surge em 1779, na Alemanha. Posteriormente, este sistema foi ampliado para a França e em seguida copiado por diversos outros países. Esses primeiros planos de saúde prometiam proteção do “berço à tumba” e atenção total em saúde a toda a população, por meio da utilização de recursos públicos (SCLIAR, 2007). 52
No trato das políticas públicas no Brasil na atualidade, vale salientar que grande parte das ações governamentais acontece no formato de programas e não de políticas públicas. Isto porque a maioria das ações são temporárias, pois podem ser alteradas de acordo com o governo vigente, e visam atender a grupos específicos, os chamados grupos vulneráveis ou de risco. Já uma política pública representa algo mais contínuo, mais estável. Desta forma, no Brasil existe uma predominância de programas governamentais e filantrópicos que visam atendem a um grupo de pessoas específicas, e não toda a população. Esta crítica é realizada por Lara, bem como por outros pensadores do campo das políticas públicas.
106
especiais, os exercícios físicos, habitação, saneamento básico, etc. Assim, para o
autor, a saúde é um produto à venda no mercado, através de suas mercadorias
específicas.
Com isto, a ineficiência do SUS é ponto de grande interesse para o
desenvolvimento da indústria farmacêutica, uma vez que, quanto menos
mercadorias de saúde a classe trabalhadora recebe do Estado, maior é a procura
por serviços privados, o que faz com que a indústria farmacêutica cresça cada vez
mais.
Tendo em vista que a produção e a venda de mercadorias são ações
fundamentais para o metabolismo social capitalista, uma vez que é por meio deste
ciclo que se tem a produção e realização de mais-valia, existe grande incentivo para
que haja o consumo destas que, no caso, são mercadorias relacionadas à saúde. E
este crescimento no consumo de mercadorias relacionadas à saúde, vem sendo
chamada de fenômeno da medicalização, que pode ser entendido como a crescente
dependência dos sujeitos em consumir os serviços e bens de ordem médico-
assistencial (BARROS, 2002).
Nesse complexo de consumo exagerado, passa-se a considerar como doença
diversos problemas que antes não tinham tal denominação, para que, por fim,
estimule ainda mais o consumo de procedimentos médicos, não importando que, por
vezes, os resultados obtidos sejam meros paliativos.
Desta forma, para quaisquer problemas de saúde, existe um tipo de doença e,
para o tratamento desta, utiliza-se um tipo de remédio, sendo estes entendidos por
Leite, Vieira e Veber como:
[...] elementos de primeira ordem que constituem em ferramentas poderosas para mitigar o sofrimento humano. Produzem curas, prolongam a vida e retardam o surgimento de complicações associadas a doenças, facilitando o convívio entre o indivíduo e sua
enfermidade (2008, p. 794).
Assim, para todos os problemas humanos existe um tipo de remédio, tipo de
mercadoria que até o século XVIII representava um recurso adicional à prática
médica. Além disso, para cada tipo de doença existe um médico diferente. Pois,
como decorrência inevitável do aprofundamento no conhecimento dos pedaços do
organismo, apareceram as super e subespecializações desbancando o antigo clínico
geral.
107
Com vistas a ampliar o consumo das mercadorias medicamentosas, são
atribuídas diversas virtudes aos fármacos. Sendo assim, há expectativa de que os
mesmos tragam, além de benefícios de ordem fisiológica, conforto moral, sensação
de segurança, alívio da angústia, preenchimento do sentimento de vazio (BARROS,
2002).
Não é por acaso os casos de hipocondria, situação em que pessoas se
tornam dependentes do consumo de remédios. Inclusive de medicamentos aos
quais estudos científicos não comprovam seus efeitos (ROZENFELD, 2003).
Como fruto desta realidade atual, são frequentes os casos de reações
adversas provocadas pelo uso indevido e excessivo de remédios das mais diversas
qualidades.
De acordo com a OMS, os hospitais gastam de 15% a 20% de seus
orçamentos para tratar as complicações causadas pelo mau uso de medicamentos
(LEITE; VIEIRA; VEBER, 2008). Informações fornecidas pelo Sistema Nacional de
Informações Tóxico Farmacológicas (SINITOX, 2011) indicam que os medicamentos
ocupam o primeiro lugar entre os agentes causadores de intoxicação em seres
humanos e a segunda posição nos registros de mortes por intoxicação.
De acordo com Leite, Vieira e Veber (2008), o progresso na utilização de
medicamentos tem sido notado desde o aparecimento dos primeiros antiinfecciosos,
no período que compreende as décadas de 1930 e 1940, tendo este aumento
reduzido significativamente os índices de morbidade e mortalidade no século XX.
Assim, em síntese, para o “aquecimento” da indústria farmacêutica, instaurou-
se um ciclo vicioso de consumo de medicamentos. Além das doenças oriundas da
forma como a nossa sociedade está organizada, algumas doenças são formuladas
e, para elas, vários medicamentos são indicados para consumo. Tendo em vista as
diversas “virtudes” relacionadas aos medicamentos e, também, a ineficácia do
sistema de saúde, as pessoas acabam por exagerar no consumo de remédios ou os
ingerem indevidamente. Tais situações acabam por provocar novas doenças, dando
continuidade ao ciclo e iniciando o efeito “cascata” da utilização de medicamentos.
Soma-se a isso o fato de, por vezes, algumas informações sobre efeitos colaterais
de medicamentos serem camuflados, para que não diminua a venda do produto.
Neste contexto de incentivo ao consumo medicamentoso, problematizam-se,
por vezes, as práticas que passam a diagnosticar psicopatologias e prescrever
medicamentos, em consonância com a lógica de consumo.
108
Assim, concordamos com Eidt e Tuleski (2007) quando salientam que, no
capitalismo, ao mesmo tempo em que se produzem e reproduzem mercadorias
visando ao acúmulo de capital, produzem-se e se reproduzem patologias com o
mesmo objetivo. Com isso, o mercado farmacêutico e terapêutico floresce, bem
como a indústria de manuais dirigidos a pais, professores e profissionais, sem a
devida reflexão sobre as consequências da medicalização para os indivíduos e para
a sociedade.
Nesse panorama de produção em escala de novos medicamentos, cada nova
descoberta é bastante valorizada, gerando uma nova patente, que comporá o
mercado e acirrará, ainda mais, a concorrência deste. Por isso, as indústrias não
cruzam os dados de suas pesquisas, tendo em vista que são concorrentes, limitando
sobremaneira a produção de conhecimentos para a área da saúde. Nessa
perspectiva, Gadelha (2006) considera que na área da saúde o desenvolvimento
industrial se tornou problemático, uma vez que os interesses empresariais se movem
pela lógica econômica do lucro e não para o atendimento das necessidades da
saúde.
Com isto, vários medicamentos são apressadamente aprovados e
direcionados à comercialização, mesmo sem ainda ter seus efeitos devidamente
estudados e comprovados, o que pode acarretar o desenvolvimento de diversos
distúrbios no organismo (BOTSARIS, 2001).
Por outro lado, existe a medicina alternativa53, que há tempos vem
demonstrando bons resultados terapêuticos e, apesar disso, vem recebendo
diversas críticas pela medicina clássica, por considerá-la inútil e com eficácia
duvidosa.
No Brasil a medicina alternativa não é uma prática legalizada, diferentemente
dos Estados Unidos onde é liberada. Para Botsaris (2001) a medicina alternativa
deveria ser legalizada, pois poderia complementar a medicina clássica. No entanto,
por conta dos interesses das empresas farmacêuticas, principalmente, as
multinacionais, a medicina alternativa não tem espaço no mercado.
Vale destacar que, para o capitalismo, a produção de doenças é contraditória:
é positiva porque aumenta o consumo de remédios e demais mercadorias
53
Também conhecida como “medicina natural”, diversas conceituações podem ser encontradas para o termo “medicina alternativa”. Para Spethmann (2003, p. 17), a medicina alternativa pode ser entendida como: “[...] tratamentos à base de plantas medicinais, hortaliças, frutas, argila e água [...]” que podem ser utilizados em adição ou no lugar do tratamento médico convencional.
109
relacionadas à saúde, aquecendo o mercado da indústria farmacêutica, entretanto,
por outro lado, diminui a capacidade da força de trabalho, fundamental para o
funcionamento da sociedade capitalista.
É claro que o desenvolvimento da tecnologia e da farmacêutica foi e é
fundamental para a humanidade, uma vez que este apresentou novas possibilidades
para a luta contra as doenças. E isto é muito importante quando tem-se perspectiva
de revolução social, tendo em vista que, para que esta aconteça, serão necessários
homens com condições físicas para o enfrentamento. O problema é que todo este
desenvolvimento tecnológico vem sendo postos para o desenvolvimento do capital e
não do gênero humano.
Portanto, em linhas de síntese, existe forte apelo ao consumo de
mercadorias, mesmo que este seja desnecessário e venha a trazer prejuízos ao
organismo humano, afinal de contas, não se pode perder de vista que a indústria
farmacêutica lucra com as doenças e não com a cura delas.
Desta forma, vimos neste capítulo que a política é uma ação ontologicamente
limitada no sentido de transformação radical da sociedade. Isto porque os limites da
ação política se esbarram na emancipação política, condição que mantém intacta as
bases materiais desta sociedade. Entretanto, as políticas são importantes para a
classe trabalhadora, pois, instauram reformas que, por vezes, melhoram as
condições de vida da população e criam embates importantes com o capital.
No campo da saúde no Brasil, podemos considerar o SUS como principal
política pública vigente. Sistema este que vem sofrendo significativos cortes com as
ofensivas neoliberais. O que acabou por prejudicar o funcionamento deste sistema e
dar espaço ao crescimento do setor privado, mais produtivo ao capital se comparado
ao público. Neste contexto de precaridade no oferecimento de serviços públicos de
saúde, até mesmo pelo setor privado, o mercado da saúde se desenvolveu ainda
mais, aquecendo também a indústria farmacêutica.
Portanto, o capitalismo vem se apresentando como incapaz de universalizar a
saúde a todos, principalmente quando estamos tratando de países da periferia
capitalista, como o Brasil.
Questão esta que também acabou por influenciar o campo educacional,
especialmente, o da Educação Física, uma vez que esta disciplina é a que
primeiramente responde pelo conteúdo saúde na escola.
110
A fim de melhor explorar esta problemática, no próximo capítulo, buscaremos
identificar os desdobramentos desta lógica para o campo da educação e, mais
especificamente, da Educação Física.
111
5. EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE: A ABORDAGEM SAÚDE RENOVADA EM
QUESTÃO
Como visto até então, com o processo de complexificação das relações de
produção capitalista, complexificaram-se também suas contradições, impactando
direta e negativamente as condições de vida da classe trabalhadora.
Com isto, considerando esta tendência da sociedade capitalista, medidas
sociais para amenizar estes efeitos negativos tendem a se proliferar em todas as
áreas sociais, para que sejam mantidas as condições mínimas de reprodução desta
sociedade.
No campo educacional, a disciplina de Educação Física é a que primeiro
responde pela saúde no espaço escolar e, por isso, sua presença na escola vem
sendo valorizada, especialmente quando adota o discurso de promoção de saúde e
qualidade de vida.
Dentre as abordagens em Educação Física que vem adotando este discurso e
objetivo, encontra-se a abordagem Saúde Renovada, apresentada no primeiro
capítulo desta monografia.
Entendendo que esta abordagem se sustenta e desenvolve sua
argumentação a partir de duas teses centrais - universalização da saúde via
educação e a saúde como objetivo da Educação Física na escola - nos
voltaremos agora para a discussão destas proposições a fim de entender os limites e
possibilidades destas no contexto da sociabilidade capitalista.
5.1. Universalização da saúde via educação
Antes de tratar da universalização da saúde via educação, acreditamos ser
precedente a discussão sobre a universalização da educação. E para tanto, nos
apoiaremos principalmente em Tonet (2007), em seu livro intitulado “Educação
contra o capital” e na dissertação de mestrado de Maceno (2005), intitulada:
“(Im)possibilidades e limites da universalização da educação sob o capital” onde o
autor, a partir de um diálogo com Lukács, Leontiev e Tonet, buscou apontar os
limites e demonstrar a impossibilidade de universalização da educação formal sob o
capitalismo.
112
Para Maceno (2005), a educação tem como função social dotar os homens de
um instrumental para que eles possam viver socialmente, tendo em vista que o que
a natureza dá aos homens quando nasce não é o suficiente para viverem em
sociedade, haja vista que a educação não é geneticamente herdada.
A apreensão da riqueza histórica pelos indivíduos só pode se dar de maneira
ativa, uma vez que isso não se dá biologicamente. Assim, segundo Leontiev (apud
Maceno, 2005, p. 32), o homem se apropria dos conhecimentos humanos no
decurso da vida, quando adquire propriedades e faculdades verdadeiramente
humanas. Essa aquisição da produção humana não se dá de forma individual, mas
sim, social. O que significa que nenhum indivíduo é capaz de se apropriar dos
conhecimentos humanos sem que sejam estabelecidas mediações sociais.
Desta forma, compartilhamos com Tonet (2007) e Maceno (2005) o
entendimento de que cabe a educação, em um sentido amplo, a tarefa de permitir
aos indivíduos a apropriação dos conhecimentos, habilidades e valores necessários
para os homens tornarem-se membros do gênero humano. Portanto, para os
autores, a educação pode ser entendida como mediação para a reprodução social.
Assim, a educação é um processo social e só ocorre entre os homens e sem
a educação não haveria a reprodução da sociedade (MACENO, 2005). Para garantir
a sobrevivência da humanidade, os homens precisam constantemente transmitir as
gerações seguintes os conhecimentos da humanidade.
Por isso, a existência humana é indissociável da educação. Ela é fundamental
para que os homens aprendam a reagir com o mundo natural e social de forma
favorável a reprodução social. Nesta perspectiva, podemos entender que a função
social da educação é realizar mediação entre indivíduo e gênero.
Tendo em vista tais aspectos, a reprodução de conhecimentos se dará em
todos os tipos de sociabilidade, uma vez que é fundamental à humanidade. Não só a
reprodução de conhecimentos como a preparação para a formulação de novos
conhecimentos, que também é tarefa da educação. O que pode mudar é apenas a
forma como estes conhecimentos são transmitidos, uma vez que este processo está
condicionado à forma como os homens reproduzem a vida em cada momento
histórico. Sendo assim, para Maceno (2005), a forma de reprodução da sociedade
impõe de antemão os limites e possibilidades de atuação da educação.
113
Nas sociedades primitivas, havia autêntica universalização54 da educação
porque o acesso à produção cultural e espiritual do gênero humano não encontrava
barreiras socialmente construídas, o que acontecia porque era fundamental para a
reprodução da sociedade que todos tivessem conhecimento (MACENO, 2005).
Com o surgimento da sociedade baseada na propriedade privada dos meios
de produção, complexificação da divisão social do trabalho e surgimento das classes
sociais, o acesso à educação passa a ser desigual. Portanto, podemos entender que
a educação nasce universal e se torna desigual com a sociedade de classes
(MACENO, 2005).
Na sociedade de classes, há uma diferenciação no acesso aos
conhecimentos historicamente acumulados. Pois, a partir do momento em que passa
a existir uma classe dominante e uma classe dominada, o conhecimento passa a ser
transmitido de forma diferenciada, segundo os interesses da classe dominante.
Assim, podemos entender que a divisão da sociedade em classes afetou a
forma de se desenvolver do ser humano, pois, enquanto alguns passaram a ter
melhores condições de desenvolvimento, ou seja, de entrar em contato com o
conhecimento historicamente produzido e acumulado pelos homens, outros
passaram a não possuir as mesmas condições, tornando o desenvolvimento
humano de muitos, limitado.
Isto porque a transmissão de conhecimentos a todos se tornou desnecessária
à reprodução da sociedade. Por isso, nas sociedades de classe anteriores à
capitalista, não havia a perspectiva de universalizar a educação, uma vez que as
diferenças eram vistas como naturalmente postas.
Desta forma, no capitalismo, forma mais acabada da sociedade de classes, o
conhecimento historicamente acumulado pelo homem não é transmitido a todos os
homens, mas somente a um grupo de “privilegiados” – os burgueses. Pelo mesmo
motivo citado anteriormente - porque a educação para todos torna-se
desnecessária.
Para explicar melhor esta questão, utilizaremos as ideias apresentadas por
Marx (1983). Inicialmente é preciso entender que o sistema capitalista é composto
por capital constante (máquinas, prédios, etc.) e capital variável (força de trabalho).
54
Para Maceno (2005, p. 19), o termo universalização é entendido como: “[...] processo de expansão e ampliação do acesso à educação em sentido estrito ou formal, nomeadamente na modalidade escolar”.
114
E, com o desenvolvimento das forças produtivas, nesta composição orgânica do
capital, existe uma tendência de aumento do capital constante e diminuição de
capital variável, no sentido de sempre aumentar a produtividade com vistas à
diminuição do valor das mercadorias.
Logo, esta dinâmica social tende a promover o aumento do número de
desempregados, aumentando a concorrência pelas vagas de emprego. Desta
forma, é importante um critério de “desempate” para a ocupação das vagas
remanescentes. E o oferecimento deste critério é um dos papéis desempenhados
pela educação na sociabilidade do capital.
Com isto, podemos entender que, nesta sociedade, somente uma minoria,
precisa deter o conhecimento acumulado pela humanidade. Minoria representada,
principalmente, por aqueles que ocupam cargos de planejamento e
desenvolvimento de tecnologia.
Desta forma, concordamos com Lazarini (2007) quando o autor afirma que a
formação para o trabalho é uma meta irrealizável. Primeiro porque a educação não
consegue acompanhar as “necessidades do mercado”, segundo, porque não é
necessária esta preparação, tendo em vista que muitas profissões são aprendidas
no próprio local trabalho55. Neste sentido, apenas uma minoria precisa se apropriar
de conhecimentos para que haja o desenvolvimento tecnológico e aprimoramento
do capital constante (GOUNET, 1999). Por isso, de forma geral, a Educação Básica
não é voltada para o desenvolvimento da capacidade de análise, mas sim, apenas
voltada a capacidade de leitura de manual de instruções. Ou seja, para a maioria da
classe trabalhadora é oferecida somente uma educação qualitativamente
esvaziada.
Entretanto, seu papel de reprodução social continua a ser exercido. Assim,
além de critério de desempate para o mercado de trabalho, a educação é
fundamental ao capitalismo, uma vez que age na transmissão de valores
importantes para a continuidade e manutenção deste sistema. Nesta perspectiva
encontra-se a educação para o desenvolvimento da cidadania e democracia.
55
Para ilustrar esta questão, pegamos um exemplo dos trabalhadores das indústrias da Foxconn, maior empresa responsável pela fabricação de portáteis como iPhones e iPads. Segundo programa de televisão norte-americano, estes trabalhadores passam apenas três dias aprendendo e treinando antes de começar a trabalhar. Disponível em: <<http://www.tecmundo.com.br/curiosidade/19722-
115
5.1.1. Educação para a cidadania e democracia
Para melhor compreender esta perspectiva de educação, nos basearemos em
Lessa e Tonet (2011). Para estes autores, o enorme avanço das forças produtivas
abriram possibilidades nunca antes imaginadas para o desenvolvimento da
humanidade. Este avanço deveria ter proporcionado a todos um aumento
significativo do tempo livre, uma vez que implicou a diminuição do tempo de
produção das mercadorias. Entretanto, para a classe trabalhadora, este avanço
somente produziu aumento da exploração e maior precarização da vida.
Desta forma, esta forma de organização social está longe de ser harmônica.
Os benefícios deste avanço produtivo são desfrutados apenas por uma pequena
parcela da sociedade, a classe burguesa e, em contrapartida, negados à maior
parte da população, a classe trabalhadora (LESSA; TONET, 2011).
Ainda de acordo com os autores, esta contradição faz parte da essência da
sociedade capitalista. E, para que esta disputa de classes não resulte em uma
guerra civil, o que consequentemente, desorganizaria a produção e interromperia o
processo de acumulação, é necessária que seja organizada uma forma aceitável de
reprodução capitalista.
Uma das formas de se organizar estas disputas é por meio da democracia
burguesa. É importante destacar que democracia, no sentido moderno do termo, é
criação da burguesia e pode ser considerada a forma mais desenvolvida da
sociedade capitalista. Além disso, caracteriza-se pela vinculação da ideia de que
todos os homens são iguais, desconsiderando as inúmeras diferenças entre os
indivíduos.
Por isso, esta igualdade política afirmada pela democracia acaba por
estabelecer somente a máxima liberdade da classe dominante para explorar a força
de trabalho. Isto porque a igualdade política e jurídica, nada mais é do que a
afirmação das desigualdades sociais. Por isso, a cidadania, conceito chave para a
democracia, não representa nenhum obstáculo ao capital, à exploração do homem
pelo homem (LESSA; TONET, 2011).
Vale destacar que, no Brasil, nem mesmo os direitos de cidadania a classe
trabalhadora tem garantidos, como por exemplo, o direito a educação e saúde,
funcionarios-da-foxconn-trabalham-12-horas-por-dia-e-precisam-pagar-por-refeicoes.htm>> Acesso em: 01 de set. de 2012.
116
como visto no capítulo anterior. Neste sentido, concordamos com Tonet (2007)
quando o autor considera que nem mesmo o projeto de educação burguesa
conseguiu se consolidar no capital.
Assim, em síntese, a democracia é uma forma de organizar a sociedade de
modo a dar a maior liberdade possível ao desenvolvimento e reprodução do capital,
uma vez que age dentro dos limites do campo político. Desta forma, por mais
aperfeiçoada que seja a democracia, ela jamais significará liberdade aos
trabalhadores, porque nunca direcionará a uma transformação radical da sociedade
de classes (LESSA; TONET, 2011).
É claro que estas ideias representaram um grande avanço para a
humanidade. Ela é uma forma de liberdade superior à escravidão e servidão. Mas é
uma forma essencialmente limitada, uma vez que é meramente formal (LESSA;
TONET, 2011).
Desta forma, o Estado burguês, por mais democrático que seja, será sempre
um instrumento de repressão contra a classe trabalhadora. Portanto, sempre que
algum conflito representar uma ameaça a ordem burguesa, o Estado intervirá para
garantir os interesses burgueses, mesmo que para isso tenha que suspender os
direitos democráticos da classe trabalhadora (LESSA; TONET, 2011).
Para a compreensão da influência deste ideário burguês no campo
educacional contemporâneo, é importante considerarmos as informações dispostas
por Lazarini (2007).
Para este autor, as tentativas de transformação social ocorridas na Rússia e
China criaram a impressão da não existência de alternativas frente ao capitalismo.
Com isto, criou-se a ideia de que a sociedade não poderia ser radicalmente
transformada, mas sim, apenas reformada. E esta ideia de impossibilidade de
transformação social acabou por invadir todo o pensamento social, influenciando
significativamente o setor educacional.
A “Conferência de Educação para Todos”, realizada em 1990 na cidade de
Jointien, pode ser considerada um marco mundial na formulação de uma perspectiva
de educação voltada à cidadania e democracia. Nesta Conferência foram formuladas
as teses de Jointien, que nortearam a formulação das políticas educacionais nos
últimos anos, no setor formal e informal de diversos países, dentre eles o Brasil.
Desta forma, para Lazarini (2007), esta é a matriz que conduz todo o pensamento
117
educacional na atualidade, uma vez que praticamente todas as instituições
educacionais, formais ou informais evocam estes princípios.
No contexto brasileiro, para pensarmos sobre a perspectiva da educação
para a cidadania e democracia no campo educacional, é fundamental nos voltarmos
para o contexto da década de 1980. Isto porque, com o término da ditadura militar
no Brasil, tivemos um momento de abertura política e com este, um intenso
movimento de redemocratização do país, que envolveu muitas lutas (TOLEDO;
RUCKSTADTER, 2011).
O primeiro passo neste processo de redemocratização foi a elaboração de
uma nova Constituição Federal, publicada em 1988, tendo a democracia como eixo
articulador. Desta forma, esta perspectiva acaba se desdobrando para o campo
educacional. Pois, com uma Constituição democrática, a educação, por sua vez,
não poderia deixar de assim ser. Prova disso é se verificarmos os documentos
educacionais, que direcionaram programas de formação em âmbito mundial, e que,
portanto, deram os rumos da educação contemporânea (TOLEDO;
RUCKSTADTER, 2011).
Tomamos como exemplo, dois documentos de grande relevância no cenário
educacional brasileiro contemporâneo: as Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB 9.394/96) e o PNE.
A LDB 9.394/96 consolida e amplia o dever do poder público para com a
Educação em geral e em particular para com o ensino fundamental. Assim, vê-se no
art. 22 dessa lei que a Educação Básica deve assegurar a todos “a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no
trabalho e em estudos posteriores” (LDB 9.394/96).
Este documento estabelece os princípios que devem embasar o ensino,
dentre os quais, destacamos: igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola; gestão democrática do ensino público; garantia de padrão de qualidade e
a vinculação entre a Educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
O ensino proposto pela LDB (1996) pretende alcançar o objetivo maior da
educação, que é o de propiciar a formação básica para a cidadania. Para tanto, os
estabelecimentos de ensino devem dar condições aos alunos para:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a
118
compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social (art. 32).
Desta forma, de forma geral, este documento, desde sua promulgação vem
direcionando a educação escolar brasileira, basicamente, para a formação para o
trabalho e cidadania.
Outro documento de grande importância à educação brasileira e que
influenciará fortemente o destino desta é o PNE, documento elaborado em 2010,
que vigorará durante o período de 2011 a 2020. Sua análise é de fundamental
importância, uma vez que demonstra os objetivos que o Brasil buscará alcançar no
campo educacional até 2020. Objetivos estes que são apresentados no art. 2° do
PNE:
I- erradicação do analfabetismo, II- universalização do atendimento escolar, III- superação das desigualdades educacionais, IV- melhoria da qualidade de ensino, V- formação para o trabalho, VI- promoção da sustentabilidade sócio-ambiental, VII – promoção humanística, científica e tecnológica do país, VIII- estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto, IX – valorização dos profissionais da educação, e X- difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão democrática da educação.” (BRASIL, 2010, p. 07).
Concordamos com Tonet (2005), no sentido de que educar para a cidadania
ou democracia significa formar um sujeito conformado com a realidade social posta,
que seja ciente de seus deveres e direitos desta sociedade e que esteja disposto
para defender a sua pátria e harmonia do mundo. Neste sentido, formar o cidadão
trata-se de formar o sujeito adaptado ao capitalismo.
Por vezes, a cidadania vem sendo apresentada como sinônimo de
emancipação humana e liberdade plena, como objetivo final da prática educativa.
Contudo, baseando-se em Tonet (2005) chega-se ao entendimento que o exercício
mais pleno da cidadania não pode romper com o trabalho alienado do capital. Pois
a cidadania tem a capacidade de levar a sociedade, no máximo, à emancipação
119
política. Exercer os direitos da cidadania, assim, somente tem o poder de tencionar
com o capital, mas jamais romper radicalmente com sua lógica.
Então, podemos concluir com este capítulo, que não é função da educação
formal na sociedade capitalista universalizar o conhecimento produzido e acumulado
pela humanidade. Este conhecimento somente deve chegar a alguns, para a
continuidade da reprodução da sociedade e desenvolvimento da ciência e
tecnologia.
A função da educação nesta sociedade está centrada, principalmente, na
internalização dos valores próprios desta sociedade, de suma importância para a
manutenção da ordem social posta. Internalização esta que vem sendo realizadas
por abordagens que visam educar para a cidadania e democracia.
Então, apesar de o discurso da universalização da educação estar bastante
presente na atualidade, a universalização dos conhecimentos historicamente
produzidos e acumulados pela humanidade é uma impossibilidade no capital,
justamente porque esta não é uma necessidade para a reprodução social.
Portanto, a educação é uma prática social que acompanha as necessidades
da sociedade em cada momento histórico. Por isso, não é possível termos uma
educação no capitalismo que não tenha o primado de preparar as pessoas para a
reprodução desta sociedade.
Para a superação desta realidade atual, caracterizada pela universalização
formal da educação, com vistas a uma universalização real, o fim da propriedade
privada dos meios de produção e das classes sociais é imprescindível.
5.2. A saúde como objetivo da Educação Física na escola
Considerando a discussão realizada até aqui e iniciando a discussão sobre a
universalização da saúde via educação, levantamos a seguinte questão: Se a
educação na sociedade capitalista vem se mostrando incapaz de universalizar o
conhecimento historicamente construído e acumulado pelos homens, porque e
como agiria como universalizadora de saúde?
Como vimos no decorrer deste trabalho, a saúde é uma condição
socialmente construída e, por isso, dependente de diversos fatores, podemos
considerar que ela não pode se dar unicamente pela educação, uma vez que
existem inúmeros outros determinantes envolvidos.
120
Vimos também que a dinâmica capitalista não proporciona condições
adequadas para se ter uma boa saúde a grande maioria da humanidade. E, desta
forma, para que a humanidade tivesse melhores condições de vida e,
consequentemente, de saúde, seria necessária uma transformação radical das
bases sociais, enraizadas na categoria trabalho.
E neste processo de transformação radical da sociedade a educação, apesar
de importante, não é determinante. Pois, sendo a protoforma do mundo humano o
trabalho, uma mudança radical só poderia se dar nos contornos desta prática social.
Portanto, respondendo a questão anteriormente levantada - Se a educação
na sociedade capitalista vem se mostrando incapaz de universalizar o
conhecimento historicamente construído e acumulado pelos homens, porque e
como agiria como universalizadora de saúde? – conclui-se que, pela educação nos
moldes capitalistas, definitivamente, não é possível universalizar a saúde, bem
como as riquezas da humanidade, uma vez que ela é uma prática social que não
incide sobre as bases sociais.
É curiosos destacar que a justificativa frente esta “ineficiência” desta
abordagem em universalizar a saúde é comumente deslocada da raiz social para os
mais diversos aspectos, como por exemplo: protocolos ineficientes, amostras
inadequadas e falta de pesquisas. Assim, como o fundamento dos problemas sociais
permanece intocado, existe a constante necessidade por novos estudos na área,
situação que podemos visualizar com clareza na atualidade.
Por isso, a educação para a saúde no capitalismo, pode somente, e quando
muito, convencer alguns grupos isolados a melhorarem seus comportamentos,
quando estes tiverem condições para isso.
Assim, em síntese, a abordagem Saúde Renovada jamais possibilitará a
universalização da saúde como proclama, tendo em vista que o processo de saúde
e doença tem determinantes sociais que transcendem o campo educacional e não
dependem, somente, da mudança de comportamento individual ou do
estabelecimento de alguma política. Desta forma, o alcance máximo desta
abordagem, assim como as demais estratégias em saúde na sociedade capitalista,
é a amenização dos efeitos do capital sobre a saúde humana, e somente em alguns
casos específicos.
Portanto, diferentemente do que propõe a abordagem Saúde Renovada a
escola não pode ser vista como a grande responsável por resolver os problemas de
121
saúde da sociedade, visto que isto representaria uma grande utopia se levarmos
em consideração a função, papel e os limites da educação formal na sociedade
capitalista.
Mas, se a abordagem em questão não tem a capacidade de universalizar a
saúde, porque vem se destacando no campo da Educação Física na atualidade?
Em que medida esta abordagem vem sendo importante para a reprodução da
sociedade capitalista?
Dentre os aspectos que poderiam se levantados, destacamos, primeiramente
a funcionalidade desta perspectiva educacional na medida em desloca a questão
da saúde e doença do setor social para o individual, que, como já vimos
anteriormente não é somente uma função que a educação vem exercendo.
A abordagem ainda considera que o “estado de ser saudável” deve ser
“adquirido e reconstruído de forma individualizada”, deixando entender que as
pessoas são responsáveis pelas suas condições de saúde. Proposição que está
intrinsecamente ligada a um pensamento característico na sociedade capitalista,
vinculado por esta abordagem, de que a saúde é uma questão de comportamento
individual, ou seja, é dependente da tomada de decisão e vontade das pessoas. No
entanto, basta analisarmos a realidade social para verificarmos que muitos outros
fatores agem como interferentes na saúde, e não somente a falta de vontade e
conhecimento sobre os benefícios da prática de atividade física e alimentação
adequada.
É importante considerar que mesmo quando são obtidos bons resultados em
programas e aulas de Educação Física, estes são locais e temporários. Isto porque
o fato de se ter a plena consciência de que a alimentação e exercícios fazem bem à
saúde em nada altera as condições de vida da população. Pois, somente a
percepção do que é adequado não implica em uma vida com maior qualidade, uma
vez que isto está condicionado a alteração das bases materiais da vida, como já
vimos no capítulo 3, quando foi discutida a problemática da obesidade.
Nessa perspectiva a abordagem também propõe que os programas de
Educação Física sejam modificados para que os alunos assumam posições
positivas quanto a prática de atividade física. Obviamente, frente aos dados sobre
sedentarismo na sociedade atual, deve-se incentivar a prática adequada de
atividade física na população jovem, pois, como já apresentado, a prática de
atividades físicas é importante para melhorar a saúde e prevenir doenças.
122
Entretanto, este mero incentivo, sem que haja alteração das bases materiais e
concretas da sociedade, somente aliviará momentaneamente, e em alguns casos
específicos, os efeitos do capitalismo sobre a saúde da classe trabalhadora.
Para as pessoas terem uma boa qualidade de vida, elas precisam ter boas
condições e vida para tanto, e isto, inclui uma boa alimentação, moradia, condições
de trabalho, transporte, etc. E, para que isto aconteça, é necessária uma
transformação radical da sociedade, uma vez que o capital já demonstrou de
inúmeras formas que é incapaz de prover aos seres humanos as condições
necessárias a uma boa qualidade de vida, como já apresentado nos capítulos
anteriores.
Tendo em vista tais aspectos, Schneider (1999) critica a abordagem Saúde
Renovada no sentido desta não levar em consideração o contexto socioeconômico
em que as crianças e adolescentes estão inseridos, tendo em vista que os filhos da
classe burguesa e assalariada são tratadas como se tivessem as mesmas
condições de vida, sendo que não tem. O autor considera, ainda, que tal situação
pode ser consequência do limitado conceito de saúde na qual a abordagem está
baseada, não levando em conta os aspectos de ordem social envolvidos na
problemática da saúde.
Adicionamos ainda uma crítica sobre a forma como é apresentada a relação
entre atividade física e saúde, tendo em vista que esta é apresentada como uma
relação de causa e efeito. Ou seja, as considerações realizadas pelos autores da
abordagem da Saúde Renovada entendem que se uma pessoa começar a praticar
atividade física, ela, consequentemente, terá saúde, não se levando em conta,
assim, os demais interferentes desse processo. Com isso, ao invés de buscarem as
causas dos problemas de saúde nas bases econômicas da sociedade, direcionam a
“culpa” ao comportamento das pessoas e, neste contexto, a atividade física é
indicada como um dos principais remédios para as enfermidades sociais.
Com isso, essa abordagem contribui para o mascaramento das contradições
sociais, deslocando a saúde para a responsabilidade individual. O que importante
no processo de conformação social das relações postas.
Então, esta abordagem de Educação Física é interessante ao capital na
medida em que ameniza os problemas de saúde causados por sua dinâmica
social, o que é de grande importância para a manutenção da força de trabalho
explorável.
123
Mediante o exposto, podemos compreender que esta abordagem consiste
em um reflexo da lógica conformadora para o campo da Educação Física, na
medida em que visa contribuir para a cidadania e democracia e continuidade da
sociedade de classes.
Ou seja, mediante este contexto educacional embebido pela lógica
conformadora e naturalizadora, característica da sociedade capitalista, a disciplina
de Educação Física não poderia deixar de exercer o seu papel na tarefa de
transmissão desta lógica.
Este processo de transmissão é definido por Mészáros (2008, p. 44) pelo
termo “internalização”, como explica o autor:
[...] a questão crucial, sob o domínio do capital, é assegurar que cada indivíduo adote como suas próprias as metas de reprodução objetivamente possíveis do sistema. Em outras palavras, no sentido verdadeiramente amplo do termo educação, trata-se de uma questão de “internalização” pelos indivíduos [...] da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com as suas expectativas “adequadas” e as formas de conduta “certas”, mais ou menos explicitamente estipuladas nesse terreno.
Logo, a abordagem Saúde Renovada é mais uma das abordagens e
perspectivas de Educação Física existentes direcionadas a este fim, que surgiu no
cenário brasileiro no contexto da década de 1980.
Assim, mediante o exposto, podemos concluir que a abordagem Saúde
Renovada não passa de mais uma prática social que retira o foco da
problematização social para o comportamento individual. Seu objetivo é melhorar a
vida das pessoas, por meio da amenização dos efeitos do capital sobre a saúde,
com o fim último de preservação social. Além disso, vem sendo importante ao
capital para transmitir valores e bons comportamentos, como cuidado com a saúde
e corpo, a ideia da saúde enquanto responsabilidade individual, dentre outros
valores e ideias que compõem o espectro da cidadania, como já discutido.
Com isso, a abordagem volta-se para a formação do cidadão e para o
desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais democrática, portanto, cada vez
mais adaptada ao pleno desenvolvimento do capital.
Pois, revestida de um discurso falacioso e sedutor de universalização da
saúde a partir da esfera educacional, esta abordagem, que tem seus fundamentos
124
alicerçados na perspectiva da aptidão física, nada mais é do que mais um
instrumento capitalista para manter a ordem capitalista.
Assim, podemos entender que desde seu surgimento na escola, a Educação
Física vem contribuindo para a saúde humana no sentido de estar amenizando os
problemas causados pela sociedade do capital. Função esta que vem sendo
exercida também pela abordagem Saúde Renovada que, apesar de dotada de um
novo discurso, que utiliza de palavras como “educação total”, “qualidade de vida”,
não passa de uma abordagem acrítica e limitada de entender a saúde e a Educação
Física e que busca, sobretudo, manter a ordem social vigente.
Desta forma, é evidente que a apreensão da realidade por meio dos
idealizadores desta abordagem não ultrapassa os limites da aparência do real, do
seu aspecto fenomênico, já que restrita a questão do comportamento. Não parece
haver por parte dos autores a intenção de revelar os nexos causais, ou seja, as
determinações e raiz dos problemas. Daí se assemelha e muito a tendência da
aptidão física com esta. São novas formas de expressão, cuja essência permanece
inalterada.
Por isso, a proposta é conservadora e reacionária na medida em que não
traz o fundamento dos problemas de saúde na sociedade, não trata da construção
histórica do processo de saúde e doença na sociedade capitalista. Com isto,
entendemos que a abordagem “Saúde Renovada” encara a Educação Física como
fenômeno isolado na sociedade e, por isso, acaba por realizar uma análise
fragmentada da realidade, que perpassa a compreensão de homem e sociedade de
seus idealizadores e simpatizantes. Ela não produz, assim, a crítica que contribui
para a transformação radical do modo de sociabilidade vigente, pelo contrário,
contribui para que os sujeitos permaneçam no estado de conformação com a
sociedade capitalista.
Desta forma, em linhas de síntese, e entendendo que a educação e a
Educação Física são instrumentos do capitalismo, podemos entender que estas
respondem e responderão, enquanto durar a sociedade capitalista, às necessidades
sociais do capitalismo, apesar de as contradições sociais permitirem ações externas,
como veremos no próximo capítulo.
E para que a Educação Física exerça a contento essa sua função na escola,
esta abordagem propõe que os conteúdos da Educação Física sejam trabalhados
de forma a fazer com que os alunos adquiram hábitos de vida saudáveis, o que
125
inclui, especialmente, a prática regular de atividade física/exercício físico e
alimentação adequada. Neste sentido, os conteúdos de caráter anatomo-
fisiológicos deveriam tomar lugar de destaque nas aulas de Educação Física.
Então, podemos entender que, segundo esta abordagem, a saúde deveria
ser o objetivo da Educação Física na escola. Entretanto, como já discutido, a
educação para a saúde somente ameniza os problemas de saúde ocasionados pelo
capital, em casos específicos. O que contribui para a manutenção da sociedade de
classes.
Mas, qual deve ser o objetivo da Educação Física na escola senão
educar para a saúde?
Segundo o Coletivo de Autores (1992, p. 50), a Educação Física é entendida
como: “uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de
atividades expressivas corporais como: jogo, esporte, dança, ginástica, formas
estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura
corporal”.
Concordamos com estes autores, portanto, que a Educação Física é uma
disciplina que tem como conteúdos os elementos da cultura corporal, produzidos
historicamente pelos homens nas relações sociais: jogo, ginástica, dança, lutas e
esportes. Para Soares (1996), estes elementos, enquanto componentes da cultura
humana, constituem-se como um patrimônio da humanidade e que representam,
sobretudo, realidades vividas pelos homens, historicamente criadas e culturalmente
desenvolvidas. Assim, Soares (1996) complementa indicando que os conteúdos da
Educação Física podem ser entendidos enquanto codificações dos atos da vida
diária realizadas ao longo da história.
A Educação Física, nesta perspectiva, tem como função proporcionar aos
educandos a reflexão e aprendizagem do acervo de formas de representação do
mundo produzido no decorrer da história, exteriorizados pela expressão corporal.
Por isso, tende-se que a Educação Física tem posição importante no processo
educativo.
Portanto, concordamos com Soares (1996) que o grande desafio da
Educação Física é colocar os alunos em contato com esta cultura corporal, ou seja,
com este patrimônio da humanidade. A necessidade de todos terem acesso a esta
cultura justifica a importância social da Educação Física na escola.
126
Sendo assim, a grande tarefa da Educação Física não deve ser a “educação
para a saúde”, como vem sendo vinculado pela abordagem Saúde Renovada: de
forma superficial, simplista e individualista. A grande tarefa da Educação Física é
trabalhar com seu objeto específico, ou seja, os elementos da cultura corporal.
Com isto, conclui-se que a Educação Física não pode se justificar na escola
por conta de sua contribuição para a saúde, ou seja, como um meio, mas sim pela
sua importante posição no processo de transmissão da cultura humana.
Pautando-se nas Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (PARANÁ,
2008) podemos entender a saúde enquanto elemento articulador dos conteúdos
estruturantes para a Educação Básica:
Nestas Diretrizes, propõem-se os seguintes elementos articuladores: Cultura Corporal e Corpo; Cultura Corporal e Ludicidade; Cultura Corporal e Saúde; Cultura Corporal e Mundo do Trabalho; Cultura Corporal e Desportivização; Cultura Corporal – Técnica e Tática; Cultura Corporal e Lazer; Cultura Corporal e Diversidade; Cultura Corporal e Mídia.” (p. 53).
Segundo este documento, os elementos articuladores tem como função
integrar e interligar as práticas corporais de forma mais reflexiva e contextualizada.
Além disso, não podem ser entendidos enquanto conteúdos paralelos, nem podem
ser trabalhados de forma isolada.
Portanto, concordamos com este documento no sentido de que a saúde não é
objeto central da Educação Física, mas sim, a transmissão de seus conteúdos
específicos, os elementos da cultura corporal.
127
6. POSSIBILIDADES REVOLUCIONÁRIAS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO: AS
ATIVIDADES EMANCIPADORAS
Considerando que a abordagem da Saúde Renovada não parte da
perspectiva da classe trabalhadora e não tem por fim a transformação da
sociedade, mas sim, a manutenção da mesma, e que, desta forma, é incapaz, até
mesmo pelas limitações do ato educativo, de proporcionar saúde, fazemos o
seguinte questionamento: como deve guiar sua prática pedagógica aquele
professor que pretende, realmente, contribuir para a promoção da saúde
humana?
Se a principal causadora dos males de saúde é a própria lógica destrutiva do
capital, o estabelecimento de uma sociedade que permita o desenvolvimento pleno
do ser humano e, consequentemente, ofereça melhores condições para a
promoção e manutenção de saúde deve passar, necessariamente por uma
profunda e radical transformação social. Pois, concordamos com Tonet (2007) que
é impossível humanizar o capital, e por isso, deve-se rejeitar qualquer solução
diferente da revolução social.
Tendo em vista tais aspectos, entendemos que uma ação educativa que vise
contribuir para o estabelecimento da saúde humana, de fato, deve contribuir para a
transformação radical da sociedade e emancipação humana, em detrimento da
emancipação política.
O que não se trata de construir um novo Estado, o Estado proletário, mas sim,
de formular uma organização social completamente nova e diferente por meio da
destituição da propriedade privada dos meios de produção. Pois, se houver a
tomada do Estado, sem a tomada dos meios de produção, a ordem social capitalista
será estabelecida novamente.
Com a eliminação das classes sociais, eliminaria-se, como consequência,
também o Estado, juntamente com suas ações paliativas (políticas). Assim, a
emancipação humana requer um rompimento total com a lógica atual que é limitada
pela emancipação política.
Isto porque a emancipação humana não é apenas um movimento político,
mas sim, fruto das mudanças na base estrutural da sociedade (TONET, 2005). É
preciso considerar, no entanto, de acordo com Tonet (2005, p. 196), que a
128
emancipação humana: “[...] não é um resultado inevitável do processo histórico nem
uma utopia impossível”. Além disso, a emancipação humana não pode ser
visualizada como um ponto de chegada, mas sim, como um estado de sociabilidade
de autoconstrução humana que não coloca obstáculos ao desenvolvimento
humano. Desta forma, a emancipação humana seria uma forma de sociabilidade
pautada na organização do trabalho associado que permitiria ao homem
protagonizar seu destino (TONET, 2005).
Vale salientar que a esfera do trabalho representa a esfera da necessidade e
não da liberdade. Por isso, trabalho não significa liberdade, na verdade, é o oposto
desta. Liberdade, entendida aqui como sinônimo de emancipação humana, significa
tempo livre para que o homem possa se desenvolver plenamente.Nesse contexto, a
saúde humana seria algo fundamental:
Tomemos, a título de exemplo, a necessidade elementar da alimentação. Não é preciso referir quão grandes deformações sofre a nutrição humana quando regida pela lógica de reprodução do capital. É evidente que, quando posta a autoconstrução humana como eixo do processo social, a nutrição sofrerá mudanças radicais, pois serão os próprios homens que pensarão e controlarão o processo nutricional, livrando-o de toda característica mercantil. Vale ressaltar que numa sociedade emancipada, não se trata de proibir ou permitir, mas de criar uma base social a partir da qual e em cuja interação as necessidades poderão configurar-se de modo autenticamente humano. Daí porque, de novo, os valores terão um papel tão proeminente nessa forma de sociabilidade (TONET, 2005, p. 184).
Porém, o tempo livre só se tornará realidade quando todos trabalharem e
controlarem conscientemente toda a produção, ou seja, quando os homens
trabalharem associadamente. O trabalho, desta forma, nunca deixará de existir,
independentemente da forma como os homens estiverem organizados, porque o
trabalho trata-se da atividade fundante do ser social.
Entretanto, reforçamos que a emancipação humana é apenas uma
possibilidade que se apresenta à humanidade, dependente da ação dos próprios
homens e que não isentará o homem de certas limitações e problemas de saúde.
Desta forma, pautando-se em Marx (1983), podemos entender que as
pessoas só terão mais saúde quando tiverem uma vida com maior qualidade, a qual
se dará somente quando o ser humano não tiver que trabalhar tanto para garantir a
sua sobrevivência e quando não tiver o dinheiro e os preços como reguladores da
129
vida. E essas mudanças não se tornarão concretas somente pela ação educacional
ou política, como já afirmamos anteriormente, mas sim, pela transformação da
forma de trabalho.
É preciso frisar, entretanto, que o fato de o professor ter como finalidade a
emancipação humana, não significa que em sua prática pedagógica, deve
abandonar os conteúdos específicos da Educação Física, enfatizando apenas
questões políticas ou ideológicas. Pelo contrário, o trabalho do professor de
Educação Física, e das demais disciplinas, tem a tarefa primeira de transmitir os
conteúdos específicos.
Mediante as considerações postas até então, concluímos que os professores
que realmente buscam a promoção da saúde humana, devem voltar-se às
atividades educativas emancipadoras, no sentido de contribuir para que a
humanidade alcance a sua efetiva emancipação; contrapondo-se à atual educação
voltada ao desenvolvimento da cidadania e democracia.
Portanto, além de dominar seu conteúdo específico de forma a transmiti-lo
com sucesso aos alunos, o professor que tem a pretensão de realmente contribuir
para o estabelecimento de uma sociedade em que as pessoas tenham melhores
condições de ter saúde, deve guiar sua prática com a finalidade de emancipação
humana.
Porém, como a educação e a disciplina de Educação Física podem
pautar-se pela perspectiva da emancipação humana, sendo a escola uma
instituição escolar capitalista que tem como principal função a confirmação e
reprodução das relações da sociedade de classes? E, para tanto, dispõe de
um aparato legal que busca efetivar sua função de conformação social? Seria
possível transformar a educação na sociedade capitalista?
Primeiramente, é preciso considerar que a educação é uma prática que não
pode ser confundida com o trabalho. Isto porque a educação é apenas um dos
complexos sociais que partem do trabalho, que tem certa autonomia perante este.
Desta forma, se houver uma modificação na forma do trabalho, a tendência é
que se modifique também a forma da educação. Porque com a modificação do
trabalho, modificar-se-ão as relações sociais estabelecidas e, portanto, também a
forma de o homem transmitir o conhecimento acumulados às novas gerações.
Podemos entender assim, que a base para a transformação da educação, assenta-
130
se na transformação da maneira como os homens organizam a produção da vida,
ou seja, na forma do trabalho.
Então, como já vimos anteriormente, a educação tende a refletir as relações
sociais estabelecidas na sociedade vigente. Se a sociedade é desigual, a
educação, certamente, também será. Por exemplo, na sociedade capitalista,
sempre existirá escola para os burgueses e outra para os proletários. E essa
desigualdade é necessária porque a burguesia necessita de uma educação
diferenciada56.
Portanto, estando a escola atual inserida na lógica social capitalista, é uma
ilusão pensarmos que ela poderá ir na contramão do sistema social vigente. Por
isso, concordamos com Magalhães e Silva Junior (2011) e Tonet (2007), no sentido
de que é uma impossibilidade a sistematização de uma educação emancipatória na
sociedade capitalista, sendo possível, somente, a realização de atividades
emancipadoras, e ainda, com grandes dificuldades frente a resistência ofertada pela
instituição escolar.
Neste contexto, o objetivo de um educador revolucionário deverá ser
generalizar as atividades emancipatórias ao máximo.
E as atividades emancipatórias são possíveis porque, como já destacado, a
educação tem dependência ontológica do trabalho e, ao mesmo tempo, autonomia
relativa, assim como os demais complexos sociais o que torna possível a realização
de atividades emancipadoras na escola capitalista. Ou seja, o fato de a educação
ter autonomia relativa em relação ao trabalho dá a possibilidade aos educadores
revolucionários de atuarem nas “brechas” do sistema. Portanto, as contradições
postas da sociedade capitalista tornam possíveis a criação de situações que
possibilitem os sujeitos a se apropriarem de conhecimentos que aumentarão o
leque de possibilidades para a transformação radical da sociedade.
Desta forma, apesar da função social da instituição escolar ser a de
confirmar e reproduzir a lógica capitalista, a educação e a Educação Física podem
contribuir para a emancipação humana, na construção da consciência
revolucionária.
56
Um exemplo de que se modificarmos a forma de organizar a sociedade modifica-se, também, a forma da educação, pode ser visualizado no caso de Cuba, país que tentou instaurar a organização socialista. Apesar das intensas mazelas sociais presentes no país, advindas de sua situação econômica, Cuba pode ser considerada como um país modelo no que se refere a serviços como
131
É importante esclarecer que, como ressaltamos anteriormente, a revolução
social não é uma questão de vontade ou pensamento. No entanto, o conhecimento,
apesar de ser sempre aproximativo e nunca absoluto, é fundamental para o alcance
da liberdade humana, ou seja, emancipação humana. Fundamental, mas não é o
suficiente, tendo em vista que o conhecimento, por mais avançado que seja não
modifica, por si só, a realidade posta (TONET, 2005). Pois: “[...] não é possível
conseguir uma libertação real a não ser no mundo real e com meios reais [...] a
libertação é um ato histórico, não um ato de pensamento, e é efetuada por relações
históricas.” (MARX; ENGELS, 2009, p. 35).
Assim, a revolução social não se dará na escola. Pelo contrário, ela é uma
das principais instituições que contribuem para a manutenção da ordem do capital.
Além disso, a escola é só mais um dos diversos complexos sociais advindos da
esfera do trabalho, por isso, sua participação é extremamente reduzida no contexto
da transformação radical da sociedade. Sendo assim, temos que o papel central
dos revolucionários encontra-se fora dos muros da escola, não bastando a estes
dedicarem-se unicamente a atividade educativa. Deve-se, assim, articular à
atividade educativa a objetivos mais amplos e direcionados à transformação radical
da sociedade.
Tonet (2007), em seu livro intitulado “Educação contra o capital” buscou
elencar quais seriam os requisitos que devem ter o professor que tem a intenção de
desenvolver uma atividade educativa direcionada à emancipação humana, em nossa
atual realidade:
Ao nosso ver, o primeiro destes requisitos é o conhecimento sólido e profundo da natureza da emancipação humana, que é o fim que se pretende atingir. [...] Um segundo requisito – igualmente importante – é o conhecimento do processo histórico real, em suas dimensões universais e particulares. Pois o processo educativo se desenvolve em um mundo historicamente determinado e em situações concretas. [...] Um terceiro requisito está no conhecimento da natureza essencial do campo específico da educação. Este conhecimento é necessário para evitar que se atribuam à educação responsabilidades que não lhe são próprias, como, por exemplo, promover a transformação do mundo, ou, então, diminuir demais as suas possibilidades, concebendo-a como um simples instrumento de reprodução da ordem social atual. [...] Um quarto requisito consiste no domínio dos conteúdos específicos, próprios de cada área do
educação e saúde. Isto é exemplo de que se a educação seguir outros princípios, possivelmente, funcionará a partir de outra lógica (CANOY, 2009).
132
saber. [...] Um quinto e último requisito para uma prática educativa emancipadora encontra-se na articulação da atividade educativa com as lutas desenvolvidas pelas classes subalternas, especialmente com as lutas daqueles que ocupam posições decisivas na estrutura produtiva (p. 67-69).
Como pode ser observado, não é uma tarefa fácil direcionar a atividade
educativa à emancipação humana. Assim, este pode ser considerado um grande
desafio aos educadores que desejam realmente romper com as barreiras do capital
e estabelecer uma sociedade radical e fundamentalmente nova.
6.1. O brinquedo artesanal revolucionário57: uma proposta de atividade
emancipadora para as aulas de Educação Física
Concordamos que uma análise crítica por si só não basta e, por isso,
buscamos contribuir, mesmo que minimamente, com a prática pedagógica do
professor, em especial, da disciplina de Educação Física, apresentando a este uma
possibilidade de desenvolver uma atividade emancipatória com temática saúde.
Neste sentido, apresentamos o brinquedo artesanal como possibilidade para
o desenvolvimento de atividades emancipadoras. É importante considerar que os
jogos e brincadeiras podem ser utilizados como ferramenta didática, ou seja, um
meio, para a transmissão dos mais diversos tipos de conhecimento. E, além disso,
este, por estimular brincadeiras, tem papel fundamental no processo de
desenvolvimento humano, por estimular o desenvolvimento das atividades cognitivas
superiores da criança. Neste sentido, segundo Vigotski (2008), a brincadeira tem um
sentido mais amplo do que meramente meio educacional. Com isto, para o autor, a
brincadeira é a atividade principal na primeira infância e não somente a atividade
predominante, pois tem a capacidade de provocar o desenvolvimento humano.
Além disso, concordamos com o Coletivo de Autores (1992) quando
entendem que os jogos e brincadeiras constituem-se como um conteúdo específico
da Educação Física.
Tendo em vista tais aspectos, a possibilidade aqui apresentada pauta-se na
construção de um brinquedo artesanal revolucionário, produzido durante a disciplina
57
O termo “brinquedo artesanal revolucionário” foi formulado pelo prof. Ms. Rogério Massaroto de Oliveria. Este é um termo “padrão” para os brinquedos produzidos durante a disciplina de Teorias do Lazer.
133
intitulada “Teorias do Lazer”, componente curricular do curso de Educação Física da
Universidade Estadual de Maringá58.
Entende-se este brinquedo como revolucionário porque pretende expor as
contradições existentes na sociedade capitalista e apresentar como única alternativa
racional à humanidade, a transformação radical da sociedade.
Nesta perspectiva, o brinquedo foi desenvolvido a partir da temática: “A
relação entre trabalho e saúde na sociedade capitalista”. A seguir, a imagem do
brinquedo59:
Figura 1: Imagem do brinquedo.
Fonte: Autoria própria.
Tivemos, com a construção deste brinquedo artesanal, o objetivo de
proporcionar a reflexão crítica acerca do processo social de saúde e doença
relacionado ao trabalho na sociedade capitalista, entendendo esta como uma forma
possível de se fazer chegar esse conhecimento até a classe trabalhadora.
Além disso, baseando-se nas considerações de Oliveira (2010), almejou-se
contribuir para a formação da consciência de classe direcionada ao projeto de
emancipação humana, a partir da dimensão lúdica. Quanto ao público ao qual o
58
A construção do brinquedo constituiu-se como requisito parcial para avaliação da disciplina no 2º semestre de 2011. Este brinquedo foi elaborado e construído juntamente com a acadêmica Maiara Aparecida Toqueiro Correia, com a orientação do professor da disciplina “Teorias do Lazer”, Professor Ms. Rogerio Massarotto de Oliveira (DEF/UEM). 59
Tutorial para a construção do brinquedo disponível em Apêndice A.
134
brinquedo se destina, consideramos que ele pode ser aplicado a todas as faixas
etárias, mediante a adequação das discussões de acordo com o público.
Para guiar a aplicação do brinquedo, formulamos, inicialmente, o seguinte
conjunto de regras:
a) Antes da chegada do brincante, o brinquedo deve estar sobre uma superfície
plana e horizontal. As caixinhas que contém imagens dentro devem estar no
compartimento inferior. Já as caixinhas que não contém imagens, ficarão fora
dos compartimentos, assim como o palito anexado ao brinquedo.
b) Quando o brincante chegar a este deverá ser explicado que o brinquedo
representa uma fábrica. Em seguida, o participante deverá colocar um crachá
no boneco anexado ao brinquedo que representará o trabalhador desta
fábrica, podendo este ser: o próprio participante, pai, mãe, irmãos ou amigos.
Posteriormente, deverá ser entregue ao brincante as quatro caixinhas que
não terão imagens em seu interior, explicando que estas serão as suas
matérias-primas para confecção de seus produtos. Feito isso, a ampulheta
deverá ser apresentada, como instrumento que determinará o tempo máximo
para a produção, bem como, o palito, que servirá como instrumento de
trabalho, colocando as caixinhas na linha de produção. Após essas
explicações prévias, o brincante deverá: 1) inserir suas caixinhas dentro do
compartimento superior, que deverá ser fechado em seguida; 2) apertar o
botão “Ativar”; 3) virar a ampulheta; 4) pegar o palito e encaixá-lo na fissura
da parte anterior do brinquedo; 5) empurrar a caixinha e 6) girar a manivela. O
brincante só poderá colocar na esteira uma caixinha por vez. Seu objetivo
será levar todas as caixinhas até o compartimento chamado “Produtos do
Trabalho”. A produção acabará quando: 1) o brincante conseguir colocar
todas as caixinhas dentro do compartimento “Produtos do Trabalho”, ou 2) se
o tempo da ampulheta se esgotar.
c) Após a produção serão apresentados ao brincante os produtos do seu
trabalho, que estarão contidos dentro das caixinhas, sendo que estes
produtos serão: uma mercadoria construída a partir da matéria-prima
representada pela caixinha e uma doença, causada pelo trabalho.
135
Foram realizadas intervenções com o brinquedo em colégios de Maringá e
região. Salvo pequenas adequações das regras de acordo com o público trabalhado,
estas permaneceram inalteradas até o término das mediações com o brinquedo. A
intenção com a construção deste material foi instigar os brincantes a refletir sobre o
trabalho na sociedade capitalista e seus efeitos sobre a saúde dos trabalhadores.
Com isto, nosso intuito com o estabelecimento de tais regras foi articular o processo
de trabalho, representado pelo mecanismo do brinquedo, com os resultados
oriundos deste trabalho visualizados no final da brincadeira, quando os brincantes se
deparavam com os conteúdos das caixinhas localizadas no compartimento
“Produtos do trabalho”. Tendo em vista nosso planejamento de que o brinquedo
pudesse ser brincado por todas as faixas etárias, buscamos formular regras
simplificadas, de fácil compreensão.
Consideramos também que mesmo que não se tenha o conhecimento
aprofundado sobre o tema é possível brincar e fazer aproximações com o mesmo.
Somente destacamos, novamente, que, de acordo com o público com o qual se está
trabalhando, faz-se necessário adaptar a discussão. Essa necessidade evidenciou-
se, principalmente, quando a mediação foi realizada com o público infantil.
Como resultados, consideramos que houve a aproximação dos brincantes
com a temática do brinquedo e os objetivos almejados com a construção deste
foram atingidos, uma vez que por meio deste brinquedo foi possível instigar a
reflexão acerca das contradições postas na relação entre trabalho e saúde na
sociedade capitalista.
Esta é somente uma proposta de brinquedo das muitas que podem ser
criadas ou visualizadas no Laboratório de Ensino e Pesquisas do Lúdico e Tempo
Livre do Departamento de Educação Física da UEM60.
60
Maiores informações sobre os brinquedos artesanais podem ser visualizadas na página do
MARXLUTTE: Grupo de estudos e pesquisas marxistas LÚDICO, TRABALHO e TEMPO LIVRE (http://marxlutte.webs.com/brinquedos.htm), coordenado pelo Professor Ms. Rogerio Massarotto de Oliveira (DEF/UEM).
136
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fundamentando-se nas categorias marxianas, buscamos ao longo deste
trabalho, apresentar a saúde e doença como processos sociais e, portanto,
dependentes das relações sociais estabelecidas pelos homens em determinado
momento histórico.
Estando a sociedade capitalista pautada no trabalho assalariado, vimos que
ela é incapaz de oferecer à maior parte da humanidade as condições de vida
compatíveis com uma boa saúde. Por isso, a tendência, com o desenvolvimento e
complexificação deste modo de produção, é que as doenças humanas se
intensifiquem cada vez mais. Pois, assim como explica Marx (2010), a degradação
da vida dos trabalhadores não é um simples defeito de percurso, mas sim, o
resultado ineliminável desta forma das relações sociais de trabalho.
Tendo em vista tais aspectos, para o capital são necessárias práticas sociais
que busquem amenizar estes efeitos, de modo que a classe trabalhadora continue a
ter as condições básicas para ser explorada e que as tensões sociais não coloquem
em risco o movimento contínuo de produção e valorização de valor, que sustenta a
sociedade capitalista.
Dentre estas práticas sociais, abordamos, ao longo desta pesquisa, as
políticas públicas de saúde e a Educação Física, representada pela abordagem
Saúde Renovada. Abordagem que, como vimos, longe de universalizar saúde, pode,
quando muito, “levar saúde” a grupos específicos. O que indica que, apesar de
repaginada, a Educação Física quando representada por esta abordagem, mantem
seus princípios voltados à manutenção e recuperação da força e trabalho lesada.
Desta forma, apontamos que o professor que compartilha da proposta e
ideais da Abordagem Saúde Renovada, sem ter como finalidade a emancipação
humana, está contribuindo, na verdade, para a intensificação do processo de
limitação humana, e, consequentemente, para a piora da saúde das pessoas, uma
vez que esta contribuindo para a continuidade desta forma de organização social.
Isto porque a única alternativa histórica que pode permitir que a humanidade
alcance melhores condições de vida e de saúde passa, necessariamente, por uma
transformação radical da forma como os homens produzem e reproduzem a vida, ou
seja, do trabalho.
137
Neste contexto, a educação e a Educação Física, além de exercerem suas
funções sociais de transmitirem a cultura humana socialmente construída e
acumulada pela humanidade, devem estar orientadas à emancipação humana, caso
queiram contribuir para este processo de transformação social, mesmo que a
sistematização da educação para este fim seja uma impossibilidade na sociedade
capitalista. Transformação radical que, longe de ser um ideal utópico, consiste em
uma possibilidade histórica, que pode ser concretizada pela ação dos homens.
Por fim, considera-se que, devido a complexidade do tema, a discussão
proposta aqui não pode se esgotar nesta monografia, tendo em vista a urgência que
a emancipação humana representa a humanidade. Pois, conforme aponta Tonet
(2007), a humanidade encontra-se frente a duas possibilidades: ou partirá para a
intensificação da barbárie social ou para a superação deste modo de produção em
direção ao socialismo.
138
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