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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

A DIVERSIDADE ETNICO RACIAL NO CURRICULO ESCOLAR DO ENSINO FUNDAMENTAL

Autora: Vilma Terezinha Fragoso Albino1

Orientadora: Lorena Zomer2

RESUMO: Este artigo apresenta os resultados obtidos na Implementação do projeto de Intervenção Pedagógica: DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO CURRICULO ESCOLAR DO ENSINO FUNDAMENTAL, o qual teve como objetivo a socialização de atividades sobre a cultura afro e políticas públicas, bem como, promover discussões entre os alunos sobre a cultura africana e políticas de igualdade racial. O projeto foi desenvolvido com os alunos no 9º ano do Ensino Fundamental, da Escola Estadual Elias Abrahão, localizada no Município de Honório Serpa - PR. A Lei Federal nº 10.639/2003, instituiu o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares como sendo obrigatório, a mesma veio corrigir a ausência do trabalho com a história e da cultura da África e dos afro-brasileiros na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996). É preciso buscar a valorização e o respeito das características étnicas raciais no currículo escolar, avançando na tarefa de sensibilização dos educandos, oferecendo a possibilidade de uma leitura ampla da diversidade brasileira. Além disso, se faz necessário despertar nos discentes, a necessidade de trabalhar as políticas públicas específicas para a população negra no país, sensibilizando a comunidade escolar quanto à necessidade de mudança de comportamento, a fim de minimizar as atitudes de descaso e desrespeito a diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira. Palavras-Chave: Cultura Afro-Brasileira; Preconceito; Diversidade; Étnico-Racial.

ABSTRACT: This article presents the results obtained on the Implementation of Educational Intervention project: ETHNIC-RACIAL DIVERSITY IN THE CURRICULUM SCHOOL OF BASIC EDUCATION, which aimed to the activities of socialization on the african and public policy culture, and to promote discussions among students about African culture and racial equality policies. The project was developed with students in the 9th grade of elementary school, the State School Elias Abraham, in the municipality of Honorio Serpa - PR. The Federal Law No. 10.639 / 2003 instituted the teaching of History and Afro-Brazilian culture in the school curricula as mandatory, it came remedy the lack of work and the history and culture of Africa and the african-Brazilian in the Guidelines Law and Bases of Education (1996). It is necessary to seek appreciation and respect for racial ethnic characteristics in the school curriculum, advancing awareness in the students task, making it possible for a broad reading of the Brazilian diversity. In addition, it is necessary to awaken in students the need to work out specific public policies for the black population in the country, sensitizing the school community on the need to change behavior in order to minimize the attitudes of contempt and disrespect ethnic diversity and cultural life of Brazilian society. Keywords: Afro-Brazilian Culture; Preconception; Diversity; Ethnic-Racial

1 Professora da Rede Estadual de Educação do Estado Do Paraná. Licenciada em História pela

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Palmas e Especialista em “Metodologias Inovadoras Aplicadas à Educação” área especifica de “Educação Especial Inclusiva” pela Faculdade Internacional de Curitiba – FACINTER, e “Ecologia, Sociedade e Meio Ambiente”, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá – FAFIPAR. E-mail: [email protected]. 2 Orientadora do Programa de desenvolvimento Educacional – PDE da Secretaria de Estado da

Educação – SEED/PR. Graduada em Licenciatura em História na UEPG; Mestrado em História na UFSC e doutoranda em História. E-mail: [email protected]

1 INTRODUÇÃO

A Lei n°.10.639 de 2003, alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDBEN, 9394/96) trazendo para o cenário educacional o caráter

obrigatório da inclusão no currículo escolar o trabalho com a história da África e dos

africanos. Com isso, a abordagem da diversidade étnico racial como conteúdo

primordial no currículo escolar vem ao encontro da necessidade de introduzir a

temática para os alunos, contemplando a vida cotidiana e a existência das politicas

públicas voltadas a população negra, a qual ainda é, na maioria das vezes

marginalizada pela sociedade.

Mediante a implementação da Lei 10639/2003 deve se reagir às estruturas

escolares que nos enquadram em modelos rígidos e atentarmos para a

interdisciplinaridade nesta proposta, estando abertos ao dialogo, à escuta, à

integração de saberes, e principalmente à ruptura de barreiras entre as diversas

etnias.

Segundo Paulo Freire (1999) a sociedade democrática ainda tende a

colocar/situar negros e negras em um lugar desigual ante os demais grupos étnico-

raciais e culturais construtores da nossa brasilidade, esquecendo que os povos

africanos foram por mais de três séculos, escravizados no Brasil e não sucumbiram

se fazendo presente até os dias atuais na formação do povo brasileiro.

Assim com o desenvolvimento desse Projeto, buscou-se apresentar

atividades a respeito da temática de Lei 10639/2003, de forma interdisciplinar,

objetivando orientar a comunidade escolar, além de promover a integração entre

diferentes disciplinas, despertando o educando para as diferenças étnicas existentes

no Brasil. O que nos levou à execução de tal projeto, não foi apenas a

obrigatoriedade das referidas Leis, mas o desejo de promover a valorização de

todas as etnias no contexto escolar e em nossa comunidade, trazendo a tona à luta

pela preparação humanitária dos seres humanos negros, os quais ainda sofrem com

as consequências do preconceito racial, social e cultural da sociedade.

O racismo e as praticas discriminatórias disseminadas no cotidiano brasileiro não representam simplesmente uma herança do passado. O racismo vem sendo recriado e realimentado ao longo de toda a nossa historia. Seria impraticável desvincular as desigualdades observadas

atualmente dos quase quatro séculos de escravismo que a geração atual herdou. (BRASIL, 2001, p. 21).

Conforme o que nos coloca a Lei 10369/2003 (BRASIL, 2003) o racismo e as

práticas discriminatórias, mais do que heranças do passado, são práticas atuais que

segregam a população negra, índia e todas as demais minorias existentes em nosso

país, assim como acontece com os idosos, crianças e mulheres.

Assim, se faz necessário que no ambiente escolar e na sociedade como um

todo, estas práticas sejam abolidas e para isso o cenário educacional pode contribuir

de forma concreta através do desenvolvimento de atividades que conduzam à

criação de uma consciência de respeito ao outro e às suas particularidades. As

atividades referentes a cultura afro e criação de políticas públicas que promovam a

igualdade podem contribuir de forma significativa para combater as posturas

etnocêntricas e para a desconstrução de estereótipos e preconceitos atribuídos a

população negra.

Como educadores temos a necessidade de promover no interior da escola

praticas pedagógicas para desenvolver o trabalho docente sobre a cultura afro-

brasileira, visando à melhoria da compreensão desta problemática que ainda está

envolta por preconceitos e discriminações raciais. Mesmo existindo uma lei que

tornou obrigatório esse novo conteúdo, ainda surgem questionamentos se de fato

ele deve ser trabalhado no ambiente escolar, ou seja, que concepção de História e

Cultura Afro-Brasileira, deve ser trabalhada em sala de aula a partir da implantação

da Lei?

Pensando na realidade da escola onde atuamos, pode-se perceber que são

trabalhadas atividades sobre a cultura africana de maneira lenta e superficial, como

por exemplo, o Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro,

dedicando-se este dia à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira,

reflexão digna, evidenciando-se que mesmo assim ainda é escasso o trabalho

dentro das escolas, pois trabalha-se o tema somente na data citada acima, não

existindo uma prática constante de reflexão e ação.

Sendo assim é urgente repensar e promover mudanças na construção de

uma escola cidadã comprometida com os direitos humanos e com a construção de

identidades que respeitem a contribuição de cada grupo étnico racial para a

formação da sociedade brasileira.

2 ABORDAGENS DA DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL

Reflitamos, por um momento, no que se aprende sobre a diversidade étnico-

racial na escola? Será que a partir do que já esta sendo desenvolvido pode-se

contribuir para a construção de uma educação que seja geradora de cidadania; que

atenda e respeite as diversidades e peculiaridades da população brasileira

visualizando e articulando as diferenças não apenas como uma forma de respeito

humano, mas como uma forma de promover a igualdade?

Nos parece que não, pois na escola tende-se a refletir o que ocorre na

sociedade e vice e versa, ou seja, ainda se segrega, se exclui. Assim, como nos

coloca Senkevics (2014, p. 1).

Vivemos em uma nação em que uma sutil maioria da população é composta de pretos e de pardos (que, somados, constituem a categoria “negros”). Entre os demais, a maior parte são brancos miscigenados. Discutir as relações étnico-raciais que construíram esse país, logo, deveria ser uma obrigação de todos os cidadãos, não importando sua origem ou etnia. São esforços que não apenas se somam na luta contra o racismo, como também na consolidação da democracia, da promoção da cidadania e no reforço à igualdade social e racial.

Neste sentido a escola é um dos espaços privilegiados para que esta reflexão

seja promovida, e que estes conhecimentos sejam disseminados e que o currículo

enfatize a historia das etnias e valorize a cada uma delas de acordo com as

contribuições que fizeram para a sociedade. A Lei 10.639/03 e a Lei 11.645/08 foram

criadas com esta intenção a de promover estas reflexões e debates.

O desejo de alavancar o progresso exige muito cuidado, vigilância para que

estas propostas não tragam consigo um olhar simplificador que pode banalizar e

folclorizar de forma pejorativa a cultura local, obedecendo apenas a um espirito

mercadológico (LEITE, 2003).

A Resolução CNE/CP1/2004, que institui as Diretrizes Curriculares para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana, enfoca dois campos de objetivos, relacionados à questão da

diversidade:

a) o da Educação das Relações Étnico-Raciais: divulgar e produzir conhecimentos,

bem como atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade

étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que

garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca

da consolidação da democracia brasileira;

b) o do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana: reconhecer e valorizar

a identidade, a história e a cultura dos afro-brasileiros, bem como garantir o

reconhecimento e a igualdade de valorização das raízes africanas na nação

brasileira, ao lado das indígenas, europeias e asiáticas e ainda reconhecer e

valorizar a identidade, a história e acultura dos afro-brasileiros, bem como garantir o

reconhecimento e a igualdade de valorização das raízes africanas na nação

brasileira, ao lado das indígenas, europeias e asiáticas.

A Resolução CNE/CP1/2004 não é uma lei que tem prazo determinado assim

como um período político, é uma política de Estado, cuja duração transcende à

política de governo, assim seu conteúdo precisa ser respeitado e colocado em

prática, não apenas por uma obrigatoriedade mas também por uma necessidade de

ampliar a consciência da importância de cada etnia na construção da sociedade,

assim como destaca Santos (2006, p. 4):

[...] é urgente, portanto, a tomada de consciência por parte dos profissionais

da educação sobre os valores sócios culturais trazidos pelas/os

educandas/os e instituir um currículo que seja capaz de recriar suas

histórias, incorporando-as ao saber acadêmico e, dessa forma, interagir na

formação de cidadãos conscientes e capazes de enfrentar as

desigualdades, romper as armadilhas dos preconceitos, garantindo o

espaço participativo e a conquista de direitos no combate às exclusões.

No ambiente escolar a tomada de consciência deve partir dos educadores,

que devem viver e pregar valores éticos, de respeito ao outro, e no caso da historia,

valorizar a importância de cada etnia, o que deve ser uma prática diária e não

estanque, pois tanto na escola como fora dela, convivem pessoas de diversas

origens étnicas, basta que tenhamos um olhar atento para os que estão à nossa

volta, para os que aparecem nos jornais, revistas, programas e noticiários de

televisão para perceber como somos uma sociedade miscigenada e isso por si só

deveria nos conduzir a uma vivência baseada no respeito, na dignidade e na

solidariedade.

Sabemos que as diferenças existem, vemos que somos diversos, mas não estamos na maioria das vezes educados para perceber o quanto estas diferenças influenciam e determinam os modos de vida das pessoas e

fazem com que as mesmas venham a ocupar posições distintas na esfera sócio econômica e a desempenhar papéis também distintos que, secularmente, são indicativos de quem é quem na sociedade brasileira. (LOPES, 2001, p. 21).

Dentre estas diversidades está à cultura afro-brasileira, que é o conjunto de

manifestações culturais do Brasil que sofreram algum grau de influência da cultura

africana desde os tempos do Brasil colônia até a atualidade. A cultura da África

chegou ao Brasil, em sua maior parte, trazida pelos escravos negros.

A chegada dos escravos ao Brasil foi de relevante importância para a

construção da sociedade, e sua contribuição não restringe ao aspecto econômico

pela exploração de sua mão de obra, sua participação na construção da sociedade

afro brasileira se dá pelo fato de contribuírem com a inserção de sua cultura, ritos, e

outras particularidades.

A contribuição da cultura africana para a sociedade brasileira é visível assim

em vários aspectos, tendo em vista que a miscigenação entre africanos, indígenas e

europeus é a base da formação populacional do Brasil. Esta influência é visível em

muitos aspectos a começar pela alimentação, onde as escravas cozinhavam para

seus senhores e muito dos alimentos que eram consumidos naquela época fazem

parte da cultura brasileira nos dias atuais: feijoada, bolo de fubá, quiabo, chuchu,

acarajé, vatapá, mugunzá, pamonha, assim como os temperos (pimentas, azeite de

dendê e leite de coco) (REIS, 1983).

Na religião esta influencia também é visível nas tradições na atualidade:

umbanda, catimbó, candomblé e a quimbanda, praticadas pelo Brasil todo. As

divindades religiosas da África ainda são cultuadas no Brasil: Iemanjá e Xangô, são

os principais. Na cultura de forma geral estão presentes as danças e lutas:

maracatu, samba, capoeira, congada, afoxé, assim como os instrumentos musicais

da cultura africana estão presentes na sociedade de maneira geral: cuíca, tambores,

atabaques, agogô, berimbau e marimba.

Reis (1983, p. 107) estudioso da influencia africana sobre a sociedade

brasileira destaca que:

Essa cultura da diáspora negra, essa cultura dos africanos saídos do continente, caracterizada pelo otimismo, pela coragem, musicalidade e ousadia estética e política, foi incomparável no contexto da chamada Civilização Ocidental. Como não foi fácil a vida em terras americanas, precisando lutar para sobreviver, a criação cultural com a expressão de

liberdade que a cultura negra possui foi um lutar dobrado para imprimir na cultura brasileira sua influência.

Assim, desde aquele tempo o intercambio cultural (língua, costumes, ritos,

ideias, alimentos...) entre negros, índios e portugueses esteve presente na

constituição da sociedade afro brasileira. Neste sentido Paiva (2001, p. 185)

As trocas culturais e os contatos entre povos de origem muito diversa é algo que, então, fazia parte do dia-a-dia colonial, desde a chegada dos portugueses. Isto, porque, era ampla a vivência cultural da população negra no Brasil colonial, refletindo amplamente na sociedade do período.

A historia e a cultura africana e afro brasileira constituem um conhecimento

fundamental que contribuirá, segundo D‟Adesky (2002, p. 141), para remodelar o

rosto e a alma do povo negro, constituindo “uma arma poderosa contra o racismo

visceral da sociedade brasileira que pressupõe ser o negro o contrario do branco,

nada mais nada menos”.

No Brasil a cultura africana sofreu também a influência das culturas europeias

(principalmente portuguesa) e indígena, de forma que características de origem

africana na cultura brasileira encontram-se em geral mescladas a outras referências

culturais. Traços fortes da cultura africana podem ser encontrados hoje em vários

aspectos da cultura brasileira, como a música popular, a religião, a culinária, o

folclore e as festividades populares.

Estes movimentos sociais visam analisar e garantir a construção de

oportunidades iguais que primam pelo conhecimento garantindo os direitos e a

valorização da história, da cultura e da identidade dos mesmos, direcionando a

população negra quanto às reivindicações, para que fossem integrados de fato à

sociedade, usufruindo os mesmos direitos enquanto cidadãos (DOMINGUES, 2007).

“O movimento negro vem, ao longo dos anos, reivindicando revisão do

currículo escolar nos diversos níveis de ensino formal”. (SANTOS, 2006, p.4). Essa

reivindicação tornou-se lei e foi delineada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação das Relações Raciais e para o Ensino da História e da Cultura Afro

Brasileira e Africana.

Os movimentos Negros do Paraná, em meio a uma conjuntura internacional,

Federal e Estadual, conseguiram feitos que marcaram a história das relações raciais

no estado porque pautaram nas políticas públicas algumas demandas históricas da

população Negra no Brasil, principalmente na educação quando da implementação

da Lei 10.639/2003, e também, na construção de projetos de inclusão de Negros nas

Universidades por meio de cursos pré-vestibulares específicos para Negros, e na

construção de implementação de programas de ação afirmativa para Negros em

várias Instituições públicas de Ensino Superior através de reservas fixadas de vagas

que, ao longo dos anos, ficou conhecida como cotas raciais. (SOUZA, 2012).

Entretanto está na lei, mas não está nos costumes. Construir uma prática

pedagógica que destaque o negro como sujeito ativo na construção de nossa

sociedade é um dos grandes desafios que se tem enfrentado e a criação da lei que

torna obrigatório o trabalho com a diversidade étnico racial no currículo é um passo

que foi dado nesta direção, basta apenas que esta obrigatoriedade não seja um

mero cumprir o que preconiza a lei e que novamente este trabalho apareça apenas

no papel, mas que seja efetivado no cotidiano da escola de forma natural e

consciente.

Para tanto se faz necessário que o percurso de normatização decorrente da

aprovação da Lei 10.639/03 seja mais conhecido pelos educadores e educadoras

das escolas públicas e privadas do país, o que ainda é um desafio, assim como

destaca Nascimento (2003, p. 96):

A implementação da Lei nº. 10.639/2003 no contexto escolar é um desafio para que toda a sabedoria relacionada à História e a Cultura Africana e Afro-Brasileira se torne um conhecimento presente, efetivo e positivamente na sala de aula. Este conhecimento pretende se constituir hegemônico, no sentido de agregar um novo „centro‟ uma vez que a lei contesta a universalidade de um eurocentrismo. Trata-se de uma concepção diferenciada de „centro‟, que postula necessidade de explicitar a localização do sujeito no sentido de desenvolver uma postura teórica própria a cada grupo social fundamentada na sua experiência histórica e cultural.

Fica evidente a necessidade de explorar o lugar de cada etnia na construção

da sociedade, promovendo uma reflexão que torne cada uma das etnias um grupo

com voz e vez na sociedade. Para tanto a escola e seus educadores precisam

instigar no aluno a necessidade de quebrar o silencio e acabar com as práticas

excludentes, sugerindo atitudes que vão contra o conformismo, promovendo o

respeito e a compreensão de que as etnias se complementam, não devendo haver

separação entre as que compõem a sociedade.

Este se insere em um processo de luta pela superação do racismo na

sociedade brasileira e tem como protagonistas o Movimento Negro e os demais

grupos e organizações partícipes da luta antirracista. Revela também uma inflexão

na postura do Estado, ao pôr em prática iniciativas e práticas de ações afirmativas

na educação básica brasileira, entendidas como uma forma de correção de

desigualdades históricas que incidem sobre a população em nosso país. Segundo

Silva (1999, p. 386):

[...] deve haver o resgate das africanidades brasileiras. Ao dizer africanidades brasileiras estamos nos referindo às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, estamos nos referindo ao modo de ser, viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros, e de outro lado, as marcas da cultura africana que independentemente da origem étnica de cada brasileiro fazem parte do seu dia-a-dia (...). Estudar africanidades brasileiras significa estudar um jeito de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver, de lutar por sua dignidade, própria dos descendentes africanos.

Com isto evidencia-se a importância do papel que a escola desempenha

neste processo e é nesse contexto que se insere a Lei 10.639/03. Uma das formas

de interferir pedagogicamente na construção de uma pedagogia da diversidade e

garantir o direito à educação é conhecer mais sobre a história e acultura africanas e

afro-brasileiras e suas políticas públicas. Esse entendimento poderá nos ajudar a

“superar opiniões preconceituosas sobre os negros, a África e denunciar o racismo e

a discriminação racial, além de implementar ações afirmativas, rompendo com o mito

da democracia racial”. (GOMES, 2010, p.25).

A invisibilidade, com que a diversidade étnico-racial é considerada, torna-se

danosa à democracia brasileira, impedindo a promoção da igualdade racial. Para

superar essas dificuldades tem sido feito propostas de políticas públicas que dão

ênfase a cidadania. Neste sentido a educação é vista como uma forte aliada no

processo de inclusão social.

(...) aos estabelecimentos de ensino, está sendo atribuída responsabilidade de acabar com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar para que, no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os primeiros e continuados atos de racismo de que são vitimas. (BRASIL, 2006, p. 240).

A escola, no entanto, deve refletir sobre a ausência de representações dos

grupos étnicos nas várias manifestações da sociedade, como, por exemplo, sobre a

ausência de questionamentos da ordenação social e dos estereótipos, ou

desconstruir mitos que impedem a formação de uma sociedade mais pluralista e

igualitária, afinal “a instituição escolar tem, assim, de criar mecanismos e

instrumentos de uso permanente, via projeto político-pedagógico e currículo, para

intervir na realidade que exclui o negro”. (LOPES, 2001, p.31).

Entretanto Lopes (2001), ainda reafirma que a escola deve constituir-se em

ambiente educativo, acessível à comunidade, onde se respeita o outro e se dá

visibilidade a todos, combatendo-se as discriminações, assim, “busca-se eliminar os

preconceitos e são desfeitos os estereótipos, estimulando a autoimagem e a

diversidade e pela desconstrução das diferentes formas de exclusão”. (LOPES,

2001, p.31).

O saber escolar é produto de múltiplas determinações, diálogos, atritos e

confrontos disciplinares. Assim se faz necessário que seja estudado a fundo as

contribuições da cultura africana e afro brasileira, as quais marcam praticamente

todos os contextos deste país, e isso seria um passo decisivo na educação para as

relações étnico-raciais. Neste sentido Gomes (2010) enfatiza a faceta das relações,

no sentido que envolve mais de um sujeito, são datadas historicamente, e permitem

que se enxergue tanto a produção dos privilégios quanto das opressões.

Busca-se então um repertorio educacional que caminha em direção a um

conceito de ser humano que produz historia não a partir de grandes sagas e heróis,

mas a partir de relações comunitárias vividas e vivenciadas pelos agrupamentos

humanos. Neste sentido, se faz necessário um primeiro passo, que é o de promover

o conhecimento de igualdade sem limite e aprofundamento radical entre uma cultura

africana e afro descendente e uma branca, eurocêntrica e ocidental.

No que se refere a este estudo pode-se destacar que no início houve uma

certa rejeição e indiferença por parte de alguns educandos coma temática proposta,

devido ser um conteúdo não explorado anteriormente, mas no decorrer das

atividades foram apresentando entusiasmo e interesse pelo conteúdo apresentado.

Para a implementação do projeto, foram realizados alguns procedimentos

iniciais que possibilitaram a familiarização dos alunos com o tema, bem como a

participação dos mesmos e o estabelecimento das relações entre aprendizado e o

desenvolvimentos da educação com uma abordagem qualitativa, juntamente com a

pesquisa-ação. O projeto foi aplicado na Escola Estadual Elias Abrahão, situada na

cidade de Honório Serpa - PR, com alunos do 9º ano dos Anos Finais do Ensino

Fundamental, com o objetivo principal de sensibilizar a comunidade escolar quanto à

mudança de comportamento, a fim de minimizar as atitudes de descaso e

desrespeito a diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira atribuída à

população negra.

No decorrer do desenvolvimento das atividades desafios foram sendo

apresentados, mas também percebeu-se o interesse, a motivação, a curiosidade e

principalmente a busca pela compreensão do tema proposto relacionando-o com o

dia a dia no ambiente escolar. Ficou visível também a capacidade de reflexão e

interação dos alunos no que tange ao preconceito e ao racismo, além da

socialização das atividades e reflexões entre eles e com a comunidade escolar como

um todo.

O desenvolvimento das atividades na Escola Estadual Elias Abrahão, se deu

a partir de diferentes momentos com os alunos os quais foram realizados de forma

dinâmica e teórica, levando aos alunos vídeos, textos, musicas, danças, pesquisas,

palestra, bem como trechos do texto da ei nº. 10.639/2003, onde buscou-se a

exploração e reflexão sobre a temática: Diversidade étnico racial.

Durante a realização dos encontros buscou-se instigar a imaginação e o

conhecimento adquiridos pelos alunos, propondo aos mesmos a customização de

uma camiseta abordando a temática e a sua participação no projeto, contando com

a colaboração das professoras de História e Artes.

Fonte: Albino, Vilma T. Fragoso. Honório Serpa, 2015

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O intuito do projeto foi integrar a equipe multidisciplinar da Escola ao processo

ensino/aprendizagem de forma formativa, visando à compreensão e reflexão sobre o

processo de construção da identidade do negro. E imprescindível que o docente

construa estratégias que possibilitem lidar com o racismo no ambiente escolar.

Pensando e promovendo mudanças em direção a uma escola cidadã,

comprometida com os direitos humanos e a construção de identidades que

respeitem a contribuição de cada grupo étnico para a formação da sociedade

brasileira.

Todas as atividades realizadas deram ênfase à implementação da Lei

10.639/03, a fim de valorizar a diversidade étnico racial presente na escola,

enfatizando suas contribuições sociais, econômicas, culturais e políticas.

Finalizamos assim, reiterando a importância de se trabalhar com as relações

étnico-raciais, inicialmente na família, pois os pais precisam tomar conhecimento da

importância da sua cor no momento da realização da matrícula de seus filhos, não

havendo omissão, vergonha, insegurança com relação à sua cor. E posteriormente

dando-se continuidade ao trabalho na escola, local de formação, refletindo-se os

conhecimentos adquiridos na escola no seio da sociedade.

Os objetivos propostos foram alcançados apesar de alguns alunos

demonstrarem dificuldade de interpretação dos conceitos abordados e socialização.

Através da implementação do Projeto acreditamos que conseguimos despertar nos

educadores e educandos da Escola Estadual Elias Abrahão, uma sensibilização

para a necessidade de se abordar esta temática em sala de aula e nos demais

espaços da escola. Os resultados foram satisfatórios, pois houve envolvimento dos

educandos num processo de debate e reflexão.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 20 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm>. Acesso 12 jan. 2016. BRASIL. Lei n. 11645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm> Acesso 21 dez. 2015. BRASIL, Relatório do Comitê Nacional para a Preparação da Participação Brasileira na III Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Brasília, 2001. Disponível em http:/www.dhnet.org.br/direitos/sos/discrim/relatorio.htm. Acesso em 04 jan. 2016

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