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Paraísos Fiscais – Novos Desafios e Ameaças
Ana Margarida Raposo Ferreira
Palavras-chave: paraísos fiscais, concorrência fiscal, fuga capitais, secretismo, crime.
Resumo
Através da análise de uma realidade distante para muitos, este trabalho inscreve-se num esforço de compreensão da dinâmica dos Paraísos Fiscais no actual sistema, procurando mostrar a realidade de um dos principais fenómenos sociais que promove a ineficiência e o desequilíbrio da economia, através de estruturas profissionais altamente organizadas e especializadas na deslocação de capitais. Estas estrutu-ras construíram e sustentam uma complexa infra-estrutura que serve de interface extraterritorial a uma economia global paralela, facilitando e estimulando a fuga a regulamentações territoriais, promovendo a deslocalização em grande escala de capitais dos países pobres para os ricos, contribuindo significati-vamente para aumentar a desigualdade, distorcendo os mercados globais em prejuízo da inovação e do empreendimento, desviando os investimentos e diminuindo o ritmo do crescimento económico, colo-cando em perigo a integridade dos sistemas fiscais e o respeito pelo Estado de Direito. O seu secretismo permite, por outro lado, complexos esquemas de branqueamento de capitais com origem no tráfico de droga, armas e corrupção. Esta nova geoeconomia requer repensar a natureza e a geografia da corrup-ção, forçando a sociedade civil a enfrentar as grandes falhas da arquitectura financeira internacional e a superar o poder político dos grandes interesses estabelecidos, pensando num novo modelo de globali-zação.
Centro de Administração e Políticas Públicas - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas - Univer-
sidade Técnica de Lisboa (CAPP-ISCSP-UTL)
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1. Introdução
O tema do presente trabalho enquadra-se na área das Finanças Internacionais, par-
ticularmente, no que a ela dizem respeito os Paraísos Fiscais (PF).
A pergunta de partida do estudo é “Como se caracterizam os Paraísos Fiscais?”,
tendo como objectivo reflectir acerca dos processos sociais, económicos, políticos e
culturais associados ao fenómeno em questão, de forma a compreendê-lo e a interpretá-
-lo mais acertadamente.
A estrutura do trabalho desenvolvido divide-se em duas partes: numa primeira par-
te, é feita uma revisão conceptual e, numa segunda parte, espera-se caracterizar este
fenómeno pelas incoerências de um sistema globalizado, flexível, tendo como um dos
seus principais suportes a existência de mecanismos opacos que ferem a própria
democracia e a transparência dos mercados. Estas incoerências são ainda hoje mais
relevantes, quando a Europa, como espaço integrado, é incapaz de se posicionar face à
regulação dos mercados financeiros, como se verá na parte final do presente trabalho,
pela evidência dos factos que, como consequência, decorrem da existência destes
espaços jurídicos.
Para tratar a caracterização dos PF, definida na pergunta de partida, a metodologia
utilizada consistiu na abordagem factual dos recentes acontecimentos ocorridos na
teia do sistema financeiro, tendo como base técnicas analíticas de exploração das lei-
turas das últimas investigações feitas por especialistas, assim como pela revisão de
bibliografia.
Na última parte, é feita uma análise crítica e de síntese à abordagem utilizada, sub-
linhando os pontos fortes e fracos do estudo realizado, centrando a atenção sobre a
actual arquitectura do sistema financeiro internacional, deixando pistas abertas para
futuras explorações.
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2. Paraísos fiscais: conceitos
2.1. Quadro Conceptual
Na origem dos PF estão os comportamentos de resistência à tributação, e estes remon-
tam às primeiras civilizações, assumindo tão diversificadas formas quanto o permite a
imaginação humana (Plate-Forme Paradis Fiscaux et Judiciaires, 2007).
A expressão Paraíso Fiscal evoca uma ilha paradisíaca, com sol e palmeiras, situada no
fim do mundo, e onde alguns multimilionários enriquecem enquanto dormem. Esta pri-
meira ideia é, ao mesmo tempo, enganadora e nociva porque os capitais que se encami-
nham para os PF são cada vez mais importantes (Mota et al., 2009: 7). Segundo o Bank for
International Settlements, cerca de metade dos fluxos financeiros internacionais transitam
actualmente por estes lugares (BIS, 2010), enquanto as suas origens são cada vez mais
variadas e as consequências são, de muitos pontos de vista, dramáticas.
A história dos PF não é contínua nem linear, é feita de rupturas e mutações, consoante
a época e o lugar, tendo conhecido um grande desenvolvimento em dois importantes
momentos de mundialização da economia, um no final do século dezanove, com o apro-
fundamento do capitalismo, e outro no século vinte, após a segunda guerra mundial, na
década de cinquenta, com a criação do mercado dos eurodólares (Palan et al, 2007: 28).
Mas foi sobretudo nos últimos trinta anos que o seu número e importância cresceu expo-
nencialmente, fruto da liberalização e desregulação da esfera financeira e de todos os
outros mercados, ocorrida a partir do princípio dos anos 80, com a ascensão de Reagan e
Thatcher ao poder.
O mercado dos eurodólares surge quando o mercado monetário deixa de estar sob as
regras norte-americanas. Generalizou-se, entretanto, passando a denominar-se
euromarket, que é o mercado onde se executam negociações em moeda externa. Utiliza-
se, através de um título internacional expresso, numa moeda não nativa do país onde é
comercializado, classificado de acordo com a moeda em que é emitido e, normalmente, é
ao portador e livre de imposto, retido na fonte. Estes títulos podem ser comercializados
em todo o mundo, sendo Londres um dos grandes centros. A sua comercialização faz-se
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através de um sistema de compensação, sendo os mais comuns o Euroclear e o
Clearstream.
Dado que a existência de PF levanta muitas controvérsias, são várias as definições utili-
zadas pelas Instituições Internacionais quando abordam esta questão. Apesar de possuí-
rem muitas características em comum, não há consenso quanto à definição a adoptar. A
dificuldade denota-se logo pela variedade de nomes atribuídos ao fenómeno: Paraíso Fis-
cal, Centro Financeiro Offshore, Zona Franca, Zona de Benefício Fiscal, entre outras desig-
nações.
Actualmente, estes territórios são marcados por grandes facilidades na atribuição de
licenças para a abertura de empresas de origem desconhecida, protegendo a identidade
dos proprietários, ao garantirem sigilo absoluto. Um centro financeiro offshore é um cen-
tro financeiro internacional, onde são feitas operações que estão um pouco fora do con-
trolo das políticas públicas nacionais e internacionais, e é isso que os torna tão especiais.
De uma forma abreviada, pode considerar-se que são fundamentalmente três os com-
portamentos que estão ligados à existência de um PF: o planeamento, a elisão e a evasão
fiscais. O planeamento fiscal é uma forma de minimizar os custos fiscais e pode ir desde os
meios mais rudimentares às técnicas mais sofisticadas, permitindo ao contribuinte sub-
trair-se aos impostos. A fronteira entre elisão e evasão fiscal está na forma legal ou ilegal
de que se reveste o fluxo de capital. É considerada elisão se a redução fiscal é conseguida
através de veículos legais, e evasão se esse fim é alcançado ilegalmente por procedimen-
tos puníveis na lei.
Com efeito, é-se levado a concluir que o conceito de PF depende da perspectiva do que
se está a querer estudar. Por um lado, a comunidade de utilizadores, seus beneficiários,
falam dos PF como sendo um espaço de optimização fiscal. Por outro lado, a comunidade
não utilizadora dos mesmos e algumas Instituições Internacionais não os vêem da mesma
forma, mas antes como um espaço de subtracção à democracia e às regras de mercado.
Devido ao facto de não existir uma definição oficial, os investigadores apresentam
alguns critérios de reconhecimento de um PF, salientando-se os seguintes.
Segundo Chritian Chavagneux e Ronen Palan (2007:11), especialistas em finanças off-
shore, são dez os critérios: 1.Tributação baixa ou ausência dela para não residentes;
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2.Segredo bancário; 3.Segredo profissional; 4.Procedimentos de registo simples;
5.Liberdade total de movimentos internacionais de capital; 6.Rapidez de execução;
7.Suporte de um grande grupo financeiro; 8.Estabilidade económica e política; 9.Uma boa
imagem de marca; 10.Uma panóplia de acordos bilaterais para evitar a dupla tributação.
Em 1998, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)
estabeleceu quatro factores-chave para o reconhecimento de um PF: 1.Ausência ou
imposto reduzido sobre os rendimentos; 2.Fraca troca efectiva de informação; 3.Falta de
transparência; 4.Não existência de actividade substancial, que consiste no exercício jurídi-
co de uma actividade comercial que na substância não é exercida, ou que é exercida fora
desse território, podendo traduzir-se, no limite, à existência apenas de uma caixa de cor-
reio. A questão surgiu na OCDE nos anos 90, numa altura em que a probabilidade de
obtenção de receitas diminuiu relativamente ao aumento de custos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) denomina-os como centros financeiros offshore
e considera que são três os critérios para o seu reconhecimento: 1.Jurisdições que têm um
grande número de instituições financeiras empenhadas principalmente em negócios com
não residentes; 2.Sistemas financeiros com activos e passivos externos; 3.Centros que for-
necem os seguintes serviços: baixa ou nula tributação, moderada regulamentação finan-
ceira e sigilo bancário.
A escolha de um PF depende do nível de especialização das suas opacidades próprias, o
que põe de imediato em evidência a utilidade que terá para a entidade utilizadora onde
esta se revê.
2.2. Principais Mecanismos e Entidades
A compreensão do funcionamento dos PF requer a explicação de alguns aspectos,
entre os quais, os mecanismos normalmente utilizados e as entidades envolvidas.
Os principais mecanismos na utilização dos PF resumem-se nos seguintes pontos:
• Manipulação dos preços de transferência – consiste em manipular os preços prati-
cados em transacções entre entidades juridicamente distintas, integrando, ou não,
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o mesmo grupo, pela sub ou sobre facturação artificial dessas transacções, com o
objectivo de conduzir os lucros para espaços com tributação favorável;
• Uso de convenções para redução fiscal – consiste em fazer transitar rendimentos
por entidades sediadas em jurisdições signatárias de convenções que estabelecem
a não tributação ou a tributação moderada de determinados tipos de rendimentos;
• Forma não correspondente à substância – consiste no exercício jurídico de uma
actividade que na substância é exercida fora desse território, em que os rendimen-
tos decorrentes dessa actividade são transferidos sob a forma de empréstimos e
comissões.
Quanto às entidades envolvidas, as grandes companhias internacionais estão entre os
primeiros utilizadores. O objectivo para estas companhias é a optimização da carga fiscal,
minimizando o montante de imposto a pagar, utilizando, para isso, todas as possibilidades
oferecidas pelas próprias jurisdições. Destacam-se os grandes bancos, as multinacionais e
todas as actividades relacionadas com a exploração de recursos naturais de forma não
transparente. Pela sua opacidade, os PF servem também como base de apoio para os ser-
viços secretos. Também os regimes neo-coloniais, apadrinhados pelas políticas ocidentais,
são grandes utilizadores. As máfias internacionais e os vendedores de armas dependem
mesmo dos centros offshore, na medida em que é por esta via que conseguem branquear
as receitas das actividades ilícitas. Todas estas entidades estão em permanente interacção
com os PF através dos traders, dos correctores e dos traficantes.
3. Paraísos fiscais: caracterização
Reunidos os conceitos base necessários à exploração da temática PF, passa-se à parte
central deste trabalho, onde se irá procurar encontrar, de forma sustentada, a resposta à
questão de partida, isto é, à definição das características dos PF, na medida em que estes
revelam incoerências do sistema onde se enquadram, quando este suporta a existência
dessas específicas jurisdições.
Com efeito, o sistema capitalista cresceu globalizado, assente, ao nível dos princípios,
nos mecanismos de concorrência e de transparência dos mercados. Neste contexto, é uma
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incoerência cada vez mais importante permitir que hajam espaços nacionais e estruturas
jurídicas associadas completamente opacas e enviesadoras dos princípios que dizem
defender com a globalização. Poderá pensar-se questionar, no plano dos factos, uma glo-
balização assente numa lógica desvirtuadora da concorrência, ao nível da produção de
bens e serviços, que é a concorrência fiscal. Por outras palavras, a competitividade das
unidades de produção de facto, isto é, a economia real, assente numa lógica de concor-
rência fiscal, que passa a veicular a competitividade pela maior ou menor tributação dos
rendimentos de capital, desvirtua a concorrência das empresas na sua essência, uma vez
que a unidade de produção se torna competitiva, ou não, consoante é menos ou mais tri-
butada nos seus rendimentos, em vez que se tornar competitiva por mérito, pela sua
estrutura mais sólida, ou seja, por ter uma produção eficiente e eficaz, como, por exem-
plo, o demonstrou Henry Ford com a sua indústria automóvel. Neste enquadramento, não
se entende que, durante tanto tempo e até muito recentemente, mesmo as grandes Insti-
tuições Internacionais tenham feito suas as palavras de Milton Friedman: “A concorrência
entre os governos nacionais nos serviços públicos que proporcionam e nos impostos que
impõem, é tão produtiva quanto a concorrência entre indivíduos ou empresas nos produ-
tos e nos serviços que querem vender e aos preços a que querem vender.” (apud Chris-
tensen, 2009: 17).
Desta incoerência resulta uma outra não menos relevante: rompe-se a articulação do
sistema entre o plano político, ou seja, o plano democrático, e o plano do mercado, que
expressa a liberdade económica dos agentes. Por outras palavras, o Estado, governado
num quadro democrático pelo plano político, vê distorcida a sua relação de articulação
com os cidadãos, quer sejam singulares, quer sejam colectivos, porque deixa de poder
estar num nível superior neutral, regulador e supervisor, passando a ter de se focar na
competição fiscal entre Estados, estrangulando inevitavelmente a sua potencial maior fon-
te de receitas, o factor capital, em benefício da sobrevivência de uma relação com as
empresas domiciliadas no seu território jurídico. Criam-se dessa forma mecanismos deses-
tabilizadores no plano social que aprofundam e aumentam a disparidade no leque de ren-
dimentos de cada factor de produção, pelas assimetrias fiscais criadas, onde a base social
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de tributação é enviesada, libertando-se ou deixando fugir os factores de maior
potencial de riqueza.
As incoerências do sistema são reveladas de forma crua, pelos seguintes factos:
1.Capitais gerados por economias produtivas não concorrem para o seu desenvol-
vimento; 2.Economias geradoras de riqueza ficam descapitalizadas; 3.Os PF existem
devido a legislação assente na concessão de benefícios fiscais para o desenvolv i-
mento económico, quando isso não se verifica, uma vez que a grande maioria das
entidades que decidem localizar a sua sede fiscal em Jurisdições relativamente
benéficas fiscal e juridicamente, fazem-no pro forma e não substancialmente, isto
é, a residência fiscal da operação financeira é registada na tal jurisdição especial,
enquanto que todas as tarefas subjacentes, e portanto, todos os recursos humanos,
mecânicos, tecnológicos e imobiliários, se localizam noutro Estado, que normal-
mente é o Estado da casa-mãe; 4.Os PF acumulam capitais e não têm qualquer
estrutura produtiva.
Decorrente da fuga de capitais para as estruturas jurídicas tipificadas como off-
shores, resultam consequências dramáticas que se fazem sentir a vários níveis, tais
como: perda de receitas fiscais; distorção do mercado; distorção dos princípios da
equidade e eficiência fiscais; efeitos adversos nas Balanças de Pagamentos; bran-
queamento de capitais; perversão do sistema económico, promovendo bolhas
especulativas, potenciando crises económicas.
3.1. As Consequências
3.1.1. Perda de Receitas Fiscais
A perda de receitas fiscais é a consequência directa mais visível, quer para os
Estados, que se vêem privados de receitas fiscais, porque os cidadãos residentes
escapam a impostos em montantes significativos através da utilização de PF, recei-
tas estas que serviriam para o funcionamento das empresas e dos serviços públ i-
cos; quer para os próprios PF, que podem incorrer em perdas de receitas fiscais, se
aplicarem as taxas reduzidas de forma generalizada e não circunscrita.
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Foi precisamente a partir desta questão que o problema começou a ser levanta-
do na OCDE, e foi também a partir daqui que surgiu o Grupo de Acção Financeira
Internacional (GAFI), de que se falará adiante.
A avaliação dessas perdas é difícil, dado que a utilização dos centros offshore se
faz normalmente de forma camuflada. Contudo, devido à forte evasão, que cada
vez mais se tem feito sentir, os EUA têm feito avaliações oficiais dessa utilização e
das perdas de receitas fiscais envolvidas. Em 2006, o Subcomité Permanente de
Investigações do Senado Norte-americano, presidido por Carl Levin, levou ao Sena-
do, os abusos cometidos pela indústria offshore, desmascarando algumas das
maiores fraudes, como o caso Anderson (Levin et al, 2006: 49).
3.1.2. Distorção do Mercado
Os diferentes graus e possibilidades de utilização dos PF, a desregulação, o sigilo
e os incentivos fiscais distorcem o sistema comercial a favor dos interesses de cada
utilizador e, adicionalmente, atraem capital com origem nos países emergentes e,
mais grave, dos países em vias de desenvolvimento, distorcendo por aí outras vias
possíveis de desenvolvimento económico.
Com base em dados do BIS, Palan (2006) mostra a disparidade dos elevados
montantes de activos externos em Caimão e nas Bahamas comparativamente aos
de outros centros financeiros internacionais como EUA, Bélgica e Holanda. Aqueles
revelam uma considerável actividade offshore. De facto, quando se observa um
país, como por exemplo as Ilhas Caimão, na verdade tem-se apenas uma casca
vazia. Não há nenhuma produção. Com uma população de cerca de 50.000 habitan-
tes, tem mais de 270 Bancos (CIBD, 2009), cujo produto representa cerca de 30%
do PIB (CIG, 2009).
Levin (2006), do Senado Norte-americano, afirma que as jurisdições opacas
começam a minar a soberania nacional e as formas democráticas de governo (Levin
et al, 2006: 1 ss.), uma vez que permitem a criação de uma oferta assimétrica da
informação económica e jurídica, que prejudica a eficiência dos mercados globais.
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3.1.3. Distorção dos Princípios da Equidade e Eficiência Fiscais
Outra consequência que se faz sentir num mercado que se pretende livre e per-
feito é a distorção dos princípios da equidade e eficiência fiscais.
Deixa de haver equidade, porque níveis de rendimento iguais ou mesmo supe-
riores de residentes num mesmo Estado são diferentemente tributados. A eficiên-
cia também é afectada, uma vez que as escolhas sobre a localização dos invest i-
mentos passam a assentar em razões fiscais e não noutras razões, como na
estrutura da entidade geradora de rendimentos. Uma empresa, e.g., pode ter uma
estrutura pouco eficiente em termos mecânicos, tecnológicos e até mesmo os seus
recursos humanos ser menos competentes do que os de outras empresas, pode
em resumo ser uma empresa menos produtiva do que outra. Contudo, se se domi-
ciliar numa zona, real ou virtual, que tribute menos, verá as suas margens de lucro
engrossadas, sem que tenha sido alterada a sua estrutura por forma a tornar-se
mais eficiente.
No fundo, o mesmo é dizer que estas entidades que se deslocalizam para zonas
de benefício fiscal, podem ver crescer os seus rendimentos, sem o devido acompa-
nhamento do desenvolvimento da sua estrutura, i.e. um crescimento oco.
3.1.4. Efeitos Adversos nas Balanças de Pagamentos
Verificam-se efeitos adversos nas Balanças de Pagamentos, devido principalmen-
te a três factores:
Transferências de capitais dos Estados de fiscalidade normal para os PF;
A remuneração dos investimentos efectuados em PF normalmente não
regressa ao Estado residência da casa mãe;
A utilização de alguns mecanismos específicos, como a manipulação dos pre-
ços de transferência, ao facturar transacções entre empresas por um valor
artificial, faz com que as Balanças de Pagamentos dos Estados de Fiscalidade
normal assumam uma posição muito fragilizada.
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3.1.5. Branqueamento de Capitais
O sigilo comercial e bancário, a par da ausência de restrições nas transferências, vêm
por essa via facilitar o branqueamento de capitais.
Segundo John Christensen (1999) do Secretariado internacional da Rede pela Justiça
Fiscal, cerca de um bilião de dólares, proveniente de actividades ilícitas, entra, anual-
mente, em contas dos PF. Cerca de metade desse montante é originária dos países em
desenvolvimento.
Apesar das numerosas iniciativas anti-branqueamento de capital, o índice de fracasso
dessas operações é muito elevado. Os PF foram colocados em causa essencialmente
devido à facilidade de implantação e desenvolvimento de sociedades ecrã dentro destes
espaços e de uma protecção judicial facilitadora do branqueamento de capitais prove-
nientes do crime financeiro (Bouzon, 2009).
3.1.6. Perversão do Sistema Económico
E por fim, uma das consequências mais importantes da existência dos PF, é que eles,
dada a sua opacidade, pervertem todo o sistema económico, criando fortes e incompor-
táveis assimetrias fiscais, sendo um dos carburantes para a formação de bolhas especula-
tivas e, por essa via, a correrem o risco de dinamizar crises económicas.
As jurisdições opacas contribuem para a criação de uma extrema concentração de
riqueza, o que pode provocar a instabilidade económica e recessões longas.
A evasão corrompe os sistemas fiscais dos Estados modernos e a capacidade do Esta-
do em disponibilizar os serviços exigidos pela cidadania. Além disso, representa a mais
alta forma de corrupção, porque priva a sociedade de recursos públicos legítimos. De
igual forma, se poderá dizer que os Estados, a partir do momento que sabem, reconhe-
cem e inclusivamente criam e abrigam a existência de zonas de benefícios jurídicos e fis-
cais, têm consciência de que isso irá privar o Estado de receitas fiscais, privando por con-
sequência os cidadãos de ter acesso a serviços considerados mínimos numa sociedade
que se pretende auto-suficiente na saúde, na educação, na justiça, na defesa.
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Nos últimos 50 anos, através da utilização dos mecanismos que caracterizam os PF,
tem-se construído uma economia global paralela aos regimes fiscais que regulam todos
os cidadãos que trabalham por conta de outrem e que por essa razão não têm hipótese
de se regular noutra jurisdição, para fugir aos impostos e às regulações territoriais. Essa
economia é sustentada por uma infra-estrutura de bancos, juristas, contabilistas,
pequenas assembleias legislativas, pequenos sistemas judiciários e intermediários finan-
ceiros associados, que se combinam para servir de interface extraterritorial entre as
economias lícita e ilícita. Tal estrutura tem estimulado e facilitado a fuga de capitais dos
países pobres para os ricos em grande escala. Tem facilitado, também, o deslocamento
da carga tributária do factor capital para o factor trabalho, contribuindo significativa-
mente para aumentar a desigualdade. É por isso que há quem defenda que a tributação
deveria ser mais indirecta do que directa, fazendo valer o princípio do utiliza-
dor/pagador.
Esta forma de jurisdição tem desintegrado os sistemas fiscais e feito diminuir o res-
peito pelo Estado de Direito. Os negócios secretos e os tratamentos especiais enfraque-
cem a própria democracia. Os mercados globais são distorcidos em prejuízo da inovação
e do espírito de empreendimento, diminuindo o ritmo do crescimento económico ao
promover recompensas sem esforços e ao desviar investimentos. Essa é uma das princi-
pais causas do crescimento da corrupção, que funciona pelo conluio entre intermediá-
rios financeiros do sector privado e os governos dos Estados que abrigam as actividades
dos PF.
Estados e intermediários financeiros vêem-se hoje articulados de forma nociva. Uns
precisam dos outros e facilmente caem em relações promíscuas que podem chegar à
corrupção, se não existir uma forte base de valores éticos.
3.2. Manipulação Económica
Para as empresas, a grande vantagem em negociar através de subsidiárias implan-
tadas nestes locais, está na utilização do que os técnicos do direito internacional cha-
mam preço de transferência, já atrás apresentado como o preço praticado em transac-
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ções entre entidades juridicamente distintas, integradas, ou não, na mesma unidade
económica.
A manipulação deste preço pela sub ou sobre facturação artificial das transacções
proporciona margens de lucro líquidas muito atractivas.
E.g., se uma empresa nos EUA quiser adquirir um produto produzido em França e o
fizer através de uma sua filial nas Ilhas Caimão, o custo baixo a que adquire ao produ-
tor em França permite-lhe obter lucros extra, na medida em que será a sua filial em
Caimão que irá vender aos EUA, com uma margem comercial que tem a vantagem de
ser pouco tributada. A filial compra a baixo custo e vende caro, fazendo com que a
empresa que tem a filial em Caimão tenha enormes lucros, enquanto que a filial fran-
cesa, que produziu, não lucra. Os lucros são alocados à subsidiária, a unidade destes
grandes grupos onde a fiscalidade é reduzida. É isso que é interessante para as multi-
nacionais. Isto é o que as motiva a utilizar os PF.
Contudo, num estudo realizado por Boyrie, Pak e Zdanowicz (Boyrie, 2005), respec-
tivamente das universidades de New Mexico State University, Penn State University e
Florida International University, é evidente o exagero a que pode chegar a manipula-
ção dos preços, revelando pura fraude fiscal.
Após os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, os Estados deram prioridade
aos problemas relacionados com o financiamento e culto de organizações terroristas.
No entanto, a opacidade das transacções tem sido uma barreira importante na detec-
ção de fluxos financeiros provenientes de actividades ilícitas, pois impede a investiga-
ção das actividades nos centros financeiros offshore por parte de autoridades exter-
nas, facilitando o branqueamento de capitais de actividades criminosas tais como
fraude, desvio de dinheiro, roubo, corrupção, tráfico de drogas, tráfico ilegal de armas,
falsificação de documentos, uso de informações privilegiadas, emissão de notas falsas,
alteração na formação dos preços de transferência e evasão fiscal (Christensen, 1999).
Para incorporar o dinheiro proveniente de actividades ilícitas nas transacções
comerciais, são concebidos esquemas complexos com a utilização de estruturas extra-
territoriais, disfarçando o lucro do crime e da evasão fiscal. Segundo Riches, detective
superintendente Des Bray, da Divisão de Crimes Comerciais e Electrónicos, entrevista-
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do por Sam Riches, em 2007, os métodos de branqueamento de capitais variam, desde
o mais simples até cenários comerciais altamente estruturados e complexos. A infiltra-
ção de criminosos em negócios legítimos começa a ser cada vez mais investigada.
Nenhuma dessas pessoas poderia realizar essas actividades se não fosse através de
advogados, consultoras e assessores financeiros que, conscientemente, as ajudam a
branquear e a esconder activos (apud Christensen, 2009: 9).
Estimativas do Hedge Fund Reserach (HFR) verificam uma enorme diferença entre
os montantes que vão para os centros offshore e os que vão para os centros onshore.
Visivelmente, os centros offshore captam cerca do dobro dos montantes que são apli-
cados no mercado onshore.
O indicador da relação PIB vs. Actividade Bancária Internacional, reflectido em Múl-
tiplos do PIB, dados do HFR, revela que estes centros financeiros são utilizados como
entreposto offshore pelo elevado valor desses múltiplos, comparado com o valor do
PIB, em cada uma dessas regiões (Palan, 2006).
O elevado crescimento dos lucros das empresas norte-americanas na Irlanda entre
1999 e 2002, conseguido pelas reduzidas taxas de tributação efectiva a não residentes,
além de ter distorcido a concorrência, perverteu o sistema, o que veio a revelar-se
mais tarde no colapso da economia irlandesa, corroborando a teoria da manipulação
económica.
Ao contrário das imagens evocativas que o termo offshore traz à mente, seria um
erro pensar em algo desligado e longe dos maiores Estados. Geograficamente, muitos
PF estão localizados em pequenas ilhas espalhadas pelo espectro dos fusos horários.
Mas, política e economicamente, a maioria está intimamente vinculada aos principais
Estados da OCDE e o termo offshore nada mais é do que uma declaração política sobre
o relacionamento entre um país e partes do seu território (Palan, 1999). Portanto,
pode questionar-se até que ponto terá efeitos a norma emanada do Fórum Global
sobre Fiscalidade (FGF), que foi guiado pelo trabalho da Comissão dos Assuntos Fiscais
da OCDE, aprovada pelo G20 e pelo Comité de Peritos das Nações Unidas sobre a Coo-
peração Internacional em Matéria Fiscal, e que agora serve como base para a maioria
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dos Tratados Fiscais bilaterais como a norma acordada internacionalmente para a
troca de informações.
Considerando-se, por exemplo, o caso de Londres, essas estruturas operam em
territórios ultramarinos britânicos, dependentes da Coroa Britânica.
Começam a ser feitas conexões entre branqueamento de capitais, corrupção,
instabilidade dos mercados financeiros, desigualdade de rendimentos e pobreza
crescente, e as jurisdições offshore começam a ser identificadas como denomina-
dor comum a todos estes problemas.
3.3. A City
O Reino Unido é, ele próprio, um PF, desde logo porque um dos princípios fiscais
seguido é o de ter uma legislação fiscal para os nacionais e outra para as pessoas
que não são residentes, ou seja, os que não têm domicílio fiscal nessa jurisdição.
Estes, marcam a existência de uma grande fatia de rendimentos que não são tribu-
tados, ao que os especialistas chamam loophole.
Londres é na realidade um PF, porque no final dos anos 50, exactamente em 57,
o Banco de Inglaterra apoiou a criação de um instrumento financeiro inovador, o
chamado mercado do eurodólar (Palan et al, 2007: 44). O eurodólar é a denomina-
ção em dólares de uma operação financeira feita num banco fora do seu território
nacional, EUA. Este mercado surgiu no seguimento do Banco de Inglaterra ter veri-
ficado que a libra esterlina tinha perdido o seu estatuto como moeda internacional
contra o dólar. O dólar estava a tornar-se numa moeda internacional muito impor-
tante. Nessa altura, começaram a permitir depósitos e empréstimos em dólares
fora do escrutínio público, o que realmente impulsionou fortemente a liberalização
financeira e o financiamento offshore. O Banco de Inglaterra concordou com a
ampliação do mercado eurodólar feito na City de Londres. E foi uma estratégia ven-
cedora.
Londres é hoje o primeiro centro financeiro mundial. Foi multiplicando os serv i-
ços do mercado eurodólar, que as grandes empresas desenvolveram o comporta-
ANA MARGARIDA RAPOSO FERREIRA – PARAÍSOS FISCAIS – NOVOS DESAFIOS E AMEAÇAS
313
mento dos PF para o resto do mundo. As autoridades financeiras britânicas são,
elas próprias, um sistema bancário usado como um PF, uma vez que compreende
uma legislação diferente, mais favorável, para actividades e pessoas não residen-
tes, conferindo e atraindo num centro mundial, no distrito financeiro londrino “The
City”, um grande volume de empresas e transacções de não residentes (Palan et al,
2007: 33 ss.).
O volume de transacções offshore é controlado pelo distrito financeiro de Lon-
dres, conhecido como The City, embora muitos dos seus intermediários financeiros
operem em escritórios localizados no exterior e na dependência da Coroa. Tais
jurisdições dão a impressão que operam com autonomia. Porém, na prática, quase
sempre actuam como centros de recepção das instruções emitidas pelo centro
financeiro de Londres e por outros grandes centros financeiros. O distrito financei-
ro londrino oferece isenção fiscal máxima ou total, e é protegido por normas de
segredo financeiro, incluindo a não divulgação dos beneficiários de empresas ou
trusts, e é facilitado por regimes mais permissivos que os regimes onshore, na pró-
pria City. Muitos PF estão vinculados directamente ao Reino Unido por terem o
estatuto de território estrangeiro na dependência da Coroa ou por fazerem parte
da Comunidade Britânica, Commonwealth.
Londres é, na realidade, o principal centro financeiro mundial. Chavagneux e
Palan fizeram cálculos para tentar medir a posição das operações financeiras em
bancos internacionais, tendo verificado que, cerca de metade das transacções
internacionais dos bancos, é feita através de centros offshore e que, por sua vez,
essa metade é repartida da seguinte forma: Londres 40%, outros grandes centros
financeiros nos países desenvolvidos 30%, e nas pequenas ilhas exóticas 30%.
O mercado financeiro destas operações financeiras, com as suas comissões,
representa hoje um importante peso, de 10 a 15% do PIB no Reino Unido. Emprega
muitas pessoas e permite o desenvolvimento de actividades muito sofisticadas, de
alto nível. Por isso, coloca-o num dos segmentos mais rentáveis e com pessoal
altamente qualificado. Deste ponto de vista, é sempre uma vantagem para um país.
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314
3.4. As Consultoras como Elo do Sistema
As empresas consultoras dão aconselhamento fiscal aos seus clientes. Após fusões,
incorporações e a falência da Arthur Andersen, actualmente são quatro as grandes fir-
mas de consultoria. Elas são, por ordem de tamanho: PricewaterhouseCoopers (PWC),
Deloitte Touche Tohmatsu, KPMG e Ernst & Young. Cada uma delas opera em pelo
menos 139 países. Todas possuem escritórios nos principais PF do mundo, tendo esta-
do fortemente envolvidas na promoção das actividades nesses espaços.
Em 2003, PWC, Ernst &Young e, particularmente, a KPMG foram altamente critica-
das por promoverem a venda, nos EUA, do que o Subcomité Permanente do Senado
Norte-Americano chamou produtos fiscais. Este subcomité descobriu que alguns des-
tes produtos eram ilegais, pois, sob a máscara de um planeamento fiscal apelidado
gestão preventiva, promovia junto dos seus clientes a evasão fiscal através de offsho-
res. Ficou a saber-se que a KPMG gerou pelo menos 180 milhões de dólares de receitas
a partir da venda de tais esquemas e que, colectivamente, os esquemas vendidos trou-
xeram para o Tesouro Americano perdas no valor de 85 mil milhões de dólares. Deloitte
e Andersen foram criticados pelo Senado norte-americano pelo trabalho que fizeram
para a Enron, no relatório sobre a falência da companhia. A Enron declarou lucros de
2,3 mil milhões de dólares entre 1996 e 1999, mas não pagou qualquer imposto. Para
isso, estabeleceu uma rede de quase 3.500 empresas, das quais pelo menos 440 esta-
vam registadas nas Ilhas Caimão.
A KPMG foi altamente criticada pelo Tribunal Americano de Falências pelo seu papel
na criação de esquemas de poupança fiscal sem consistência económica em nome da
WorldCom antes da sua falência. Estes esquemas foram desenhados para que a
empresa poupasse milhares de milhões em impostos, através do que a KPMG chamou
gestão preventiva.
A evidência do comportamento pouco ético das consultoras não vem apenas dos
EUA. Em 2005, o Tribunal de Justiça Europeu apresentou um parecer sobre um
esquema promovido pela KPMG para evitar o pagamento de IVA no Reino Unido. No
seu material promocional de vendas, a KPMG admitiu que sabia que as autoridades
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fiscais do RU considerariam o esquema como evasão fiscal inaceitável. Apesar disso,
eles promoveram o esquema como um produto fiscal. O tribunal concluiu que o
esquema fiscal da KPMG era uma tentativa para evitar o IVA.
3.5. O G20 e a União Europeia
O Fórum Global sobre Fiscalidade (FGF), guiado pelo trabalho da Comissão dos
Assuntos Fiscais da OCDE, desenvolveu também uma norma, aprovada pelo G20 e pelo
Comité de Peritos das Nações Unidas sobre a Cooperação Internacional em Matéria
Fiscal, e que agora serve como base para a maioria dos Tratados Fiscais bilaterais como
a norma acordada internacionalmente para a troca de informações.
A base utilizada para a distinção entre as jurisdições que executam a norma e aque-
las que não o fazem, passou por uma avaliação objectiva da situação nos diversos paí-
ses. Embora sem traçar uma linha rigorosa delimitadora na forma de medir os progres-
sos realizados, tem sido utilizado, como indicador de progresso, o de saber se uma
jurisdição tem assinados 12 acordos de troca de informações.
Atente-se neste ponto, que a passagem de setenta para zero países na lista negra
dos PF resulta apenas de uma mudança nos critérios, onde passaram a estar presentes
os acordos bilaterais entre os Estados.
A evasão fiscal é hoje um problema para a União Europeia uma vez que os Estados
começam a ter problemas de receitas, agravados pelo Pacto de Estabilidade que veio
limitar, ainda mais, os instrumentos fiscais.
Nesta linha, em 2005 foi estabelecida a chamada Directiva da Poupança, segundo a
qual todos os países da União ficam obrigados a prestar informações sobre os rendi-
mentos de capital de não residentes aos seus respectivos países de origem.
No entanto, os efeitos desta medida foram pouco visíveis, na medida em que todas
as entidades responsáveis pela gestão de rendimentos de capitais transferiram, quase
automaticamente, todas as aplicações que abrigam para um novo offshore entretanto
aberto num outro dos muitos paraísos fiscais existentes.
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No fundo, este comportamento de fluxos financeiros é tão simples de compreen-
der como o princípio dos vasos comunicantes da física: quando um líquido é coloca-
do num sistema constituído por vasos comunicantes, ele dispõe-se de modo que a
altura das colunas líquidas seja proporcional à respectiva densidade. De igual forma
se poderá dizer: Quando um volume de moeda é colocado num sistema financeiro
constituído por offshores comunicantes por meio da rede de transferências bancárias
electrónicas, ele dispõe-se de modo que o volume de moeda investido em subsidiá-
rias financeiras offshore seja proporcional à respectiva densidade. Aplicando este
teorema á realidade Europeia, no quadro da Directiva da Poupança, tem-se que, a
partir do momento em que aquela passou a vigorar, as aplicações financeiras exis-
tentes nas diversas sucursais financeiras espalhadas pelos territórios europeus off-
shore, como a Zona Franca da Madeira, foram transferidas para novas subsidiárias
financeiras entretanto constituídas noutros territórios, também offshore, mas que
não estão juridicamente abrangidas pela Directiva da Poupança. Curiosamente,
alguns destes territórios não abrangidos pela Directiva da Poupança estão dentro do
continente europeu, concretamente: Suíça, Liechtenstein, San Marino, Mónaco e
Andorra.
Esta posição conjunta dos países da UE é, no entanto, posta em causa, pelo facto
de três dos países membros, concretamente Bélgica, Luxemburgo e Áustria, conti-
nuarem a adoptar o sigilo bancário. Estes retêm imposto na fonte, transferindo a
maior parte anonimamente para o país de origem da pessoa tributada. Esta situação
excepcional deverá acabar em breve, afirma Laszlo Kovacs, comissário da UE para
questões fiscais, pois está previsto que esta regra seja transitória e acabe no dia em
que os outros 5 países europeus, que não são membros da UE (Suíça, Liechtenstein,
San Marino, Mónaco e Andorra) aceitem fornecer informações sobre os clientes dos
seus bancos. A Suíça é o país com o qual há maior dificuldade de negociação, pois,
para salvar a todo custo o sigilo bancário, quer negociar individualmente com cada
país, em vez de acertar um acordo geral com o bloco.
Da política europeia adoptou-se uma Directiva para harmonizar as tributações
dentro do perímetro europeu. No entanto, abriu-se excepção à Bélgica, Áustria e
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Luxemburgo, para permanecerem competitivos com a Suíça, uma vez que para salva-
guardar a concorrência permite no seu seio situações de concorrência que falseiam o
sistema.
O Banco Mundial e o FMI desenvolveram, também, as suas próprias agendas anti-
corrupção, mas nenhuma delas está significativamente ligada à opacidade do sistema
bancário offshore, com a excepção dos restritivos programas relativos ao branquea-
mento de capitais.
O Grupo de Acção Financeira Internacional ou Financial Action Task Force (GAFI ou
FATF), formado pelos chefes de Estado do G7 em 1989 para liderar um programa
global anti-branqueamento, publicou em Junho de 2006 um relatório sobre as Tran-
sacções Comerciais de Branqueamento de Capitais, onde identificou três métodos
principais pelos quais os terroristas financeiros movimentam essas verbas, escon-
dendo as suas origens e infiltrando a sua integração nos circuitos da economia for-
mal. São esses métodos, o uso do sistema financeiro, o movimento físico do dinheiro
e o movimento dos bens e serviços através do sistema internacional de comércio.
O GAFI tem focado a sua investigação no sistema financeiro, dando menos aten-
ção aos fluxos realizados através do movimento físico de dinheiro e descurando os
movimentos que resultam da manipulação do sistema internacional de comércio, sis-
tema esse que oferece, claramente, um leque de riscos e vulnerabilidades que
podem ser explorados por organizações criminosas e terroristas. Redigiu um texto de
quarenta recomendações, destinado a ser introduzido dentro das disposições legisla-
tivas de cada país. Contudo, o seu eco não se ouviu. Nem tão pouco, pareceu que o
GAFI tenha ficado alerta, pois legitimou as jurisdições opacas que se disponibilizam a
cooperar na investigação dos rendimentos do narcotráfico e do financiamento do
terrorismo, uma vez que passou a considerar transparentes as jurisdições offshore
que se mostraram cooperantes pela assinatura de acordos de troca de informações.
Ou seja, o critério de saída de um PF da lista negra passou a ser (apenas) o de saber
se aquela jurisdição tem assinados acordos de troca de informações, tornando desta
forma legítimos aqueles espaços jurídicos.
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Também o G20, na sua reunião, a 2 de Abril de 2009, deixou a mensagem aos PF
de que é essencial proteger as finanças públicas dos riscos decorrentes das jurisdi-
ções não cooperantes, apelando a adesão às normas internacionais de prudência das
áreas anti-money laundering and counter-terrorist financing (AML/CFT) (G20, 2009).
Para este fim, é sugerido aos órgãos competentes de cada país a condução e reforço
do objectivo de supervisão, com base em processos existentes, nomeadamente,
através do plano Financial Services Action Plan (FASP), adoptando o padrão interna-
cional para a troca de informações, aprovado pelo G20 em 2004, que se reflecte no
modelo de convenção fiscal da ONU. O Financial Services Action Plan (FSAP) é um
elemento chave da UE, na tentativa de criação de um mercado único de serviços
financeiros. Foi criado em 1999, contendo 42 artigos relacionados com a harmoniza-
ção do mercado de serviços financeiros na UE. E incumbe ao FMI, em cooperação
com o Financial Stability Board (FSB), a avaliação da implementação nos ordenamen-
tos jurídicos relevantes.
Contudo, esta reunião do G20 de 2 de Abril de 2009, além de ter sido fracamente
participada por uma minoria de 8 países que se fizeram representar pelos seus minis-
tros das finanças, não foi consensual. Reflexo de interesses conflituosos entre os paí-
ses membros?
Apesar de todos os esforços, provavelmente, mais eficaz que uma acção focaliza-
da sobre os PF, seria uma acção centrada nas disposições legislativas que os prote-
gem. Os Estados, em coordenação, podem recusar o reconhecimento da legalidade
do estatuto actual dessas entidades.
A medida que até agora teve maior visibilidade foi a do Presidente norte-
americano Barack Obama, que resultou da vontade política dele próprio e não da
cooperação, com o levantamento do sigilo bancário em cerca de 300 contas bancá-
rias na União de Bancos Suíços.
Todos estes pequenos avanços reflectem, sobretudo, a falta de uma vontade polí-
tica, que vá além da declaração de intenções. O motivo? Chavagneux e Palan susten-
tam que os PF, originalmente e principalmente procurados pelos ricos para fugir aos
impostos, são agora uma parte essencial de um sistema económico globalizado.
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4. Conclusão
É num esforço de compreensão de uma realidade cada vez mais presente que
se inscreve este trabalho, percebendo a dinâmica dos PF num sistema capitalista,
procurando mostrar a realidade de um dos principais fenómenos que promove a
ineficiência e o desequilíbrio da organização política e económica liberal de um
Mundo organizado por Estados de Direito.
Estas jurisdições são hoje pequenos territórios com poderes especiais por onde
circula o que se estima ser, segundo o FMI, metade dos fluxos financeiros mun-
diais. Tais territórios têm como principal característica a quase inexistência de car-
ga fiscal, possibilitando a fuga de capitais à tributação nacional, e uma opacidade e
secretismo que permite complexos esquemas de branqueamento de capitais com
origem no tráfico de droga, armas e corrupção.
Uma série de escândalos foram tornados públicos, e tocam esferas tão impor-
tantes como os partidos políticos dos países desenvolvidos ou o mundo do despor-
to. Um enorme volume de capitais está fora de controlo dos países onde é gerado.
O obscuro papel destes territórios foi publicamente denunciado devido ao papel
de publicações como o Le Monde Diplomatique ou organizações internacionais
como a Association pour la Taxation des Transactions pour l'Aide aux Citoyens
(ATTAC) e a Tax Justice Network (TJN), que desde a sua origem escrutinam esta
realidade. Os esquemas de branqueamento de capitais que passam por estas
jurisdições, provenientes de todo o mundo, são normalmente esquemas sofistica-
dos, onde são utilizadas empresas fictícias, por onde circulam os fluxos financeiros
até se perder o seu rasto e origem, acabando numa conta legítima num banco
reconhecido. No entanto, métodos rudimentares continuam a ser utilizados de
forma eficaz, como o uso das malas de dinheiro vivo, escondidas em aviões priva-
dos.
De forma sigilosa, estruturas profissionais altamente organizadas e especializa-
das na deslocação de capital para os PF, construíram uma economia global paralela,
para fugir aos impostos e às regulamentações territoriais. Essa economia é susten-
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tada por uma complexa infra-estrutura que serve de interface extraterritorial off-
shore. Tal interface tem facilitado e estimulado a fuga de capitais dos países pobres
para os ricos em grande escala, contribuindo significativamente para aumentar a
desigualdade, distorcendo os mercados globais em prejuízo da inovação e do espíri-
to de empreendimento, desviando os investimentos e diminuindo o ritmo do cres-
cimento económico, ao promover recompensas sem esforço, colocando mesmo em
perigo a integridade dos sistemas fiscais e o respeito pelo Estado de Direito.
No fundo, e como terminam Palan e Chavagneux no seu livro Les Paradis Fiscaux
(2007:115), “De maneira irónica, os territórios offshore só puderam transformar -se
em núcleos do capitalismo contemporâneo apoiando-se no reconhecimento cres-
cente do princípio da soberania dos Estados a partir do século XIX. Hoje como
ontem, o Estado e a mundialização do capitalismo, longe de estarem em lugares
opostos, partilham o mesmo espaço e não se compreendem”.
Não se compreendem, porque, por um lado, os territórios offshore, que são a
antítese do Estado na medida em que reduzem ao mínimo a taxa de impostos, não
pensando na satisfação de nenhum interesse que não seja o do próprio beneficiá-
rio, não há a preocupação pela promoção de um interesse colectivo, esvaziando os
cofres dos Estados, que no fundo acabam por ser o seu alimento, pois reconhecem
a sua autonomia, podendo estes a qualquer momento deixar de reconhecer essa
autonomia, e por outro lado, os Estados não compreendem que o reconhecimento
dos offshores é a sua sentença de morte, mas que, no quadro actual a que chegou
o envolvimento das grandes Instituições, talvez seja, no curto prazo, uma via a não
desprezar na procura da sobrevivência dos Estados e das Empresas.
Esta nova geoeconomia requer repensar a natureza e a geografia da corrupção,
forçando a sociedade a enfrentar as grandes falhas da arquitectura financeira
internacional e a superar o poder político dos grandes interesses estabelecidos,
pensando num novo modelo de relacionamento internacional.
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