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Preconceito lingüístico: Uma questão social
Lucas Bonina Trindade
Orientador: Gredson dos Santos
RESUMO:
Observando a grande capacidade de variações que a língua possui, e conseqüentemente, o quanto isso tem sido motivo de resistência e preconceito por setores minoritários da sociedade, logo, o presente artigo foi desenvolvido com o objetivo de analisarmos o fenômeno das variações lingüísticas e sobretudo, a questão do preconceito lingüístico aliado ao preconceito social. Desta forma, este trabalho tem como base uma reflexão crítica sobre a questão do “certo e do “errado” na língua portuguesa brasileira, cumprindo o papel de desafiar a todos educandos e educadores para militar contra todo tipo de preconceito que existe referente a língua de uma nação. Seja ele no aspecto lingüístico como no aspecto social.
PALAVRAS-CHAVE: Variações - Preconceito lingüístico- Preconceito social
ABSTRACT
Observing the great capacity of variations that the language possesses, and consequently, the as that has been reason of resistance and prejudice for minority sections of the society, therefore, the present article was developed with the objective of we analyze the phenomenon of the linguistic variations and above all, the subject of the prejudice linguistic ally to the social prejudice. This way, this work has as base a critical reflection on the subject of the " right and of the " wrong " in the Brazilian Portuguese language, accomplishing the paper of challenging all students and educators to militate against every prejudice type that exists regarding language of a nation. Be him in the linguistic aspect as in the social aspect.
WORD-KEY: Variations - linguistic Prejudice - social Prejudice
Artigo apresentado como trabalho de conclusão do curso de Letras vernáculas da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Campus XXI, Ipiaú. Graduando em Letras vernáculas, com habilitação em língua portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB- campus XXI, Ipiaú.- e-mail [email protected] Prof. Gredson dos Santos, Graduado em Letras vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Mestre em letras pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB
Introdução
A idéia de desenvolver esse artigo surge diante uma necessidade de
discutirmos a questão do preconceito lingüístico, para isso, faz-se necessário um
estudo sobre as variações lingüísticas e, sobretudo, uma análise sobre a questão
do preconceito social atuando com pano de fundo no preconceito lingüístico.
Teremos como principio, refutar as idéias e atitudes imponderadas que ainda
perduram na sociedade, fazendo com que o preconceito se difunda, e assim,
impedindo a livre manifestação lingüística; desta forma, estaremos discutindo
nesse artigo a necessidade de despertar o discernimento crítico na sociedade, a
fim de minimizar o preconceito lingüístico e social.
O estudo dos fenômenos das variações é válido para que tenhamos um
melhor entendimento sobre de onde vem e pra onde vai o preconceito, ou, de
quem vem e para quem vai, pois, entendemos que o preconceito é fruto de uma
relação sujeito X sujeito.
Teremos como meta, nesse artigo, apontar algumas variações existentes
na língua português brasileiro, assim como também alguns conceitos e exemplos
de preconceito lingüístico; porém, o que mais iremos abordar nesse artigo é o
quanto o preconceito social atua sobre o preconceito lingüístico, e, sobretudo, o
quanto a questão do preconceito lingüístico está ligado a fatores tantos de ordem
lingüística como de ordem social.
Sei o quanto é complicado falar sobre a língua, não somente por motivos de
sintaxe ou fonético, porém por ser um tema que serve a interesses, assim,
concordo com Bagno, (2002: 9) quando afirma que, “Tratar da língua é tratar de
um tema político”, desta forma, entendemos, que tratar da língua e, sobretudo,
denunciar o preconceito implica interesses políticos e principalmente daqueles que
perpetuam a discriminação e a exclusão, utilizando-se da língua como instrumento
para tal.
Abordagens sobre as variabilidades da língua e o preconceito.
É refletindo sobre o “problema” da variação lingüística no português
brasileiro, que logo somos obrigados a discutir com mais amplitude sobre essa
questão, sobretudo o preconceito que determinado público de falantes sofre.
Sendo assim, é necessário que tenhamos um olhar crítico e pesquisador sobre a
questão do “certo” e do “errado” na língua portuguesa brasileira, principalmente,
no que diz respeito ao modelo “padrão” almejado por diversos segmentos da
sociedade .
Entendemos que a variação é um processo natural que ocorre em cada
falante, é uma ilusão pensar que o português, língua majoritária no Brasil, constitui
uma realidade monolítica e homogênea. Sujeito ao fenômeno da variação, próprio
a todas as línguas, o português brasileiro apresenta diversidade interna e externa
correlacionada com o espaço geográfico, o estrato sociocultural, a faixa etária e
ao sexo próprio de cada falante. Por mais que se diga que “Pedro fala um
português impecável”, Pedro, com certeza, em algum momento faz uso de
variações na fala, dependendo da ocasião e lugar, com conversas informais,
barzinho, roda de amigos e familiares; é impossível que alguém seja plenamente
“correto” no uso do português padrão. “Existe um fenômeno chamado variação,
isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como
nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico” (Bagno, 2002: 52).
É sabido que muitos “gramatiqueiros” tentam, a qualquer custo, impor uma
uniformidade lingüística; continuam a dizer que temos uma só língua, e não
admitem as variedades lingüísticas como um fenômeno natural da língua,
tentando, de todas as formas, padronizar algo abstrato, que “voa” e modifica-se ao
tempo e ao meio, e que ainda assim, menosprezam e subestimam a variação
como um processo natural da língua. É necessário entender que a variação é um
requisito ou condição do próprio sistema lingüístico, pois, não há quem fale a
mesma língua de forma idêntica em todas as ocasiões e, sobretudo a língua esta
sujeita a improvisos e modificações.
Desta forma, vemos que um dos grandes empecilhos dos adeptos da
norma padrão é não respeitar as variedades lingüísticas como instrumento de uso
natural de falantes, e, apenas acreditam que existe uma “língua-objeto-padrão”, e
é como se cada um de nós pegássemos, (apalpássemos) a língua-objeto-padrão e
fizéssemos o uso, além disso, não se permitem a olhar a língua quanto a seu
espaço geográfico e social, pois, é a partir desses dois aspectos que passamos a
identificar as mais diversas formas de variações, que, aliás, se estende à questão
do preconceito lingüístico e, sobretudo social, e que, muitas dessas variações, são
submetidas a diversos tipos de preconceitos, taxadas de “feias”, “erradas”,
“cafonas” e, além disso, é rejeitada por “aqueles” que se acham no direito de julgar
como “certo” ou “errado” um determinado tipo de linguagem.
Digamos também, que o fenômeno das variações nos leva a abordar mais a
frente a questão do preconceito social, que, por sua vez, esta camuflado no
preconceito lingüístico; não por acaso, pois os fatores que determinam o
preconceito lingüístico, o que determina se a língua falada está “certa” ou “errada”,
“bonita” ou “feia”, não são apenas os fatores internos, lingüísticos ou variações,
há, sobretudo os valores sociais implicando no juízo de valor aplicado a uma
língua, e que geralmente percebemos nas pessoas menos escolarizadas, que
coincidentemente estão na base da pirâmide das classes sociais, assim também
com os moradores da zona rural, o favelado, o vendedor de Apolo, o engraxate, a
lavadeira de roupas, etc..., São milhões de brasileiros, cada qual com suas
particularidades, e assim sendo, a língua também, impossível falar a mesma
língua com tanta heterogeneidade.
O que devemos levar sempre em consideração é que as diversas formas de
falar a língua, os vários tipos de variações, são resultantes das diferentes
maneiras de ser e de viver das pessoas, e assim sendo, é bom lembrarmos que a
língua deve ser percebida como um instrumento de identidade do nosso povo, e
não usada para subestimar a capacidade do falante brasileiro, que, até então, tem
recebido muitos “títulos” desagradáveis, gerando também vários mitos, um dos
quais, Bagno (2002: 20), chama de mito nº 2 “Brasileiro não sabe falar português /
Só em Portugal se fala bem o português”, e que mais tende a desvalorizar a língua
brasileira e seus falantes. Cada variante da língua tem suas características
próprias. Assim, toda língua viva do mundo apresenta o fenômeno da variação: a
língua é falada de diferentes formas, segundo uma série de fatores sociais: se o
falante é homem ou mulher, se vive no campo ou na cidade, se é da região sul ou
nordeste, se é jovem ou velho, se é rico ou pobre, se estudou muito, pouco ou
nada; o que muda é que o acesso às boas condições de ensino vai permitir,
simplesmente, que a pessoa conheça as formas mais padronizadas e cultas da
língua, sobretudo da língua escrita.
Dentro desse contexto de variações, não podemos omitir o preconceito
social que está embutido no preconceito lingüístico. Haja vista, quando as
variações ocorrem nas classes de privilégio econômico, vemos que logo a
variação tende a transforma-se em “normal”, e já passa a ser tratada apenas como
desvio de linguagem, que na realidade não passa de uma adoção da variável sem
o preconceito que caberia se a variação fosse fruto de uma classe social menos
privilegiada economicamente.
O que quero dizer é que quando uma pessoa que ocupa o espaço de cima
da pirâmide social, comete um “erro” ou variação na pronúncia, geralmente esse
“erro” ou variação, logo tende a receber outros títulos, a exemplo de “desvio de
linguagem”, “equívoco da fala” e outros que tem como único objetivo amenizar o
que poderia ser chamado de “erro crasso” ou “agressão ao português”, caso o fato
acontecesse com alguém que ocupasse o espaço de baixo da pirâmide social, ou
até mesmo alguém oriundo do nordeste brasileiro. Segundo Lemos, (2000: 65), “A
variedade das classes dominadas tende a se desestruturar, quando em contato
com a variedade da classe dominante, gerando inúmeros sentimentos de
culpabilidade ou de inferioridade lingüística, levam muitos falantes a se
envergonharem de seus próprios dialetos”.
O que mais tem nos chamado à atenção é que, quando a língua passa a
ser usada como um instrumento de preconceito social e ao mesmo tempo de
exclusão, logo entendo que o maior mal que vem acontecendo, e a maior
agressão aos falantes do português não-padrão, é que tudo isso tem causando
nesses falantes uma sensação de desconforto, receio para falar e um grande
complexo de inferioridade.
Entretanto, há um avanço que nos torna otimistas, é que passamos a
perceber, mesmo que lentamente, a inclusão e o respeito que a sociolingüística
tem recebido nas escolas e universidades, isso talvez, se dê ao fato de que já tem
ficado insustentável a idéia de homogeneidade lingüística que por muito tempo
perdurou entre os gramáticos e que ainda, porém, com menos força tenta impor a
unidade lingüística. “Cada vez mais se aceita a idéia de que a heterogeneidade
lingüística reflete a variabilidade social e as diferenças no uso das variantes
lingüísticas correspondem às diversidades dos grupos sociais e à sensibilidade
que eles mantém em termos de uma ou mais normas de prestigio”. (Doriam,1994:
96)
Embora percebamos que de forma lenta o ensino da lingüística nas escolas
e academias tem avançado, é necessário que possamos aprofundar cada vez
mais as discussões sobre a questão dos fenômenos variacionistas da língua e,
sobretudo do preconceito lingüístico, que ainda, por questões históricas, políticas
e culturais estão arraigadas na nossa sociedade. Desta forma, é plausível que
existam muitos interessados e dispostos a encarar esse assunto como uma
militância que não pode ser negada, até porque, se negarmos a luta contra o
preconceito lingüístico estamos negando nossa própria identidade lingüística e
social.
Tipos de variações.
Podemos observar que há inúmeras variações, o que nos dá margem para
trabalharmos algumas delas dentro desse artigo, e que poderíamos começar com
a variação diacrônica, haja vista, que a mesma esta sujeita a modificar-se com o
tempo e, sobretudo com os aspectos sociais e lingüísticos que a cerca, mudando
sua estrutura ou significado de acordo o que a história e o meio determina.
Segundo Ilari, (2006:152), “a variação diacrônica é às vezes percebida
comparando gerações. Por exemplo, todos nós conhecemos gírias que, embora
compreensíveis, soam “antigas”, e também é comum o caso de gírias
compreensíveis somente aos mais velhos ou os mais novos”.
É válido citar, por exemplo, as mudanças que a língua sofreu ao longo de
sua história, e isso, não nos dá o direito de afirmar que outrora a língua era “bela”,
“conservada” e “refinada”, apenas era a forma usada naquele momento. Por
exemplo, analisarmos um texto escrito na idade média, por volta do século XI e XII
é claro que teremos uma dificuldade de entendermos, vejamos, “Senhor do corpo
de delgado, em forte pont` eu fuy nado! Que nunca perdi cuidado, nen afan dês
que vos vi. En forte pont´ eu fuy nado, Senhor, por vos e per mi!” (Francisco,
1999:41). Vimos o quanto à língua mudou? Assim também tem acontecido com
todas as línguas, isso não quer dizer que tivemos mudanças pejorativas, o
processo de mudança da língua como já falamos, continua e continuará sendo em
detrimento dos fatores sociais e lingüísticos. Segundo uma lingüista britânica,
especialista em mudanças lingüísticas, Aitchison, 2001, apud Bagno, (2006: 114)
“ as diferentes línguas não implementam todas as tendências possíveis de uma só
vez, e línguas diferentes serão afetadas de modo diferentes”, essa mudanças
ocorrerão de forma diferentes, cada uma a seu ritmo, e sobretudo pelo fator
histórico social.
Um outro exemplo de variação é a diatópica, que essencialmente trata das
mudanças que ocorrem em decorrência da localização geográfica, e também
pelas influências que cada região sofreu durante sua formação. Um exemplo
clássico da variação diatópica são as diferenças existentes em regiões do Brasil, a
exemplo de: macaxeira / mandioca / aipim, observamos que são três palavras
diferentes, usadas em regiões distintas, e com o mesmo significado, outro
exemplo, é o de trepar na árvore / subir na árvore, o termo trepar e subir são
termos usados em regiões diferentes, neste caso, vemos também duas palavras
diferentes foneticamente e lexical, porém com o mesmo significado dentro desse
contexto.
As diferenças entre a língua usada em regiões diferentes, em sua maioria,
se dá no plano fonético, desde a pronúncia, timbre e entonação, como também no
flano lexical, como o exemplo acima; palavras diferentes para dizer a mesma
coisa, e ou, palavras iguais, com sentidos diferentes.
A variação diatópica é percebida mais claramente quando observamos a
fala de um gaúcho e de um nordestino de alagoas, logo, vemos que a forma de
falar desses dois falantes variam, porém, a fala do nordestino é discriminada e
sofre de um preconceito lingüístico, que na verdade tem mais um fundo de
preconceito social, sobretudo pelo fato da região nordeste ser considerada
“pobre”, “atrasada” e lugar de “gente torpe”, quanto ao Sul, recebe títulos bem
mais agradáveis, “politizados” e “cultos”. Neste caso vemos que essa variação
pode ser vista também como uma variação diastrátrica, pois, além do fator
geográfico, o fator social também influencia o preconceito. ( Ilari, 2006:163). “Nem
sempre é fácil separar o que é diatópico do que é diastrático (diferentes camadas
sociais). O que queremos dizer com isso é que, como regra geral, os traços
tipicamente regionais aparecem com mais nitidez nas falas mais informais, as
mesmas que permitem o uso de variedades não-padrão”.
Um exemplo clássico de que a variação diatópica pode “determinar” ou ser
motivo de preconceito social, é o caso do Presidente Luis Inácio Lula da Silva,
nordestino, oriundo das camadas populares operário e acima de tudo não possui
um nível superior, embora tais características não representem mais a sua figura,
vemos que ainda sim, esses elementos muitas vezes foram usados como
instrumento de desmoralização e preconceito por parte de adversários políticos,
sem contar as diversas vezes que recebe críticas da imprensa escrita e falada
sobre as suas falas, considerados por muitos de “bizarra”, “ridícula” e
“desastrosa”. Todas essa criticas não fundamentam-se somente no campo
lingüístico, sobretudo nos elementos citados acima, (nordestino,oriundo das
camadas popular, operário e acima de tudo não possui um nível superior ), neste
caso nota-se um sério preconceito social.
Quanto à variação diamésia, vemos que está mais no campo das
diferenças entre a língua falada e a língua escrita, não que falamos de divergência
lingüística, porém, que existe normas mais usadas em uma e menos usadas em
outra.
Temos a possibilidade de observar essa variação nos diversos meios de
comunicação, ou seja, na forma escrita há uma exigência pela norma culta, a
exemplos de jornais, revistas científicas e livros, porém, na língua falada percebe-
se que não há o mesmo cuidado pela norma culta, há, sobretudo improvisos,
variações, dialetos e gírias, e que, sobretudo, de maneira alguma, podemos
permitir que alguns setores adeptos da norma culta descriminem a variação que
ocorre na língua falada, devemos inibir e combater esse sentimento
preconceituoso, que por muitas vezes é visto quanto à forma da língua falada.
Segundo Luft & Celso, (2001:18) “o importante é comunicar. (e quando possível
surpreender, iluminar, divertir, comover). Mas aí entramos na área do talento que
não tem nada a ver com gramática”.
Existem momentos em que mudamos nossa fala, ou seja, procuramos
adaptá-la em função das circunstâncias específicas em que se realiza o ato de
fala: conforme o meio utilizado na comunicação, conforme o grau de intimidade
existente entre os interlocutores, conforme o assunto tratado, o local em que
ocorre a interação, neste caso, caracterizamos a variação diafásica. É só
pensarmos nas atitudes que assumimos em situações formais (por exemplo, um
discurso em uma solenidade de casamento ou formatura), ou em situações
informais (roda de amigos e futebol, por exemplo). Assim é, que diferentes
recursos da língua são mobilizados conforme o falante esteja se comunicando
oralmente ou por escrito, conforme a situação de fala permita um estilo mais
informal ou exija uma linguagem mais formal, vemos, que até um mesmo individuo
emprega diferentes formas de língua. Sendo assim, Fiorin, (2002:76) fala.
Na variação diafásica, pode-se estabelecer a hipótese de que o mesmo falante use as formas “andar” ou “andá”, “fazer” ou “fazê”, apagando parte de palavras quando está numa situação de bastante informalidade (por exemplo,
numa conversa familiar), diferentemente do que muito provavelmente faria numa situação de maior formalidade (como numa conferência).
Desta forma, é correto afirmar que a variação diafásica é um momento
ímpar e único de cada falante, pois, geralmente, cada um costuma a exercer suas
falas conforme as circunstâncias.
Uma variação a ser refletida com mais atenção.Quanto a variação diastrática, entendemos que mereça ser refletida com
mais um pouco de atenção, não que desmereçamos as outras, porém é a que
iremos mais abordar ao longo desse artigo. É esse tipo de variação, além da
diatópica, que podemos questionar o preconceito social que se esconde por trás
do preconceito lingüístico. Devemos lembrar, que a variação diastrática, assim
como a variação diatópica podem ser resultantes de um profundo preconceito
social, a exemplo do que citamos sobre a fala de um de um Gaúcho e um
Nordestino, é evidente que a fala do nordestino, mesmo sendo ele de prestigio
social, tende a ser discriminada pelo fato do nordeste sofrer de um histórico
preconceito social.
Sendo assim, podemos dizer que não somente a variação diastrática, a que
mais revela o caráter social, como também, a diatópica, resultam um preconceito
lingüístico e conseqüentemente social.
A partir da variação diastrática observamos também a rejeição da fala, a
ironia, o descaso e os adjetivos que os falantes das camadas menos privilegias
recebem, “caipira”, “cafona”, “ridículo”, “feio” e outros tantos, que nem sequer
merecem ser citados por tamanha ignorância que possuem. É importante que o
leitor entenda que, nesse contexto de variação, o problema que está em jogo não
é o que se fala, mas, sobretudo, quem esta falando. “Há uma séria diferença entre
o português falado pela parte mais escolarizada da população (que não por acaso,
é também a parte mais rica ou menos pobre) e pela parte menos escolarizada”.(Ilari 2006: 175).
A variação diastrática esta intimamente ligada ao abismo social que existe
em nosso país, ou seja, uma pequena parcela da sociedade com acesso ao
português padrão, enquanto uma maioria de pessoas, ou excluídos, ficam à mercê
e distante do acesso a esse português padrão. “Não é difícil perceber que a norma
culta, por diversas razões de ordem política, econômica, social e cultural, é algo
reservado a poucas pessoas no Brasil” (Bagno, 2002: 105). É interessante, que no fragmento acima, Bagno mais uma vez denúncia o
caráter social da variação diastrática; em outros momentos, o mesmo Bagno
chega a chamar essas poucas pessoas que se refere, como os “sem língua”,
fazendo uma analogia perfeita aos milhões de sem terra, aos milhões de sem teto,
aos sem saúde e aos sem escola, pois, é a partir da idéia que alguém é privado de
seu direito e não o possua, logo, esse alguém é um “sem alguma coisa”, sendo
assim, o que existe no Brasil é que a educação ainda é de privilégio de poucos,
deixando uma grande parcela da população sem o acesso a norma culta, e é
pensando no que Bagno chama de sem línguas, que logo entendemos que são
milhões de brasileiros que não possuem a norma culta aprendida na escola e tido
como língua única e padrão.
São essas graves diferenças de status social que explicam a existência, em nosso país, de um verdadeiro abismo lingüístico entre os falantes das variedades não-padrão do português brasileiro - que são maioria de nossa população – e os falantes da (suposta) variedade culta, em geral mal definida, que é a língua ensinada na escola. (Bagno,2002:16).
Desta forma, somos intimados a erguer a bandeira contra toda e qualquer
forma de preconceito, principalmente, quando observamos esse preconceito
sendo uma camuflagem de um preconceito social. Não podemos mais permitir que
discursos onde menosprezam, descriminam e ridicularizam a língua, ou a
variedade da língua seja empregado debaixo dos nossos olhos, permitir isso,
equivale a aceitar que o ser humano seja menosprezado, ridicularizado, e
dirscrimanado. É necessário que levemos em conta as diferenças sociais que
esse país vive, é importante que antes de qualquer julgamento preconceituoso,
lembremos que vivemos num contexto social onde é separado por duas únicas
classes, e que cada uma devolve a sociedade aquilo o que é dado, neste caso, as
variações que hoje muitos se atrevem a julgar como “certo” e “errado”, não
passam de um fenômeno natural e resultante do ter ou não oportunidade de
apreender a norma culta ensinada nas escolas, principalmente a forma escrita.
Preconceito lingüístico ou social?Como vimos, alguns processos de variações são recebidos com resistência
e como instrumentos de preconceito. Alguns setores da sociedade ainda lutam
através da língua por uma preservação de sociedade dividida em classes, ou,
entre pobres e ricos, sendo a língua uma arma para controle e alienação. Desta
forma, podemos concordar que a sociedade brasileira é marcada por uma divisão
econômica e política, onde as pessoas são divididas em grupos, de um lado os
ricos e privilegiados, do outro os pobres e excluídos. Com a língua não há muita
diferença, de um lado estão os falantes do português-padrão (privilegiados), do
outro os falantes do português não-padrão (excluídos). Assim, logo entendemos
que a questão do preconceito lingüístico está intimamente ligado ao preconceito
social, ou melhor, o preconceito está recaído em quem fala e não o que está se
falando. Segundo Lemos, (2000:65) “um dos preconceitos mais forte numa
sociedade de classes, é o que se instaura nos usos da linguagem, se o falante é
um camponês, ou mora numa favela, se é analfabeto ou de baixo nível de
escolaridade, é lógico que sua maneira de falar não será a mesma que das
pessoas que se situam no ápice da pirâmide social”.
Sabemos que falar de preconceito lingüístico e, apontar o preconceito social
nas entre linhas do preconceito lingüístico não é tarefa fácil, até porque o
preconceito lingüístico está arraigado na cultura desse país, e principalmente nas
classes privilegiadas. Isso se deu por conta de herdamos o resultado de um
drástico processo colonial, e que ainda não fomos capazes de nos libertar, ainda
acreditamos que a língua “certa” e “bonita” é falada na Europa, ou melhor, em
Portugal. E assim tratamos o português brasileiro, o português do engraxate, do
vendedor de Apolo, da lavadeira e da cozinheira Tratamos o português falado pela
maioria da população de “atrasado”, “indecente” e “assassino”, adjetivos que mais
tendem a subestimar e menosprezar a língua de uma nação inteira, e acima de
tudo, revela um profundo preconceito social.
Em geral, o preconceito lingüístico é exercido pelas pessoas que ocupam
as classes sociais dominantes, que tiveram acesso à educação formal e, portanto,
à norma-padrão de prestígio. Assim, acreditam que seu modo de falar é mais
“correto”, mais “formoso” que o das pessoas sem instrução formal ou com pouca
escolarização. Na verdade, o preconceito lingüístico é somente uma camuflagem
para um intenso preconceito social: não é a língua da pessoa que é discriminada,
mas a própria pessoa em sua identidade individual e social. Seguindo esse
raciocínio, Bagno, (2005:28) diz, “[...] quanto menos prestigiado socialmente é um
individuo, quanto mais baixo ele tiver na pirâmide das classes sociais, mais erros
(e erros mais “crassos”) os membros das classes privilegiadas encontram na
língua dele.”
Quando falamos do preconceito lingüístico e, sobretudo social, é porque
percebemos o quanto o povo brasileiro é menosprezado acerca de sua fala, e
alguns gramáticos fazem isso sem um mínimo de responsabilidade, e pior, sem
conhecimento de causa, tratando a língua na maioria de suas gramáticas como
homogênea e instrumento de uso apenas para pessoas cultas. Observemos bem
o que Paschoal(1990), apud, Bagno,(2002:65) diz em sua novíssima gramática,
“Este livro pretende ser uma gramática normativa da língua portuguesa do Brasil,
conforme a falam e escrevem as pessoas cultas na época atual”
Fica uma pergunta a ser feita, quem são essas pessoas cultas? De quem o
Paschoal pretende falar? Perguntas como essas não ficam sem respostas, basta
observarmos o conceito de “pessoas cultas” que logo veremos na fala do
Paschoal um sentimento preconceituoso, seu desprezo pelos excluídos da
sociedade, sua falta de respeito por milhões de brasileiros, haja vista, as
lavadeiras, as cozinheiras, os engraxates, o flanelinha, o carregador de feira, o
pião da roça, e entre tantos brasileiros que dentro desse conceito de “culto” não se
enquadram, logo não fazem parte e nem falam essa língua exclusiva para os
cultos da época atual.
Vejamos também o que Napoleão Mendes de Almeida diz,
os delinqüentes da língua portuguesa fazem “que faz a língua é o povo” verdadeiro moto para justificar o desprezo de seu estudo, de sua gramática, de seu vocabulário, esquecidos de que a falta de escola é ocasiona a transformação, a deterioração, o apodrecimento de uma língua. Cozinheiras, babás, engraxates, trombadinhas, vagabundos, criminosos é quem deve figurar, segundo esses derrotistas , como verdadeiros mestres de nossa sintaxe e legítimos defensores de nosso vocabulário. Almeida (1994, apud,Bagno,2002:65).
Essa citação acima mostra-nos claramente, tanto um preconceito
lingüístico, como também de forma profunda e mesquinha um preconceito social.
Diremos que, considerando a tamanha ignorância que Napoleão Mendes revela
ter sobre a lingüística, que ele demonstra um estranho preconceito social. “O
preconceito é fruto da ignorância”. (Bagno,2002:97). Assim, muitos gramáticos têm
agido, tratando a questão das variações com um enorme e mesquinho
preconceito, contudo, um preconceito social, pois no momento em que tenta-se
difundir a idéia de que há uma língua homogenia ou que a língua falada de forma
“correta” é apenas a pessoas “cultas”, coincidentemente o conceito de pessoas
cultas esta relacionado a pessoas de prestigio social, ironicamente, significa uma
parcela ínfima da população.
Podemos também perceber que o preconceito lingüístico é facilmente
perceptível em renomados jornais e revistas de circulação nacional. A mídia
também tem um papel importante em disseminar o preconceito, ela expõe um
paradigma bilateral entre linguagem padrão e linguagem coloquial, atribuindo à
última, rótulos de pobreza, simplicidade e mesmo de incoerência, revelando uma
confusão entre língua e gramática normativa, entre língua falada e língua escrita e,
nas palavras de Scherre, (2005:88-89) “as deprimentes associações entre língua e
inteligência/burrice, competência/incompetência, beleza/feiúra;
sucesso/insucesso", um desserviço que só vem a reforçar "um dos aspectos mais
sórdidos do ser humano: a divisão entre classes e a exclusão social.”
Quando falamos de exclusão e reforçamos a idéia que existe um “projeto”
de marginalização da língua, isso é fruto de uma política de que quanto menos
acesso à norma culta, maior a probabilidade de exclusão do mercado de trabalho,
maior a probabilidade de não ter acesso a uma universidade, maior a
probabilidade de ser reprovado em uma entrevista, e maior a probabilidade de não
ter acesso a documentos públicos, os quais, são construídos dentro de uma
norma culta é técnica, com isso, muitos brasileiros não sabem quais seus direitos,
pois muitos deles estão escritos dentro de normas “gregas” e “inteligíveis”.
Na verdade, os preconceitos servem a interesses, e acabar com eles é esta
prejudicando os interesses daqueles que exercem a discriminação, a exclusão e a
divisão de classes, separando a todo custo ricos de pobres.
O preconceito lingüístico/social acaba sendo mais um instrumento de poder
e dominação, sobretudo, serve como uma arma para aqueles que tentam manter o
domínio em suas mãos, afinal, controlar a fala do outro proporciona uma grande
sensação de poder e domínio.
Uma expressão que me chama muito a atenção, e que tem um sentido
muito pejorativo, é quando ouvimos “analfabetos de pai e mãe”, poderia ser
engraçado se não fosse tão preconceituosa, e, sobretudo cruel. Mais uma vez, o
que vemos nessa expressão é uma profunda negação de uma condição social, é
mais uma expressão a serviço do preconceito social. É interessante, que fique
claro que o preconceito aqui evidenciado não é o preconceito lingüístico, e sim o
preconceito social, pois essas pessoas a quem chamamos de ignorantes, na
verdade não tiveram acesso aos bancos escolares nem tiveram contato com a
norma culta em seus ambientes familiares, portanto têm mais dificuldade de
aprendê-la e de empregá-la. O que estamos falando sobre o preconceito social, é
contemplado na citação abaixo.
as pessoas que falam Cráudia, praça, pranta pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, e por isso, a língua que elas falam sofrem o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, os seja, sua língua é considerada feia, pobre e carente, quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola (Bagno,2002:42)
Por todos esses motivos e razões, é preciso que fique claro que a nossa
língua esta acima de que simplesmente a norma culta: ela esta sujeita a todas as
variações e registros lingüísticos das diferentes regiões de nosso imenso país.
Não podemos mais aceitar e permitir a idéia de que português é apenas a norma
culta. A norma culta é a língua exigida nas escolas, a modalidade exigida nos
documentos oficiais, nas constituições e leis, nos livros didáticos, nos artigos
científicos etc, por isso é necessário sabê-la, mas não poder apreender falar, e ser
considerada a única desejável. Nossa língua é mais que isso. São todos os falares
de nosso povo. Por isso, não saia por aí “corrigindo” as pessoas em nome da
norma culta ou do bom português ou do bom uso da língua. Todos os usos da
língua são bons e desejáveis desde que se comuniquem e seja usada as
diferentes situações do dia-a-dia.
Considerações finaisO presente artigo teve como abordagens principais as variações
lingüísticas, apresentando suas diferenças no campo social e geográfico, como
também no campo ocasional. Desenvolvemos uma análise sobre a questão do
preconceito lingüístico, como ele se dá e conseqüentemente, como podemos
compreender o preconceito social nele.
Vimos durante todo o desenrolar do artigo que ainda há muito a ser feito
para inibirmos o preconceito que ainda exerce seu papel de exclusão.
Quanto às variações, foi visto que essa não passa de um fenômeno natural
da língua, que conseqüentemente torna a língua heterogenia e com uma
capacidade surpreendente de transforma-se.
Sendo assim, este artigo conclui-se com um convite a toda a classe de
estudantes, professores, lingüistas e interessados pela língua portuguesa, para
que se conheça o real caráter do preconceito lingüístico, o qual reside, antes de
qualquer coisa, no preconceito social e na "negação do outro".
Para iniciarmos qualquer discussão é necessário que tenhamos em mente
a necessidade enfrentar a questão do preconceito como uma tarefa de militância
política, é fundamental que pensemos como Bagno, (2002:105) “para que haja
desconstrução temos que reconhecer a crise”, por isso, temos ciência de que o
trabalho é lento, porém, progressivo e persistente, pois, o que tem que ser
trabalhado é a consciência, e tão somente, a partir daí, comecemos a refutar os
preconceitos, que na verdade tem sido usado como instrumentos de exclusão
social.
Desta forma, diante de argumentações e fundamentações aqui presentes,
comungamos com o que Luft, (2002:16) diz, “ o preconceito lingüístico não existe.
O que existe, de fato, é um profundo e estranho preconceito social”. Assim,
afirmamos sem nenhum problema que o que está em jogo no preconceito
lingüístico não é de ordem da língua, e sim de ordem social.
REFERÊNCIAS
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