revolt a chiba tapers eu 5

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revolta da chibata

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  • A REVOLTA DA CHIBATA

    E SEU CENTENRIO

    lvaro Pereira do Nascimento1

    Joo Cndido l no Dirio Ofi cial o decreto de anistia aos revoltosos, em foto publicada no Correio da Manh em 27/11/1910. (Arquivo Nacional)

    Ao folhear A Revolta da Chibata, do jornalista Edmar

    Morel, qualquer leitor fi car impressionado com a magni-

    tude do movimento que envolveu centenas de marinheiros

    em 22 de novembro de 19102. So cenas realmente incrveis,

    recheadas de coragem e de esprito de luta narradas pelo

    saudoso jornalista. Tomaram os mais novos e poderosos en-

    couraados do mundo, Minas Gerais e So Paulo, e ameaaram

    de bombardeio a Capital Federal da Repblica. Foram qua-

    tro dias memorveis para os marujos, que expuseram o coti-

    diano de castigos fsicos, as pssimas condies de trabalho,

    o racismo na Marinha de Guerra, e puseram em xeque a for-

    a do recm-empossado governo Hermes da Fonseca, visto

    como fraco, nacional e internacionalmente, logo aps o fi m

    da revolta de novembro.

  • N 5, Ano 4, 2010 12

    Outros momentos dessa belssima narrativa, como a segunda revolta, em dezembro, no Batalho Naval da Ilha das Cobras, poderiam ser descri-tas aqui. E elas novamente encheriam de emoo diversos leitores, como me ocorreu na primeira vez que li o trabalho de Edmar Morel. Gostaria, ento, de convid-los a outra jornada, mais longa que a do jornalista, a qual percor-ri durante anos, para entender a revolta de 1910. Meu interesse aqui no somente narrar os acontecimentos ocorridos entre novembro e dezembro de 1910, vai alm.

    Incomodavam-me dvidas acerca das reivindicaes dos marinheiros. Compreendia o horror dos marinheiros pela chibata, mas no conseguia en-tender o fato de no existirem revoltas anteriores com a mesma reivindicao. Via que, com o passar dos dias da revolta, as manchetes dos jornais e mesmo os discursos dos marinheiros foram reduzindo as reivindicaes abolio dos castigos fsicos, que lembravam a escravido. Mas notava o silncio ou a pouca discusso acerca das demais reivindicaes na poca, e mesmo de pes-quisadores que dcadas depois estudaram o assunto. Os amotinados queriam o aumento do salrio, a criao de uma nova tabela de servios, a retirada de ofi ciais extremamente violentos na aplicao dos castigos, a mudana do cdigo disciplinar que permitia a chibata e punies semelhantes e algo pouco estudado pelos especialistas na revolta educao para os marinhei-ros indisciplinados. Dediquei-me, ento, a compreender o sentido que esse corpo de reivindicaes faria na vida daqueles marinheiros, tanto na carreira militar como no mundo exterior farda.

    O artigo est dividido em trs partes. Na primeira entenderemos os ma-rinheiros na passagem do sculo XIX para o sculo XX, percebendo o cotidia-no a bordo e uma sumria histria da violncia nos navios. Logo em seguida, o leitor poder ter contato com uma resumida narrativa da revolta de 1910. Finalmente, discutiremos seu legado social e histrico, analisando o uso da sua memria e as difi culdades por que passou seu maior lder, o marinheiro negro Joo Cndido Felisberto.

    Violncia e recrutamento

    Ao completar 17 anos, qualquer rapaz sabe que o perodo do servio militar obrigatrio est prximo. Durante cerca de um ano, ele poder ser treinado para atuar em misses diversas no Brasil e no mundo, caso seja necessrio. As Foras Armadas so uma necessidade em tempos de guerra e de paz, resguardadas todas as ressalvas e crticas possveis ao seu emprego e s suas formas de atuao. Na virada do sculo XIX para o XX, o Exrcito e a Marinha enfrentavam problemas graves de falta de pessoal para dar conta

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    das aes mais simples. Raros eram os casos de homens voluntrios ao ser-vio militar. A lei do recrutamento em vigor era pouco efi caz, permitindo que muitos homens fossem retirados das listas de convocados. Somente os brasileiros mais pobres, e aqueles que no tinham algum que os defen-desse junto s Foras Armadas, poderiam ser levados ao servio militar, independentemente de suas vontades3. E no havia um convite especial para isso: grupos de recrutadores civis e militares ganhavam um valor em dinheiro para cada homem, rapaz ou garoto agarrado fora para o servio militar. Juzes, delegados e diretores de asilos de menores respondiam s solicitaes das autoridades militares enviando rfos e presos por peque-nos delitos. Tinham de servir por nove ou at quinze anos nas fi leiras da Marinha de Guerra ou do Exrcito.

    No mapa estatstico do Corpo de Imperiais Marinheiros isso fi ca mais claro4. Nele se observa que entre os anos de 1836 e 1888 somente 460 homens se apresentaram espontaneamente, enquanto 6.271 foram recruta-dos fora. Ou seja, os voluntrios somaram menos de um dcimo dos que foram incorporados s fi leiras da Armada em aproximadamente cinquenta anos. Em contrapartida, os ofi ciais trataram de criar uma terceira via por meio da incorporao de meninos e rapazes s Escolas de Aprendizes Ma-rinheiros5. Essas unidades foram espalhadas em quase todas as provncias brasileiras e matricularam meninos pobres no sentido de instru-los para o servio nos vasos de guerra. Ao longo do tempo esse caminho foi gra-dativamente se tornando crucial para a Armada, a ponto de ultrapassar a quantidade de homens recrutada fora ao longo do sculo XIX (entre 1836 e 1888 foram 8.586 garotos e rapazes contra aqueles 6.271 homens recrutados fora). E, mais importante: eram menores, garotos entre 10 e 18 anos6, crescidos numa escola militar e que, logo depois de formados (ou quando as urgncias da Marinha de Guerra exigiam), assumiam seus pos-tos em navios de guerra e nas diversas reparties. Para ministros e ofi ciais comandantes, as escolas representavam o que de melhor fora pensado at ento em termos de alistamento, pois ali se poderiam modelar os costumes e valores dos futuros marinheiros.

    No livro de matrcula da Escola de Aprendizes Marinheiros do Rio de Janeiro, entre 1909 e 1910, podemos ter uma viso sumria do alcance dessa soluo para falta de pessoal na Marinha de Guerra7. Encontramos 139 garotos e rapazes entre 11 e 18 anos matriculados naquela escola. A maioria tinha entre 12 e 16 anos, uma tima faixa etria na viso dos ofi -ciais para disciplinar e formar bons marinheiros, distantes daqueles que eram trazidos fora. No era toa que as escolas eram chamadas de vi-veiros da marinha.

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    Boa parte desses aprendizes, no entanto, chegava s escolas pelas mos de autoridades civis, e outra parte, bem menor, por meio das mes, pais e tutores. Quarenta e quatro deles foram enviados por delegados, que recebiam garotos detidos nas ruas ou mesmo de pais que procuravam a au-toridade policial para intermediar a matrcula do fi lho junto s autoridades militares. Outros 77 garotos eram procedentes dos Asilos de Menores De-samparados. Algo que acontecia com certa frequncia: os ofi ciais visitavam esses asilos e de l retiravam os garotos e rapazes que poderiam ser aprovei-tados na Armada. Os demais alunos vinham de outras escolas de aprendizes espalhadas pelo pas (Pernambuco, Alagoas, So Paulo, entre outras), por esta-rem prximos a tornar-se marinheiros e terem de assentar praa, ou por serem muito indisciplinados nas escolas de origem a do Rio de Janeiro era temida pelo seu rigor excessivo...

    A cor desses garotos e rapazes tambm chama a ateno. Do total, 55 eram brancos, 48 pardos, 23 pretos, 5 mulatos, 3 morenos, 2 caboclos, 1 es-curo e 2 no tinham registros da cor. Nota-se uma quantidade maior de no brancos, com 82 alunos. Ainda no h pesquisas mais detalhadas acerca da cor e origem dos marinheiros e aprendizes desde o sculo XIX at o sculo XX, mas sabemos por fontes diversas e at por testemunhos de ofi ciais que a maio-ria daqueles homens era composta de indivduos no brancos. Uma realidade que ser paulatinamente modifi cada por intermdio dos ofi ciais na passagem do sculo e que se aprofunda nas primeiras dcadas do sculo XX8.

    J nesse perodo, contudo, ofi ciais encarregados da seleo de pessoal davam preferncia a garotos e rapazes brancos ou quase brancos. interessante

    GRFICO 1

    Faixa etria da Escola de Aprendizes Marinheiros - RJ (1909-1910)

    5

    0

    30

    40

    10

    35

    25

    15

    45

    Fonte: Livro 3533, Servio de Documentao da Marinha.

    20

    12 anos 13 anos 14 anos 15 anos 16 anos 17 anos 18 anos11 anos

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    notar que, dos 44 alunos enviados pela polcia, 19 eram pardos, 11 pretos, 2 morenos, 1 sem registro de cor e 11 brancos; ou seja, havia 32 no bran-cos. No caso dos retirados dos asilos mencionados anteriormente, 10 eram pardos, 4 mulatos e 6 pretos, contra 13 brancos; ou seja, 20 no brancos. Embora a diferena seja pequena os brancos representavam aproximada-mente mais da metade naqueles escolhidos nos asilos, ndice que caiu para um tero do total no caso dos enviados pela polcia , ela pode nos mostrar uma realidade cada vez mais difundida naquele perodo: tornar as fi leiras de marinheiros, cabos e sargentos mais brancas do que eram at ento. Como se pode ver nos dados expostos, a polcia no parece ter realizado a seleo dos futuros alunos baseada na cor, mas no caso dos ofi ciais que matricularam os garotos provenientes dos asilos h certa preferncia por brancos ou quase brancos. Minha desconfi ana no se baseia na intuio, mas no testemunho do diretor de outro asilo de menores. Num ofcio enviado pelo diretor Fran-cisco Vaz, da Escola Premonitria Quinze de Novembro, ao chefe de polcia, isso fi ca mais evidente:

    Ainda h um ou dois anos, quando aqui esteve uma comisso naval para esse fi m [recrutamento], de sessenta menores aqui escolhidos pela mesma, aca-baram sendo includos na Escola de Aprendizes Marinheiros apenas seis. As corporaes armadas tm chegado, muitas vezes, a rejeitar, sob fundamento de defeitos fsicos, alunos que daqui saem integralmente sos, segundo de-clarao formal do nosso mdico. A Marinha chega a recusar, sistematicamente, menores de cor, alegando sempre incapacidade fsica.9

    A relao entre cor negra e maus hbitos era muito forte entre ofi ciais, polticos, jornalistas, cientistas e intelectuais em geral10. Para muitos desses, tornava-se matria quase impossvel transformar homens egressos do cativei-ro, descendentes e pobres mestios em pessoas educadas como os cidados dos pases adiantados11. O convvio com aquela massa de negros no ps-abolio, na viso desses homens letrados, fazia prevalecer formas de viver inadmissveis para um pas que se desejava novo e grande. Os valores presen-tes na belle poque carioca de poca valorizavam costumes diversos daqueles assemelhados aos negros numa viso preconcebida a todo indivduo no branco e, pior, pejorativa em relao religio, s festas, s danas, s artes de cura etc, que tivessem razes africanas. Mesmo os modos de vestir, andar, conversar e rir eram ridicularizados. Havia a preocupao de transformar o indivduo pobre num homem novo, diferente do atrasado perodo da escra-vido, um brasileiro que pudesse transformar o pas numa potncia econmi-ca e com valores e costumes prprios de um fantasioso paradigma europeu12.

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    O incentivo imigrao de indivduos do velho continente, para alm da necessidade de mo de obra barata, resultou dessa proposta13. Os valores em torno do trabalhores trazidos de l e a miscigenao destes com os brasileiros eram, para cientistas e polticos, importantes elementos de transformao so-cial e cultural.

    Outros acreditavam, no entanto, que enquanto essa mudana no se con cretizasse, somente a polcia, a mudana nas leis (a perseguio vadia-gem e capoeira, por exemplo), a classifi cao dos indivduos e outras formas de coero poderiam forar o caminho para a constituio de uma nova rea-lidade14. No caso da Marinha, ofi ciais acreditavam sobretudo no uso de casti-gos fsicos para mudar o comportamento de marinheiros, tal e qual geraes de ofi ciais militares fi zeram desde o sculo XIX. Para o ento tenente Jos Eduardo de Macedo Soares,

    A ofi cialidade da Marinha sempre foi, ao menos, uma parte das mais escolhi-das da alta sociedade do Brasil; por que ela merecer menos crdito quando afi rma a imprescindvel necessidade do castigo do que indignos polticos que advogam os prprios inconscientes interesses explorando uma falsa piedade pelo negro boal que mata e rouba? Modifi cai a situao das guarnies: o dever da poltica que legisla e do governo, e depois dai largas ao humanitaris-mo. Enquanto a guarnio for o esgoto da sociedade, a disciplina, a ordem e a segurana tm os seus direitos e a chibata o seu lugar.15

    Essa posio intransigente e preconceituosa marcou boa parte dos ofi -ciais da Marinha de Guerra na virada do sculo XIX para o sculo XX. Acredi-tavam que aqueles marinheiros, sobretudo negros, s poderiam entender suas ordens e redimirem-se dos seus costumes atravs do castigo fsico e de outras punies semelhantes, mesmo sabendo que a maior parte daqueles marinhei-ros no estivesse ali por suas prprias vontades, sendo forados pela polcia, juzes de rfos, mes e pais a servirem por nove a quinze anos de suas vidas; perodo em que receberiam salrios nfi mos, viveriam nos prprios navios, enfrentariam confl itos com colegas avessos disciplina e estariam submetidos chibata caso incorressem em faltas disciplinares.

    H casos de marinheiros aoitados por quinhentas e at oitocentas chi-batadas pasmem num nico dia! Mesmo aprendizes, garotos e rapazes, como vimos, recebiam castigos. As duas legislaes disciplinares existentes no perodo permitiam isso, tanto nos Artigos de Guerra como nos Cdigos Penal e Militar da Armada (que substituiu o primeiro com o advento da Repbli-ca). Os limites de lanhadas de chibata eram geralmente ultrapassados e, depois, os mesmos responsveis por essa pssima conduta omitiam ou deturpavam os

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    registros. Uma carta do cirurgio Carlos de Barros Raja Gabaglia ao senador Rui Barbosa nos mostra isso16. Como todo mdico a bordo, tinha a responsa-bilidade tambm de verifi car se o castigado aguentaria mais pancadas na hora do castigo, e mesmo a possibilidade de restabelecimento do indivduo aps aquelas torturas. Carlos Gabaglia, como pude notar em sua caderneta, tivera extensa experincia nas unidades da Armada, convivendo com diversos ofi -ciais comandantes. Segundo o cirurgio,

    To generalizado est o deprimente hbito que comandantes de merecimen-to no se envergonham de anotar nos livros de castigo sinais convencionais a fi m de impunemente iludir a lei; por exemplo onde se l 4 horas de golilha ou 6 horas de barra aplica-se certo nmero de chibatadas. [...] Presenciei o castigo de um foguista com oitocentas chibatadas, de uma s vez; Sei que aprendiz marinheiro tem sido castigado com cento e vinte e cinco bolos, de uma feita.

    Nota-se que os marinheiros revoltados em 1910 reclamavam com razo dos ofi ciais rigorosos demais, e comeamos a ver que faz sentido a reivindi-cao de retir-los de bordo dos navios. Ofi ciais como esses eram um terror na vida de qualquer marinheiro, mesmo aquele que fosse de bom compor-tamento e por qualquer erro, o mnimo que fosse, recebesse terrveis lanha-das de chibata. Em qualquer caso, aquele que sofrera o castigo no tinha a quem reclamar pelos excessos do superior, por ser o militarismo altamente hierrquico, produzindo um distanciamento entre as diferentes patentes, ao impedir que um marinheiro inconformado se dirigisse a um ofi cial superior quele que o comandava. Em minhas pesquisas s encontrei um caso de ofi cial processado, o capito Jos Cndido Guillobel, por excessos de cas-tigo, que foi denunciado pelo comandante da fragata que perguntara a razo daquela punio. Mesmo assim o ofi cial processado foi somente advertido e chegou aos mais altos cargos da marinha ao longo da sua carreira militar17.

    Os ndices de desero, obviamente, eram altssimos. Havia casos de homens que desertavam por doze vezes. No adiantava prend-los novamente: na primeira oportunidade, largavam a farda e se metiam em mais uma fuga das Foras Armadas. A situao era to grave que as autoridades decidiram mudar o cdigo militar e aplicar castigos fsicos, antes da priso por meses, como ocorria anteriormente.

    Outra relao que podemos fazer entre o proposto pelos marinheiros revoltados em 1910, os testemunhos do mdico Raja Gabaglia e do processo envolvendo o ofi cial Jos Cndido Guillobel a mudana no Cdigo Penal e Militar da Armada. Este permitia o uso de castigos fsicos passados 22 anos

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    do fi m da escravido, apesar de a primeira Constituio do pas proibir tortu-ras e castigos fsicos. Era um contrassenso ao esprito republicano defendido por seus mais fervorosos representantes, como Rui Barbosa e tantos outros. A existncia do cdigo, enfi m, dava aos ofi ciais que excediam nas punies o instrumento necessrio para castigar seus comandados, e a superioridade na hierarquia militar permitia-lhes o acesso aos livros de castigos, nos quais, de forma criminosa, omitiam seus excessos ou redigiam falsas declaraes de punies brandas no lugar de centenas de pancadas.

    Mas ainda falta entender um pouco mais os sentidos do castigo fsico e sua relao com uma das reivindicaes dos amotinados em 1910: a edu-cao para os marinheiros indisciplinados. S assim tambm poder fi car clara a razo de os castigos corporais permanecerem por dcadas sem algum tipo de contestao por parte dos marinheiros. Vejamos, ento, o signifi cado desses castigos para os ofi ciais.

    A responsabilidade pelo navio e pela tripulao repousava sobre o co-mandante e, em menor grau, sobre seus ofi ciais auxiliares. Eles tinham de tomar as medidas necessrias para manter a limpeza da embarcao, a boa conservao, a lubrifi cao dos armamentos, a alimentao da tripulao, o bom comportamento daqueles homens do mar etc. Caso contrrio, havia regulamentos militares que puniam os prprios ofi ciais se esses cuidados no fossem tomados. Para isso, o trabalho exercido pelos marinheiros era fundamental. Os ofi ciais estavam cientes dessa dependncia e tentavam de formas diferenciadas conter os nimos dos marinheiros, fazendo-os con-centrarem-se todo o tempo em suas obrigaes. A correo de qualquer hbito no condizente com os princpios militares havia de ser conquistada por conselhos, advertncias e, mais frequentemente, pelo uso da chibata e outros castigos semelhantes.

    Alm disso, os ofi ciais comandantes tinham de garantir a ordem hie-rr quica. Na viso deles, fi ncar seu poder mesmo que atravs de castigos se veros era uma conduta corriqueira e necessria. Havia pouca meno a formas diferenciadas de mudar o comportamento de marinheiros indisci-plinados e que no se acertavam com a vida militar. Somente no incio do sculo XX comearam a implantar mudanas, procurando dar incentivos ao bom comportamento, como cursos, promoo e aumento de salrio. Antes disso, o castigo fsico era o recurso mais utilizado. Porm, havia grande re-sistncia dos ofi ciais comandantes em largar as antigas prticas de punio. Era como se fosse o recurso mais confi vel e efi caz para dominar marinheir-os indisciplinados. O problema que marinheiros de bom comportamento poderiam ser envolvidos num confl ito qualquer e castigados sumariamente juntos queles conhecidos indisciplinados.

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    Gostaria de ressalvar que no estou pretendendo criar dois grupos de marinheiros, divididos entre os bons e os maus. Muito pelo contrrio. Disciplinados ou no, qualquer um desses pode ter promovido indisciplinas nas ruas ou nas embarcaes. E pude averiguar isso nas dezenas de processos criminais que li, julgados entre 1860 e 1910. Os marinheiros que desejavam seguir carreira ou cumprir o tempo de servio sem maiores problemas sabiam que a vontade do comandante estava acima de tudo. Por isso criavam meios pelos quais pudessem dar largas aos seus costumes e valores desde que no desagradassem seu superior. No precisaria deixar de visitar a namorada, parar de frequentar as casas de bebida, os ajuntamentos em torno do jogo a dinheiro ou de parceiros da capoeira, de ir a um prostbulo, de praticar atos imorais etc. Na verdade, tudo isso podia acontecer desde que no provocasse distrbios a bordo, desorganizasse as turmas das fainas, causasse baixas na guarnio por ferimento ou morte e gerasse prejuzos na embarcao, armas e demais peas fosse por furto, roubo, mau uso ou m conservao. Mas, acima de tudo, o marinheiro nunca deveria pr-se em evidncia nem testar o poder do comandante e seus auxiliares mais diretos (ofi ciais e sargentos): tudo tinha de ser a extenso da vontade do principal ofi cial a bordo (ou fazer parecer que isso acontecia).

    Com o passar do tempo, o marinheiro mais novo aprendia as normas escritas (regulamentos, regimentos, cdigos) e aquelas verbalizadas pelo co-mandante nas formaturas, ou at reveladas nas atitudes, iniciativas, princpios e posies demonstradas pelo mais alto ofi cial a bordo diante dos diversos pro blemas enfrentados diariamente. Essas observaes e mesmo a troca de informaes nas rodas de marinheiros eram importantes instrumentos para que qualquer um deles no violasse a vontade do comandante e corresse o ris-co de ser punido; saber trilhar nesse campo era crucial para que o marinhei ro conseguisse manter seus costumes e valores. Contudo, para aprender esse de licado caminho, a experincia a bordo era fundamental.

    Por mais que algum tentasse manter distncia, havia as altercaes com indivduos truculentos, que no aprendiam a conviver com o poder do ofi cial e suas vontades, e prestavam pouca ateno s normas: se quisessem furtar um objeto, esbofetear aquele que por descuido lhe pisou o p, currar um grumete, beber at cair, arrumar confuso com a polcia e at falar mal da me do ofi cial e tantas outras indisciplinas e crimes, esses homens fariam o necessrio para realiz-las. Eram ms para confuses, atraam de tudo, de brigas a insubordinao. Assim, aquele outro marinheiro que compreendia o domnio do comandante e aprendia a conviver com ele, sem deixar de realizar o que desejava fazer, tinha tambm de saber lidar com indivduos intragveis, observar suas formas de agir para manter-se afastado deles, o mximo possvel.

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    Homens como esses eram um perigo para sua integridade fsica e moral, alm de colocar em risco o sonho da ascenso hierrquica. Dessa forma, podemos entender o que levou existncia dos castigos corporais sem contestao du-rante todo o Imprio. Mas, com a Repblica, tudo mudou.

    No empenho de evitar contragolpes, o governo provisrio (1889-1891) procurou assegurar o novo regime de qualquer ameaa. Uma delas foi animar os marinheiros para a causa republicana. No segundo dia do novo regime, em 16 de novembro, seu terceiro decreto extinguiu os castigos corporais na Arma-da e reduziu o tempo de servio militar. Tal notcia alegrou os marinheiros, mas incomodou o ofi cialato. Afi nal, aquele decreto punha fi m a uma ordem militar na qual todos sabiam seus lugares e determinava os riscos a assumir caso fugis-sem s regras impostas por essa mesma ordem. Com as mudanas implemen-tadas pela Repblica, tudo deveria ser diferente, uma nova ordem teria de ser criada entre as partes e os ofi ciais haveriam de encontrar outros instrumentos de coero a fi m de garantir a hierarquia e a disciplina militares sem o uso de castigos fsicos. Essa situao provocou a reao dos ofi ciais que, de tanto pres-sionarem, levaram o mesmo governo provisrio a baixar outro decreto, cinco meses depois, retomando os castigos corporais.

    A situao piorou para os marinheiros. Como uma ressaca, a alegria do fi m dos castigos encontrou pela frente o aborrecimento do dia seguinte, no caso, o retorno da chibata e outras punies semelhantes. No entanto, se no Imprio o indisciplinado era liberado de qualquer outra punio aps o castigo, com a legislao criada sob presso dos ofi ciais, esse mesmo homem tinha seus vencimentos reduzidos metade, era rebaixado de posto e, entre outras punies, havia de permanecer detido na embarcao enquanto no desse provas sobejas ao comandante de estar redimido o que poderia levar meses. No foi toa que, a partir desse momento, comecei a encontrar tenta-tivas de revolta ou revolta em vasos de guerra da Armada em estados como Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Nesses primeiros momen-tos, ainda estavam muito ligadas s mudanas do incio da Repblica e recla-mavam das novas formas de punio18. A de 1910 buscava muito mais do que isso. Era uma proposta de mudana para a Marinha de Guerra, que ofi ciais e governo no ouviram. Faltavam canais de comunicao e mesmo direitos polticos aos marinheiros, impedidos de votar pela Constituio de 1891.

    A revolta de 1910

    A Marinha iniciara um projeto de reaparelhamento naval revolucionrio em 190419. Foi a oportunidade esperada por dcadas. Ofi ciais reclamavam das pssimas condies dos navios existentes na poca e mesmo da reposio

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    de outros destrudos durante a Revolta da Armada, em 1893. O projeto trans-formaria em realidade um objetivo reclamado h muito tempo.

    As 24 embarcaes foram construdas na Inglaterra e entre elas estavam os poderosos encouraados Minas Gerais e So Paulo, armamentos que gera-ram inveja de outras marinhas sul-americanas e mesmo temor diante daquele poderio blico. A alegria da chegada dessas modernas embarcaes nas guas da baa da Guanabara estava estampada nas manchetes dos jornais e na con-corrncia do pblico por um lugar possvel de avist-las.

    No sabiam todos que um grupo de marinheiros reunia-se regularmente para exigir mudanas na Marinha de Guerra. Entendiam a importncia dos navios, mas no haviam sido perguntados acerca dos seus interesses, das suas esperanas e das difi culdades por que passavam no cotidiano da Armada. Havia muito que reclamar, mas no conseguiam ser ouvidos por seus superio-res, muito menos por representantes do governo ou do Poder Legislativo.

    Reuniam-se em lugares diferentes da cidade e mesmo quando alguns estiveram na Inglaterra. A organizao estava sendo to benfeita que alguns homens j sabiam suas funes meses antes de estourar a revolta. Um de-les, inclusive, fi caria responsvel por comandar uma emboscada contra o presidente. Parentes j se pronunciavam por meio de cartas aos marinheiros, implorando que desistissem de tal atitude. O marinheiro Joo Cndido, o lder da revolta, disse posteriormente que as reunies do comit duraram aproximadamente dois anos. A revolta paulatinamente tomava corpo20.

    Numa viagem ao Chile, na comemorao da independncia daquele pas, o sinal mais claro do movimento pde ser lido pelo ofi cial Alberto Du-ro. Uma carta assinada por Mo Negra, escrita pelo marinheiro Francisco Dias Martins, o ameaava e a todos os ofi ciais a bordo21. Dizia para notarem que os marinheiros muito se esforavam para manter o navio limpo e em ordem, que ele mesmo no era salteador nem bandido, e que fora transfor-mado em escravo de ofi ciais da marinha. E ameaava a todos os ofi ciais, aconselhan do-os a lembrarem-se da esquadra no Bltico; uma ligao direta com a revolta do encouraado Potemkin, que estourou em 1905. A revolta rus-sa despertara neles o silncio em que se encontravam e que por isso tam-bm marchavam em silncio. E terminou a carta annima com o seguinte: cuidado!... no queira deixar de ver sua famlia [...] deixe de carrancismo, tenha pena de si e de seus colegas, que ns no temos nada a perder.22. Al-berto Duro e o comandante no levaram muito a srio o teor da carta, no sabiam que a revolta j estava sendo tramada. Mas quando publicaram essa carta e seu relatrio no Jornal do Commercio, em 2 de dezembro de 1910, a in-terpretao foi outra: Hoje, seria o caso de acreditar ser um apelo justo, feito s autoridades contra a chibata!23

  • N 5, Ano 4, 2010 22

    A organizao havia planejado a revolta para o dia 15 de novembro de 1910, data da posse do novo presidente da Repblica, o Marechal Hermes da Fonseca. Por razes ainda pouco explicadas, adiaram o intento. No entanto, o castigo de duzentas chibatadas no marinheiro Marcelino, ainda naquela semana, foi o sinal de que o movimento havia de ter incio.

    Na noite de 22 de novembro, o comandante do Minas Gerais, Batista das Neves, participou do jantar a bordo de um navio de guerra francs que visitava o pas. Aps as despedidas de praxe, retornou ao Minas com um grupo de ofi ciais. Pensando ter uma noite tranquila a bordo, subiu as escadas que davam acesso ao convs. Conversou ainda com seus auxiliares, mas teve interrompida a prosa por gritos de Viva a liberdade e Abaixo a chibata. Armou-se e procurou enfrentar seus oponentes junto com seus ofi ciais e mais alguns marinheiros que, presumivelmente, remaram o barco que os trouxera do jantar. Batista das Neves e seus auxiliares comearam a cair ensanguen-tados enquanto outros fugiam ante a fria dos amotinados. O aviso do Mo Negra tornara-se realidade.

    Imediatamente outros trs navios foram tomados por seus respectivos marinheiros: So Paulo, Deodoro e Bahia. Tiros vararam os cus e acertaram a cidade, vitimando uma me e seus dois fi lhos. Os passageiros das barcas que faziam a travessia entre as cidades do Rio de Janeiro e Niteri passaram a ouvir os gritos e perceberem o movimento desusado a bordo das grandes em-barcaes. A capital federal da Repblica, centro poltico, fi nanceiro e indus-trial do pas, foi acordada. O novo presidente foi surpreendido com as notcias enquanto participava de uma festa num clube, teve de retornar s pressas ao Palcio do Catete. Polticos comearam as reunies para tentar entender o que ocorria nas guas da baa da Guanabara.

    As suspeitas recaam sobre a oposio ao novo presidente, que enfrentara uma campanha recheada de confl itos entre as partes. O pleito entre civilistas, que apoiavam a candidatura do senador baiano Rui Barbosa, e militaristas, que apoiavam o marechal, teve momentos de quebra-quebras e discusses rspidas nas ruas e nas folhas da cidade24. A dvida era se aquele movimento teria ou no motivao poltica, ou seja, se algum da oposio infl uenciara os marinheiros para que tomassem o poder por meio de um golpe.

    Na manh seguinte, no entanto, quando os jornais j estampavam as primeiras notcias sobre a revolta, puderam pr de lado a suspeita, com a declarao dos amotinados que aquele era um movimento que reclamava das pssimas condies de trabalho na Marinha de Guerra. Foi o sufi ciente para que polticos procurassem mais informaes sobre o assunto, e a im-prensa carioca revelasse castigos desumanos e injustos sobre as costas dos marinheiros.

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    Alguns jornais tiveram duas e at trs edies num nico dia, tal a sede por informaes de pessoas preocupadas em saber se algum daqueles tiros alcanaria suas casas ou suas prprias cabeas. Moradores fugiam do centro da cidade para reas mais distantes, como a Tijuca e outros subrbios. Os marinheiros, enquanto isso, mantinham-se em posio de guerra, com lenos vermelhos nos pescoos, a bandeira da mesma cor hasteada, alm de pendu-rar uma faixa com os dizeres Ordem e Liberdade.

    O ex-tenente e deputado federal Jos Carlos de Carvalho foi escolhido para intermediar conversaes com os amotinados. Pegou uma barca e zarpou para um dos navios25. L chegando, pde perceber que o navio encontrava-se completamente limpo, os camarotes permaneciam fechados e protegidos. As garrafas de aguardente foram jogadas ao mar. Era um navio com exemplar manuteno e preparado para bombardear a cidade. Foi-lhe apresentado o marinheiro Marcelino, que recebera os golpes de chibata dias antes. O horror dessa viso foi descrita pelo deputado logo que chegou Cmara, dizendo que as costas de Marcelino pareciam as de uma tainha pronta para ser salgada. Foi nessa mesma oportunidade que o deputado tambm relatou as reivindica-es dos marinheiros, muito bem descritas em uma lauda. O fi m dos castigos fsicos no cdigo disciplinar, a retirada de ofi ciais incompetentes, o aumento do soldo, a educao para os marinheiros indisciplinados e a mudana na tabela de servios.

    Os debates sobre o assunto foram iniciados na Cmara, enquanto o presi-dente reunia-se com ofi ciais da Marinha e do Exrcito para saber se havia pos-sibilidade de contra-ataque plano abortado pelo poder das imensas embar-caes, que poderiam arrasar a cidade e at mesmo o Palcio do Catete. Na Cmara as discusses eram tensas entre membros da oposio e da situao. De um lado, o senador Pinheiro Machado defendendo que o governo s ouvisse os marinheiros quando estes entregassem as armas; e, de outro, o senador Rui Bar-bosa procurando defender a posio dos amotinados. Havia uma clara tentativa de pr ou retirar o governo dos ataques que receberia, por ter permitido que um grupo de marinheiros se apoderasse das mais possantes armas navais existentes na Amrica do Sul. Folhas de outros estados, mas tambm jornais portugueses, ingleses, franceses e americanos j reservavam parte das suas primeiras pginas ao assunto. Interesses econmicos, polticos e blicos estavam em jogo inter-nacionalmente. O Brasil tinha a maior produo mundial de caf, abastecendo milhes de xcaras em diversos pases. Devia vultosos emprstimos conseguidos naquelas dcadas. Adquiriu material blico que modifi cou a poltica armamen-tista no continente sul-americano. Por tudo isso, informaes como essas eram consumidas no exterior, no qual investidores e polticos aguardavam apreensi-vos a posio do novo governo brasileiro, considerada fraca nos dias seguintes.

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    Os marinheiros permaneceram aproximadamente quatro dias navegan-do entre a baa da Guanabara e o mar aberto, no to distante, somente por preveno de um contra-ataque militar. Enviavam telegramas ameaadores no incio e, aos poucos, foram descrevendo a situao em que se encontra-vam. Cronistas como Gilberto Amado elogiavam a percia demonstrada pe-los marinheiros no comando daquelas armas de guerra, o que incomodava violentamente os ofi ciais da Marinha26. Perguntavam como aqueles homens to educados, que falavam mais de uma lngua, visitavam autoridades em viagens internacionais e pertenciam a famlias tradicionais, poderiam castigar marinheiros como escravos. Charges tentavam trazer algum humor queles dias to angustiantes, mas acabavam reforando ainda mais a viso de que a Marinha funcionava como uma fazenda de escravos, referendando o dito por Francisco Dias Martins, o Mo Negra, ao imediato Alberto Duro havia quase trs meses.

    A soluo encontrada no Congresso Nacional foi dar a anistia aos en-volvidos, prometendo avaliar a situao quando esses entregassem as armas. Foi uma proposta razovel aos amotinados. Crimes de insubordinao e re-volta, previstos no Cdigo Penal da Armada, no recairiam sobre seus ombros, e no teriam de responder a processo algum, cujas penas previam pena de morte ou priso por muitos anos. Parece que a proposta encantou os marin-heiros. De uma vez conseguiram que o governo, parlamentares, jornalistas, cronistas e a populao voltassem seus olhos e ouvidos para os navios, e pudessem fi nalmente perceber o que havia de ruim em suas vidas e a razo de no se empolgarem tanto com o projeto de reaparelhamento naval chefi ado pelo alto escalo da Marinha de Guerra. Boa parte dos homens letrados exps sua viso e se mostrava estupefata com o que ocorria na Marinha, defendendo a posio dos marinheiros e at ridicularizando ofi ciais. Tudo isso j fora uma conquista dos marinheiros, que acreditaram que seus superiores no mais lanariam mo dos castigos aps aquela marcante revolta. Foi assim que, em 26 de novembro, logo aps o projeto de anistia ser votado favoravelmente aos marinheiros, esses entregaram os navios aos seus novos comandantes.

    Dia muito festivo, por sinal, quando jornalistas e fotgrafos invadiram os navios e iniciaram o registro de um dia raro na Histria do Brasil. Entre-vistavam toda sorte de marinheiros, principalmente Joo Cndido, que teve seu nome estampado em todas as matrias desde o primeiro dia do levante. Fotos dele lendo o decreto da anistia no Dirio Ofi cial representaram um tro-fu para os fotgrafos: era como um smbolo da vitria dos amotinados, que foraram parlamentares e o prprio presidente a se render causa assinando a lei. Outra foto de suma importncia a passagem do comando ao novo co-mandante, feito, imaginem, por um simples marinheiro. O comum, no mili-

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    tarismo, um tenente, um capito, mas nunca um simples marinheiro, que participara de um movimento que levara morte seus colegas na noite de 22 de novembro.

    Uma das charges pode, at mesmo, ter sido feita com base nessa foto e numa declarao do jornal Correio da Manh de que o lder comandava a revolta como um almirante. Na capa daquela edio da revista satrica Careta, Joo Cndido est vestido de almirante tendo no peito uma medalha com os dizeres 23 de novembro. Contudo, o dito almirante aparece com traos de um chimpanz, tentando ridicularizar o lder da revolta. Prova do racismo presente nas matrias de jornais, como veremos mais frente. Algo risvel para a poca: um almirante negro, mais parecido com um macaco.

    Na manh seguinte, porm, tudo havia de retornar normalidade... Algo impossvel pela tenso que tomava cada um a bordo. Ofi ciais sabiam do perigo que aqueles marinheiros representavam: no eram mais vistos como simples comandados e indisciplinados, mas organizadores de um evento, conscientes dos seus interesses, e unidos pela experincia de anos a bordo e mesmo pela vitria alcanada com a revolta. Os marinheiros tambm sabiam da conquista, mas teriam de pagar o preo de conviver com um grupo de homens que havia sido exposto publicamente por seus atos e muito criticado na imprensa do Brasil e do exterior.

    A resposta dos ofi ciais no demorou tanto assim. Naquele mesmo dia foi dada a ordem para que os canhes fossem desarmados, extinguindo a pos-sibilidade de uma nova revolta que ameaasse a cidade. No dia 28 de novem-bro mais mudanas ocorreram, sendo expulsos dezenas e depois centenas de marinheiros. O senador Rui Barbosa subiu tribuna e condenou tal posio, dizendo ser aquele um aviltante desrespeito ao decreto de anistia27. A situao chegou ao limite. Marinheiros eram presos em terra e levados polcia ou aos quartis do Exrcito.

    Pequenos bilhetes aos antigos lderes da revolta possivelmente foram interceptados pelos ofi ciais. E a pergunta era direta: Joo Cndido, a revolta continua? Na noite de 9 de dezembro de 1910, o movimento no navio de guerra Rio Grande do Sul deu os primeiros sinais de que algo estava para acon-tecer. Antes que aqueles movimentos desusados se tornassem uma revolta, seus ofi ciais decidiram fugir. E mais tarde o cabo Piaba retomou o movimento no Batalho Naval da Ilha das Cobras. Novamente gritos foram ouvidos e o estampido dos tiros ecoou pela cidade. Canhes do exrcito foram espalhados pelo litoral e comearam a bombardear a ilha, que respondia com os arma-mentos disponveis muito prximos aos do Exrcito. Dessa vez, no entanto, os navios do primeiro movimento no tomaram partido e fi caram no meio do fogo cruzado sem nada fazer. Nesse momento, seus ofi ciais tambm se retira-

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    ram. Os antigos lderes preferiram fi car ao lado do governo, demonstrando to-tal falta de sintonia com os marinheiros e fuzileiros navais da Ilha das Cobras. Provavelmente procuraram garantir o direito alcanado com a anistia. Como alvo fi xo e sem capacidade de deslocamento, os amotinados renderam-se s foras do governo. Comeava a a tortura de todos os envolvidos.

    As prises da cidade, civis e militares, fi caram abarrotadas de marinhei-ros, tanto com os revoltados de novembro como os de dezembro. Foi decretado o estado de stio, fechando-se o Congresso e suspendendo direitos. Durante um ms o governo teve toda a liberdade de perseguir, extraditar e deportar qualquer um. Na noite de Natal, o paquete Satlite transformou-se num tipo de navio negreiro: mais de cem marinheiros, e mais aproximadamente cento e cinquenta detentos e detentas da Casa de Deteno, foram postos no navio em direo ao Acre para serem oferecidos e oferecidas como mo de obra nos serin-gais e na construo da Ferrovia Madeira-Mamor28. Alguns marinheiros foram fuzilados a bordo por suspeita de tramarem um levante a bordo.

    Joo Cndido e mais dezessete marinheiros foram amontoados numa estreita cela da Ilha das Cobras, por onde a luz e o ar tinham difi culdade de penetrar. Naquela noite, o comandante do Batalho Naval levou consigo a chave da cela, enquanto soldados jogavam cal diluda por baixo do porto a fi m de desinfetar o lugar. Quando a gua evaporou, a cal transformou-se novamente em p, penetrando as narinas dos marinheiros, que gritavam para que a porta fosse aberta. Aos poucos, segundo Joo Cndido, os gritos foram sendo silenciados, e dezesseis deles morreram asfi xiados. Covardemente, o mdico registrou insolao como causa mortis. Sobraram somente o lder da revolta e mais um marinheiro.

    Joo Cndido ainda permaneceu preso por dois anos, incomunicvel, tomando-o grave depresso. Foi internado no hospital psiquitrico, por ouvir os gritos dos seus falecidos colegas e ter vises. Retornou ao presdio at ser liberto e desligado da Marinha, com o auxlio de Evaristo de Moraes, que o defendeu do processo gerado contra o almirante negro29.

    Uma forma audaz de fazer poltica

    Muitos dos nossos professores da rede pblica e mesmo do meio uni-versitrio desconhecem a dimenso da revolta na poca e o peso poltico que ela nos traz at os dias atuais. dado como mais um captulo a ser trabalhado em sala de aula, como a luta contra os castigos corporais. E isso, realmente, uma pequena parte dos acontecimentos.

    Se a revolta ocorresse hoje, os marinheiros estariam dominando navios movidos por energia nuclear, com msseis e canhes que alcanariam alvos

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    a centenas de quilmetros, como vimos recentemente em guerras sangrentas durante as intervenes das marinhas norte-americana, francesa, inglesa e outras. Obviamente, em 1910 o poder dos armamentos era mnimo compa-rado aos tempos atuais, mas tinha capacidade de arrasar uma cidade e de enfrentar a maior parte dos navios existentes nas armadas mais poderosas daquele momento, fosse a norte-americana, a inglesa, a alem e outras. O poder era to grande que o chanceler argentino Montes de Oca gerou uma crise diplomtica com o Brasil, devido ao temor por essa aquisio. Para ele, bastaria um s dos encouraados encomendados pelo Brasil para destruir toda a esquadra argentina e chilena30. Propunha inclusive que o Brasil ne-gociasse um dos navios com a Argentina a fi m de equilibrar o poder entre as duas naes.

    Ento, podemos nos perguntar: como os marinheiros conseguiram do-minar essas incrveis armas de guerra? E mais, quantas revoltas na histria do Brasil nascidas entre os membros das camadas mais pobres chegaram a esse grau de organizao? No houve um discurso ideologizado por trs, como fi zera o ento Partido Comunista do Brasil (PCB) ou mesmo o movimento anarquista, levantando uma possvel massa de trabalhadores. No encontra-mos um almirante ou qualquer ofi cial militar aproveitando-se da situao para eclodir um ato golpista. Tambm no estavam presentes nas fontes qual-quer poltico ou intelectual manobrando indivduos pobres a destrurem e atearem fogo a bondes por qualquer interesse. Havia, na revolta, um grupo de homens pobres, mormente negros, que entre si, somente entre si, organizou-se em reunies conspiratrias para pr fi m a um regime de trabalho que no mais desejavam para suas vidas; organizao essa que surpreendeu a todos no Brasil e no exterior, pela capacidade de os amotinados terem bem claro os seus intentos, de tomarem o comando daquelas modernssimas armas de guerra; da determinao, sem receios, apresentada naqueles dias de novem-bro e dezembro de 1910.

    Homens oriundos de famlias negras e pobres, nascidos entre as d-cadas de 1880 e 1890, quando o fi m da escravido e o incio da Repblica levaram a transformaes polticas, econmicas e sociais imensas. Represen-tavam uma gerao que no mais desejava viver numa fazenda de escravos do meio rural ou mesmo nas mais deplorveis condies de trabalho urbano reservadas a egressos do cativeiro ou a fi lhos de ex-escravos e livres. Teriam de vencer o racismo propalado em prosa e verso em contos, folhetins, charges, reportagens jornalsticas, memrias e nas teses cientfi cas vigentes ao longo do perodo. Romances como os de Jlia Lopes de Almeida, uma escritora do incio do sculo XX, cujo discurso racista fortssimo em folhetins, crnicas e livros, so bons exemplos disso31. Teriam de vencer uma Marinha de Guerra

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    composta por ofi ciais brancos e que no aceitavam negros como seus iguais. Para os negros estavam os postos de marinheiro a sargento e nem um passo a mais na carreira militar, como noticiou o jornal O Estado de S. Paulo, em junho de 1911:

    Um desses grupos, o menos numeroso, constitudo pela ofi cialidade. O ou-tro grupo, muito mais numeroso, constitui o proletrio de blusa ou de farda, a gente que no tem direito a sonhar com os gales e vantagens de ofi cial. O ofi cial nunca foi marinheiro. O marinheiro nunca poder ser ofi cial. [...] Para vir a ser ofi cial preciso pertencer burguesia abastada, ter dinheiro para custear a conquista do galo na Escola Naval e ser o menos mestio ou o mais branco possvel.32

    Outro exemplo do racismo na Marinha vem novamente do tenente Jos Eduardo Macedo Soares. Em seu Poltica versus Marinha, Soares dizia que:

    [...] a primeira impresso que produz uma guarnio brasileira a da deca-dncia e incapacidade fsica. Os negros so raquticos, mal encarados com todos os signos deprimentes das mais atrasadas naes africanas. As outras raas submetem-se infl uncia do meio criado pelos negros sempre em maio-ria. Profundamente alheios a qualquer noo de conforto, os nossos mari-nheiros vestem-se mal, no sabem comer, no sabem dormir. Imprevidentes e preguiosos, eles trazem da raa a tara da incapacidade de progredir.33

    Sem demonstrar preocupao com a imprensa afi nal, escrevia sob a capa do anonimato, mas assinava como um ofi cial, representando a classe dos superiores , o autor defendia que o castigo corporal antes de tudo era uma necessidade, uma forma de combater tantos marinheiros viciosos nos conveses e pores das embarcaes. Por isso, Soares indignava-se com polticos que durante a revolta criticaram os ofi ciais pela prtica de castigos desumanos, que lembravam a escravido, e fi nalmente por terem anistiado os assassinos de Batista das Neves e outros briosos ofi ciais que tombaram cumprindo seus deveres em nome da ordem e da disciplina. Assim, ele ex-punha todo o preconceito racial e imediatismo explicativo em poucas linhas, e exigia a demisso dos negros da Marinha. Como nos ensina Carlos Hasen-balg, a tenacidade da estratifi cao racial e as novas fontes de discriminao aps o fi m do escravismo devem ser procuradas nos variados interesses de grupos brancos que obtm vantagens da estratifi cao racial 34.

    Alm do racismo, os marinheiros teriam de se fazer ouvidos pelas au-toridades da Marinha de Guerra e mesmo pelos representantes do Estado.

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    Tentaram contato com estes, mas no conseguiram alcanar o desejado. No restavam muitas alternativas aos marinheiros para fazer valer suas reivindica-es. O grito, o barulho, a ameaa, a fora, a unio e a deciso para vencer os castigos corporais, o salrio baixo, os ofi ciais que se excediam nas punies, o excesso de trabalho acarretado pela compra das novas embarcaes e o am-biente violento a bordo teriam de ser extremamente vigorosos. Somente assim polticos e ofi ciais poderosos, a maior parte deles racistas, ouviram, temeram por suas vidas e sucumbiram ante a coragem do marinheiro brasileiro.

    Por essas razes a revolta revela o tamanho do seu impacto e serve, at os nossos dias, de exemplo de luta, e a historiografi a ainda precisa se cons-cientizar da sua relevncia poltica e histrica.

    A revolta entrou para a Histria

    Podemos dizer que a memria um elemento importante da formao da identidade individual ou coletiva, e por isso muitas vezes ela pode ser usada, manipulada e forada ao esquecimento por aes de grupos, classes, governos e instituies diversas35. A histria da histria da Revolta da Chi-bata refl ete muito bem usos diversos da sua memria. Em seus 100 anos, a memria do movimento de 1910 passou pelo surgimento do PCB, pelo regime de exceo do Estado Novo, pela conscientizao do racismo no Brasil, pelo golpe militar de 1964, entre outros. Nesses momentos existiram disputas e usos da memria da revolta que devemos buscar, mesmo que sumariamente. uma forma de trazer ao presente refl exes sobre a insero desse aconteci-mento em movimentos sociais e partidrios, em projetos educacionais e na luta por direitos. Tal insero foi sucessivamente combatida, muitas vezes fora, a fi m de apagar ou distorcer uma memria que incomodava, e ainda incomoda, militares e governantes.

    Sucessivas tentativas de lev-la ao esquecimento foram arranjadas. Jor-nalistas, intelectuais e militantes procuravam relembrar o feito pelos marinhei-ros de 1910 nas dcadas que se seguiram ao evento, sendo o perodo do governo de Getlio Vargas um dos mais ricos em matrias e textos. Uma parte desses indivduos era antifascista e fi liada ou simpatizante do movimento comunista. E a experincia do famoso jornalista gacho Aparcio Torelly, mais conhecido por Baro de Itarar, ilustra bem como militares e polticos incentivavam o es-quecimento da memria do feito de Joo Cndido e seus colegas.

    J dando provas de sua ligao com o comunismo, Torelly inaugurou o Jornal do Povo, em 1934, com uma srie de artigos sobre Joo Cndido, prximo comemorao dos 25 anos do evento. Isso foi encarado como uma afronta Marinha de Guerra. Em represlia, um grupo de ofi ciais invadiu a

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    redao e o sequestrou, levando-o para as bandas da ento longnqua Barra da Tijuca, onde teve seu cabelo cortado e passou vexames. Com o bom-humor de costume, Itarar mandou afi xar na porta do seu escritrio: Entre sem bater36.

    Em 1934 surgia o livro A revolta de Joo Cndido37. No nico exemplar que encontramos existe uma anotao a lpis na folha de rosto afi rmando que ele havia sido impresso em Pelotas, e que Benedito Paulo, na verdade, era o pseudnimo do mdico Ado Manuel Pereira Nunes. Na introduo, o autor explicou que havia escrito sobre a revolta, a fi m de as classes pobres e opri-midas entenderem a sua fora.

    A luta dos pequenos contra os grandes continua e ela h de ter o seu fi m. Os marinheiros e soldados, fi lhos do povo, sairo vitoriosos pelo determinismo da histria. E alm dos ofi ciais amigos, aos batalhes de terra se ajuntaro camponeses e intelectuais, sem cujo apoio toda e qualquer insubordinao nunca passar de uma aventura de fcil esmagamento, como a que aconteceu em 1910.38

    O PCB, que estava atuando na clandestinidade durante aquele pero-do, mantinha-se na oposio e procurava arregimentar o apoio das classes trabalhadoras para derrubar os governos burgueses. Em 1931, Luiz Carlos Prestes escreveu uma carta aberta aos soldados e marinheiros atravs de um discurso bem prximo ao que Ado Nunes havia de utilizar anos depois: Voltem as suas armas contra os seus prprios chefes, lacaios da burgue-sia e, organizando os seus conselhos, fraternizem com os trabalhadores39. A semelhana dos discursos revela a proximidade de Ado Nunes com a ideo logia revolucionria defendida pelo PCB. Alm disso, Ado Nunes afi r-mava que revoltas isoladas, e a entra a Revolta da Chibata, nos meios militares no passariam de uma aventura facilmente esmagada, da a necessidade da unio entre todas as classes pobres e oprimidas.

    A revolta dos marinheiros de 1910, para ele, tambm teve conotaes de preconceito racial: Eram os negros, mulatos, caboclos e brancos oprimi-dos, a quem os republicanos acenaram com a igualdade, que se revoltaram contra o espezinhamento da ala rica da raa branca. Esse trecho revela um relacionamento maior entre o racismo e a revolta. Intelectuais e militantes discutiam mais abertamente os problemas ocasionados pelo racismo dcada em que surgem a Frente Negra Brasileira (1931) e o livro de Gilberto Freyre Casa Grande e Senzala (1933)40. Esse discurso demonstra maior sensibilidade com o racismo na sociedade brasileira e como ele produzia prejuzos para a populao negra. O autor de A revolta de Joo Cndido queria utilizar essa histria como instrumento de persuaso, a fi m de sensibilizar trabalhadores,

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    soldados e marinheiros, brancos e negros, para a causa revolucionria defen-dida pelo PCB.

    A relao entre o PCB e a revolta daria um captulo parte. No mes-mo perodo houve a tentativa do golpe conhecido por Intentona Comunista, quando foram recolhidos panfl etos conclamando marinheiros contra o gover-no getulista e propagandeando uma revoluo no pas. No panfl eto Viva 22 de Novembro, assinado por um grupo de marinheiros libertadores, seus autores encontraram na memria da revolta uma forma de envolver os ho-mens da baixa patente a se levantar contra o governo. E fechavam o texto com as seguintes palavras de luta:

    Po e Terra O Governo Popular Nacional Revolucionrio com o nosso querido e herico Luiz Carlos Prestes frente!Abaixo o Integralismo, Poltica de Fome, Guerra e Revoluo!!!Viva os Nossos Combativos Companheiros de 1910!!!Viva 22 de Novembro!!!Viva a Revoluo Nacional Libertadora!!!41

    Se esse panfl eto foi distribudo exatamente no dia 22 de novembro, seria vspera do levante em Natal e dias depois (27) ao do Rio de Janeiro. Se esse grupo de marinheiros existia, ele estava bastante informado do plano de ao tramado pelos membros da Aliana Nacional Libertadora (ANL), e de-viam estar seduzindo e arregimentando o maior nmero possvel de colegas para o combate.

    A histria da Revolta dos Marinheiros de 1910 j no era somente uma triste lembrana para os ofi ciais da Marinha de Guerra. Joo Cndido e a revolta tornam-se smbolos, peas de uma memria coletiva que poderiam ar-regimentar foras de pelo menos um segmento social importante em qualquer tentativa de revoluo armada: marinheiros e soldados das Foras Armadas. A histria da revolta de 1910 tornara-se smbolo de uma causa. No foi toa que falar de Joo Cndido ou da revolta durante o Estado Novo era motivo de severa represso.

    A histria do vexame vivido pelo Baro de Itarar foi lida pelo jornalista Edmar Morel, que se perguntou: um heri da ral no podia ter histria?42. Essa questo o levou a um ambicioso projeto, publicado fi nalmente pela Edi-tora Irmos Pongetti, em 1958, sob o ttulo A Revolta da Chibata, livro que ain-da hoje inspira atores, cineastas, carnavalescos, professores e o leitor comum. Morel realizou vasta e pioneira pesquisa sobre o assunto: jornais, revistas, processo criminal, cartas, documentos cedidos por descendentes dos envolvi-dos e diversas entrevistas tornaram seu livro um clssico sobre o assunto, que

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    manteve a memria da revolta at nossos dias. Joo Cndido concedeu entre-vistas e reviu os originais. Essa parceria pde ser registrada em diversos even-tos do lanamento do livro e mesmo depois. Por conta dessa publicao, que tornou popular a revolta, Joo Cndido passou a ser convidado para diversas atividades e recebeu muitas homenagens no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. O livro ainda recebeu diversos posfcios ao longo de suas cinco edies, sendo a ltima pstuma e ampliada por seu neto, o historiador Marco Morel, com a autobiografi a que Joo Cndido escreveu ainda em 1912.

    s vsperas do golpe militar de 1964, Joo Cndido esteve na assembleia dos marinheiros da Associao de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), no Sindicato dos Metalrgicos. Aqueles marinheiros mais novos viam no lder de 1910 um smbolo de fora e conquista, e o reverenciavam. Sinais dessa relao foram os sucessivos discursos lembrando o feito dos marinhei-ros em 1910, na luta contra os castigos desumanos e as pssimas condies de trabalho. Joo Cndido era sempre lembrado como lder de um movimento que libertou geraes de marinheiros de humilhaes como a punio de chibata. Foram casa do velho lder, na atual Baixada Fluminense, levar um bolo no dia de seu aniversrio. Isso tudo rememorava uma histria que ofi ciais da Marinha detestavam, como ocorreu durante as matrias publicadas pelo Baro de Itarar e preocupava, e muito, civis e militares descontentes com o governo Joo Gou-lart. Este ps em andamento as Reformas de Base recheadas de mudanas que abalariam estruturas de poder e riqueza dos indivduos mais abastados do pas. E mesmo de organismos internacionais, interessados nas riquezas brasileiras e na infl uncia do pas no continente, caso o Brasil seguisse os exemplos de Cuba ou da China comunista.

    Os marinheiros da AMFNB fundaram a associao dois anos antes do golpe de 1964 e espalharam ncleos em vrias partes do pas. Inicialmente lutavam por melhores condies de ascenso social na Marinha, e reclama-vam por mais direitos civis e polticos para os militares de baixa patente. Da unio desses homens surgiram escolas e servios de assistncia mdica, independentes da Marinha43. O movimento ganhou cada vez mais contornos polticos, num perodo marcado por agitaes na esfera do governo federal, com a renncia presidncia por Jnio Quadros e a conturbada posse de Joo Goulart, tido como esquerdista. A Guerra Fria respingava com mais frequncia no pas, pressionado pela poltica dos Estados Unidos sobre a Amrica Latina, a abertura do pas ao capital internacional, os ecos da Rev-oluo Cubana e a penetrao cada vez maior da ideologia de esquerda em movimentos sociais urbanos e rurais.

    A priso de alguns membros da AMFNB levou a assembleia de mar-o de 1964, tornar-se permanente. A crise se instaurou e o ministro da

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    Marinha se viu em maus lenis; o movimento foi noticiado nos meios de comunicao. Para piorar a situao, houve apoio popular e alguns fuzil-eiros convocados para reprimir o movimento largaram as armas e pularam o muro do sindicato, juntando-se aos amotinados. O conjunto dessa assem-bleia permanente, embora posteriormente dissolvida, foi um duro golpe, que certamente atiou ainda mais aqueles ofi ciais que dariam o golpe de 31 de maro de 1964. Joo Cndido foi novamente observado e a histria da revolta, perseguida. Edmar Morel, que escrevera o livro A Revolta da Chi-bata, teve seus direitos polticos cassados, perdeu o emprego de redator da Rede Ferroviria Federal, no conseguiu posio nos demais jornais e teve sua obra mais importante retirada de circulao44.

    O registro da memria do lder Joo Cndido durante o regime militar pelo Museu de Imagem e do Som (MIS) tambm foi realizado com todo o cuidado. Afi nal, havia menos de quatro anos que o entrevistado participara da assembleia dos marinheiros da AMFNB no Sindicato dos Metalrgicos e acendera a luz vermelha para o golpe de 1964. O museu tinha como atividade gravar entrevistas com personalidades da msica, das artes ou que haviam participado de eventos marcantes. Tal registro teve toda a preocupao de no levantar suspeitas e intervenes do governo. Esse foi um dos ltimos depoimentos de Joo Cndido, entrevistado por Ricardo Cravo Albin e pelo historiador Hlio Silva45.

    Mesmo nessas dcadas em que a liberdade de expresso foi aviltada recorrentemente, dois compositores tiveram a coragem de relembrar a memria e escreveram a msica Navegante Negro, que por fora da censura foi reba-tizada de O mestre-sala dos mares (1974). Aldir Blanc e Joo Bosco foram vrias vezes convidados a dar explicaes Censura Federal sobre a cano. Segundo Aldir Blanc, o censor explicou que o problema essa histria de negro, negro, negro. Para Blanc, aquelas palavras o haviam atropelado, no pelas piadinhas tipo tiziu, pudim de asfalto etc., mas pelo panzer do racismo nazi-ideolgico ofi cial46. No era a preocupao de tornar a revolta um exem-plo de movimento social contra regimes ditatoriais, mas de transformar um homem negro em heri, que lutou por direitos de toda uma classe. Algo bem distante do smbolo criado por fi lmes, revistas, msicas e matrias, que recor-rentemente traduziam pessoas negras como incapazes, preguiosas, limitadas intelectualmente, perigosas e feias.

    Em 1985, a escola de samba Unio da Ilha escolheu a Revolta da Chi-bata como enredo usando como referncia o livro de Edmar Morel, que re-cebeu uma placa de prata no dia em que visitou a quadra da escola. Havia uma preocupao dos ofi ciais do alto escalo da Marinha de a escola pr na avenida folies vestidos com a roupa do ofi cialato aoitando marinheiros. A

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    presso foi grande sobre o carnavalesco Lus Orlando e a direo da agremi-ao. Duas partes do projeto inicial foram retiradas, funcionrios do Minis-trio e marinheiros desistiram de sair e o samba-enredo foi alterado. Para Morel, isso ocorreu pelas ligaes das escolas com bicheiros, trafi cantes de txico e exploradores de lenocnio. Isso tirou da direo o poder de reao, pois no tinha autoridade moral, sequer, para estabelecer um dilogo47.

    Na dcada de 1980 e com a liberdade parcial de expresso, mais trs livros foram lanados e melhoraram ainda mais nosso entendimento da re-volta. Mrio Maestri e Marcos Silva publicaram dois livros voltados a um pblico mais vasto, menor que o de Morel, mas que sintetizavam a histria da revolta e contribuam com outras perspectivas, como o racismo, no livro de Maestri, e a repercusso na imprensa operria, no caso de Marcos Silva48. Paulo Ricardo de Moraes, jornalista gacho, explorou a histria da revolta no livro didtico, no sentido de questionar a forma e o espao em que era reproduzida nesses compndios49. Foram livros importantes nessa primeira metade da dcada de 1980, para a popularizao e manuteno da memria, haja vista que o regime militar ainda estava vigente e a livre opinio era um ato perigoso.

    No ano do centenrio da abolio, um nico livro veio a pblico, e curiosamente foi redigido pelo vice-almirante Hlio Lencio Martins. Digo curiosamente por esperar que nesse ano surgissem tambm contribuies de movimentos sociais organizados. Contudo, era o ano de Zumbi, e Joo Cn-dido ainda no fi gurava como heri negro.

    Sabendo da sua fi liao Marinha e toda a tradio que a instituio envolve, avisou que seu trabalho no era uma histria ofi cial do evento, ou seja, que ele no respondia pela Armada, mas por seu prprio intento. O almirante redigiu um trabalho com pesquisa, equilibrado nas questes que levaram revolta. Nesse processo de redao, ele deixou alguns espaos em que a defesa dos ofi ciais era latente, e pouca crtica Marinha da poca foi apresentada50.

    A memria da Revolta na dcada de 1990 e nos anos 2000, cresceu enormemente51. O regime militar no mais impedia e a identifi cao de Joo Cndido e dos marinheiros negros com movimentos sociais voltados para a luta contra as desigualdades raciais e o no respeito aos direitos humanos, tornou-se realidade. Uma organizao civil voltada para a questo a Unio de Mobilizao Nacional pela Anistia (UMNA), formada pelos envolvidos na antiga Associao dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) e de outras armas como as da Aeronutica e do Exrcito. So indivduos que no foram anistiados na lei de 1979 a maior parte foi expulsa da Marinha aps a assembleia no Sindicato dos Metalrgicos e durante dcadas tiveram

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    de lutar para conquistar seus direitos. No entanto, esses homens ainda nutrem por Joo Cndido admirao intocvel. Apoiaram familiares, fi zeram marchas a Braslia, procuraram recorrentemente as autoridades municipais da cidade do Rio de Janeiro, apoiaram pesquisas sobre a revolta de 1910, criaram sala em homenagem ao falecido lder e sua fi lha, entre outras aes.

    A luta desses homens sempre foi dar a Joo Cndido o lugar de heri nacional. No por acaso, foram eles que iniciaram a luta e o apoio ao ento vereador Edson Santos, que teve aprovada lei para construo de um monu-mento a Joo Cndido. Desde o incio da dcada de 1990 esse projeto es-tava aprovado, mas os sucessivos prefeitos no fi nanciaram a esttua. Foi no mnimo absurda a posio do ento prefeito Csar Maia, estando frente do executivo municipal durante mais de uma dcada, em no construir o mon-umento embora tenha inaugurado a de outros nomes importantes como Braguinha, Carlos Drummond de Andrade e Princesa Isabel.

    Os membros da UMNA tiveram de lutar e muito, junto a outras associa-es do movimento negro e o prprio Edson Santos para conseguir o fi nancia-mento da construo da esttua atravs da Petrobras. Walter Brito foi o escultor da obra. Mesmo pronta, a escultura no pde ser instalada no local desejado pelos membros da UMNA, de frente para o mar, em plena Praa XV. A instala-o foi recusada pelo prefeito Csar Maia, alegando que a Marinha de Guerra no permitia tal instalao por ter sido Joo Cndido expulso daquela Fora Armada em 1910. A soluo encontrada foi instalar o monumento nos jardins do Palcio da Repblica, que foi muito bem vista por boa parte dos militantes. Mas o momento mais importante foi quando o presidente Luiz Incio Lula da Silva veio ao Rio de Janeiro reinaugurar a escultura, e no lugar anteriormente desejado, a Praa XV, no dia da Conscincia Negra, em 2008.

    A mudana dos jardins do Palcio do Catete para a Praa XV s foi pos-svel porque, aps quase um sculo, fi nalmente Joo Cndido e seus colegas foram novamente anistiados. No havia, assim, como a Marinha reclamar da presena da escultura de um anistiado naquela praa to importante para a histria da Marinha e do pas. Essa anistia nasceu do projeto de lei da sena-dora Marina Silva e passou anos sem um resultado fi nal. A UMNA e outras associaes sempre reclamaram para que essa situao fosse logo resolvida, mas somente em 2008 ela ocorreu:

    DA CAMARA DOS DEPUTADOS AO PROJETO DE LEI N. 7.198-B, DE 2002, DO SENADO FEDERAL. (PLS N. 45/2001 na Casa de origem)Emenda da Cmara dos Deputados ao Projeto de Lei n. 7.198-A, de 2002, do Senado Federal (PLS n. 45/2001 na Casa de origem), que concede anistia post-

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    mortem a Joo Cndido Felisberto, lder da chamada Revolta da Chibata, e aos demais participantes do movimento.EMENDAD-se ao caput do art. 1. do projeto a seguinte redao:Art. 1. concedida anistia post-mortem a Joo Cndido Felisberto, lder da chamada Revolta da Chibata, e aos demais participantes do movimento, com o objetivo de restaurar o que lhes foi assegurado pelo Decreto n. 2.280, de 25 de novembro de 1910. Sala de sesses 13 de maio de 2008.

    O ponto negativo dessa anistia que Zeelndia Cndido, fi lha e de-fensora da memria do seu pai, no pde comemorar esse resultado, por ter falecido ainda em 2006. Nenhum familiar recebeu qualquer compensao fi nanceira aps quase cem anos de precariedade econmica em que viveram devido perseguio ao provedor do lar, o marinheiro Joo Cndido.

    Antes de morrer, dona Zeelndia deixou um ltimo ensinamento apren-dido com seu pai. Cremos servir a qualquer um de ns. Perguntada por Silvia de Mendona sobre Qual a herana ou lio maior que ele [Joo Cndido] deixou para a famlia? respondeu:

    Ele deixou para a famlia a noo de que este mundo era desigual e isto ele sentiu na pele com a Revolta da Chibata. Ele dizia na comunidade de marinheiros que no deviam se rebaixar e se humilhar. E isso ele passou para todos os fi lhos tam-bm. Eu aprendi e fui luta, participo nas associaes de moradores, no movi-mento negro e de mulheres. Parada eu no fi co. A lio que meu pai deixou que se a gente tem um ideal, e no se sente bem com uma situao e se puder reverter essa situao, que no devemos esperar pelos outros, temos que arregaar as man-gas e lutar para mudar. Com luta ou com dilogo, vamos ns mesmos tomando as rdeas do nosso destino, porque abaixo de Deus ns temos esta condio. No podemos esperar que a soluo dos nossos problemas venha s de cima.52

    RESUMOO artigo descreve a histria da Revolta da Chibata e o seu legado para acadmi-cos e movimentos sociais. O leitor ter a possibilidade de entender os sistemas de recrutamento e disciplinamento na Marinha de Guerra entre os sculos XIX e XX. Tais sistemas tiveram relao direta com a revolta de 1910. O excesso de ser-vio a bordo de poderosos navios comprados pelo governo republicano naquele ano aumentou a animosidade entre marinheiros e ofi ciais. Esses problemas leva-ram revolta dos marinheiros, a maior parte desses descendentes de negros, que experimentaram a escravido. O artigo ainda explora o legado dessa histria e sua penetrao no Partido Comunista Brasileiro e movimentos sociais.

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    PALAVRAS-CHAVEMarinheiros; Recrutamento; Memria; Trabalho.

    ABSTRACTThe Revolt of the Lash and his legacy to scholars and social movements are described in this paper. The reader will be able to understand the impressment and discipline systems in Brazilian Navy between Nineteenth and Twentieth centuries. Such systems were directly related to the uprising of 1910. Overwork aboard of powerful warships bought by the Republican government in that year increased the animosity between sailors and offi cers. These problems lead to the revolt of the sailors, most of them descendants of blacks who experienced slavery. The article also explores the legacy of this history and its penetration into Brazilian Communist Party and social movements.

    KEYWORDSSailors; Impressment; Memory; Work.

    NOTAS1 O autor professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, campus Nova Iguau, pesquisador do Programa de Apoio a Ncleos de Excelncia-Centro de Estudo dos Oitocentos (Pronex-CEO) (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfi co e Tecnolgico-Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Ja-neiro (CNPq/Faperj), do Programa Nacional de Cooperao Acadmica (Procad): Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)/Universidade Federal de Santa Ca-tarina (UFSC)/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (Capes) e do Programa Pensa Rio (CNPq/Faperj). Contato do autor: [email protected].

    2 MOREL, Edmar, A Revolta da Chibata. 4. ed., Rio de Janeiro, Graal, 1986[1958].

    3 CARVALHO, Jos Murilo de, As foras armadas na Primeira Repblica: o poder de-sestabilizador. In FAUSTO, Boris (Org.), Histria geral da civilizao brasileira, t. III, v. II. So Paulo: Difel, 1977.

    4 O Corpo de Imperiais Marinheiros estava localizado na ilha de Villegaignon e para l eram enviados todos os recrutas e voluntrios em idade de assentar praa.

    5 O Exrcito tambm criou uma escola parecida com esta, que no teve tanto su-cesso como na Marinha de Guerra. Veja BEATTIE, Peter, The Tribute of Blood: Army, Honor, Race, and Nation in Brazil, 1864-1945. Durham: Duke University Press, 2001, p. 144-145.

    6 As idades mnima e mxima para matrcula nessas escolas foram modifi cadas ao longo do sculo XIX e incio do sculo XX. No regulamento para as escolas, baixado sob o Decreto n. 9.371, de 14 de fevereiro de 1885, estes limites eram de 13 e 16 anos. Tempos depois, no regulamento de 1o de agosto de 1907, Decreto n.

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    6582, passou a ser de 12 e 16 anos. Por outro lado, quando completassem 18 anos ou, antes, alcanassem robustez para a vida no mar, eram desligados das escolas e assentavam praa. No entanto, encontramos casos de garotos com nove anos fre-quentando escolas.

    7 Servio de Documentao da Marinha, Livro 3533, Escola de Aprendizes Mari-nheiros Rio de Janeiro, 1909-1918.

    8 Sobre o assunto, veja NASCIMENTO, lvaro Pereira do, Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad, 2008, cap. 3.

    9 Grifo meu.

    10 Veja NASCIMENTO, . P. do, Um reduto negro: cor e cidadania na Armada (1870-1910). In GOMES, Flvio dos Santos; CUNHA, Olivia Gomes da (Orgs.), Quase-cidado: histria e antropologias da ps-emancipao no Brasil. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 2007.

    11 SCHWARCZ, Lilia Moritz, Retrato em branco e preto. So Paulo: Crculo do Livro, 1988; e O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo racial no Brasil, 1870-1930. So Paulo: Cia. das Letras, 1995.

    12 Veja, entre outros, RIBEIRO, Gladys Sabina, Mata galegos. Os portugueses e os confl i-tos de trabalho na Repblica Velha. So Paulo: Brasiliense, 1990; CHALHOUB, Sidney, Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle po-que. 2. ed. Campinas: Unicamp, 2001; SEYFERTH, Giralda, Construindo a nao: hierarquias raciais e o papel do racismo na poltica de imigrao e colonizao. In MAIO, Marcus Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (Orgs.), Raa, cincia e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz/CCBB, 1996.

    13 KOWARICK, Lcio, Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 103.

    14 BRETAS, Marcos Luiz, A guerra das ruas: povo e polcia na cidade do Rio de Ja-neiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997; SOARES, Carlos Eugnio Libano, A negregada instituio: os capoeiras na Corte Imperial (1850-1890). 2. ed. Rio de Janeiro: Access, 1999.

    15 Um ofi cial da Armada (Jos Eduardo de Macedo Soares). Poltica versus Marinha. [1911?], s/l.: s/ed., s/d., p. 90.

    16 Fundao Casa de Rui Barbosa, Arquivo Histrico: CR636/1, carta de Carlos de Barros Raja Gabaglia a Rui Barbosa, em 07/12/1910.

    17 Arquivo Nacional (AN), CGM: Processo n. 695: Jos Cndido Guillobel, Caixa 13170, ano 1874. Veja detalhes desse caso no captulo 1 de NASCIMENTO, lvaro Pereira do. A ressaca da marujada. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001.

    18 Tais movimentos foram discutidos no terceiro captulo de NASCIMENTO, . P. do, A ressaca da marujada, op. cit.

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    19 NORONHA, Jlio Csar de. Relatrio do Ministro da Marinha. Rio de Janeiro: Im-prensa Naval, 1905.

    20 Todas as informaes narradas aqui sobre a revolta podem ser encontradas em NASCIMENTO, . P. do. Cidadania, cor e disciplina, op. cit.

    21 COELHO, Alberto Duro, Algozes e vtimas. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1911. Agradeo a Guilherme Neves a doao dessa fonte de suma importncia para os estudos da Revolta da Chibata.

    22 Ibidem, p. 21-22.

    23 Ibidem, p. 20.

    24 Sobre a rivalidade na campanha eleitoral atravs dos jornais, veja, CUNHA, Maria Clementina Pereira. Liberalismo & oligarquias na Repblica Velha: O Paiz e a campanha do Marechal Hermes da Fonseca (1909/1910). Dissertao de Mestrado. So Paulo: USP, 1976.

    25 Veja o depoimento do deputado em CARVALHO, Jos Carlos de, O livro da minha vida. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1912.

    26 AMADO, Gilberto, Mocidade no Rio e primeira viagem Europa. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1956, p. 87-88.

    27 DISCURSOS PARLAMENTARES, Obras completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Cultura, t. III, v. XXXVII, 1971[1910]. Discursou o senador baiano, Evidentemente, o decreto [que desligou marinheiros] tem uma relao com a anistia de h dois dias.

    28 HARDMAN, Francisco Foot, O trem fantasma: a modernidade na selva. So Paulo: Cia. das Letras, 1988.

    29 MORAES, Evaristo de, Reminiscncias de um rbula criminalista. Belo Horizonte: Rio de Janeiro: Briguiet, 1989[1922].

    30 MARTINS FILHO, Joo Roberto. Colosso dos mares. Disponvel em: , acesso em 19 fev. 2010.

    31 ALMEIDA, Jlia Lopes de, A intrusa. Rio de Janeiro: Fundao Biblioteca Nacional, 1994, p. 115[1905]. Revoltado contra a Natureza que o fi zera negro, odiava o bran-co com o dio da inveja, que o mais perene. Criminava Deus pela diferena das raas. Um ente misericordioso no deveria ter feito de dois homens iguais dois seres dessemelhantes! Ah, se ele pudesse despir-se daquela pele abominvel, mesmo que fogo lento, ou a afi ados gumes de navalha, correria a desfazer-se dela com alegria. Mas a abominao era irremedivel. O interminvel cilcio duraria at que, no fundo da cova, o verme pusesse a nu a sua ossada branca.

    32 Apud BOMILCAR, lvaro, O preconceito de raa no Brasil. Rio de Janeiro, 1916, p. 27-28.

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    33 Um ofi cial da Armada (Jos Eduardo de Macedo Soares), op. cit., p. 85-86.

    34 HASENBALG, Carlos. Discriminao e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janei-ro: Graal, 1979, p. 76-77.

    35 LE GOFF, Jacques. Histria e memria. Campinas: Unicamp, 1994, p. 476-477.

    36 MOREL, E., op. cit., p. 45; e Augusto Buonicore. As peripcias de um Baro verme-lho 33 anos da morte de Aparcio Torelly. Disponvel em: http://www.espacoaca-demico.com.br/045/45cbuonicore.htm, acessado em 22 de fevereiro de 2010.

    37 PAULO, Benedito (Ado Pereira Nunes). A Revolta de Joo Cndido. S/l.: s/ed., s/d. [1934?].

    38 Ibidem, p. 2.

    39 DULLES, John W. F. Anarquistas e comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fron-teira, 1977, p. 380.

    40 Essa no seria a primeira vez que o racismo fora discutido tendo como eixo de discusso a Revolta da Chibata. lvaro Bomilcar, em 1916, j revelava que ofi ciais da Marinha eram preconceituosos em relao cor dos marinheiros. E irritava-se com tal situao na Marinha de Guerra. Veja BOMILCAR, lvaro, op. cit.

    41 Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro. Dops: Panfl eto, 228. [grifos do original]

    42 MOREL, E., op. cit., p. 45.

    43 CAPITANI, Avelino Bioen, A rebelio dos marinheiros. Porto Alegre: Artes e Ofcios, 1997.

    44 Ibidem, p. 249.

    45 A fi ta original pode ser encontrada no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. A entrevista foi publicada. Veja em MUSEU DA IMAGEM E DO SOM, Joo Cndido. Rio de Janeiro: Gryphus, 1999.

    46 Idem, p. 22 (texto grifado no original).

    47 MOREL, E., op. cit., p. 299-300.

    48 FILHO, Mrio Maestri, 1910: a Revolta dos Marinheiros. So Paulo: Global, 1982; SILVA, Marcos A. Contra a chibata: marinheiros brasileiros em 1910. So Paulo: Brasi-liense, 1982.

    49 MORAES, Paulo Ricardo de, Joo Cndido. Porto Alegre: RBS/Tch, 1982.

    50 MARTINS, Hlio Lencio, A Revolta dos Marinheiros, 1910. Rio de Janeiro; So Pau-lo: SDGM/Nacional, 1988.

    51 Veja, por exemplo, duas teses recentes defendidas nos Estados Unidos e Frana. MORGAN, Zachary Ross, Legacy of the Lash: Blacks and Corporal Punishment in the

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    Brazilian Navy, 1860-1910. Tese de doutorado. Providence: Department of History at Brown University, 2001; e ALMEIDA, Silvia Capanema Pereira de, Nous, marins, citoyens brsiliens et rpublicains: Identits, modernit et mmoire de la rvolte des mate-lots de 1910. Tese de doutorado. Paris: cole des Hautes tudes en Sciences Sociales, 2009.

    52 MENDONA, Silvia de, Morre Zeelndia Cndido de Andrade. Disponvel em http://www2.fpa.org.br/conteudo/morre-zeelandia-candido-de-andrade, acessado em 20 fev. 2010.