a construção de significados dos números irracionais no ensino

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Educação WAGNER MARCELO POMMER A construção de significados dos Números Irracionais no ensino básico: Uma proposta de abordagem envolvendo os eixos constituintes dos Números Reais. (versão corrigida) SÃO PAULO 2012

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    Faculdade de Educao

    WAGNER MARCELO POMMER

    A construo de significados dos Nmeros Irracionais no ensino bsico: Uma proposta de abordagem

    envolvendo os eixos constituintes dos Nmeros Reais.

    (verso corrigida)

    SO PAULO

    2012

  • WAGNER MARCELO POMMER

    A construo de significados dos Nmeros Irracionais

    no ensino bsico: Uma proposta de abordagem envolvendo os eixos constituintes dos Nmeros Reais.

    Tese apresentada a Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Educao.

    rea de concentrao: Ensino de Cincias e Matemtica

    Orientador: Prof Dr Nlson Jos Machado.

    SO PAULO

    2012

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Catalogao na Publicao

    Servio de Biblioteca e Documentao Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo

    375.3 Pommer, Wagner Marcelo P787c A construo de significados dos Nmeros Irracionais no ensino bsico:

    uma proposta de abordagem envolvendo os eixos constituintes dos Nmeros Reais / Wagner Marcelo Pommer; orientao Nlson Jos Machado. So Paulo: s.n., 2012.

    235 p. ils.: tabs Tese (Doutorado Programa de Ps-Graduao em Educao.

    rea de Concentrao: Ensino de Cincias e Matemtica) - Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo.

    1. Matemtica 2. Ensino e Aprendizagem 3. Nmeros Irracionais e

    Transcendentes I. Machado, Nlson Jos, orient.

  • FOLHA DE APROVAO

    Nome: POMMER, Wagner Marcelo

    Ttulo: A Construo de significados dos Nmeros Irracionais no ensino bsico: Uma proposta de abordagem envolvendo os eixos constituintes dos Nmeros Reais.

    Tese apresentada a Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Educao.

    rea de concentrao: Ensino de Cincias e Matemtica

    Aprovado em : __/ __/2012

    Banca Examinadora

    Prof. Dr.: _________________________ Insti tuio: _____________________________

    Julgamento: _______________________ Assinatura: _____________________________

    Prof. Dr.: _________________________ Insti tuio: _____________________________

    Julgamento: _______________________ Assinatura: _____________________________

    Prof. Dr.: _________________________ Insti tuio: _____________________________

    Julgamento: _______________________ Assinatura: _____________________________

    Prof. Dr.: _________________________ Insti tuio: _____________________________

    Julgamento: _______________________ Assinatura: _____________________________

    Prof. Dr.: _________________________ Insti tuio: _____________________________

    Julgamento: _______________________ Assinatura: _____________________________

  • AGRADECIMENTOS

    Desejo expressar meus agradecimentos a todos que contriburam para que este

    trabalho se realizasse.

    A Deus, nosso pai, guia que viabiliza nossas opes, ilumina nossos caminhos e

    nos d foras para prosseguir na jornada da vida.

    Aos meus pais, que nesta vida sempre observavam a importncia e me

    incentivaram a prosseguir nos estudos.

    A minha esposa Clarice, pelas leituras, revises, apoio, compreenso e pacincia,

    que me ajudaram a prosseguir neste trajeto.

    A meu orientador, Prof Dr Nlson Jos Machado, pelos esclarecimentos,

    conhecimentos e contribuies, assim como na dedicao quanto aos passos que me

    guiaram nesta jornada.

    A banca examinadora do Exame de Qualificao, que atravs das ponderaes

    realizadas, viabilizou contribuies para este trabalho.

    Aos professores do Programa de Doutorado em Educao da FEUSP, pelos

    conhecimentos to necessrios minha formao.

    Aos colegas do grupo de estudo dos Seminrios de Ensino da Matemtica (SEMA),

    coordenados pelo Prof Dr Nlson Jos Machado, pelo ambiente propcio para a troca de

    experincias e discusses enriquecedoras de conhecimentos.

    Que a paz de Deus esteja com todos.

  • RESUMO

    POMMER, W. M. A Construo de Significados dos Nmeros Irracionais no Ensino Bsico: Uma proposta de abordagem envolvendo os eixos constituintes dos Nmeros Reais. 2012. 235 f. Tese (Doutorado). Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo.

    Considerando-se como fonte primria os manuais escolares brasileiros de Matemtica, o saber a ser ensinado ainda situa uma apresentao dual, polarizado no vis pragmtico ou terico, ao que se segue um procedimento temtico padro que privilegia o desenvolvimento operatrio envolvendo contextos exatos, finitos e determinsticos. Em particular, essas caractersticas se acentuam gravemente no momento de introduo dos nmeros irracionais no ensino bsico, o que ocasiona uma abordagem restritiva. Para superar este quadro, Bruner (1987) fundamenta que no devemos adiar o ensino de assuntos essenciais com base na crena de que so difceis demais, pois as ideias fundamentais de qualquer assunto podem ser ensinadas na escolaridade bsica, porm demanda um trabalho para alm dos aspectos tcnicos, o que equivale a retomada de caractersticas ligadas compreenso. Neste trabalho, tivemos por hiptese que os pares discreto/contnuo; exato/aproximado; finito/infinito, presentes na anlise da evoluo epistemolgica dos nmeros reais e descritos em Machado (2009), se constituem em pilares conceituais essenciais para fundamentar um panorama favorvel a uma abordagem significativa do tema dos nmeros irracionais, de modo a compor um amlgama entre os aspectos tcnicos e semnticos. Em face da necessria reflexo, em nvel educacional, em torno de tal tema, delimitamos inicialmente um contexto investigativo pautado em um estudo qualitativo orientado pela questo Como so abordados os nmeros irracionais no ensino bsico, considerando-se como fonte o livro didtico de Matemtica?, a fim de mapear a apresentao deste assunto no Ensino Fundamental II e no Ensino Mdio. O fundamento metodolgico se inspirou nos ncleos de significao, descritos em Aguiar&Ozella (2006), que buscou apreender os sentidos que constituem o contedo do discurso expresso nos textos dos livros didticos. O percurso dos ncleos de significao confirmou que, nos livros didticos analisados, a apresentao dos nmeros irracionais ocorre de modo polarizado: alguns optam por um vis emprico e outros pela definio formal. Verificou-se que, aps uma abordagem inicial, no ocorre intercmbio destas opes, o que acarreta um rpido esgotamento das ferramentas para se desenvolver as temticas, limitando a compreenso da complexidade dos nmeros irracionais no ensino bsico. A partir das hipteses e da pesquisa emprica, nos propusemos a delinear as contribuies presentes no movimento dialtico entre os pares discreto/contnuo, finito/infinito e exato/aproximado, cujas mtuas conexes permeiam um espao de significaes, um campo que possibilita organizar, tecer e ampliar a rede de significados, conforme Machado (1995), favorecendo um quadro de maior compreenso apresentao dos nmeros irracionais. O enfoque epistemolgico realizado revelou uma multiplicidade de relaes envolvendo os nmeros irracionais e diversos assuntos do currculo de Matemtica, no devidamente caracterizadas e exploradas no ensino bsico, o que serviu de mote para a apresentao de algumas situaes de ensino para ilustrar os aportes orientadores sugeridos. Acreditamos que o caminho epistemolgico trilhado viabilizou uma abertura para ampliar o quadro de significados em relao a outros tpicos presentes na Matemtica Elementar, considerando-se como suporte a potencialidade presente nos eixos discreto/contnuo; exato/aproximado; finito/infinito, assim como no par determinstico/aleatrio.

    Palavras-Chave: Nmeros Irracionais; Significado; Discreto/contnuo; Exato/aproximado; Finito/infinito.

  • ABSTRACT

    POMMER, W. M. The Construction of Irrational Numbers Meaning on Basic School: And approach proposal involving Real Numbers Axes constituents. 2012. 235 f. Tese (Doutorado). Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo.

    Considering Brazilian mathematics school textbooks as a primary research source, the knowledge to be taught still has a dual presentation, polarized in a pragmatic or theoretical way, what follows a thematic procedure pattern that favors an operational development involving exact, finite and deterministic contexts. In particular, these characteristics are seriously accentuated by the time of irrational numbers introduction at basic education, which leads to a restrictive approach. To overcome this situation, Bruner (1987) states that we should not postpone teaching key issues based on the belief that they are too hard, because the fundamental ideas of any subject can be taught at basic education, but it demands a work that overcome technical aspects, considerations that are equivalent to the resumption with aspects related to understanding. In this work, we had by hypothesis that the tension inherent on discrete/continuous, exact/approximate, finite/infinite pairs, extracted from analyses on real numbers epistemological evolution and described at Machado (2009), constitutes an essential conceptual pillar to establish a helpful framework to enable a significant irrational numbers approach, in order to compose an amalgam between technical and semantic aspects. Considering the necessary educational discussion involving this theme, we initially delimited an investigative context based on a qualitative study guided by the question How irrational numbers are approached in basic education, considering mathematics textbook as a source?' in order to map this subject presentation at Middle and High School. The methodological foundation was inspired in meaning core, described in Aguiar and Ozella (2006), which aims to capture the sense that constitutes the speech content expressed inside mathematics scholar textbooks. The analysis from meaning core route reveals that, in the textbooks examined, the most known irrational numbers introduction occurs in a polarized way: some opt for a pragmatic bias and others by formal definition. However, it was found that after an initial approach, there is no further relationship between these options, which causes a rapid depletion of the tools to develop these themes, which limits the complexity understanding of irrational numbers in basic education. From the hypotheses and the empirical research, we intended to delineate contributions presented on the dialectical movement between discrete/continuous, finite/infinite and exact/approximate pairs, whose mutual connections permeate a 'space of meanings', a field that allows to organize, to weave and to expand a network of meanings, as Machado (1995), favoring a framework for better understanding the irrational numbers development in basic school. The epistemological approach performed revealed a multiplicity of relationships involving irrational numbers and various subjects of mathematics curriculum, not properly characterized and exploited in basic education, references which served as contexts for the presentation of some teaching situations to illustrate the contributions guidance suggested. We believe that the epistemological path trodden enables an opening to increase possibilities of meanings in relation to other topics of Elementary Mathematics, considering as support the capability constituents presented in discrete/continuous, exact/approximate, finite/infinity axis, as well as in deterministic/random pair.

    Keywords: Irrational Numbers; Meaning Camp; discrete/continuous; exact/approximate; finite/infinite.

  • RESUMEN

    POMMER, W. M. La Construccin de los Significados de los Nmeros Irracionales em la escuela bsica: Una propuesta de abordagem envolvendo los ejos constituintes de los Nmeros Reales. 2012. 235 f. Tese (Doutorado). Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo.

    Teniendo como fuente primaria los libros brasileos de enseanza de las matematicas, el saber que se ensea tiene una presentacin polarizado en el vis pragmtico o terico, al qu si sigue un estndar temtico que favorece el desarrollo de los aspectos operativos expuesto en contextos exactos, finitos y determinsticos. En particular, estas caractersticas se acentan en el momento de la introduccin de los nmeros irracionales en la educacin primaria y secundaria, lo que conduce a un enfoque ms restrictivo. Para sobrepasar esta situacin, Bruner (1987) seala que no debemos posponer la enseanza de temas esenciales sobre la base de la creencia de que son demasiado difciles, porque las ideas fundamentales de cualquier tema se puede ensear en la escolaridad bsica, pero exige un esfuerzo de trabajo para ms all de aspectos tcnicos, lo que significa la recuperacin de los rasgos de la comprensin. En este trabajo, tenemos por hiptesis que los pares discreto/continuo, exacto/aproximado, finito/infinito, regalos en la anlisis de la evolucin del epistemolgica de los nmeros reales, descrita en Machado (2009), si constituyen en los pilares conceptuales esenciales para basar un panorama favorable a un importante enfoque del tema de los nmeros irracionales, para componer una amalgama entre los aspectos tcnico y semntico. En vista de la necesaria discusin, en nivel de la educacin, en torno a este tema, inicialmente se estableci un marco de investigacin sobre la base de un estudio cualitativo, guiado por la pregunta. Cmo se abordan los nmeros irracionales en la educacin bsica, teniendo en cuenta el libro de texto como una fuente?, con el fin de asignar la presentacin de este tema en la Educacin Primaria y Secundaria. El referencia metodolgico est inspirado en los ncleos del significados, como se ha descrito en Aguiar&Ozella (2006), que busc captar los significados que constituyen el contenido del discurso expresado en los textos de los libros didcticos. El camino de los ncleos de significados confirm que en los libros didcticos examinados, la introduccin de los nmeros irracionales se produce de una manera polarizada: algunos optan por un sesgo emprico y otros hicieron uso de la definicin formal. Se encontr que, despus de la presentacin inicial, no hay intercambio de estas opciones, lo que provoca un rpido agotamiento de las herramientas para desarrollar los temas, factor que limita la comprensin de la complejidad de los nmeros irracionales en la educacin bsica. De las hiptesis y de la investigacin emprica, nos dispusimos a delinear los regalos de las contribuciones en el movimiento dialtico entre los pares discreto/continuo, exacto/aproximado, finito/infinito, cuyas mutuas conexiones impregnan un espacio de significados, un campo que hace posible organizar, tejer y extender la red de significados, seal en Machado (1995), a favor de un marco para una mejor comprensin de la apresentacin de los nmeros irracionales. El enfoque epistemolgico realizado revel una multiplicidad de relaciones que implican los nmeros irracionales y diversos temas del currculo de las matemticas, pero no est bien caracterizado y explotado en la escuela bsica, que sirvi como tema para la presentacin de algunas situaciones de enseanza para ilustrar a guisa de las contribuciones que se sugieren. Creemos que el enfoque epistemolgico permeado hace posible una apertura para extender la proposicin de los significados en relacin con otros temas presentes en matemticas elementales, teniendo en vista la actual potencialidad y capacidad de los ejes discreto/continuo, exacto/aproximado, finito/infinito, como en par determinista/aleatorio.

    Palabras-clave: Nmeros Irracionales; Espacio de los significados; continuo/discreto, finito/infinito; exacto/aproximado.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Representaes do dilogo entre Scrates e um escravo [Fonte: Bekken (1994)] ..... p. 19

    Figura 2 - Relao entre o lado do quadrado e a diagonal .......................................................... p. 21

    Figura 3 - Grfico da funo y = x2 [Fonte: Coleo A] ............................................................... p. 52

    Figura 4- Problema da viga [Fonte: Coleo A] ............................................................................ p. 54

    Figura 5 - A reta real e os nmeros inteiros [Fonte: Coleo A] .................................................. p. 56

    Figura 6 - A reta real e os nmeros racionais (I) [Fonte: Coleo A] .......................................... p. 56

    Figura 7 - A reta real e os nmeros racionais (II) [Fonte: Coleo A] ........................................ p. 56

    Figura 8 - A reta real e os nmeros irracionais [Fonte: Coleo A] ............................................. p. 56

    Figura 9 - Problema da diagonal do quadrado [Fonte: Coleo A] .............................................. p. 57

    Figura 10 - Problema da espiral [Fonte: Coleo A] ........................................................................ p. 57

    Figura 11a- Quadrado ABCD [Fonte: Coleo B] ............................................................................. p. 59

    Figura 11b- Quadrado HEFG [Fonte: Coleo B] ............................................................................. p. 59

    Figura 12 - Representao de ,2 na reta real [Fonte: Coleo B] ................................................ p. 60

    Figura 13 - Quadrado de lado unitrio [Fonte: Coleo C] ............................................................. p. 61

    Figura 14 - Inscrio e circunscrio de um quadrado [Fonte: Coleo A] .................................. p. 69

    Figura 15 - Construo do octgono regular inscrito, a partir do quadrado [Fonte: Coleo A]... p. 70

    Figura 16 - Obteno do segmento ureo AF [Fonte: Coleo C] .................................................. p. 73

    Figura 17 - Obteno do retngulo ureo ABEF [Fonte: Coleo C] ............................................ p. 73

    Figura 18 - O tapete de Sierpinski [Fonte: Coleo B] .................................................................... p. 80

    Figura 19 - Quantos racionais existem entre 1 e 2? [Fonte: Coleo C] ....................................... p. 81

    Figura 20 - Grficos das exponenciais y = (1/2)n e y = - (1/2)n [Fonte: Coleo C] ....................... p. 81

    Figura 21 - O tapete de Sierpinski [Fonte: Coleo C] .................................................................... p. 83

    Figura 22 - Os flocos de neve de Kock [Fonte: Coleo C] ............................................................ p. 83

    Figura 23 - Exemplo de operao de contagem .............................................................................. p. 111

    Figura 24a- Relao biunvoca [Fonte: Caraa (1970)] ..................................................................... p. 111

    Figura 24b- Prevalncia [Fonte: Caraa (1970)] ................................................................................. p. 111

    Figura 25 - Representao de segmentos comensurveis ............................................................. p. 115

  • Figura 26 - Representao geomtrica da P.G. (1;1/2;1/4; 1/8;....) ............................................. p. 124

    Figura 27 - O processo da dicotomia ............................................................................................... p. 126

    Figura 28 - Correspondncia biunvoca proposta por Galileu ...................................................... p. 128

    Figura 29 - Correspondncia biunvoca y = 2x .............................................................................. p. 130

    Figura 30 - Correspondncia biunvoca y = 2x+1 .......................................................................... p. 131

    Figura 31 - Dispositivo da Prova da Diagonal de Cantor ............................................................. p. 131

    Figura 32 - Visualizao de um nmero irracional no segmento orientado AP ........................ p. 133

    Figura 33 - Eixo real e um ponto genrico P ................................................................................. p. 134

    Figura 34 - Corte produzido pelo ponto P e constitudo pelas duas classes (A) e (B) ............. p. 135

    Figura 35 - Representao geomtrica da conjectura de Pedro ................................................... p. 153

    Figura 36 - Ilustrao do processo de Ptolomeu, para a aproximao de polgonos inscritos a circunferncia .............................................................................................................. p. 156

    Figura 37 - Corda genrica (cdr ), correspondente ao ngulo central [Fonte: Aaboe (1984)] p. 156

    Figura 38a- Representao geomtrica da corda que correspondente ao ngulo central de 90 .... p. 158

    Figura 38b- Corda correspondente ao ngulo central de 36 e 72 [Fonte: Aaboe (1984)] ............ p. 158

    Figura 39 - Ilustrao do processo de inscrio de polgonos de Arquimedes .......................... p. 160

    Figura 40 - Visualizao da sequncia de Leibniz [Fonte; Amaral (2005)] .................................. p. 166

    Figura 41 - O processo de interpolao linear ................................................................................ p. 171

    Figura 42 - O nmero de Euler e a hiprbole eqiltera ............................................................... p. 179

    Figura 43a- Diviso de segmento em duas partes iguais ............................................................... p. 180

    Figura 43b- Diviso de segmento em trs partes iguais ................................................................. p. 180

    Figura 44 - Diviso de segmento em duas proporcionais ............................................................. p. 181

    Figura 45a- Retngulo ureo ABEF e CEDF .................................................................................. p. 183

    Figura 45b- Retngulo ureo CEDF e DEGH ................................................................................. p. 183

    Figura 46 - Esquema de construo dos infinitos retngulos ureos ........................................... p. 184

    Figura 47 - As quatro posies relativas cannicas dos planetas Terra e Marte [Fonte: Varella (2006)] ...................................................................................................... p. 198

    Figura 48 - Oposio entre dois planetas A e B [Fonte: Oliveira Filho; Saraiva (2003)] .............. p. 199

    Figura 49 - Perilios recentes da rbita de Marte em relao Terra. [Fonte: Varella (2006)] ...... p. 199

    Figura 50 - Espao de Significaes, segundo Flanagan (2007) ................................................. p. 223

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Percurso dos ncleos de significao para a anlise de temas presentes no livro didtico ......................................................................................................................... p. 51

    Quadro 2 - A introduo conceitual nas colees analisadas ...................................................... p. 63

    Quadro 3 - O uso de linguagens nas colees analisadas ............................................................. p. 63

    Quadro 4 - O uso meios didticos nas colees analisadas .......................................................... p. 64

    Quadro 5 - A articulao entre as diversas linguagens nos livros de Ensino Fundamental II p. 65

    Quadro 6 - O uso da histria da Matemtica como recurso didtico .......................................... p. 65

    Quadro 7 - O uso de meios didticos para acessar o nmero PI .................................................. p. 76

    Quadro 8 - A abordagem introdutria para o nmero de ouro .................................................... p. 78

    Quadro 9 - A introduo conceitual do infinito ............................................................................. p. 85

    Quadro 10 - O uso de linguagens variadas nas colees analisadas ............................................. p. 86

    Quadro 11 - Exemplo de correspondncia unvoca ......................................................................... p. 111

    Quadro 12 - Valor de PI obtido indiretamente do Chui-Chang Suan-Shu ................................... p. 152

    Quadro 13 - Valor aproximado de PI e comparao percentual .................................................... p. 154

    Quadro 14 - Valores aproximados de PI pelo mtodo de Ptolomeu ............................................. p. 158

    Quadro 15 - Permetro do hexgono inscrito e circunscrito a uma circunferncia de raio ... p. 161

    Quadro 16 - Erro apontado por planilha eletrnica [Fonte: Augusto (2009)] ................................. p. 177

    Quadro 17 - Diviso do segmento geomtrico contnuo AB em um nmero discreto de partes ................................................................................................................................. p. 181

    Quadro 18 - Representao da medida x que divide o segmento AB na proporo urea .... p. 183

    Quadro 19 - Algoritmo de Euclides ................................................................................................... p. 190

    Quadro 20 - Relao de convergentes para o problema das engrenagens .................................... p. 197

    Quadro 21 - Valores relativos s posies do perilio de Marte em relao Terra ................. p. 200

    Quadro 22 - Algumas relaes (reduzidas) entre as oposies Marte/Terra [Fonte: Varrela (2006)] .................................................................................................. p. 201

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Aproximao para um intervalo de inteiros [Fonte: Coleo B] .................................. p. 59

    Tabela 2 - Clculo da raiz quadrada de 6 ......................................................................................... p. 118

    Tabela 3 - Processo para verificar a opo do papiro de Rhind como valores otimizadores... p. 155

    Tabela 4 - Parte de uma tabela de cordas, correspondente a determinado ngulo central [Fonte: Aaboe (1984)] ......................................................................................................... p. 157

    Tabela 5 - Resultados dos permetros dos polgonos inscritos e circunscritos a uma circunferncia .................................................................................................................... p. 161

    Tabela 6 - Representao da soma dos n primeiros termos da sequncia de Leibniz .............. p. 165

    Tabela 7 - Sequncia de valores de PI utilizando Wallis .............................................................. p. 167

    Tabela 8 - Sequncia de valores de PI utilizando Euler ................................................................ p. 168

    Tabela 9 - Clculo do agiota, para a aplicao de 1 dinar, a 100% a.a., com correo trimestral p. 172

    Tabela 10 - Clculo do agiota, para a aplicao de 1 dinar, a 100% a.a., com correo mensal ..... p. 173

    Tabela 11 - Algumas potncias inteiras de 2 ..................................................................................... p. 175

    Tabela 12 - Srie de valores que compe a srie de aproximaes do nmero de ouro ............. p. 186

    Tabela 13 - Sequncia de valores aproximados do nmero de ouro ............................................. p. 187

    Tabela 14 - Os termos do processo da diviso .................................................................................. p. 188

    Tabela 15 - Algoritmo da diviso de dois nmeros inteiros ........................................................... p. 189

    Tabela 16 - Sucesso de convergentes do algoritmo da diviso .................................................... p. 190

    Tabela 17 - Sucesso de convergentes de PI ..................................................................................... p. 193

  • LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 - Espao de significaes dos nmeros irracionais ........................................................... p. 141

    Mapa 2 - As mltiplas redes de conexes entre os nmeros irracionais e os eixos constituintes dos nmeros reais ......................................................................................... p. 143

    Mapa 3 - Percurso dos ncleos de significao atravs do Espao de Significaes dos Nmeros Irracionais............................................................................................................. p. 144

    Mapa 4 - As fraes contnuas como tema articulador no Espao de Significaes dos Nmeros Irracionais ............................................................................................................ p. 194

  • SUMRIO

    APRESENTAO 15

    A Pesquisa sobre os nmeros irracionais ...............................................................

    Os objetivos e as questes da pesquisa ..................................................................

    16

    34

    CAPTULO I: Os Nmeros Irracionais e o Livro Didtico 36

    As escolhas iniciais para a investigao nos livros didticos ............................... 41

    O referencial de anlise dos Livros Didticos: os ncleos de significao .......

    A descrio dos temas selecionados nos livros didticos e a anlise dos resultados de busca ...............................................................................................

    45

    51

    Tema A: O surgimento das razes ensimas irracionais ...................................... 52

    Coleo A ............................................................................................. 52

    Coleo B .............................................................................................. 58

    Coleo C .............................................................................................. 60

    Coleo D .............................................................................................. 62

    Coleo Extra ......................................................................................... 62

    Anlise e Sntese do Tema A .................................................................... 63

    Tema B: O nmero PI, o nmero de Euler e o nmero de Ouro ......................... 69

    Coleo A ............................................................................................. 69

    Coleo B .............................................................................................. 71

    Coleo C .............................................................................................. 71

    Coleo D .............................................................................................. 74

    Coleo Extra ......................................................................................... 74

    Anlise e Sntese do Tema B .................................................................... 76

    Tema C: Aspectos essenciais do conhecimento matemtico relacionados aos nmeros irracionais ...................................................................... 79

    Coleo A .............................................................................................. 79

    Coleo B ............................................................................................... 80

    Coleo C ............................................................................................... 80

    Coleo D ............................................................................................... 83

    Coleo Extra ......................................................................................... 84

    Anlise e Sntese do Tema C ..................................................................... 85

    Anlise comparativa entre as temticas ................................................................ 87

  • CAPTULO II: As contribuies tericas para a construo do significado dos Nmeros Irracionais no ciclo bsico 92

    A importncia, as acepes e os caminhos para significar os nmeros irracionais ................................................................................................................ 94

    O enfoque atravs da Histria da Matemtica .........................................................

    O eixo Discreto/Contnuo como ao fundadora ....................................................

    O exato e o aproximado: Uma interao entre os Nmeros Racionais e os Nmeros Irracionais ................................................................................................

    O eixo finito/infinito ................................................................................................

    A construo dos Nmeros Reais ...........................................................................

    Os Eixos Constitutivos dos Nmeros Reais e a construo de significado dos nmeros irracionais ...........................................................................................

    104

    108

    117

    122

    132

    138

    CAPTULO III: Explorando os Eixos Constitutivos dos Nmeros Reais: Algumas Propostas de Situaes de ensino. 148

    O nmero ..............................................................................................................

    O nmero de Euler ..................................................................................................

    O nmero de ouro ....................................................................................................

    150

    170 180

    Fraes Contnuas: Um enfoque complementar e articulador dos nmeros

    irracionais ................................................................................................................

    Duas situaes envolvendo as Fraes Contnuas e a questo das aproximaes ..

    187

    195

    CONSIDERAES FINAIS/ EXPECTATIVAS FUTURAS ................................ 203

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 227

  • APRESENTAO

    A Pesquisa sobre os nmeros irracionais

  • 16

    APRESENTAO: A Pesquisa sobre os nmeros irracionais

    Plato considerava que nenhuma arte e nenhum conhecimento podem prescindir

    da cincia dos nmeros. A Aritmtica um campo primordial no desenvolvimento da

    Matemtica e presente h muito tempo nas escolas. Os nmeros, o tema central da

    Aritmtica, representam uma ideia fundamental da Matemtica, ocupando histrica e

    logicamente uma posio privilegiada e essencial para o desenvolvimento da prpria

    Matemtica e das diversas Cincias.

    No ensino atual de matemtica, usual a apresentao dos nmeros como

    elementos oriundos do registro pictrico, que evoluram para os algarismos e formaram

    os sistemas posicionais, originando assim processos de contagem e medida de natureza

    pragmtica1, regidos por certas leis de combinao, se comportando de maneira

    prdeterminada e previsvel em processos operatrios prprios desta disciplina. Estas

    caractersticas podem ser sintetizadas numa concepo funcional:

    [...] onde o clculo tudo. [...] Desapareceram irremissivelmente todas aquelas particularidades, aquele carter multicolorido, que os nmeros apresentavam aos olhos dos gregos, para quem tinham mesmo um significado fsico e uma personalidade (KARLSON, 1961, p. 45).

    O movimento do ensino direcionado aos aspectos operatrios, exatos,

    determinsticos e finitos consiste numa tendncia que encobre aspectos importantes e

    significativos envolvendo os nmeros. Em particular, para compreender o contexto

    relacionado aos nmeros irracionais, foco desta pesquisa, no ciclo bsico, fundamental

    retomar alguns aspectos ligados noo de nmero, ocorridos ao longo do

    desenvolvimento histrico.

    O amadurecimento do conceito de nmero ocorreu ao longo dos sculos, atravs

    de indagaes e buscas provenientes de leigos, filsofos e matemticos. No caminho

    marcado pelo desenvolvimento histrico surgiram alguns conjuntos numricos de

    destaque, como os nmeros naturais2, os nmeros inteiros3, os nmeros racionais4, os

    nmeros irracionais5 e os nmeros reais.

    1 Pragmtico: Do grego pragmatiks e do latim pragmaticu, um adjetivo relativo aos atos suscetveis a aes e aplicaes prticas, segundo Aurlio (2003). 2 O conjunto dos nmeros naturais representado por N = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, ....}. 3 O conjunto dos nmeros inteiros representado por Z = {..., -4, -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, ....}.

    4 O conjunto dos nmeros racionais tem representantes na forma a/b, onde a e b so inteiros e b 0, ou, de modo equivalente, so nmeros na forma decimal exata ou dzima peridica. 5 Os nmeros irracionais so usualmente apresentados como a coleo de todos os nmeros reais que no so racionais. Esta definio circular, por excluso ou negao, embora correta, inibe a explorao de algumas relaes essenciais entre os nmeros racionais e os irracionais, no ensino bsico.

  • 17

    O surgimento destes conjuntos numricos6 no foi linearmente construdo ao

    longo do percurso scio-histrico-cultural. O desenrolar do conhecimento matemtico

    revela imbricaes ou conexes entre estes conjuntos numricos, originadas e

    orientadas ora pelas atividades de subsistncia do ser humano, ora pelas atividades de

    natureza intelectual, presente em civilizaes, como o antigo povo grego.

    No ensino, estes conjuntos so apresentados numa sequncia que, em alguns

    momentos, difere da ordem cronolgica do surgimento e do percurso ocorrido no

    movimento histrico de desenvolvimento deste campo de conhecimento7.

    Para localizar o movimento de construo e reconstruo dos conceitos numricos

    ao longo do processo histrico, optamos por expor uma panormica, perpassando o

    conhecimento matemtico envolvendo os nmeros reais. Esta opo tem como

    finalidade reconstituir o percurso e pontuar a problemtica dos nmeros irracionais,

    como campo de saber a ser ensinado, na escolaridade bsica. Este encaminhamento

    possibilita compor um painel em relao ao atual ensino deste tema, situando as

    consequncias advindas das escolhas constitudas ao longo do tempo e, assim, propor

    um referencial alternativo norteador de situaes de ensino, no ciclo bsico.

    Como quadro inicial retomamos os primrdios da histria do homem, no perodo

    paleoltico8, onde as pinturas nas cavernas se destacaram, revelando uma boa percepo

    do mundo bidimensional dos objetos geomtricos como representao do espao

    tridimensional. Em tal perodo no houve aluso aos aspectos numricos.

    Foi somente na transio do paleoltico (da caa e pesca) para o neoltico (idade da

    pedra polida), marcada pelo surgimento da agricultura e o pastoreio, h cerca de 10.000

    anos atrs, que surgiram as primeiras manifestaes dos nmeros, de carter qualitativo,

    caracterizada pela distino de um, dois, trs e muitos9.

    No referido percurso surgiram linguagens menos rudimentares e o

    desenvolvimento de termos numricos simples, uma das ideias mais abstratas que o

    pensamento humano foi capaz de conceber.

    Desde o seu aparecimento na terra, o homem tem recorrido Matemtica: calculava, contava e media, mesmo no perodo em que seu esprito no tinha conscincia de si mesmo e quando ainda sobre tais assuntos no existiam conceitos e convenes (KARLSON, 1961, p. 3).

    6 O ensino de Matemtica Elementar tambm aborda os nmeros complexos, assunto importante, mas que no escopo deste texto. 7 Neste texto utilizamos conhecimento como sinnimo de saber. 8 Idade da pedra lascada, termo proveniente da fuso do grego paleo (antigo) e lithos (pedra). 9 Ifrah (1989) destaca que trs se associa a ideia de muitos, como, no francs trois (trs) e trs (muito).

  • 18

    Em relao histria da Matemtica, Caraa (1970) aponta que os aspectos

    envolvendo as aes de contar e medir formaram a base dos conhecimentos envolvendo

    os nmeros. Estes emergiram em decorrncia do desenvolvimento econmico e cultural

    dos povos antigos, em situaes pragmticas ligadas s atividades de subsistncia do ser

    humano como a agricultura, a criao de animais e a diviso das terras. Posteriormente,

    o aprimoramento das atividades de natureza monetria, tributria e mercantil incentivou

    o desenvolvimento de clculos operatrios e a evoluo na simbolizao dos nmeros.

    Uma referncia de destaque na evoluo do campo numrico se encontra no antigo

    Egito, onde eram arrendadas terras aos nobres, o que provocou a necessidade da

    medio para remarcar os limites das propriedades, devido s enchentes peridicas do

    Rio Nilo. Os padres de medidas oportunizam o fato de que raro a unidade:

    [...] caber um nmero inteiro de vezes na grandeza a medir. Os medidores de ento reconheceram que o instrumento numrico conhecido os nmeros inteiros era insuficiente para exprimir as medidas o mais aproximado possvel do real. [Ento] foi foroso subdividir a unidade num certo nmero de partes iguais. Tem-se a o surgimento das fraes da unidade. [...] Para suprir a impossibilidade dos nmeros inteiros ante a medida, cria-se um novo instrumento numrico (LIMA, 1986, p. 82).

    Os nmeros racionais foram introduzidos por necessidades prticas, como no caso

    citado em relao criao de sistemas de leis para controlar e fiscalizar propriedades.

    De modo geral, o campo dos nmeros racionais emergiu nas antigas grandes

    civilizaes, como no caso do povo egpcio e mesopotmio, num vis utilitrio, tendo

    como contexto o conhecimento emprico10.

    Diferentemente dos diversos povos antigos, que utilizavam os nmeros como

    ferramenta envolvendo clculos, os gregos concebiam os nmeros inteiros como

    entidades abstratas e tericas11, com propriedades merecedoras de um estudo para muito

    alm do pragmtico.

    Um caracterstico representante desta poca foi Pitgoras, fundador da seita onde

    todas as coisas podiam ser associadas aos nmeros. A escola pitagrica acentuou um

    significado mstico, considerando os nmeros naturais (exceto o zero e o um) como

    originrios dos deuses e imersos numa relao de direcionamento de todos os objetos.

    O conhecido lema tudo nmero expressa para os pitagricos a restrio e a

    associao de nmeros somente aos inteiros ou a uma relao entre nmeros inteiros. 10 Emprico: Do latim empiricu e do grego empeiriks, um adjetivo relativo a situaes vivenciadas apenas na experincia ou relativo ao conhecimento oriundo da observao da realidade. 11 Terico: adjetivo relativo teoria, termo que provm do grego theora, denotando a ao de contemplar, examinar, estudar ou depurar, de modo a compor conhecimento especulativo, meramente racional, em sentido oposto ao conhecimento emprico, oriundo da observao da realidade.

  • 19

    Uma situao de fundamental importncia para a compreenso dos nmeros

    irracionais surgiu no estudo da relao entre a diagonal e o lado do quadrado, no sculo

    V a.C., momento que os pitagricos perceberam que estes segmentos no eram

    comensurveis. Dois segmentos so ditos incomensurveis se a razo entre estes no

    puder ser expressa como uma razo de nmeros inteiros (com denominador no nulo).

    O problema da incomensurabilidade entre a diagonal e o lado do quadrado no

    sintonizava com a concepo filosfica grega, onde todo nmero inteiro ou

    composto de uma relao simples entre inteiros. Para tal povo esta situao era indizvel

    ou indenominvel, ou seja, impossvel de ser expressa com palavras e tambm

    inimaginvel, pois no podia ser representada numa razo de nmeros inteiros, uma

    premissa essencial para os pitagricos. Este episdio representou um momento que,

    bem posteriormente, foi denominado A Crise dos Incomensurveis.

    Gonalves e Possani (2010) consideram a hiptese de que os antigos gregos

    lidavam com razovel naturalidade para a questo da relao entre a medida da diagonal

    e o lado do quadrado. Os autores apontam evidncias, tomando como suporte fontes

    histricas, ponderando que a atual denominao Crise dos Incomensurveis se situa

    mais como [...] uma criao historiogrfica do que como um relato fidedigno

    (GONALVES; POSSANI, 2010, p. 21), relativizando a descoberta da

    incomensurabilidade como um fator de crise para tal povo.

    Independentemente desta questo12, os pitagricos contornaram o impasse gerado

    por esta situao com uma soluo que veio constituir-se como caracterstica tpica da

    cultura matemtica grega da poca: a relao entre a diagonal e o lado do quadrado no

    deveria ser expressa por um nmero, mas por meio de elementos geomtricos.

    Uma referncia a esta concepo cultural grega se encontra em Bekken (1994),

    que retrata um trecho dos Dilogos, de Plato, onde Scrates desenhou um quadrado de

    dois ps de lado (ver figura 1a) e pede ao escravo de Menon que lhe mostre um

    quadrado com o dobro da rea.

    Figura 1a Figura 1b Figura 1c Figura 1d

    Figura 1: Representaes do dilogo entre Scrates e um escravo [Fonte: Bekken (1994, p. 34-35)].

    12 A abordagem dos autores, no citado artigo, pode se constituir em aporte didtico para ilustrar e desenvolver conceitos em cursos de licenciatura de Matemtica, e, eventualmente, em alguns nveis mais avanados de desenvolvimento de conhecimento dos nmeros irracionais no Ensino Mdio.

  • 20

    No relato de Plato, o escravo argumentava que o quadrado deveria ter lado quatro

    ps e Scrates desenhou esta resposta (figura 1b), o que revelaria que a rea

    quadruplicaria. Ao perceber que a rea tinha aumentado mais do que o solicitado, o

    escravo corrigiu a resposta, argumentando que o quadrado deveria ter lado trs ps

    (figura 1c), o que ainda no resolvia a questo. Diante do impasse do escravo, Scrates

    desenhou a soluo do problema (figura 1d).

    A narrativa de Scrates, presente nos dilogos de Plato, ilustra a cultura tpica

    dos gregos clssicos. Ao ser traada a diagonal, o tringulo ADO resultante, retngulo e

    issceles, possui metade da rea do quadrado original. A construo proposta

    composta de quatro tringulos retngulos e issceles, equivalentes entre si. Ento, a rea

    do quadrado equivalente ao qudruplo do tringulo ADO, ou seja:

    .*2*2

    1*4*4 originalquadradodoreaAEODreaADOreaABCDrea ===

    Pode-se interpretar que a Crise dos incomensurveis propiciou uma alternativa, a

    moda grega, de articulao entre a Aritmtica e a Geometria, representando a superao

    inicial, no mbito histrico, de uma tenso presente na percepo da existncia dos

    segmentos incomensurveis pelos pitagricos.

    Bekken (1994) argumenta que esta soluo geomtrica encaminhada no dilogo

    entre Scrates e o escravo de Menon, descrita em Plato, modernamente representa a

    soluo da equao algbrica x2 = 2. E se o foco se centrar na descoberta da medida do

    lado do quadrado, a situao recairia em um nmero irracional.

    O confinamento dos nmeros irracionais a Geometria promoveu imenso debate

    em relao questo: os antigos gregos tinham a noo dos irracionais como nmeros?

    Diante desta polmica, Schubring (2005) pontua como negativa a resposta por grande

    parte dos matemticos e historiadores atuais, posio que adotamos neste texto.

    A crena nos nmeros inteiros impeliu os gregos a ocultar os nmeros irracionais.

    Este tipo de abordagem da cultura matemtica grega gerou o conceito de nmero:

    [...] ligado Geometria. Somente os nmeros inteiros eram considerados nmeros, enquanto que os outros nmeros eram considerados reas; particularmente as fraes eram tidas como quantidades; e Euclides entendeu que at os nmeros inteiros eram concebidos geometricamente, como segmentos de reta. Naquele tempo a Aritmtica grega fazia parte da Geometria13 (SCHUBRING, 2005, p. 17, traduo nossa).

    13 [] tied to geometry. Only the integers were understood as numbers (arijm) at all, while other number areas; in particular fractions, were understood to be quantities; and Euclid understood even the integers geometrically, as segments of straight lines. Arithmetic, at that time, formed an integral part of geometry.

  • 21

    Ao se depararem com a existncia dos irracionais, os pitagricos lhes atriburam

    uma representao atravs da Geometria, contemplando em termos filosficos os

    segmentos incomensurveis como uma imagem concreta de algo inimaginvel. Assim:

    [...] todo nmero podia ser expresso por um comprimento, mas existiam comprimentos que no correspondiam a nenhum nmero. [...] Jamais o [nmero] irracional teve na Grcia o valor de um nmero, e os gregos no possuam smbolo para esta espcie de grandeza (KARLSON, 1961, p. 104).

    Posteriormente, aps muitos sculos, a relao entre a diagonal e o lado de um

    quadrado foi representada pelo smbolo 2 , conforme se observa na figura 2.

    2AD

    AC =

    Figura 2: Relao entre a diagonal e o lado do quadrado.

    Desde o surgimento da denominada Crise dos Incomensurveis, por muitos

    sculos os nmeros irracionais permaneceram marginalizados e incompreendidos na

    Matemtica. No entanto, [...] h um consenso que at o sculo dezoito no houve um

    esforo matemtico para conceituar de modo satisfatrio os nmeros reais

    (SCHUBRING, 2005, p. 16).

    O tratamento, regulao e sistematizao do conjunto dos nmeros reais e, por

    consequncia, os nmeros irracionais no campo do saber matemtico se consolidou h

    pouco mais de 100 anos. Porm, o mesmo no ocorreu no campo do ensino bsico da

    Matemtica, o que demanda alguns esclarecimentos sobre o tema.

    O saber, elemento mediador do processo de ensino e aprendizagem14, passvel

    de ser repensado em nvel escolar. O conhecimento matemtico dos nmeros

    irracionais, adquirido atravs do movimento histrico e sistematizado pela comunidade

    de matemticos, sofreu uma transposio didtica15 para ser ensinado em sala de aula.

    Alm do conhecimento em si, para se efetivar esta tarefa so necessrios referenciais

    que permitam orientar e fundamentar o modo como pode ocorrer tal tratamento.

    14 A interao no sistema de ensino ocorre segundo o sistema didtico stricto sensu, que comporta trs elementos - o aluno, o professor e o saber - partes constitutivas de uma relao dinmica e complexa - a relao didtica - que leva em considerao as interaes entre professor e alunos (elementos humanos), mediadas pelo saber, elemento no-humano que fundamental para a forma como as relaes no sistema didtico se estabelece, conforme sintetizam Chevallard; Bosch; Gascn (2001). 15

    Segundo Chevallard, Bosch e Gascn (2001), transposio didtica o conjunto das transformaes que sofre um saber cientfico, para se constituir em objeto de ensino compreensvel ao aprendiz.

  • 22

    Leviathan (2004) nos relembra que os nmeros inteiros e racionais so estudados

    cuidadosamente na escola bsica. No Ensino Fundamental II, os nmeros racionais

    usualmente so apresentados como uma relao entre nmeros inteiros ou expressos na

    forma de um nmero decimal exato ou por um nmero decimal na forma peridica

    (dzima peridica).

    usual, nos livros didticos do ensino bsico, a introduo dos nmeros

    irracionais por meio de trs caracterizaes bsicas, que so:

    (a) Um nmero irracional se no puder ser escrito na forma a/b com a,b Z e b no-nulo [ou] Irracional o nmero que no pode ser escrito na forma de frao; (b) Irracional o nmero cuja representao decimal infinita e no-peridica [ou] Todo nmero escrito na forma de um decimal infinito no-peridico um nmero irracional; (c) Os nmeros irracionais positivos representam medidas de segmentos que so incomensurveis com a unidade (RIPOLL, 2001, p. 1).

    A anlise de livros didticos presente em Santos, J. (2007) e Silva (2011b) indicou

    que, quando o assunto abordado, a apresentao dos nmeros irracionais geralmente

    enfoca situaes pragmticas, envolvendo a aproximao de resultados expressos

    atravs de calculadora.

    Em caminho oposto, as autoras observam que certos manuais preferem a

    apresentao terica, ora expondo um nmero irracional como sendo uma dzima no

    peridica, ora definindo como nmeros irracionais os que no podem ser expressos por

    meio de uma razo entre nmeros inteiros.

    usual a crena que os caminhos para a introduo dos nmeros irracionais no

    ensino bsico pressupem a necessidade de uma [...] completa compreenso dos

    nmeros racionais pelos alunos16 (VOSKOGLOU;KOSYVAS, 2011, p. 129, traduo

    nossa). Ponderamos que essa observao dos referidos autores refora uma posio

    simplista e incompleta da problemtica, pois implicitamente incorpora uma

    desnecessria concepo negativa, colocando os nmeros irracionais como os

    nmeros no-racionais, um ponto de vista insuficiente para caracterizar este tema.

    Uma dificuldade para a compreenso dos nmeros irracionais est relacionada ao

    modo como o ensino realiza a transposio didtica do tema dos nmeros reais, exposto

    como a unio de dois conjuntos disjuntos: os nmeros racionais e os nmeros

    irracionais ( = Q Irracionais). Porm, muitas vezes, logo em seguida, os nmeros

    irracionais so apresentados como os nmeros reais que no so racionais. Esse o

    quadro da circularidade: quem so os nmeros reais? Quem so os nmeros irracionais?

    16 [] a complete understanding of rational numbers by students.

  • 23

    Rezende, W. (2003) destaca que esta apresentao circular envolvendo os nmeros

    irracionais e os nmeros reais representa uma simplificao, limitando o entendimento e

    no esclarecendo a importncia do campo numrico dos irracionais e, consequentemente,

    dos nmeros reais, ao ensino da Matemtica.

    O ensino dos nmeros irracionais ainda se encontra imerso em um mistrio

    profundo, expresso de Palis (2005) que nos relembra a necessidade de maiores estudos

    envolvendo tal tema. A ampliao do sistema dos nmeros racionais para o sistema dos

    nmeros reais inicialmente abordado no 8 ou 9 ano do Ensino Fundamental. A

    introduo e tratamento dos nmeros irracionais requerem [...] um trabalho

    investigativo que abrange uma reflexo sobre como ensinar e como ensinar a ensinar

    nmeros reais, uma das ideias fundamentais da matemtica (PALIS, 2005, p. 5).

    A etapa de transio dos nmeros racionais para os nmeros reais no pode

    ocorrer sem a apresentao dos nmeros irracionais. Neste sentido, como seria:

    [...] possvel passar do sistema dos nmeros racionais para o conjunto dos nmeros reais sem descrever o conjunto dos nmeros irracionais? Os nmeros irracionais so parte de um sistema e ficam incompletos sem a conceituao dos nmeros reais. Renegar os nmeros irracionais suficiente para derrubar todo o sistema. Isto o que acontece hoje em dia17 (FISCHBEIN; JEHIAM; COHEN, 1995, p. 30, traduo nossa).

    Em relao s apresentaes usuais presentes nos manuais didticos, outra situao

    problemtica em relao aos nmeros irracionais que tais colees geralmente:

    [...] pressupem a existncia de outros nmeros alm do universo trabalhado at o momento pelos alunos (a saber, o de nmeros racionais) - o que j , no mnimo, incoerente, quando o que se quer ampliar o conjunto dos nmeros; fica pressuposta tambm a capacidade de um manejo com tais nmeros que os permitam saber decidir se eles podem ou no ser escritos na forma de frao (RIPOLL, 2001, p. 1).

    A autora destaca problemas com a abordagem circular envolvendo os nmeros

    irracionais e os reais quando ao aluno so apresentados outros nmeros. Na pesquisa

    realizada no 9 ano do Ensino Fundamental, Ripoll (2001) destaca que alguns alunos

    erroneamente afirmam que 1 um nmero irracional, pois no pode ser escrito na

    forma de frao.

    Em situaes que envolvam os nmeros complexos, no Ensino Mdio, podem

    ocorrer problemas. Por exemplo, os [...] nmeros imaginrios no podem ser escritos

    na forma de frao, e nem por isso so irracionais (RIPOLL, 2001, p.1).

    17 [] possible to pass from the rational numbers to the set of real numbers without describing the set of irrational numbers? The irrational numbers are a part of the system and without them the concept of real numbers is incomplete. It suffices to neglect the irrational numbers and the whole system falls apart. This is what happens today.

  • 24

    Vale relembrar que os nmeros irracionais, tema desta pesquisa, representam uma

    ideia matemtica sofisticada, no trivial e pouco intuitiva, dificultando a abordagem

    deste assunto em sala de aula. Esta intrnseca caracterstica terica remete a uma

    necessria busca de recursos didticos e epistemolgicos para discutir a problemtica de

    introduzir esse campo numrico de modo significativo, no ensino bsico.

    Pouca ateno dada aos nmeros irracionais na Matemtica Elementar. A principal razo, em nossa opinio, que a matemtica da escola bsica essencialmente concebida como um conjunto de aplicao de tcnicas18 (FISCHBEIN; JEHIAM; COHEN, 1995, p. 29, traduo nossa).

    Referncias contidas nos PCN, Brasil (1998) citam que o trabalho com nmeros

    irracionais no ciclo bsico se encontra simplificado, limitando-se a apresentao de

    algumas razes ensimas irracionais, na exposio de propriedades de radicais, em

    clculos operatrios com radicais e na apresentao de .

    O mesmo documento recomenda que, no decorrer do ensino, o conhecimento deve

    ser construdo num processo em que se enfatizem os nmeros como instrumento:

    [...] eficaz para resolver problemas, e tambm como objeto de estudo em si mesmo, considerando-se, nesta dimenso, suas propriedades, suas inter-relaes e o modo como historicamente foram constitudos. Nesse processo, o aluno perceber a existncia de diversos tipos de nmeros (naturais, negativos, racionais e irracionais), bem como de seus diferentes significados, medida que deparar com situaes-problema envolvendo operaes ou medidas de grandezas, como tambm ao estudar algumas das questes que compem a histria do desenvolvimento do conhecimento matemtico (BRASIL, 1998, p. 50).

    Diante de tais sugestes e reflexes surgem alguns questionamentos sob o ponto

    de vista didtico e epistemolgico. Se os nmeros reais so pontuados como um objeto

    de estudo, em si mesmo, por que h uma tendncia de tratamento como ferramenta no

    ensino bsico, num vis de operaes muitas vezes permeadas de regras, sendo pouco

    destacados os aspectos essenciais de sua concepo, estrutura e natureza?

    Esta questo requer uma aprecivel gama de pesquisas, em virtude da importncia

    dos nmeros reais e dos nmeros irracionais para o ensino bsico. Porm, no campo

    acadmico, existem poucos trabalhos envolvendo estes temas no ciclo bsico.

    Destacamos, a seguir, os resultados apontados nas principais investigaes

    realizadas em torno da temtica dos nmeros irracionais e dos nmeros reais, de modo a

    situar as abrangncias e as contribuies com relao ao ensino bsico.

    18 Little attention is paid to the irrational numbers in school mathematics. The main reason, in our opinion, is that school mathematics is essentially conceived as an ensemble of solving techniques.

  • 25

    Pesquisadores como Fischbein; Jehian; Cohen (1995), Soares; Ferreira; Moreira

    (1999), Rezende, W. (2003), Zazkis;Sirotic (2004), Boff (2006), Sirotic;Zazkis (2007),

    Costa, L. (2009) e Silva (2011a) relatam a pouca nfase dada ao ensino dos irracionais e

    tambm os escassos estudos e pesquisas educacionais focando explicitamente a

    conceituao de nmeros irracionais no ciclo bsico, se considerarmos a inerente e

    complexa problemtica da aprendizagem do referido assunto.

    Fischbein, Jehiam e Cohen (1995), pesquisaram as dificuldades na conceituao

    dos irracionais em estudantes concluintes da educao bsica e outros iniciantes do

    curso de Licenciatura em Matemtica, em Telaviv. A pesquisa diagnosticou que a

    maioria dos estudantes apresentou concepes erradas com relao ao tema,

    descrevendo nmero irracional como sendo aquele que possui uma representao

    decimal infinita, porm peridica, ou como um nmero negativo, ou um nmero que

    no inteiro. As respostas indicaram que os alunos pesquisados geralmente no

    diferenciaram nmeros racionais de irracionais.

    Os autores tinham como hiptese que a percepo das grandezas incomensurveis

    e a propriedade de densidade19 dos nmeros reais se constituam em obstculos a

    compreenso do conceito, tal como ocorreu na histria do conhecimento matemtico.

    Os pesquisadores observaram que os resultados das pesquisas no confirmaram tal

    conjectura, permitindo aqui elencar uma questo: os resultados e obstculos da histria

    da matemtica, por si s, podem constituir base para conceber situaes de ensino, sem

    referenciais norteadores?

    Outra recomendao se faz com relao ao entendimento conceitual dos diversos

    tipos de nmeros, de modo que os autores consideram inaceitvel que o currculo de:

    [] Matemtica para o Ensino Fundamental e Mdio no provm o conhecimento necessrio em relao aos sistemas numricos. Em nossa opinio, os conceitos de nmeros naturais, racionais, irracionais e reais devem ser explicitamente e sistematicamente ensinados. Mas no estamos nos referindo somente aos conhecimentos tcnicos, definies e procedimentos operativos. Tambm consideramos que a resoluo de problemas propicia aflorar o pensamento intuitivo, sem o qual a Matemtica se torna um mero esqueleto (FISCHBEIN; JEHIAM; COHEN, 1995, p. 43, traduo nossa). 20

    19 A densidade uma propriedade raramente abordada no ensino bsico brasileiro. Segundo Caraa (1970), um conjunto numrico denso se [...] entre dois dos seus elementos quaisquer existe uma infinidade de elementos do mesmo conjunto (p. 56). 20 [] Mathematics for middle and high schools do not provide the basic knowledge of the number system. Our opinion is that the concepts of natural, rational, irrational and real numbers should be explicitly and systematically taught. But we do not refer to mere technical knowledge, definitions and solving procedures. We refer also to the problems raised by the intuitive background without which mathematics is a mere skeleton.

  • 26

    A posio de Fischbein, Jehiam e Cohen (1995, p. 37, traduo nossa) que o

    estudo dos nmeros reais requer a compreenso do papel da estrutura matemtica, pois

    [...] o entendimento exato e formal do termo nmero irracional perdido na

    totalidade da estrutura conceitual21.

    Ponderamos que este parecer no encerra a complexidade da dificuldade da

    abordagem dos nmeros irracionais na educao bsica, pois a transferncia do critrio

    matemtico (exato e formal) para o ensino tambm requer uma reflexo perante as

    possibilidades inerentes ao intrincado campo didtico, histrico e metodolgico.

    A pesquisa de Arcavi et al. (1987 apud Sirotic;Zazkis, 2007) com professores,

    relata que os entrevistados acreditavam que o conceito de irracionalidade repousa

    exclusivamente sobre a representao decimal. Alm dessa restrita concepo, os

    resultados revelaram dificuldades dos professores no reconhecimento da racionalidade

    ou irracionalidade de um nmero. Estes resultados da referida autora causam

    preocupao e nos motivam para a discusso da necessria ampliao do repertrio de

    significados com relao ao tema dos nmeros irracionais.

    Peled e Hershkovitz (1999 apud Sirotic;Zazkis, 2007) realizaram pesquisa

    envolvendo licenciandos em Matemtica. Os autores concluram que estes conheciam a

    definio formal e as caractersticas de nmeros irracionais, mas falhavam em tarefas

    que exigiam o uso com diferentes representaes, assim como em situaes envolvendo

    o valor limite de um processo.

    Considerando-se agora a pesquisa de Dias (2007), esta visou observar e

    compreender as relaes que [...] pode haver entre a formao da imagem conceitual

    de nmero real, elaborada pelo professor, e os fundamentos lgico-histricos do

    desenvolvimento conceitual dos nmeros reais que configuram as atividades de ensino

    [bsico] (p. 22).

    Adquirir um conceito, para Tall e Vinner (1981 apud Dias, 2007), formar uma

    imagem conceitual deste, que pode ser expressa por meio de representaes mentais,

    impresses, experincias e propriedades, constitudas na estrutura cognitiva do

    individuo. Para Dias (2007, p. 21), [...] necessrio um estudo que supere os limites da

    psicologia cognitiva realizada por Tall e Vinner.

    21 [] the exact, formal understanding of the term irrational number which is missing in the entire conceptual structure.

  • 27

    A autora props o desenvolvimento da reta real na perspectiva lgico-histrica,

    visando apropriao e objetivao dos conceitos tericos dos nmeros reais, sob os

    pressupostos da atividade orientadora de Moura (1996 apud Dias, 2007), que busca a

    compreenso do desenvolvimento humano organizado pelo meio scio-histrico.

    A referida pesquisa, na perspectiva Histrico-Cultural, utilizou a intertextualidade

    como meio de captar e evidenciar o movimento da imagem conceitual dos nmeros

    reais. A anlise situou que o pensamento numrico perpassa pelo discreto-denso-

    contnuo; comensurvel-incomensurvel; finito-infinito; cardinalidade-ordenao.

    A pesquisa revelou contraposies no movimento do pensamento dos professores:

    anlise/sntese; aparncia/essncia; emprico/terico; forma/contedo; intuio/deduo;

    lgico/histrico. O trabalho realizado apontou indcios sobre as dificuldades, pelos

    professores, na abordagem conceitual e didtica desse assunto. No processo de

    conscientizao do modo de produo, a autora inferiu que [...] por algumas

    manifestaes nas discusses e avaliaes, houve ao menos uma tomada de conscincia

    desse processo (DIAS, 2007, p. 243).

    As dificuldades apontadas em Dias (2007) so preocupantes, pois as atividades

    foram aplicadas a professores com certa bagagem em relao aos nmeros reais. E

    como se situariam as mesmas atividades perante alunos que desconhecem os nmeros

    reais? Ainda, os referenciais situados seriam suficientes para trabalhar os nmeros

    irracionais como saber a ser ensinado?

    Os relatos de pesquisa realizada por Pinto e Tall (1996) e por Silva e Igliori (1998)

    com alunos do Ensino Superior, assim como o trabalho de Silva e Penteado (2010) junto

    a professores universitrios, apresentaram resultados similares. Em particular, houve a

    indicao que poucos sujeitos de pesquisa conseguiram exemplificar, como nmero

    irracional, as razes ensimas irracionais ou o nmero PI.

    Voskoglou e Kosyvyas (2011) realizaram pesquisa com alunos do ciclo

    secundrio, tendo como hiptese que as dificuldades intuitivas com relao ao

    entendimento e compreenso dos nmeros irracionais estavam vinculadas s

    representaes semiticas.

    Um primeiro pressuposto dos autores foi que os alunos deveriam conhecer a

    equivalncia entre as dizimas peridicas e as fraes. O segundo quesito era que a

    definio de segmentos incomensurveis deveria ser apresentada com grande cuidado e

    austeridade, a fim de evitar a incompreenso, pelos alunos, de que a operao de

    aproximao no corresponde a um nmero irracional.

  • 28

    A referida pesquisa, ao situar a hiptese na questo da semitica, limitou a

    possibilidade de encaminhar modos alternativos para ensinar o tema dos nmeros

    irracionais. Esta concepo de Voskoglou e Kosyvyas (2011) no leva em considerao

    que a palavra e os signos devem caminhar lado a lado para significar determinado

    conhecimento, conforme prope Vygotsky (1998a,b).

    Os pressupostos citados na pesquisa se distanciam de uma perspectiva realista de

    conhecimentos dos alunos. Deste modo, questionamos a posio do autor em

    considerar, como condio imprescindvel, que o aluno deva dominar os conhecimentos

    prvios, no caso os nmeros racionais, para acessar um novo conhecimento.

    Acreditamos que possvel estabelecer relaes entre os novos conhecimentos e os

    anteriores, numa relao que permita a introduo do novo conhecimento associado

    compreenso e ampliao de conhecimentos diversos e prvios.

    Souto (2010) realizou pesquisa diagnstica em livros didticos envolvendo o tema

    dos nmeros irracionais e dos nmeros reais. O objetivo foi analisar de que modo o

    conceito de nmero irracional e de nmero real organizado nos livros didticos

    utilizados na escolaridade bsica, no Brasil. O fundamento metodolgico centrou-se na

    Teoria de Registros de Representao Semitica, de Duval (2003), para verificar quais

    registros de representao so empregados e na Teoria Antropolgica do Didtico, de

    Chevallard (1999), a fim de constatar como a organizao do livro didtico prope a

    promoo da aquisio dos nmeros irracionais e dos nmeros reais.

    A referida pesquisa pontuou a posio de Chevallard (1999), onde a aquisio de

    conhecimento (ou de toda atividade humana) condicionada a uma vivncia de

    organizao praxeolgica. Esta perspectiva considera essencial que as tarefas propostas:

    [...] nos livros didticos valorizem no somente tcnicas de soluo, mas algum discurso racional que justifique e que esclarea tais tcnicas, e que tal discurso racional esteja fundamentado em um discurso terico, possibilitando assim a construo de uma organizao praxiolgica completa (SOUTO, 2010, p. 41).

    O autor destacou que, [...] de forma geral, nossa anlise sugere que a abordagem

    dos livros didticos privilegia: definies baseadas na representao decimal; tarefas

    envolvendo procedimentos como classificao em nmero racional e irracional e

    determinao de fraes geratrizes; registros de representao simblico-algbricos;

    notas histricas enfocando nomes e datas. Entretanto, tais atividades so tratadas de

    forma mecnica e com pouco ou nenhum aprofundamento conceitual (SOUTO, 2010,

    p. ix).

  • 29

    Souto (2010) pontuou a elevada frequncia da exposio de exemplos para

    justificar conceitos e propriedades, recurso principalmente utilizado na apresentao dos

    nmeros irracionais, o que pode levar a uma falha de entendimento e conceitualizao.

    Tambm, Souto (2010, p. 100) relatou que [...] a praxeologia relacionada s tarefas

    envolvendo os nmeros irracionais e reais incompleta, valorizando tcnicas

    relacionadas ao saber fazer.

    Passamos agora a considerar a pesquisa de Boff (2007), que props a construo

    dos nmeros reais pela rgua decimal infinita, em atividades desenvolvidas a alunos do

    Ensino Fundamental e Mdio, na prpria sala de aula da pesquisadora. A rgua decimal

    infinita parte da concepo da extenso do conjunto dos nmeros racionais, utilizando a

    representao decimal pelo algoritmo da diviso e realizando truncamentos por

    aproximao, de acordo com a acurcia desejada.

    Este procedimento construtivo um mtodo de preencher intervalos numricos,

    permitindo escrever uma lista infinita e no peridica pela insuficincia dos nmeros

    racionais, segundo os referenciais tericos expressos em Ripoll (2001)22. A ideia

    utilizar a noo de convergncia de uma sequncia de truncamentos numa expanso

    finita, seguida da representao na reta real. Leviathan (2004) considera que a rgua

    decimal infinita alia o rigor matemtico a uma apresentao construtiva e intuitiva,

    permitindo acessar conhecimentos prvios e introduzir novos conceitos.

    Na sequncia da pesquisa, a professora declarou: J sabemos que a diagonal de

    um quadrado de lado unitrio no pode ser expressa por uma frao [de nmeros

    inteiros]; ento, como ser produzida esta lista? (BOFF, 2007, p. 169).

    Os dilogos presentes na referida pesquisa, expressos como registros transcritos

    em forma de protocolos, no explicitaram como os alunos produziram a referida lista

    para o caso dos nmeros irracionais. O texto da referida pesquisa citou que os [...]

    alunos se contentaram com duas casas decimais e a seguir se manifestaram: Chega! J

    entendemos (BOFF, 2007, p. 171). Nesse momento a pesquisadora encerrou a questo.

    Em termos prticos, a pesquisa de Boff (2007) revelou uma dificuldade intrnseca

    ao procedimento realizado. Os alunos limitaram-se produo de uma lista finita para

    intentar a ideia da criao de um processo infinito. Mas, ento, como aliar um processo

    construtivo e finito, concepo da rgua decimal infinita?

    22 Leviathan (2004) e Pasquini (2007) tambm realizaram pesquisas no mesmo enfoque.

  • 30

    Acreditamos que tal situao seja passvel de ser abordada se forem considerados

    tanto o uso de recurso computacional como as experincias de pensamento23. O acesso a

    estas ferramentas pode favorecer o pensamento indutivo, o que propicia conceber ideias

    importantes, sem necessariamente envolver a elaborada escrita axiomtica relacionada

    temtica, como pode ocorrer na intuio do conceito de convergncia de sries.

    Nesse sentido concordamos que o momento de apresentao dos nmeros reais na

    [...] escolaridade bsica no deve comear com grandes ideias, mas eventualmente

    levar a tais ideias (sries e sequncias convergentes), sendo desejvel utilizar mtodos

    de ilustrao computadorizados24 (LEVIATHAN, 2004, p. 3 p. 37, traduo nossa).

    Em outra pesquisa, Silva (2011a) analisou livros didticos de Matemtica do

    Ensino Mdio, com a finalidade de ilustrar o modo como os manuais apresentam o tema

    dos nmeros reais, com base nas categorias conceituao, manipulao e aplicao. A

    pesquisa revelou que os manuais carecem de explicaes na apresentao:

    [...] dos nmeros irracionais como o conjunto de todas as dzimas no peridicas, ou seja, todos os nmeros que possuem representao decimal infinita e no peridica. Outra situao que evidenciamos o pouco trabalho realizado com as representaes decimais. O aspecto operacional dos nmeros reais pouco trabalhado, principalmente com os nmeros decimais infinitos (SILVA, 2011b, p. 4-5).

    Com base nos resultados na anlise dos livros didticos, a autora props atividades

    e analisou as imagens conceituais reveladas por alunos da 3 srie do Ensino Mdio. O

    objetivo deste trabalho foi descrever os atributos relevantes e irrelevantes relacionados

    aos nmeros racionais e irracionais, que possibilitassem a manifestao de exemplos

    prottipos e resultados lgico-analticos, de acordo com Hershkowitz (1994), que, sob

    nossa perspectiva, se constitui em um critrio essencialmente matemtico.

    Cada conceito possui um conjunto de atributos relevantes e de exemplos, onde

    [...] os atributos crticos (ou relevantes) so aqueles que um exemplo deve ter de modo

    a ser um exemplo de determinado conceito. Os atributos no-crticos (ou irrelevantes)

    so aqueles que apenas exemplos particulares possuem (HERSHKOWITZ, 1994, p.

    68). A autora considera que as estruturas formadoras dos conceitos na Matemtica

    podem ser constitudas por uma conjuno de atributos relevantes. Para Herskowitz

    (1994) desejvel que os alunos baseiem suas justificativas nos atributos crticos e

    superem as tendncias visuais, mais propensas a equvocos nas categorizaes.

    23 Conforme Machado (1991), o experimento mental remonta tradio da filosofia grega e consiste em se estabelecer um raciocnio lgico envolvendo um experimento cujas conseqncias ou extrapolaes podem ser ampliadas pela imaginao, mas a concretizao da situao pode no ser realizvel ou se efetivar. 24 An introduction to real numbers at this early stage, should not start with big ideas, but should eventually lead to such ideas (convergent sequences/series); it is desirable that the method be illustrated using computerized programs.

  • 31

    A autora conjectura que o processo de aprendizagem dos conceitos deve se situar

    entre os julgamentos prototpicos e analticos, que faam o aluno se apropriar dos

    atributos crticos pelos sucessivos retornos frente s tentativas realizadas.

    Nas atividades desenvolvidas, os alunos apresentaram dificuldade [...] na

    identificao de nmeros racionais e irracionais e na elaborao de suas justificativas,

    nem sempre em consonncia com a classificao (SILVA, 2011b, p. 17).

    Herskowitz (1994) descreveu um possvel caminho para a abordagem das noes

    de incomensurabilidade e completude dos nmeros reais. A autora aponta o algoritmo

    da diviso como mecanismo [...] disparador para enunciar e compreender resultados

    importantes sobre fraes (SILVA, 2011a, p. 139). A proposta da autora consiste em

    definir o sistema de nmeros reais como a totalidade das decimais infinitas: as decimais

    finitas so um caso especial onde a partir de certa casa os dgitos so representados por

    zero. Com isto, Herskowitz (1994) espera incrementar o repertrio de exemplos

    positivos e negativos relacionados aos nmeros racionais e irracionais.

    Outro enfoque citado a necessidade da explorao das noes de densidade e

    infinitude, em [...] atividades que possibilitem o surgimento de processos que

    envolvam a passagem ao infinito, principalmente fazendo uso das sequncias infinitas e

    convergentes e as divises de nmeros inteiros que gerem as dizimam peridicas

    (SILVA, 2011a, p. 279).

    Em sntese, algumas pesquisas diagnosticaram as dificuldades e concepes de

    alunos secundaristas, graduandos em exatas, licenciandos e professores de matemtica

    de ensino bsico, enfim, sujeitos de pesquisa que, apesar da variao em grau, de certo

    modo j possuam algum conhecimento em relao aos nmeros reais. Os resultados

    expressos destas pesquisas confirmaram que naturalmente estes sujeitos possuem

    dificuldades em representar ou expressar concepo a respeito dos nmeros irracionais.

    Em relao s demais pesquisas que analisavam o material didtico destinado ao

    ensino bsico, os resultados evidenciaram alguns elementos que contribuem, em maior

    ou menor medida, para dificultar a aprendizagem. Ainda, os autores apontaram algumas

    estratgias locais, com base nos referenciais propostos, para encaminhar solues.

    De modo geral, tais propostas contribuem para fomentar discusses, incentivar a

    busca de ideias e apresentar sugestes locais de encaminhamento e alternativas que

    certamente colaboram com o ensino de tal tema. Porm, as ponderaes expressas nas

    anlises realizadas pelos respectivos autores no convergem para um quadro mais

    amplo que considere uma perspectiva global para o ensino deste tema em sala de aula.

  • 32

    A reviso realizada comps um quadro situando esta investigao no contexto da

    Teoria dos Nmeros, considerando que os nmeros irracionais e os nmeros reais

    representam ideias matemticas fundamentais, o que remete a necessidade de discusses

    em torno dos modos de abordagem e tratamento destes temas no ensino bsico.

    Consideramos aqui a perspectiva de Bruner (1987), que entende por ideia

    fundamental aquela que possui ampla e poderosa aplicabilidade, permitindo tornar a

    disciplina mais compreensvel, favorecendo a transferncia de aprendizagem,

    diminuindo a distncia entre o conhecimento avanado e o conhecimento elementar, o

    que possibilita a reconstituio de caminhos e pormenores, na eventualidade da

    necessidade ou da viabilizao da construo do conhecimento.

    Inspirados ainda em Bruner (1987), este trabalho teve como prerrogativa a

    existncia de uma abordagem significativa dos nmeros irracionais, como conhecimento

    a ser ensinado na Matemtica da escolaridade bsica, do ponto de vista epistemolgico.

    A referncia ao campo da epistemologia se faz perante a explorao da relao

    dialtica presente no campo dos nmeros irracionais com os nmeros reais, pela

    possibilidade de explicitar as conexes que permeiam os plos discreto/contnuo;

    exato/aproximado; finito/infinito, pilares que constituem ideias fundamentais que

    podem transcender os aspectos tcnicos ainda presentes nos vrios anos do atual ensino

    da Matemtica Elementar.

    De modo geral, vale destacar que desde o fim do sculo XIX at os dias de hoje o

    processo de educao [...] afastou-se da nfase na compreenso geral para a nfase na

    aquisio de habilidades especficas (BRUNER, 1987, p. 5).

    Diante do quadro retratado, como opo inicial de investigao dirigimos o olhar

    para um aspecto fundamental referente ao recurso e ao modo como se situa o tema dos

    nmeros irracionais no ensino bsico: o livro didtico.

    O livro didtico uma fonte muito utilizada para nortear o trabalho em sala de

    aula. Acreditamos que a observao no modo como o discurso presente nos manuais

    veiculado para efetivar o encaminhamento para introduzir e desenvolver o tema dos

    nmeros irracionais se constituiu em um possvel recurso para situar referenciais

    didticos e epistemolgicos que permitam encaminhar tal problemtica.

    As respostas advindas da anlise inicial dos manuais escolares, proposta nesta

    pesquisa, tiveram a inteno de verificar se havia necessidade de discutir e encaminhar

    aportes tericos para a efetivao de tratamento frente aos entraves apontados.

  • 33

    A anlise dos manuais escolares verificou que ainda se encontra presente, no

    ensino bsico, a concepo recorrente em se privilegiar e destacar aspectos associados

    ao finito e ao exato, ocultando os complementares: o infinito e valor aproximado.

    A discusso das tenses inerentes aos pares finito/infinito e exato/aproximado,

    com as naturais implicaes permitiu um enfoque enriquecedor, que utilizamos para

    administrar a complexidade da temtica dos nmeros irracionais no ciclo bsico.

    Esta pesquisa permeou o desenvolvimento histrico viabilizado pela construo do

    conhecimento matemtico envolvendo os nmeros reais. Esta opo possibilitou

    entender os condicionantes matemticos envolvidos, sistematizar as conexes com a

    didtica do ensino bsico e esclarecer as possibilidades de abordagem deste tema.

    Pelas consideraes tecidas, foram encaminhados aspectos epistemolgicos

    envolvendo os nmeros reais que o caracterizaram como tema mapeador, pela

    possibilidade de estabelecer relaes internas aos temas presentes no currculo vigente

    de Matemtica, atravs da concepo da metfora do conhecimento como rede,

    conforme Machado (1995). Tal enfoque, proposto como referncia norteadora de aes,

    visou realar os significados e enriquecer os conhecimentos matemticos, que permite

    uma relao ensino e aprendizagem mais articulada e abrangente.

    A via de abordagem visou compreender e situar os significados do conceito de

    nmero irracional, atravs dos eixos constitutivos do conjunto dos nmeros reais,

    conflitantes por natureza, porm complementares e passveis de interagir, representados

    pelos pares: finito/infinito; exato/aproximado; discreto/contnuo.

    As relaes de tenso e interao entre estes eixos situaram um espao de

    significaes como um campo que permite o entendimento, a orientao e a

    viabilizao de uma abordagem mais abrangente e significativa dos nmeros irracionais

    na Matemtica Elementar, assunto discutido no decorrer deste texto.

    Um foco complementar deste trabalho foi fornecer elementos tericos que possam

    contribuir para as aulas de Matemtica de ensino bsico, constituindo-se em ao para

    esclarecer o importante papel dos nmeros irracionais e dos nmeros reais para alicerar

    ideias fundamentais desta disciplina.

    A possibilidade de ilustrar algumas ideias em atividades situando alguns nmeros

    irracionais mais destacados se constituiu em possvel ao que possibilita a

    compreenso dos significados relativos questo da aproximao e as relaes com um

    processo infinito, conceitos inerentes ao tema dos nmeros reais.

  • 34

    Os Objetivos e as questes da pesquisa

    Em face das ponderaes tecidas nesta pesquisa, destacando as limitaes dos

    aspectos operatrios, determinsticos e exatos para a apresentao dos nmeros

    irracionais, nossa hiptese se situa em Bruner (1987), que considera vivel a abordagem

    de qualquer ideia fundamental da matemtica nesta faixa de ensino, desde que

    respeitadas certas condies.

    Consideramos que as mtuas conexes presentes na epistemologia do tema dos

    nmeros reais - os pares discreto/contnuo; exato/aproximado; finito/infinito - se

    constituem em elementos necessrios, essenciais e fundamentais para ampliar o leque de

    possibilidades de abordar de modo significativo os nmeros irracionais no ensino bsico.

    Diante dos pressupostos apontados, o presente estudo teve por objetivos:

    (a) mapear nos livros didticos o discurso de apresentao e desenvolvimento dos

    nmeros irracionais no Ensino Fundamental II e no Ensino Mdio;

    (b) compreender os requisitos conceituais necessrios e propor um referencial

    terico que permita organizar e orientar a apresentao e o desenvolvimento

    significativo do tema dos nmeros irracionais no ciclo bsico;

    (c) elaborar situaes de ensino que possibilitem ilustrar meios de viabilizar e

    explorar os aportes tericos propostos como recurso norteador da apresentao

    significativa dos nmeros irracionais em sala de aula.

    As ponderaes feitas embasam as seguintes questes:

    (a) Considerando-se como fonte o livro didtico, como so apresentados do ponto

    de vista didtico e epistemolgico alguns temas envolvendo os nmeros

    irracionais no ensino bsico?

    (b) Considerando-se aspectos didticos, histricos e epistemolgicos, quais

    referenciais tericos so necessrios e suficientes para introduzir e desenvolver

    de modo significativo os nmeros irracionais no ciclo bsico?

    (c) Se e como possvel utilizar os aportes propostos em situaes de

    aprendizagem, adequadas faixa etria dos alunos do Ensino Fundamental e

    Mdio?

    Apresentados os argumentos, o presente texto foi organizado em trs captulos.

    No Captulo 1 foi idealizada uma pesquisa diagnstica em uma amostra de quatro

    colees de livros didticos de Matemtica, para observar e analisar, se e como so

    introduzidos e desenvolvidos, em termos didticos e epistemolgicos, alguns temas

    essenciais envolvendo os nmeros irracionais, nesta faixa de ensino.

  • 35

    No Captulo 2 situamos a importncia e as vrias acepes do ato de significar, nos

    reportando a Vygotsky (1998b), que considera a formao de conceitos como um ato

    autntico do pensamento, direcionando a atividade cognitiva para o uso da linguagem.

    Os apor