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São Paulo De 1º a 7 de julho de 2004 R$ 2,00 Ano 2 Número 70 Novo golpe contra a reforma agrária Ruralistas usam CPMI da Terra para criminalizar movimentos sociais e desmoralizar e enfraquecer o governo A Comissão Parlamentar Mis- ta de Inquérito da Reforma Agrária se transformou em instrumento da bancada ruralis- ta para desmoralizar a reforma agrária. Para o deputado João Al- fredo (PT-CE), os latifundiários querem enfraquecer o governo e criminalizar os movimentos sociais. No dia 15 de junho, a CPMI aprovou a transferência dos sigilos bancário e fiscal de duas entidades que apóiam orga- nizações de luta pela terra para a comissão. Enquanto isso No Plano Safra 2004-2005, o governo des- tina R$ 7 bilhões para créditos à pequena agricultura. E João Paulo Rodrigues, coordenador do MST, reafirma a confiança na reforma agrária do governo Lula, lembrando que, pela primeira vez na história, há tal volume de re- cursos para custeio e investimen- to para os assentamentos. Págs. 2 e 5 Enquanto a grande mídia oculta uma farsa ao noticiar que os EUA devolvem a soberania ao Iraque, o presidente Bush mano- bra para não ser responsabilizado pela repressão aos protestos con- tra a invasão. França e Alemanha aceitam participar dos negócios da reconstrução do Iraque, em reunião da Organização do Trata- do do Atlântico Norte (Otan). Pág. 11 Após a farsa no Iraque, EUA em paz com Europa A agricultura que lidera as ex- portações é a mais mecanizada, intensiva de capital, que exclui de seus ganhos milhares de famílias de pequenos e médios agriculto- res. Por isso, o aparente “suces- so” do agronegócio é acompa- nhado por crise na agricultura familiar, diz o economista Carlos Eduardo Frickmann Young, da UFRJ, que calcula que a agrope- cuária desempregou 2,5 milhões de trabalhadores entre 1990 e 2002. Quaisquer que tenham sido os destinos dessas pessoas, to- dos têm conseqüências sociais e ambientais graves – inchaço das regiões urbanas; deslocamento da fronteira agrícola e avanço do desmatamento; proliferação de bóias-frias. Pág. 7 Aumentam as remessas das transnacionais Empresas estrangeiras engor- dam as remessas de lucros para o exterior. Até maio, as transna- cionais retiraram 3,23 bilhões de dólares do país – 51% a mais do que o mesmo período em 2003. Como a economia cresce lenta- mente, as empresas conseguiram aumento da lucratividade com redução de empregados e eleva- ção de preços, explica o econo- mista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp. Pág. 8 De maneira discreta, o gover- no federal anunciou, para 15 de agosto, um megaleilão de reser- vas petrolíferas brasileiras, ava- liadas em 3,3 bilhões de barris. A 6ª rodada de licitação de áreas sedimentares abrirá ao capital estrangeiro áreas de prospecção onde a Petrobras já encontrou 6,6 bilhões de barris de petróleo, correspondentes à metade das reservas comprovadas do país. Cerca de 70 entidades estão mobilizadas contra o negócio, comparado “à oferta de um filé mignon”, pelo secretário-execu- tivo do Ministério das Minas e Energia (MME). Págs. 8 e 14 Leilão coloca à venda soberania petrolífera PLANO PATRIOTA – Envoltas em silêncio, começaram em junho as ações militares na Co- lômbia, com a participação ati- va dos Estados Unidos. O Plano Patriota envolve aparato de alta tecnologia, contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Pág. 9 ÁFRICA Destruída pelas políticas do FMI e do Banco Mundial, a Zâmbia sofre as conseqüências do neoliberalis- mo: explosão da dívida externa, sucateamento da indústria, fim de subsídios agrícolas e fome de 50% da população. Pág. 12 E mais: Manifestantes protestam durante a reunião de líderes da Otan em Istambul, na Turquia, dia 28 de junho Cerca de 120 famílias, que há 7 anos ocupavam fazenda em Coroados (SP), são despejadas por determinação da Justiça O agronegócio liqüida milhões de empregos Todo cuidado é pouco com as estatísticas Em maio, a taxa de desem- prego foi de 12,2%, pouco menor do que a dos meses ante- riores. O governo festejou. Caiu no conveniente esquecimento que, até meados dos anos 90, as taxas de desemprego eram de 4% a 5%. Ocorre que a me- lhoria nos indicadores poderia significar que menos pessoas procuraram trabalho, ou que mais gente foi para a informa- lidade. Em maio, a renda conti- nuou caindo. Pág. 6 Segundo a lei, procurador não pode investigar A Constituição determina que as investigações criminais são função da polícia. Para o juiz de direito Barros Vidal, a condução de inquéritos policiais pelo Mi- nistério Público acontece, hoje, porque o sistema policial é caó- tico. Apesar dessas investigações muitas vezes serem produtivas, não podem servir de justificativa para o Estado desrespeitar a lei. Pág. 4 Uma análise das políticas de Kirchner Para o sociólogo Atilio Boron, o presidente da Argentina, Nés- tor Kirchner, espera o apoio do presidente Lula na resistência a organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta semana, movimentos de desempregados argentinos voltaram a ocupar as ruas em várias cidades, reivindicando políticas sociais. Pág. 10 Oded Balilty/AP/AE Chico Siqueira/Agência Estado/AE Marcio Baraldi

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Uma análise das políticas de Kirchner Chico Siqueira/Agência Estado/AEMarcioBaraldi Ruralistas usam CPMI da Terra para criminalizar movimentos sociais e desmoralizar e enfraquecer o governo R$ 2,00 E mais: Ano 2 • Número 70 São Paulo • De 1º a 7 de julho de 2004 Manifestantes protestam durante a reunião de líderes da Otan em Istambul, na Turquia, dia 28 de junho Cerca de 120 famílias, que há 7 anos ocupavam fazenda em Coroados (SP), são despejadas por determinação da Justiça

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São Paulo • De 1º a 7 de julho de 2004

R$ 2,00Ano 2 • Número 70

Novo golpe contra a reforma agráriaRuralistas usam CPMI da Terra para criminalizar movimentos sociais e desmoralizar e enfraquecer o governo

A Comissão Parlamentar Mis-ta de Inquérito da Reforma Agrária se transformou em

instrumento da bancada ruralis-ta para desmoralizar a reforma agrária. Para o deputado João Al-fredo (PT-CE), os latifundiários querem enfraquecer o governo e criminalizar os movimentos sociais. No dia 15 de junho, a CPMI aprovou a transferência dos sigilos bancário e fiscal de duas entidades que apóiam orga-nizações de luta pela terra para a comissão.

Enquanto isso – No Plano Safra 2004-2005, o governo des-tina R$ 7 bilhões para créditos à pequena agricultura. E João Paulo Rodrigues, coordenador do MST, reafirma a confiança na reforma agrária do governo Lula, lembrando que, pela primeira vez na história, há tal volume de re-cursos para custeio e investimen-to para os assentamentos.

Págs. 2 e 5 Enquanto a grande mídia

oculta uma farsa ao noticiar que os EUA devolvem a soberania ao Iraque, o presidente Bush mano-bra para não ser responsabilizado pela repressão aos protestos con-tra a invasão. França e Alemanha aceitam participar dos negócios da reconstrução do Iraque, em reunião da Organização do Trata-do do Atlântico Norte (Otan).

Pág. 11

Após a farsa no Iraque, EUA em paz com Europa

A agricultura que lidera as ex-portações é a mais mecanizada, intensiva de capital, que exclui de seus ganhos milhares de famílias de pequenos e médios agriculto-res. Por isso, o aparente “suces-so” do agronegócio é acompa-nhado por crise na agricultura familiar, diz o economista Carlos Eduardo Frickmann Young, da UFRJ, que calcula que a agrope-cuária desempregou 2,5 milhões de trabalhadores entre 1990 e 2002. Quaisquer que tenham sido os destinos dessas pessoas, to-dos têm conseqüências sociais e ambientais graves – inchaço das regiões urbanas; deslocamento da fronteira agrícola e avanço do desmatamento; proliferação de bóias-frias.

Pág. 7

Aumentam asremessas dastransnacionaisEmpresas estrangeiras engor-

dam as remessas de lucros para o exterior. Até maio, as transna-cionais retiraram 3,23 bilhões de dólares do país – 51% a mais do que o mesmo período em 2003. Como a economia cresce lenta-mente, as empresas conseguiram aumento da lucratividade com redução de empregados e eleva-ção de preços, explica o econo-mista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp.

Pág. 8

De maneira discreta, o gover-no federal anunciou, para 15 de agosto, um megaleilão de reser-vas petrolíferas brasileiras, ava-liadas em 3,3 bilhões de barris. A 6ª rodada de licitação de áreas sedimentares abrirá ao capital estrangeiro áreas de prospecção onde a Petrobras já encontrou 6,6 bilhões de barris de petróleo, correspondentes à metade das reservas comprovadas do país. Cerca de 70 entidades estão mobilizadas contra o negócio, comparado “à oferta de um filé mignon”, pelo secretário-execu-tivo do Ministério das Minas e Energia (MME).

Págs. 8 e 14

Leilão coloca à venda soberania

petrolífera

PLANO PATRIOTA – Envoltas em silêncio, começaram em junho as ações militares na Co-lômbia, com a participação ati-va dos Estados Unidos. O Plano Patriota envolve aparato de alta tecnologia, contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Pág. 9

ÁFRICA – Destruída pelas políticas do FMI e do Banco Mundial, a Zâmbia sofre as conseqüências do neoliberalis-mo: explosão da dívida externa, sucateamento da indústria, fim de subsídios agrícolas e fome de 50% da população. Pág. 12

E mais:

Manifestantes protestam durante a reunião de líderes da Otan em Istambul, na Turquia, dia 28 de junho

Cerca de 120 famílias, que há 7 anos ocupavam fazenda em Coroados (SP), são despejadas por determinação da Justiça

O agronegócioliqüida milhõesde empregos

Todo cuidado épouco com

as estatísticasEm maio, a taxa de desem-

prego foi de 12,2%, pouco menor do que a dos meses ante-riores. O governo festejou. Caiu no conveniente esquecimento que, até meados dos anos 90, as taxas de desemprego eram de 4% a 5%. Ocorre que a me-lhoria nos indicadores poderia significar que menos pessoas procuraram trabalho, ou que mais gente foi para a informa-lidade. Em maio, a renda conti-nuou caindo.

Pág. 6

Segundo a lei,procurador nãopode investigarA Constituição determina que

as investigações criminais são função da polícia. Para o juiz de direito Barros Vidal, a condução de inquéritos policiais pelo Mi-nistério Público acontece, hoje, porque o sistema policial é caó-tico. Apesar dessas investigações muitas vezes serem produtivas, não podem servir de justificativa para o Estado desrespeitar a lei.

Pág. 4

Uma análisedas políticasde Kirchner

Para o sociólogo Atilio Boron, o presidente da Argentina, Nés-tor Kirchner, espera o apoio do presidente Lula na resistência a organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta semana, movimentos de desempregados argentinos voltaram a ocupar as ruas em várias cidades, reivindicando políticas sociais.

Pág. 10

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De 1º a 7 de julho de 20042

NOSSA OPINIÃOCONSELHO POLÍTICOAchille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

��� • Editor-chefe: Nilton Viana���• Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Bernardete Toneto, 5555 Marilene Felinto, Paulo Pereira Lima, Renato Pompeu���• Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, João Alexandre

Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino ���• Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins,

Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles���• Ilustradores: Agê, Aroeira, Cerino, Ivo Sousa, Kipper, Márcio Baraldi,5555 Natália Forcat, Nathan, Novaes, Ohi���• Editor de Arte: Valter Oliveira Silva���• Pré Impressão: Helena Sant’Ana���• Revisão: Dirce Helena Salles���• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.46655 Administração: Silvio Sampaio55 Secretaria de redação: Tatiana Merlino 55 Assistente de redação: Bruno Fiuza e Cristina Uchôa55 Programação: Equipe de sistemas55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-01055555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP55555555555 [email protected] Gráfica: FolhaGráfica55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, composta de senadores e de-

putados, foi convocada pela bancada ruralista, a fim de criminalizar o Mo-vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O senador Eduardo Suplicy (PT/SP) condicionou sua assinatura ao alargamento do escopo da comissão. A direita não teve como negar e o tiro saiu pela culatra. Em vez de criminalizar o MST, os depoimen-tos começaram a mostrar o que, aliás, todos sabem: a violência no campo é o resultado da pobreza e esta é o resul-tado da inominável concentração da propriedade da terra. Se seguisse essa trajetória, a CPMI poderia se tornar um importante instrumento de com-bate à pobreza, à violência e à concen-tração fundiária em nosso país.

Infelizmente, não é essa a intenção dos parlamentares que representam o latifúndio na CPMI. Há cinco sécu-los, o latifúndio se mantém intocável no território nacional – situação man-tida às custas do assassinato de tra-balhadores rurais, agentes pastorais, advogados e lideranças sindicais. Fortemente representado em todas as esferas e poderes do Estado, o la-tifúndio construiu um aparato de leis que permite impedir todas tentativas de democratizar o acesso às terras agrícolas.

Desesperados, os parlamentares da bancada ruralista – a fim de evitar que a sociedade soubesse a excres-cência que é o latifúndio – inven-taram uma saída: abrir as contas de duas entidades que trabalham com

Uma CPMI Pró-Latifúndio

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 3038 1432 ou mande uma mensagem eletrônica para: [email protected]

Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

os sem-terra: a Anca e a Concrab. Objetivo: provar que dinheiro do governo é desviado para financiar ocupações de terras. A direita acre-dita que, dado o grande movimento de dinheiro dessas duas entidades, alguma irregularidade surgirá.

Os membros da CPMI indica-dos pelos partidos de esquerda não tiveram dúvida: votaram unanime-mente pela abertura do sigilo. Mas os membros indicados pela direita não tiveram a mesma coragem e negaram o pedido para a abertura do sigilo da UDR, da CNA e da OCB. A ação dos parlamentares do latifúndio é para fragilizar as organizações dos trabalhadores e proteger as dos latifundiários. Ti-veram êxito. Mas mostraram para a sociedade que não há transparência no uso do dinheiro público que suas entidades recebem.

Essa postura não pode ser vista de forma isolada e está afinada com a outra face do latifúndio: o agro-negócio. Apresentada à sociedade como exemplo de modernidade e geradora de superávit comercial – recursos integralmente remetidos novamente ao exterior para paga-mento dos juros da dívida externa –, a agroexportação esconde outra faceta: o trabalho escravo, a explo-ração do trabalho assalariado e a depredação do meio ambiente. Se-dento para aumentar a área de plan-tio para produtos de exportação, o agronegócio se alia ao latifúndio atrasado para combater a luta pela reforma agrária e as organizações

dos trabalhadores rurais sem terra. Não há novidade nos esforços

de quebrar o sigilo bancário e fiscal das organizações que fazem traba-lho em defesa da reforma agrária. A única novidade é o ano eleitoral. A presidência dessa CPMI e quais-quer iniciativas contra os sem-terra garantem amplos espaços na mídia – sempre afinada com o latifúndio.

As entidades dos trabalhadores deverão prestar contas do uso da verba pública. O mesmo deveria acontecer com os recursos recebi-dos pelos latifundiários, pelo agro-negócio, pelos bancos, pela mídia, pela agiotagem internacional. Afi-nal, é dinheiro do povo brasileiro. A este deve ser prestado contas.

O que chama a atenção é o desleixo da esquerda e do governo diante de uma comissão de tal im-portância. A maioria dos membros da CPMI indicados pelos partidos de esquerda nem estava na reunião. O governo, que tem maioria no Congresso, não conseguiu impedir que partidos da sua própria base indicassem parlamentares que se elegem lutando contra o MST.

Assim, o latifúndio prevalecerá mais uma vez. Os tigres de papel, como Fernando Henrique Cardoso chamava os latifundiários, no go-verno Lula poderiam ter sua exis-tência relegada aos primeiros cinco séculos da história do nosso país. A eliminação do latifúndio atenderia a uma das maiores aspirações do povo brasileiro. Aspiração que, tu-do indica, ainda não será atendida.

CARTAS DOS LEITORES

OHIFALA ZÉ

POLÍTICA ECONÔMICAA CUT do Rio Grande do Sul

avalia como equivocada a postura da equipe econômica do governo Lula, de fazer poupança interna para saldar compromissos assumidos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) com recursos que deveriam ser aplicados no fortalecimento da economia interna e em políticas sociais, ponto nevrálgico do governo.

O superávit primário de R$ 38,268 bilhões, obtidos nos cinco primeiros meses do ano, anunciado dia 25 pelo Banco Central, não se traduz em benefícios para a socieda-de brasileira. Deixa claro apenas que é possível baixar a taxa de juros, es-timulando a produção e o consumo, molas necessárias para a geração de empregos.

Atualmente, os poucos empre-gos gerados flutuam em torno das exportações – que são importantes – mas não estão voltados para o fortalecimento do consumo interno. O aumento da produção e a conse-qüente geração de novos postos de trabalho exigem, primeiro, esforços no sentido de se fortalecer o mercado interno, que se faz com distribuição de renda e elevação do poder aquisi-tivo do trabalhador.

Quintino Severopresidente da CUT-RS

AUDIOVISUALO Brasil é uma das nações cam-

peãs em injustiça social, corrupção e hipocrisia política. Fatos sobre esses temas são numerosos e os mais graves são exatamente os menos divulgados, questionados e compreendidos. Em vários outros países, existem produ-ções televisivas e cinematográficas que abordam com contundência esses temas, dentro de sua realidade. Porém, até o momento, desconheço quaisquer produções audiovisuais relevantes com características informativas e questiona-doras a respeito dos grandes problemas brasileiros. Portanto, concluo que não existem brasileiros solidários com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça.

Será que teremos que esperar que o Michael Moore ou Mark Achbar venham ao nosso país para cumprir a tarefa de colocar um enorme espelho nas telas de cinema, para que nossa sociedade se conheça melhor?

Será que a maioria das pessoas ficaria indiferente se soubesse, por audiovisual, sobre fatos escabrosos que são conhecidos somente pelas pessoas que lêem periódicos como o Brasil de Fato?

Se o conhecimento de fatos rele-vantes é um direito do cidadão, por que esse direito lhes é negado?

Renan Rochapor correio eletrônico

Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:[email protected]•BA:[email protected]•CE:[email protected]•DF:[email protected]•ES:[email protected]•GO:[email protected]•MA:[email protected]•MG:[email protected]•MS:[email protected]•MT:[email protected]•PA:[email protected]•PB:[email protected]•PE:[email protected]•PI:[email protected]•PR:[email protected]•RJ:[email protected]•RN:[email protected]•RO:[email protected]•RS:[email protected]•SC:[email protected]•SE:[email protected]•SP:[email protected]

Renato Pompeu

Uma das coisas que estão sendo discutidas nos Estados Unidos, em relação à guerra no Iraque, é como o ambiente geral das fotos de militares estadunidenses torturando prisionei-ros iraquianos lembra o ambiente geral da arte contemporânea, parti-cularmente nos EUA. Um jornalista chegou a perguntar como é que as pessoas se chocavam com imagens semelhantes às que são premiadas, como obras de arte, pela Dotação Na-cional das Artes (NEA, na sigla em inglês), órgão federal que subsidia especialmente as artes plásticas.

De fato, os artistas contemporâneos, nos Estados Unidos, mas também na Europa e no Japão, mostram um certo deleite em criar representações de olhos furados, corpos mutilados, membros esmagados, cenas de perver-são sexual, genitália destruída e outras imagens que, como obras de arte que são, estão destinadas a agradar o seu público. Que público é esse que apre-cia essas cenas e depois protesta contra as torturas fotografadas? Serão esses prazeres inerentes ao ser humano, que seria naturalmente mau, ou serão algo característico do nosso tempo, em que as individualidades estão esmagadas

CRÔNICA

A arte da tortura e a tortura da arteem nome de um individualismo que só beneficia no máximo um por cen-to dos indivíduos?

Corpos maltratados, porém, não são apenas requintes da grande arte contemporânea. Podemos ver na televisão que os filmes e seriados estadunidenses, que fazem parte da cultura de massa criada pela indús-tria cultural dos EUA, são sempre, inexoravelmente, recheados de vio-lências, seja a mãos nuas, seja com armas de fogo ou espadas de ferro ou de raios de luz, seja de veículos que explodem em chamas ou se arrebentam espetacularmente. Essa é uma cultura generalizada pelo capitalismo globalizado.

Os criadores e fabricantes desses horrores culturais, seja da alta arte, seja da cultura popular, se defendem dizendo que a natureza humana é assim mesmo, que o ser humano é agressivo por natureza, é competitivo por natureza e sempre tem em mente esmagar, até fisica-mente, os seus adversários. Mas, se isso for verdade, por que é que essas cenas são tão populares justamente agora, e não foram apreciadas ao longo dos milênios da história da humanidade, nem, se acrescente, nos países socialistas?

Na televisão e ao vivo, se re-petem outros espetáculos de vio-lência, apresentados como shows que agradam as pessoas. Embora o boxe, por exemplo, seja condenado por muitas instituições, entre elas a Igreja Católica Romana, “esportes” muito mais brutais do que o boxe já fazem parte do cotidiano de muita gente que os acompanha na televisão, e, principalmente nos Es-tados Unidos, também ao vivo, em ginásios com ingresso pago. São atração especial as brigas brutais entre mulheres.

A violência sempre existiu, mas era compartimentada no tempo e no espaço — hoje ela ocupa o cenário inteiro e o tempo todo das pessoas. É por isso que o jornalista estadu-nidense perguntou: afinal, por que tanto escândalo com as fotos de tortura do Iraque, se cenas muito piores fazem parte do nosso coti-diano artístico e cultural?

Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor de Canhoteiro,

o homem que driblou a glória (Ediouro) e Memórias de

uma bola de futebol (Editora Escrituras)

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De 1º a 7 de julho de 2004 3

NACIONALPOVOS INDÍGENAS

da Redação

E ntidades que lutam pelos direi-tos dos povos indígenas lan-çaram, dia 23 de junho, em

Brasília (DF), o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas. O objetivo é unir as diversas realidades indí-genas espalhadas pelo país “numa só discussão, capaz de ganhar mais força junto às autoridades”. O ca-lendário de atividades e as diretri-zes básicas de funcionamento do grupo, em todas as regiões, devem ser definidas em curto prazo. No primeiro momento, o Fórum tra-balhará com questões consideradas emergenciais – terra, saúde e mine-ração em terra indígena.

Aproximadamente 100 repre-sentantes de entidades participaram do lançamento, na 6ª Câmara do Ministério Público. Entre as per-sonalidades, estavam dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e o pro-curador-geral da República Cláudio Fonteles. Integram o movimento, entre outros, o Conselho Indigenis-ta Missionário (Cimi), Instituto So-cioambiental (ISA), Conselho Indí-gena de Roraima (CIR), Comissão Pró-Yanomami, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazô-

Rogéria Araújode Recife (PE)

As 153 comunidades remanes-centes de quilombolas de Alcân-tara, no Maranhão, receberam a atenção especial de três entidades ligadas aos direitos humanos e moradia. Em declaração conjunta, o Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (Cohre), Social Watch e o Centro de Justiça Global ressaltam que as comunidades tra-vam “uma penosa luta pela garantia de implementação de seus direitos

Dafne Meloda Redação

O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) não aceitou retomar as negociações com o Fórum das Seis, entidade que agrega os sindicatos de professores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e do Centro Paula Souza. A decisão foi to-mada após o envio da contraproposta do Fórum, que reivindica um reajuste na data-base de 9,41%, compostos de 4,37%, correspondentes à inflação de maio de 2003 a abril de 2004 (ICV-Dieese), mais 4,83% referentes às perdas salariais desde maio de 2001. Outra solicitação foi a mudança no parâmetro de arrecadação do ICMS na fórmula de política salarial em ne-gociação para R$ 32 bilhões, em vez dos R$ 32,4 bilhões defendido pelo governo estadual. A proposta original do Fórum era um reajuste de 16% na data-base e um parâmetro de arreaca-dação do ICMS de R$ 31,2 bilhões. O parâmetro define o valor mínimo que deve ser arrecadado para que haja reajustes em outubro e janeiro, como parte de uma política salarial.

Em nota oficial, o Cruesp se decla-rou surpreso com as reivindicações. “Ambas já foram objeto de extensa

Fórum organiza luta nacional por direitosGrupo pretende lutar pelos direitos indígenas. Terra, saúde e combate à mineração têm prioridade

nia Brasileira (Coiab), Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Indígenas.

O documento de fundação do Fó-rum sinaliza para uma “real ameaça aos direitos indígenas” e para um “re-trocesso” nas relações entre Estado e índios. “Os resultados desse retro-cesso já são visíveis no acirramento

de conflitos, no aumento da violência contra indígenas, no incremento de posturas racistas e preconceituosas e na iniciativa de agentes do Estado em cercear a aplicação dos direitos indígenas”, diz o texto.

PRIMEIRA DENÚNCIASegundo Jecinaldo Saterê Mawé,

coordenador da Coiab, inicialmente

o objetivo é fazer um dossiê abordan-do a atual situação do atendimento à saúde indígena, depois das mudan-ças ocorridas na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), e a urgente ho-mologação da terra Raposa-Serra do Sol. O dossiê deve abordar também a mineração em terra indígena, prin-cipalmente na reserva Roosevelt, do povo Cinta Larga.

Depois de deixar a terra tradi-cional Mata Alagada, localizada no município de Lagoa da Con-fusão (TO), retomada dia 10 de junho, o povo Krahô-Kanela volta à estaca zero. A situação dessa na-ção foi a primeira denúncia feita ao Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas.

A Justiça Federal, dia 16 de junho, expediu liminar de rein-tegração de posse contra o povo, depois que o juiz, de Cristalândia, transferiu a competência à instân-cia federal. Um acordo firmado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), de agilizar o processo de regularização do território Mata Alagada e de providenciar, até que seja concluído o processo, um local onde eles possam ficar, fez com que os Krahô-Kanela deixassem a área.

Em Brasília, a situação foi re-latada pelo cacique Mariano, que afirmou apenas querer a terra que lhes foi tirada há mais de 20 anos. “Nós fomos forçados a ocupar a área por causa da omissão da Funai. O estudo da nossa terra está muito lento, parece que eles passam muito tempo sem olhar para os papéis. Is-so forçou a gente a entrar na nossa terra tradicional”, disse. (Cimi, www.cimi.org.br)

da Redação

O lançamento da campanha sala-rial unificada do segundo semestre, com uma pauta comum às catego-rias, será dia 16 de julho, “Dia Na-cional de Lutas e Mobilizações – Por Mudança na Política Econômica”. Nesse dia, todas as CUTs estaduais deverão organizar manifestações nas capitais e no maior número de cidades possível, com panfletagens, assembléias e paralisações. “O obje-tivo da Central é colocar a luta pelo salário além das categorias, fazer disputa com o capital na sociedade”,

disse João Antonio Felicio, secretá-rio-geral da CUT.

Segundo ele, uma campanha sa-larial por categoria, por mais êxito que alcance para algumas catego-rias, não acontece para todas. “Por isso, a Central está disposta a fazer uma ousada e exitosa campanha salarial de todas as categorias, para que não tenhamos neste ano, nova-mente, redução da massa salarial do país”, afirmou.

Entram em campanha salarial no segundo semestre 4,5 milhões de trabalhadores de 790 sindicatos filiados à CUT. São 35 categorias

profissionais (trabalhadores rurais e da agricultura familiar, da alimenta-ção, servidores públicos, previdenci-ários, da educação, do comércio, da saúde, enfermeiros, médicos, farma-cêuticos, assistentes sociais, psicólo-gos, engenheiros, economistas, dos transportes, marceneiros, processa-mento de dados, vidreiros, papelei-ros, da construção civil, da borracha, eletricitários, vestuário, gráficos, jornalistas, radialistas, artistas, dos correios, telefônicos, metalúrgicos, químicos, petroleiros, bancários, e urbanitários). (Portal Vermelho, www.vermelho.org.br)

SALÁRIOS

CUT anuncia campanha unificada

discussão na última reunião deste Conselho com o Fórum, em 22 de ju-nho, na qual o Cruesp manifestou, de maneira muito clara e fundamentada, a impossibilidade de atendimento”. Na nota, o Cruesp ainda afirma que mesmo um reajuste com base na in-flação, em torno de 4%, já teria sido negado na mesma reunião. “Assim, o Cruesp não considera necessário o agendamento de uma reunião de negociações para discutir pontos que já foram exaustivamente discutidos anteriormente”, conclui a nota.

De acordo com Américo Kerr, presidente da Associação de Docen-tes da USP (Adusp), a resposta do Cruesp mostra a falta de compro-misso do governo do Estado de São Paulo com o ensino superior público e gratuito. “O Estado aplica apenas 3,5% do seu do PIB em Educação in-cluindo primeiro, segundo e terceiro graus. Em países desenvolvidos, esse investimento chega a 6%”, alega. Kerr também criticou a postura dos reitores das três universidades, “que adotaram o discurso do governo do Estado de que se não há recursos, a saída é promover arrocho salarial dos trabalhadores”. Os próximos passos do Fórum das Seis em relação a ne-gociação do reajuste serão definidos em reunião no dia 1º de julho – quan-do a entidade também fará um ato em frente à reitoria da Unicamp, exigin-do a reabertura das negociações.

Reitores se recusam a discutir contraproposta

GREVE

ALCÂNTARA

Entidades pedem apoio para desalojadoshumanos fundamentais e contra a ocorrência de violações principal-mente no que se refere ao direito à moradia adequada”.

De acordo com os organismos, desde a implementação do Centro de Lançamentos de Alcântara, em 1984, foram deslocadas 312 famí-lias pertencentes a 32 comunidades tradicionais. As famílias foram reassentadas em agrovilas, inade-quadas “pois o solo não oferece condições férteis e o deslocamento afastou as comunidades da costa litorânea, principal fonte da pesca

dessas populações”. Os represen-tantes das entidades constataram ainda que os quilombolas também são prejudicados pela falta de aces-so à água.

O documento ressalta denún-cias já feitas pelos diversos sindi-catos, associações e organizações não governamentais que atuam no município. Uma delas é o fato de os quilombolas não terem rece-bido títulos de propriedade das terras desde o deslocamento para outras áreas, para que a constru-ção da base militar, que já ocupa

55% do município. Novos deslo-camentos já estão programados para que o Centro de Lançamentos seja expandido.

REIVINDICAÇÕESAs entidades solicitam que as

comunidades já deslocadas tenham atendidas suas reivindicações rela-tivas à provisão de moradia e terra adequada para morar e trabalhar, acesso à educação de qualidade, transporte público, serviço de água e tratamento de esgoto. Pedem ainda que as comunidades que es-

tejam ameaçadas de deslocamento devido ao projeto de expansão da base sejam amplamente consulta-das e que as transferências sejam suspensas.

A declaração pede o apoio de pes-soas e entidades solidárias aos rema-nescentes de quilombolas de Alcân-tara. O apoio pode ser expresso por meio de mensagem aos endereços ele-trônicos: [email protected] (Cohre); [email protected] (Centro de Justiça Global); [email protected] (Social Wa-tch). (Adital, www.adital.org.br)

Dia 29 de junho, crianças do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua do Paranoá fizeram uma manifestação contra o trabalho infantil na Índia. O ato aconteceu na entrada da Embaixada do país em Brasília e reuniu cerca de 40 crianças, das quais três foram recebidas por um representante do embaixador. O protesto foi motivado pela ação do pacifista indiano Kalash Stayarthi, que completava 10 dias em greve de fome pela libertação de crianças do Nepal exploradas por um circo de Nova Déli.

Crianças contra trabalho

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Documento de fundação do Fórum aponta que a relação entre os índios e o Estado tem sofrido retrocesso

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De 1º a 7 de julho de 20044

NACIONALSISTEMA JUDICIÁRIO

Luís Brasilinoda Redação

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve tomar, em agos-to, uma decisão que pode

alterar o sistema judiciário brasi-leiro. Trata-se do julgamento de um recurso do deputado federal Remi Trinta (PL/MA) pedindo o arqui-vamento de um processo no qual é acusado de desvio de verba. A defe-sa do parlamentar baseia-se no fato de as provas da acusação terem sido produzidas pelo Ministério Público (MP). O momento é importante porque, caso Trinta saia vitorioso, a procuradoria ficará proibida de conduzir inquérito policial.

Porém, segundo o juiz de direito Luís Fernando de Barros Vidal, as investigações do MP só acontecem hoje porque a Justiça é gerida de uma forma absolutamente caótica. “Nesse sistema, os juízes fazem vistas grossas a essas coisas e os advogados e os cidadãos não têm capacidade nem meios para denun-ciar essas arbitrariedades e ilegali-dades”, descreve Vidal.

Ele afirma que a Constituição não permite que o MP faça qualquer investigação de natureza criminal e, por isso, é contrário a esse tipo de atuação da promotoria. “Acredito que está sendo feito um terrorismo. Se o STF diz ‘isto é inconstitucio-nal’ e gera, então, efeitos em proces-sos individuais, temos que refletir sobre onde o prejuízo é maior. Os procuradores dizem que o maior da-no é a absolvição dos condenados. No entanto, em qualquer país civili-zado, as pessoas dirão que é o des-respeito à Constituição. Não porque devemos endeusá-la, mas porque se o Estado a desrespeita, perde o compromisso com os direitos do cidadão”, explica Vidal. “Funda-mentalmente, o que nos interessa é a Constituição pois é nossa defesa contra o MP, a polícia, o governo, quem for”, completa.

O caso é diferente se o MP, no exercício de outras atribuições legais, toma conhecimento de atos

Investigação fere a ConstituiçãoPoderes do MP são vistos como deformação da Justiça e podem ser usados com fins políticos

Espelho Dioclécio Luz

O Pasquim na TV CâmaraJornal que revolucionou a impren-sa nacional e aperreou o regime militar, O Pasquim é tema de docu-mentário da TV Câmara. Criado nos anos 70, fez jornalismo de primeira qualidade, e sempre com muito hu-mor. Foi, e ainda é, uma escola de jornalismo. De sua equipe faziam parte Ziraldo, Jaguar, Fortuna, Mil-lôr Fernandes, Claudius, Angeli. O documentário será exibido na TV Câmara dia 2, às 22h35. Quem perder a hora, pode pedir para re-prisar, pelo telefone (61) 216-1615.

O importante é aparecerQuando se separou de Milene e a imprensa quis ouvi-lo, o jogador Ronaldinho disse que sua vida pes-soal não interessava. Faltou alguém lembrar a ele que sua vida pessoal tem sido exposta porque ele quer. O nome disso é marketing pessoal. O mesmo marketing que divulga seu namoro com a modelo Daniela Cicareli e sua passagem pelo SP Fashion week. O importante é aparecer.

Prêmio Visa de MPBNeste momento, discretamente, está ocorrendo um dos maiores eventos musicais do país. Trata-se do Prêmio Visa MPB, que revela e premia gran-des instrumentistas do país. A gran-de mídia tem desprezado, por um misto de arrogância e burrice (ela censura a música instrumental). Em outras edições do evento, grandes nomes foram reconhecidos, como Yamandu Costa, violonista do Rio Grande do Sul; e Hamilton Holanda, o re-inventor do choro brasileiro, que mora em Brasília. Para saber mais, contate a página da internet www.visa.com.br

Brizola contra a GloboUm dos raros guerreiros deste país a enfrentar a Globo, só depois de morto Brizola apareceu na emissora da família Marinho. Antes havia censura ao presidente do PDT. Ago-ra Brizola morre e ganha quase uma edição inteira do Jornal Na-cional. Comemoravam a morte do guerreiro?

Frases inúteis do jornalismo“Nunca houve embaixadora como Donna Hrinak”. De Míriam Leitão, no Bom Dia Brasil, lamentando a saída da embaixadora dos Estados Unidos no Brasil. Dona Hrinak, para quem não sabe, atuou muito bem a serviço do governo nazista de Bush.

Rádios livresElas estão aí e fazendo muito barulho. Para quem busca infor-mações sobre as rádios livres, eis um bom local de informações: www.radiolivre.org

Nas mãos dos mesmos“Cada chefe político de um lugar é dono da televisão, ou da rádio. No governo Fernando Henrique Cardoso, o que se fez? Criaram as chamadas televisões “educativas”. Na moita, doaram televisões “educativas”. Na prática, em cada município, uma te-levisão absolutamente igual à comer-cial, que anuncia pinga. Só no gover-no FHC, a hora em que eu vi, mais de trezentas emissoras só pra Minas, e seiscentas no total! Uma gandaia, não sei como está isso hoje”. De Bob Fernandes, da revista Carta Capital, em entrevista a Caros Amigos.

A Globo nas Rádios comunitárias A parceria da Globo com o Rio pa-ra levar seus programas às rádios comunitárias está cada vez mais efi-ciente. Agora a entrega é domiciliar — basta ligar que o Viva Rio leva à emissora o áudio de programas como Xuxa no país da imaginação, Zorra total e Casseta & planeta. É o Viva Rio no combate à cultura.

Cinema de qualidade incomodaO maior produtor de cinema do Brasil, Luís Carlos Barreto, anda xingando o governo por patrocinar filmes de qualidade. Ele diz que as comissões que aprovam os filmes estão cheias de gente que gosta de filme de qualidade, e isso não dá bilheteria, segundo ele. Ele acha que o povo merece o lixo.

Mário Augusto Jakobskinddo Rio de Janeiro (RJ)

Para um país sem tradição na questão dos direitos humanos, que vem de um período escravocrata no século 19 e passando, no século 20, por ditaduras com constantes violações nessa área, até que está havendo progressos. Essa avalia-ção do cenário brasileiro foi feita por Nilmário Miranda, secretário de Direitos Humanos do governo, durante a divulgação da IX Con-ferência Nacional dos Direitos Hu-manos, que acontece de 29 de junho a 2 de julho, em Brasília. A Confe-rência, que tenha a participação de 580 delegados de todos os Estados e é deliberativa pela primeira vez, pretende articular o poder público e a sociedade civil para tornar efetivo o funcionamento do Sistema Na-cional de Direitos Humanos.

Reconhecendo que “o Brasil co-meça a dar os seus primeiros passos no século 21, depois da Constitui-ção de 1988, e isso é, sem dúvida, um fato novo”, o secretário anun-ciou a criação do serviço Disque 100, pelo qual os cidadãos poderão fazer denúncias sobre ilegalidades nessa área. O governo estima que mensalmente sejam feitas cerca de 40 mil denúncias variadas, de tortu-ras a trabalho escravo e infantil. As investigações e o acompanhamento dos casos ficarão a cargo do Siste-ma Nacional de Direitos Humanos, que vai operar em acordo com ou-tros órgãos.

Nilmário Miranda admitiu que o papel do Estado é acabar com as violações dos direitos humanos e, para isso, considera necessária a contribuição de todos os setores, inclusive da mídia. Segundo ele, ao contrário de outros anos, em 2003 não houve uma só morte no cam-po perpetrado pela polícia, mas os grandes proprietários de terra estão contratando jagunços particulares para fazer o papel que a polícia do Estado fazia, numa flagrante viola-ção dos direitos humanos.

Na questão social, o papel do

Estado não pode ser o de repressor, como acontecia, por exemplo, no período da escravidão, quando a polícia caçava escravos fugidos e ninguém era punido por assassina-to. Essa mentalidade manteve-se por muito tempo mas agora está chegando ao fim”, analisou o se-cretário. Os direitos humanos, disse ele, não fazem parte da tradição cultural brasileira e as pessoas ain-da têm uma visão equivocada, do tempo da ditadura, de que defender os direitos humanos é defender os bandidos.

Miranda admitiu que a atual polícia carrega resquícios do pas-sado, quando servia para “buscar escravos negros fugidos e índios ou proteger a propriedade e o Estado”. Em defesa de uma nova polícia, que segundo ele está sendo criada gradativamente, observou: “Não é possível terminar com a polícia, pois não se pode imaginar cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo sem polícia. Então, aos poucos vai se criando uma polícia nova, com outra mentalidade”.

Ao enfatizar sua oposição à utilização de contingentes das For-ças Armadas como força policial, frisou: “O Exército não está prepa-rado para a atividade policial. Para melhorar o sistema de segurança, é necessário agir com inteligência e preventivamente”. O secretário revelou que está em andamento a criação de uma força interestadual com a participação entre 1.500 e 2 mil homens para serem acionados em situações críticas. Essa força visa justamente evitar a entrada do Exército em áreas de conflito.

Miranda destacou ainda que em 2 de outubro de 2005 haverá um referendo sobre o comércio de armas no país e que a proibição da venda de armas reduzirá substan-cialmente o número de homicídios por armas de fogo. No ano passado foram 44 mil homicídios; metade por motivos fúteis — estatística que seria bem menor se não hou-vesse tanta facilidade de uso de armas de fogo.

DIREITOS HUMANOS

Governo cria mecanismos de fiscalização

ilícitos. Nessa situação ele tem co-mo obrigação encaminhar as pro-vas descobertas para o crime ser apurado e processado. Para Vidal, esse é o caso do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, acusado e condenado pelo desvio de verbas de obras do Fórum Trabalhista de São Paulo. No exercício de uma atribuição do inquérito civil – prevista na Constituição – um procurador descobriu que um de-terminado funcionário público foi corrupto. “Se ele tem elementos suficientes para denunciar o sujei-to, vai denunciar. Mas o MP não tomou o lugar do delegado no caso do Lalau”, conta Vidal.

PROCURADORES “A atribuição de poderes in-

vestigatórios, na esfera penal, ao Ministério Público, conduziria ao esvaziamento das funções da polícia e também ao seu despres-tígio, inclusive político, com sérias conseqüências sociais na medida em que, diuturnamente, é para as

delegacias de polícia que se dirige a população diante de uma ocorrên-cia de natureza criminal. Poderá ela fazer o mesmo junto ao Ministério Público?”, indaga documento do Instituto Brasileiro de Ciências Cri-minais (IBCCRIM).

Todo processo tem alguém que acusa, alguém que defende, alguém que julga e, antes, alguém que in-vestiga. Esse alguém que investiga produz provas que servem tanto à acusação quanto à defesa. Segun-do Vidal, quando os procuradores utilizam o poder de investigar, pre-judica-se quem defende. Levando essa tese adiante, teríamos que per-mitir também ao advogado fazer in-vestigações. “Você ser chamado ao escritório do advogado para prestar depoimento é uma barbaridade”, exclama o juiz.

PODER PARA A SOCIEDADEAlém disso, descomprometido

com a investigação de todos os ca-sos, o MP poderia escolher a dedo onde quer trabalhar. Dessa forma,

abre-se a possibilidade de o órgão utilizar esse poder de forma política ou publicitária.

Um dos principais argumentos de quem é favorável aos poderes investigatórios ao MP sustenta que o órgão é mais eficaz do que a polícia em determinados casos. No entanto, além do uso político que se pode fazer desse poder, o quadro teria efeitos negativos sobre a democracia.

“Precisamos aumentar o grau de participação e controle dos cidadãos sobre a gestão pública. Por exemplo, num problema de violação dos direitos humanos, como aconteceu em Eldorado dos Carajás, onde a polícia não está querendo investigar, temos que criar mecanismos que permitam a entidades da sociedade, organiza-ções não-governamentais, vítimas e familiares cobrar medidas para a apuração desses crimes e, eventual-mente, para que façam o processo de punição desses crimes direta-mente”, relata Vidal.

Em tese, a competência para conduzir investigações relativas a inquéritos criminais é exclusiva da Polícia

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Polícia Federal apura denúncias de trabalho escravo: novo papel para sua atuação

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De 1º a 7 de julho de 2004 5

NACIONALREFORMA AGRÁRIA

João Alexandre Peschanskida Redação

A Comissão Parlamentar Mis-ta de Inquérito da Reforma Agrária, conhecida como

CPMI da Terra, foi usada como instrumento político para favorecer os grandes fazendeiros brasileiros. A denúncia é de três deputados federais que integram a comissão: Zé Geraldo (PT-PA), Jamil Mu-rad (PCdoB-SP) e João Alfredo (PT-CE). Para eles, parlamentares ligados à bancada ruralista, como o presidente da CPMI, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), e o de-putado Abelardo Lupion (PFL-PR), desvirtuaram o propósito da investigação para atender a seus interesses políticos e classistas. Em um relatório lançado em 2003 pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que traça o perfil dos deputados brasi-leiros, Lupion é descrito como um dos fundadores da União Democrá-tica Ruralista (UDR) e um defensor da repressão às ocupações de terra e de leis que retiram vantagens dos trabalhadores rurais.

João Alfredo, relator da comis-são, acusou os parlamentares dos partidos da oposição, especial-mente o PFL e o PSDB, de usar a CPMI para desmoralizar o governo e criminalizar movimentos sociais – principalmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Segundo ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se com-prometeu a fazer a reforma agrária, assentando 115 mil famílias até o final do ano, e, preocupados, os ru-ralistas se mobilizam para impedir que isto ocorra. “Para isso, mentem, difamam, geram constrangimento e atacam”, disse o deputado.

No dia 15 de junho, a CPMI aprovou a transferência dos sigilos bancário e fiscal de duas entidades que trabalham em parceria com movimentos sociais, a Associação Nacional de Cooperação Agrária (Anca) e a Confederação das Co-operativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), para a comissão. O requerimento, de autoria de Lupion, se baseia em uma suposta investigação da Polícia Federal se-

Nina Fidelesde Brasília (DF)

A segunda edição do Plano Safra agradou aos movimentos sociais, mas continua distante da verdadeira demanda do campo brasileiro. Enquanto a primeira edição do Plano (2003/2004) do-brou o valor destinado à pequena agricultura pelo governo Fernan-do Henrique, liberando R$ 4,5 bilhões, que beneficiaram cerca de 1,4 milhão de agricultores, o Plano 2004-2005, anunciado dia 28 de junho e com disponibilidade de R$ 7 bilhões em créditos para pequenos agricultores, representa um aumento de 30% em relação ao anterior, estimando atender 1,8 milhão de famílias.

João Paulo Rodrigues, coor-denador geral do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ao aplaudir o aumento de recursos, não deixou de apontar os problemas. “Pela primeira vez na história, nós temos um volume de recursos nunca visto antes para custeio e para investimento para os assentamentos (...). E um operário do ABC teve que assumir a Pre-sidência da República para dizer para essa elite brasileira que os as-sentamentos produzem e precisam de crédito agrícola e dos bancos desburocratizados para avançar no processo de produção de alimentos e matar a fome de muitas pessoas,” disse.

Mais dinheiro para a agricultura familiar

Deputados criticam uso político de CPMIRuralistas utilizam comissão de inquérito para enfraquecer governo e criminalizar movimentos sociais

gundo a qual as entidades seriam o braço financeiro do MST e que “re-cursos (do governo) estavam sendo utilizados para financiar a invasão de terras”. De acordo com Zé Ge-raldo e os advogados da Anca, não há provas de que a polícia tenha investigado as entidades – nenhum documento comprovando a afirma-

ção foi anexado ao requerimento. Em nota à imprensa, no dia 16 de junho, a Anca afirmou ser “uma sociedade civil, sem fins lucrativos, com o objetivo de desenvolver pro-jetos na área de assistência social para estimular o desenvolvimento agrícola” e que a transferência do sigilo tem o intuito de “desmorali-

zar a luta pela reforma agrária”.Composta por 12 senadores e

12 deputados titulares, a CPMI foi criada em 4 de dezembro de 2003 para realizar um diagnóstico sobre a estrutura fundiária e o problema habitacional brasileiro. Em freqüen-tes audiências no Senado, pesqui-sadores, agricultores, fazendeiros e integrantes de movimentos sociais deram testemunhos sobre conflitos agrários e o modelo agrícola do Brasil. Duas viagens, para o Pará e Pernambuco, foram organizadas pelos parlamentares para investigar a distribuição fundiária e as estraté-gias de luta dos agricultores e de re-pressão dos fazendeiros. Segundo o presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduíno, que depôs na comissão, o projeto era bom, pois poderia ser um meio de estimular a reforma agrária pací-fica, mas foi usado para criminali-zar o MST e favorecer as pessoas que, para ele, geram a violência no campo: os grandes fazendeiros. Balduíno afirmou que, mesmo se convidado, não comparecerá mais à comissão, alegando que esta não é legítima e não faz uma investigação justa.

INCONSISTÊNCIA TÉCNICAAlém da suposta investigação

policial, as justificativas da trans-ferência dos sigilos da Anca e Con-crab foram baseadas em matérias do jornal O Estado de S. Paulo e da revista Veja. A primeira reporta ocupações realizadas pelo MST em áreas descritas como não passíveis de desapropriação para fins de re-forma agrária e a segunda denuncia o repasse de recursos do governo para as entidades, definidas como parte do MST. Segundo o jurista Dalmo Dallari, especialista em di-reito constitucional, “as justificati-vas são precárias”, pois se baseiam em matérias de meios de comunica-ção que não foram investigadas por órgãos públicos.

Apesar de ter sido aceita por unanimidade, nem todos os par-lamentares que compõem a CPMI participaram da votação. De acor-do com Murad, a possibilidade de transferência do sigilo não estava na pauta da comissão e foi apre-

De seu lado, Manoel José dos Santos, presidente da Con-federação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) disse que “o dinheiro do Plano Safra ainda não é tudo. Nossa pauta é superior, mas quando a gente pedir e o governo atender 100%, é porque não sabe-mos pedir”. O governo reconhece as dificuldades, tanto é que um dos grandes objetivos do Plano é des-burocratizar a liberação de créditos

pelos bancos, e democratizar o acesso à tecnologia.

PROMESSASO presidente Luiz Inacio Lula da

Silva fez veemente defesa da agri-cultura familiar e de seu acesso à tecnologia. E garantiu: “Não faltará dinheiro para a agricultura familiar nesse país”, acrescentando: “Nós acreditamos que a agricultura fa-miliar, além de produzir alimentos,

produz uma coisa mais importante: produz cidadania, produz dignida-de e produz respeitabilidade”.

CONFIANÇADurante o anúncio do Plano

Safra, o presidente disse que os movimentos sociais podem e de-vem reivindicar, pois esse é o seu papel. “Às vezes vocês reivindicam coisas que são impossíveis de o governo cumprir, e, com a mesma

lealdade com que nós temos nos tratado nesses últimos 30 anos, eu vou dizer para vocês: não posso”, disse o presidente.

O MST, segundo João Paulo, sa-be das dificuldades do governo, mas acredita que ele vai cumprir suas promessas: “(...) Estamos a cada dia mais confiantes que o senhor e sua equipe vão fazer a reforma agrária, vão cumprir as metas e assentar as famílias que se encontram acampa-das pelo país. (...) Sabemos que os problemas que existem no Brasil são muitos e que não será uma ta-refa simples para ser cumprida, nem pelo presidente Lula, nem pelo mi-nistro Miguel Rossetto e nem pelos presidentes dos bancos”.

Para o MST, será uma tarefa de todo o povo brasileiro fazer a refor-ma agrária, eliminar a grande quan-tidade de latifúncios improdutivos existente, resolver o problema do de-semprego. O dirigente finalizou: “E nós queríamos, presidente, dizer aqui – para que a imprensa depois não te-nha dúvida – que o nosso movimento é parceiro do governo Lula na rea-lização da maior reforma agrária de qualidade que esse país já viu na sua história. Porque tem um presidente comprometido, porque tem um mi-nistro com sua equipe comprometida e porque tem movimento social sério que quer fazer com que esse Brasil possa resolver o problema da fome, resolver o problema da miséria. En-tendemos que isso é uma responsabi-lidade de todos nós”.

sentada e decidida sem avisar par-te dos deputados e senadores. Ele mesmo não participou da votação, pois não foi avisado. “Temos que encarar (a CPMI) como uma luta política”, salientou Murad, para quem os ruralistas vão preparar armadilhas para atacar as pessoas e organizações que defendem a reforma agrária. Segundo Zé Ge-raldo, há muitas falhas no requeri-mento e na votação da transferên-cia, o que pode levar à interrupção do pedido, cuja decisão ainda deve passar pelo Supremo Tribunal Fe-deral (STF).

Ao saber da proposta dos par-lamentares da oposição, senadores e deputados da base governista requereram a quebra dos sigilos de entidades ligadas aos grandes fazendeiros, dentre elas a UDR, o Serviço Nacional de Assistência Rural (Senar) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Bra-sil (CNA). Os três pedidos foram rejeitados. Para Murad, impossibi-litar a investigação nas contas das organizações ruralistas, do mesmo modo que ocorreu com a Anca e a Concrab, é antidemocrático, pois “estabelece uma justiça com dois pesos e duas medidas”.

Segundo João Alfredo, o pre-sidente da comissão recebeu do senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), presidente da CPMI do Banestado, que apura remessas de dinheiro para o exterior, docu-mentos sobre recursos enviados à Anca por organizações interna-cionais e entregue a jornalistas de grandes meios de comunicação. De acordo com o deputado, as infor-mações são sigilosas e divulgá-las é um crime. Caso seja comprovada a entrega dos dados, os advogados da Anca pretendem entrar com uma representação contra Álvaro Dias.

Até o fechamento desta edição, dia 29 de junho, Dias e Lupion não haviam atendido à reportagem do Brasil de Fato. De acordo com seus respectivos gabinetes, Dias não tinha espaço na agenda e Lupion estava em viagem e inco-municável.

Colaborou Luís Brasilino, da Redação

Lula garantiu que para a agricultura familiar não faltarão recursos e disse ser leal aos movimentos sociais

Os ruralistas estão agindo para impedir os assentamentos prometidos

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De 1º a 7 de julho de 20046

NACIONALCONJUNTURA

Lauro Veiga Filhode Goiânia (GO)

D ivulgada na semana passada, a pesquisa mensal de empre-go do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE) provocou reações de surpresa em alguns e foi recebida com certa dose de incredulidade em outros, principalmente porque o total de desempregados sofreu queda bem mais intensa do que o aumento indicado no número de novos em-pregos. Concretamente, os números apresentam o retrato de um merca-do de trabalho ainda traumatizado por mais de dois anos de taxas de desemprego elevadas, com claras dificuldades para sair do atoleiro em que se meteu e lenta reação do emprego, enquanto a renda perma-nece em baixa e volta a crescer o número de pessoas que estão fora do mercado de trabalho, mas gosta-riam de trabalhar.

Em maio, depois de quatro meses de crescimento, a taxa de desemprego finalmente cedeu, re-cuando para 12,2%, frente a 13,1% em abril e 12,8% em maio de 2003, nas seis regiões metropolitanas pesquisadas. Trata-se de uma taxa ainda suficientemente alta para desinflar previsões mais otimistas em relação ao comportamento da economia no futuro imediato.

Basta recordar que o país re-gistrava, historicamente, taxas ao redor de 4% a 5% ao ano, até a pri-meira metade dos anos 90, conse-guindo, por esse e outros motivos, desempenho mais alentador para sua economia.

NOVAS VAGASO total de desocupados baixou,

em maio, para 2,623 milhões, nu-ma queda de 6,7% na comparação com abril (189 mil desempregados a menos), e de 2,9% frente a maio do ano passado. O lado positivo foi que a redução, desta vez, refletiu um incremento, ainda que modesto, de 0,8% no total de pessoas com algum tipo de emprego.

O número de pessoas ocupa-das passou de 18,717 milhões em abril, para 18,865 milhões no mês seguinte, numa variação de apenas 0,8%, (criação de 148 mil novas vagas – 84% delas ocupadas por trabalhadores com carteira assina-da, as restantes por funcionários públicos).

Cerca de 82% dos novos empre-gos foram criados na região metro-politana de São Paulo – 121 mil no-vas vagas, 55,4% das quais abertas no setor público. A hipótese, neste caso, é que a administração públi-ca tenha antecipado contratações em função da legislação eleitoral, que proíbe contratações a partir de julho.

A criação de empregos explica em grande parte a redução do total

Fatos em focoFatos em foco Desemprego recua, renda encolheContratações no setor público reduzem o número de desocupados, e a PEA diminui

de desempregados, mas não justifi-ca toda a queda observada no mês. O restante da explicação está na queda de 0,2% no número de pes-soas consideradas economicamente ativas (de 21,529 milhões, para 21,488 milhões).

Na visão do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a melhoria nos indicadores de emprego e desemprego teria si-

A equação se complica quando são lançadas para análise as esta-tísticas sobre o rendimento médio pago aos ocupados de uma maneira geral. O rendimento médio real (ou seja, em valores atualizados com base na inflação) habitualmente recebido em maio encolheu para R$ 866,10 para o total de ocupa-dos, representando uma redução de 0,7% diante de abril, e de 1,4% na comparação com maio de 2003.

Alguns analistas têm destacado a menor velocidade de queda dos rendi-mentos como um dado supostamente positivo. Uma avaliação em pers-pectiva daqueles dados, no entanto, permite um outro tipo de leitura, bem menos animadora. Na comparação com idênticos períodos do ano ante-rior, os rendimentos indicavam um tombo de 15,2% em outubro de 2003, passando a cair 12,5% em dezembro,

do causada exatamente em função do menor número de pessoas em busca de uma colocação, desesti-muladas pelo período prolongado de desemprego.

A empresa de consultoria Glo-bal Invest aponta três conjuntos de motivos para tentar explicar a diferença de comportamento entre o total de desempregados (queda de 6,7%) e das ocupações (cresci-

mento de apenas 0,8%). A primeira delas, assim como o Iedi, especula acerca da possibilidade de um nú-mero expressivo de pessoas terem desistido de procurar emprego. A segunda aponta para uma fuga de pessoas economicamente ativas para o mercado informal, o que, em tese, não seria captado pela pesqui-sa do IBGE. A terceira e menos pro-vável sugere problemas na pesquisa do Instituto.

ATIVIDADE MENORA análise mais aceitável, até

mesmo com base nos números do IBGE, contempla as duas primeiras hipóteses, já que o total de pessoas consideradas não economicamente ativas aumentou em 126 mil em maio, para 15,998 milhões, num reflexo de um incremento corres-pondente a 85 mil no conjunto de pessoas em idade ativa e de uma redução de 41 mil pessoas entre aquelas classificadas como econo-micamente ativas.

A avaliação é parcialmente verdadeira, visto que o emprego também cresceu (timidamente, mas cresceu). Mas não deixa de refletir uma situação concreta. De fato, o número de pessoas fora do mercado, consideradas não economicamente ativas, mas que prefeririam estar tra-balhando avançou 2,4% entre abril e maio, somando 3,106 milhões – des-tas, perto de 88,3% estariam dispo-níveis para trabalhar, ou 3% mais do que em abril. Ainda nesta faixa, 37 mil desistiram de buscar colocação por desalento ou falta de perspecti-va, significando um incremento de 37% em relação a abril.

Esses indicadores, em especial o desemprego por desalento, vinha em baixa nos meses anteriores, depois de superar a marca de 55 mil em março de 2002. Ainda é cedo para avaliar se o recrudesci-mento daquele tipo de desemprego em maio reflete um espasmo sem maiores conseqüências, ou se a tendência deverá se repetir nos próximos meses.

Os números do mercado de trabalho apurados em maio pelo IBGE apontam uma melhoria ape-nas relativa em relação a abril de 2003. Considerando-se a situação do total de ocupados em maio do ano passado, a precariedade do mercado foi mantida e, sob certos aspectos, até agravada.

No período, o total de ocupa-dos passou de 18,327 milhões para 18,865 milhões em maio deste ano, um crescimento de 2,9% com a criação de 538 mil empregos, suficientes para abrigar as 460 mil pessoas que passaram a fazer parte

da população economicamente ativa (PEA) no mesmo período. Como resultado, o número de de-sempregados caiu também 2,9% (menos 78 mil desocupados).

A grande questão, no entanto, é que 75% dos empregos criados foram ocupados por trabalhadores sem carteira assinada (mais 265 mil), e por conta própria (mais 138 mil). Em ambos os casos, os trabalhadores têm pouca ou ne-nhuma garantia e direito algum, trabalhando em situação precária e com baixos salários.

Considerando apenas a popu-

lação de empregados, num total de 13,925 milhões de pessoas em maio, foram incorporadas 433 mil novas pessoas, num avanço de 3,2%. Neste caso, empregados sem registro e trabalhadores por conta própria tiveram uma partici-pação de 93% no fluxo líquido de novas colocações.

A boa nova é que caiu o total de pessoas subocupadas e com rendimento inferior a um salário-mínimo/hora – menos 3,2% no primeiro caso e queda de 14,7% no segundo, para 857 mil e 2,173 milhões, respectivamente.

Um mercado ainda precário

Agrava-se a tendência de perdastudo os trabalhadores com carteira assinada, com queda de 0,8% – o que sugere que as novas ocupações criadas naquele mês parecem ofere-cer, na média, salários mais baixos.

Os empregados sem carteira, ao contrário, tiveram ganhos salariais de 5,8% em relação a abril, e de 2,6% frente a maio de 2003, com rendimento real médio passando a R$ 576,60 (o que corresponde a me-nos de 64% do rendimento médio pago aos empregados com carteira).

Por área, os empregados no setor de serviços tiveram a maior perda, com queda de 6,9% frente a maio do ano passado. Na compara-ção com abril deste ano, os traba-lhadores na construção civil, que já enfrentam taxas de desemprego relativamente mais altas, sofreram as maiores baixas, com perdas reais de salários de 5,6%. (LVF)

ARROCHO SALARIAL

Rendimento real médio habitualmente recebido, valores em reais a preços de maio de 2004*Posição na ocupação Mai/03 Abr/04 Mai/04 Maio/Abril Maio/MaioPopulação ocupada 878,37 872,42 866,10 -0,7% -1,4%Com carteira assinada no setor privado 910,54 910,79 903,20 -0,8% -0,8%Sem carteira no setor privado 561,80 544,75 576,60 +5,8% +2,6%Conta própria 694,03 707,88 693,90 -2,0% 0,0%Empregadores 2.268,51 2.452,12 2.263,50 -7,7% -0,2%* Nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São PauloFonte: IBGE

0

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AbrMarFevDezNovOut Jan/04Set/03 Mai

13,112,812,012,2

12,912,9

11,710,9

12,2

MENOS DESOCUPADOSTaxa de desemprego recua depois de quatro meses de elevação*

* Nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São PauloFonte: IBGE

Taxa de desemprego ainda é alta, perto dos índices da década de 90

6,2% em janeiro deste ano, 3,5% em abril e, finalmente, 1,4% em maio.

SEM RECUPERAÇÃOEmbora em percentual menor, a

queda ocorre na comparação com níveis já achatados, tomando como base períodos em que os rendimen-tos observavam quedas mensais de 7% a 8% (que depois se agravariam

ao longo de 2003). Ou seja, o recuo de 1,4% ocorre, agora, sobre um rendimento que já havia perdi-do 13% ou 14% de seu poder de compra, no passado recente. Neste momento, agravam-se as perdas, na verdade, o que não pode ser visto como recuperação alguma.

Em maio de 2004, especifica-mente, as perdas atingiram sobre-

João

Zin

clar

Hamilton Octavio de Souza

Imagem externaQuando era presidente, Fernando Henrique Cardoso tinha como norma cuidar de sua projeção no exterior, principalmente nos países ricos, onde costumava fazer belos discursos com conteúdo social e tonalidade de esquerda. Lula, presidente, caminha na mesma direção, com belos discursos no exterior e uma situação interna cada vez mais caótica.

Meta colonialO setor público registrou em maio um superávit primário (dinheiro economizado para pagar juros) de R$ 5,839 bilhões, o equivalente a 5,87% do PIB. Com isso, a meta fiscal acertada com o Fundo Mo-netário Internacional, de 4,25% do PIB no ano, está sendo cumprida com folga. Mais uma vez, a edu-cação, a saúde, a habitação, a geração de empregos ficam para o futuro.

Ataque conservadorA gestão de Carlos Lessa no BNDES está mesmo incomodando determinados setores do empresa-riado. Na última semana, editorial do jornal O Estado de S. Paulo apelou para o presidente Lula in-tervir no banco estatal para que siga as orientações do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan.

Dinheiro fácilO BNDES reabriu linha de emprés-timos para exportadores. Quem mais está usando esse dinheirinho de baixo custo é a indústria au-tomobilística, que é integralmente constituída por empresas de capi-tal estrangeiro.

Assédio na agriculturaA ex-funcionária do Ministério da Agricultura, Fabíula Rodrigues da Silva, de 18 anos, ameaça denun-ciar vários funcionários graduados do governo federal por assédio sexual. Ela andou distribuindo em Brasília uma série de fotos eróticas tiradas em gabinetes da Esplana-da dos Ministérios.

Articulação golpistaCirculou pelo Brasil, recentemente, o empresário venezuelano Gustavo Cisneros, dono da TV Venevisión, da Venezuela, de uma rede de TV nos Estados Unidos e de veículos de comunicação em vários países da América Latina. Ele foi um dos articuladores do fracassado golpe contra o presidente Hugo Chávez, em 2002, e continua ativo com seus parceiros no continente.

Punição partidáriaEstão proibidos de representar o PT nas comissões do Congresso Nacional os deputados federais Orlando Fantazini (SP), Paulo Rubem (PE), Maria José Maninha (DF), Mauro Passos (SC), Chico Alencar (RJ), Ivan Valente (SP), Doutora Clair (PR), João Alfredo (CE) e Walter Pinheiro (BA), e os senadores Paulo Paim (RS), Flávio Arns (PR) e Serys Slhesssarenko (MT). O motivo: eles votaram por um salário-mínimo acima dos R$ 260 fixados pelo governo Lula.

Palavra empenhadaPara comemorar o seu um ano e meio de governo, o presidente Lula deveria reler o documento que assinou e divulgou em 23 de julho de 2002, em plena campanha eleitoral, no qual promete dez mi-lhões de empregos e afirma, entre outras coisas: “O povo brasileiro não aceita mais a dependência atual e a atitude subalterna do go-verno... A população exige é que recuperemos a soberania para de-cidir de modo autônomo a política econômica e os destinos do país”. Só falta cumprir.

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De 1º a 7 de julho de 2004 7

NACIONALAGRONEGÓCIO DA EXCLUSÃO

Agropecuária desemprega em massaLauro Veiga Filhode Goiânia (GO)

O modelo de crescimento es-colhido no Brasil para o se-tor agropecuário, tão festeja-

do pelo governo e pelo grande em-presariado, com adesão de ampla parcela da mídia, não cria empre-gos e impõe um alto custo social e ambiental. Esse modelo, “é mui-to ruim de geração de emprego, embora tenha a característica de gerar renda”, afirma o economista Carlos Eduardo Frickmann Young, especializado em contas nacionais e economia do meio ambiente e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele ressalta, po-rém, que a questão é que também não se encontrou um caminho para distribuir aquela renda a fatias mais amplas da população.

A agricultura que vem experi-mentando taxas expressivas de cres-cimento e contribuindo para puxar as exportações, diz Young, é exata-mente a sua parcela mais mecaniza-da, que exige a utilização intensiva de capital – ou seja, precisa de re-cursos financeiros elevados, o que exclui dos ganhos produzidos pelo setor centenas de milhares de famí-lias de pequenos e médios agriculto-res. Não é à-toa, lembra ele, que o aparente “sucesso” do agronegócio tem sido acompanhado por uma crise na agricultura familiar.

Nos cálculos do economista, a agropecuária desempregou 2,5 mi-lhões de trabalhadores entre 1990 e 2002. “Mesmo crescendo, a agri-cultura perde empregos”, observa Young. Este é hoje o grande dilema da agropecuária: “O setor vive uma dualidade, ao apresentar um dina-mismo importante, com crescimen-to da produção e da produtividade, gerar renda, mas experimentar taxas reduzidas de criação de empregos”.

DESTINO DOS EXCLUÍDOSTodo aquele contingente de

desempregados parece ter seguido três destinos possíveis, todos com conseqüências sociais e ambientais graves, segundo o professor. O pri-meiro e mais evidente foi o incha-ço, nos últimos anos, da periferia das regiões urbanas, num fenômeno que passou a atingir, mais recente-mente, até mesmo cidades de porte médio e pequeno. “Aquelas cidades também passam a experimentar surtos de criminalidade que não existiam num passado relativamen-te recente”, analisa Young.

Nas áreas urbanas, a criminali-dade é apenas o lado mais exposto das distorções causadas pelo modelo econômico em vigor. Houve um in-cremento dramático da demanda por serviços urbanos essenciais, causado pela migração de milhões de pessoas para os centros urbanos num período de tempo relativamente curto, ex-pulsas do campo pela mecanização intensiva da produção agrícola.

Em doze anos, a exploração intensiva e as extensas áreas de monocultura expulsaram 2,5 milhões de trabalhadores

Num exercício bastante próxi-mo da realidade, que leva em conta a capacidade de crescimento da produção, em cada setor da econo-mia, diante de um aumento da de-manda, o economista Carlos Edu-ardo Frickmann Young demonstra que a agropecuária tradicional con-segue criar apenas oito empregos a cada incremento da produção equi-valente a R$ 1 milhão.

A estimativa leva em conta que aproximadamente dois terços das pessoas ocupadas no setor agrícola não recebem qualquer remunera-ção e produzem para a própria sub-sistência. “Neste caso, a produção desse segmento não será afetada, qualquer que seja a taxa de cres-cimento da demanda”, explica ele. Por isso só foi considerado o terço

dos trabalhadores no setor que é remunerado.

Na indústria do vestuário, por exemplo, um aumento do consumo em R$ 1 milhão seria suficiente pa-ra abrir 145 empregos novos (veja tabela). A indústria de calçados, com um incremento do mesmo calibre, poderia empregar mais 71 pessoas. Para que a agropecuária crie o mesmo número de vagas do setor de vestuário, a produção teria de crescer o correspondente a R$ 18,1 milhões.

No ano passado, numa esti-mativa bastante aproximada, o valor da produção da agropecuária aumentou cerca de R$ 31 bilhões. Em tese, aquele crescimento pode-ria ter criado 248 mil empregos. O mesmo dinheiro, aplicado na in-

dústria do vestuário, poderia sig-nificar a abertura de 4,5 milhões de vagas.

ESTRAGO MAIORNa prática, não foi o que acon-

teceu. Como em 2003 o consumo das famílias encolheu 3,3%, a eco-nomia foi afetada negativamente e a retração do consumo gerou o fechamento, na média, de 897 mil empregos, calcula Young. O estrago pode ter sido ainda mais amplo, quando se considera a pos-sibilidade de geração de empregos se o consumo doméstico tivesse ao menos acompanhado o crescimen-to da população (algo em torno de 1,3% ao ano).

Nesta hipótese, poderiam ter sido criados 1,262 milhão de pos-

tos de trabalho. Como aquele cres-cimento não aconteceu, pode-se dizer que foram literalmente tor-rados quase 1,3 milhão de empre-gos. Em qualquer dos casos, nem mesmo o badalado crescimento das exportações conseguiu rever-ter o cenário.

O levantamento do professor sugere que o salto de 14% nas ven-das externas, no ano passado, teria sido responsável pela abertura de 856 mil vagas. Persistiria, aqui, um rombo correspondente a 406 mil desempregados (a diferença entre os 856 mil empregos teoricamente criados em função das exportações e o desemprego de 1,262 milhão de pessoas por conta da queda da renda das famílias e do não cresci-mento do consumo).

As economias que dependem das exportações de produtos bási-cos, como cereais e grãos em geral, carnes e madeiras, por exemplo, para gerar os dólares de que pre-cisam para continuar funcionando, são consideradas mais vulneráveis do que as demais. Precisamente porque o mercado internacional da-queles produtos é mais sujeito a os-cilações de preços e pode entrar em baixa de um momento para outro – como acontece agora com a soja, depois que a China decidiu recusar as cargas do grão compradas do Brasil, acusando a contaminação das remessas por agrotóxicos.

As exportações brasileiras têm experimentado taxas recordes de crescimento, nos últimos dois anos,

em grande parte devido à partici-pação expressiva das vendas de produtos básicos. Mais claramente, aqueles recordes têm sido alimen-tados a doses generosas de aumento das vendas externas do complexo soja (grão, farelo e óleo), carnes bovina, de frango e suína, madeiras e outros produtos da mesma classe, que passam por poucas etapas de industrialização, ou são exportados in natura.

No passado, dizia-se que alguns países da América Latina eram “re-públicas de banana”, porque regis-travam em suas exportações larga participação de frutas e outros pro-dutos básicos (e também por moti-vos políticos, mas esta é uma outra história). Em anos mais recentes, o

Brasil vem se transformando numa grande “república de soja, de carne, de algodão, de cana”. Ou, resu-mindo, numa grande “república da monocultura exportadora”, para abusar do “economês”.

PAPEL PRINCIPALEntre janeiro e maio de 2004,

num exemplo, as exportações do agronegócio brasileiro (que reúnem todos aqueles produtos classifica-dos como básicos) somaram 14,1 bilhões de dólares, crescendo 28% em relação aos mesmos cinco me-ses do ano passado. A agroindústria respondeu por 41,5% de todas as vendas externas, e foi responsável por 45% do aumento das exporta-ções totais no período. Nos 12 me-

ses terminados em maio, as expor-tações de produtos agropecuários atingiram 33,7 bilhões de dólares, ou 42,2% das exportações totais.

A dependência fica mais nítida quando se analisa a balança comer-cial (exportações e importações) do país como um todo. O saldo comer-cial, ou seja, o resultado da diferen-ça entre o total vendido ao exterior e a despesa total com bens, produ-tos e mercadorias importadas, che-gou a 11,2 bilhões de dólares nos primeiros cinco meses deste ano, um recorde. Mas o resultado só foi possível graças ao superávit obtido pelo setor agropecuário.

As vendas externas de produtos agropecuários asseguraram um saldo comercial, depois de descontadas as

importações, de 12,1 bilhões de dó-lares. Isso significa dizer que todo o restante das exportações realizadas, representando quase 60% das ven-das externas, não seria suficiente pa-ra pagar a conta das importações de máquinas, equipamentos, combustí-veis e seus derivados, insumos in-dustriais e outros produtos essenciais ao funcionamento da economia (ex-cluídas, obviamente, as compras ex-ternas de produtos agropecuários).

Sem o agronegócio, haveria um rombo de 884,1 milhões de dólares nos primeiros cinco meses de 2004. Nos 12 meses encerrados em maio, da mesma forma, seria registrado um déficit comercial (importações maiores do que exportações) de 921,1 milhões de dólares.

De volta à república da soja, do milho, das carnes...

A grande torra de empregos em 2003

As pressões afetam todas as áreas, começando pela moradia, passando pela expansão das redes de energia elétrica, esgoto e água, até a coleta de lixo e limpeza das cidades.

Um segundo destino dos excluí-dos pela expansão do agronegócio, baseada no plantio de grandes ex-tensões de terras com uma única cultura (soja, algodão, milho, cana), e na produção destinada ao mercado externo, pode ser percebido no des-locamento da fronteira agrícola para as porções mais ao norte do país, criando uma “conexão importante com o avanço do desmatamento”

nas últimas áreas do cerrado e na Floresta Amazônica. “Expulso do campo pela mecanização, o sujeito vai arriscar a ter uma propriedade em áreas de floresta”, afirma Young.

Uma terceira parcela de excluí-dos decidiu ficar pelo campo mes-mo, transformando-se em bóia-fria, ou engrossando os acampamentos rurais que se multiplicam com velo-cidade ao longo das rodovias pelo in-terior do país. “Independentemente de sua origem, aquelas pessoas estão ali porque o custo de oportu-nidade de trabalho é zero”, aponta o economista. Mais claramente, não

há compensação alguma para quem insiste em continuar procurando empregos, porque não há postos de trabalho disponíveis para todos.

DESEMPREGO“Se o mercado de trabalho es-

tivesse aquecido, aquelas pessoas não estariam ali. Elas estão naquela situação porque não conseguiram se inserir na economia formal”, acrescenta. Para agravar a situa-ção, os setores da agricultura que apresentam maior potencial de criação de empregos estão em bai-xa, porque são exatamente aqueles

que dependem do desempenho da demanda doméstica (e da renda das famílias, portanto, que continua em queda), como a produção de ali-mentos para o mercado interno e a agricultura orgânica.

Por todos esses motivos, os supostos ganhos e os números vibrantes apresentados pelo agro-negócio deveriam ser analisados com cautela. A vigorosa expansão do setor, na verdade, esconde um pesado passivo social e ambiental. “O Brasil perde áreas importantes para a preservação ambiental e para a biodiversidade”, pontua Young.

EMPREGOS DE UM MILHÃO DE REAIS

Capacidade de geração de empregos a cada aumento de R$ 1 milhão na produção,

por setor de atividadeSetores EmpregosVestuário 145Comércio 80Calçados 71Farmacêutico 39Construção civil 36Máquinas 30Automóveis 29Siderurgia 25Equipamentos eletrônicos 19Semicondutores 19Refino de petróleo 17Agropecuária 8Fonte: Young, Carlos E. F./ Instituto de Economia/UFRJ

DEPENDÊNCIA

Exportações acumuladas em 12 meses, até maio de 2004, em milhões de dólaresSetores Exportações Importações SaldoAgronegócio 33.724 4.806 28.917Demais 46.212 47.133 -921Total 79.935 51.939 27.996(*) Dados arredondadosFontes: Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)

Mesmo crescendo, a agropecuária tirou o emprego de mais de dois milhões de trabalhadores entre 1990 e 2002

Em

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De 1º a 7 de julho de 20048

NACIONALVULNERABILIDADE EXTERNA

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1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

REMESSAS DE JUROSREMESSAS DE LUCROS

7,28,3

6,3

7,98,8

9,5

11,5

14,9 14,7 14,9

13,1 13,013,6

7,2

5,65,24,9

3,34,1

6,7

5,3

2,32,62,51,8

0,6

EVOLUÇÃO DAS REMESSAS PARA O EXTERIORem bilhões de dólares

Fonte: Banco Central

0

10

20

30

40

50

60

70

80

TOTAL 26,0

TOTAL 63,4

Amortizações da dívida externa

Juros da dívida externa

Lucros das multinacionaisServiços contratados no exterior

SALDO COMERCIAL

36,9

13,6

7,25,7

REMESSAS PARA O EXTERIOR

COMPARAÇÃO ENTRE O SALDO COMERCIAL E REMESSAS PARA O EXTERIORprevisão para 2004 (em bilhões de dólares)

Fonte: Banco Central

Jorge Pereira Filhoda Redação

S e você está irritado com a alta na sua conta de luz e de telefone, acha que os preços

no Carrefour são um estorvo ou não consegue mais ir ao cinema porque o Cinemark aumentou o ingresso, saiba que sua legítima insatisfação pessoal é a ponta do iceberg de um problema nacional: os efeitos da crescente presença das transnacio-nais na economia brasileira.

Novos números mostram a di-mensão desse problema. As empre-sas estrangeiras estão aumentando suas remessas de lucros e dividen-dos ao exterior. Nos primeiros cin-co meses de 2004, 3,23 bilhões de dólares deixaram o Brasil – volume 51% maior do que o registrado em 2003, segundo o Banco Central (BC). Apenas no mês de maio, sob a forma de pagamento de emprésti-mos para as matrizes, as empresas estrangeiras retiraram do país mais 745 milhões de dólares.

Mas se a economia não cresce a um ritmo extraordinário, por que as transnacionais estão elevando tanto suas remessas? O que, na verdade, permite a essas empresas mandar mais dinheiro são operações como aumento dos preços em setores onde há monopólio privado (veja reporta-gem abaixo), ou maior exploração do próprio trabalhador. “No caso atual, a economia está crescendo lentamente e as empresas consegui-ram, também, aumento da lucrativi-dade, com redução de empregados e aumento dos preços”, explica o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp.

ENDIVIDAMENTOSegundo Belluzzo, as remessas

para o estrangeiro crescem quando as empresas não têm perspectiva de fazer mais investimentos no Brasil em função, por exemplo, do baixo crescimento econômico. Não por acaso, o fluxo de investimento direto estrangeiro (IDE) registrou queda expressiva em maio. Para se ter uma idéia, o BC projetava, para 2004, entrada mensal de 1,08 bi-lhão de dólares, mas só vieram, em média, 680 milhões de dólares nos primeiros cinco meses do ano.

Porém, demissões e preços mais caros não são os únicos problemas relacionados à remessa de lucros.

Pagar a conta dos serviços públicos está mais difícil. Estudo do Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE) mostra que brasileiro gasta, hoje, mais para pagar as tarifas públicas do que antes. Em 2003, uma família despendeu, em média, 16,81% de seu orçamento mensal com esses serviços. Em 1996, o percentual era de 12,98%.

Esse foi mais um reflexo das privatizações feitas pelo governo Fernando Henrique Cardoso que, em 1994, vendeu as estatais de

energia e telefonia. Segundo o eco-nomista da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo, todo esse processo cul-mina com um brutal transferência de renda, com prejuízos para as classes pobres e médias. “Na ver-dade, isso tudo foi uma trapalhada, porque não estabeleceram obriga-ções de investimentos. Foi algo ridículo, bolado para dar ganho de capital para três ou quatro esperta-lhões”, analisa.

A tendência é que esse problema piore cada vez mais, porque os con-tratos de privatização estabelecem

como índice de reajuste das tarifas o IGP – Índice Geral de Preços, calculado pela Fundação Getúlio Vargas, indicador mais sensível aos efeitos do aumento do dólar.

Para efeito de comparação, o IGP subiu 297% de junho de 1994 até maio de 2004, enquanto o IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, também do IBGE (in-dicador oficial da inflação) subiu 167%. O governo Lula ameaçou, em 2003, rever o índice de correção desses contratos, mas recuou.

Mesmo assim, o Tribunal de

Contas da União (TCU) conde-nou, em relatório, os reajustes concedidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e os autorizados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Também se cogita, na Câmara dos Deputados, na criação de uma Co-missão Parlamentar de Inquérito para investigar as privatizações de Fernando Henrique. Mas, como o governo decidiu esquecer esse passado comprometedor, a caixa preta dessas operações continua fechada. (JPF)

Luiz Antonio dos Santosdo Rio de Janeiro (RJ)

Ao mesmo tempo em que o con-sumo mundial de petróleo aumenta, e a produção começa a depender de novos investimentos em grande escala, o governo brasileiro, por intermédio da Agência Nacional de Petróleo (ANP), pretende realizar em agosto o leilão da 6ª Rodada de Licitação das áreas sedimentares brasileiras.

Aberto à participação de qual-quer interessado, inclusive estran-geiro, o leilão do bloco – conhecido pelos especialistas como B-60 e avaliado em 3,3 bilhões de barris – é visto por muitos como uma ofensa aos interesses nacionais.

Contra tal medida, entretanto, inúmeras entidades representati-vas da sociedade brasileira estão se organizando para impedir mais um ataque aos interesses nacio-nais. Heitor Pereira, presidente da Associação dos Engenheiros da Pe-trobras (Aepet), considera que falta ao governo uma visão estratégica e denuncia que a Petrobras sofre um processo de destruição que se agra-va no governo Lula.

O bloco B-60 foi descoberto pe-

PETRÓLEO

Com leilão de reserva, país perde 144 bilhões de dólares

la estatal, mas foi devolvido à ANP sob a alegação de que a Petrobras não teria condições de investir. O que ocorre, na verdade, é que a Petrobras tem dinheiro disponível, mas a sua ação está sendo tolhida em função do compromisso do governo federal de manter superá-vit primário (economia para pagar

juros) de 4,75% do Produto. Pereira recorda que o próprio diretor finan-ceiro da Petrobras, José Sérgio Ga-brielli, admite haver quase R$ 10 bilhões em disponibilidade.

Paulo Metri, conselheiro do Clu-be de Engenharia (CE) e ex-funcio-nário da ANP, demitido à época de Fernando Henrique por criticar os

leilões, informa, em artigo do bo-letim eletrônico Aepet Direto, que a exploração do óleo existente no B-60, considerando-se o modesto preço médio de 75 dólares para os próximos 30 anos, proporcionará lucro líquido de 144 bilhões de dó-lares ao longo do período.

Na fase FHC foram promovi-

dos os quatro primeiros leilões, o governo Lula fez um, e quer mais. Segundo o presidente da Aepet, a continuação destes leilões pode pôr em risco a meta de o Brasil chegar à auto-suficiência, o que deve acontecer em 2006 ou 2007. Ele acrescenta que, sem crescer, o país consome 2 milhões de barris por dia. Crescendo 5% ao ano, o mínimo indispensável para garantir os empregos que os brasileiros tan-to precisam, as reservas calculadas para durar 17 anos acabam antes.

O presidente da Aepet lamenta o fato de o atual secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia (MME), Maurício Tolmasquim, anunciar a realização do leilão co-mo a oferta de um filé mignon. Ele lembra que Tolmasquim, quando era pesquisador universitário espe-cializado na área de energia, sempre defendeu posições nacionalistas. No governo, mudou rapidamente.

Para enfrentar tudo isto cerca de 70 entidades estão se reunindo e promovendo debates para alertar a sociedade sobre a 6ª Rodada. Perei-ra finaliza afirmando que é essen-cial a reação popular, conclamando os cidadãos para resistir a mais um ataque à soberania nacional.

Transnacionais empobrecem o paísEmpresas estrangeiras aumentam os preços dos serviços públicos, a exploração do trabalho e a remessa de lucros

Essa remessa é feita em dólares, moeda fabricada apenas pelos Es-tados Unidos, que são comprados com reais no Banco Central. Mais uma fonte de sangria de moeda forte, indispensável para o Brasil fechar suas contas externas.

“Temos três possibilidades para arrecadar dólares: exportar mais, re-ceber mais investimentos externos, ou nos endividar”, explica Maria Lúcia Fattorelli, presidente do Sin-dicato Nacional dos Auditores Fis-cais da Receita Federal (Unafisco).

A previsão mais otimista para as exportações de 2004 é de um saldo de 26 bilhões de dólares. Quanto aos investimentos externos, como se viu, estão em níveis mais baixos do que os esperados. E o país terá de enviar 63 bilhões de dólares ao ex-terior, entre amortizações e juros da dívida, lucros das transnacionais e serviços contratados (veja quadro).

DEPENDÊNCIAA conta, obviamente, não fecha.

Como o governo resolve esse pro-blema? “Essa mágica é feita por novos empréstimos que o país toma no exterior. É por isso que a dívida pública aumentou tanto”, diz Maria Lúcia.

Para se ter idéia do peso desses

números, a dívida pública brasilei-ra, hoje, é seis vezes maior do que há dez anos. Em 1994, somava R$ 54,9 bilhões. Em maio de 2004, chegou a R$ 946,7 bilhões. “A crescente necessidade de dólares leva o país a manter a política de

juros elevados, travando o cres-cimento econômico”, acrescenta Maria Lúcia.

A explosão do endividamento brasileiro é mais uma conta a ser computada na herança maldita dos oito anos do governo Fernando

Henrique Cardoso, com destaque para a contribuição da privatização das estatais no endividamento. “O Brasil, a partir do começo dos anos 90, principalmente 94, sofreu muito com o aumento das remessas para o exterior. Isso representa uma pres-são adicional sobre o balanço de pagamentos”, afirma Belluzzo. En-tre 1994 e maio de 2004, as remes-sas de lucros ao exterior chegam a 46 bilhões de dólares.

O governo Lula, no entanto, está produzindo sua própria mal-dição. Ao optar pela alternativa neoliberal, a dívida cresceu cerca de 40% desde janeiro de 2003. Recentemente, o governo fez uma nova emissão de títulos no valor de 750 milhões de dólares, em con-dições totalmente desfavoráveis, às vésperas de os Estados Unidos elevarem seus juros. Sinal de que a necessidade por dólares era mais que urgente.

Serviços públicos custam um absurdo

A Petrobras teve o B-60 devolvido à ANP por causa do compromisso do governo com o superávit primário

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Ano 2 • número 70 • De 1º a 7 de julho de 2004 – 9

SEGUNDO CADERNOARGENTINA

da Redação

“O governo argentino está farto de que esse senhor Noriega se intrometa

nos assuntos internos da Argenti-na”. A reação dura do chanceler argentino Rafael Bielsa tem direção certa: Roger Noriega, subsecretá-rio de Assuntos Hemisféricos do Departamento de Estado dos Es-tados Unidos. O alto funcionário estadunidense afirmou, no dia 28 de junho, que Washington via com “preocupação” o movimento de trabalhadores desempregados – os piqueteiros –, que voltaram às ruas nas últimas três semanas.

A declaração de Noriega rea-cendeu os ânimos na Argentina. Membros do governo reclamam que o funcionário estadunidense trata o país como se fosse “um quintal” dos Estados Unidos. Em agosto do ano passado, Noriega exigiu que o governo explicasse seu programa econômico e, no co-meço do ano, ante a proximidade de uma visita que o presidente Nés-tor Kirchner faria a Cuba, criticou a relação do país com o governo de Fidel Castro.

Ao mesmo tempo em que compra a briga com os Estados Unidos, o governo argentino não dá respostas ao movimento de desem-pregados que voltaram a ocupar as

Constanza Vieirade Bogotá (Colômbia)

Apesar de cercado de silêncio dentro da Colômbia, o Plano Pa-triota começa a se revelar como a mais ambiciosa e maciça ofensiva militar contra a guerrilha de esquer-da da América Latina. E dela par-ticipam tropas dos Estados Unidos. Na operação, que envolve, segundo a imprensa, 17 mil soldados e acon-tece em uma área de 260 mil quilô-metros no sul do país, atuam forças móveis e esquadrões especiais de selva, treinados e assessorados por estadunidenses e apoiados por moderna tecnologia, também dos EUA.

A região da ofensiva é território controlado pelas Forças Armadas Re-volucionárias da Colômbia (Farc), com armas há quatro décadas. O chefe do Comando Sul do Exército dos Estados Unidos, general James Hill, acaba de confirmar que o Pla-no Patriota iniciou suas ofensivas em junho, com ataques às zonas camponesas de apoio à guerrilha, ao sul de Bogotá. Depois de sair da base de Larandia, no departamento de Caquetá, de onde é coordenado o Plano Patriota, Hill revelou o que as autoridades do país evitavam reco-nhecer: o grau de profundidade da ofensiva contra as Farc.

INVASÃO BÉLICAEm um ano, Hill manteve 13

reuniões com militares colombia-nos e fez seis visitas ao Equador. Ele revelou que as duas casas do Congresso dos Estados Unidos es-tão em fase de conciliar o aumento do número de efetivos estaduniden-ses na Colômbia, de 400 para 800 militares, e outros assessores priva-dos contratados pelo Departamento de Defesa. O general acredita que a operação “desmobilizará (os guer-rilheiros) ou chegará a negociações antes de 2006”. Para ele, o sucesso do plano depende da “liderança continuada” do direitista presidente Álvaro Uribe, da “contínua ajuda dos Estados Unidos e que o povo colombiano saiba que é necessário um sacrifício”.

Entretanto, analistas militares,

Gustavo Gonzálezde Santiago (Chile)

Os chilenos iniciaram uma campanha para que o presidente Ricardo Lagos não autorize a en-trada no país do presidente dos Es-tados Unidos George W. Bush, em novembro. Segundo o advogado Mariano Rendón, coordenador do grupo Ação Ecológica, a rejeição a Bush se deve não apenas à guerra no Iraque, como também à negativa do presidente estadunidense em assinar o Protocolo de Kioto, para

redução da emissão de gases do efeito-estufa.

Mais de cem organizações sindi-cais, humanitárias, ambientalistas, estudantis, de mulheres, de minorias sexuais e outros setores se reuniram, dia 19 de junho, em La Lígua, para convocar o Fórum Social Chileno. O encontro será em 19, 20 e 21 de setembro, mesmas datas da reunião de cúpula do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec na sigla em inglês). Ao encontro da Apec devem comparecer Bush e outros 19 chefes de Estado, além de

grandes empresários.A declaração do Fórum Social

Chileno afirma: “Enquanto os di-rigentes e os empresários da Apec tomam decisões que afetam a vida cotidiana dos habitantes desses países, a cidadania estará excluída dos debates e, por certo, das deci-sões.” O Fórum da Apec, criado em 1989, é o maior bloco econômico do planeta. Os 21 países-membros são responsáveis por 55% do comércio e 57% da produção mundiais; os 2,5 bilhões de habitantes sob sua jurisdi-ção contribuíram com 70% do cres-

cimento global na última década.Chile, México e Peru são os

únicos membros latino-america-nos da Apec. A eles se somam os Estados Unidos, Japão, China, Rússia, Austrália, Brunei, Canadá, Cingapura, Coréia do Sul, Filipi-nas, Hong Kong, Indonésia, Ma-lasia, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, Tailândia, Taiwan e Vietnã. Para 2010 está previsto o livre comércio entre os países desenvol-vidos e, para 2020, entre todos os países da Apec. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

Piqueteiros enfrentam governo e EUAGoverno não responde a movimento de desempregados; manifestantes ocupam delegacia após assassinato de trabalhador

FÓRUM SOCIAL CHILENO

Campanha quer impedir visita de Bush

COLÔMBIA

Plano Patriota começa a sair da sombra

colombianos e estadunidenses, re-conhecem que as Farc não sofreram grandes perdas, que sua liderança está intacta e que parecem estar dedicadas a uma retirada estraté-gica. “Não deve haver ilusões de uma campanha militar rápida e decisiva”, diz um documento da não-governamental Washington Office on Latin America (Wola – Escritório sobre a América Latina em Washington).

Segundo a entidade, a operação é exclusivamente bélica, por isso o “Plano Patriota marca a entrada dos Estados Unidos em uma nova

fase, mais intensa, de participação militar no conflito armado colom-biano”. A organização, que faz uma campanha para que o Congresso não autorize o aumento da presença militar na Colômbia, afirma que, ao contrário do Plano Colômbia (tam-bém financiado por Washington), o Patriota não pretende ampliar os propósitos antinarcotráfico.

EQUADOR EM ALERTAO ex-presidente Andrés Pastrana

(1998-2002) negociou e conseguiu o apoio militar dos Estados Unidos, concretizado no Plano Colômbia,

enquanto mantinha diálogo com as Farc em uma zona desmilitarizada de 42 mil quilômetros quadrados no Caguán, a mesma região onde hoje opera o Plano Patriota. O Plano Colômbia, já fracassado, segundo muitos observadores, visava a re-dução na oferta de drogas para o mercado estadunidense, diminuin-do sua produção (plantação de coca e elaboração da cocaína), o que, ao mesmo tempo, deveria enfraquecer a renda da guerrilha. Os críticos dos dois planos reprovam o fato de terem sido concebidos e preparados por Bogotá junto com os departa-mentos de Estado e de Defesa e, ainda, sob o Comando Sul do Exér-cito dos Estados Unidos.

Enquanto Bogotá evitava se referir à operação contra as Farc, a Associação Latino-Americana de Direitos Humanos (Aldhu), com se-de em Quito, alertou sobre o impac-to do Plano Colômbia no Equador, que compartilha 640 quilômetros de fronteira com a Colômbia. A Aldhu advertiu que pode aumentar o fluxo de civis colombianos que fogem do conflito rumo a esse país, mas, também, que poderia levar os traficantes de insumos bélicos e drogas a se instalarem em território equatoriano. O Plano Patriota se complementaria com a estaduni-dense Iniciativa Regional Andina,

dirigida a Equador, Peru, Bolívia e Panamá, com o objetivo de blindar militarmente as fronteiras com a Colômbia.

Por outro lado, o governo ini-cia negociações com outro dos atores armados, as direitistas e paramilitares Autodefesas Uni-das da Colômbia (AUC), cujos máximos líderes são acusados de narcotráfico nos Estados Unidos, e as quais a Organização das Na-ções Unidas considera responsá-veis pela maior parte dos crimes contra civis. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

principais cidades argentinas, rei-vindicando políticas sociais. No dia 25 de junho, em um caso mal expli-cado, o piqueteiro Martín Cisceros foi assassinado, desencadeando a ocupação de uma delegacia em La Boca, em Buenos Aires.

O dirigente operário Luis D’Elia, da Federação Terra e Mo-radia, coordenou a ação, de sete horas. Depois que saiu do local, D’Elia denunciou que os policiais davam proteção a narcotraficantes e a prostíbulos na região. Antes da ocupação da delegacia em La Boca,

foram registradas uma manifesta-ção na sede da empresa petroleira Repsol-YPF, a ocupação de lancho-netes do McDonald´s e ações em pedágios.

MARCHA POR JUSTIÇAMais de 50 mil pessoas de dife-

rentes entidades se reuniram, no dia 26 de junho, na Ponte Puerreydón, em Buenos Aires, no principal ato público que marcou os dois anos do massacre de Avellaneda. A ma-nifestação foi para lembrar a morte dos piqueteiros Darío Santillán e

Maxiliano Kosteki, militantes do Movimento de Trabalhadores De-sempregados Aníbal Verón.

As várias organizações assina-ram um documento único em que exigem castigo aos responsáveis pelo massacre de 2002. Néstor Pi-trola, do Pólo Operário, disse que o ato também foi para denunciar “a crescente escalada dos casos de ga-tilho fácil”. Pitrola assinalou que, “com a marcha de multidões, os piqueteiros mostraram sua unidade ao governo”. No entanto, advertiu para o perigo que ronda os setores

que se aproximam do Partido Justi-cialista, porque “estão se metendo numa luta interna entre Duhalde e Kirchner. Nenhum dos dois está preocupado em resolver os pro-blemas dos setores empobrecidos”, afirmou.

Os manifestantes expressaram ceticismo a respeito do governo de Néstor Kirchner, que em dezembro recebeu os famíliares de Santillán e Kosteki. Na audiência, prometeu uma resposta em três meses. Até agora, nenhuma atitude foi tomada. (Com agências)

Mais de 50 mil pessoas mostraram sua revolta pelo assassinato de Martín Cisneros na Ponte Puerreydón, em Buenos Aires, no dia 26 de junho. A data marca também o massacre de Avellaneda, em que morreram dois piqueteiros do MTD. O povo pede responsabilização pelo massacre e comprometimento com os problemas populares.

O Congresso dos EUA está para dobrar seu número de efetivos militares na Colômbia

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AMÉRICA LATINA

João Alexandre Peschanskida Redação

O presidente argentino, Néstor Kirchner, aguarda a cola-boração de seu colega bra-

sileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, para iniciar uma batalha contra as políticas impostas pelos organismos internacionais, como o Fundo Mo-netário Internacional (FMI). “Mas, para sua desgraça, o governo Lula se converteu no novo bastião da or-todoxia neoliberal na região”, avalia o sociólogo argentino Atilio Boron. Em entrevista ao Brasil de Fato, Boron discute os rumos de Kirchner no governo e os impactos das políti-cas neoliberais na Argentina.

Brasil de Fato – Por que, depois de um ano de governo, Kirchner tem 79,4% de aprovação popular?Atilio Boron – Por vários motivos. Primeiro, pelo fato de ser um pre-sidente surgido de uma eleição em que a outra alternativa era Carlos Menem, que representava uma intolerável volta ao passado. Kirchner, com seu segundo lugar no primeiro turno das eleições, provocou a fuga do ex-presidente e seu irreversível desapareci-mento do cenário político. Além disso, capitalizou a indignação de amplos setores da sociedade pela sabotagem institucional do ex-presidente ao impedir a realização da votação que, se-gundo pesquisas prévias, teria resultado em esmagadora vitória de Kirchner. Em segundo lugar, a ascensão de Kirchner – até pou-co mais de um ano uma figura marginal na política argentina – é incompreensível se fizermos abstração das grandes revoltas populares que vinham comoven-do o país desde o início do go-verno da Aliança e que, nos dias 19 e 20 de dezembro de 2001, chegaram ao auge ao derrubar o governo de Fernando de la Rúa. Esse acontecimento pôs em evi-dência a gravidade da fenome-nal “crise orgânica”, em sentido gramsciano, em que havia caído a Argentina, potencializada pela queda simultânea, e igualmente catastrófica, da convertibilidade do peso. Essa crise – que devo-rou quatro presidentes em pouco mais de uma semana – deixou se-qüelas profundas na vida pública, uma das quais continua sendo a radical deslegitimização da clas-se política tradicional. Kirchner teve a sorte de ser encarado co-mo um componente menor nessa constelação de poder.Em terceiro, diferente de muitos chefes de Estado, Kirchner não foge ao contato direto com a po-pulação. Seu estilo é sumamente informal. Ele detesta as media-ções e as barreiras que o protoco-lo, ou a segurança, impõem aos governantes. Em quarto lugar, é preciso assinalar que Kirchner ca-pitalizou muito bem seu enfrenta-mento, por certo mais retórico do que substantivo, aos grandes mo-nopólios, aos burocratas do FMI e do Banco Mundial, ao governo estadunidense, ao governo espa-nhol e aos investidores estrangei-ros. Os ataques furibundos da direita argentina, famosa por sua intolerância a qualquer pretensão de progressismo, lhe granjearam apoios renovados. Por último, em assuntos que não a economia, a gestão de Kirchner não se deteve no plano retórico e se viu ratifica-da com fatos concretos, sobretudo em matéria de direitos humanos, na depuração da Corte Suprema de Justiça e dos altos comandos das Forças Armadas.

BF – Kirchner renegociou os acordos com o FMI. Sua estra-tégia é resistir ao domínio dos Estados Unidos e romper com o neoliberalismo?

ARGENTINA

Kirchner espera pelo apoio de LulaPara o sociólogo Atilio Boron, o presidente argentino não se submete aos EUA, mas não tem força para romper

Quem éSecretário executivo do Con-

selho Latino-Americano de Ciên-cias Sociais (Clacso), o sociólogo argentino Atilio Boron é professor da Universidade de Buenos Aires, onde ensina e pesquisa os impactos do neoliberalismo e da globaliza-ção. É autor, entre outros, de Es-tado, capitalismo e democracia na América Latina (Paz e Terra) e Fi-losofia política marxista (Cortez).

Boron – Lamentavelmente, não creio que, na agenda governa-mental de Kirchner, figure em lugar proeminente a ruptura com o neoliberalismo. Os “ganhado-res” e os “perdedores” das polí-ticas econômicas do kirchnerismo são os mesmos do menemismo. Entre os ganhadores sobressaem as empresas privatizadas, os mo-nopólios estrangeiros, os setores mais concentrados do capital na-cional e a oligarquia financeira e rentista. Os perdedores também são os mesmos: trabalhadores, camadas médias empobrecidas e vastos conjuntos populares condenados ao desemprego crô-nico, à exclusão social. Apesar da notável mudança na retórica oficial, o injusto padrão distribu-tivo de renda, estabelecido com as reformas neoliberais dos anos 90, se manteve. Se os números do desemprego mostram uma leve melhora, deve-se à inclusão, na categoria de “trabalhadores ocupados”, de aproximadamen-te um milhão de pessoas que recebem um modesto subsídio de desemprego equivalente a 50 dólares mensais. Em síntese, a postura de Kirchner é a de um duro negociador – ao menos pa-ra os padrões latino-americanos – com os agentes nacionais e internacionais do neoliberalismo, alguém a quem não interessa fazer da submissão ao imperia-lismo estadunidense sua carteira de identidade. Em todo caso, sua vontade de transcender nos fatos as fronteiras do neoliberalismo ainda está por se ver.A prolongada negociação com o FMI deixou dois ensinamentos fundamentais: um, que o governo argentino continuou negociando com o FMI quando economistas como o Prêmio Nobel de Econo-mia Joseph Stiglitz diziam que o FMI era o problema e não a solu-ção. Aí o governo esteve mal. O segundo ensinamento é que, em que pese o que foi dito agora, o governo manteve uma certa dig-nidade e rejeitou as exigências absurdas e leoninas em relação ao superávit fiscal, não dando ouvidos aos conselhos do FMI de “imitar o que Lula fez no Brasil” e se comprometer com um superávit de 4% ou 4,5% do PIB. Em resu-mo, o panorama econômico do kirchnerismo exibe as seguintes características: negociação dura com o FMI; ocasional falta de docilidade diante das ordens da Casa Branca (desobedecendo-a

quando lhe exigem que condene Cuba, mas obedecendo quando pedem que, junto ao Brasil e ao Chile, vá reforçar a repressão no Haiti, ou que continue negociando com o Fundo); e, sobretudo, saída da convertibilidade sem sair do neoliberalismo, que é o grande problema atual da Argentina.

BF – Como se manifesta o neolibe-ralismo na Argentina? Há alguma diferença com o que ocorre em outros países latino-americanos?Boron – A vitalidade do neolibe-ralismo se comprova ao se obser-var a persistência dos seguintes elementos: a) a valorização da renda financeira continua sendo o eixo fundamental da política econômica; a especulação fi-nanceira está sendo estimulada pelo governo, pois os lucros que produz não geram obrigações impositivas na Argentina. b) a imutabilidade de um padrão dis-tributivo de renda extraordina-riamente desigual e regressivo, resultante das políticas do “neo-liberalismo selvagem” implan-tadas nos anos do menemismo. c) a vigência dos parâmetros macroeconômicos fundamentais instituídos durante os anos 90, como as privatizações, a desre-gulamentação e a liberação dos mercados, a abertura externa, a fragilidade do Estado e do gasto público, a desindustrialização, a dependência de exportações com escasso valor agregado etc. d) a continuidade das equipes técni-cas da área econômica, quase sem exceção as mesmas do governo anterior, e a constante aceitação do papel decisório do FMI nas grandes definições de política econômica, para além das ríspidas controvérsias que ocasionalmente sejam suscitadas com seus representantes.Dito isso, creio que, apesar das limitações assinaladas, existe em Kirchner a intenção de questio-nar o neoliberalismo. Diferente dos governantes da região – Ri-cardo Lagos, do Chile; Vicente Fox, do México, ou Lula, do Bra-sil – Kirchner detesta o Consenso de Washington. Acredita que é

uma extorsão e chamou seus be-neficiários de “abutres” ou “de-linqüentes”. Se o aceita, é como um mal menor, ou, talvez, como resultado do que percebe – erro-neamente no meu entender – co-mo uma impossibilidade prática de romper com seu predecessor. Kirchner proclama a necessida-de de abandonar o neolibera-lismo (seu discurso na Reunião de Cúpula de Monterrey, diante de George W. Bush, foi, nesse sentido, impecável), mas descon-fia de suas próprias forças para conseguir esse abandono. Sente que necessita do apoio do Brasil para iniciar tal empreendimento, mas para sua desgraça o go-verno Lula se converteu no novo bastião da ortodoxia neoliberal na região, sendo, como Menem no passado, “mais realista que o rei”. Então Kirchner conclui que a Argentina não pode iniciar sozinha tamanha batalha con-tra o neoliberalismo. Esperando pacientemente uma eventual mu-dança de rumo de seu amigo Lu-la, que o apoiou com firmeza na campanha eleitoral e durante seu primeiro ano de governo, Kirch-ner se limitou a adotar poucas iniciativas no terreno econômico e a cultivar uma ácida retórica condenatória do neoliberalismo.

BF – Quais seriam as conseqüên-cias da implantação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) para o governo Kirchner?Boron – Catastróficas, em relação direta com o grau de industriali-zação e diversificação estrutural das economias. Por isso, dado à complexidade e ao volume de sua economia, para o Brasil a implantação da Alca significaria um retrocesso fenomenal, jogar pela janela um projeto industria-lizador, de alto êxito em alguns itens, sustentado por mais de meio século. Para a Argentina a Alça também seria muito ne-gativa, enquanto para países com economias menores, menos diversificadas e com escassa base industrial, como o Peru, Equador ou Uruguai, as conseqüências seriam menos graves no que diz

respeito a desempenho econômi-co. De todo modo, tanto em um como no outro caso, a liquidação prática de qualquer resto de au-todeterminação e de soberania nacional que a Alca implica – de fato, nossa anexação econômica e política aos Estados Unidos – te-ria conseqüências muito negati-vas sobre o funcionamento geral da economia e a sustentabilidade dos avanços democráticos.

BF – Há diferença entre um acor-do de livre comércio com os Esta-dos Unidos e com a Europa?Boron – Não. São diferenças menores, de grau. A Europa, ainda que seja a Europa “so-cial-democrata”, está tão iden-tificada com o imperialismo e o neoliberalismo como a direita estadunidense. Basta analisar a deplorável conduta de Tony Blair e a famosa “terceira via” do Novo Trabalhismo. O que ocorre é que, no caso da Alca, a integração econômica, de fato a total subordinação econômi-ca aos Estados Unidos, traria também uma submissão política direta que, no caso da União Européia, seria muito mais difícil de conseguir. Afinal das contas, os Estados Unidos são a única superpotência militar do planeta e isso faz diferença.

BF – Como está a mobilização popular na Argentina?Boron – Não há mais panelaços porque os trabalhadores refleti-ram uma situação momentânea da crise política argentina. Os setores “paneleiros” foram mo-bilizados por uma combinação de circunstâncias: o bloqueio e o cancelamento de seus depósitos em dólares e em pesos; a sensa-ção de colapso gerada pelo des-governo dos meses finais da ges-tão Menen, sobretudo ao se des-vanecerem os truques de espelho maliciosamente forjados por Domingo Cavallo; o mal-estar diante da provocação autoritária do presidente de la Rúa e diante da corrupção generalizada que dizimou a legitimidade da di-reção política. Essas condições desapareceram, em boa medida, durante a gestão Duhalde e, com elas, desapareceram os protes-tos e os panelaços nas classes médias. Quanto à situação dos trabalhadores e da população em geral, eu diria que estamos num período de relativo refluxo, depois das grandes jornadas de dezembro de 2001. Persistem, entretanto, muitos focos de pro-testo e mobilização.É claro que as altas taxas de desemprego e os estragos da pobreza tornam estas organi-zações sumamente vulneráveis diante das incipientes políticas sociais do kirchnerismo – que tiveram um relativo êxito em cooptar uma parte da direção (e às vezes até as organizações) dos piqueteiros. Apesar disso, a Argentina se aproxima de uma fase de fortes turbulências, em que as lutas sociais se agrava-rão. Kirchner enfrenta um grave dilema: se continuar com o rumo neoliberal, a radicalização dos protestos será impossível de conter. E se mudar para uma direção “pós-neoliberal”, a di-reita e seus aliados imperiais já têm prontos seus tradicionais arsenais de combate, e também nesse caso a Argentina veria aguçar-se a luta de classes. Diante do esgotamento do neo-liberalismo, a Argentina, como toda a nossa região, se aproxi-ma da “hora da verdade”. Cada país enfrentará essa conjuntura com os aprendizados de lutas passadas e a capacidade atual de organização de suas forças populares e de esquerda.

Mesmo com organizações populares vulneráveis, haverá uma turbulência social

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INTERNACIONAL

João Alexandre Peschanskida Redação

O presidente dos Estados Uni-dos, George W. Bush, trans-feriu dia 28 de junho, dois

dias antes do previsto, o controle político do Iraque a um governo interino iraquiano, encabeçado pe-lo primeiro-ministro Ayad Allawi e pelo presidente Ghazi al-Yawar. Em comunicado oficial, Bush declarou que a era da liberdade começava e a principal tarefa do novo governo deve ser pacificar o país. A medida gerou alvoroço nos grandes meios de comunicação e no parlamento estadunidenses. Um dos maiores canais de TV do país, a CNN anunciou: “Estados Unidos devolvem soberania ao Iraque”. No parlamento, deputados festejaram, avaliando a decisão como uma vi-tória para as democracias iraquiana e estadunidense.

As declarações tentam ocultar uma farsa. O governo, que toma o lu-gar da Autoridade Provisória da Co-alizão (CPA), há 14 meses no poder, não tem a tarefa de pacificar o Ira-que, mas de reprimir os grupos que resistem à ocupação. A estratégia de Bush é simples. Em primeiro lugar, os estadunidenses se desresponsa-bilizam da violência (massacre, tortura etc.) cometida contra a po-pulação iraquiana, principalmente os que não aceitam a ocupação do país. Assim, o que ocorreu no pre-sídio de Abu Ghraib, onde prisio-neiros iraquianos foram torturados por soldados estadunidenses, não vai deixar de ocorrer – só que os carrascos agora serão iraquianos, financiados pelos Estados Unidos, pois Bush disse que não poupará esforços financeiros para garantir o sucesso do novo governo.

Em segundo lugar, Allawi e al-Yawar não têm que se subme-ter à pressão da opinião pública estadunidense. Para Bush, em campanha para a reeleição, manter uma boa imagem é fundamental. Em recentes pesquisas, o atual presidente estadunidense aparece com 46% das intenções de voto, exatamente o mesmo resultado de seu adversário, John Kerry. Apesar do empate, Bush tem um alto índice de reprovação (mais da metade da população) e influentes personali-dades, como o especulador George Soros e o documentarista Michael Moore, iniciaram uma campanha contra ele. A principal estratégia dos opositores de Bush é conven-cer a população a participar da eleição em novembro (o voto nos Estados Unidos não é obrigatório), enquanto o presidente tenta reverter a reprovação a seu governo, muito associada à situação no Iraque.

Além disso, o novo governo, composto por iraquianos de dife-rentes etnias (Allawi é xiita; al-Yawar, sunita; e o vice-presidente, Rowsch Shaways, curdo), vai ter mais penetração na população e obter mais facilmente informações sobre os grupos resistentes. Como o governo ainda não conta com

1º de maio de 2003 – após seis semanas de ataques, o presidente estadunidense George W. Bush declara que os combates acaba-ram, que os Estados Unidos ven-ceram, mas que a guerra contra o terrorismo continua.

16 de maio – o estadunidense Paul Bremer é nomeado adminis-trador civil do Iraque e dissolve o Exército iraquiano. Muitos dos soldados demitidos vão formar guerrilhas de resistência à invasão.

2 de outubro – relatório do Grupo de Inspeção no Iraque (ISG) de-clara: não há armas de destruição em massa no país. O governo estadunidense havia apresentado

provas da existência de tal arma-mento para justificar a ocupação.

30 de outubro – a Organização das Nações Unidas deixa Bagdá, capital do Iraque, avaliando que a situação da cidade é perigosa para seus funcionários.

13 de dezembro – o ex-líder ira-quiano Sadam Hussein é preso.

2 de março de 2004 – atenta-dos simultâneos aterrorizam Bagdá. Mais de 170 pessoas são mortas, incluindo solda-dos estadunidenses. Militares dos Estados Unidos são se-qüestrados por forças rebeldes iraquianas.

8 de março – uma constituição provisória, que estabelece a trans-ferência do poder a um governo iraquiano em 30 de junho, é ratificada.

28 de abril – fotos de solda-dos estadunidenses torturando iraquianos no presídio de Abu Ghraib geram protestos em todo o mundo.

24 de junho – mais de cem mortos e 300 feridos em atentados em diversas cidades iraquianas.

28 de junho – o administrador da CPA Paul Bremer transfere o poder para um governo formado por iraquianos e deixa o país.

Jorge Pereira Filhoda Redação

Mais de 40 mil turcos protes-taram, dia 26 de junho, contra a invasão do Iraque e o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, durante reunião da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O encontro dos líderes dos 26 países que integram a entidade ocorreu em Estambul, Turquia, e selou a recon-ciliação das grandes potências im-perialistas: EUA, Inglaterra, Alema-nha e França. Os manifestantes en-frentaram um rígido esquema de se-gurança, qualificado por alguns jor-

nais estrangeiros como “um Estado virtual de exceção”. O trânsito de veículos e de pessoas foi proibido em um grande perímetro da cidade.

Momentos antes da reunião da Otan, Estados Unidos e União Européia lançaram uma declara-ção estabelecendo compromissos conjuntos para a “reconstrução” do Iraque – o que, na prática, significa dividir uma participação nos negó-cios iraquianos controlados, agora, pelos estadunidenses. Embora o presidente francês Jacques Chirac, e o premiê alemão, Gerhard Schro-der, mantenham posição contrária ao envio de tropas ao Iraque, houve

um acordo mínimo sobre o treina-mento de soldados iraquianos.

CANDIDATURA ABALADAAs nações da Otan concorda-

ram também em perdoar parte da dívida externa do Iraque, que hoje chega a 120 bilhões de dólares. O perdão atende a um pleito antigo dos EUA aos europeus para que considerassem a dívida iraquiana ilegítima por ter sido contratada em um regime antidemocrático. O mesmo argumento, no entanto, os próprios Estados Unidos não acei-tam para discutir a dívida dos países latino-americanos e africanos, cujos

contratos em sua maioria foram as-sinados por governos militares ou ditatoriais, como no caso brasileiro.

Em discurso, Bush divulgou que chegava ao fim as divergências entre Washington e seus aliados europeus, principalmente Paris e Berlim. O presidente estadunidense chegou à Europa com o objetivo de arrancar acordos com seus antigos aliados. Enfrentando fortes resistências po-pulares em todo o mundo, Bush vê crescer a oposição a seu nome nas disputas presidenciais. Os seguidos fracassos no Iraque e a força da resis-tência interna às tropas estaduniden-ses enfraqueceram sua candidatura.

O recuo dos europeus não foi total. A Espanha, do primeiro-mi-nistro socialista Francisco Zapatero – que logo depois de sua eleição retirou tropas do Iraque – manteve a posição de não participar dos ne-gócios depois da invasão. Mesmo o acordo com a França e a Alemanha saiu aquém das expectativas do governo estadunidense, que queria realizar o treinamento das tropas no território iraquiano. Berlim e Paris rejeitaram a proposta e só aceitaram cooperar em outro país. De qualquer forma, trata-se de uma capitulação de Chirac e de Schroder frente à pressão estadunidense.

IRAQUE

Governo fantoche mantém poder estadunidenseBush monta um governo interino de cooperação, se livra da pressão pública e mantém ocupação com 150 mil soldados

forças militares e policiais nacio-nais, as atividades de repressão devem continuar sob a respon-sabilidade dos 150 mil soldados estadunidenses que ainda ocupam o país e vão permanecer no Iraque. Até o momento, de acordo com dados levantados por diversas en-tidades, entre 9.436 e 11.317 civis iraquianos foram mortos desde o

início da invasão do país, em abril de 2003.

PODER SOBERANO?O novo governo do Iraque re-

sultou de negociações entre as di-versas comunidades iraquianas, os representantes de Bush e o enviado especial das Nações Unidas no país – este teve pouca influência na esco-

lha dos ministros. Apesar de a gran-de imprensa estadunidense declarar que o Iraque é agora soberano, a população do país não participou da escolha de seus líderes. Em entre-vistas realizadas pela televisão ie-menita Al-Jazeera, dia 26 de junho, iraquianos consideravam uma piada a transferência do poder. Em Bagdá, capital do país, um homem declarou

ao repórter da TV que o governo era formado por representantes iraquia-nos de Bush e que temia que as elei-ções no país, previstas para janeiro de 2005, fossem canceladas.

O novo governo não pretende resistir à ocupação e interromper o controle econômico do país, princi-palmente do petróleo, por empresas estadunidenses. Uma das resoluções da transferência de poder garante aos Estados Unidos a fiscalização e a exploração dos poços petrolíferos. O recém-empossado embaixador estadunidense no Iraque, John Ne-groponte, terá a responsabilidade de controlar e orientar a política eco-nômica do governo. A embaixada dos EUA no país será a maior do mundo, com 1.500 funcionários. A pedidos de Allawi, 150 conselheiros técnicos estadunidenses vão partici-par das atividades de alguns minis-térios iraquianos, como o da Econo-mia e o do Petróleo. Bush também terá garantida sua participação no julgamento do ex-líder iraquiano Sadam Hussein. A condenação de Hussein – praticamente pré-anun-ciada pelo secretário de Estado dos Estados Unidos, Colin Powell – é vista como um meio de alavancar votos para Bush.

Allawi, o principal nome do governo, tem muita influência na população iraquiana, pois o partido que fundou, o Projeto Nacional do Iraque, fez oposição ao regime de Hussein. Nos anos 70, ele teve que fugir do país e morou na Inglaterra e nos Estados Unidos. Com o apoio da Agência Central de Inteligência (CIA), Allawi articulou a resistên-cia a Hussein. Durante a Guerra do Golfo, promovida pelo presidente George Bush pai, em 1991, ele tra-balhou como informante da agên-cia de espionagem estadunidense. Alguns analistas estadunidenses, entrevistados pela CNN, zombaram da escolha de Allawi para o gover-no. Um deles declarou: “Falam de um poder soberano, mas (Allawi) é como se fosse um funcionário da Casa Branca”.

União Européia e EUA firmam acordo sobre invasão

Cronologia de uma ocupação militar

A justificativa de se criar um governo interino sustenta a farsa da paz quando a intenção é reprimir

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De 1º a 7 de julho de 200412

INTERNACIONALÁFRICA

Zâmbia-Cuba Num editorial intitulado “apren-dendo com Cuba”, o jornal The Post, um dos principais da Zâmbia, disse no dia 23 de junho que a Zâmbia tem muito o que aprender com os “irmãos e irmãs socialistas”, e louvou o fortalecimento dos laços entre Cuba e Zâmbia. “Zâmbia, um país dotado de abundantes recursos naturais, encontra-se hoje tristemente entre as nações mais pobres do mundo. Já os nossos companheiros socialista, depois de 40 anos de um bloqueio econômico sem sentido imposto pelos Estados Unidos, elevaram-se às alturas no que se refere à escala social. Nós realmente precisamos dessa coo-peração! (com Cuba)”. (...) “O que temos a mostrar em nosso compro-

misso com as políticas do FMI e do Banco Mundial?”, questionava a publicação. “Sentimo-nos grandemente encorajados pela postura firme e inabalável de Cuba contra as po-líticas neoliberais que estão sendo impostas aos países em desen-volvimento pelo FMI e pelo Banco Mundial em nome da liberalização econômica, dos programas de ajus-te estrutural e da globalização.”

Namíbia-CubaEm visita oficial de três dias a Cuba, o presidente da Namíbia, Sam Nu-joma, foi recebido pelo presidente Fidel Castro, no dia 23 de junho. Em sua quinta viagem ao país da Amé-rica Central, Nujoma participou da inauguração da escola Solidarieda-

de com a Namíbia. Cuba e Namíbia firmaram relações diplomáticas em março de 1990. A cooperação entre os dois países se dá nas áreas de saúde, agricultura, educação, pe-cuária, construção civil e esportes. Nujoma estava acompanhado dos ministros das Relações Exteriores, da Terra e Reforma Agrária e da Saúde. Mais de 500 colaboradores cubanos já prestaram serviço na Namíbia, principalmente na área da saúde. Cerca de 1270 estudantes namíbios já se formaram em Cuba, nos níveis médio e superior.

Zimbábue-CubaA intervenção do presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, foi uma das mais aplaudidas da IV Reunião de Chefes de Estado e Governo do

Grupo de Nações da África, do Caribe e do Pacífico (ACP), no dia 24 de junho, em Maputo, Moçambique. Com relação à política da União Européia (UE) contra seu país, em particular aquela adotada pelo Reino Unido, alegou que é ofensivo e repugnante dizer que no Zimbábue não existe liberdade e que não são respeita-dos os direitos humanos.Mugabe condenou também as san-ções impostas pelo governo dos Es-tado Unidos a Cuba, que descreveu como “um país que decidiu fazer o melhor por seu povo e que beneficia com sua generosidade 65 países do mundo”. Deu como exemplo os 200 médicos cubanos que traba-lham no Zimbábue e tantos outros na África do Sul.

Mário Osavade São Paulo (SP)

Os países mais vulneráveis ne-cessitam de uma atenção efetiva em todos os fóruns mundiais, porque continuam sem receber a ajuda oficial para o desenvolvimento que lhes foi prometida e não podem se beneficiar da expansão do comér-cio mundial. Este foi o chamado de Anwarul Chowdhury, subsecre-tário-geral da Organização das Na-ções Unidas e alto representante dos Países Menos Avançados (PMA), dos Países em Desenvolvimento sem Litoral e dos Pequenos Esta-dos Insulares em Desenvolvimen-to, durante a XI Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), que aconteceu em São Paulo.

Os países ricos deveriam des-tinar 0,2% de seu produto interno bruto em ajuda oficial ao desenvol-vimento para os 50 PMA, mas só entregam 0,11%. O algodão é uma das principais exportações de pelo menos 20 dessas nações, a maio-ria da África. Porém, os subsídios concedidos pelos Estados Unidos aos seus algodoeiros deprimiram os preços em 25%. Assim, a África perdeu, no mínimo, 300 milhões de dólares em renda, disse Chowdhury à IPS. Essa quantia é vital para paí-ses onde a maioria da população vi-ve com menos de um dólar por dia e a expectativa de vida não passa dos 50 anos.

Somente em Benin, Burkina Faso e Mali, quase 11 milhões de pessoas dependem da renda do al-godão e sofrem na própria carne os efeitos dos subsídios norte-ameri-canos, condenados na Organiza-ção Mundial do Comércio graças a uma denúncia feita pelo Brasil. Os PMA somam 736 milhões de habi-tantes, mais de 11% da população mundial, mas sua participação no comércio global se limita a 0,4%, destacou o subsecretário-geral da

ZÂMBIA

Localização: África Austral (do Sul)Nacionalidade: zambianaCidades principais: Lusaka (capital), Ndola, Kitwe Línguas: inglês (oficial), nianja, bemba, tongaDivisão política: 9 provínciasRegime político: república presidencialistaPopulação: 10,9 milhões (2002)Moeda: kwachaReligiões: católica (34%) protestante (30%), tra-dicionaisHora Local: +5Domínio internet: .zmDDI: 260

Sanjay Suride Londres (Inglaterra)

A intervenção do Banco Mun-dial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) arruinou

a economia da Zâmbia, que já che-gou a ser um dos países mais ricos da África Subsaariana, afirmou o Movimento Mundial de Desenvol-vimento (WDM, sigla em inglês) em recente estudo. Na década de 70, depois da crise do petróleo e do colapso dos preços dos produtos básicos, Zâmbia teve de recorrer a essas duas instituições financeiras internacionais em busca de créditos. As reformas que ambas impuseram em troca “provocaram diretamente a perda de dezenas de milhares de empregos, a destruição de indús-trias-chave, distúrbios sociais e pobreza crescente”, afirma o estudo do WDM, uma organização não-go-vernamental com sede em Londres.

O documento, intitulado “Zâm-bia: Condenado à dívida”, afirma que “a liberalização do comércio, a desregulamentação, o desmante-lamento do setor público e as pri-vatizações maciças” são a causa da queda da Zâmbia do 130º lugar no Índice de Desenvolvimento Huma-no em 1990 (uma posição já pobre) para o 163º em 2001. A situação se repete em muitos outros países africanos. “Nosso estudo dos casos do Maláui e do Senegal nos levou a conclusões muito semelhantes, em-bora em diferente grau”, afirmou Dave Timms, do WDM. O caso da Zâmbia, que adotou um regime democrático depois de sua inde-pendência em 1964 e não esteve em guerra, “é um dos piores e uma das provas mais claras do fracasso das políticas do FMI e do Banco Mun-

Zâmbia: uma nação arruinada pelo FMIIntervenção do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial gerou desemprego e crise social

Notas da África

Países menos desenvolvidos pedem socorro

ONU. A maioria deste grupo está entre as 39 nações que dependem de um único produto básico, como o algodão, e ficam sem alternati-vas diante da queda dos preços internacionais.

Por isso, além de recuperar preços, estes países necessitam que a comunidade internacional estabeleça uma “política consis-

dial”, ressaltou Timms.Em algumas áreas, o impacto

das políticas foi dramático, afirma o relatório, escrito pelos economis-tas zambianos Jack Jones Zulu e Lishala Situmbeko. Por exemplo, a redução das alíquotas de im-portação de produtos têxteis e a eliminação de alíquotas para roupa usada provocou a importação em grande escala de vestuário barato de segunda mão. Como resultado, de 140 fábricas têxteis que exis-tiam em 1991, em 2002 restavam apenas oito e o número de empre-gos no setor caiu de 34 mil para 4 mil. “Costumávamos fornecer aos intermediários 3.500 toneladas de roupas por ano, agora vendemos apenas 500 toneladas”, afirmou Ra-

mesh Patel, dono de uma empresa têxtil. Há oito anos, a fábrica tinha 250 empregados, agora conta com apenas 25, acrescentou.

Entre princípios dos anos 70 e finais dos 80, a dívida externa de Zâmbia cresceu de 814 milhões de dólares para 6,916 bilhões de dólares, revela o informe do WDM. Entretanto, até o início do ano pas-sado, o país havia recebido apenas 5% da redução da dívida em virtu-de da iniciativa para Países Pobres Muito Endividados (HIPC, na sigla em inglês). Segundo o WDM, essa iniciativa “é outro instrumento com o qual FMI e Banco Mundial exer-cem sua influência sobre a econo-mia de Zâmbia”. Em troca do alívio da dívida, as instituições de Bretton

Woods realizam intervenções po-líticas em matéria de desregula-mentação, privatização, demissões, congelamento de salários e redução do apoio governamental ao setor agrícola. Essas políticas foram, até agora, “um rotundo fracasso”.

O próprio Banco Mundial reco-nheceu em 2000 que a eliminação dos subsídios para o cultivo de milho e para fertilizantes provocou “paralisação e regressão, em lugar de ajudar o setor agrícola de Zâm-bia”. O produto interno bruto nacio-nal por habitante caiu de 1,455 dólar em 1976 para 892 dólares em 2000, diz o relatório. Essa queda eco-nômica se reflete em uma queda social. “Por exemplo, a proporção da população considerada desnu-

trida, com um consumo de calorias inferior ao mínimo necessário de energia, aumentou de 45% em 1990 para 50% em 2001”, acrescenta o documento.

Sem mudanças radicais, parece impossível que a Zâmbia possa al-cançar a maioria dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, fixa-dos pelos Estados-membros da Orga-nização das Nações Unidas em 2000, adverte o WDM. Os Objetivos de De-senvolvimento do Milênio incluem a redução pela metade da quantida-de de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia e padecem de fome; ensino primário universal e redução da mortalidade materno-infantil até 2015. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

tente para estabilizar os preços”, afirmou Idris Waziri, ministro do Comércio da Nigéria, “vítima” dos mesmos subsídios, embora não seja um PMA. Sem a dupla ajuda ao de-senvolvimento que recebem, o can-celamento das dívidas e condições para diversificar suas economias, como um comércio mais favorá-vel, os PMA não poderão cumprir

as Metas de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidas pela comu-nidade internacional em 2000, com a redução da pobreza e da fome, ressaltou Chowdhury.

Para as nações mais pobres, seria fundamental uma abertura comercial do restante dos países em desenvolvimento, porque mais da metade de seu intercâmbio cor-responde ao Sul, enquanto 42% são feitos com países industrializados, acrescentou o subsecretário-geral. Dessa forma, os instrumentos para incrementar o comércio Sul-Sul, em discussão nesta reunião da Unctad, como o Sistema Global de Prefe-rências Comerciais, constituem prioridades para o grupo. Também são necessárias medidas para ga-nhar maior e melhor acesso aos mercados do Norte, que concentram o grosso do comércio mundial.

Outros 31 países, dos quais 16 são PMA, estão em situação de grande vulnerabilidade por carece-rem de litoral, como Bolívia e Para-guai na América Latina. Trata-se de

um obstáculo grave, pois encarece em 30%, em média, o transporte de suas vendas ao exterior, destacou Chowdhury. Este grupo de nações necessita da cooperação solidária de seus vizinhos, como Brasil, Argentina e Chile, no caso dos países sul-americanos sem litoral, acrescentou. Já os pequenos Esta-dos insulares em desenvolvimento enfrentam problemas variados. As nações do Mar do Caribe depen-dem do turismo e as do Oceano Pacífico lidam com sua enorme dis-tância entre os principais mercados. Além disso, são muito pequenos para atrair investimentos. Por isso, é recomendável um processo de integração econômica, afirmou o subsecretário-geral.

Os três grupos de países precisam de um tratamento diferenciado para se beneficiarem do comércio inter-nacional, e isto é o que esperam ver concretizado, com apoio da Unctad e de outros contextos criados por acor-dos multilaterais. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

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Lavadeiras às margens do Rio Níger, no Mali, país exportador de algodão

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Políticas do Banco Mundial e do FMI levam a fome, o desabastecimento e a falta de escola aos países africanos

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De 1º a 7 de julho de 2004 13

AMBIENTE

Evandro Bonfimde Brasília (DF)

D e um lado, grandes consumi-dores da produção agrícola brasileira, a exemplo da Chi-

na, resolvem flexibilizar os critérios sanitários para a aquisição de grãos nacionais. De outro, entidades am-bientalistas internacionais, que pro-metem aumentar a pressão contra a ampliação de lavouras transgênicas nos grandes celeiros mundiais, a exemplo do Brasil. Esse é o cenário do embate que se trava, atualmente, em torno da soberania alimentar no país, com conseqüência mundiais.

A mais recente conquista dos ambientalistas brasileiros foi o adiamento, por tempo indetermi-nado, de um financiamento de 30 milhões de dólares ao grupo An-dré Maggi, mais conhecido como grupo Amaggi. O dinheiro viria do International Finance Corporation (IFC), órgão de financiamento pri-vado do Banco Mundial. O empre-endimento pertence ao governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, que pretendia expandir a produção e co-mercialização de soja em áreas do leste do Estado.

Os argumentos utilizados pe-las organizações ambientalistas concentraram-se na falta de cate-gorização do risco ambiental da expansão, na inexistência de dispo-sitivos prevendo o prazo para colo-car os documentos à disposição do público e no histórico da empresa, que não divulga os resultados dos estudos de impactos ambientais dos projetos de cultivo de soja anteriores.

As entidades que participaram

Maurício Thuswohldo Rio de Janeiro (RJ)

O Brasil tenta estabelecer uma política nacional de recursos hídri-cos desde 1988. Nove anos depois, em 1997, o Congresso retomou as discussões sobre o tema, aprovan-do uma lei que determinava, entre outras coisas, a instalação do Con-selho Nacional de Recursos Hídri-cos (CNRH), além de estabelecer formas de utilização dos recursos financeiros provenientes da co-brança pelo uso da água captada nas diversas bacias hidrográficas do país. Mesmo com a lei aprova-da, no entanto, as medidas para a adoção de uma política nacional de recursos hídricos permaneceriam por mais alguns anos na condição de letra morta.

Essa realidade começará a mu-dar, nos próximos dias, quando os conselheiros do Comitê para Inte-gração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap) vão discutir a melhor maneira de utili-zar os R$ 9 milhões provenientes da cobrança pela captação de água no rio durante o ano passado. O va-

SEGURANÇA ALIMENTAR

Ambientalistas pressionam contra transgênicos No Brasil, entidades conseguem barrar financiamento que beneficiaria soja geneticamente modificada no Mato Grosso

dora da soja nacional e que chegou a embargar 350 mil toneladas do grãos. Depois de intensas negocia-ções, o governo chinês concordou em abrir concessões nas normas sa-nitárias para a liberação das cargas, muitas paradas em alto mar. Vinte e três exportadores brasileiros es-tavam com soja embargada pela China.

O desembarque de soja brasi-leira estava sendo rejeitado pelo país asiático em virtude de traços de contaminação por fungicida. Com a flexibilização acertada com o governo brasileiro, a China passa a tolerar a média de um grão conta-minado por cada quilo de soja.

O acordo prevê ainda a visita de uma missão chinesa para inspe-cionar pessoalmente a produção de soja brasileira, de modo a verificar o caráter incidental da contami-nação. Além disso, os termos do tratado estabelecem que o encargo dos custos laboratoriais fica por conta do exportador, caso os com-pradores questionem a qualidade do produto.

LIDERANÇA GAÚCHAContra a pressão das entida-

des, pesa o aumento vertiginoso da produção da soja transgênica. Conforme dados consolidados pela Secretaria de Defesa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, os produtores brasileiros colheram 4,1 milhões de toneladas de soja transgênica na safra 2003/2004. O volume corresponde a 8,2% do total de 50,18 milhões de toneladas de soja produzidas pelo país na sa-fra passada.

Os maiores produtores de soja

transgênica são os Estados do Rio Grande do Sul (88,1%), Minas Gerais (1,7%), Goiás (1,4%), Piauí (1,4%) e Santa Catarina (1,4%). Segundo os termos assinados pelos produtores, o Rio Grande do Sul re-gistrou a maior área cultivada com soja geneticamente modificada: 2,59 milhões de hectares, ou 93% do total plantado com variedades transgênicas no país. A produção no Estado, distribuída em 400 municípios, ficou concentrada em Tupanciretã, Júlio de Castilhos, Cruz Alta, Palmeira das Missões e Jóia. Nos demais Estados, a área plantada somou 192,9 mil hectares, ou 7% do total do país.

QUEDA DE PRODUÇÃOA estimativa do IBGE (Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatís-tica) para a safra 2004, feita em maio, aponta que a produção de cereais, leguminosas e oleaginosas deve alcançar 119,6 milhões de to-neladas – 3,28% inferior à de 2003. Em relação à estimativa de abril, os números de maio apontam queda de 1,1%.

A região Sul, que tem a maior participação na produção agrícola brasileira (41,63%), foi a que apre-sentou a queda mais acentuada em relação a 2003 (menos 15,73%). As outras regiões registraram au-mento: Nordeste, 28,27%; Norte, 17,19%; Sudeste, 5,75%; e Cen-tro-Oeste, 4,24%.De acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, os produtos de maior impacto na queda da produ-ção em relação a 2003 são a soja e o milho em grão primeira safra. (Com Adital, www.adital.org.br)

Erick Schunigde Vitória (ES)

Parlamentares do Espírito Santo querem esclarecer as denúncias de violações dos direitos humanos de que são acusadas a Polícia Militar e a empresa de segurança privada Visel, prestadora de serviços para a transnacional Aracruz Celulose. O pedido de investigação, aprovado pela Comissão de Direitos Huma-nos da Assembléia Legislativa, será encaminhado à Secretaria Estadual

de Segurança e à Polícia Federal, depois das acusações feitas em au-diência pública, dia 17 de junho, pe-la comunidade de Vila do Riacho.

A PM capixaba e a Visel são acusadas de fazer prisões arbitrá-rias e agredir pessoas da comuni-dade e carvoeiros que sobrevivem da coleta de resíduo de eucalipto. Moradores de Vila do Riacho de-nunciam também a contaminação do Rio Doce, depois da construção de canais para o abastecimento do complexo industrial da Aracruz

Celulose. Os parlamentares pre-tendem solicitar, da Universidade Federal do Espírito Santo, uma análise da água em Vila do Riacho e prometeram encaminhar um pedi-do à Secretaria Estadual de Saúde, para que sejam verificados os casos de doença envolvendo o consumo de água contaminada.

PRISÕES ARBITRÁRIASPara Marta Falqueto, conselheira

do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a situação é

grave, pois os moradores denunciam prisões arbitrárias, inclusive de ado-lescentes. A Aracruz já avisou que não tomará qualquer medida contra a Visel, pois considera que a pres-tadora de serviços tem o certificado ISO 9001 e atua em vários Estados.

O posicionamento da Acracruz foi classificado de “preocupante” pela deputada Brice Bragato (PT-ES), vice-presidente da comissão de direitos humanos, que pretende encaminhar a denúncia aos minis-térios públicos federal e estadual.

Brice também alertou para o proble-ma da contaminação. “Pescadores e carvoeiros estão sendo pressionados a sair do local. A Aracruz trata os bens públicos, como a água da região, como se fosse propriedade privada”, comentou. Marta faz coro à denúncia e estranha: “Se a empre-sa faz uma forte propaganda sobre responsabilidade social, dizendo fornecer gratuitamente os resíduos para algumas empresas, por que não distribuir um pouco às pessoas que sobrevivem dessa atividade?”.

ESPÍRITO SANTO

Violência e contaminação serão investigadas

ÁGUA

Sociedade define política de aplicação de recursos

Entidades querem critérios sustentáveis, definidos por dados de impacto ambiental

da discussão do projeto são a Amigos da Terra, Instituto So-cioambiental (ISA), The Nature Conservancy (TNC), World Wild Fund for Nature (WWF) e Ins-tituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). A ação integra uma nova campanha, concebida e

posta em marcha no ano passado, pelo WWF. O objetivo é definir critérios “ambientalmente sus-tentáveis” para a produção agro-pecuária em países do Terceiro Mundo.

O governo brasileiro conseguiu driblar a China, principal compra-

caba (SP), Santa Maria e Jucu (ES) e Rio dos Sinos (RS). A previsão de arrecadação para o Paraíba do Sul em 2004, segundo estimativa feita por técnicos da Agência Nacional

de Águas (ANA), é de pelo menos R$ 8 milhões. O imposto pela utili-zação da água deve ser cobrado de indústrias, mineradoras, rede hote-leira e companhias saneadoras. Seu

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valor é de R$ 0,008 por cada metro cúbico de água captado. Caso as empresas não devolvam as águas para o rio, ou as devolvam poluídas, é cobrada uma taxa adicional de R$ 0,002. No caso do Paraíba do Sul, os agricultores também pagam uma taxa de R$ 0,002 por cada metro cúbico de água. Cada comitê gestor de bacia hidrográfica pode determi-nar como fará a cobrança pelo uso da água, mas as regras terão de ser aprovadas pelo CNRH.

Advogado ambientalista e co-ordenador do movimento de eco-logia social Os Verdes, Rogério Rocco saúda a nova experiência e chega a afirmar que ela vai “alte-rar a lógica da arrecadação pública no Brasil” se der certo pelos pró-ximos dez anos: “A experiência do Ceivap inaugura uma forma de gestão pública transparente e participativa, dada a representa-tividade do comitê. Além disso, existe a garantia do poder perma-nente de investimento em ações ambientais, uma vez que os recur-sos são realimentados a cada ano”, acredita. (Agência Carta Maior, www.agenciacartamaior.uol.com.br)

lor é a maior soma até hoje recebida por um comitê ou consórcio gestor de bacia hidrográfica e o Ceivap já decidiu que toda a verba será apli-cada em projetos de despoluição da Bacia do Paraíba, que se estende pelos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

EXPERIÊNCIA PROPAGADAInédita, se levarmos em conta

o volume de dinheiro que poderá ser administrado por um comitê re-presentativo de toda a sociedade, a experiência do Paraíba do Sul deve se repetir em outras bacias hidro-gráficas ainda este ano e significa o início, ainda que tardio, da consoli-dação de uma política nacional de recursos hídricos no Brasil. A apli-cação dos recursos financeiros pro-venientes da cobrança de água na própria bacia hidrográfica atende a uma antiga reivindicação de prefei-tos, parlamentares e ambientalistas, dá lógica ao sistema e estimula a preservação ambiental.

Com a nova lei, devem iniciar a cobrança, nos mesmos moldes do Ceivap, os comitês gestores das bacias hidrográficas dos rios Piraci-

População se interessa e participa da gestão da água, o que mostra seus resultados

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DEBATERUMOS DO GOVERNO

Sérgio Xavier Ferolla e Paulo Metri

A Lei nº 9.478, de 6 de agos-to de 1997 – a chamada Lei do Petróleo, criada pelo

Congresso Nacional – é inconsti-tucional.

Freqüentemente são trazidos a público argumentos geopolíticos, nacionalistas e de racionalidade social que provam que essa lei é inadequada para o país. No en-tanto, não é por tais argumentos que a consideramos inconstitucio-nal. Esses aspectos, de caráter altamente estratégicos, deveriam ter sido considerados na ocasião da sua elaboração, mas, infeliz-mente, foram desprezados pelos legisladores.

O corpo do artigo 177 da Constituição de 1988 diz, no que se refere ao petróleo (abstraindo-se os minérios e minerais nucle-ares), que constituem monopólio da União:

I - a pesquisa e a lavra das ja-zidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previs-tas nos incisos anteriores; e

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petró-leo produzidos no país, bem as-sim como o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem.

Este artigo 177 foi modificado pela emenda constitucional nº 9, de 9 de novembro de 1995, pas-

Por trás das licitações

sando o primeiro parágrafo do artigo a estabelecer que “a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos inci-sos I a IV” (exatamente as ativi-dades relacionadas acima). Mas a emenda não mexeu no corpo do artigo 177, que estabelece o monopólio estatal do setor de petróleo. Então, salvo melhor en-tendimento, o monopólio estatal do setor foi preservado.

O QUE É MONOPÓLIO Do dicionário de Antônio

Houaiss pode-se obter como um dos significados da palavra mo-nopólio: “Privilégio legal ou de fato, que possui um indivíduo, uma companhia ou um governo de fabricar ou de vender certas coisas, de explorar certos servi-ços, de ocupar certos cargos”. De Campbell McConnell, em Econo-mics - Principles, Problems and

Policies, podemos ler: “O mono-pólio puro ou absoluto

existe quando uma única empresa é o

fabricante solitário de um produto para o

qual não existe substituto próximo”.

Pode-se depreender, des-sas definições, que a carac-

terística principal de um mo-nopólio é que os produtos ou serviços obtidos da operação do setor monopolizado são da posse do monopolista, que os comercia-liza. Ou seja, um setor que ficou estabelecido, pela Carta Magna, como operado por meio de um monopólio, mas cujos produtos ou serviços obtidos não são pos-suídos pelo detentor do monopó-lio, deixou de ser, na verdade, um setor monopolizado.

Dessa forma, a interpretação juridicamente válida para a emenda constitucional é que ela permitiu à União contratar em-presas estatais ou privadas para executar as atividades do setor de petróleo. Fez isso sem abrir mão da propriedade dos produ-tos obtidos na execução dessas atividades.

O CASO DO PETRÓLEOTomemos o exemplo da explo-

ração e produção de petróleo. A União pode contratar uma empresa para executar essas ati-vidades em determinada região e a remunerará por isso. Mas o petróleo produzido será de pro-priedade da União e não da em-presa contratada; caso contrário, deixaria de existir o conceito de monopólio.

A Lei nº 9.478 diz, no seu

César Benjamin

C oube ao próprio presidente Luiz Iná-cio Lula da Silva, há

pouco mais de um mês, anun-ciar discretamente a rea-lização da 6ª rodada de licitação de áreas petrolíferas brasileiras, marcada para o dia 15 de agos-to. Nas cinco primeiras rodadas, realizadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em-presas estrangeiras arremataram, a preços simbólicos, áreas desco-bertas pela Petrobras, ganhando automaticamente o direito de ex-portar todo o óleo delas extraído.

Em 1997, na oposição, o PT votou contra a lei que permitiu isso, e ao fazê-lo usou adjetivos muito pesados contra o governo de então. Em 2004, no poder, o PT prepara-se para patrocinar um megaleilão de áreas onde a Pe-trobras já encontrou 6,6 bilhões de barris de petróleo de excelente qualidade, correspondentes a 50% das reservas nacionais com-provadas.

Que adjetivos merece um par-tido que age assim?

Nenhum motivo legítimo há para mais essa chocante mudan-ça de posição. Ao contrário. Toda a evolução do setor petróleo, no Brasil e no mundo, aponta para a necessidade de fortalecer a Petrobras e agir com grande cau-tela. Os argumentos usados por Fernando Henrique para abrir o setor ao capital estrangeiro mos-traram-se falsos: em vez de pes-quisar novas ocorrências, as em-presas privadas entraram apenas nas áreas onde a Petrobras já havia feito com sucesso a pros-pecção, uma atividade cara e ar-riscada. Compraram bilhetes pre-miados. É o que se repete agora, com o leilão dos chamados “blo-cos azuis”, de grande potencial. Como estamos às vésperas da au-

O petróleo é deles

to-suficiência na produção brasi-leira de petróleo – uma conquista histórica para o Brasil –, as áreas que o governo Lula entregará às multinacionais só poderão entrar em operação para exportar. Pelo menos três motivos tornam essa decisão desastrada.

A geologia brasileira é desfa-vorável à ocorrência de petróleo, de modo que não devemos es-perar que grandes descobertas se sucedam. Nossas reservas comprovadas e prováveis, de 16 bilhões de barris, poderiam ga-rantir um horizonte de autonomia de cerca de dezoito anos, que se-rá dramaticamente reduzido pela política atual. Graças ao esforço e à competência das gerações passadas, o Brasil se tornará auto-suficiente em 2006, mas a política implantada por Fernan-do Henrique e confirmada por Lula nos reconduzirá à posição importadora em bem menos de uma década.

Isso acontece num momento em que dois processos se somam,

no mundo, para sugerir justa-mente o caminho oposto. De um lado, o vertiginoso crescimento da China e da Índia, fortemente dependentes de importações, tem aumentado a demanda mundial e pressionado os preços para cima. Na próxima década, a China terá dobrado o seu consumo e precisará obter no exterior mais de 80% de todo o petróleo de que necessita. A dependência de abastecimento externo já é de 50% para os Estados Unidos, 60% para a Europa e 100% para o Japão, o que permite antever o potencial de conflito envolvido nessa questão.

De outro lado, hoje se sabe que as reservas mundiais foram grosseiramente superestimadas. Em todos os casos, estão sendo revistas para baixo. Durante a recente epidemia de fraudes con-tábeis, as mais respeitáveis trans-nacionais do setor apresentaram números falsos para elevar o va-lor de suas ações. As reservas da Shell foram infladas em 24%, as

da El Paso em 33% e as da Enron em 30%. Diversos países fize-ram o mesmo, inclusive grandes produtores, como os Emirados Árabes, a Arábia Saudita e o México. Anunciaram a posse de jazidas entre 20% e 40% maiores do que as verdadeiras, pois as quotas de produção, definidas no âmbito da Organização dos Paí-

ses Exportadores de Petróleo (Opep), são proporcionais às

reservas declaradas. Há muito menos petróleo disponível do que se pensava.

Com a elevação do consumo e a descoberta das fraudes, o mercado mundial mergulhou em grande incerteza. Em cerca de um ano, o preço passou de 28 dólares para 40 dólares o barril e não apresenta tendência de que-da. Autores insuspeitos anunciam novos choques. O embaixador Rubens Ricupero escreveu: “A tendência a um aumento sensível e contínuo no preço do petróleo é estrutural, e não apenas fruto de manipulações de mercado. O aperto nos preços (...) pode vir em cinco anos, com mais um choque elevando o barril a 50 dólares.” O economista Paul Krugman seguiu a mesma linha: “O mercado do petróleo está distendido até o limite da rup-tura. (...) Na última vez que os preços atingiram os níveis atuais, pouco antes da Guerra do Golfo (1991), havia capacidade de produção excedente no mundo, de modo que havia espaço para enfrentar sérias perturbações da oferta, caso elas surgissem. Desta vez isso não se aplica. (...) Novas descobertas têm sido cada vez mais raras. (...) Os preços do pe-tróleo estão altos e podem subir ainda mais”.

Prevê-se que em 2010 atin-giremos o pico da produção mundial e começaremos a ver um declínio na oferta. Alguns, mais

assustados, já falam em petróleo a 100 dólares o barril no fim da próxima década. O número é especulativo, mas a tendência é certa.

Nesse contexto — com um mercado estressado, preços em alta, conflitos à vista e às véspe-ras de um choque anunciado —, o governo Lula decidiu retirar do controle da Petrobras e entregar a empresas multinacionais 6,6 bilhões de barris das reservas comprovadas brasileiras (re-pito: a metade das reservas comprovadas brasileiras). Essas empresas farão uma farra de exportações durante alguns anos. Em troca, nos darão al-guns trocados que o ministro Palocci cuidará de repassar em dia aos bancos internacionais, nossos credores. Por causa dessa destinação prevista, a suspensão da licitação, segundo o ministro, “emitiria um sinal negativo para os mercados”.

Que adjetivos merece um go-verno que age assim?

Petróleo, como se sabe, é recurso não renovável, sem o qual, com a base técnica atual, nenhuma economia funciona. Um país carente desse recurso, como o Brasil, e que necessitará, em algum momento, reencontrar o caminho do desenvolvimento pre-cisa gerenciar com muito cuidado suas próprias reservas, inserindo-as em um planejamento estratégi-co de longo prazo. Perceber isso não depende de ideologia nem exige formulações sofisticadas. Basta decência.

Invertendo o lema da campa-nha popular que levou à criação da Petrobras, o governo Lula decretou que o petróleo é deles. Faltam-me os adjetivos.

César Benjamin é autor de A opção brasileira (Contraponto,

1998, nona edição)

artigo 26, que “a concessão im-plica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, confe-rindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das par-ticipações legais ou contratuais correspondentes”. Portanto, salvo melhor interpretação, essa lei não pode conferir ao concessionário a propriedade do petróleo ou gás natural, após extraídos, devido serem tais produtos de proprieda-de da União, sob pena de deixar de existir o monopólio determina-do pela Constituição.

Os argumentos expostos indi-cam que a lei é inconstitucional. Senão, qual o efeito legal decor-rente do fato de existir, no corpo do artigo 177 da Constituição, a declaração formal da vigência do monopólio da União no setor de petróleo?

OS DIREITOS DO CIDADÃOA bem da verdade, esse ques-

tionamento surgiu, quase simulta-neamente e há algum tempo, na interpretação de vários estu-diosos da questão, bem como entre muitos dos membros da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet). O importante, no momento, não é identificar esse ou aquele que iluminou tão importante interpretação jurídica. O importante é reforçar os argumentos em defesa daqueles para quem a Constituição busca preservar os direitos fundamen-

tais dos cidadãos brasileiros. Frente a tão complexos argu-

mentos, com a palavra os juristas: se esses argumentos forem jul-gados suficientes para embasar, com alguma chance de sucesso, uma eventual ação de inconsti-tucionalidade, junto ao Supremo Tribunal Federal, com relação à Lei nº 9.478, qualquer entidade que satisfizer os ditames do artigo 103 da Constituição poderá deles fazer bom e patriótico uso.

Muito em breve, mais um des-vario devido a tão maléfica lei está previsto para acontecer. Em agosto se realiza a sexta rodada de licitações de áreas para explo-ração e produção de petróleo, promovida pela Agência Nacio-nal do Petróleo. Esse leilão inclui as áreas escolhidas e mapeadas pela Petrobras. Em conseqüência, poderemos ter empresas transna-cionais assegurando a proprieda-de de blocos com grandes poten-ciais petrolíferos, que propiciarão a exportação e a dilapidação de uma das nossas mais preciosas reservas.

Sérgio Xavier Ferolla é membro titular da Academia

Nacional de Engenharia e Paulo Metri é conselheiro do Clube de

Engenharia

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LIVROS

DIREITOS HUMANOS: O QUE SÃO (OU DEVEM SER) O livro do ensaísta político Jacob Gorender, editado pela Editora Se-nac, mostra uma visão ampla sobre os direitos humanos no mundo. Ele reacende a polêmica sobre a euta-násia, o aborto, a pena de morte e o extermínio pela polícia de “foras da lei”. Tudo isso para defender o tão esperado respeito à integridade físi-ca para todos os cidadãos. R$ 25. Mais informações: (11) 3284-4322

ZERO À ESQUERDAA desmistificação de algumas fases da política brasileira é o que Paulo Arantes faz em seu novo livro, da Conrad Editora. O filósofo analisa a era FHC, a idéia de nação, a cul-tura brasileira e o governo Lula. R$ 20.Mais informações:www.lojaconrad.com.br

CEARÁ

ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDANTES DE COMUNICAÇÃO (ENECOM)De 12 a 18O tema do Enecom, que vai dis-cutir a sociedade e sua atual orga-nização, é “Construindo-se: sobre galos, manhãs e transformação social”, uma referência a um poe-ma de João Cabral de Melo Neto. Este ano o encontro acontece em Fortaleza, agregando, como sem-pre, a formação político-cultural aos tradicionais eventos lúdicos. A prioridade vai ser a contextualiza-ção histórica e artística da região Nordeste, do Estado do Ceará, e da cidade de Fortaleza. Local: Universidade Federal do Ceará, Av. da Universidade, 2762, FortalezaMais informações: www.enecos.org.br/enecom, [email protected]

MINAS GERAIS

ENCONTRO DE FORMADORES DA CONSULTA POPULARDia 3, das 9h às 18hO tema do encontro, que terá César Benjamin como debatedor, será: América Latina, encontros e desafios.Local: R. Carijós, 173, Belo Ho-rizonteMais informações: (31) 3272-8639, (31) 3082-3755

De 1º a 7 de julho de 2004 15

[email protected]

OFICINA DE RADIOFONIZAÇÃO DO JORNAL BRASIL DE FATO POR RÁDIOS COMUNITÁRIASDia 4Durante a oficina serão discutidos os temas: As rádios comunitárias no comunitárias contexto social. Também haverá a preparação de um programa de rádio.Local: R. Carijós, 173, Belo Ho-rizonteMais informações: [email protected]

RIO DE JANEIRO

1º ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDANTES E JOVENS POR TRABALHO, EDUCAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (ENETERRA)De 2 a 4

RIO GRANDE DO SUL

11ª FEIRA DO ESTADUAL DO COOPERATIVISMODias 3 e 4, das 7h às 18hÉ um dos maiores eventos das organizações populares, associa-ções, cooperativas, e empreendi-mentos solidários do Rio Grande do Sul e do Brasil. Paralelamente ao evento, acontecem a 3ª Feira Nacional de Economia Popular Solidária (EPS), a 4ª Mostra Estadual de Biodiversidade e o Seminário Nacional de EPS e as Políticas Públicas para o Brasil.Local: R. Heitor Campos, s/nº, Bairro Medianeira, Santa MariaMais informações:www.comerciosolidariobrasil.com.br, [email protected]

A atividade faz parte da agenda de lutas da Coordenação dos Mo-vimentos Sociais (CMS) e será organizada pela UNE, pela CUT e pelo MST. A idéia é ampliar a pauta política da coordenação para a juventude, principalmente focada em três pontos: educação (reforma universitária), campanha pela valo-rização do trabalho e reforma agrá-ria. O Eneterra tem por objetivo iniciar um forte trabalho de união entre vários setores da juventude no Brasil. O desafio da iniciativa é buscar espaço para consenso de idéias e ações conjuntas que aju-dem a incentivar a participação dos jovens na política do país. Entre os debatedores estão Emir Sader, Ma-ria da Conceição Tavares, Márcio

Pochmann, Gilmar Mauro, Plínio de Arruda Sampaio, Marilena Chauí, Pablo Gentilli, João Pedro Stedile, Nalu Faria, Antônio Carlos Spis. Temas dos debates: O atual modelo econômico e o desempre-go; A reforma agrária que o Brasil precisa; Universidade: papel social e reforma; a CMS e a luta por um projeto popular para o Brasil.Local: Universidade Federal Flu-minense, NiteróiMais informações: (21) 2629-9471

II FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY De 7 a 11Este ano a festa receberá os auto-

res Paul Auster, Martin Amis, Ian McEwan, Miguel Sousa Tavares, Pierre Michon, Colm Tóibín, Mar-garet Atwood, Jonathan Coe, Jeffrey Eugenides, José Eduardo Agualusa, Chico Buarque, Caetano Veloso, Lígia Fagundes Teles, João Ubaldo Ribeiro, Moacyr Scliar, Ziraldo e Luís Fernando Veríssimo. Os even-tos serão espalhados pela cidade em pontos estratégicos, como o estacio-namento da Praça da Matriz, onde estará a Tenda da Matriz e o Areal do Pontal, e onde ficará a Tenda do Autor. Os ingressos variam de R$ 5 a R$ 15 e podem ser adquiridos no Rio de Janeiro na Modern Sound, R. Barata Ribeiro, 502.Mais informações:(24) 3371-7082

A tecnologia atômica e a luta

de classesVivemos um período históri-

co de rápidas transformações. O desenvolvimento de novas tecno-logias se impõe ao processo de produção tecnológico capitalista vigente. Traz em seu bojo um novo processo de acumulação do capital, favorecendo grandes conglomerados transnacionais.

Manipularam os genes (transgêni-cos) e agora manipulam os átomos, base de toda a matéria animada e

inanimada. Uma “revolução” que modificará a matéria e transforma-rá todos os aspectos do trabalho e da vida. É a era da nanotecnologia, já presente na biotecnologia, nos fármacos, na armazenagem de energia e informação que entrará na fabricação convencional, in-cluindo tudo, de utensílios domés-ticos a roupas e alimentos. Que implicações a tecnologia atômica traz ao cotidiano da luta de clas-ses? O futuro da humanidade será refém de alguns grupos que detêm o capital? Para quem e onde terá impacto? Quem deve se importar

com ela? As tecnologias atômicas funcionarão? Essas são algumas questões debatidas na obra da ETC Group.

CONFIRA

Tecnologia atômica – a nova frente das multinacionais

ETC Group192 páginas, R$ 8

Editora Expressão PopularR. Abolição, 266, Bela Vista

São PauloTel. (11) 3112-0941

www.expressaopopular.com.br

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De 1º a 7 de julho de 2004

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CULTURA

POESIA

da Redação

Durante nove dias, desde 26 de junho, a cidade de São Paulo é palco do Fórum Cultural Mundial, subsi-diado pelo governo e organismos se-toriais e apresentado, pelos organiza-dores, como “instrumento de resis-tência e questionamento à hegemo-nia cultural”. Apesar de nomes se-melhantes, o evento não tem relação com o Fórum Social Mundial, orga-nizado por movimentos sociais. O evento, até 4 de julho, consta de uma programação que inclui apresenta-ções artísticas pagas, em unidades do Sesc São Paulo. Há também uma convenção de quatro dias, uma feira de idéias e oportunidades e o fórum virtual, com acesso pela internet (www.forumculturalmundial.org).

O Fórum Cultural Mundial é apresentado como espaço para a discussão e encaminhamento de soluções alternativas ao padrão de produção e disseminação da cultura no planeta. Construído de forma coletiva, envolvendo mais de 70 eventos preparatórios rea-lizados em diversos continentes, o Fórum quer trabalhar a cultura e a arte como instrumento de transformação social. “Pretende-mos ampliar a discussão que vem acontecendo no mundo todo sobre a questão cultural como fator de desenvolvimento humano e como fator de desenvolvimento econô-mico. Sabemos da gravidade dessa

Bernardete Tonetoda Redação

P ablo Neruda é um poeta amado pelo po-vo. Trinta e um anos

depois de sua morte, e às vésperas da celebração do centenário de seu nascimen-to, em todo o mundo estão sendo realizadas homenagens ao escritor comunista que, em 1971, recebeu o Nobel de Literatura. Contudo, mais do que eventos oficiais como os que acontecem neste mês no Chile, proliferam home-nagens simples, de trabalha-dores e organizações não-go-vernamentais, num profundo reconhecimento do homem que fez poesia da luta.

No Brasil – país que Ne-ruda definiu como o “cristal verde do planeta – uma homenagem está sendo organizada em Florianópolis (SC), com apoio do Brasil de Fato. A Semana Pablo Neruda, a partir do dia 6, consta de performances, música, filmes e poemas. Em vá-rias universidades, serão realizados eventos literários e de análise da obra nerudiana.

Contudo, as maiores home-nagens estão sendo programadas em seu país natal. De Santiago, partirá, no dia 12, o “trem do po-eta”, até a cidade de Parral, onde nasceu. Entre os convidados estão poetas como o nicaragüense Er-nesto Cardeal e o brasileiro Thiago de Mello e Pablo Guayasamín, fi-lho do pintor equatoriano Oswaldo Guayasamín.

POESIA DO MARApesar da maior parte das ho-

menagens estarem programadas para Parral e Santiago, pelo menos uma celebração especial acontecerá no lugar mais amado pelo poeta: Is-la Negra, uma cidadezinha costeira onde Neruda possuía uma casa, ho-je transformada em museu. Na casa em frente ao mar, as bordadoras de Isla Negra pretendem montar uma exposição de suas obras, que hoje são reconhecidas mundialmente.

Mauri Antonio da Silvade Florianópolis (SC)

Neftalí Ricardo Reyes Basoalto – ou Pablo Neruda – nasceu em 12 de julho de 1904, em Parral, no Chile. Em Temuco, conheceu Gabriela Mistral, educadora e poeta que, em 1945, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, pela primeira vez concedido a uma mulher latino-americana. Atribui-se a Gabriela o mérito de ter desenvolvido o gosto em Neruda pelos romancistas rus-sos como Dostoievski e Tolstoi. São desses anos os primeiros versos que consagram Neruda à vocação literária. A partir daí, ele aceitou a paixão, desenvolveu o mistério e abriu passagem entre o coração do povo.

As primeiras obras trazem inovações formais na linguagem, que colocam Neruda na esteira da poesia moderna. Ele escolhia temas sensuais e de grande expressão vital, que estarão presentes em to-da sua vida, para além dos estilos que cotejou posteriormente, como o surrealismo do contato com as vanguardas européias e o realismo do militante comunista.

Em Santiago, escreveu, em 1923, seu primeiro livro, Crepusculário. Da primeira etapa de sua criação destaca-se Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, de 1924. Diplomata, envolveu-se com o co-munismo e, em 1936, na Espanha, assistiu ao início da Guerra Civil Espanhola, quando Federico García Lorca foi assassinado pelos nacio-nalistas, seguidores de Francisco Franco. Neruda começou, então, a arrecadar fundos para a causa dos republicanos, para livrar o país do regime franquista. Em seguida, foi nomeado cônsul no México, onde teve contato com Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros, expoentes da arte muralista social.

De volta ao Chile, foi eleito senador pelo Partido Comunista,

Continente homenageia Pablo NerudaEm 12 de julho, poeta chileno completaria cem anos. Em vários países, trabalhadores lembram sua vida e obra

Foi Neruda quem revelou ao mundo, em 1968, o trabalho das bordadoras de Isla Negra. Trata-se de um grupo de mulheres pobres que, usando sacos de farinha, lã artesanal e agulhas, reproduzem o cotidiano do povo do litoral central do Chile, com diferentes temas do campo e do Pacífico.

Além das bordadeiras, Neruda era amigo dos pescadores e traba-lhadores de Isla Negra, um local que os próprios chilenos reconhe-cem que “no es isla y no es negra”. A casa foi construída pelo poeta, com a ajuda do povo do local. Foi lá que ele escreveu boa parte de sua obra e onde ele guardava as lembranças do exílio e das viagens, presentes recebidos de admiradores do mundo todo e uma de suas pai-xões: caracóis, que muitas vezes recebia em envelopes lacrados de diferentes partes do mundo, envia-dos por trabalhadores a quem tinha lido seus poemas.

Da casa de Isla Negra, Neruda saiu para morrer, em Santiago. Pa-ra lá voltou, para ser enterrado no pequeno túmulo no jardim, voltado para o mar. Curiosamente, o local tornou-se ponto de atração para os aficcionados por poesia latino-americana e pela gente pobre, a ponto de a casa ser chamada, com carinho, de “nuestro hogar”.

MEMÓRIA

Poesia une vida e política

FÓRUM CULTURAL MUNDIAL

Encontro propõe quebra de hegemonia

arrogância hegemônica que acaba causando uma situação de guerra e de destruição de culturas e de povos”, afirma o ator e secretário da Cultura da cidade de São Paulo Celso Frateschi, membro do con-selho diretivo do evento.

ROCK DE ABERTURAO Fórum Cultural Mundial foi

aberto no dia 26 de junho, com um show do ministro Gilberto Gil e o cantor Manu Chao, no Parque do Ibirapuera, para um público de cerca de 60 mil pessoas. Francês, filho de espanhóis, Manu Chao tornou-se conhecido por manifestar publicamente suas posições políti-

cas, a favor dos indígenas zapatis-tas do México e do Movimento dos Traballhadores Rurais Sem Terra (MST). Sua experiência na Colôm-bia, que percorreu de trem, indo a zonas de guerrilhas, para tocar para os camponeses, está contada no livro Expresso de Hielo, ainda sem tradução para o português.

No Brasil, Manu Chao apresen-ta sucessos da banda Manu Negra (nome emprestado de uma organi-zação anarquista espanhola), uma das mais ousadas da história do rock. Atualmente, ele trabalha no projeto de um CD e de um livro, a serem lançados em setembro e com o título provisório de Sibéria.

Detalhe do cartaz que promove o evento

em 1945. Porém, seu mandato foi cassado em 1948 por criticar o pre-sidente da República, Gabriel Vide-la, que passou a perseguir os movi-mentos de esquerda. Neruda partiu para o exílio no México e na União Soviética, atravessando a fronteira com a Argentina. Essas experiên-cias redirecionam a poesia de Neru-da para conteúdos mais libertários, como mostram as obras Residência na Terra (em três volumes,1931-1939), Ode a Stalingrado (1942), Terceira Residência (1947) e Canto Geral (1950), no qual ele se decide, ideológica e politicamente, pelo combate às injustiças sociais.

A POLÍTICA E A ARTEEm 1970, Neruda chegou a se

candidatar à Presidência da Re-pública pelo Partido Comunista chileno, mas renunciou para apoiar Salvador Allende e viabilizar a

constituição da Unidade Popular. Em 1971, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, por seus mais de 50 livros. Na entrega do prêmio, afir-mou: “Só com uma ardente paci-ência conquistaremos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dig-nidade a todos os homens. Assim, a poesia não terá cantado em vão”.

Em 11 de setembro de 1973, o governo socialista de Salvador Allende, do qual Neruda fora embaixador na França, foi brutal-mente interrompido pelo golpe do general Augusto Pinochet, com apoio do governo estadunidense. O amigo Allende foi assassinado no Palácio de La Moneda. Doze dias depois Neruda morreu, em decor-rência de doença e de tristeza, por assistir a seu povo ser torturado e perseguido. Seu enterro se conver-teu no primeiro protesto público contra a ditadura.

Pablo Neruda – arte e política se misturaram

Detalhe da casa de Isla Negra, onde o poeta escreveu boa parte de sua obra

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da Redação

Os artistas chegam em uma ca-ravana do Rio Grande do Norte e desembarcam em Cidade Patriar-ca, periferia sul da capital pau-lista. Junto, chega outro ônibus, da cidade de Osasco, com jovens percussionistas e dancarinos de bumba-meu-boi. A eles se reúnem a banda da escola pública Viscon-de de Cairu, crianças da organi-zação não-governamental Natan Stanfater, adolescentes da Estação das Artes, integrantes do Nhocu-né Soul e muito mais gente. São as parcerias paralelas ao Fórum Cultural Mundial, que ocupam e apontam a efervescência artística da periferia.

O Fórum Paralelo de Cultura é organizado pelo grupo Dolo-res Boca Aberta Mecatrônica de Artes, que em plena quinta-feira, dia 1º, reúne cerca de 600 artistas da periferia. “São mais de 120 ritmistas de regiões distintas, comestilos diferentes e instrumentos inusitados”, conta Fernando de Oli-veira, violonista do grupo Dolores.

De cidades potiguaras vêm grupos semelhantes ao Pau e Lata, com uma banda com instrumentos

de percussão feitos de sucata. “O Pau e Lata existe há oito anos. Co-meçamos com 20 garotos na peri-feria de Maceió e mudamos para Natal. Hoje, trabalhamos com 440 adolescentes de várias regiões do Rio Grande do Norte e temos viajado todo o Nordeste, fazendo nossas apresentacões”, diz Danú-bio Gomes, músico e coordenador pedagógico do projeto.

A associacão Eremin, finalista do premio Itaú Unicef 2003, apre-senta maracatu, ciranda e bumba-meu-boi. “É uma grande chance de trocar experiências e rever amigos”, avalia Douglas Frassini, coordenador musical do projeto de Osasco.

O Dolores Boca Aberta Me-catrônica de Artes atua há quatro anos na zona leste de São Paulo. O grupo luta pela descentralização da oferta e da producão cultural. “É uma postura político-artístico-ideológica. Buscamos inclusão no processo de construcão cultural de nossa época. Estamos à margem do centro geográfico, mas temos consciência de que todo lugar é o centro, aqui no Triana, em Osasco, Mossoró...”, analisa o integrante Luciano Carvalho.

Periferia faz Fórum paralelo