estrategia corp

63
Estratégias corporativas e de internacionalização de grandes empresas na América Latina Germano Mendes de Paula Red de Reestructuración y Competitividad Unidad de Desarrollo Industrial y Tecnológico División de Desarrollo Productivo y Empresarial 6(5,( Desarrollo productivo 137 Santiago de Chile, mayo de 2003

Upload: murilo-kimura-gagliardi

Post on 25-Nov-2015

33 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    Germano Mendes de Paula

    Red de Reestructuracin y Competitividad Unidad de Desarrollo Industrial y Tecnolgico Divisin de Desarrollo Productivo y Empresarial

    Desarrollo productivo

    137

    Santiago de Chile, mayo de 2003

  • Este documento fue preparado por Germano Mendes de Paula, profesor adjunto del Instituto de Economa, Universidad Federal de Uberlandia, para la Unidad de Desarrollo Industrial y Tecnolgico de la Divisin de Desarrollo Productivo y Empresarial de la CEPAL. Las opiniones expresadas en este documento, que no ha sido sometido a revisin editorial, son de exclusiva responsabilidad de el autor y pueden no coincidir con las de la Organizacin.

    Publicacin de las Naciones Unidas C/L.1850-P ISBN: 92-1-322133-9 ISSN versin impresa: 1020-5179 ISSN versin electrnica: 1680-8754 Copyright Naciones Unidas, mayo de 2003. Todos los derechos reservados N de venta: P.03.II.G.18 Impreso en Naciones Unidas, Santiago de Chile

    La autorizacin para reproducir total o parcialmente esta obra debe solicitarse al Secretario de la Junta de Publicaciones, Sede de las Naciones Unidas, Nueva York, N. Y. 10017, Estados Unidos. Los Estados miembros y sus instituciones gubernamentales pueden reproducir esta obra sin autorizacin previa. Slo se les solicita que mencionen la fuente e informen a las Naciones Unidas de tal reproduccin.

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    3

    ndice

    Resumo .............................................................................. 5 Introduo ........................................................................................ 7 1. Estratgia corporativa e grupos econmicos................... 9 1.1 A discusso terica ................................................................ 9 1.2 Estudos multicasos............................................................... 13 1.3 Estudo de caso...................................................................... 26 2. Estratgias de internacionalizao ............................... 29 2.1 A discusso terica .............................................................. 29 2.2 Estudos multicasos............................................................... 31 2.3 Estudo de caso...................................................................... 37 3. Estratgias cooperativas ............................................... 43 3.1 A discusso terica .............................................................. 43 3.2 Estudos multicasos............................................................... 44 3.3 Estudo de caso...................................................................... 50 4. Consideraes finais...................................................... 53 Bibliografia ............................................................................ 57 Serie Desarrollo Productivo: nmeros pblicados............. 59

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    4

    ndice de quadros Quadro 1 Principais objetivos da diversificao de empresas sediadas em pases em desenvolvimento .........................................................................................................14 Quadro 2 Fontes de financiamento para diversificao de empresas sediadas em pases em

    desenvolvimento .........................................................................................................15 Quadro 3 Grau de diversificao de grandes empresas mexicanas, 1996 ..................................16 Quadro 4 Encadeamento vertical de grandes empresas mexicanas, 1996..................................16 Quadro 5 Estratgias corporativas de grandes grupos industriais no Brasil, 1980-1993 ...........19 Quadro 6 Composio das cem maiores empresas brasileiras no-financeiras, segundo receitas, 1990-1998.....................................................................................................19 Quadro 7 Estratgias de grandes empresas no Brasil e os impactos da poltica governamental, 1990-2000 .........................................................................................20 Quadro 8 Dimenses da estratgia de internacionalizao ........................................................35 Quadro 9 Internacionalizao da Gerdau e outras siderrgicas .................................................37 Quadro 10 Internacionalizao da Cemex, 1992-1997.................................................................39 Quadro 11 Critrios relevantes e avaliao de desempenho ........................................................46 Quadro 12 Joint-Ventures selecionadas no Estado de Minas Gerais (Brasil) ..............................49

    ndice de requadros Requadro 1 Internacionalizao da Votorantim Cimentos ............................................................40

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    5

    Resumo

    Este artigo uma resenha da literatura recente sobre as estratgias de grandes empresas (principalmente industriais) daAmrica Latina. Trs questes principais foram examinadas: as estratgias corporativas (que inclui, naturalmente, os grupos econmicos diversificados), as estratgias cooperativas (como joint-ventures, por exemplo) e as estratgias de internacionalizao. Procurou-se sistematizar a produo acadmica contempornea, cobrindo textos de carter mais terico/analtico e, principalmente, estudos de casos.

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    7

    Introduo

    A dcada de 1990 foi um perodo emblemtico para a Amrica Latina, por registrar grandes mudanas nos regimes de incentivos e de regulao da atividade econmica. Parte considervel da literatura sobre os impactos da abertura comercial e da liberalizao econmica enfatizou aspectos macroeconmicos. Apesar dessas alteraes terem afetado de modo significativo as empresas e suas estratgias, a literatura no apenas mais escassa, como pouco esforo vem sendo dedicado sistematizao dessas contribuies. O objetivo deste artigo-resenha apresentar, de forma exploratria, as principais indagaes e os resultados encontrados pelos pesquisadores que vm se dedicando anlise recente das estratgias empresariais na Amrica Latina.

    necessrio, inicialmente, explicitar as limitaes deste artigo-resenha. O tema estratgia empresarial vem, ao longo do tempo, se desdobrando em vrios subtemas. De fato, se, no passado, a preocupao se prendia em especial ao mbito das estratgias competitivas (para utilizar a famosa expresso de M. Porter), mais recentemente, a literatura vem enfatizando outras dimenses das estratgias empresariais, tais como as relacionadas internacionalizao produtiva e cooperao com outras empresas/instituies. Neste artigo-resenha, foram abordadas trs dentre as mais importantes dimenses das estratgias empresariais.

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    8

    a) Estratgias Corporativas: que dizem respeito s estratgias de empresas diversificadas ou que esto em processo de diversificao/focalizao. Ou seja, trata das decises empresariais no que se refere ao estabelecimento de prioridades entre as unidades de negcio e o relacionamento (inclusive organizacional) entre as subsidirias e a holding

    b) Estratgias Cooperativas (ou Colaborativas): que se relacionam ao processo de formao de alianas estratgicas entre empresas, tanto com objetivos anticompetitivos (de dominao do mercado, por meio de caraterizao ou coalizo tcita), quanto com intenes pr-competitivas (no sentido de juntar foras visando a diminuir o poder de mercado de companhias concorrentes);

    c) Estratgias de Internacionalizao: que analisam o movimento do crescimento das empresas para fora de seu mercado domstico. Ressalte-se que, em vrios casos, a internacionalizao recorre formao de joint-ventures, indicando uma clara ligao com as estratgias cooperativas.

    Ao optar por centralizar a anlise nessas trs dimenses das estratgias empresariais, por conseqncia, outras questes importantes no foram discutidas, como, por exemplo, as estratgias tecnolgicas. Adicionalmente, cabe mencionar que, neste artigo-resenha, foram priorizados textos mais recentes, principalmente aqueles publicados a partir de 1998. Este corte temporal foi em grande medida relacionado com o objetivo de examinar em que medida as grandes empresas latino-americanas alteraram (ou no) suas estratgias em resposta s mudanas dos regimes de incentivo e de regulao.

    Este artigo-resenha est estruturado em quatro sees, excluindo essa sucinta introduo. As trs primeiras sees so dedicadas, respectivamente, reviso da literatura recente sobre estratgias corporativas, cooperativas e de internacionalizao de grandes empresas latino-americanas. Cada uma dessas sees segmentada em trs subsees, sendo que a primeira tenta resgatar os principais conceitos bem como explicaes de carter mais terico sobre o assunto. A segunda subseo destinada apresentao de estudos multicasos, ao passo que a terceira aborda estudos de casos individuais. A quarta e ltima seo resgata as principais concluses e, em menor intensidade, aponta na direo de uma agenda futura de pesquisa.

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    9

    1. Estratgia corporativa e grupos econmicos

    1.1 A discusso terica A temtica sobre os chamados grupos econmicos, cuja

    caracterstica principal a diversificao no-relacionada (ou conglomerada), remonta dcada de 1970. De fato, a maioria dos textos recentes sobre o assunto ressalta a importncia do artigo Industrial Organization and Entrepreneurship in the Developing Countries: the economic groups, de N. Leff, publicado em 1978. Entretanto, no objetivo deste artigo-resenha levantar toda a longa literatura sobre o assunto, mas to somente sistematizar os textos mais recentes, em particular aqueles publicados ao longo dos ltimos cinco anos.

    Trs so as caractersticas principais dos chamados grupos econmicos: a) o elevado grau de diversificao; b) a interligao financeira entre esses negcios; c) o controle familiar, na maioria dos casos (Ghemawat & Khanna, 1998, p. 35). bem verdade que eles recebem vrias denominaes, tais como chaebols na Coria do Sul, business houses na ndia, holding companies na Turquia e grupos na Amrica Latina. Alguns autores chegam, inclusive, a afirmar que esses conglomerados familiares so as formas mais importantes de estruturas empresariais no mundo (Kim, Kandemir & Cavusgil, 2001, p. 1).

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    10

    No passado recente, as principais contribuies tericas temtica dos grupos econmicos referem-se aos artigos elaborados por T. Khanna, K. Papelu e P. Ghemawat, de um lado, e por C.J. Kock e M.F. Guilln, de outro. Apesar de algumas diferenas, esses trabalhos rejeitam o que se poderia denominar de premissa da replicao da estratgia de focalizao. Em linhas gerais, esta premissa pressupe que as companhias de pases em desenvolvimento deveriam seguir as estratgias bem-sucedidas, adotadas por empresas sediadas em pases desenvolvidos, de focalizar seu campo de atuao nos core businesses. Em outras palavras, a suposta diversificao excessiva, elemento caracterstico desses grupos econmicos, deveria ser reduzida, de tal forma a se aproximar das melhores prticas gerenciais observadas nas economias centrais. Nas palavras de Khanna & Papelu (1999, p.126): Implicitly or explicitly, then, the Western financial community is encouraging business groups in emerging markets to unbundle their assets in the same way that companies in advanced economies did in the 1980s.

    Ghemawat & Khanna (1998, p. 36-42) indicam quatro justificativas para a existncia dos chamados grupos econmicos:

    a) poder multimercado: a presena em vrios mercados pode ajudar os grupos econmicos a aumentarem seu poder em cada mercado individual. Firmas que se interagem em vrios mercados (tambm denominada de competio multiponto) so mais propensas a reconhecerem as dependncias mtuas e, portanto, a sustentarem coalizes tcitas nos diversos mercados;

    b) recursos relacionados: os grupos econmicos podem facilitar o compartilhamento de recursos comuns ou complementares (relacionamento com fornecedores, plantas, tecnologias, sistemas de distribuio e consumidores, por exemplo) entre os vrios negcios/mercados, quando esses so interligados;

    c) imperfeies de mercado e escassez de talento empresarial: os grupos econmicos se aproveitariam das imperfeies de mercado (capital e trabalho) e da escassez do talento empresarial, nos pases em desenvolvimento.

    quando o processo de gerao de capital considerado, a aglomerao de negcios no-relacionados pode melhorar o acesso ao capital de terceiros, ao reduzir a flutuao do fluxo de caixa e a probabilidade de falncia. Do ponto de vista de alocao de capital, os grupos econmicos podem alterar suas estratgias (por mudanas na alocao de recursos) com menores custos de transao de que se cada unidade de negcio fosse controlada individualmente pelo mercado de capitais. Adicionalmente, a reputao quanto alocao eficiente e monitoramento interno ao grupo econmico pode ajudar no processo de captao de recursos externos;

    o baixo nvel de investimentos com reputao em pases em desenvolvimento pode complicar as transaes de mercado, estimulando a formao de grupos econmicos. Os efeitos de reputao seriam particularmente valiosos em pases em desenvolvimento, onde os sistemas legais so relativamente imaturos, implicando custos maiores para a resoluo de conflitos legais do que em pases desenvolvidos;

    a escassez de talento empreendedor seria maior nos pases em desenvolvimento comparativamente aos desenvolvidos.

    d) distores de poltica: os grupos econmicos se aproveitariam de distores das aes governamentais, mesmo quando elas no pretenderam explicitamente encoraj-los.

    impostos baseados em vendas (no lugar de tributos baseados em valor adicionado) estimulam a integrao vertical de empresas de grande porte;

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    11

    a possibilidade de se apropriar de economias de escopo no acesso preferencial burocracia estatal, tais como: o conhecimento de quem e o que pagar ou a manuteno de uma embaixada na capital do pas.

    Ainda segundo Ghemawat & Khanna (1998, p. 37), as duas primeiras razes foram discutidas extensivamente pela literatura mainstream da organizao industrial sobre diversificao corporativa. Os autores, ao contrrio, concentram-se nas duas ltimas explicaes, ou seja, de um lado, se os grupos econmicos seriam respostas s condies econmicas, tais como imperfeies de mercado e escassez de talento empresarial; de outro, se os grupos seriam decorrentes de polticas que distorcem mercados. Uma vez que a anlise emprica se concentra sobre a evoluo de duas empresas indianas, ela extrapola o escopo deste artigo-resenha. Contudo, vale a pena mencionar que os autores concluem que as reaes de como as companhias reagiram ao choque competitivo na ndia foram consistentes com a viso de que os grupos econmicos so respostas s distores de polticas.

    Por sua vez, Khanna & Papelu (1999, p. 126) enfatizam que a desmontagem da estrutura dos grupos econmicos diversificados, diante de lacunas importantes verificadas em termos do funcionamento (adequado) dos mercados em pases em desenvolvimento poderia causar mais problemas do que vantagens. Os autores destacam ainda a dificuldade de se avaliar corretamente o valor dos negcios (com a finalidade de venda do controle acionrio) em momentos de grande turbulncia da economia e diante da ausncia de mercados desenvolvidos para a venda de ativos. Advogam, ento, que os grupos econmicos deveriam ser reestruturados internamente com o objetivo de no apenas melhorar o desempenho econmico-financeiro, mas tambm na habilidade de substituir as instituies de mercado.

    Na verdade, Khanna & Papelu (1999, p. 129) tentam justificar a importncia da existncia de grupos econmicos em pases em desenvolvimento em face da ausncia de algumas instituies freqentemente encontradas nos pases desenvolvidos. Essas instituies vo desde bancos de investimentos e empresas de venture capital, passando por firmas de auditoria e chegando s escolas de administrao de empresas. Assim, os grupos econmicos podem agir como um substituto dessas instituies faltantes e gerar mais valor do que as empresas focalizadas (com baixo ou nenhum grau de diversificao). Podem ainda facilitar a entrada em novos negcios, funcionando como venture capital, bem como contornar a falta de gerentes qualificados por meio de um mercado interno de trabalho. Podem tambm desenvolver uma marca comum para vrios produtos que identifique bens e servios de qualidade world-class.

    Khanna & Papelu (1999, p. 129) concluem, ento, que quebrar a estrutura dos grupos econmicos (na direo da focalizao) poderia deixar os pases em desenvolvimento sem qualquer instituio capaz de prover a infra-estrutura soft que encontrada nos pases ocidentais centrais. Os autores acreditam, no entanto, que a reestruturao dos grupos econmicos deveria levar em considerao a mudana na forma de financiamento, que mais baseada em dvidas do que em equity. Sugerem adicionalmente uma maior confiabilidade contbil e transparncia da situao econmico-financeira das empresas.

    O artigo de Kock & Guilln (2001) outra importante contribuio recente sobre o tema grupos econmicos. O argumento principal do texto que os grupos econmicos se beneficiam de um tipo particular de inovao. No lugar de criar novos produtos, eles se baseiam em contatos (dentro e fora do pas) para combinar tecnologias e capacitaes organizacionais estrangeiras, de um lado, com fontes de recursos e mercados locais, de outro. Uma vez que a capacitao para alavancar contatos aplicvel genericamente a diversas indstrias, isto estimularia um padro de diversificao conglomerada. Kock & Guilln (2001) tambm assinalam que a importncia das capacitaes de relacionamento (contatos), aps atingir o pice no perodo inicial de industrializao nos pases em desenvolvimento, tende a declinar ao longo do tempo.

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    12

    Kock & Guilln (2001, p. 78-79) apontam que os grupos econmicos tendem a crescer mais por investimentos greenfield do que por aquisies, e que se movem para vrias indstrias sem seguir um padro ordenado. Destacam ainda que aps os grupos econmicos constiturem empresas baseadas no contato, a sobrevivncia e o crescimento da empresa passa a depender da eficincia e da eficcia na execuo de projetos, na administrao das plantas e na capacidade de lidar com as ineficincias dos mercados de fatores. Num terceiro estgio, algumas firmas domsticas desenvolvem capacitaes tecnolgicas e organizacionais que lhes permitam promover, por conta prpria, inovaes avanadas de produtos e processos.

    Kock & Guilln (2001, pp. 97-109) sumariam os seus principais argumentos da seguinte forma:

    a) nos estgios iniciais do desenvolvimento em pases de industrializao tardia, a habilidade de utilizar contatos uma capacitao valiosa, rara, comercializada imperfeitamente e com altas barreiras de imitao. Isto favorece o crescimento de grupos econmicos, mas apenas diante da existncia de regulamentaes assimtricas e protecionismo;

    b) empreendedores que utilizam contatos como capacitaes essenciais tendem a crescer por meio da diversificao conglomerada;

    c) o ambiente de seleo nos pases de industrializao tardia muda as capacitaes importantes; como conseqncia, ao longo desses estgios, a relevncia de diversificao do tipo concntrica (ou relacionada) aumenta, bem como a necessidade de um controle central;

    d) as condies do ambiente de seleo so determinantes para explicar o crescimento e o declnio dos grupos econmicos, baseados em diversificao conglomerada.

    Outros autores destacam o fato desses grupos econmicos se constiturem em conglomerados familiares. Para Kim, Kandemir & Cavusgil (2001, p. 2) e Andrade, Barra & Elstrodt (2001, p. 83), como aspecto positivo, a estrutura informal dos conglomerados familiares facilita a tomada rpida de decises, o que um atributo decisivo em economias com grande crescimento e, freqentemente, com significativas turbulncias. Tais grupos geralmente possuem fortes valores compartilhados, relacionados viso e ao legado do fundador. A lealdade dos trabalhadores maior e rotatividade gerencial tende a ser menor. Alm disso, fortes ligaes com agncias governamentais e partidos polticos se transformam em vantagens competitivas.

    Kim, Kandemir & Cavusgil (2001, p. 3) ressaltam que as corporaes familiares no so sinnimos de grupos econmicos, uma vez que estes no precisam necessariamente pertencer a uma famlia. Eles analisaram 19 empresas em oito pases, sendo apenas uma latino-americana (Mxico). Para cada pas, foram consideradas de um a quatro corporaes familiares, que usualmente encontravam-se entre as dez maiores companhias do pas. Em linhas gerais, as corporaes familiares (Kim, Kandemir & Cavusgil, 2001, p. 10-12):

    a) foram as pioneiras (em muitas indstrias) no atendimento ao mercado local. Como primeiro entrantes, essas firmas conseguiram capturar uma substancial fatia de mercado e construir marcas frente de competidores;

    b) os governos estiveram fortemente envolvidos nas decises empresariais, sendo que, em alguns casos, eles inclusive iniciaram as corporaes que vieram a ser controladas por famlias. Adicionalmente, a proteo governamental desempenhou um papel significativo no crescimento das corporaes familiares;

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    13

    c) alianas com empresas estrangeiras foram muito importantes nos estgios de crescimento e de maturidade das corporaes familiares;

    d) as corporaes familiares tendem a se diversificar, em parte como fruto da orientao empreendedora de seus proprietrios.

    No que tange internacionalizao, a situao menos definida. Algumas companhias j nasceram com uma operao global e se internacionalizam cedo, enquanto outras adotaram uma abordagem mais gradual (Kim, Kandemir & Cavusgil, 2001, pp. 15). Com relao a essa questo, Andrade, Barra & Elstrodt (2001, p. 82) sugerem, embora sem muita nfase, que as restries cambiais acabaram se tornando um relevante vis antiinternacionalizao produtiva das empresas familiares sediadas em pases em desenvolvimento.

    1.2 Estudos multicasos Nachum (1999) dedica-se a analisar o processo de diversificao de empresas sediadas em

    pases em desenvolvimento, enfatizando as diferenas observadas entre os continentes de origem. Inicialmente, so apresentados alguns fatores que motivam a diversificao do tipo conglomerada:

    a) vrios mercados domsticos no so suficientemente grandes para permitir o crescimento da empresa em apenas uma indstria;

    b) algumas economias so sujeitas a grandes riscos e a instabilidade decorrente da rpida mudana estrutural. Isto estimula a diversificao como meio de se evitar o risco da focalizao em apenas uma indstria;

    c) a falta de tecnologia proprietria por parte das empresas implica a no-existncia de competncias a serem exploradas em atividades relacionadas. Ao contrrio, a aquisio externa de tecnologia possibilita uma diversificao conglomerada;

    d) em muitos pases em desenvolvimento existe a tradio de que cada membro da famlia tenha uma parte igual na empresa para administrar.

    A amostra de Nachum (1999) foi composta por 44 empresas. Essas companhias necessariamente operavam em mais de um setor, sendo que no mais de 90% das vendas podiam ser provenientes de um produto. Alm disso, a firma deveria ser originalmente uma produtora de commodity. Da amostra total, 12 empresas eram sediadas em pases latino-americanos. A seguir so comentados os principais resultados da pesquisa, buscando acentuar as diferenas entre as companhias latino-americanas e o restante da amostra. Verifica-se que, tanto na amostra como um todo, quanto na Amrica Latina, o objetivo principal da diversificao foi superar os limites de crescimento impostos pelo mercado corrente (Quadro 1).

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    14

    Quadro 1 PRINCIPAIS OBJETIVOS DA DIVERSIFICAO DE EMPRESAS

    SEDIADAS EM PASES EM DESENVOLVIMENTO (em percentagem)

    Toda Amostra

    Amrica Latina

    sia Oriente Mdio

    Sudeste Asitico

    frica

    Entrar em nova atividade para crescer para alm do tamanho atual

    37 32 9 25 34 54

    Beneficiar-se de atividades complementares 18 20 3 33 22 12 Conseguir importante posio de mercado antes de competidores

    14 26 30 0 10 4

    Diminuir efeitos cclicos da concentrao em uma unica indstria

    12 15 7 0 14 11

    Aproveitar-se dos benefcios obtidos com diversificaes prvias

    8 0 18 0 8 11

    Entrar em nova atividade em funo do declnio da atual

    5 3 37 42 2 4

    Obter maior proximidade com consumidores finais

    2 0 0 0 7 0

    Seguir estratgia dos principais competidores 1 3 0 0 2 0 Controlar a distribuio de produtos intermedirios e/ou finais

    0 0 3 0 0 0

    Total 100 100 100 100 100 100

    Fonte: Nachum (1999, p. 125)

    Nachum (1999) constatou que a busca de uma importante participao de mercado antes de competidores foi muito mais expressiva para as empresas latino-americanas (26%) do que para o total da amostra (14%). Adicionalmente, observou-se que as motivaes relativas explorao de sinergia (atividades complementares) e diminuio da exposio frente a uma nica atividade foram ligeiramente maiores na Amrica Latina do que na amostra total. Vale mencionar que, para pases asiticos (ndia, Paquisto e Sri-Lanka) e os do Oriente Mdio, a principal motivao da diversificao foi a migrao de uma atividade em declnio.

    No que tange s fontes de financiamento, Nachum (1999, pp. 127-128) mostra que a maioria das diversificaes de empresas latino-americanas financiada por recursos internos (56%) (Quadro 2). Esse valor , inclusive, o maior encontrado entre as regies. Analogamente, as companhias da Amrica Latina so as que menos recorreram ao exterior na captao de recursos, seja na forma de equity, seja na de emprstimos. Em termos gerais, tanto as empresas latino-americanas, quanto as demais, utilizam mais emprstimos do que capitalizao, seja no mercado financeiro domstico, seja no internacional.

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    15

    Quadro 2 FONTES DE FINANCIAMENTO PARA DIVERSIFICAO DE EMPRESAS

    SEDIADAS EM PASES EM DESENVOLVIMENTO (em percentagem)

    Amrica Latina

    sia Oriente Mdio

    Sudeste Asitico

    frica

    Fundos internos 56 43 21 37 50 Capitalizao realizada no pas 16 11 7 12 26 Emprstimos levantados no pas 19 23 25 32 20 Capitalizao realizada no exterior 2 6 21 4 3 Emprstimos levantados no exterior 4 12 25 14 0 Suporte governamental 2 4 0 0 0 Financiamento preferencial de instituies Internacionais / regionais

    0 0 0 0 0

    TOTAL 100 100 100 100 100

    Fonte: Nachum (1999, p. 128)

    As firmas que participaram da pesquisa preferiram utilizar o desenvolvimento interno (investimentos greenfield) como forma de entrada em novos negcios. Porm, a importncia relativa desta opo vem regredindo ao longo do tempo, enquanto a da aquisio de firmas j estabelecidas vem aumentando. Na verdade, a maior mudana verificada com as joint-ventures estabelecidas com companhias internacionais, que passaram a ser particularmente relevantes para as diversificaes realizadas nos ltimos dez anos (Nachum, 1999, pp. 129-130).

    No que se refere ao impacto das polticas governamentais sobre as estratgias de diversificao, Nachum (1999, p. 131) aponta que, dentro da amostra, as empresas latino-americanas consideraram que as polticas governamentais tiveram o menor impacto nas suas trajetrias de crescimento. Porm, destacaram que as polticas governamentais foram os obstculos cruciais na implementao dos planos de diversificao.

    Quanto ao mercado de destino das diversificaes, para as empresas latino-americanas, 67% delas visaram ao mercado domstico, 20% s exportaes para pases em desenvolvimento, 7% s exportaes para pases desenvolvidos e 5% ao mercado internacional via subsidirias. Assim, ratifica-se a noo de que as empresas localizadas em pases em desenvolvimento preferem as exportaes em comparao com investimentos diretos no exterior como principal meio de atendimento ao mercado internacional (Nachum, 1999, pp. 132-133).

    Khanna & Papelu (1998) analisam o desempenho dos grandes grupos chilenos. Eles destacam, de maneira esquemtica, as mudanas institucionais que ocorreram no pas. Alis, a escolha do Chile como objeto de anlise decorreu desse pas ter sido um dos pioneiros na adoo de reformas econmicas no mbito dos pases em desenvolvimento. Adicionalmente, de modo diferente do que se observa em outros lugares, os grupos econmicos no apenas possuem uma definio legal, mas tambm so acompanhados sistematicamente pelas autoridades econmicas.

    As principais caractersticas da pesquisa de Khanna & Papelu (1998) so as seguintes: a) nmero de empresas: 34 empresas afiliadas a 10 grupos econmicos, alm de 80 firmas independentes; b) perodo: dados anuais para o perodo de 1988 a 1996; c) utilizao de tcnicas de regresso multivariada; d) varivel dependente: desempenho da empresa. Da mesma forma que Nachum (1999), os autores no divulgaram os nomes das companhias que fizeram parte da amostra.

    Khanna & Papelu (1998) chegaram aos seguintes resultados. Em primeiro lugar, tanto em 1988, quanto em 1996, a rentabilidade (lucro/ativos), no Chile, foi maior para empresas que so parte de grupos econmicos do que para firmas independentes. Mais ainda, no se encontrou evidncia estatstica suficiente para ratificar a hiptese de que os benefcios de afiliao a um

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    16

    grupo baseado em diversificao conglomerada tenderiam a diminuir com o passar do tempo. Os autores especulam que, talvez, a mera desregulamentao da economia no implicasse automaticamente a retrao dos custos de transao. Adicionalmente, identificou-se uma relao curvilnea (no formato de U) relacionando desempenho da empresa e o grau de diversificao do grupo. Assim, a rentabilidade da firma regrediria se ela participasse de um grupo com pouca diversificao at um certo limiar, quando ento passaria a ter uma evoluo positiva.

    Ressalte-se que esta curva em U seria consistente com a existncia de custos fixos de intermediao, ou seja, somente grupos que excedessem um determinado nvel de diversificao conglomerada teriam incentivos para investir em sistemas que capitalizassem os benefcios potenciais de mercados internos de trabalho e capital. Mais importante, o formato da curva seria o oposto do verificado em economias desenvolvidas, como os Estados Unidos.

    Os demais trabalhos comentados nesta seo no se valem de testes economtricos. Castaeda (2001, pp. 9-12) apresenta dados sobre o grau de diversificao para 132 empresas mexicanas no ano de 1996. Ele foi segmentado em quatro categorias: a) baixa diversificao; b) diversificao relacionada; c) diversificao no-relacionada; d) diversificao conglomerada (definida como a diversificao no-relacionada para grupos que produzam pelo menos quatro produtos/servios diferentes). Como se observa no Quadro 3, a proporo de empresas que se encaixam na diversificao conglomerada relativamente pequena: 9,9% (embora representem cerca de 1/4 das vendas e das exportaes).

    Quadro 3 GRAU DE DIVERSIFICAO DE GRANDES EMPRESAS MEXICANAS, 1996

    Baixa Diversificao

    Diversificao Relacionada

    Diversificao No-Relacionada

    Diversificao Conglomerada

    Percentual de Empresas 57.6 19.7 12.9 9.9 Percentual de Vendas 33.4 28.1 14.5 24.0

    Percentual de Exportaes 41.0 11.9 23.3 23.8

    Fonte: Castaeda (2001, p. 10-12) O mesmo exerccio elaborado levando em considerao o encadeamento vertical das

    atividades (Quadro 4). Ele tambm foi dividido em quatro categorias: a) sem encadeamento; b) encadeamento de suporte (incluindo atividades de trading, distribuio, por exemplo); c) encadeamento isolado; d) encadeamentos mltiplos. notria a relevncia das empresas que possuem encadeamentos mltiplos, em particular em termos de vendas e exportaes. Tendo em vista essas informaes, Castaeda (2001, p. 10) conclui que o trao marcante das grandes empresas mexicanas continua sendo o alto grau de integrao vertical, o que poderia ser explicado pela baixa confiana social que inibiria o desenvolvimento de relacionamentos de longo prazo entre clientes e fornecedores.

    Quadro 4 ENCADEAMENTO VERTICAL DE GRANDES EMPRESAS MEXICANAS, 1996

    Sem Encadeamento

    Encadeamento de Suporte

    Encadeamento Isolado

    Encadeamentos Mltiplos

    Percentual de Empresas 22.7 23.5 21.2 32.6 Percentual de Vendas 5.5 18.5 8.2 67.9 Percentual de Exportaes 1.6 3.7 9.4 85,3

    Fonte: Castaeda (2001, pp. 10-12)

    Alguns trabalhos tentam avaliar os impactos das mudanas macroeconmicas sobre as estratgias corporativas de grandes empresas na Amrica Latina. Ruiz (1997) discute a evoluo de 20 grupos industriais no Brasil, durante o perodo 1980-1993. Desse total, 18 eram controlados por

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    17

    capitais nacionais (Machile/Sharp, ABC-Algar, Docas, Gerdau, Villares, Cofap, Metal Leve, Web, Hering, Vicunha, Alpargatas, Sadia, Perdigo, Votorantim, Klabin, Suzano, Caemi e Matarazzo) e dois por capitais internacionais (Belgo-Mineira e Bunge & Born). Estes ltimos dois grupos foram includos porque eles aplicaram estratgias que foram largamente condicionadas pelo ambiente econmico brasileiro e tambm para facilitar a comparao com estratgias empreendidas por grupos brasileiros tpicos, como Hering, Vicunha e Gerdau. Registre-se que no foram consideradas grandes empresas com atuao concentrada predominantemente em construo e comrcio.

    Ruiz (1997, pp. 172-175) elabora uma tipologia das estratgias empresariais, a partir das contribuies de E. Penrose e de economistas neo-schumpeterianos, como G. Dosi, D. Teece e R. Nelson. O conceito bsico o da coerncia corporativa, segundo a qual existe um conjunto estratgico de competncias essenciais que condicionam as possibilidades de expanso das empresas (ou grupos econmicos). Essas competncias essenciais, por sua vez, possuem duas dimenses: organizacional e econmica, de um lado, tcnica, de outro. Assim, diante da inexistncia de competncias e capacitaes que garantissem a coerncia das atividades empresariais, a firma somente seria capaz de sobreviver em ambientes pouco seletivos; ou seja, quando as empresas so protegidas de seus competidores por regulaes, mercados protegidos e barreiras de importao. Mais ainda, em caso de mudana na direo de um ambiente mais seletivo (em face grande recesso ou abertura comercial), conglomerados sem coerncia tenderiam a desaparecer, por passarem a privilegiar a insero em determinados setores considerados mais relevantes.

    As estratgias corporativas, para Ruiz (1997), so segmentadas nos seguintes tipos: a) estratgias no-coerentes: o crescimento, prioritariamente via aquisies, no levaria

    em considerao as relaes potenciais com as demais empresas controladas pelo grupo econmico. Tudo o que se demandaria para uma aquisio de uma empresa seria que fosse um bom negcio, isto , um ativo com custo relativamente baixo, alta liquidez, baixo risco e retorno positivo acima de um mnimo pr-determinado. Este tipo de estratgia levaria formao de conglomerados;

    b) estratgias coerentes: deliberadamente procuram explorar as vantagens competitivas existentes. Seja por meio de aquisies ou crescimento orgnico, elas procuram criar e explorar sinergias com as principais empresas do grupo econmico e abrir novas reas de expanso. Essas estratgias, por sua vez, so divididas em:

    i. estratgias de diversificao sinrgica: so aquelas que buscam expandir e reforar a presena do grupo em uma srie de indstrias, e que procuraram incorporar segmentos ou atividades industriais prximas s principais reas de expanso do grupo. Elas devem ser consideradas ofensivas porque elas buscam aproveitar as capacitaes (produtivas, tecnolgicas, organizacionais, financeiras e comerciais) do grupo econmico para introduzir novos produtos e ingressar em novos mercados. O maior incentivo deste tipo de estratgia se apropriar de economias de escopo;

    ii. estratgias de especializao: objetivam concentrar as atividades dos grupos econmicos dentro de uma rea de expanso bem-definida. Portanto, representam a focalizao da empresa em uma importante atividade industrial. Fuses e aquisies (ou horizontalizao), bem como integrao vertical para frente ou para trs, so as formas prioritrias de crescimento no mbito desta estratgia;

    iii. estratgias de especializao intensiva: buscam concentrar as atividades ao redor de um setor, como algumas linhas de produtos ou com produtos muito similares;

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    18

    iv. estratgias de diversificao: as empresas buscam entrar em mercados e incorporar companhias ou atividades que no so diretamente relacionadas com aquelas j em operao pelo grupo econmico. Em outras palavras, h baixo grau de coerncia entre as atividades do grupo. Assim, uma estratgia de diversificao (conglomerada) tende a ser interindustrial, ao passo que a diversificao sinrgica (ou concntrica) mais prxima de um investimento intra-industrial. Nos anos 1980, de acordo com Ruiz (1997, p. 175-179), a alta instabilidade macroeconmica

    induziu os grupos econmicos brasileiros a adquirirem firmas ou ativos que serviam como reserva de valor (minerao, imveis, reflorestamento, por exemplo). A recesso estimulou estratgias cujo objetivo principal era o domnio de mercado, seja por horizontalizao, seja por verticalizao. Diante da situao do mercado interno, alguns grupos procuraram aumentar suas exportaes, embora o atendimento do mercado domstico tenha continuado a ser prioritrio. Poucos foram os grupos capazes de manter as estratgias baseadas exclusivamente em oportunidades tecnolgicas. Por outro lado, vrios grupos se valeram de estratgias mais conservadoras, reproduzindo vantagens competitivas existentes. Ratificou-se a ausncia de ligaes entre os grupos econmicos industriais e as instituies financeiras. Privilegiou-se tambm a utilizao de capital prprio em detrimento do capital de terceiros. Constatou-se ainda a predominncia de estratgias coerentes, especialmente aquelas baseadas em especializao e diversificao sinrgica. Por outro lado, poucos grupos guiaram-se por estratgias puramente especulativas (ver Quadro 5).

    No incio dos anos 1990, a maioria dos grupos econmicos brasileiros passou a adotar as estratgias corporativas denominadas de especializao e especializao intensiva. Devido recesso, esses grupos adiaram investimentos e venderam ativos no-estratgicos, especialmente aqueles de natureza especulativa. Num segundo momento, eles decidiram reduzir o grau de diversificao de suas estruturas industriais. E ainda, no mbito de suas reas estratgicas de crescimento, decidiram paralisar, sucatear e vender suas plantas mais ineficientes ou com maior ociosidade. Observou-se tambm que a recesso encorajou uma maior presena internacional dos grupos econmicos, ao mesmo tempo em que a diversificao em indstrias intensivas em tecnologias foi largamente abandonada. Em suma, em termos genricos, estratgias corporativas conservadoras foram as mais importantes durante o perodo 1990-93.

    Ruiz (1997, p. 182) conclui que os grupos industriais brasileiros adotaram, ao longo do perodo 1980-1993, predominantemente estratgias coerentes, baseadas em diversificao (sinrgica/concntrica e conglomerada), especializao e especializao intensiva. bem verdade que isto tambm acabou ocorrendo s custas da desistncia de reas de expanso relacionadas s novas tecnologias (como eletrnica).

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    19

    Quadro 5 ESTRATGIAS CORPORATIVAS DE GRANDES GRUPOS INDUSTRIAIS

    NO BRASIL, 1980-1993

    GRUPOS 1980-1989 1989 1992/1993 Machline Diversificao Sinrgica Especializao Intensiva ABC Algar Diversificao Sinrgica e Especulativa Especializao Intensiva Docas Diversificao Sinrgica e Especulativa Especializao Intensiva Gerdau Especializao Especializao Villares Diversificao Sinrgica Especializao Intensiva Belgo-Mineira Diversificao Sinrgica Diversificao Sinrgica Cofap Diversificao Sinrgica Especializao Metal Leve Diversificao Sinrgica Especializao Weg Diversificao Sinrgica e Especulativa Especializao Hering Diversificao Sinrgica Diversificao Sinrgica Bunge e Born Diversificao Sinrgica e Especulativa Especializao Intensiva Vicunha Especializao Diversificao Alpargatas Especializao Especializao Intensiva Sadia Diversificao Sinrgica Diversificao Sinrgica Perdigo Diversificao Sinrgica Especializao Votorantim Especializao e Diversificao

    (no final dos anos 1980) Diversificao

    Klabin Especializao Especializao Suzano Especializao Diversificao Caemi Especializao Intensiva Especializao Matarazzo Diversificao Especulativa (Falncia)

    Fonte: Ruiz (1997, p. 180) Goldstein & Schneider (2000) analisam as mudanas na conduo do big business no Brasil,

    ao longo da dcada de 1990. Primeiramente, destacam as alteraes do tipo de propriedade entre as 100 maiores empresas no-financeiras. Por meio do Quadro 6, pode-se constatar que a participao das empresas estatais regrediu de modo substancial, o que obviamente relacionado privatizao. Por outro lado, empresas com controle acionrio compartilhado (no qual nenhuma das empresas domsticas ou internacionais, privadas ou domsticas, possui o controle individualmente) se tornaram mais relevantes. De fato, a sua participao nas receitas totais entre as 100 maiores empresas passou de 4% (em 1990) para 19%, (em 1998). Da mesma forma, a participao das multinacionais cresceu de 26% para 40%, respectivamente. Alm disso, empresas com controle acionrio pulverizado e com clara reparao entre propriedade e gesto, apesar do aumento da importncia relativa, continuaram a ser pouco expressivas.

    Quadro 6 COMPOSIO DAS CEM MAIORES EMPRESAS BRASILEIRAS NO-FINANCEIRAS, SEGUNDO

    RECEITAS, 1990-1998 (em percentual)

    Nmero de Empresas Participao Relativa 1990 1995 1997 1998 1990 1995 1997 1998 Empresa Estatal 38 23 21 12 44 30 32 21 Multinacional 27 31 33 34 26 38 37 40 Familiar (Domstica) 27 26 23 26 23 17 16 17 Controle Compartilhado

    5 15 19 23 4 11 12 19

    Propriedade Pulverizada

    1 3 3 4 1 2 2 3

    Cooperativas 2 2 1 1 2 2 0 0

    Fonte: Siffert F & Silva (1999) citados por Goldstein & Schneider (2000)

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    20

    Em segundo lugar, Goldstein & Schneider (2000) analisam as estratgias de sete empresas brasileiras, a saber: AmBev, Embraer, Cofap, Metal Leve, Gerdau, Vicunha e Votorantim. Vale a pena mencionar que quatro delas tambm haviam sido contempladas por Ruiz (1997). Registre-se tambm que Goldstein & Schneider (2000) no tm a preocupao de que as empresas investigadas sejam grupos econmicos stricto sensu, o que pressupe algum grau de diversificao das atividades, critrio no preenchido por Ambev e Embraer.

    Apesar da maioria das grandes empresas brasileiras terem procurado parceiros estrangeiros e mercados externos, Goldstein & Schneider (2000, p. 33) apontam que, dentre os casos estudados, se constata uma grande heterogeneidade de respostas frente s mudanas econmicas vivenciadas nos anos 1990. Em termos de poltica governamental, de um lado, as privatizaes abriram novas oportunidades de negcios (e, conseqentemente, maior diversificao). De outro, a abertura comercial estimulava a especializao. Os grupos Vicunha e Votorantim escolheram o caminho da diversificao, embora por meios distintos. O Vicunha foi bastante agressivo na aquisio de (participao acionria de) empresas em processo de privatizao, ao passo que o Votorantim foi mais cauteloso (Quadro 7). Este grupo continuou a se diversificar na direo de setores no-relacionados, em particular, papel e celulose. Tradicionalmente, o Votorantim investe em indstrias do tipo commodity, de menor valor agregado. Por sua vez, AmBev, Embraer e Gerdau focalizaram suas atividades, por meio de aquisies e da expanso de operaes internacionais, em algumas vezes beneficiando do apoio governamental. Por ltimo, Metal Leve e Cofap, empresas de autopeas, acabaram sendo adquiridas por companhias internacionais.

    Quadro 7 ESTRATGIAS DE GRANDES EMPRESAS NO BRASIL E OS IMPACTOS DA POLTICA

    GOVERNAMENTAL, 1990-2000

    Empresa / Grupo

    AmBev Embraer Cofap / Metal Leve

    Gerdau Vicunha Votorantim

    Mercado Principal

    Domstico Interna-cional Domstico Interna-cional Domstico para infra-estrutura, interna-cional para commo-dities

    Domstico para infra-estrutura, internacional para commo-dities

    Diversificao Baixa Baixa Baixa Baixa Alta Alta Separao Propriedade/ Controle

    Alta

    Alta

    Baixa

    Baixa

    Baixa

    Baixa

    Impacto das Polticas Abertura Comercial

    Baixa Baixa Alta Alta Alta Alta

    Privatizao Baixa Alta Baixa Alta Alta Baixa Outras Intervenes do Governo

    Regulao (Antitruste)

    Incentivos e Subsdios

    Incentivos e Subsdios

    Financeiro

    Fonte: Goldstein & Schneider (2000, p. 34)

    Goldstein & Schneider (2000) concluem que, diferentemente da viso convencional que supe uma convergncia na direo da estratgia corporativa anglo-sax (baseada em uma maior especializao produtiva), isto no se observou no caso brasileiro, mesmo diante de grandes alteraes nas polticas governamentais. Eles concordam com a premissa de Khanna & Papelu (1999) de que, em pases em desenvolvimento, os conglomerados podem prover tipos de servios que em pases industrializados so fornecidos por bancos de investimentos, firmas de contabilidade e escolas de administrao. Ao mesmo tempo em que esta constatao acaba estimulando polticas governamentais que reforcem a conglomerao das empresas, por outro lado, segundo esses

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    21

    autores, existiriam evidncias de que as fuses e aquisies favoreceriam mais o aumento de poder de mercado e a excluso dos competidores do que a busca de eficincia e produtividade.

    Os impactos da abertura comercial sobre 16 grandes empresas colombianas so abordados por Misas (1998). Desse total, seis (Bavaria, Coltejer, Carvajal, Fabricato, Sofasa e Petroqumica Colombiana) pertenciam a grupos empresariais domsticos; quatro eram controlados maioritariamente por empresas estrangeiras; duas eram estatais; e quatro eram empresas colombianas independentes. A escolha das empresas levou em considerao, alm do grande porte, o fato de produzirem bens tradables.

    Misas (1998, pp. 351-352) aponta que os quatro maiores conglomerados colombianos em meados da dcada de 1990 eram: Sindicato Antioqueo (cimento, seguros, alimentos, finanas, comrcio varejista, txtil), Santo Domingo (cerveja e bebidas no-alcolicas, telecomunicaes, aviao comercial, construo, seguros finanas, automobilstica), Organizacin Sarmiento Angulo (finanas, telecomunicaes, construo, qumica e cimento) e Organizacin Ardilla Llle (bebidas, txtil, agroindstria e vidro). Em 1995, as vendas consolidadas desses quatros grupos foram equivalentes a 20,7% do PIB colombiano.

    Apesar do enfoque de Misas (1998) priorizar as empresas individualmente em detrimento das estratgias corporativas propriamente ditas, ele aponta alguns indcios de que esses grupos estariam entrando em novos negcios e, consequentemente, ampliando o leque de diversificao produtiva. Por exemplo, o grupo Ardilla Llle passou a produzir cerveja em 1994, contestando o virtual monoplio da Cervecera Bavaria, pertencente ao grupo Santo Domingo. A Bavaria, por sua vez, ingressou no mercado de gua mineral, refrescos e sucos. E o grupo Santo Domingo passou, em 1992, a deter 51% da Sociedad de Fabricacin de Automotores S.A. (Sofasa), que, como o nome indica, produtora de automveis, a partir da montagem de componentes CKD.

    Misas (1998, p. 358) aponta duas outras importantes caractersticas dos grupos diversificados colombianos. Em primeiro lugar, os investimentos foram destinados prioritariamente a bens non-tradables (servios), que permitiam auferir maior rentabilidade do que nos setores produtores de bens transacionveis internacionalmente. Alm disso, as alianas estratgicas dos grandes grupos domsticos com empresas multinacionais somente foram desenvolvidas para novos mercados (como telefonia celular), mas no para setores que historicamente estavam sob o controle deles (cerveja, refrigerante e txtil).

    Considerando as 16 empresas conjuntamente, Misas (1998, pp. 385-396) conclui que uma das principais mudanas observadas em funo da abertura da economia foi a ampliao do coeficiente de importaes. Vale ressaltar que essas grandes empresas colombianas j apresentavam dficit comercial, o que acabou sendo ampliado pela estagnao das exportaes em relao s vendas. Constatou-se tambm que a lucratividade mdia das grandes empresas praticamente se manteve constante em 1994, comparativamente a 1990. Registre-se ainda que dentre as nove empresas que conseguiram inclusive aumentar sua lucratividade, seis importavam produtos importados para a revenda e cinco receberam investimentos estrangeiros.

    Os impactos do processo de fuses e aquisies (FyA) sobre as estratgias das grandes companhias argentinas so analisados por Kulfas (2001). Na viso desse autor, trs fatores macroeconmicos foram muito relevantes na dcada de 1990. Primeiro, o processo de abertura econmica acabou implicando problemas de competitividade para muitas empresas locais. Segundo, as privatizaes permitiram que grupos locais realizassem ganhos patrimoniais elevados. De fato, os resultados das empresas privatizadas entre 1991 e 1997 foram quase quatro vezes superiores ao resto do conjunto das maiores empresas do pas. Analogamente, a rentabilidade dos grupos que participaram das privatizaes foi quase quatro vezes maior do que os que no

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    22

    adquiram empresas desestatizadas. Terceiro, o atraso cambial resultou numa valorizao adicional para algumas empresas locais.

    Kulfas (2001, p. 63-64), ao discutir a reestruturao produtiva das grandes empresas argentinas, aponta as estratgias predominantes:

    a) abandono da atividade produtiva: neste caso, as empresas se retiraram de sua atividade produtiva, destinando seus recursos para a aquisio de ativos financeiros ou imobilirios. Outra possibilidade se dedicar a atividades econmicas de menor envergadura em relao ao passado. Em alguns casos, a retirada foi forada em funo das mudanas no contexto macroeconmico (Celulosa e Massuh, em relao indstria de papel; Richard, no que tange petroqumica) ou da avaliao acerca das possibilidades estratgicas de longo prazo (Astra);

    b) consolidao e expanso das atividades produtivas: levadas a cabo por empresas que consolidaram sua participao em atividades j exploradas, por meio de reestruturao produtiva, investimentos e aquisies. Exemplos: Techint, Acindar e Aluar;

    c) reconverso produtiva: representa o processo pelo qual os grupos modificam seu perfil setorial, alterando sua estrutura de especializao. Podem ser divididos em dois casos:

    aplicao de recursos em outros setores produtivos: investimentos em atividades que historicamente o grupo no atuava, como, por exemplo, o caso de Garovaglio & Zorraqum que se retirou da petroqumica e se especializou na indstria frigorfica e de couro;

    primarizao das atividades produtivas: consiste no abandono (total ou parcial) das atividades de maior valor agregado e na concentrao nas primeiras etapas do processo produtivo. O grupo Mastellone se associou com a empresa francesa Danone, depois vendeu parte dos seus ativos a esse scio e se concentrou nas primeiras etapas da produo lctea;

    Kulfas (2001, pp. 65-70) tambm analisa a trajetria de cinco grupos argentinos mais detidamente: Techint, Prez Companc; Macri; Mastellone; Bunge & Born. No caso do Techint, destaca-se a internacionalizao na produo de tubos sem costura e a participao no processo argentino de privatizao, seja para ganhar acesso a um novo segmento na indstria que j atuava (siderurgia), seja para integrar-se verticalmente (setor eltrico, transporte de gs e ferrovia) ou ainda para ingressar em atividades de fato novas para o grupo (telecomunicaes).

    O grupo Prez Companc foi bastante ativo, tanto na aquisio, quanto na venda de empresas. A estratgia corporativa do grupo variou de uma situao de crescente diversificao para outra concentrada em duas grandes unidades de negcios: energia e agroalimentar. Em particular, destaque-se que ele adquiriu vrios ativos privatizados. Em termos de internacionalizao, ele tambm se beneficiou das privatizaes do setor de petrleo, promovidas em outros pases da Amrica Latina.

    A trajetria do grupo Macri na dcada de 1990 pode ser sumariada por: a) a crescente importncia do setor de servios; b) a reduo da importncia das atividades industriais na Argentina; c) o incremento do grau de internacionalizao produtiva, embora restrita ao Brasil (seja em servios, seja na agroindstria). J a experincia do grupo Mastellone foi marcada pela diferenciao de produtos (mesmo que o mix de produtos seja cada vez mais concentrado no incio da cadeia produtiva do leite) e pela formao de uma joint-venture com a companhia francesa Danone.

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    23

    O grupo Bunge & Born apresentou um comportamento errtico ao longo da dcada de 1990, caracterizado pela adoo de diferentes estratgias. A participao do grupo em privatizaes foi marginal. Por outro lado, ele j possua um alto grau de internacionalizao. Em linhas gerais, o movimento estratgico do grupo acabou levando reduo de sua presena no setor industrial local, em particular, e na economia argentina, como um todo.

    Rocha & Kupfer (2001) discutem os impactos do processo de F&A sobre as empresas lderes brasileiras. bem verdade que esse o nvel de agregao deste trabalho maior, pois enfatiza a dinmica setorial e no o mbito das firmas propriamente dito. Esses setores foram classificados em quatro tipos:

    a) setores especializados com pouca exposio entrada de empresas de outros setores: caracterizados por reduzida capacidade de expanso de suas empresas fora de seus limites, provavelmente representando estratgias defensivas, e por reflexos concentradores do processo de F&A sobre a estrutura produtiva. Exemplos: alimentos; material de construo; seguros; comrcio varejista/lojas de alimentos; propaganda; rdio e televiso; farmacutico; impresso e edio; txtil;

    b) setores especializados e atrativos ao capital de outros setores: provavelmente possuem empresas com capacidade de expanso reduzida, aqum da oferecida pelo mercado, e por impactos das F&A sobre a estrutura industrial no necessariamente concentradores, podendo apresentar maior diversidade de empresas. Exemplos: servios profissionais; qumico e petroqumico; equipamento de transporte; distribuio de gs, eletricidade e gua; maquinaria; transporte (exceto aeronutico); telecomunicaes; papel e outros produtos relacionados; agricultura, extrao vegetal e pecuria;

    c) setores com estratgias de diversificao e com pouca exposio entrada de empresa de outros setores: sugere capacidade de crescimento de suas firmas superior a do mercado. O processo de F&A no necessariamente altera suas estruturas industriais. No entanto, caso algum impacto venha a existir, dever significar concentrao da estrutura produtiva. Exemplos: firmas de investimento; bancos comerciais; equipamento eletro-eletrnico; minerao;

    d) setores com estratgias de diversificao e atrativos ao capital de outros setores: caracterizados por diversidade de capitais, provavelmente apresentando elevado grau de convergncia produtiva com outros setores. Alm disso, os impactos das F&A sobre suas estruturas de mercado no necessariamente sero concentradores. Exemplo: metalurgia e siderurgia; comrcio atacadista/bens de consumo no-durvel; borracha e plsticos; petrleo, gs e refino; comrcio atacadista/bens de consumo durvel.

    Rocha & Kupfer (2001, pp. 36-40) ressaltam que as multinacionais empreenderam maior nvel de diversificao nas compras de empresas, do que as firmas domsticas. Estas, por sua vez, concentraram suas aquisies em quatro setores: indstria de commodities, indstria tradicional, infra-estrutura e servios financeiros. Assim, as empresas nacionais acabaram se deslocando da indstria para servios, em particular, os servios de infra-estrutura. Adicionalmente, na prtica, a significativa entrada de multinacionais acabou contestando a posio das empresas lderes e implicando um acirramento da concorrncia. importante reiterar o argumento de Rocha & Kupfer (2001, p. 41):

    Na medida em que as F&A das empresas nacionais se dirigem para os prprios setores de atuao e que, em grande medida, esto concentradas nos segmentos produtores de commodities, servios financeiros e infra-estrutura, o escopo de atuao das empresas nacionais parece ter se reduzido. De maneira oposta, a maior disperso das compras das empresas multinacionais e suas estratgias mais diversificadas possibilitam especular pela ampliao do escopo de sua atuao.

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    24

    Outra questo importante em relao s grandes empresas a da governana corporativa. Agosin & Pastn (2001, p. 7) ressaltam que a participao do maior grupo em termos dos ativos de todas as empresas cotadas na Bolsa de Valores de Santiago do Chile cresceu de 14% (em 1994) para 23% (em 1998). Da mesma forma, a participao dos cinco maiores grupos passou de 51% para 54%, respectivamente.

    Agosin & Pastn (2001, p. 8) indicam que os grupos chilenos funcionam principalmente por meio de estruturas piramidais. Algumas vezes existem vrios patamares de companhias de investimento antes de se chegar ao nvel das empresas operacionais. Para esses autores, esta realidade decorre do fato de que participaes acionrias cruzadas (uma tcnica muito utilizada em outros pases, particularmente na sia) so proibidas pelas leis chilenas. Outro instrumento para obter maior controle sobre a companhia (em comparao com a participao acionria que o grupo detm na empresa), embora menos utilizado, a emisso de diferentes classes de aes. Desta forma, o principal problema de governana corporativa no pas seria os conflitos de interesse que surgem entre os controladores, usualmente um grande grupo, de um lado, e os outsiders, seja investidores institucionais, seja investidores individuais, de outro.

    A relao debt-equity extremamente baixa nas empresas chilenas, embora se observe uma importante dependncia de dvidas intragrupo. Estima-se que estes dbitos representem, em mdia, 20% de todos os passivos das grandes empresas no Chile. Apesar de elas terem acesso ao mercado internacional de bnus, as corporaes chilenas tendem a se financiar com lucros retidos e transferncias de fundos entre empresas de um mesmo grupo (Agosin & Pastn, 2001, pp. 9-11).

    Rabelo & Coutinho (2001, pp. 15-16), analisando a experincia brasileira, atestam que a questo da separao entre propriedade e gesto no o problema essencial da governana corporativa no Brasil. Em funo da concentrada estrutura de propriedade, o conflito de agncia relevante no pas aquele entre os acionistas controladores e os minoritrios (tal como no Chile). Valadares (2002) mostra evidncias acerca da grande concentrao de propriedade nas mos de poucos acionistas, no Brasil. Considerando 325 empresas cotadas em Bolsa de Valores, em 1996, 62.5% delas possuam um acionista que detinha o controle majoritrio da empresa. Este acionista possua em mdia 74% do capital votante. Em empresas cujo controle no estava sob o poder de apenas um acionista, o maior investidor possua em mdia 32% do capital votante. Ou seja, mesmo nos casos nos quais no havia um acionista com a maioria dos votos, o maior investidor detinha proporo considervel de votos. Esta alta concentrao da propriedade elimina qualquer possibilidade de aquisio hostil das empresas.

    Rabelo & Coutinho (2001) apontam que a forma prioritria de as grandes empresas controlarem a gerao de caixa (de modo mais do que proporcional vis--vis sua participao acionria) por intermdio de estruturas piramidais e de diferentes classes de aes, uma vez que participaes acionrias cruzadas tambm so proibidas. Exemplificam que a famlia Odebrecht utiliza pirmides e classes de aes para controlar a empresa petroqumica Trikem com 10.7% do capital total. Do mesmo modo, a famlia Gerdau exerce controle sobre a empresa homnima com apenas 8.3% do capital total.

    Valadares (2002) tambm destaca a utilizao de pirmides no caso brasileiro. Entretanto, o seu objetivo no seria a obteno do controle com uma menor parcela do capital da empresa, como verificado em outros pases. Isto decorreria do fato de que mesmo havendo grande participao de empresas como acionistas de outras empresas, no h grande distanciamento da regra uma ao, um voto, por meio desse mecanismo. Uma das possveis explicaes seria a j grande utilizao de aes sem direito a voto como forma de separar controle e propriedade. Na verdade, a legislao brasileira permite a emisso de aes preferenciais sem direito a voto em at 2/3 do capital total. Desta forma, mesmo sem o uso de pirmides, o controle da empresa pode ser garantido com apenas um sexto do capital total. Se esta

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    25

    interpretao estiver correta, a importncia relativa do uso de pirmides e de classes distintas de aes no Brasil seria oposta a verificada no Chile.

    Alm disso, cabe ressaltar que, em geral, no se constata a separao propriedade/gesto, nas empresas controladas por famlias no Brasil. muito freqente que apenas os membros das famlias dos acionistas controladores estejam representados em conselhos. Alis, existem vrios casos que retratam a dificuldade de se remover os gerentes-proprietrios mesmo quando esto claramente destruindo valor da empresa. Outra prtica deletria alocar recursos de tal modo a favorecer os interesses da famlia controladora s expensas da corporao (Rabelo & Coutinho, 2001, p. 4).

    Rabelo & Coutinho (2001, pp. 20-22) chamam a ateno para o impacto da privatizao sobre a governana corporativa no Brasil. Na avaliao dos autores, o resultado foi diferenciado conforme o setor. Entretanto, no caso dos consrcios formados para participar da privatizao, surge um novo conflito de interesses, agora entre os acionistas controladores, tendo em vista a natureza diversa da motivao e do horizonte temporal para fins de anlise de investimentos entre esses investidores. No que se refere s condies de financiamento, ao se analisar a experincia de 24 companhias brasileiras, concluiu-se que a maior fonte de recursos refere-se aos fundos internos (63.9%), seguido da emisso de bnus. Por outro lado, o mercado de capitais prov apenas 6.5% das necessidades de financiamento (Rabelo & Coutinho, 2001, p. 31).

    Acerca da governana corporativa no Mxico, Castaeda (2001, p. 3) ratifica o padro latino-americano de alta concentrao das aes em poder de algumas famlias. Essa situao exponenciada pela emisso de aes sem direito a voto e pela utilizao de pirmides. O autor tambm destaca que o conselho de administrao acaba representando os interesses de um bloco de acionistas majoritrios, ao invs de ser formado como um mecanismo de auditores externos que monitorassem os interesses de acionistas minoritrios.

    No Mxico, cerca de 60% das empresas cotadas em Bolsa de Valores apresentavam a separao da regra uma ao, um voto. Isto o contrrio do que tradicionalmente se verifica em pases com mercado de capitais mais desenvolvidos. Por exemplo, no Canad, Estados Unidos, Japo e Reino Unido, esses valores eram de 10%, 4%, 1% e 1%, respectivamente. No existem tambm clusulas de sada, segundo as quais as empresas so obrigadas a recomprarem as aes com os preos praticados anteriormente, no caso de desacordos nas assemblias de acionistas (Castaeda, 2001).

    Ainda em relao ao caso mexicano, Husted & Serrano (2001) ressaltam que o fundador ou um membro snior da famlia geralmente o chairman do conselho de administrao, enquanto outro membro mais novo da famlia o principal executivo do grupo (CEO). Esse padro contrariaria o padro global (dos pases desenvolvidos) nos quais ambas funes so usualmente exercidas pela mesma pessoa. Alm disso, os problemas de agncia das empresas familiares tendem a aumentar quando o controle e a gesto passam para a segunda ou terceira gerao da famlia fundadora.

    semelhana da experincia chilena, cerca de 60% do valor de capitalizao das empresas mexicanas se concentram em apenas cinco empresas. E como resultado da alta volatilidade da economia mexicana ao longo das ltimas trs dcadas, a maioria das empresas possua endividamento inferior a 50%. Husted & Serrano (2001, p. 11) apontam tambm a irrelevncia de investidores institucionais no mercado de capitais mexicano.

    Em relao Argentina, Apreda (2000) apresenta um cenrio prximo ao verificado em outros pases latino-americanos: a) a pouca (ou nenhuma) possibilidade de take-overs hostis; b) as empresas concedem pouca importncia distribuio de dividendos. Entretanto, acentua algumas diferenas, como o fato de que a legislao de proteo ao investidor minoritrio relativamente

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    26

    boa. Adicionalmente, ao longo da dcada de 1990, foram promulgadas vrias leis sobre investimentos estrangeiros, mercados financeiros, fundos de penso, dentre outros.

    Apreda (2000, pp. 7-8) enfatiza ainda que, na Argentina, era muito freqente que os grandes grupos familiares possussem os seus prprios bancos. No entanto, o sistema bancrio argentino passou a ser controlado em grande medida por instituies estrangeiras. Dentre os vinte e dois maiores bancos do pas, nada menos que quinze eram dominados por estrangeiros. Paralelamente, as empresas multinacionais e investidores institucionais passaram a ser cada vez mais relevantes em termos de controle patrimonial de empresas no-financeiras.

    1.3. Estudo de caso Davila (2000) analisa a trajetria do grupo Alfa, sediado na cidade mexicana de Monterrey,

    ao longo do perodo 1974-1998. Aps sua quase falncia em 1982, no final da dcada de 1990, o grupo Alfa era a quarta maior empresa mexicana, com receitas anuais da ordem de US$ 3.6 bilhes. Este o exemplo tpico de um grande grupo econmico diversificado, que vm modificando suas estratgias corporativas ao longo do tempo.

    O grupo Alfa foi formado em 1974, com resultado da ciso dos negcios da famlia Garza-Sada (tambm denominado Grupo Monterrey) em quatro faces independentes.2 O Grupo Industrial Alfa consolidou as firmas que operavam na indstria siderrgica, com destaque para a Hylsa, que havia sido fundada em 1943. Logo aps sua criao, o Alfa decidiu por uma estratgia de diversificao. Isto se coadunava com a poltica governamental, que na ocasio procurava fomentar grupos econmicos por meio de um tratamento fiscal privilegiado para holdings e firmas de investimento que operassem em diversas atividades industriais. Adicionalmente, o grupo decidiu-se diversificar na direo de indstrias que eram tidas como importantes para o pas, ratificando o alinhamento de sua estratgia com as diretrizes da poltica pblica. No seu primeiro ano de operao, Alfa era o maior grupo econmico do Mxico, com mais de US$ 500 milhes em ativos e 9 mil empregados (Davila, 2000, pp. 3-4).

    Em 1976, o grupo Alfa estava operando em vrias indstrias, como ao, tecnologia siderrgica, papel e embalagem, fibra sinttica, eletrnica, imobiliria e turismo, petroqumica, minerao e comunicao. Nessa oportunidade, definiu-se que a grupo investiria agressivamente na petroqumica. No ano seguinte, as subsidirias foram agrupadas em trs divises operacionais: Alfa Steel, Alfa Paper and Packing e Alfa Industries (esta ltima contemplando uma srie de atividades) ver Davila (2000, pp. 5-6). At o final da dcada de 1970, verificou-se a expanso do grupo para novas atividades, tanto relacionadas s operaes j existentes (uma planta de galvanizao, representando uma integrao vertical para frente na produo siderrgica), quanto em novos mercados (como agronegcios).

    Depois da sua crise financeira de 1981-1982, o grupo Alfa decidiu redefinir seu escopo de atividades, desfazendo-se de negcios pouco rentveis. Projetos que no haviam sido finalizados foram simplesmente paralisados; algumas companhias e ativos no-produtivos foram vendidos; 4 300 empregados demitidos (Davila, 2000, pp. 9-10). Alm disso, pela primeira vez, nomeou-se algum no pertencente famlia como executivo principal do grupo Alfa. Uma de suas medidas foi acabar com a diviso Alfa Industries, fazendo com que as atividades de petroqumica, bens de

    2 A trajetria do grupo Alfa fora analisada anteriormente por Hoshino (1993). Segundo essa autora, na diviso do Grupo Monterrey em

    quatro partes, uma delas ficou com a Vitro, especializada na produo de vidros. Ressaltou tambm que o crescimento do ento Grupo Monterrey fora baseado, em grande medida, na integrao vertical. J o crescimento do grupo Alfa, na dcada de 1970, privilegiou uma crescente diversificao.

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    27

    consumo, alimentos, e bens de capital fossem descentralizadas. Adicionalmente, as empresas do grupo passaram a privilegiar as exportaes.

    Com a venda de algumas empresas de bens de capital, bens de consumo e alimentao, o Alfa voltou a priorizar seu foco em bens intermedirios de consumo, em particular, siderurgia e petroqumica. Em 1988, o escopo de atuao do grupo havia sido reduzido para quatro setores: siderurgia, petroqumica, produtos diversos e alimentos (Davila, 2000, pp. 13-16). Desde ento, foram observadas vrias reorganizaes organizacionais, embora no alterando a concentrao do grupo nesses quatro negcios. Talvez a nica exceo tenha sido seu ingresso na prestao de servios de telecomunicaes, embora no se tenha sido mencionada a importncia desta nova atividade em termos de receitas.

    Um ponto interessante da trajetria do Alfa foi que somente em 1997, o grupo comeou sua internacionalizao. A subsidiria siderrgica Hylsamex adquiriu uma participao na empresa venezuelana Sidor, em associao com outras empresas latino-americanas (Davila, 2000, p. 23). Ressalte-se que este movimento ocorreu aproximadamente 15 anos aps as exportaes terem se transformado em prioridade para o Alfa.

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    29

    2. Estratgias de internacionalizao

    2.1 A discusso terica Embora o tema sobre internacionalizao no seja to polmico

    quanto o dos grupos econmicos, necessrio apresentar sucintamente alguns termos recorrentes da literatura. Hitt, Ireland & Hoskisson (2001, pp. 312-351) sistematizam a discusso sobre estratgias empresariais de internacionalizao, com nfase na realidade das corporaes sediadas nos pases industrializados. Para os propsitos deste artigo-resenha, trs questes so mais relevantes: a) as motivaes da internacionalizao; b) os tipos de estratgia de internacionalizao; c) as modalidades de entrada no mercado internacional.

    De modo genrico, a internacionalizao simplesmente a venda de produtos em mercados diferentes do seu mercado domstico. Os principais incentivos para a internacionalizao, segundo Hitt, Ireland & Hoskisson (2001, pp. 317-323), so:

    a) o aumento do tamanho do mercado, contornando os limites de crescimento impostos por mercados (j atendidos) com baixa taxa de crescimento;

    b) a melhoria da rentabilidade, ao permitir, por exemplo, a diluio dos custos de P&D;

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    30

    c) (P&D) e a diminuio do risco das variaes cambiais pela distribuio das atividades em vrios pases;

    d) o aproveitamento de economias de escala e escopo, o que depende da capacidade de padronizao e utilizao de plantas produtivas similares;

    e) as vantagens locacionais, relacionada ao acesso a matrias-primas ou proximidade em relao a importantes consumidores.

    f) No mesmo sentido da motivao da internacionalizao, a clssica tipologia de J. H Dunning aponta quatro aspectos principais:

    i. market seeking: investimentos orientados para a explorao do mercado domstico do pas hospedeiro (e eventualmente o dos pases vizinhos);

    ii. resource seeking: investimentos que visam explorao dos recursos naturais ou mo-de-obra no-qualificada, cuja disponibilidade obviamente a principal vantagem de localizao que o pas hospedeiro oferece;

    iii. efficiency seeking: investimentos que buscam racionalizar a produo para apropriar economias de especializao. Ou seja, freqentemente ocorrem por meio dos processos de complementao, tanto comercial quanto produtiva, das operaes das filiais das empresas multinacionais;

    iv. strategic asset seeking: investimentos para a aquisio de recursos e capacidades que podem ajudar a empresa a manter e aumentar suas competncias competitivas essenciais nos mercados regionais e/ou global. Os ativos estratgicos podem ser muito diversos, envolvendo, por exemplo, capacidades de inovao e acesso a canais de distribuio.

    Hitt, Ireland & Hoskisson (2001, pp. 323-334) segmentam as estratgias de internacionalizao em dois nveis: a) estratgias competitivas: no mbito de cada negcio no qual a empresa est envolvida; b) estratgias corporativas: no contexto das decises referentes alocao de recursos entre os vrios negcios, bem como da relao entre a holding e as vrias unidades de negcios.

    No caso das estratgias competitivas de internacionalizao, seguindo a taxonomia de M. Porter, Hitt, Ireland & Hoskisson (2001) enfatizam que elas podem ser do tipo:

    a) liderana de custos: apropriao mais intensa de economia de escala e da vantagem competitiva baseada em custos menores do que a mdia do seu mercado;

    b) diferenciao: vantagem competitiva baseada oferecer um produto diferente, obtendo assim preos maiores do que os praticados pela mdia do seu mercado;

    c) focalizao: especializao em algum segmento de mercado, em detrimento de uma abordagem mais generalista.

    As estratgias corporativas de internacionalizao derivam do fato de a empresa operar em mltiplas indstrias e mltiplos pases/regies. Eles se segmentam em:

    a) estratgias multidomsticas: as decises estratgicas e operacionais so descentralizadas no mbito de cada pas, com o objetivo de permitir um melhor ajustamento dos produtos ao mercado local. Por outro lado, no possibilita o melhor aproveitamento das economias de escala;

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    31

    b) estratgias globais: so baseadas na maior padronizao de produtos entre os mercados atendidos. A estratgia, assim, centralizada e controlada na sede da empresa, que busca aproveitar os benefcios da interdependncia entre as vrias subsidirias,

    c) estratgias transnacionais: so aquelas que buscam conciliar a eficincia global e a aderncia ao mercado local, o que requer uma coordenao flexvel.

    Hitt, Ireland & Hoskisson (2001, pp. 337-343) apresentam tambm os tipos de entrada no mercado internacional, que envolvem os casos de: a) exportao; b) licenciamento; c) alianas estratgicas (da qual a joint-venture o caso mais relevante); d) aquisio; e) investimentos greenfield. Eles discutem as principais caractersticas de cada modalidade, enfatizando suas vantagens e desvantagens. Detalhes desta discusso sero omitidos por ser tratar de um tema j bastante conhecido.

    2.2 Estudos multicasos Esta seo apresenta os resultados de alguns estudos que abordam as estratgias de

    internacionalizao de empresas latino-americanas. Chudnosvky & Lpez (1999) discutem as caractersticas e as trajetrias das principais empresas multinacionais sediadas na Amrica Latina, em particular de companhias argentinas, brasileiras, chilenas e mexicanas.

    Chudnosvky & Lpez (1999, p. 30) ressaltam inicialmente que a participao latino-americana como origem de investimento direto estrangeiro (IDE) continua sendo pequena. Estima-se que Amrica Latina e Caribe foram responsveis por 1.3% dos IDE mundiais e por 9% dos IDE que tiveram como origem pases em desenvolvimento, no perodo 1992-1997. Na mesma direo, segundo o ranking das 50 maiores empresas multinacionais sediadas em pases em desenvolvimento, elaborado pela UNCTAD, em 1998, 30 eram baseadas na sia, contra 15 da Amrica Latina2 Desta forma, o ndice de multinacionalidade das firmas dos pases asiticos era superior ao das latino-americanas. Mais importante, estas se concentraram majoritariamente em atividades vinculadas a vantagens naturais (petrleo, alimentos e bebidas, cimento, minerao, etc.).

    Na dcada de 1990, em termos relativos e considerando os quatro pases citados, os IDE outward foram mais importantes para a economia chilena. Por outro lado, o Brasil era o que apresentava o menor peso dos IDE em comparao com seu Produto Interno Bruto (PIB). Chudnosvky & Lpez (1999, p. 49) assinalam uma importante correlao entre o timing das reformas, os cenrios macroeconmicos de cada pas e os investimentos no exterior. A estabilidade macroeconmica facilita um paulatino retorno aos mercados internacionais de crdito e, por conseguinte, condies de financiamento mais favorveis. Adicionalmente, os processos de privatizao abrem novas oportunidades para os grupos econmicos locais, desviando recursos que poderiam ser utilizados para a internacionalizao. Nesse sentido, tendo em vista que as reformas se aplicaram mais tardia e gradualmente no Brasil, do que nos outros trs pases, seria compreensvel o menor grau de internacionalizao das empresas brasileiras.

    Chudnosvky & Lpez (1999, p. 50) indicam que o percentual das vendas totais provenientes de operaes no exterior muito varivel. Em alguns casos, particularmente em companhias mexicanas, este ndice chegava a superar 50%. A maior parte dos IDE se concentraram em pases vizinhos ou dentro do subcontinente latino-americano. Alm disso, foram poucas as empresas

    2 No ranking divulgado no ano 2002, com base nos dados de 2000, encontram-se doze empresas latino-americanas, a saber: Cemex,

    Grupo Carso, Savia, Gruma e Panamericana Beverages (Mxico), Companhia Vale do Ro Doce, Petrobrs, Gerdau e Varig (Brasil), Petrleos de Venezuela (Venezuela), Prez Companc (Argentina) e Copec (Chile) vase UNCTAD (2002, pp.100-101). Assim, o perfil de concentrao em setores intensivos em recursos naturais nao foi alterado.

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    32

    latino-americanas que tiveram a inteno de competir em economias mais industrializadas em p de igualdade com as companhias domsticas. Foram elas: Techint, Carso, Cemex, La Moderna-Seminis, Odebrecht e Sab. Em compensao, algumas dessas intenes foram frustradas, como relevaram as experincias da empresa mexicana Vitro e das brasileiras Cofap e Metal Leve.

    Destaque-se que na sua grande maioria, os IDE foram protagonizadas por grupos econmicos, de controle familiar. fundamental acentuar que os IDE provenientes de empresas latino-americanas ocorreram predominantemente em setores mais maduros, sejam servios, atividades tradicionais (ou commoditizadas) ou setores vinculados a recursos naturais (Chudnosvky & Lpez, 1999, p. 51).

    Genericamente, a maioria dos IDE das companhias latino-americanas teve uma motivao market seeking. De fato, as empresas buscaram se inserir em mercados de maior tamanho e com melhores perspectivas de crescimento. No entanto, foram poucas as empresas que, com a inteno de atender o mercado por meio de IDE, perseguiram uma atuao verdadeiramente global. Ao contrrio, observa-se um nmero maior de empresas que focalizaram o mercado regional (ou o de pases vizinhos), coerente com os processos de integrao do tipo Mercosul e Nafta. Adicionalmente, investimentos resource seeking se concentraram na indstria petrolfera. De todos modo, a modalidade prioritria de IDE foi a aquisio de empresas j existentes (Chudnosvky & Lpez, 1999, p. 52-53).

    Cabe ainda apontar que as vantagens proprietrias das empresas multinacionais latino-americanas no se referem s capacidades inovadoras ou ativos tecnolgicos na fronteira do estado-da-arte mundial. Ao contrrio, elas so mais vinculadas s capacidades de gerenciamento, de domnio de tecnologia de processos j difundidos, de gesto da produo e qualidade eficientes etc (Chudnosvky & Lpez, 1999, pp. 53).

    Salas-Porras (1998), por sua vez, analisa a estratgia de internacionalizao das empresas mexicanas, com nfase na dcada de 1990. Inicialmente, cabe destacar que o conceito adotado de internacionalizao pela autora bastante amplo, extrapolando a viso convencional do tema, ao incorporar a colocao de aes e outros valores nos mercados estrangeiros. Esta dimenso financeira, contudo, no ser aqui abordada.

    Salas-Porras (1998, p. 135) aponta que, na dcada de 1990, algumas companhias mexicanas passaram a investir em pases industrializados, atingindo at um lugar de destaque no ranking mundial nos setores nos quais atuavam. Por outro lado, dentre as 60 maiores empresas no-financeiras do pas, apenas treze possuam subsidirias operacionais (que adicionavam valor) em outros pases, a saber: Vitro, Carso, Cemex, Visa, Ica, Televisa, Bimbo, Gruma, Imsa, Dina, Synkro, Iusacell e Herdez. Em vrios desses casos, a internacionalizao foi um mecanismo defensivo, no sentido de que para resguardar o mercado nacional (em processo de liberalizao), era preciso ganhar escala empresarial.

    Salas-Porras (1998, pp. 135) examina trs experincias de internacionalizao, em maior profundidade: Vitro, Cemex e Televisa. Essas empresas teriam algumas similaridades em sua estratgia de internacionalizao: a) os investimentos no exterior foram uma estratgia explcita; b) as companhias foram agressivas no sentido de ampliar suas atividades em outros pases, ganhar posio internacional e aproveitar a sinergia e as vantagens especficas da empresa; c) essas firmas passaram a gerar uma grande proporo de seus lucros e valor agregado no exterior.

    No caso da Vitro, no entanto, a estratgia no foi sustentvel no longo prazo. Em 1989, ela adquiriu por meio de uma oferta hostil a Anchor Glass e comprou a Latchford, ambas nos Estados Unidos, convertendo-se no segundo maior produtor de vidro desse pas. As operaes norte-americanas corresponderam a 40% das vendas totais da Vitro em 1990, 59% em 1992 e 56% em 1993. O preo dessas aquisies foi considerado, todavia, bastante elevado. Face ao elevado

  • CEPAL- SERIE Desarrollo productivo No 137

    33

    endividamento, o projeto de expanso internacional fracassou, levando venda da Anchor em 1997. Assim, a empresa voltou a focalizar o mercado mexicano (Salas-Porras, 1998, pp. 136).

    A experincia da Cemex tambm foi baseada em aquisies. Em 1989, a empresa comprou vrias companhias no Texas e Califrnia, passando a controlar 10% do mercado desses estados. Trs anos mais tarde, investiu US$ 1.8 bilho para adquirir duas grandes plantas de cimento na Espanha: La Valenciana e Sansn, que representavam cerca de 28% do mercado espanhol do produto. Inicialmente, esta investida no mercado europeu foi avaliada como negativa, pelo mercado de capitais, tanto que os preos das aes da Cemex regrediram 17% em apenas dois dias aps o anncio das transaes. Entre 1993 e 1996, o grupo ampliou sua internacionalizao consideravelmente, na direo da Amrica do Sul e Central, passando a atuar em 20 pases (Salas-Porras, 1998, p. 136). A trajetria de internacionalizao da Cemex ser discutida mais detidamente na prxima seo.

    A Televisa, uma companhia de televiso e meios de comunicao, iniciou sua internacionalizao pelos Estados Unidos. No entanto, os primeiros empreendimentos foram infrutferos. Aps a acusao de prticas ilcitas, o grupo se viu obrigado a ser retirar, parcial e temporariamente, do segmento de televiso (em lngua espanhola) dos Estados Unidos. Pouco tempo depois, a Televisa voltou a ingressar no mercado norte-americano, desta vez com um scio distinto. Passou, inclusive, a dominar 90% do mercado televisivo dos Estados Unidos, em lngua espanhola, alm de 18% do mercado da Espanha e, por meio de joint-ventures, ingressou nos mercados do Chile, Peru, Argentina e Venezuela (Salas-Porras, 1998, pp. 137-138). Como trao geral da experincia mexicana, a internacionalizao ocorreu prioritariamente via aquisies, tanto que no levantamento da autora consta apenas um investimento do tipo greenfield.

    Garrido (2001, pp. 57-72) aps discutir os impactos macro e mesoeconmicos das fuses e aquisies cross-border no Mxico, tambm investiga a trajetria de internacionalizao de algumas empresas selecionadas, a saber: Cemex (como exemplo de um caso bem-sucedido), Savia (caso em processo de consolidao), Vitro e DINA (casos mal-sucedidos de internacionalizao).

    A experincia da Cemex, alm de j ter sido mencionada por Salas-Porras (1998), ser tambm examinada na prxima seo. Pode-se, ento, concentrar nos trs casos remanescentes analisados por Garrido (2001). Esse autor apresenta um caso que se enquadraria no processo de consolidao, ou seja, uma combinao de operaes bem-sucedidas de aquisies, mas ainda enfrentando diversos desafios tanto internos quanto externos (nos nveis meso e macroeconmico).

    A empresa Savia (anteriormente denominada grupo Pulsar) o exemplo examinado de fuses e aquisies cross-border em processo de consolidao. O maior ativo do grupo Pulsar era a empresa Cigarrera La Moderna, a maior produtora de cigarros do Mxico. Alm de tentativa de ampliar as exportaes de cigarros para Rssia e China, o Pulsar atuava em indstrias complementares de cigarros, seja na produo de embalagens, seja na de papel de alumnio. Todavia, em 1997, o Pulsar passou por uma profunda reorientao estratgica, ao vender a Cigarrera La Moderna, para a BAT da Inglaterra, por US$ 1,7 bilho. Esta transao seria uma demonstrao de que o Pulsar admitia implicitamente que no tinha recursos para atingir o objetivo de se constituir como uma produtora mundial de cigarros com marca prpria (Garrido, 2001, p. 62).

    A partir desta venda, o Pulsar passou a priorizar as atividades de horticultura e florestal, bem como de biotecnologia. Esta trajetria, alis, j tinha comeado pelo menos desde 1994, quando o Pulsar adquiriu as empresas internacionais de sementes Asgrow Seed, Petossed e DNA Plant Technology (DNAP), das quais se originou a Seminis. Com isso, o Pulsar passou a controlar 22% da produo mundial de sementes vegetais. Em particular, a DNAP detinha a tecnologia mais avanada do mundo no campo de controle e manipulao de genes para inocular as sementes. O Pulsar/Savia empregava mais de 500 pesquisadores em biotecnologia, destinando 14% de seu faturamento em sementes e vegetais para P&D (Garrido, 2001, pp. 62-63).

  • Estratgias corporativas e de internacionalizao de grandes empresas na Amrica Latina

    34

    Em 1997, o Pulsar vendeu a Diviso de Sementes da Asgrow Seed para a empresa norte-americana Monsanto, mantendo a propriedade da Diviso de Sementes para Hortalias e Legumes daquela companhia. Vale a pena mencionar que aps comprar 51% da companhia holandesa Royal Van Namen, essa participao foi revendida em 1998. Adicionalmente, como fruto de sua reestruturao, a denominao foi alterada para Savia (Garrido, 2001, p. 63).

    A internacionalizao da Savia difere da maioria dos outros casos aqui analisados, por se tratar de atividades intensivas em conhecimento, mas, por outro lado, retm a semelhana de a internacionalizao se basear em aquisies. Naturalmente, em funo do mercado atendido e dos elevados requerimentos tecnolgicos, os riscos envolvidos so maiores do que o das empresas atuantes em setores maduros. Garrido (2001, p. 64) observa que, como um indicador das dificuldades desta opo, a Savia te