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131 Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 94, p. 131-152, jan./abr. 2006 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> COMPLEXIDADE E DIALÉTICA: CONTRIBUIÇÕES À PRÁXIS POLÍTICA E EMANCIPATÓRIA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL CARLOS FREDERICO BERNARDO LOUREIRO * RESUMO: No presente artigo analisam-se as principais orientações teórico-metodológicas que constituem a educação ambiental, à luz de um referencial inserido na tradição crítica e dialética histórica. Problematizam-se as formulações funcionalistas e organicistas produ- zidas no campo da teoria dos sistemas e da visão holística que dilu- em os aspectos políticos, sociais e culturais inerentes à complexidade ambiental, estabelecem uma unidade abstrata entre sociedade e na- tureza e, em algumas de suas propostas, hipostasiam o todo com re- lação às partes. Ao final, são resgatadas categorias definidoras da ver- tente emancipatória ou transformadora da educação ambiental, rele- vantes para um fazer educativo ambientalista que enfatize a partici- pação cidadã, a ressignificação do ambiente e a transformação societária, na qualidade de princípios estruturantes e indissociáveis do processo de requalificação do humano na natureza. Palavras-chave: Educação ambiental. Práxis. Emancipação. Transfor- mação social. Complexidade. COMPLEXITY AND DIALECTIC: CONTRIBUTIONS TO THE POLITICAL AND EMANCIPATORY PRAXIS IN ENVIRONMENTAL EDUCATION ABSTRACT: This paper analyses the main theoretical and method- ological approaches to environmental education from a critical per- spective within historical dialectic. It problematizes the functionalist and organicist formulations produced in the field of the theory of systems and the holistic vision, which dilute the political, social and cultural aspects inherent to the environmental complexity, establish an abstract unity between nature and society and, in some of its * Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor ad- junto da Faculdade de Educação da mesma Instituição. E-mail: [email protected]

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  • 131Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 94, p. 131-152, jan./abr. 2006Disponvel em

    Carlos Frederico Bernardo Loureiro

    COMPLEXIDADE E DIALTICA:CONTRIBUIES PRXIS POLTICA E EMANCIPATRIA

    EM EDUCAO AMBIENTAL

    CARLOS FREDERICO BERNARDO LOUREIRO*

    RESUMO: No presente artigo analisam-se as principais orientaesterico-metodolgicas que constituem a educao ambiental, luz deum referencial inserido na tradio crtica e dialtica histrica.Problematizam-se as formulaes funcionalistas e organicistas produ-zidas no campo da teoria dos sistemas e da viso holstica que dilu-em os aspectos polticos, sociais e culturais inerentes complexidadeambiental, estabelecem uma unidade abstrata entre sociedade e na-tureza e, em algumas de suas propostas, hipostasiam o todo com re-lao s partes. Ao final, so resgatadas categorias definidoras da ver-tente emancipatria ou transformadora da educao ambiental, rele-vantes para um fazer educativo ambientalista que enfatize a partici-pao cidad, a ressignificao do ambiente e a transformaosocietria, na qualidade de princpios estruturantes e indissociveisdo processo de requalificao do humano na natureza.

    Palavras-chave: Educao ambiental. Prxis. Emancipao. Transfor-mao social. Complexidade.

    COMPLEXITY AND DIALECTIC: CONTRIBUTIONS TO THE POLITICAL ANDEMANCIPATORY PRAXIS IN ENVIRONMENTAL EDUCATION

    ABSTRACT: This paper analyses the main theoretical and method-ological approaches to environmental education from a critical per-spective within historical dialectic. It problematizes the functionalistand organicist formulations produced in the field of the theory ofsystems and the holistic vision, which dilute the political, social andcultural aspects inherent to the environmental complexity, establishan abstract unity between nature and society and, in some of its

    * Doutor em Servio Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor ad-junto da Faculdade de Educao da mesma Instituio. E-mail: [email protected]

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    propositions, segregate the whole in relation to the parts. In the end,the relevant categories that define the emancipatory or transforma-tive views of environmental education are brought into an approachthat emphasizes citizenship participation, the re-signification of theenvironment, and the social transformation, as structuring principleswhich are bound to the process of re-qualification of the human inthe nature.

    Key words: Environmental education. Praxis. Emancipation. Socialtransformation. Complexity.

    Introduo

    educao ambiental integra propostas educativas oriundas deconcepes tericas e matrizes ideolgicas distintas, sendo reco-nhecida publicamente, no Brasil, como de inegvel relevncia para

    a construo de uma perspectiva ambientalista de mundo e de socieda-de. Tal fato relativamente simples de compreender quando a pensamoscomo uma prxis educativa que se constitui no prprio processo de atua-o, nas diferentes esferas da vida, das foras sociais identificadas com aquesto ambiental. Estas, em suas mltiplas tendncias, nas ltimas trsdcadas, procuram materializar aes distintas e por vezes antagnicas,almejando alcanar patamares societrios construdos por meio de cami-nhos vistos como sustentveis, requalificando a compreenso e o modode nos relacionarmos na natureza.

    No Brasil, as discusses afetas educao ambiental adquiremcarter pblico abrangente em meados da dcada de 1980, com a re-alizao dos primeiros encontros nacionais, a atuao crescente dasONGs ambientalistas e dos movimentos sociais que incorporaram atemtica em suas lutas, e a ampliao da produo acadmica espec-fica (Loureiro et al., 2002). Sua importncia para o debate educacio-nal explicita-se formalmente na obrigatoriedade constitucional, emsua incluso nos Parmetros Curriculares Nacionais e na publicaoda Lei Federal que define a Poltica Nacional de Educao Ambiental(Lei n. 9795/1999), instrumentos legais e documentos governamen-tais que asseguram temtica um carter transversal, indispensvel eindissocivel da poltica educacional brasileira mesmo que possa-mos considerar que a educao ambiental no esteja consolidada na-cionalmente como poltica pblica (Loureiro, 2004).

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    Desde a dcada de 1970, quando identificamos as primeiras ex-perincias denominadas de educao ambiental, dois grandes blocospoltico-pedaggicos comearam a se definir e disputar hegemonia nocampo das formulaes tericas, na academia, nas articulaes internass redes de educadores ambientais e na definio da poltica nacional,com vertentes internas e interfaces complexas e diferenciadas. Cabe des-tacar que no estamos afirmando que somente existam esses dois blo-cos, pois poderamos lembrar de experincias e pensadores que no seenquadram estritamente e que apresentam proximidades ou no comestes de acordo com suas orientaes especficas. Mas buscamosexplicitar os macroeixos norteadores que historicamente alcanarammaior destaque no cenrio da educao ambiental, seja pela proximi-dade com as discusses polticas da rea, pela tradio na educao oupela afinidade com teorias que obtiveram maior acmulo no debateambientalista.

    Feito esse esclarecimento e utilizando-nos de sistematizao feitapor Lima (2002) e de elementos por ns anteriormente indicados(Loureiro, 2003b e 2004), podemos assim classificar os dois blocos emsuas nfases.

    Um denominado conservador ou comportamentalista, cujas ca-ractersticas centrais so:

    compreenso naturalista e conservacionista da crise am-biental;

    educao entendida em sua dimenso individual, baseadaem vivncias prticas;

    despolitizao do fazer educativo ambiental, apoiando-se empedagogias comportamentalistas ou alternativas de cunhomstico;

    baixa problematizao da realidade e pouca nfase em pro-cessos histricos;

    foco na reduo do consumo de bens naturais, descolandoesta discusso do modo de produo que a define e situa;

    diluio da dimenso social na natural, faltando entendimen-to dialtico da relao sociedade-natureza (sociedade como

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    realizao coletiva e objetivada da natureza humana, ou me-lhor, como realizao e exigncia para a sobrevivncia da es-pcie humana Morin, 2002b);

    responsabilizao pela degradao posta em um homem ge-nrico, fora da Histria, descontextualizado social e politica-mente.

    E outro chamado de transformador, crtico ou emancipatrio, cujascaractersticas mais comuns so:

    busca da realizao de autonomia e liberdades humanas emsociedade, redefinindo o modo como nos relacionamos coma nossa espcie, com as demais espcies e com o planeta;

    politizao e publicizao da problemtica ambiental em suacomplexidade;

    convico de que a participao social e o exerccio da cida-dania so prticas indissociveis da educao ambiental;

    preocupao concreta em estimular o debate e o dilogo en-tre cincias e cultura popular, redefinindo objetos de estu-do e saberes;

    indissociao no entendimento de processos como: produoe consumo; tica, tecnologia e contexto scio-histrico; inte-resses privados e interesses pblicos;

    busca de ruptura e transformao dos valores e das prticassociais contrrios ao bem-estar pblico, eqidade e soli-dariedade.

    Tais blocos dinmicos, alm de serem influenciadas por con-cepes pedaggicas distintas, fundadas sob modos especficos de seentender a educao e suas finalidades sociais, definiram-se, no quese refere compreenso de mundo e da sociedade, a partir da apro-priao de dois mtodos que, independente de a questo ambientalser um objeto de interesse direto ou no, estruturaram-se sobre cate-gorias centrais para a perspectiva ambientalista (integrao, totalida-de, processos, movimento, relaes, entre outras). Em termos gerais,o primeiro bloco mencionado est fortemente influenciado pela Teo-ria dos Sistemas Vivos, pela Teoria Geral dos Sistemas, pela viso

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    holstica, pela ciberntica e pelo pragmatismo ambientalista da pro-posta de alfabetizao ambiental norte-americana. E o segundo,mais inserido nos debates clssicos do campo da educao propria-mente dita, pela dialtica em suas diferentes formulaes de orienta-o marxista ou em dilogo direto com esta.

    Contudo, devemos alertar para o fato de que tal uso no se deude modo estanque e sem a busca de interlocues e dilogos, por ve-zes proveitosos, por vezes equivocados. Para exemplificar o que estamosdizendo, no campo do dilogo profcuo lembramos que h autoresde reconhecido e notrio saber que procuraram estabelecer novas sn-teses entre esses mtodos, dos quais se destacam Edgard Morin (reu-nindo a dialtica em Herclito, Hegel e Marx, Teoria dos Sistemas,Teoria da Informao e ciberntica, para sistematizar a Teoria daComplexidade) e Enrique Leff (reunindo Teoria da Complexidade,hermenutica e dialtica marxista). No que se refere s apropriaesindevidas de categorias conceituais de pensamentos contrrios nomodo de entender o mundo e as finalidades da educao, encontra-mos, no raramente, educadores ambientais que realizam suas aesno campo de uma pedagogia conservadora, do pragmatismo ambien-talista norte-americano e sob abordagens ecolgicas sistmicas funcio-nalistas e organicistas, utilizando-se discursivamente de autores crti-cos como Moacir Gadotti e Paulo Freire, sem dialetizar e discernir oque h de contribuio possvel e recproca e o que absolutamenteincongruente (Loureiro, 2004).

    Consideraes iniciais feitas, oportuno analisar as formulaessistmicas clssicas e a matriz holstica normalmente a estas associa-da, pela recorrncia entre educadores ambientalistas, luz de umaabordagem dialtica histrica em permanente dilogo com a Teoriada Complexidade e focada no sentido educativo das prticas em edu-cao ambiental. Com isso, pretendemos problematizar categoriasconceituais estruturantes e explicitar as implicaes poltico-pedag-gicas da incorporao pouco reflexiva destas vises sociais de mundosignificativas para a educao ambiental, indicando, ao final, concei-tos relevantes para o entendimento de sua vertente emancipatria outransformadora, inspirada primordialmente na pedagogia freireana e,de modo menos direto, em autores que no campo da educao con-formaram as pedagogias crticas.

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    Problematizando as orientaes terico-metodolgicas da educaoambiental

    No incomum se falar dentro do jargo ambientalista de visosistmica em sentido amplo, incluindo a perspectivas dos mais diferen-tes tipos, posto que um sistema pode ser definido como um conjunto departes coordenadas entre si, cujas leis ordenam os fenmenos que so vis-tos prioritariamente como fluxos e processos, ou no dizer de Bertalanffy(1977), como um conjunto de unidades em inter-relaes mtuas. As-sim, desde o prprio pensamento dialtico hegeliano ou marxista at aciberntica e a robtica, passando pelas filosofias orientais, o funcionalis-mo, o organicismo e o holismo, todos literalmente cabem no rtulo deserem formulaes sistmicas. No entanto, esta bondosa generalidadeconceitual complica mais do que facilita o entendimento do que funda-menta a educao ambiental. A Teoria da Complexidade em Morin, adialtica marxista e o holismo no compartilham da mesma epistemo-logia (Petraglia, 2001). Particularmente, ao confrontarmos as duas pri-meiras com relao terceira, verificamos construes distintas no que serefere aos conceitos de totalidade, de compreenso da relao parte-todoe de educao. Assim, sem ignorar o fato de que a viso sistmica vemsendo incorporada por diferentes cincias, adquirindo significados pr-prios, aqui, para efeito de anlise, vamos nos referir a esta, a seguir, emsentido estrito. Aos seus fundamentos consolidados em meados do scu-lo XX, quando tal denominao ganhou aceitao nos meios acadmi-cos, cientficos e filosficos, tendo por base a Teoria Geral dos Sistemas eos modelos clssicos oriundos da fsica, da biologia e da sociologiafuncionalista.

    Ao pensarmos a educao como prxis social, cujo fim o apri-moramento humano naquilo que pode ser aprendido e recriado a par-tir dos diferentes saberes existentes em uma cultura, de acordo com asnecessidades, possibilidades e exigncias de uma sociedade, alguns pro-blemas se explicitam no uso de abordagens sistmicas.

    O primeiro e principal a leitura direta dos fenmenos sociaisfundamentada em modelos matriciais de retroao alimentados por elosde feedback, relativizando-se ou ignorando-se que o ambiente tam-bm produto do trabalho e da prxis humana. Tal leitura ocasiona umgrau de incerteza e mutabilidade e de ao intencional para alm daprevisibilidade de qualquer modelo, por mais dinmico e relacional que

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    este consiga ser. Uma coisa alimentao e retroalimentao, outra bemdistinta interveno e criao consciente pela ao mediada cultural-mente. Formular um pensamento sistmico em cima de fluxosenergticos, materiais e termodinmico enfatiza adequadamente os or-ganismos vivos, mas dissolve a existncia, a cultura e demais fenme-nos tipicamente humanos.

    Para Floriani & Knechtel (2003), as vises sistmico-holsticas eo sistemismo formal contribuem efetivamente para a emergncia deparadigmas que procuram relacionar sistemas sociais e sistemas natu-rais estrito senso em construes interdisciplinares baseadas no concei-to de autopoiese. Contudo, como destacam os referidos autores, nessemovimento recaem na perigosa certeza de se ter alcanado o modelodo modelo ou o mtodo unificador de todas as cincias e saberes,sintetizando em matrizes sistmicas os processos materiais e mentaisdas sociedades humanas e da vida. Acabam, assim, por reproduzir oequvoco do positivismo e de algumas correntes marxistas que conside-ravam, cada um a seu modo e sua poca, haver descoberto o nicomtodo capaz de apontar a verdade. Considerando o ambiente comocomplexidade do mundo (Leff, 2001, p. 17), no h um nico mtodovlido, mas mtodos que, ao trabalharem com a perspectiva da totali-dade, podem e devem dialogar entre si, reconhecendo as especificidadesde cada cincia e de outros mtodos, num processo aberto que permitaa redefinio dos objetos de cada cincia e recortes da materialidade davida (Leff, 2003).

    Alm disso, segundo Morin (2003), apesar de Bertalanffy(1977) proclamar a possibilidade do conflito em um sistema, no de-senvolve esta importante noo. Como resultado desse tipo de formu-lao, o sistema vira sinnimo de harmonia, funcionalidade, sntesesuperior que comanda as partes; algo incapaz de ser pensado em suatotalidade necessariamente dissonante e antagnica, sem as quais noexistem organizao e transformao. Essa simplificao se d priori-tariamente por duas premissas no necessariamente consonantes. Umaprimeira em que o conflito e o antagonismo so reduzidos ao sentidode diversidade natural, previsveis na dinmica sistmica, e no en-tendidos como constituintes da desordem na organizao da vida edas estruturas histricas e sociais que formam a realidade complexa.E outra em que o conflito visto como uma fragilidade, uma incor-reo a ser superada quando o ser humano atingir seu estado inte-

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    MeyerHighlightprocura de um mtodo unificador

    MeyerHighlightQuesto do conflito e do antagonismo

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    gral, ou seja, harmnico, numa concepo similar ao positivismo deAugusto Comte e ao evolucionismo spenceriano.

    Um outro aspecto, a ser considerado dentro das pretenses deum artigo, decorre de uma possibilidade de raciocnio lgico-formal.Um sistema dinmico procura sempre se recompor e readequar s rela-es de modo que funcione plenamente e em equilbrio, e isso vlidopara sistemas ecolgicos ou sociais. Caso desconsidere-se, nesse pontoem particular, a especificidade histrica humana, pode-se recair no fun-cionalismo organicista, em que as mudanas se do para o bom funcio-namento do sistema (em termos de sociedade contempornea, do capi-talismo). A concluso inevitvel: o que pode ser feito com a sociedade torn-la ambientalmente sustentvel e no super-la. E isso acarretauma viso sistmica politicamente conservadora e reformista, em que aeducao a se inscreve para cumprir a funo social de fazer as pessoasse adaptarem e aceitarem determinado modo de organizao socialcomo se este fosse a-histrico ou natural (algo que assim porque ).

    O entender a relao sociedade-natureza como uma relao idealou genrica naturaliza o que social, no sentido de perda de historici-dade, e estabelece de modo apriorstico o que uma interao perfeitada humanidade na natureza. Estas concepes fragilizam a possibilida-de de construo, pelos educadores ambientais, de um projetosocietrio alternativo e de uma prtica educativa crtica, cidad e po-pular. Numa perspectiva dialtica, sociedade e natureza fusionam-sepela prxis histrica (Schmidt, 1983), cuja unidade no pode ser con-fundida com a diluio de uma dimenso na outra. Cumpre ter pre-sente que a humanidade no se constitui como unidade homognea eque as condies decorrentes da atuao humana no ambiente so defi-nidas em decorrncia de cada modo de vida social, em interao comas condies ecolgicas de sustentao. A viso que o marco tericoemancipatrio em educao ambiental tem da humanidade que esta a unidade dialtica com a natureza, em que os sujeitos so pensadosconcretamente e no abstratamente.

    Em educao ambiental, as formulaes sistmicas geralmente es-to associadas a premissas tericas da viso holstica, como modo depensar a totalidade e o campo filosfico especfico. Isso tem de ser res-saltado, pois no raro encontrarmos seu uso como uma idia-foraimprecisa para denotar a preocupao com o todo. Suas formulaes

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    MeyerHighlightquesto da especificidade humana, do ato intencional, da interveno da cultura...

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    mais comuns no pas, influenciadas pela teoria produzida por FritjofCapra nos anos de 1980 e 1990 (Capra, 1982, 1988, 1993), particu-larmente pelo que este chamou de alfabetizao ecolgica, e por au-tores do Movimento Holstico Internacional (Crema, 1989, e Weil,1990, 1994), apresentam igualmente alguns problemas que merecemateno e reflexo crtica.

    Os holsticos tendem a reificar, deificar ou sacralizar a natureza,retirando desta a dimenso humana em seu processo contnuo de trans-formao ao estilo dos deep ecology. Buscam, dessa forma, a (re)ligaocsmica, capaz de encontrar uma autenticidade humana latente, comose esta tivesse sido perdida em algum tempo passado, numa atitudedogmtica, de cunho religioso e de distanciamento indevido entre o na-tural e o social. Alm disso, ao colocarem a harmonizao com a na-tureza como resultante de um movimento essencialmente espiritual, detranscendncia pessoal, focalizam a educao como processo essencial-mente individual, vivencial e comportamental, sem mediaes sociaisou maiores preocupaes com as dimenses coletivas, sociopolticas esocietrias, posto que a condio para mudar o cenrio contemporneopassa a se situar nas pessoas e no no modo como socialmente nos or-ganizamos, dissociando indivduo-sociedade.

    No dizer de Morin (2003), o princpio holista baseado numatotalidade simplificante, pois seus adeptos tendem a pensar o todo comose este fosse sinnimo de tudo, simplificando as relaes e implicaesmtuas e constitutivas entre partes e todo, suas irredutibilidades nas es-feras da vida, e entre nveis diferenciados de totalidades. Numa visocomplexa, pensada a partir de uma abordagem crtica e dialtica de tota-lidade, inexiste um todo hipostasiado, descolado do movimento cont-nuo entre desordem/interaes/ordem/organizao. E nem possvelpensar o cosmos no qual existimos sem a nossa ao ativa. No somentea humanidade que um subproduto do devir csmico, tambm o cosmos que um subproduto de um devir antropossocial (Morin, op. cit., p. 120).

    Os holistas e sistmicos funcionalistas ou organicistas minimizamos conflitos entre grupos e classes sociais em nome de uma cooperao ede um amor abstrato que pode, hipoteticamente, levar-nos harmoniacom a natureza, como se existisse um estado absoluto e atemporal. Ten-dem, portanto, a desconsiderar o modo como tais valores se definem emsociedade e o movimento objetivo da realidade para alm da tica e das

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    idias. Isso dificulta a construo de um amor concreto e de uma soli-dariedade que sejam decorrentes da explicitao das contradies e do es-tabelecimento do dilogo, considerando os diferentes lugares ocupadospelos agentes sociais numa sociedade historicamente definida. A educa-o ambiental holstica define-se como caminho para a superao porcompleto do conflito em nome da harmonia e do consenso, desconhe-cendo-se a dinmica contraditria das sociedades humanas e histricas eignorando-se o risco de se defender unilateralmente valores hegemnicosdas classes dominantes como os mais corretos, ecologicamente adequa-dos, a serem, portanto, incorporados por aqueles que no possuem cons-cincia ambiental. Logo, o sentido de se construir coletivamente o quefor melhor ambientalmente e para a vida, como resultante de um pro-cesso dialgico e democrtico entre grupos sociais, seus saberes, culturase necessidades distintas, fica prejudicado ou secundarizado.

    Criam procedimentos de (re)ligao com a natureza, ampliandonossa condio de ser vivo, a partir de processos individualizados, psi-colgicos e msticos o Eu em sintonia com o universo csmico,sem mediaes sociais. Isso acarreta a compreenso de que somos orga-nismos essencialmente biolgicos e espirituais, no dando a devida re-levncia ao cultural, social e econmico deixamos, portanto, de nosdefinirmos como seres multidimensionais e complexos. O mais grave,em termos polticos e de educao na qualidade de prtica dialgica, que tal prtica holstica promove um deslocamento da esfera pblicade discusso e construo de projetos societrios alternativos para a es-fera privada e pessoal, subjetiva e sobrevivencial (Pelizzoli, 2002).

    Enfatizam a ecologizao da pedagogia, ao estilo da propostade alfabetizao ecolgica de Capra (2003), priorizando as relaesecossistmicas a partir de conceitos estruturantes da ecologia vincula-dos a processos cooperativos, num enfoque ideologicamente biologi-zante. Tal nfase dilui o entendimento do modo como as sociedades sedefinem, o indivduo e a cultura a definem e so definidos por esta, e acapacidade de atuarmos coletivamente. Mesmo quando partem de pe-dagogias construtivistas tendem a despolitizar a educao e a esvazi-lacomo prtica social. Associam a natureza harmonia e do destaque aoentendimento das relaes ecolgicas que so baseadas na cooperao,minimizando as que so fundadas na competio, quando ambas soindispensveis para se entender o equilbrio dinmico que define a vidae, por analogia, as categorias que formam o todo social: conflito/con-

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    senso, cooperao/antagonismo, dilogo/dissenso. Por fim, no apresen-tam necessariamente como pressuposto pedaggico a construo partici-pativa de temas geradores e o conhecimento coletivo e problematizadorda realidade em que os grupos sociais se inserem. Tal posicionamentoencontra-se em evidente contraposio a um dos princpios elementa-res da pedagogia freireana, uma vez que esta considera a problematiza-o e a tomada de conscincia coletiva da realidade vivida parte inerentedo processo educativo e de interveno poltica com vistas trans-formao social (Freire, 1988).

    Aps a anlise terica feita, chegamos s mesmas concluses quePetraglia (2001), no que se refere ao sentido da educao para essas am-plas vises sociais de mundo e tradies terico-metodolgicas em que sebaseia a perspectiva ambientalista, em pesquisa realizada com intelectu-ais inseridos nas abordagens holstica e complexa. O pensamento com-plexo e a tradio dialtica, principalmente em sua formulao pedag-gica freireana, enfatizam a educao como processo permanente,cotidiano e coletivo pelo qual agimos e refletimos, transformando a reali-dade de vida. Est focada na pedagogia do conflito, no princpio da in-certeza, como forma de se estabelecer movimentos emancipatrios e po-lticos de transformao social. A viso holstica est centrada noindivduo, no alcanar a condio de ser humano integral e harmnico,o que refora os pressupostos de existncia de finalidades previamenteestabelecidas na natureza e de relaes ideais que fundamentam a peda-gogia do consenso. Focaliza o ato educativo na qualidade de estmulo aopotencial transcendental que h em cada um de ns, com uma tendn-cia a se aceitar a ordem social estabelecida como condio dada. O im-portante para esta vertente no pensar processos educativos que associ-em mudana pessoal mudana societria como plos indissociveis narequalificao de nossa insero na natureza e na dialetizao entre sub-jetividade-objetividade, mas sim pensar a transcendncia integradora, atransformao da pessoa pela ampliao da conscincia, como caminhonico para se obter a unio com a natureza, subordinando a raciona-lidade subjetividade. Em sntese, em termos das implicaes sociopo-lticas e de concepo do sujeito em sociedade e na natureza,

    Entendemos que a complexidade se presta mais a uma educao emanci-padora porque favorece a reflexo do cotidiano, o questionamento e atransformao social, ao passo que a holstica, ao propor o consenso de uma

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    pedagogia que visa harmonia e unidade, acaba por estimular adomesticao e a acomodao. (Petraglia, 2001, p. 144)

    Categorias estruturantes da educao ambiental

    Aps as consideraes crticas sobre as implicaes da visoholstica e sistmica na educao ambiental, cabe reapresentar algumascategorias que definem uma abordagem complexa, dialtica e emanci-patria em educao. Falamos em reapresentar, uma vez que so cate-gorias tradicionais e comuns para determinada orientao em educaoque aqui so destacadas e afirmadas sob um olhar ambientalista com ofim de esclarecer confuses recorrentes no discurso de educadoresambientais. Com isso, no estamos querendo dizer que limites no pos-sam ser apontados, pelo contrrio, devemos faz-lo at para avanarmosteoricamente, movimento que foi oportunamente realizado, por exem-plo, pelo prprio autor ao explicitar contradies no modo de entendi-mento da natureza nas escolas marxistas do incio do sculo XX (Lou-reiro, 2003a e 2004). Contudo, preciso entender que, para umaeducao concebida como meio de transformao social e cultural eao poltica emancipatria, esta vertente apresenta inegvel validade econceitos vitais que evitam os problemas anteriormente indicados nasoutras vises fundantes da educao ambiental.

    A educao ambiental de contedo emancipatrio e transforma-dor aquela em que a dialtica, forma e contedo, realiza-se de tal ma-neira que as alteraes da atividade humana, vinculadas ao fazereducativo, impliquem mudanas individuais e coletivas. Em que a di-menso poltica da educao seja a arte do compromisso e da intransi-gncia (Morin, 2002a, p. 43) compromisso com a transformaosocietria e intransigncia na defesa dos valores, atitudes individuas eaes coletivas condizentes com a emancipao. Em que a dialtica davida seja um movimento tico e material, pois trata-se ao mesmo tempode mudar de vida e transformar o mundo, de revolucionar o indivduo e deunir a humanidade (Morin, 1999, p. 188).

    Contedo emancipatrio entendido, nesse contexto, como mo-vimento de libertao consciente e de superao permanente das formasde alienao material e simblica, coletiva e individual, existentes emcada fase historicamente definida (Adorno, 2000). Educar emancipar a

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  • 143Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 94, p. 131-152, jan./abr. 2006Disponvel em

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    humanidade, criar estados de liberdade diante das condies que nos co-locamos no processo histrico e propiciar alternativas para irmos alm detais condies. No no sentido absoluto proposto pela Razo Iluministae pela cincia moderna de matriz cartesiana e positivista. Estas acredita-ram na prosperidade humana progressiva baseada no conhecimento totale no domnio da realidade pela racionalidade objetiva, em que, portanto,haveria um momento futuro para atingirmos a plenitude como ser.

    A ao emancipatria o meio reflexivo, crtico e autocrtico con-tnuo pelo qual podemos romper com a barbrie do padro vigente desociedade e de civilizao, em um processo que parte do contextosocietrio em que nos movimentamos, do lugar ocupado por cada su-jeito, estabelecendo experincias formativas, escolares ou no, em que areflexo problematizadora da totalidade, apoiada numa ao poltica,propicia a construo de sua dinmica. Emancipar no estabelecer ocaminho nico para a salvao, mas sim a possibilidade de construir-mos os caminhos que julgamos mais adequados vida social e planet-ria, diante da compreenso que temos destes em cada cultura e mo-mento histrico, produzindo patamares diferenciados de existncia.

    Nesse tipo de abordagem vinculada s pedagogias crticasinexistem, em resumo, relaes entre seres humanos abstratos e natu-reza, mas relaes entre sujeitos concretos, ou seja, indivduos que exis-tem em sociedade, e meio natural, formando uma totalidade que aprpria natureza o que implica entender a natureza como uma cate-goria social e a sociedade como uma categoria natural (Marcuse, 1972;Schmidt, 1983). Assim, o intercmbio mutuamente constituinte entrepartes e todo no apenas orgnico, mas socialmente ativo.

    Para fins de sistematizao dessa abordagem em educaoambiental, segue a descrio de trs de suas categorias conceituais quesubstanciam o que educar para a emancipao, visando consolida-o de padres de sociedade compatveis com a justia ambiental pen-sada e realizada de modo unitrio com a justia social.

    Dialtica e transformao social

    Segundo Foulqui (1978), a origem da palavra dialtica envol-ve discurso e razo, ou seja, refere-se discusso dialogada e racionalque leva compreenso. Logo, pode ser definida como a arte de, ao se

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    dialogar, demonstrar argumentos e defender teses, evidenciando os con-ceitos envolvidos na discusso. A tradio dialtica pode ser divididaem dois momentos: (1) a que vem dos antigos gregos at Hegel e que concebida como lgica baseada no princpio da contradio; (2) a par-tir de Hegel, em que o contraditrio passa a ser a norma do pensamen-to e das coisas, sendo este o princpio que gera o movimento entre con-servao e superao, ordem e desordem, e permite o entendimentocomplexo da totalidade e a organizao da vida. Segundo este filsofo,dialtica a estrutura de pensamento e o mtodo que permitem apre-endermos a realidade como fundamentalmente contraditria e emconstante transformao.

    Marx, rompendo com o idealismo hegeliano e com a possibilida-de a inserida de se estabelecer snteses e verdades absolutas, formula umadialtica baseada nos sujeitos concretos, nas relaes sociais e nas condi-es histricas de vida uma dialtica que diz respeito, portanto, a comoa vida produzida, reproduzida e organizada (Naves, 2000). Para adialtica marxista as idias so construdas na materialidade da vida e noo contrrio, como no idealismo e nas teorias metafsicas, em que a vida definida no plano ideal se exteriorizando no mundo material. Portanto, amatria deixa de ser compreendida como coisas inertes e passveis, e pas-sa a ser definida como elementos em movimentos e relaes, em que ne-nhum ser possui existncia isoladamente (Engels, 1986). Em Marx, adialtica deixa de ser um mtodo fundado para se obter verdadesatemporais ou para se estabelecer um jogo entre argumentos e pensa-mentos e passa a definir as verdades como compreenses datadas e situa-das no processo de transformao da sociedade e de realizao humana.

    Por ser uma dialtica materialista-histrica, Marx enfatiza em suaobra o movimento de transformao social, a partir do entendimentodo modo como produzimos e nos organizamos. Para o autor, o que im-porta no apenas interpretar e especular, mas agir e transformar. Atransformao da histria humana d-se pelos prprios humanos, masno seres abstratos e sim concretos, definidos pelas relaes estabele-cidas entre as esferas da vida social (poltica, cultural, filosfica, econ-mica etc.).

    Partindo de Foulqui (1978), Marx e Engels (1986), num esfor-o de sistematizao, certos princpios da dialtica merecem destaqueno escopo do presente texto:

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    MeyerHighlightdialtica hegeliana

    MeyerHighlightdialtica marxista

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    Existe interdependncia ativa entre as partes do real.

    Tudo est em devir, em transformao permanente. Matriae pensamento em repouso significam fim da vida.

    O movimento cria o novo, no pela evoluo circular ou li-near, mas pela revoluo que implica mudana qualitativa eno apenas quantitativa.

    O real intrinsecamente contraditrio e isso que garante omovimento da vida.

    Pelo carter contraditrio da histria e do pensamento, asverdades so provisrias.

    A dialtica marxista contrape-se s epistemologias metafsicas,na medida em que estas colocam a essncia como algo imutvel, numdescolamento entre idia e matria, em que a mudana das coisas setorna um fenmeno superficial de algo mais denso e invarivel. ParaKonder (1997), esse tipo de lgica de pensamento foi e dominantena Histria porque corresponde aos interesses das elites e classes domi-nantes, preocupadas em dar sentido universal e absoluto a seus valorese s instituies que normalizam a vida em sociedade, inviabilizando apossibilidade racional de se buscarem mudanas sociais profundas. Afi-nal, se a essncia absoluta e os valores e o modo de organizao sociala expressam de forma completa, a sociedade no pode ser transforma-da, apenas ajustada e aprimorada.

    No que se refere especificamente discusso acerca da relao so-ciedade-natureza, possvel sintetizar alguns princpios da dialtica, porns elencados em obras recentes (Loureiro, 2003a e 2004), a partir deHarvey (1996):

    1. Elementos so demarcados por todos estruturados. A coisa ouo sistema devem ser entendidos e fundamentados nas relaesque os constituem. Nada se define em si como parte isolada.Tudo fluxo e processo relacional, singularidade e totalidade.

    2. Elemento e sistema so perpetuamente constitudos ereconstitudos por mltiplos processos.

    3. Partes e todos so mutuamente constitutivos de cada um, oque implica dizer muito mais do que a existncia de retroali-mentao entre estes.

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    MeyerHighlightdialtica na relao sociedade e natureza

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    4. H intercmbio entre sujeito e objeto, causa e efeito, em con-seqncia os organismos so sujeitos e objetos da evoluo eos indivduos humanos, sujeitos e objetos do processo demudana social.

    5. Mudana a norma das coisas e dos sistemas e a Histria feita pelo movimento permanente de transformao social,cultural, poltica e econmica, com profundas implicaes so-bre o ambiente, o sentido de natureza e de realizao da natu-reza humana.

    Em termos das implicaes polticas para a educao ambiental,adotar a perspectiva dialtica significa reconhecer os sujeitos do proces-so educativo, ou seja, entender que os atores capazes de transformaosocial se definem vinculados ao modo de produo, vida cotidianaparticular e coletiva, ao Estado, e que esses atores devem participar comsuas especificidades no trabalho pedaggico dialgico e comunicativo.

    Pensamento complexo, dialtica e totalidade

    Na obra de Morin posterior dcada de 1960, a complexidaderefere-se ao sentido de que a vida, em suas manifestaes, constitui-sepor dimenses interconectas, definidas mutuamente nas relaesestabelecidas, envolvendo ordem e desordem, erro e acerto, compromis-so e intransigncia, risco e certeza, numa autoproduo e reorganizaopermanentes (Morin, 1999). O pensamento complexo busca funda-mentalmente superar os paradigmas simplificadores que operam adisjuno ser humano/natureza ou que reduzem o ser humano natu-reza de modo indistinto. Nesta perspectiva, a realizao da naturezahumana aquilo que nos distingue como seres naturais das demais es-pcies: produzirmos nossa histria e os meios de vida, numa ao quepressupe a capacidade de definir objetivos com conscincia e o uso dacultura, da linguagem e da cooperao.

    Posto que nada se define em si e de modo atemporal, mas em rela-es histricas e ecossistmicas, e que somos seres especficos, sujeitosconcretos, a tradio dialtica marxista , entre as que se enquadram nopensamento complexo ambiental associado s pedagogias crticas, umadas que se prope a teorizar e realizar a educao em bases contextualiza-das, dando concretude s alternativas de superao ao modo como vive-

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    mos em sociedade. Como disse Marx (1999, p. 39), o concreto o con-creto porque a sntese de mltiplas determinaes, isto , unidade do diver-so. Portanto, os indivduos, os bens produzidos e os fatos tornam-se con-cretos medida que conheamos a totalidade que define cada indivduo,fato ou bem produzido com relao totalidade maior em que se inse-rem, num exerccio complexo de totalizao (Konder, 2002).

    A dialtica, como princpio metodolgico, significa racionalmen-te compreender que o singular ganha sentido em suas relaes (tota-lizaes) e que o todo mais que a soma de singularidades e ao mesmotempo diferente do singular, que tem suas propriedades particulares,num movimento de mtua constituio envolvendo no s o objetivo,o terico e o coletivo, mas o subjetivo, o indivduo, o espiritual e o in-tuitivo (Lwy, 1999). Como categoria metodolgica, significa integrarteoria e prtica, conscincia e ser, matria e idia no processo histrico(Lwy, 2002). No pensamento dialtico, o exerccio totalizador buscaa complexidade na ao, que ser sempre parcial e particular, e histori-camente condicionada. Segundo Konder (1997), qualquer objeto quepossamos perceber ou criar parte de um todo, por isso a busca desolues para os problemas depende de uma viso de conjunto, sempreprovisria e que no esgota a realidade, mas decisiva para que se pos-sa situar e avaliar a dimenso de cada elemento dentro de uma estrutu-ra significativa.

    importante lembrar que os conceitos de totalidade e comple-xidade para a educao no representam a negao da individualidade,mas sim do atomismo, posto que a individualidade concreta no aque expressa o egosmo e o isolamento do mundo (individualidade abs-trata), mas a liberdade integrada no mundo (Lwy, 1989). Liberdadeno uma idia transcendental, no sentido de se ir alm das limitaesinerentes natureza humana, que no so, portanto, limites castradores,mas sim condicionantes da nossa existncia e meios de satisfao (co-mer, dormir, reproduzir, excretar etc.). Possui um carter prtico-trans-formador que se refere superao pela prxis dos limites definidos naHistria (excluso social e cultural, falta de acesso igualitrio aos bensproduzidos, despolitizao, cidadania cerceada etc.).

    Os sistemas filosficos morais (teolgicos, dualistas e idealistas),que colocam na essncia humana valores vistos como atemporais e a-histricos (egosmo, maldade, bondade, culpa, inocncia etc.), querem

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    libertar o ser humano de uma natureza entendida como animal oubruta qual so associados os valores primitivos. Isso , em ltimainstncia, a negao da natureza humana, pois estabelece a vida mate-rial como a limitao da liberdade, que se d em um plano espiritual,portador das virtudes, dicotomizado da vida. Nessa viso, quanto maisnos espiritualizamos (em sentido abstrato), mais nos afastamos da es-sncia selvagem que caracterizada por valores negativos. Ao se pen-sar de tal modo, a natureza torna-se um obstculo e uma externalidade,e como o ser humano natureza, a prpria liberdade torna-se uma en-tidade fictcia ou, paradoxalmente, exclusivamente interna ao indivduoconcebido fora da Histria e da sociedade em seu processo de realiza-o (Mszros, 1981).

    Prxis e educao

    No dizer de Konder (1992), a prxis a atividade concreta pelaqual o sujeito se afirma no mundo, modificando a realidade objetiva esendo modificado, no de modo espontneo, mecnico e repetitivo,mas reflexivo, pelo autoquestionamento, remetendo a teoria prtica.Prxis implica a ao e a reflexo dos homens sobre o mundo para trans-form-lo (Freire, 1988, p. 67). Refere-se ao intersubjetiva, entrepessoas e dos cidados. uma atividade relativa liberdade e s esco-lhas conscientes, feitas pela interao dialgica e pelas mediaes queestabelecemos com o outro, a sociedade e o mundo. , portanto, umconceito central para a educao e, particularmente, para a educaoambiental, uma vez que conhecer, agir e se perceber no ambiente deixade ser um ato terico-cognitivo e torna-se um processo que se inicianas impresses genricas e intuitivas e que vai se tornando complexo econcreto na prxis.

    Esse um aspecto decisivo para nos inserirmos numa visoemancipatria de educao. Educamo-nos na atividade humana coleti-va, com sujeitos localizados temporal e espacialmente. Ter clareza disso o que nos leva a atuar em educao ambiental, mas no a partir dodiscurso genrico de que todos ns somos igualmente responsveis e v-timas do processo de degradao ecossistmica. Educar para transfor-mar agir em processos que se constituem dialogicamente e confliti-vamente por atores sociais que possuem projetos distintos de sociedade,que se apropriam material e simbolicamente da natureza de modo de-

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    sigual. Educar para emancipar reconhecer os sujeitos sociais e traba-lhar com estes em suas especificidades. A prxis educativa transforma-dora , portanto, aquela que fornece ao processo educativo as condiespara a ao modificadora e simultnea dos indivduos e dos grupos so-ciais; que trabalha a partir da realidade cotidiana visando superaodas relaes de dominao e de excluso que caracterizam e definem asociedade capitalista globalizada.

    A educao no a atividade de um sujeito pronto e constitudofora da transformao das condies objetivas. Tem de ser a atividadede um sujeito que, ao enfrentar o desafio de mudar o mundo, enfrenta tam-bm o desafio de promover sua prpria transformao (Konder, 1992, p.117). A fora educativa inovadora est na capacidade de trabalhar coma racionalidade e com as paixes, com a escolha e com a necessidade,com o fato objetivo e com as crenas, refletindo e agindo.

    A educao um dos meios humanos que garantem aos sujeitos,por maior que seja o estado de misria material e espiritual e os limitesde opes dados pelas condies de vida, o sentido de realizao ao atu-ar na Histria modificando-a e sendo modificado no processo de cons-truo de alternativas ao modo como nos organizamos e vivemos emsociedade.

    Consideraes finais

    Consideramos relevante e urgente a demarcao dos distintoscampos ambientais em disputa na conformao da educao am-biental, publicizando o debate e o dilogo entre tendncias com o fimde favorecer o entendimento das implicaes prticas, pedaggicas epolticas no uso das tradies que historicamente fundamentam a rea. absolutamente crucial, para a concretizao de um novo patamarqualitativo da produo acadmica em educao ambiental, que seaprofunde a reflexo terica acerca daquilo que pode tornar possvel aoeducador discernir uma concepo ambientalista e educacional conser-vadora e tradicional de uma emancipatria e transformadora, e as vari-aes e nuances que em ambas se inscrevem, problematizando-as, rela-cionando-as e superando-as permanentemente. E mais, entender comoseus pressupostos so definidos no escopo das tradies sistmicas,holsticas, complexas e dialticas e quais so as implicaes de cada umano processo educativo e na explicitao de sua finalidade social. No

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    discurso harmonioso feito em nome da salvao planetria, de defesae afirmao de um mtodo unificador das cincias, cria-se a iluso deque todos os que fazem educao ambiental esto dentro de uma mes-ma orientao terico-prtica, como se as categorias conceituais que asustentam destacadamente participao, interdisciplinaridade, visointegradora do ambiente, respeito diversidade biolgica e cultural no permitissem diferentes apropriaes e usos, dependendo da con-cepo terica, do lugar social ocupado pelos sujeitos e da compreen-so de sociedade da qual se parta.

    A problematizao feita em torno das formulaes sistmicas eholsticas no as desmerece em seus significados para a questo am-biental, principalmente no repensar a vida, as relaes ecossistmicas, aintegralidade do ser humano e o que seria uma tica planetria, mas pro-cura evidenciar seus limites quando pensada no contexto educacional edos sentidos que a educao cumpre e assume na sociedade contempor-nea. Com o contraponto feito, por fim, reiteramos a atualidade ecentralidade da dialtica marxista e da Teoria da Complexidade para acompreenso do modo como nos organizamos e historicamente nos cons-titumos na qualidade de seres biolgicos e sociais. E, no escopo do que significativo para a educao ambiental, destacamos a relevncia destaspara o entendimento das bases terico-metodolgicas fundantes das pe-dagogias crticas, promotoras de processos emancipatrios e da ao pol-tica em busca de patamares societrios que permitam requalificar concre-tamente a insero humana na natureza.

    Recebido em maro de 2004 e aprovado em outubro de 2004.

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