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    Instituies Republicanas na Revoluo Romana

    Paulo Roberto Souza da Silva1

    Resumo: A Repblica Romana se destacou como perodo e como instituio pela impor-tncia de suas bases legais e uma busca por adequao entre a comunidade real e uma no-o de estado. No fim do perodo republicano a contradio entre o modelo legal e a reali-dade scio-econmica gerou eventos que compem a Revoluo Romana, que tem comopontos crticos trs guerras civis e se encerra com a perda do poder efetivo da oligarquiaromana. Pelas caractersticas do direito romano, esse perodo pode ser estudado e explicadopelo acompanhamento das vicissitudes das instituies republicanas: o Senado, as magistra-turas e os comcios, at seu desaparecimento efetivo, no Imprio, o princepse seus minis-tros assumem todo o aparelho do estado.Palavras-chave:Repblica Romana, Revoluo Romana, Instituies de Estado

    Abstract: The Roman Republic stood out as a period and as an institution because of theimportance of its legal basis and a search for balance between the actual community and asense of state. At the end of the republican period the contradiction between the legal mod-el and socio-economic events that compose the Roman revolution, which presents as criti-cal points three civil wars and ends with the loss of effective power of the Roman oli-garchy. By the scope of the Roman law, this period can be studied and explained in thefollow-up of the vicissitudes of republican institutions: the Senate, the magistrates and thecommittee, effective until its disappearance in the Empire, the princepsand his ministerstake over all the state apparatusKeywords:Roman Republic, Roman Revolution, State Institutions.

    Introduo

    O perodo da Revoluo Romana geralmente definido entre 133 a.C, quando da publi-

    cao daLex Sempronia agraria at a Batalha de cio, em 31 a. C., ou at a Ascenso de

    Augusto, em 27 a. C. Este perodo pode ser subdividido em trs partes: dos Gracos at a

    ditadura de Sila (133-79), de Sila at Csar (79-44) e de Csar a Otaviano (44-27). Os pon-

    tos crticos desse processo foram as trs guerras civis de 83/82, entre Mrio e Sila, de 49 a45 entre Csar e os optimatese de 32/31 entre Otvio e Marco Antnio. Pelas caractersti-

    cas do direito romano, esse perodo pode ser estudado e explicado pelo acompanhamento

    das vicissitudes das instituies republicanas: o Senado, as magistraturas e os comcios, at

    seu desaparecimento efetivo, no Imprio, oprincepse seus ministros assumem todo o apa-

    relho do estado.

    1Doutorando PPGLC- UFRJ, bolsista CAPES

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    A constituio romana

    O Estado Romano comumente descrito como repblica oligrquica, para no correr o

    risco de essa simplificao ser simplista, til definir-se repblica como um Estado qual-

    quer em que se reconhece que o poder, imperium, emana do povo e que administrado por

    cidados cujas prerrogativas decorrem apenas do cargo, em geral, eletivo. E oligarquia, um

    sistema no qual um grupo no caso romano os ricos, portanto: uma plutocracia j ins-

    talado no poder garante sua perpetuao e reproduo independentemente da vontade popu-

    lar. Os mecanismos desse Estado partem de um elemento fundamental: o imprio das leis.Era isso que efetivamente diferia o Estado Romano dos ditos orientais ou brbaros, go-

    vernados pela vontade pura e simples do soberano. Os romanos tardaram a teorizar sobre

    sua constituio, mas, no perodo revolucionrio, a questo de legalidade ou ilegalidade era

    tema fundamental no jogo poltico.

    J na poca de Polbio, se detectava em Roma a natureza mista ou tripla do poder:

    exercido pelo povo nos comcios, pelos magistrados durante seus mandatos e pelos senado-

    res no coletivo do Senado. Apesar de essa diviso ser fundamentalmente abstrata e efetiva-

    mente externa no esqueamos que se trata da definio de Roma em contraste s demo-

    cracias gregas ela logrou sucesso na mentalidade romana, sendo abertamente adotada

    por Ccero e sua gerao. Conquanto essa constituio se amparasse em dispositivos legais,

    ao mesmo tempo em que passou a ser percebida abstratamente ela ia sendo violada de mo-

    do irrecupervel.

    As trs formas de governo das quais falamos acima se encontram amalgamadasna constituio romana, e a parte de cada uma est exatamente calculada, tudo

    est equilibradamente combinado, que ningum, mesmo entre os romanos, nopoderia dizer se se trata de uma aristocracia, uma democracia ou uma monarqui-a. Esta indeciso , de fato, muito natural: examinando o poder dos cnsules, di-ramos um regime monrquico, um reino; ao julgar por aqueles do Senado, , aocontrrio, uma aristocracia, enfim, se consideramos os direitos do povo, parecebem que se encontra claramente uma democracia.2.

    2PolybiusVI. 11, citado Por Leon Homo, 1950: 139.

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    A constituio tripla

    As prerrogativas dos trs elementos do governo em Roma funcionavam de maneira a se

    completar harmonicamente.

    Nos comcios, se elegem os magistrados e votam-se as leis;

    Os magistrados convocam os comcios, o cnsul preside o Senado, e propem

    as leis ao povo e ao Senado;

    O Senado prope conselhos aos magistrados e ratificam as decises dos com-

    cios.

    Essa harmonia, que parece estvel no sculo II a.C., era, entretanto, inteiramente cir-

    cunstancial e podia ser abalada por inmeros fatores. Hacquard3 equivocadamente afirma

    que havia separao entre os poderes em Roma. De fato, os magistrados exerciam tanto o

    poder executivo quanto legislativo e judicirio, seu poder somente era limitado por trs

    fatores: a intercessiode um collega; a obrigao legal de acatar as decises dos comitia,

    que tm peso de lei; e a necessidade prtica de acatar as decises do Senado, os concilia;alm, claro, do uetode magistrados superiores.

    Os cnsules administravam Roma como reis, mas as limitaes, principalmente a limita-

    o de um ano no tempo de mandato, reduziam sua capacidade de tomar medidas ousadas.

    O Senado exercia um poder moderador4por meio de seus conselhos e do controle sobre o

    tesouro, as relaes exteriores e da atribuio das legies aos generais. Como o Senado era

    todo composto de ex-magistrados, havia uma continuidade natural, em geral consangnea,

    entre os senadores e os magistrados, fazia destes mais representantes daqueles do que sobe-

    ranos propriamente ditos.

    Dentre os comcios, o mais importante era o comitium curiatum, o nico momento em

    que se conferia imperiuma um cnsul ou pretor. Nestes comcios votavam apenas as dez

    crias das trs tribos fundadoras de Roma: os Ramnes, os Tties e os Lceres. Logo, entre-

    tanto, esses comcios tornaram-se meramente figurativos: era nos comitia centuriataque os

    magistrados eram eleitos para o cursus honorum, e nos comitia tributa, tambm chamados

    3Hacquard, 1952: 494mutatis mutandis, um quarto poder acima dos magistrados.

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    concilia plebis, os tribunos da plebe, que se tornou uma magistratura muito importante por

    ser capaz de vetar os atos de um cnsul. Nos comitia centuriataos votos eram por classe

    social (ordo), como o peso dos votos era diferenciado entre as ordens, era fcil esses com-

    cios serem dominados pelos mais ricos. Nos comitia tributaos votos eram por tribo, sem

    distines de renda, por isso tinham carter popular. A oposio entre esses comcios e en-

    tre os cnsules e tribunos da plebe est na base da ciso do Senado entre optimatesepopu-

    lares.

    O exerccio poltico

    O poder que cabia ao povo em Roma se efetivava nos comcios, que equivaleriam gros-

    so modos assemblias gregas. A primeira diviso do populus romanusera entre patrcios

    e plebeus. Os patrcios eram os descendentes das trs tribos originais fundadoras da Cidade,

    os plebeus aqueles que migraram ou os cidados dos municpios conquistados. Desde a Lei

    Valria (449 a.C.) at a Lei Hortnsia (287 a.C.), os plebeus foram paulatinamente conse-

    guindo direitos iguais aos dos patrcios. Syme descreveu5como as famlias patrcias logra-

    ram se manter no poder, custa de adoes e casamentos estratgicos, ao passo em quealgumas famlias plebias comeavam a crescer em importncia. O enriquecimento dos

    cidados, patrcios e plebeus diminuiu gradativamente a distncia entre eles, prevalecendo

    as diferenas econmicas s familiares.

    Os comitia centuriataeram os comcios que elegiam os magistrados maiores, os nicos

    que legislavam cum imperio, e a partir dos nomes dos ex-magistrados, o censorredigia o

    album senatorum, a lista com o nome dos senadores, comeando pelos ex-ditadores, depois

    os ex-censores, ex-cnsules, ex-pretores, ex-edis curuis os ex-tribunos, os ex-edis plebeus e

    ex-questores, com preferncia aos patrcios em relao aos plebeus. Desta forma os trs

    rgos: comcio, magistratura e Senado, estavam amarrados. Para vencer nesses comcios,

    era necessrio ser apoiado pelos ricos, por isso, toda a carreira administrativa romana ficava

    restrita a uma casta, tanto econmica quanto familiar. A partir desta rotina surge uma nova

    classe: a nobilitas. Os nobres eram exatamente aqueles que ocupavam ou j tinham ocupa-

    do magistraturas e seus descendentes. Assim, os mais ricos controlavam, por meio dos co-

    5Syme, 1939: 10-27

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    mitia centuriata, as magistraturas e o Senado; ou, observando por outro aspecto, os nobres

    configuraram estes comcios para consolidar seu domnio sobre a repblica.

    Os nobres estavam comprometidos desde o bero com as perspectivas eleitorais. Neste

    esquema, valia antes de tudo a dignitas, alcanada pela gloria e sustentada pela rede de

    clientela que se mantinha unida pela amicitia. Assim, a prxis poltica gerou, em Roma, os

    valores to claramente marcados no perodo clssico. Como monopolizavam as magistratu-

    ras, os nobres naturalmente compunham o Senado. Era preciso ter a dignitaspara ser indi-

    cado pelo censor, esse conceito logo passou a consistir nas realizaes do cidado enquanto

    magistrado e evidentemente, variava de acordo com a importncia da magistratura. Quan-

    do, por exemplo, Csar se diz ofendido em sua dignitas, e esse argumento parece ter peso

    para convencer os soldados a lutar, ele considera que entrar em Roma como priuatus in-

    digno diante de suas realizaes como cnsul e prconsul.

    Com esse esquema fica claro visualizar que os Senadores eram todos ricos de famlias

    tradicionais, eles faziam eleger seus filhos para as magistraturas mais baixas, pela fora de

    seu dinheiro e suas clientelas, esses jovens seguiam o cursus honorum, locupletando com a

    explorao das provncias at serem indicados para o Senado e recomeava o ciclo. To

    raro quanto uma famlia senatorial cair em desgraa, por falta de recursos para eleger seus

    descendentes, era o advento de um homo novus. Este termo definia aquele que chegava aoSenado sem ter tido nenhum ascendente senador. Isso s era possvel se houvesse bastan-

    tes recursos para as eleies e um alinhamento do candidato com as necessidades dos se-

    nadores. Esse foi o caso de Ccero, poltico brilhante e de fortes ideais republicanos e aris-

    tocratas, logo cooptado para fazer frente ao poder militar que ameaava o Senado.

    Poltica e Sociedade: Sementes da revoluo

    A revoluo Romana no foi uma revolta da classe mdia contra a oligarquia. De fato,

    esta classe deixara de existir como fora poltica desde a vitria nas Guerras Pnicas. O

    enriquecimento trouxe o aumento desenfreado do latifndio, que destruiu a pequena e m-

    dia propriedade, causando assim a urbanizao forada; o afluxo de impostos provinciais

    ampliou o mercado financeiro, desvalorizou a moeda e estimulou a importao de produ-

    tos agrcolas. Esse sistema, para se sustentar, dependia de conquistas constantes e uma

    consolidao cada vez maior do pode sobre as provncias, repelindo revoltas e tornando a

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    rea mais segura para o transporte de mercadorias. Tal somente se conseguia com maior

    poderio militar. Dois personagens surgiram, ento, para dominar a polcia romana, o gene-

    ral e o publicano.

    Fora da Cidade, o comando das tropas cabia a procnsules e propretores, mas somente

    o Senado podia ordenar o recrutamento e autorizar o comandante a reunir recursos para a

    manuteno da tropa. O recolhimento de impostos e a administrao das finanas nas pro-

    vncias eram servio de particulares, os publicanos. Esses homens faziam corte aos gover-

    nadores de provncia e controlavam o imenso volume de recursos que alimentava a Cida-

    de. Com o aumento da dependncia romana das provncias, os generais e publicanos ga-

    nharam cada vez mais importncia. Os generais mais importantes eram geralmente ex-

    cnsules, j homens ilustres no Senado, que ganhavam mais e mais influncia e termina-

    ram por abalar o equilbrio entre os senadores. A funo de publicano estava excluda -

    queles que cursavam o cursus honorum, isto , os nobres. Restava ento para a classe ime-

    diatamente seguinte, os cavaleiros. Com o tempo, os mais importantes cavaleiros enrique-

    ceram tanto como financistas, que passaram a se sentir no direito de ter mais controle so-

    bre a conduo da poltica romana, dominada pelos nobres. Assim surgiram a ameaa do

    poder pessoal dentro do Senado e o divrcio entre a ordem senatorial e a ordem eqestre.

    As razes desta situao se encontram j na polmica entre Cato, o Censor, e Cipio A-fricano. Cipio se tornou o prottipo do general vitorioso, por isso chamado imperator, que

    reunia, em sua pessoa, tamanhos dinheiro e influncia que ameaava se impor como mo-

    narca, Cato, por outro lado, representava uma nobreza to enriquecida pelo afluxo de ri-

    quezas, que se alienava de toda atividade produtiva, afastando-se perigosamente dopopu-

    lus. Das Guerras Pnicas at a Guerra Jugurtina, esta situao apenas se agravou. Mrio

    reuniu em si todo o poder que o sistema poltico romano jamais deveria permitir a um cida-

    do. Salstio escolhe este acontecimento para demonstrar o pondo a partir do qual, para ele,

    a repblica oligrquica romana estava invariavelmente condenada. Desde este momento,

    ocorrera apenas a tentativa do Senado da qual Cato, o Moo, com toda a sua anacronia,

    era o mais um smbolo do que lder de salvar uma constituio que eles prprios haviam

    comeado a violar.

    Osenatusconsultum ultimum

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    Na poca de Ccero, esta j era uma tentativa desesperada. Justamente em 121, os sena-

    dores apelaram para o dispositivo que lhes traria a perdio, trata-se do senatusconsultum

    ultimum. Esta decretao, pela sua prpria natureza, smbolo e o gatilho das maiores cri-

    ses institucionais romanas. Em princpio, trata-se de uma delegao extraordinria de pode-

    res aos cnsules para proteger a repblica. Csar se d ao trabalho de citar o texto do con-

    sultum: dent operam consules, praetores, tribuni plebis, quique pro consulibus sint ad

    urbem, ne quid res publica detrimenti capiat. (Bel. Civ. I, 5, 3). Na prtica, a suspenso

    das prerrogativas dos tribunos da plebe sobre os cnsules, alm de uma expressa autoriza-

    o para o magistrado superior executar cidados, sem direito a appelatio. Sabe-se que o

    dispositivo foi executado nas seguintes datas: em 121, contra Caio Graco e Marco Flvio

    Flaco; em 100, contra Lcio Apuleio Saturnino, e Caio Servlio Glucio; em 83, nas pros-

    cries de Sila; em 63, em favor de Ccero contra Catilina6e em 49 contra Csar. Da j se

    pode apreender a importncia dessa ferramenta nos momentos crticos da repblica. Ele

    demonstra claramente a necessidade, para a manuteno do estado de coisas, de se recorrer

    a poderes absolutos para o cnsul, por cima dos tribunos da plebe e dos comcios.

    A reao do Senado, contra aLex Sempronia, desencadeou uma avalanche que s estan-

    cou depois da prpria nobreza ser dizimada pelas guerras civis e alijada sistematicamente

    do poder at ter que ceder preponderncia de Otaviano. A falta de diplomacia e tato pol-tico dos senadores apenas tornou a causa agrria mais forte; sobre ela, Caio Graco executou

    uma reforma muito mais ampla, profunda e fortalecida junto ao povo do que o prprio Ti-

    brio propunha. Diante de tal perda de controle que o Senado apela para o senatusconsul-

    tum ultimum. A reforma social se torna caso de segurana do Estado: salus rei publicae; um

    cidado, magistrado revestido a inviolabilidade do cargo, sumariamente julgado e execu-

    tado como inimigo da repblica. este o episdio que desencadeia a derrocada legal. O

    episdio se repete quase identicamente contra o tribuno Lcio Apuleio Saturnino, e o pretor

    Caio Servlio Glucia. Isso explica todo o pattico da Quarta Catilinria, na qual o cnsul,

    que se apresentava como defensor do mos maiorum, apela ao nefasto recurso; isso explica

    porque Sila tido como facnora; e porque Csar, com tamanha veemncia, descreve a sen-

    tena de morte decretada contra si prprio.

    A iniciativa de Tibrio Graco pode ser interpretada como uma tentativa de adaptao aos

    ventos de mudana que as conquistas orientais traziam. Seu desfecho trgico demonstra

    6Neste episdio, imortalizado na Quarta Catilinria, Ccero no deixa de citar os precedentes de Caio Graco e

    Lcio Saturnino.

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    duas coisas: que o Senado no tinha dispositivos legais para deter as iniciativas de forte

    apoio popular propostas por um tribuno em um comitium tributum; e, conseqentemente, a

    incapacidade da ordem senatorial de manter constitucionalmente seu domnio da repblica.

    O tribunato da plebe se tornou o posto, e a demagogia o mtodo para se conseguir poder

    efetivo por cima do Senado.

    Reforma e Contra-Reforma: A consolidao do poder pessoal

    Enquanto o episdio dos Gracos foi paradigma da crise legal, Mrio foi o paradigma da

    crise social. Somando a ingerncia do Senado e talento prprio, o general cresceu em po-

    der custa das guerras na frica, chegou ao consulado com o apoio da tradicional famlia

    dos Metelos, mas logo deles se afastou. Foi cnsul por seis vezes seguidas, e executou

    reformas militares e sociais, reunindo sob si, autoridade, prestgio e apoio popular, alm de

    uma retaguarda provinciana de soldados e dinheiro. Rapidamente, Mrio se torna o favori-

    to dos eqestres, financistas e publicanos enriquecidos, eles detinham o controle real do

    vital fluxo de recursos para a Cidade, mas no tinham poltico que os representasse, nem

    os nobres eram flexveis ao ponto de integr-los ao seu esquema. Mais lucrativo parecia

    investir em um prestigiado general que podia, sozinho, implementar as reformas que osinteressasse. A ciso da aristocracia, parte com o dinheiro e parte com o poder poltico, foi

    a causa da primeira Guerra Civil. Em 100, durante a nova crise agrria, Mrio se afasta dos

    populares e, na dcada de 90, mantm-se mais discreto em relao poltica, mas sua for-

    a como lder de partido7e poltico demagogo inquestionvel.

    Nessa dcada, liderados pelos Metelos, desiludidos com Mrio, os senadores tomam a

    imprudente iniciativa de construir um anti-Mrio: Sila, de tradicional famlia aristocrtica,

    profundamente identificado com os valores dos optimates e avesso a Mrio. A partir da

    Guerra Social, no h mais a oposio entre partidos tendo generais como representantes e

    sim oposio entre generais que tm partidos como sustentculo legal. Assim, o tiro do

    Senado sai pela culatra quando se v refm de um ou de outro general. A Cidade ocupa-

    da militarmente por Sila (88), depois por Mrio e Cina (86) e, depois da morte desses dois,

    novamente por Sila (82), que por fim se faz nomear Ditador. A dcada de 80 foi o inferno

    constitucional que acompanha uma guerra civil. Ambos os generais atribuam a si as prer-

    7No sentido de faco, um agrupamento mais ou menos instvel de senadores ao redor de um ncleo fixo.

    Esse o sentido corrente em toda a poltica romana, nada a ver com os partidos ideolgicos modernos.

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    rogativas de recrutamento, seu passado militar e posio sobre o Senado os davam prest-

    gio para tanto, ambos puderam tomar para si os vastos recursos das provncias orientais e

    da frica, justamente pela fora de sua posio junto aos publicanos. O poder de arregi-

    mentar soldados, equip-los e aliment-los, alm, claro, de bem conduzi-los em batalha

    se tornou o nico poder, e a lei do forte substituiu a lei dos timos.

    No poder entre 82 e 79, Sila atropelou sistematicamente a constituio para atender

    reivindicaes da nobreza, que tanto havia empobrecido nas ltimas dcadas. No deixou,

    entretanto, de dobrar o nmero de senadores, admitindo mais 300 cavaleiros, e estabelecer

    normas para comando que impedissem que a situao de exceo se repetisse. As mais

    importantes foram: a regulamentao do cursus honorum, com o estabelecimento e inter-

    valos entre as magistraturas, a reduo do poder dos tribunos da plebe8, e a limitao do

    imperiumproconsular apenas aos procnsules e propretores, limitando os cnsules e preto-

    res Cidade.

    Paradigmas

    As reformas marianas e a constituio silana foram os paradigmas legados gerao que

    se seguiu. O povo e o Senado romano provaram o gosto da ditadura e a tirania pairou sem-pre como preo a pagar pelas disputas de poder entre senadores e cavaleiros. Tambm se-

    guindo Salstio, compreendemos que, ento, a deteriorao constitucional era tanta que

    questes agrrias e problemas de cidadania eram mero combustvel para a feroz luta pelo

    poder entre os polticos, cada um deles almejando reinar sozinho sobre Roma e ao mesmo

    tempo recusando a alcunha silano. Lutando pela ditadura ao mesmo tempo em que ten-

    tando neg-la a outros, temendo o fantasma do senatusconsultum ultimum, mas, no ntimo,

    guardando-o como ltimo recurso, os contemporneos de Csar e Pompeu estavam todos

    contra todos.

    Podemos acreditar que alguns pensassem numa salvao da repblica ou por meio de

    uma renovao, como Ccero, uma volta ao passado, como Cato, ou at quem saber?

    como Csar, buscando um Estado cosmopolita e mais socializado. Certamente muitos

    no viam seno a luxuriosa decadncia, e buscavam apenas estarem seguros quando o edi-

    fcio da repblica desabasse talvez fosse o caso do prprio Salstio. Havia tambm os

    8Mas manteve-lhes o ueto, quer seria depois desrespeitado contra Marco Antnio, vale lembrar que o veto

    dos tribunos se aplicava aos cnsules, mas no ao ditador.

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    aventureiros, gente como o Catilina de Salstio, da mesma estirpe daqueles que sculos

    depois comprariam por leilo o ttulo de Augusto. E havia, por fim, aqueles que, diante de

    tal estado e coisas, viam que nenhum lugar depois do primeiro lhe eram dignos, estes, quer

    por acreditarem ser esta a soluo para a Repblica, quer pelo que viram durante a ditadura

    de Sila, almejavam nada menos que o regnum.

    Em meio a esses homens 600 senadores, seus filhos e um sem nmero de cavaleiros

    enriquecidos circulavam potestades estrangeiras, centenas de milhares de soldados equi-

    pados e motivados pelos prmios reservados aos veteranos e uma monumental massa de

    romanos e italianos, dependentes apenas dos recursos do Estado para sobreviver. E esses

    recursos vinham em maior profuso medida que se consolidava a presena romana no

    oriente e o domnio do Mediterrneo Mare Nostrum tornava mais lucrativa a navega-

    o. Lon Homo comea a descrever a dcada de 70 dizendo Se a constituio no era

    mais que um cadver, o Imprio, nascido da conquista, uma realidade bem viva, e depois

    acrescenta A idia de um Principado estava no ar e Pompeu, no caso, no fez mais que a

    confiscar para seu proveito9.

    Mas, enquanto o principado se desenhava de facto, Pompeu, Crasso e outros herdeiros

    de Sila tratavam de desmontar a constituio silana, desfazendo a preponderncia da nobre-

    za e, ao mesmo tempo, mantendo ospopularesafastados. O processo se deu at 70, quandodo consulado dos dois; estabeleceram-se reformas que, talvez, se pensasse, pudessem trazer

    estabilidade Repblica, ou talvez, fossem meros dispositivos paliativos, que no abalavam

    os poderes estabelecidos. Pompeu, o ltimo que sobrou na posio de grande chefe militar,

    pairava sobre as instituies e sobre os partidos que tentavam coopt-lo. J no mais o Se-

    nado se sustentava sem um protetor armado e temido.

    Pontos estratgicos

    Sob a sombra doprinceps, meio salvador meio carrasco, os pontos estratgicos da bata-

    lha poltica eram o Senado e os comcios tributos, liderados pelo cnsul e o tribuno da ple-

    be. Com a dizimao da faco mariana, os comcios, seu antigo feudo, se tornaram campo

    frtil para todo tipo de demagogo: de candidatos a heri da nobreza decada, como o pr-

    prio Csar, at ambiciosos polticos, sedentos por se tornarem homines noui, tal qual Cce-

    9Pginas 205-206 e, respectivamente.

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    ro. O destaque cabia a homens como Cldio, que com suas milcias aterrorizavam a cidade

    e vendiam sua amizade ao partido do momento.

    As eleies para o consulado continuaram controladas pela nobreza, tanto que ao candi-

    dato preterido Catilina, restou apenas a conspirao como meio de penetrar na cabea do

    Senado. beira da derrocada, parece que as classes senatorial e eqestre se reconciliaram,

    sob a bno de Pompeu, que se fazia de Alexandre Magno na sia. Somente Crasso man-

    tinha uma oposio quieta, talvez para lembrar que ainda estava vivo na poltica e que

    Pompeu no era, ainda, unanimidade. Csar, mesmo tendo ressuscitado o partido popular,

    mais propriamente a faco mariana, apoiou aLex Manilia de imperio Pompeu. 10

    Comeava a se desenhar, entretanto, uma oposio entre o Senado e o general, talvez

    aguerrida pelo triunfo de Ccero, um poltico de carreira, que conseguira, por um ano (63),

    ofuscar o distante general. Foi essa oposio que afastou Pompeu do Senado e o aproximou

    do rival Crasso e de Csar. As mesmas famlias tradicionais que apoiaram Mrio, Sila e

    Pompeu mais uma vez viam o rebento se voltar contra elas. Para impedir uma nova ditadu-

    ra, iniciou-se uma nova oposio dentro do Senado, liderada por Cato, essa oposio re-

    configurava, no fim da dcada de 60, a diviso entre o partido dos optimatese dospopula-

    res.

    Neste momento, os tribunos da plebe voltaram a atuar com mais vigor, apoiando semprea causa dos generais. Pompeu, mesmo que formalmente sem partido, ainda era o favorito

    talvez pelo costume de encher o frum de soldados armados, ato sacrlego. Em 67 o tri-

    buno Aulo Gabnio, garantiu vastssimas tropas a Pompeu por meio daLex Gabinia, no ano

    seguinte, o tribuno Caio Manlio props a famosaLex Manilia, apoiada por Ccero. Esta lei

    no apenas entregou a Pompeu o comando supremo da guerra contra Mitriades, o que equi-

    valia ao comando militar de todo o oriente, mas tambm decretou o fim poltico de Lcio

    Luculo, outro candidato a sucessor de Sila, rival de Pompeu. Estas leis foram aprovadas

    diretamente pelos consilia plebis, sem consulta ao Senado. A adoo do precedente dos

    Gracos somente podia significar afronta e desprezo aos senadores, isto afastou definitiva-

    mente os optimatesde Pompeu, que, por outro lado, aumentava cada vez mais seu apelo

    popular. No que estes tribunos fossem representantes do povo ou visassem o interesse dos

    proletarii, mas seu mtodo poltico seguia a linha demaggica de Caio Graco, desta vez,

    segura por estar resguardada pela maior potestade militar de ento.

    10Defendida pelo clebre discurso de Ccero.

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    Pompeu retornou do oriente j com o ttuloMagnus, o tribuno do ano de 62 era o intran-

    sigente Cato. Sob sua liderana os optimatesatacaram, a todo custo, o poder de Pompeu,

    tentando reerguer a autoridade do Senado diante do poderoso general. A iniciativa no po-

    deria ter sido mais infeliz, e segundo Plutarco, foi a intransigncia dafactioque terminou

    por reunir Pompeu a Crasso, com o hbil intermdio de Csar. E, assim, condenar definiti-

    vamente a nobreza. Csar foi eleito cnsul em 59, e alienou de tal maneira seu collegaque

    se dizia ser o ano do consulado de Jlio e Csar11. No ano seguinte o consulado passou a

    seu sogro e, com o apoio de Pompeu e Crasso, Csar conseguiu, mais uma vez, diretamente

    pelo comcio, o proconsulado. Segundo Suetnio: Teve primeiro a Glia Cisalpina e o

    Ilrico, em virtude da Lei Vatnia. O Senado acrescentou-lhe logo depois a Glia Comata,

    temendo os pais que, no caso de lha negarem, ele a tivesse obtido da mesma forma pelo

    povo 12, teve o comando de 4 legies, que s cresceu durante a Guerra Gaulesa, chegando

    a 10 legies em 52.

    Neste mesmo ano, o agitador poltico Cldio Pulcher, realiza a transitio ad plebem, isto

    , muda da sua tribo para uma tribo plebia para poder ser eleito tribuno da plebe. O pro-

    cesso gerou escndalo, que demonstra a que ponto se estava disposto a abusar da constitui-

    o para se apoderar do poder. Contra esta medida, altamente indecorosa, todos os esforos

    de Cato foram em vo. Cldio exilou Ccero, entre outros atos que aturdiram de tal modoos senadores que o prprio Pompeu, que ainda mantinha alguma proximidade com os no-

    bres, tratou de trazer Ccero de volta no ano seguinte. Os cnsules de 57 eram um apoiado

    por Csar, e o outro por Pompeu, este, Quinto Metelo Nepos, havia sido tribuno em 63. Em

    56, houve o famoso encontro de Lucca, no qual se decidiu pelo segundo consulado de

    Pompeu e Crasso para o ano de 55. Neste ano, o tribuno Trebnio aprovou a lei dando 5

    anos de proconsulado para Crasso na Sria e o mesmo tempo para Pompeu nas duas Espa-

    nhas alm da prorrogao do proconsulado de Csar na Glia.

    Como se percebe, os trinviros tinham poder tanto sobre os cnsules quanto sobre os tri-

    bunos da plebe, que, sob a sua inviolabilidade e apelo popular, aprovavam sempre mais e

    mais poder para os generais. Foi a deteriorao das relaes entre Pompeu e Csar, agrava-

    da pela morte de Crasso, que desencadeou a nova onde anticonstitucional em Roma. Come-

    ando pela insistncia de Pompeu em continuar, revestido de imperium, na Cidade e no

    partir para a provncia. O consulado de 54 coube a notrios optimatesque iam, aos poucos,

    11Suetnio, Csar20, 2.12id, Csar22,1

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    conseguindo atrair Pompeu e afast-lo de Csar. Apenas Cato era contrrio a uma reapro-

    ximao com Pompeu. Os cnsules do ano seguinte eram ambos favorveis a Csar.

    Em 52, Pompeu foi eleito cnsul sine collega, alm de desrespeitar o intervalo de 10 a-

    nos entre os consulados, assumiu poderes extraordinrios, podendo agir como ditador. Ca-

    sou-se de novo, a filha de Csar havia falecido no ano anterior, com uma Metela, formali-

    zando assim sua reconciliao com os optimates. O partido conseguiu controlar os cnsules

    de 51 e 50 e reiniciou a perseguio aos tribunos da plebe.

    A derrocada republicana

    Pelo acordo de Luca, Csar, em 50 seria eleito cnsul para 49, exatamente 10 anos de-

    pois de seu primeiro consulado. Marco Antnio, tribuno da plebe, fez aprovar no comcio

    que Csar poderia se candidatar mesmo estando na provncia, enquanto a lei o obrigava a se

    despir do imperiumproconsular e concorrer comopriuatus. Pompeu, ele prprio mantendo

    seu imperiummesmo junto Cidade, fez questo, motivado pelos optimates, de que Csar

    cumprisse a deciso do Senado que vetara a iniciativa do tribuno. Apelando legalidade,

    Csar, prope que ambos abandonem seus comandos e retornem Cidade, mas Pompeu e

    os optimatesse negam e reafirmam a deciso de desarm-lo. A situao se degenera at afunesta sesso de 7 de janeiro de 49, quando o Senado invoca o senatusconsultum ultimum

    contra Csar.

    Em 10 de janeiro, Csar cruza o Rubico, uma semana depois, os cnsules e a maior par-

    te do Senado abandonam Roma. Em 17 de maro, Pompeu deixa a Itlia. Em outubro Csar

    nomeado ditador, assume o cargo em dezembro, na mesma ocasio garante a si, junta-

    mente com Pblio Servlio Vtia Isurico, como cnsules para 48 este governa sozinho,

    considerando a ausncia de Csar pela guerra. Depois da morte de Pompeu, em 28 de se-

    tembro de 48, Csar passou a efetivamente ditar os nomes dos magistrados, fazendo de seus

    legados Quinto Ffio Caleno e Pblio Vatnio cnsules em 47. Em 46, ele prprio nova-

    mente cnsul com Marco Emiliano Lpido.

    Senhor da Cidade, reforma o calendrio e dedica um templo Venus Genetrix, sua mti-

    ca ancestral. No ano seguinte governa como consul sine collega. Encerra a Guerra da Espa-

    nha em outubro de 45 e recebe seu ltimo triumphusapenas 6 meses antes sua morte. Ao

    que parece neste momento que publica seus commentarii. Em 44, , por fim, ditador vita-

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    lcio e indica Lpido para magisterequitum; na festa das Lupercais, seu colega de consula-

    do Marco Antnio o oferece a coroa real, que ele teatralmente rejeita.

    Da morte de Csar, em maro de 44, at o encontro de Bolonha, em outubro de 43, le-

    vam-se apenas 19 meses para se compor um novo triunvirato e a repblica ser repartida

    entre os herdeiros de Csar. O Senado, j sem Cato, teme a continuidade entre Csar e

    Marco Antnio principalmente porque o ltimo no se destacou pela clementia. Depois

    que Marco Antnio meio defensor, meio inimigo do Estado conseguiu matar ambos

    os cnsules, Hrcio e Pansa, na Batalha de Mdena. Otaviano herdou o consulado e todo o

    apoio do Senado, liderado por Ccero, cuja cabea seria por ele entregue a Marco Antnio

    seis meses depois.

    O segundo triunvirato viu os maiores abusos constitucionais ao mesmo tempo em que a

    maior docilidade do Senado, que havia sido aumentado por Csar e cujos principais optima-

    teshaviam sido dizimados. Os novos senadores eram todos favorecidos do ditador. Logo

    Lpido foi alienado do poder e o conflito entre Marco Antnio e Otaviano voltou a aferre-

    cer. Mas nesse momento no havia oposio senatorial que se aproveitasse da desunio

    entre os potentados. Otaviano demonstrou-se o gnio na manipulao do to combalido

    Senado. Antigos e novos cesaristas revesavam as magistraturas sob os auspcios dos trin-

    viros, enquanto estes continuam a exterminar caar os libertatoresnas provncias. Os novostrinviros, entretanto eram tinham sido oficializados legalmente. Com Marco Antnio no

    oriente se afastando cada vez mais da poltica romana, Otaviano se destacou e galgou a

    hegemonia tanto no Senado quanto na opinio pblica a partir de um novo caminho. Otavi-

    ano era opopularisque tinha apoio do Senado, suas aes, todas, eram sempre respaldadas

    legalmente, Roma se acostumou ao retorno legalidade.

    Isso s foi possvel, entretanto, pela renovao no Senado e a destruio da velha oligar-

    quia. O lado negro dessa renovao foi o regime de terror impetrado pelos trinviros contra

    os senadores e cavaleiros. Diferentemente de Csar, que buscou anular e depois recolocar

    antigos inimigos, os trinviros resolveram no correr o risco e simplesmente exterminaram

    seus desafetos e foraram ao exlio, at mesmo, cesaristas vistos como concorrentes ao po-

    der13. Importante lembrar que o novo clima de legalidade no advinha da disposio de

    Otaviano em se submeter s leis, mas sua constante e persistente nova abordagem polti-

    13Syme, 1939: 199.

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    ca: aos poucos tornar legais os processos ilegais que o levaram ao poder 14: o ingresso no

    Senado aos 19 anos, a concesso do imperiumproconsular e as arbitrariedades do triunvira-

    to.

    Em 34, com as Doaes de Alexandria, Marco Antnio, rompe totalmente com qualquer

    vestgio de constitucionalidade ao doar as provncias orientais a seus filhos com Clepatra e

    isto sim era um ataque pessoal a Otaviano declarou Cesrio filho legtimo de Csar.

    Nada mais restou ao Senado seno ceder aos protestos de Otaviano e efetivamente declarar

    guerra Marco Antnio. Vencido este, Otaviano repetiu o gesto teatral de abdicar do poder

    supremo apenas para depois ser agraciado com a monarquia do tipo helenstica, suportada

    em direito divino, encerrando enfim a longa agonia da Repblica.

    Os dois triunviratos, durando de 60 a 30 a.C. foram causa e conseqncia das transfor-

    maes no Senado e nas magistraturas. Nesse momento, os senadores perderam a capacida-

    de de jogar os potentados militares uns contra os outros, ficou enfim sem peas de barganha

    junto aos generais e passou a ser entidade passiva enquanto eles moldavam a repblica.

    Csar foi a imagem do destruidor, efetivamente exterminando, na guerra, muitos optimates

    e enchendo o Senado de homines noui. O Senado que aceitou e aclamou Otaviano era com-

    posto de homens sem experincia ou tradio, todos os grandes lderes estavam mortos ou

    alienados. As proscries consistiram em verdadeiro expurgo, mesmo aps um sculo deconflagraes, importante notar o quanto este episdio escandalizou a sociedade contem-

    pornea de modo a deixar to acalorados registros. Segundo Syme: A sociedade romana

    som o terror, testemunhou o triunfo das paixes negras da crueldade e vingana, dos vcios

    ignbeis da cobia e vileza. As leis e constituio de Roma foram subvertidas. Com elas

    pereceram a hora e segurana, famlia e amizade15. Cento e trinta senadores, dentre eles

    um consular: M. Tlio Ccero, e grande nmero de equitesforam condenados. Lpido che-

    gou a condenar seu irmo, Paulo, e Marco Antnio um tio16.

    Em 33 havia mais de trinta consulares vivos, nmero nunca antes visto, todos cesaristas,

    muitos homines noui.17 Augusto foi fruto de um Senado em fortes, rpidas e violentas

    transformaes, sua aclamao em 27, foi o momento da fundao da nova ordem sobre o

    cadver do Senado republicano plutocrtico.

    14Leon Homo, 1950: 250.15Syme, 1939: 190.16idem: 190-117idem: 243.

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    Concluso

    As instituies polticas da repblica romana: o Senado, os colgios de magistrados e os

    comcios, garantiram, por sculos, a legalidade, fora e eficincia do Estado, na guerra e na

    paz. As mudanas sociais e econmicas causadas pelo sucesso nas Guerras Pnicas torna-

    ram Roma um imprio, mas com uma constituio de simples Cidade-Estado. Essa contra-

    dio gerou conflitos que Tibrio Graco tentou minimizar, mas a reao da oligarquia ape-

    nas fez deflagrar uma revoluo que, depois de cem anos, os alijou, para sempre, do poder.

    Neste sculo, o significado e funcionamento das instituies mudou muito e essas mu-

    danas legalmente atestveis so o melhor termmetro para medir a degradao dos valores

    republicanos, que desembocou na necessidade de refundar a Cidade para tentar resgatar os

    valores primeiros. A oligarquia que dominava o Senado foi dizimada, em seu lugar homens

    novos, advindos das fileiras da legio, experientes, pela prtica, da eficincia da noo de

    Principado. Estes homens fizeram ou permitiram a Otaviano fazer, a transio da repblica

    oligrquica para a monarquia helenstica. Aps a ascenso do prncipe, continuou a vigertanto o Senado quanto os colgios de magistrados e os comcios, mas nada ento significa-

    va ou funcionava como antes. Segundo Syme: Pax et Princeps: Este foi o fim de um

    sculo de anarquia, culminando em vinte anos de guerra civil e tirania militar.18

    Referncias bibliogrficas

    BORNECQUE, Henri. Roma e os Romanos. Trad. Alceu Dias Lima. So Paulo: EPU-EDUSP, 1976.CANFORA, Luciano. Jlio Csar o ditador democrtico. Trad. Antnio da Silveira Men-dona. So Paulo: Estao Liberdade, 2002.CSAR, Caio Jlio. Bellum Ciuile, A Guerra Civil. Traduo introduo e notas Antonioda Silveira Mendona. So Paulo: Estao Liberdade, 1999._______________. Comentrios sobre a Guerra Glica. Trad, Francisco Sotero dos Reis,estudo introdutivo de Otto Maria Carpeaux. Rio de Janeiro: Ediouro, SD.CSAR. Guerre des Gaules. Texte tabli et traduit par L. A. Constans. 5me dition. Paris:Les Belles Lettres, 1954.

    GLARE, P. G. W. (ed.). Oxford Latin dictionary. Oxford University Press, 1990.HACQUARD, Georges. Guide Roman Antique. Paris: Classiques Hachette, 1952.

    18idem: 2

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    HOMO, Lon.Les Instiuitions Politiques Romaines. Paris: Editions Albin Michel, 1950.SALSTIO CRISPO, Caio. Obras, Guerra Catilinria, Guerra Jugurtina. Traduo Barre-to Feio, prefcio Jos Prez. Rio de Janeiro: Ediouro, SD.SYME, Ronald. The roman revolution. Oxford: Clarendon Press, 1939The Oxford Classical Dictionary. Third edition, editated by Simon Hornblower and Antho-ny Spawforth. New York: Oxford University Press, 1999.TORRINHA, Francisco.Dicionrio Latino Portugus. 2 ed. Porto: Porto Editora, 1942.Verbo Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura. Edio Sculo XXI. Lisboa/ So Paulo:Editorial Verbo, 1998.