tecnologiaseducativas

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A transição do Ensino Secundário para o En- sino Superior confronta os jovens com inúmeros desafios. A par das mudanças desenvolvimentais operadas no final da adolescência e no início da vida adulta, o ingresso no Ensino Superior con- fronta, ainda, os jovens com uma série de outros desafios que implicam, muitas vezes, e pela pri- meira vez, o sair de casa, a separação da família e dos amigos, o confronto com um meio, para a grande maioria, totalmente desconhecido, o tor- nar-se autónomo, decidir quem se é e o que se quer fazer da vida (Almeida, Soares, & Ferreira, 1999; Astin, 1993; Chickering & Reisser, 1993; Diniz, 2005; Pascarella & Terenzini, 2005). De um ponto de vista estritamente académico, o ingresso neste nível de ensino implica, ainda, o confronto com um ambiente de ensino-aprendizagem menos estru- turado, onde as normas, expectativas e exigên- cias colocadas aos estudantes são mais ténues e ambíguas, mas onde, simultaneamente, é espe- rado que manifestem maiores níveis de inicia- tiva, independência e autonomia na aprendiza- gem, na gestão do tempo, no estabelecimento de objectivos e na definição das estratégias para os atingir (Entwistle & Waterson, 1988; Pintrich & García, 1994; VanZile-Tamsen & Livingston, 1999). Não é de admirar, pois, que alguns jovens en- frentem, nesta importante transição educativa, dificuldades acrescidas nas suas tentativas em lidar com tais desafios, e que a forma como os estudantes vivenciam o contexto universitário e se adaptam a ele se tenha assumido como uma das principais problemáticas em estudo junto desta população. Na literatura, a adaptação ou o ajustamento ao 15 Análise Psicológica (2006), 1 (XXIV): 15-27 Modelo Multidimensional de Ajustamento de jovens ao contexto Universitário (MMAU): Estudo com estudantes de ciências e tecnologias versus ciências sociais e humanas (*) ANA PAULA SOARES (**) LEANDRO S. ALMEIDA (**) ANTÓNIO M. DINIZ (***) M. ADELINA GUISANDE (****) (*) Qualquer correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para [email protected] (**) Instituto de Educação e Psicologia, Universida- de do Minho. (***) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis- boa. (****) Universidade de Santiago de Compostela. Fi- nanciada pelo Ministerio de Educación y Ciencia, Es- paña.

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A transição do Ensino Secundário para o En-sino Superior confronta os jovens com inúmerosdesafios. A par das mudanças desenvolvimentaisoperadas no final da adolescência e no início davida adulta, o ingresso no Ensino Superior con-fronta, ainda, os jovens com uma série de outrosdesafios que implicam, muitas vezes, e pela pri-meira vez, o sair de casa, a separação da famíliae dos amigos, o confronto com um meio, para agrande maioria, totalmente desconhecido, o tor-nar-se autónomo, decidir quem se é e o que se querfazer da vida (Almeida, Soares, & Ferreira, 1999;

Astin, 1993; Chickering & Reisser, 1993; Diniz,2005; Pascarella & Terenzini, 2005). De um pontode vista estritamente académico, o ingresso nestenível de ensino implica, ainda, o confronto com umambiente de ensino-aprendizagem menos estru-turado, onde as normas, expectativas e exigên-cias colocadas aos estudantes são mais ténues eambíguas, mas onde, simultaneamente, é espe-rado que manifestem maiores níveis de inicia-tiva, independência e autonomia na aprendiza-gem, na gestão do tempo, no estabelecimento deobjectivos e na definição das estratégias para osatingir (Entwistle & Waterson, 1988; Pintrich &García, 1994; VanZile-Tamsen & Livingston, 1999).Não é de admirar, pois, que alguns jovens en-frentem, nesta importante transição educativa,dificuldades acrescidas nas suas tentativas emlidar com tais desafios, e que a forma como osestudantes vivenciam o contexto universitário ese adaptam a ele se tenha assumido como uma dasprincipais problemáticas em estudo junto destapopulação.

Na literatura, a adaptação ou o ajustamento ao

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Análise Psicológica (2006), 1 (XXIV): 15-27

Modelo Multidimensional de Ajustamentode jovens ao contexto Universitário (MMAU):Estudo com estudantes de ciências e tecnologiasversus ciências sociais e humanas (*)

ANA PAULA SOARES (**)LEANDRO S. ALMEIDA (**)

ANTÓNIO M. DINIZ (***)M. ADELINA GUISANDE (****)

(*) Qualquer correspondência relativa a este artigodeverá ser enviada para [email protected]

(**) Instituto de Educação e Psicologia, Universida-de do Minho.

(***) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis-boa.

(****) Universidade de Santiago de Compostela. Fi-nanciada pelo Ministerio de Educación y Ciencia, Es-paña.

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contexto universitário tem sido conceptualizadocomo um processo complexo e multidimensionalque envolve múltiplos factores, tanto de naturezaintrapessoal, como de natureza contextual (Al-meida et al., 1999; Baker & Siryk, 1984; Brooks& Dubois, 1995; Diniz, 2001, 2005; Soares, 1998,2003). Contudo, apesar do reconhecimento da im-portância desses factores, a teoria e a investiga-ção que neste âmbito têm sido produzidas, reve-lam dificuldades em integrá-los. A par de umaperspectiva desenvolvimental que enfatiza, numatradição intrapsíquica, as mudanças internas ocor-ridas no estudante ao longo da sua frequência uni-versitária, encontramos outra que, embora reco-nheça a importância dos contextos universitáriosna configuração do processo de ajustamento, nãointegra de forma adequada as variáveis desen-volvimentais do impacto da frequência universi-tária nos estudantes (Soares, 2003).

Ora, se consideramos que o desenvolvimentoé um processo contínuo ao longo de todo o ciclode vida, que os processos de adaptação, aprendi-zagem e desenvolvimento humanos não ocorremno vazio (mas são antes o produto de interacçõesrecíprocas e dinâmicas que entre indivíduos e con-textos se estabelecem continuamente), e que osobjectivos da educação universitária se estendempara lá do domínio estritamente cognitivo (numaperspectiva de formação integral dos indivíduos),compreendemos a necessidade de, na análise daforma como os estudantes se adaptam ao contex-to universitário, considerarmos, para além dosfactores pessoais e contextuais que podem estarna sua origem, variáveis académicas e não-aca-démicas na análise dos seus resultados.

Com efeito, um corpo crescente de investiga-ções tem demonstrado não só que o desenvolvi-mento dos estudantes se processa de uma formaholística, como as fontes desse desenvolvimentosão também elas próprias holísticas (Khu et al.,1991; Terenzini, Pascarella, & Blimling, 1996).De forma similar, essa mesma investigação temtambém demonstrado que a aprendizagem não éindependente do desenvolvimento, e que os re-sultados académicos obtidos pelos estudantes sur-gem configurados por uma diversidade de facto-res que ocorrem quer dentro, quer fora das salasde aula. O processo de adaptação ou de ajusta-mento ao contexto universitário não pode, assim,ser desligado dos processos de aprendizagem edesenvolvimento humanos. Aliás, cremos que essa

integração permitirá atribuir mais sentido esignificado aos resultados obtidos ao não negli-genciar nem as exigências colocadas aos estu-dantes pelo contexto e a forma como lhes res-pondem, nem a forma como o desenvolvimentose processa, e afecta, necessariamente, a quali-dade dos resultados obtidos (Soares, 2003).

O presente trabalho, insere-se nesta linha depreocupações, e pretende contribuir para a com-preensão do processo de adaptação ou de ajusta-mento de jovens ao contexto universitário em Por-tugal. Especificamente, com este trabalho pro-curámos contribuir para o desenvolvimento deum modelo compreensivo e integrativo que ex-plique porque determinados jovens se adaptamàs pressões, exigências e desafios da vida univer-sitária, enquanto outros encontram dificuldadesnesse processo. Procurámos, ainda, avaliar even-tuais especificidades nesse processo quando di-ferentes áreas de cursos são consideradas, dada aevidência acumulada de que os cursos podemconstituir sub-ambientes de aprendizagem comrepercussões importantes na forma como osestudantes se ajustam ao contexto universitário(Braxton & Hargens, 1996; Diniz, 2001).

O modelo desenvolvido, designado Modelo Mul-tidimensional de Ajustamento de jovens ao con-texto Universitário (MMAU), resulta da revisãoda teoria e da investigação na área, e procuracombinar, num mesmo modelo, factores de na-tureza pessoal e contextual na compreensão domodo como os jovens se ajustam ao contexto uni-versitário.

Com efeito, a teoria e a investigação revelamque as características que os estudantes “trazem”para a Universidade (sócio-demográficas, acadé-micas, desenvolvimentais), bem como aquelasrelativas à qualidade das instituições universitá-rias (infra-estruturas, recursos, serviços) e à in-teracção que entre ambas se estabelece, são facto-res importantes a considerar neste processo (e.g.,Anaya, 1996; Aspinwall & Taylor, 1992; Astin,1993; Chickering & Reisser, 1993; Mathiasen,1984; Mouw & Khanna, 1993; Pascarella & Te-renzini, 2005; Ting, 2000; Tinto, 1993). De des-tacar, ainda, o papel que o envolvimento, ou seja,o grau de investimento cognitivo e comportamen-tal que os estudantes esperam dedicar (expecta-tivas de envolvimento) ou dedicaram à vida uni-versitária (comportamentos de envolvimento), pa-rece aí desempenhar (Soares, 2003; Soares & Al-

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meida, 2005a). Com efeito, e de forma consis-tente com a teoria proposta por Astin (1984, 1993),ele pode explicar como os inputs (associados tantoàs características dos estudantes, como às dasinstituições) se relacionam entre si para geraremdeterminados outputs associados ao sucesso aca-démico dos estudantes.

De referir, ainda, que a noção de sucesso aca-démico de que partimos, não se restringe à noçãode sucesso escolar. Com efeito, consideramos quetanto as dimensões da aprendizagem, como as do

gráficas (sexo, nível sócio-económico – NSE, eestatuto de residência dos estudantes – desloca-dos/não-deslocados da sua região de origem pa-ra estudarem no Ensino Superior), como acadé-micas (nota de ingresso no Ensino Superior, opçãocurso-estabelecimento de ensino de entrada, e áreade cursos frequentada), afectam, directa e/ou indi-rectamente, os ganhos na aprendizagem (rendi-mento académico) e no desenvolvimento psicosso-cial no decurso da experiência universitária (ní-veis de autonomia pré-teste e pós-teste1).

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FIGURA 1Modelo Multidimensional de Ajustamento de jovens ao contexto Universitário

(MMAU; Soares, 2003)

Legenda: Efeitos directosEfeitos directos presumivelmente mais fortes

Autonomia(pós-teste)

1 De referir que apesar dos termos “pré-teste” e “pós--teste” serem adequados em estudos de natureza expe-rimental, utilizámo-los aqui para nos referirmos à ava-liação realizada no início e no final do ano lectivo, da-da a familiaridade desses conceitos na linguagem cien-tífica.

desenvolvimento psicológico, devem ser aí con-sideradas, contribuindo para uma visão mais inte-grada e compreensiva do impacto do Ensino Su-perior nos estudantes. Na Figura 1 apresentamosa representação gráfica do modelo desenvolvido.

No MMAU presume-se que as característicaspré-universitárias dos estudantes, tanto sócio-demo-

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Contudo, como podemos constatar na Figura 1,antecipa-se que os efeitos directos sejam maisfortes, ao influenciarem as características psicos-sociais dos estudantes à entrada da Universidade(expectativas de envolvimento académico e pa-drões de autonomia) que, por sua vez, são espe-radas afectar as restantes variáveis intervenientesaí incluídas (comportamentos de envolvimento,qualidade do ambiente de aprendizagem, bem-estare satisfação) e os resultados nas variáveis critérioconsideradas (rendimento académico e desenvol-vimento psicossocial). Em todo o caso, prevêm--se também relações directas entre as caracterís-ticas sócio-demográficas dos estudantes à entra-da da Universidade (sexo, NSE e residência) e osseus comportamentos de envolvimento na vidaacadémica; entre a área de cursos frequentada eas suas percepções quanto à qualidade do ambi-ente de aprendizagem aí existente; e, entre o seunível de bem-estar e o nível de satisfação por elesobtido.

MÉTODO

Participantes

O estudo foi constituído por um painel longi-tudinal de 560 estudantes voluntários do primeiroano (M=18 anos; leque etário=17-24) que frequen-tavam pela primeira vez 16 dos 44 cursos de licen-ciatura da Universidade do Minho. Os cursos fo-ram seleccionados a partir de um processo deamostragem aleatório estratificado e organizadosem duas áreas de estudos com interesses cientí-ficos e profissionais afins: oito cursos na área deCiências e Tecnologias (C&T, n=259) e oito na áreade Ciências Sociais e Humanas (CS&H, n=301).

No caso dos estudantes a frequentarem cursosde CS&H, o grupo amostral era maioritariamenteconstituído por estudantes do sexo feminino (81.1%),enquanto que o grupo amostral dos cursos deC&T era maioritariamente constituído por estu-dantes do sexo masculino (61.4%). No que se re-fere às trajectórias escolares, a maioria dos estu-dantes entrou no curso e no estabelecimento deensino alvo da sua primeira opção de candidatu-ra (embora essa percentagem seja mais expressi-va junto dos estudantes de CS&H, com 74.1%em primeira opção, contra 58.7% na mesma situa-

ção no caso dos estudantes de C&T) e apresen-tou percursos escolares bastante satisfatórios. Es-pecificando, 75.7% dos estudantes de CS&H apre-sentaram classificações de acesso superiores a 14valores e 64.9% dos estudantes de C&T apresen-taram classificações até 14 valores. De referir,ainda, que a maioria se encontrava deslocado dasua residência habitual para estudar nesta Uni-versidade (60.5% dos estudantes de CS&H e 52.9%dos estudantes de C&T) e que uma percentagemelevada dos estudantes era oriunda de classes sócio--económicas mais desfavorecidas, principalmen-te no caso dos estudantes de CS&H (54.2% NSEbaixo ou médio-baixo; 25.6% médio; e 20.3%médio-alto ou alto), encontrando-se uma situaçãomais equilibrada nos estudantes de C&T (39% NSEbaixo ou médio-baixo; 30.5% médio; e 30.5%médio-alto ou alto).

Instrumentos

O Questionário de Envolvimento Académico(QEA: Soares & Almeida, 2005a), para avaliaras expectativas de envolvimento almejadas pelosestudantes aquando da sua entrada no Ensino Su-perior (Versão A), e aquilo que tiveram efectiva-mente oportunidade de concretizar no decurso doprimeiro ano (Versão B). O QEA é um questio-nário de auto-relato constituído por 38 itens deresposta likert de quatro pontos, que procura ava-liar o grau de investimento cognitivo e compor-tamental que os estudantes esperam dedicar (VersãoA) ou dedicaram (Versão B) à vida universitáriaem cinco áreas: Envolvimento institucional, En-volvimento vocacional, Envolvimento social, Uti-lização de recursos e Envolvimento curricular(vd. Soares, 2003; Soares & Almeida, 2005a).

O Inventário de Desenvolvimento da Autono-mia de Iowa (IDAI, adaptado por Ferreira &Castro, 1994, do Iowa Developing Autonomy In-ventory: Hood & Jackson, 1983), para avaliar osníveis de independência emocional, instrumentale de interdependência que caracterizam as re-lações que os estudantes estabelecem com os pais,os pares e a sociedade em geral. O IDAI é um ins-trumento de auto-relato constituído, na sua ver-são adaptada, por 64 itens (numa escala de res-posta tipo-likert de cinco pontos), distribuídos porseis subescalas ou dimensões: Independência emo-cional pais, Independência emocional colegas,Gestão do dinheiro, Mobilidade, Gestão do tempo

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e Interdependência. Os estudos conduzidos nocontexto nacional comprovam a sua validade efidelidade (vd. Ferreira & Castro, 1994; Pinheiro& Ferreira, 1995; Soares, 2003; Soares, Almeida,& Ferreira, 2002).

A Escala do Clima Social de Sala de Aula (ECSSA,adaptada por Santos, 1996, da versão revista daClassroom Environmental Scale: Moos & Trickett,1987), para avaliar as percepções dos estudantesacerca da qualidade relacional, da estrutura orga-nizativa e do funcionamento do contexto de salade aula (clima social). A ECSSA, na sua versãoadaptada, é constituída por 64 itens (numa escaladicotómica de verdadeiro/falso), distribuídos porseis subescalas: Apoio do professor e inovação,Ordem/organização e envolvimento, Afiliação, Cla-reza de normas e Competição. Os resultados dosestudos conduzidos revelam que, apesar das difi-culdades na sua adaptação, a escala apresenta ní-veis aceitáveis de validade e fidelidade (vd. Soares,2003; Soares & Almeida, 2002, 2005b).

O Questionário de Vivências Académicas (QVA:Almeida & Ferreira, 1999), para avaliar a quali-dade das vivências académicas dos estudantes noconfronto com o contexto universitário. Mais es-pecificamente, e apesar da versão original inte-grar 17 subescalas, utilizámos apenas duas (Bem--estar físico e Bem-estar psicológico), para ava-liar a qualidade do ajustamento pessoal-emocio-nal dos estudantes. Os estudos desenvolvidos coma escala permitem afirmar a sua validade e fide-lidade (vd. Almeida, Ferreira, & Soares, 2003;Almeida, Soares, & Ferreira, 2000).

O Questionário de Satisfação Académica (QSA:Soares, Vasconcelos, & Almeida, 2002), para ava-liar os níveis de satisfação dos estudantes em re-lação à qualidade da sua experiência universitá-ria. Constituído por 13 itens de resposta tipo-li-kert de cinco pontos, o QSA procura avaliar dimen-sões relacionais, institucionais e curriculares dasatisfação académica dos estudantes, a partir detrês subescalas: Satisfação curricular, Satisfaçãoinstitucional e Satisfação sócio-relacional. Osestudos desenvolvidos comprovam a dimensio-nalidade da escala, assegurando a validade e fi-delidade dos resultados (vd. Soares, 2003; Soares,Vanconcelos, & Almeida, 2002).

Adicionalmente, foram recolhidas informaçõesrelativas ao rendimento académico dos estudan-tes junto dos Serviços Académicos desta Univer-sidade. O rendimento académico é uma nota com-

pósita que integra a média geral obtida pelos es-tudantes no final do primeiro ano (ponderadapelas Unidades de Crédito atribuídas a cada dis-ciplina) e pela ratio de disciplinas realizadas comêxito (atendendo ao número de disciplinas do planocurricular do primeiro ano em cada curso). O de-senvolvimento psicossocial foi inferido a partirda aplicação do IDAI em dois momentos tempo-ralmente distintos: aquando do ingresso dos estu-dantes no Ensino Superior e no decurso do segundoano da sua frequência universitária. De referir,por último, que embora cada instrumento permitaavaliar diferentes dimensões dos constructos, in-cluímos apenas, para efeitos da testagem do mo-delo, as notas globais de cada um deles, proce-dimento este legitimado pelas análises factoriaisexploratórias de segunda ordem entretanto con-duzidas (vd. Soares, 2003).

Procedimento

Os instrumentos foram administrados em cincomomentos distintos. À excepção do primeiro, emque foram administrados individualmente noespaço disponibilizado pela Universidade para arealização das matrículas, nos restantes, osinstrumentos foram administrados colectivamente,em ambiente de sala de aula, e em substituiçãode uma aula prática ou teórico-prática, em cadacurso. Os estudantes foram previamente infor-mados dos objectivos e procedimentos da inves-tigação, sendo-lhes assegurada a confidenciali-dade dos resultados.

Quanto às técnicas de análise de dados utiliza-das, recorremos à modelização de equações es-truturais (Structural Equations Modeling – SEM),no caso à análise de trajectórias (path analysis),através do LISREL8-SIMPLIS (Jöreskog & Sörbom,1993a,b). Depois de verificarmos que não exis-tiam problemas de distribuição dos resultadosnas variáveis, conduzimos as análises seguindouma lógica estritamente confirmatória e atravésdo método de estimação por máxima verosimi-lhança, a partir de matrizes de covariância. Como PRELIS2, utilizámos a técnica de bootstrap paracriar as matrizes (Jöreskog & Sörbom, 1993a;Schumacker & Lomax, 1996). Considerámos 100amostras de 50% das observações (C&T, n=128;CS&H, n=149).

Para o teste de identidade do modelo em ambosos grupos amostrais, considerámos a significân-

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cia da estatística χ2 e os resultados obtidos paraos seguintes índices de adequabilidade do ajus-tamento: AGFI (Adjusted Goodness-of-Fit Index:Jöreskog & Sörbom, 1993a,b), CFI (Compara-tive Fit Index: Bentler, 1990; Hu & Bentler, 1998),RMSEA (Root Mean Square Error of Aproxima-tion: Browne & Cudeck, 1993; Steiger, 1990) eECVI (Expected Cross-Validation Index: Browne& Cudeck, 1993).

A análise substantiva do modelo centrou-se nosresultados obtidos para a magnitude e a signifi-cância estatística dos coeficientes de regressãoestandardizados (path coefficients ou pesos β) entrepreditores e critérios, bem como para a magnitudedos coeficientes de determinação dos critérios (R2).

RESULTADOS

Apresentam-se, no Quadro 1, os resultados daavaliação da qualidade do ajustamento global domodelo quando testado com estudantes de C&Te de CS&H.

Como podemos constatar no quadro, para osestudantes de C&T, o valor do χ2 era baixo (p>.05),o do CFI era superior a .95 e o do AGFI era igualao tido como crítico para este índice (.90). Acresceque o vector que representava o limite inferior dointervalo de confiança (IC) de 90% do RMSEApassava pela origem (0.0), enquanto que aqueleque representava o limite superior deste IC era iguala .05, com a probabilidade do RMSEA <.05 a serigual a .93. Estes resultados indicavam um bomajustamento do modelo à matriz de covariânciada população. Entretanto, o limite superior do IC

de 90% do ECVI era inferior ao valor do ECVIpara o modelo saturado, indicando um bom ajus-tamento expectável do modelo para outras amos-tras da mesma dimensão da nossa. Tomando o con-junto dos resultados obtidos para o teste de iden-tidade do modelo para os estudantes de C&T, po-demos afirmar que ele estava bem ajustado e re-presentava uma boa aproximação na população ou,utilizando a terminologia de Forster (2002), elerevelava possuir uma boa precisão preditiva, querinterpolativa quer extrapolativa.

Para os estudantes de CS&H, melhorou a pre-cisão interpolativa e extrapolativa do modelo, aindaque esta afirmação deva considerar-se de formaprudente. É que, à excepção do AGFI, todos osoutros indicadores considerados remetiam paraum ajustamento perfeito, uma situação probabi-listicamente inverosímil. Problemas de (multi)coli-nearidade nas variáveis – designadamente, co-linearidade entre o ambiente de aprendizagem nocurso (clima social) e o nível de bem-estar [β=.81(.18); t(127)=4.61, p<.001] – e/ou de dimensãoda amostra, podem estar na base deste resultado,criando um artefacto estatístico. Contudo, dado ovalor do AGFI, e dada a plausibilidade dos re-sultados obtidos para o teste de identidade do mo-delo nos estudantes de C&T, tomámos o modelopara ambos os grupos amostrais nas análises sub-sequentes.

No que se refere à análise substantiva do mo-delo, nas Figuras 2 e 3 apresentamos a represen-tação isomórfica dos resultados obtidos para estu-dantes de C&T e de CS&H. De referir que, poruma questão de parcimoniosidade, nelas constamos pesos β e o respectivo nível de significância

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QUADRO 1Índices de ajustamento global do MMAU nos grupos amostrais de Ciências e Tecnologias (C&T) e

de Ciências Sociais e Humanas (CS&H)

Sub-amostras χ2 gl N p(χ2) AGFI CFI RMSEA ECVI

C&T 36.80 40 129 .62 .90 1.00 .00 1.37

CS&H 11.84 40 150 1.00 .97 1.00 .00 1.17

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(p) apenas para as trajectórias estatisticamentesignificativas. Pela mesma razão, não apresen-tamos os termos de erro das variáveis observadas.

Como podemos constatar nas Figuras 2 e 3, re-gista-se uma grande estabilidade dos resultadosobtidos nos dois grupos amostrais. Em ambos oscasos, o sexo revelou ser um bom preditor da áreade cursos escolhida, frequentando os estudantesdo sexo masculino mais os cursos de tecnologias[β=-.45 (.08); t(127)=-5.60] e os do sexo femini-no mais cursos ligados à formação de professo-res [β=-.22 (.08); t(148)=-2.70].

Também a relação presumida entre as expecta-tivas de envolvimento dos estudantes na vida uni-

versitária e os seus comportamentos efectivos deinvestimento revelou-se positiva e estatisticamentesignificativa. Esta situação parece confirmar que,não obstante o efeito de atenuamento registado nosresultados quando passámos da Versão A para aVersão B do QEA (o que parece corroborar, no con-texto nacional, a ideia do “freshmen myth” avan-çada por Stern na década de 1960 – vd. Soares, 2003),os valores agora obtidos confirmam que as expec-tativas de envolvimento académico almejadas pelosestudantes à entrada da Universidade constituemum preditor efectivo dos seus comportamentosde envolvimento na vida universitária no decursodo primeiro ano [C&T: β=.18 (.08); t(127)=2.19;

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FIGURA 2Representação isomórfica dos resultados do MMAU nos estudantes de Ciências e Tecnologias (C&T)

Legenda: Relações estatisticamente significativasRelações estatisticamente não significativas

(*p<.05; **p<.01; ***p<.001)

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CS&H: β=.22 (.08); t(148)=2.94]. Verificamos,ainda, uma relação positiva e estatisticamente signi-ficativa entre o nível de envolvimento dos estu-dantes na vida universitária e o nível de satisfa-ção obtido [C&T: β=.15 (.04); t(127)=4.35;CS&H: β=.14 (.04); t(148)=3.80]. Ao mesmo tempo,verifica-se que o grau de concretização dessas ex-pectativas afecta de forma positiva e estatistica-mente significativa o nível de satisfação. Comopodemos observar nas Figuras 2 e 3, o efeito davariável expectativas sobre a variável satisfação,embora positivo, só assume significado estatísticoquando esta relação é mediada pelos comporta-

mentos de envolvimento académico dos estudan-tes no decurso do primeiro ano.

Quanto às relações previstas entre a variávelautonomia emocional e instrumental no início davida académica e as restantes variáveis incluídasno modelo, nenhuma assumiu significado esta-tístico, à excepção da variável de pós-teste da au-tonomia emocional e instrumental (efeito auto-re-gressivo), tanto nos estudantes de C&T [β=.43(.06); t(127)=7.38], como nos de CS&H [β=.56(.06); t(148)=9.62]. De referir, ainda, no primeirocaso, a relação positiva e estatisticamente signi-ficativa entre o nível de pré-teste de autonomia

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FIGURA 3Representação isomórfica dos resultados do MMAU nos estudantes de Ciências Sociais e

Humanas (CS&H)

Legenda: Relações estatisticamente significativasRelações estatisticamente não significativas

(*p<.05; **p<.01; ***p<.001)

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emocional e instrumental e o nível de bem-estar[β=.16 (.07); t(127)=2.43] e, no segundo, entre onível de envolvimento dos estudantes na vida uni-versitária e o nível de bem-estar [β=.22 (.12);t(148)=1.96].

No que concerne à qualidade do ambiente deaprendizagem no curso (clima social), os resul-tados revelam que apesar dela não ser preditapela área de cursos frequentada pelos estudantes,ela influenciou de forma positiva e estatistica-mente significativa, tanto os comportamentos deenvolvimento dos estudantes no curso e na vidauniversitária em geral [C&T: β=.41 (.14); t(127)=3.00; CS&H: β=.28 (.11); t(148)=2.46], como osseus níveis de bem-estar [C&T: β=.81 (.18); t(127)=4.61;CS&H: β=.41 (.17); t(148)=2.44] e de satisfação[C&T: β=.12 (.06); t(127)=1.98; CS&H: β=.15(.05); t(148)=2.95]. De salientar, ainda, a relaçãopositiva e estatisticamente significativa que se es-tabelece, em ambas as áreas de cursos, entre onível de bem-estar e o nível de satisfação [C&T:β=.06 (.03); t(127)=2.12; CS&H: β=.10 (.03);t(148)=3.84].

Mas, se estes resultados parecem apontar paraa importância das variáveis contextuais na formacomo os estudantes se adaptam ao contexto uni-versitário, elas não foram suficientemente fortespara influenciarem os resultados nas variáveiscritério do modelo. Com efeito, como podemosobservar nas Figuras 2 e 3, a única variável querevelou influenciar de forma positiva e estatisti-camente significativa o rendimento académico dosestudantes no final do primeiro ano foi a médiacom que os estudantes ingressaram na Universi-dade [C&T: β=.28 (.07); t(127)=4.03; CS&H:β=.31 (.07); t(148)=4.23], a qual captou 19 e 14%da variância dos resultados, respectivamente parao grupo de C&T e para o de CS&H. Também nocaso do desenvolvimento psicossocial (autono-mia emocional e instrumental – pós-teste), a únicavariável que contribuiu de forma positiva e esta-tisticamente significativa para o mesmo foram osresultados obtidos aquando do seu pré-teste [C&T:β=.43 (.06); t(127)=7.38; CS&H: β=.56 (.06);t(148)=9.62], captando 31 e 39% da variânciados resultados, respectivamente para o grupo deC&T e para o de CS&H.

DISCUSSÃO

Neste trabalho apresentaram-se os resultadosdo estudo de validação do Modelo Multidimen-sional de Ajustamento de jovens ao contexto Uni-versitário (MMAU) para estudantes do primeiroano a frequentarem cursos de C&T e de CS&H.Com este procedimento, procurámos testar o modeloconceptual quando diferentes áreas de cursos sãoconsideradas, dada a evidência acumulada de queas experiências académicas dos estudantes no con-fronto com a vida universitária podem não cons-tituir uma massa homogénea, parecendo ser afecta-das, de forma relevante, pelo tipo de ambiente deaprendizagem (curso) em que os estudantes se en-contram inseridos.

Os resultados das análises desenvolvidas per-mitem-nos afirmar que o modelo em análise cons-titui uma tentativa plausível de integração da teoriae da investigação no domínio. Parece reforçar-se aimportância e a necessidade de desenvolvermosmodelos holísticos de análise que combinem, quervariáveis pessoais, quer contextuais, na forma comoos estudantes se adaptam ao contexto universitário,bem como factores académicos e não-académicosna análise dos seus resultados.

Os resultados mostraram, ainda, que o modeloé, globalmente, invariante, embora existissem es-pecificidades quando tomámos os estudantes de C&Tou os de CS&H. Essas especificidades encontram-se, nomeadamente, no que se refere à importânciaque o nível de autonomia emocional e instrumentalà entrada da Universidade parece assumir para osestudantes de C&T e o nível de envolvimento navida académica para os de CS&H.

Ainda em termos substantivos, podemos dizerque o sexo se assume como uma importante va-riável na determinação das áreas de cursos queos estudantes escolhem frequentar na transiçãodo Ensino Secundário para o Ensino Superior,tanto no grupo de CS&H (captando 6% da suavariância), como, e principalmente, no grupo dasC&T (captando 22% da sua variância). Estes re-sultados vão ao encontro de outros estudos nacio-nais (e.g., Balsa, Simões, Nunes, Carmo, & Campos,2001; Diniz, 2001), reflectindo a importância dogénero na determinação das escolhas educativase/ou profissionais dos indivíduos. De referir, ainda,que embora nesta primeira etapa do modelo oNSE não se tenha assumido como um factor im-portante na determinação dos cursos/áreas de cur-

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sos que os estudantes escolhem, a verdade é quenum estudo prévio com a amostra total de es-tudantes (vd. Soares, 2003; Soares, Guisande, Di-niz, & Almeida, no prelo) essa relação assumiusignificado estatístico. Os estudantes oriundos dasclasses sócio-económicas mais desfavorecidas fre-quentavam cursos socialmente menos prestigia-dos e economicamente menos recompensadores(captando o NSE, juntamente com a variável sexo,43% da variância dos resultados) o que, no en-tender de Soares (2003), pode espelhar um me-canismo insidioso da influência do capital sócio--cultural e económico detido pelas famílias de ori-gem dos estudantes, apesar do acesso “democra-tizado” registado nas últimas décadas neste nívelde ensino em Portugal.

Tal como o hipotetizado, as expectativas deenvolvimento dos estudantes constituem um pre-ditor efectivo dos seus comportamentos de envol-vimento na vida universitária, o que reforça a uti-lidade da sua mensuração como um importantemeio de screenning de eventuais dificuldades aserem experienciadas, antes que problemas de(des)ajustamento se possam realmente instalar,permitindo às universidades não só conheceremmelhor os seus estudantes, como optimizarem assuas experiências para a promoção da sua adapta-ção e sucesso (Soares, 2003). Esta ideia faz, deresto, tanto mais sentido quanto os resultados obti-dos comprovam não só que as expectativas cons-tituem um preditor efectivo dos comportamentosde envolvimento dos estudantes, como o grau emque vêem as suas expectativas concretizadas afectade forma positiva e estatisticamente significativaos níveis de satisfação obtidos. A “violação” ou a“confirmação” das expectativas inicialmente for-muladas exerce, assim, um efeito importante nomodo como os jovens experienciam o contextouniversitário e nele se sentem.

Contudo, se o nível de concretização das expecta-tivas inicialmente formuladas afecta o nível desatisfação obtido, essa relação não foi suficiente-mente forte para afectar as variáveis critérioincluídas no modelo. Esta situação parece suge-rir que, ao contrário do defendido por Astin (1993),a intensidade do envolvimento académico dos es-tudantes na vida universitária pode não se tradu-zir, necessariamente, em maiores ganhos, tantodo ponto de vista da aprendizagem, como do pontode vista do desenvolvimento psicossocial. Comooutros estudos demonstram (e.g., Anaya, 1996;

Blimling, 1999; Pike, 1999, 2000), interessará,nesta análise, considerar não apenas o nível/in-tensidade, mas também o tipo de envolvimento.Um forte envolvimento curricular, por exemplo,pode conduzir a ganhos mais efectivos do pontode vista da aprendizagem, enquanto que um forteenvolvimento nas relações com os pares, emborapossa contribuir positivamente para a socializa-ção dos estudantes e para o desenvolvimento decompetências interpessoais mais eficazes, poderetirar tempo e energia para que um envolvimentomais intenso nas actividades curriculares possaocorrer. Assim, o tipo, mais do que nível, poderáser mais relevante na análise dos resultados, jus-tificando a sua atenção em futuros estudos.

Também a qualidade do ambiente de apren-dizagem no curso se assume como uma impor-tante variável que influencia o modo como os es-tudantes investem no curso, e na vida universi-tária em geral, e a forma como nele se sentem. Aqualidade das relações estabelecidas em sala deaula entre professores e estudantes e entre estu-dantes, bem como a qualidade da organização efuncionamento do curso assume, assim, um pa-pel central na compreensão da qualidade da expe-riência universitária, tal como é proposto por ou-tros autores (e.g., Braxton, Bray, & Berger, 2000;Cabrera et al., 2002; Tinto, 1997). Como refereTinto (1997), as salas de aulas nas instituições deEnsino Superior encontram-se no centro de todaa actividade educativa, e os “encontros” que aíocorrem são essenciais na compreensão da qua-lidade da experiência académica dos estudantes.

Mas se esta constatação parece traduzir a im-portância das variáveis contextuais na forma comoos estudantes interagem com o contexto univer-sitário e dos benefícios que dele retiram, as rela-ções directas e indirectas previstas entre o climasocial de sala de aula e os comportamentos de in-vestimento na vida universitária não tiveram in-tensidade suficiente para afectarem, de forma es-tatisticamente significativa, as variáveis critériodo modelo. Com efeito, apenas a média de ingressona Universidade afectou de forma positiva e es-tatisticamente significativa o rendimento acadé-mico no final do primeiro ano. De forma similar,a única variável que afectou de forma positiva eestatisticamente significativa o nível de desen-volvimento psicossocial experienciado pelos estu-dantes do primeiro para o segundo ano de frequên-cia universitária foi o nível de autonomia avaliado

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à entrada da Universidade. Estes resultados pare-cem, assim, reforçar a ideia de que, mantendoconstantes as relações entre as variáveis integra-das no modelo, mais do que a qualidade dos am-bientes de aprendizagem em que os estudantesestão inseridos e/ou a qualidade das experiênciaseducativas aí proporcionadas, foram as suas ca-racterísticas pré-universitárias (académicas e psi-cossociais) que mais determinaram a qualidadedos resultados obtidos.

Embora estes resultados pareçam apontar paraa pouca relevância da experiência universitária,algumas das opções metodológicas realizadas, comoalerta Soares (2003), podem ter condicionado osresultados obtidos. Referimo-nos, por exemplo,para além da consideração das notas globais naavaliação de cada um dos contructos (a opção pelaabrangência poderá ter prejudicado a precisão),ao próprio desenho longitudinal do estudo (queincluiu apenas estudantes para os quais se deti-nha informação relativa a todas as medidas re-colhidas), o que pode ter “purificado” a amostra(i.e., excluído das análises os estudantes que apre-sentavam experiências menos positivas e algumnível de desajustamento académico), homogenei-zando ambos os grupos e atirando para as variá-veis antecedentes associadas às característicaspré-universitárias uma maior capacidade diferen-ciadora. Uma combinação de metodologias quan-titativas e qualitativas, a par de novos procedi-mentos de recolha de dados (não baseados, exclu-sivamente, na recolha colectiva em sala de aula)deverão ser considerados em futuros estudos.

De referir, por último, que embora estas rela-ções tenham sido verificadas, na generalidade,nos dois grupos amostrais, registaram-se algu-mas diferenças. Os níveis de autonomia à entra-da da Universidade parecem ter um papel maisfacilitador do processo de adaptação para os estu-dantes de C&T, enquanto que, esse mesmo papel,parece ser ocupado, no caso dos de CS&H, pelograu de investimento na vida académica. O maiornível de autonomia emocional e instrumental apre-sentado pelos estudantes do sexo masculino à en-trada do Ensino Superior (Soares, 2003; Soares,Almeida, & Ferreira, 2002), bem como as áreasdo envolvimento onde os estudantes do sexo fe-minino mais parecem investir (curricular e voca-cional – vd. Soares, 2003), podem justificar osresultados obtidos, configurando diferentes processose/ou mecanismos de adaptação à Universidade.

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RESUMO

Apresenta-se um modelo para descrever o ajusta-mento dos estudantes portugueses à Universidade. Tes-támos o Modelo Multidimensional de Ajustamento dejovens ao contexto Universitário (MMAU) numa amos-tra de 560 estudantes a frequentar pela primeira vez oprimeiro ano de cursos de ciências e tecnologias (C&T;n = 259) e de ciências sociais e humanas (CS&H; n = 301).Apesar das expectativas de envolvimento académico àentrada da Universidade constituírem um preditor efec-tivo dos comportamentos de envolvimento na vida uni-versitária, e da qualidade do ambiente de aprendizagem

afectar os níveis de envolvimento, bem-estar e satisfa-ção, os resultados confirmaram a plausibilidade do mo-delo para ambos os grupos e revelaram que essas re-lações não foram suficientemente fortes para influenciaro rendimento académico e o desenvolvimento psicos-social dos estudantes. O rendimento foi predito pela notade candidatura e o desenvolvimento psicossocial pelonível de autonomia à entrada da Universidade. Con-trastando os resultados nos grupos, a autonomia emo-cional e instrumental no início da vida universitária e oenvolvimento na vida académica tiveram um impactodiferencial no bem-estar obtido, respectivamente paraos estudantes de C&T e de CS&H. As característicaspré-universitárias dos estudantes revelaram-se impor-tantes para a configuração dos seus processos de adapta-ção ao contexto universitário, mostrando algumas espe-cificidades, nesse processo, quando se consideram asáreas de cursos frequentadas.

Palavras-chave: Ajustamento académico, estudan-tes universitários, Ensino Superior, rendimento acadé-mico, desenvolvimento psicossocial.

ABSTRACT

We present a model to describe how portuguese stu-dents adjust to University. The Modelo Multidimensio-nal de Ajustamento de jovens ao contexto Universitá-rio (MMAU) Multidimentional Model of College Adjust-ment (MMCA) was tested in a sample of 560 first-yearcollege students, enrolled for the first time, in scienceand technology (n = 259) and social and human sciences(n = 301) course degrees. Results confirm the plausi-bility of the model for both groups, despite the factthat students’ involvement expectations about acade-mic life, when they entered college, proved to be a goodpredictor of students’ involvement behaviors, and thatthe quality of learning environment proved to be agood predictor of students’ involvement, well-beingand satisfaction. They also reveal that those relationsweren’t strong enough to influence academic perfor-mance and psychosocial development. Academic per-formance was predicted by access classifications andpsychosocial development by autonomy level at theentrance of University. Comparing the groups’ results,emotional and instrumental autonomy at the beginningof academic life and academic involvement had a diffe-rential impact on students’ well-being, respectively, inscience and technology and in social and human scien-ces’ students. These results enhance the importance ofstudents’ pre-college characteristics for college adjust-ment process, showing some specificities in this pro-cess when areas of courses attended are taken under con-sideration.

Key words: Academic adjustment, college students,higher education, academic achievement, psychosocialdevelopment.

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