asorganizacoeseacomplexidade.pdf
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE
Departamento de Administrao
AS ORGANIZAES E A COMPLEXIDADE:
UM ESTUDO DOS SISTEMAS DE GESTO DA QUALIDADE
Fabrizio Giovannini
Orientador: Prof. Dr. Isak Kruglianskas
So Paulo
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2002
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AS ORGANIZAES E A COMPLEXIDADE:
UM ESTUDO DOS SISTEMAS DE GESTO DA QUALIDADE
Fabrizio Giovannini
Dissertao apresentada Faculdade de Economia,
Administrao e Contabilidade da Universidade de So Paulo
para a obteno do ttulo de Mestre em Administrao
Orientador: Prof. Dr. Isak Kruglianskas
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So Paulo
2002
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A Mrcia, minha esposa,
e a Anna Maria e Fabrizio, meus filhos,
dedico este trabalho.
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AGRADECIMENTOS
A primeira pessoa a quem quero agradecer minha esposa, Mrcia, qual
tambm dedico este trabalho, por seu apoio e por sua dedicao nossa famlia, que me
trouxe a tranqilidade necessria para realizar este trabalho.
Agradeo tambm a meus pais, pelo empenho em me dar todas as condies
necessrias para desbravar meus caminhos.
A meus companheiros de trabalho na Torcomp, com os quais aprendi muito e cuja
competncia e empenho no trabalho me permitiram dedicar tempo e esforo a esta
dissertao. Espero poder retribuir com a mesma competncia.
Quero agradecer tambm a todas as pessoas que cederam seu tempo para me
receber e falar sobre seu trabalho e suas empresas cujos nomes sou obrigado a omitir por
questes de sigilo.
Entre os motivos que me trouxeram ao PPGA da FEA-USP, se destaca a
experincia que tive em 1997 no MBA Executivo Internacional da FIA-FEA-USP. As
qualidades humanas e profissionais das pessoas que conheci me estimularam a retornar
para a faculdade e entrar para a vida acadmica. Meu agradecimento ao Prof. James
Terence Coulter Wright.
Finalmente, quero agradecer aos professores que me marcaram pela sua
competncia, inteligncia, profissionalismo, e entusiasmo e cuja contribuio foi
fundamental para minha pesquisa: meu orientador Prof. Isak Kruglianskas, Prof. Isaas
Custdio, Prof. Abraham Sin Oih Yu, Prof. Roberto Sbragia e Prof. Rosa Maria Fisher.
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SUMRIO
LISTA DE FIGURAS, TABELAS E GRFICOS iv
LISTA DE ABREVIATURAS vi
RESUMO vii
ABSTRACT viii
1. INTRODUO - O PROBLEMA 1
1.1 Viso Geral 1
1.2 Pergunta da Pesquisa 6
1.3 Objetivos da Pesquisa 7
2. REVISO DA BIBLIOGRAFIA 9
2.1 Viso Geral 9
2.2 Teoria da Complexidade 17
2.3 Teoria de Sistemas e a Complexidade 43
2.4 Economia de Empresas e Anlise de Deciso 49
2.5 Teorias, Conceitos, Mtodos e Tcnicas da Administrao
Direcionadas s Organizaes
60
2.6 Complexidade e a Teoria Administrativa Consolidada 84
2.7 Concluso da Reviso Bibliogrfica 89
3. METODOLOGIA DE PESQUISA 91
3.1 Viso Geral 91
3.2 Modelo Conceitual e Definies 97
3.3 Validade e Confiabilidade 107
3.4 Protocolo de Estudo de Campo 109
3.5 Metodologia de Anlise de Dados 114
4. ESTUDO DE CASOS 118
4.1 Empresa Isolantes Ltda. 120
4.2 Empresa Autopeas Ltda. 138
4.3 Empresa Equipamentos S.A. 158
5. CONCLUSO 174
6. BIBLIOGRAFIA 181
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iv
7. ANEXOS 192
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LISTA DE QUADROS, FIGURAS, TABELAS E GRFICOS
QUADRO
Quadro 1 Bibliografia bsica do referencial terico 14
FIGURAS
Figura 1 - Elementos bsicos da estrutura terica 8
Figura 2 - Relacionamento entre os elementos bsicos da estrutura terica 12
Figura 3 Diagrama de Causa-Efeito (DCE) de um sistema da participao nos
lucros
20
Figura 4 - Auto-semelhana entre os as partes da estrutura organizacional. 35
Figura 5 - Exemplos de estruturas fractais: "Tapete "de Sierpinski e "Esponja" de
Menguer (extrado de GLEICK, 1989).
35
Figura 6 - Hierarquia das regras de um Sistema de Gesto da Qualidade conforme
ISO 9001/2.
66
Figura 7 - Graus de autonomia dos componentes de sistemas. Adaptado de
Maturana e Varela (1995).
77
Figura 8 - Modelo Conceitual da pesquisa. 98
Figura 9 - Estrutura Organizacional Bsica de Isolantes Ltda. 121
Figura 10 - Estrutura organizacional bsica de Autopeas Ltda. 139
Figura 11 - Estrutura organizacional bsica de Equipamentos S.A. 159
TABELAS
Tabela 1- Simulao de 24 ciclos do sistema de participao nos lucros 23
Tabela 2 - Simulao de 24 ciclos do sistema de participao nos lucros ressaltando
a existncia de estabilidade dinmica em torno de atratores.
30
Tabela 3 - Simulao de 24 ciclos do sistema de participao nos lucros mostrando
a dimenso fractal do atrator dos lucros com (b) em 12%.
31
Tabela 4 - Simulao de 24 ciclos do sistema de participao nos lucros mostrando
o retorno do sistema para seu atrator mesmo depois de perturbado
significativamente nos ciclos 8 e 13.
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Tabela 5 - Viso da Complexidade sobre aspectos enfatizados pelos enfoques e
escolas administrativas consolidados.
85
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vii
GRFICOS
Grfico 1 Pesquisa de satisfao de clientes de Isolantes Ltda. 130
Grfico 2 Devolues de clientes de Isolantes Ltda. 131
Grfico 3 Relatrios de no-conformidade de Isolantes Ltda. 132
Grfico 4 Aes corretivas de Isolantes Ltda. 132
Grfico 5 Pesquisa de satisfao de clientes de Autopeas Ltda. 148
Grfico 6 Devolues de clientes de Autopeas Ltda. 150
Grfico 7 Relatrios de no-conformidade de Autopeas Ltda. 150
Grfico 8 Aes corretivas e preventivas de Autopeas Ltda. 151
Grfico 9 Scrap interno de Autopeas Ltda. 151
Grfico 10 No conformidades de fornecedores de Autopeas Ltda. 152
Grfico 11- Pontualidade de fornecedores de Autopeas Ltda. 152
Grfico 12- Pesquisa de satisfao interna de Autopeas Ltda. 153
Grfico 13 Horas faturveis de Equipamentos S.A. 169
Grfico 14- Horas de retrabalho de Equipamentos S.A. 170
Grfico 15 Horas excedentes de Equipamentos S.A. 171
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LISTA DE ABREVIATURAS
DCE Diagrama de Causa-Efeito
ISO Intenational Standardization Organization
QS Quality System
SGA Sistema de Gesto Ambiental
SGQ Sistema de Gesto da Qualidade
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RESUMO
Realizou-se em estudo de mltiplos casos com o objetivo de entender como
determinadas caractersticas organizacionais, baseadas em caractersticas de sistemas
dinmicos no-lineares eficazes explicadas pela Teoria da Complexidade, guardam algum
tipo de relacionamento com a eficcia das organizaes que as possuem e desenvolvem.
Os focos do trabalho so os Sistemas de Gesto da Qualidade certificados
conforme as normas ISO 9001/2. A escolha teve como motivaes a possibilidade de
maior controle dos efeitos dos fatores ambientais sobre os resultados de pesquisa e a
transparncia destes sistemas para o pesquisador.
Um dos maiores desafios foi desenvolver, na reviso bibliogrfica, uma
interpretao da Teoria da Complexidade sob a tica das cincias sociais, em especial da
Administrao.
O referencial terico consolidado atravs desta interpretao foi colocado prova
e foram encontrados diversos indcios de que a Teoria da Complexidade pode ser uma
explicao coerente da dinmica dos sistemas organizacionais. Mais importante ainda, no
foi encontrada nenhuma evidncia clara de que no o seja.
Encontrar alguma racionalidade no atual ambiente de negcios um grande
desafio. Por outro lado, para poder decidir e agir, o administrador precisa de um modelo
mental que lhe permita se integrar nesta realidade de forma consciente e autnoma. Este
trabalho procurou mostrar que a Complexidade pode ser uma alternativa para a
compreenso da dinmica dos sistemas organizacionais e, desta forma, contribuir para a
construo deste modelo mental.
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ABSTRACT
A multiple case study was made with the objective of understanding how specific
organizational characteristics, based on non-linear dynamic systems characteristics
explained by the Complexity Theory, hold any relation with the effectiveness of the
organizations that carry and develop these characteristics.
The focuses of this work are Quality Management Systems certified by the ISO
9001/2 norms. The motivation of this choice where the possibility of greater control over
the effects of environmental factors and the transparency of these systems for the
researcher.
One of the greater challenges where to develop, at the bibliographical review, an
interpretation of the Complexity Theory under the view of the social sciences, especially of
Management.
The theoretical referee consolidated trough this interpretation was put to test and
where found several clues that the Complexity Theory can be a coherent explanation of the
dynamic of organizational systems. More important yet, no clear evidence was found that it
is not.
To find any rationality at the present business environment is a great challenge.
However, to be able to decide and to act, the manager needs a mental model that allows
him to integrate in this reality in a conscious and autonomous form. This work tried to show
that Complexity can be an alternative for the understanding of the dynamics of
organizational systems and, consequently, to contribute for the construction of this mental
model.
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1. INTRODUO - O PROBLEMA
1.1 VISO GERAL
Existe uma insatisfao com o desempenho das organizaes frente contnua
acelerao do ritmo das mudanas no ambiente de negcios. Os administradores esto em
busca de modelos mentais que os permitam entender melhor a dinmica das organizaes
e suas prprias possibilidades de atuao.
A rea problema deste estudo a organizao. Neste trabalho, organizao
entendida preliminarmente como o resultado produzido pela atividade da estrutura
organizacional. A estrutura organizacional de uma empresa aqui entendida como o
conjunto de "modos nos quais seu trabalho dividido em tarefas distintas e depois sua
coordenao atingida entre estas tarefas" (MINTZBERG, 1993). Esta definio de
estrutura organizacional foi escolhida pois j introduz um dos problemas inerentes ao
processo de organizar: a dificuldade de encontrar um equilbrio entre a necessidade de
diviso do trabalho e de coordenao. Como se discutir adiante, a organizao, para
conseguir atingir seus objetivos, est constantemente em busca de harmonia entre estas
necessidades.
Parte-se do princpio, portanto, que a busca por alternativas para melhorar o
desempenho das empresas passa, tambm, pelo estudo do processo de construo da
estrutura organizacional. Em funo da abordagem holstica que se pretende dar a este
trabalho, o foco da pesquisa de campo ficar restrito a uma parte da estrutura
organizacional: os Sistemas de Gesto da Qualidade. Apesar de parecer a primeira vista
uma contradio, a opo por estudar apenas uma parte da estrutura tem como objetivo
viabilizar uma compreenso suficientemente abrangente de um processo de organizao
potencialmente completo. Em funo de caractersticas que sero analisadas ao longo do
trabalho, possvel considerar os sistemas da garantia da qualidade de empresas
certificadas ISO9000 ou QS9000 estruturas organizacionais suficientemente completas
para servir de base para um estudo de caso com o foco deste trabalho. Alm disso, a
transparncia destes sistemas favorece o trabalho do pesquisador.
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Estrutura organizacional como sistema
Neste estudo ir predominar a viso de estrutura organizacional como sistema.
Uma parte significativa da base terica desta viso pode ser encontrada nos trabalhos de
BERTALANFFY (1998), BEER (1979), FORRESTER (1999 (a), 1999 (b)). As
abordagens destes autores abriram caminhos de pesquisa que, conjugados com o avano
no entendimento dos sistemas dinmicos no-lineares em outros campos do conhecimento,
permitem explorar novas maneiras de entender as organizaes. O que se pretende neste
trabalho explorar as possibilidades de melhorar o desempenho da organizao, atuando
sobre a estrutura organizacional, com base em conceitos e idias de um corpo terico
desenvolvido recentemente e que se considerou inovador para esta tarefa. Este corpo
terico vem sendo chamado de Teoria da Complexidade. A escolha deste quadro
conceitual novo emerge do desejo de se procurar por uma explicao mais coerente da
experincia atual de administrar uma organizao.
A grande inovao da viso da Complexidade conseguir explicar como sistemas
de comportamento complexo, criativo, imprevisvel e adaptativo podem surgir da interao
de agentes que atuam segundo regras relativamente simples e estveis. Um dos desafios
que este trabalho se coloca o de examinar a bibliografia que pode tornar possvel a
migrao, para o estudo das organizaes, de conceitos que, atualmente, se encontram
consolidados para aplicao em outras reas, como a matemtica, fsica, qumica e
biologia. No , porm, uma novidade o "emprstimo" de conceitos de outras reas da
cincia para o tratamento de problemas da administrao. A evoluo da teoria
administrativa traz vrios exemplos deste fato (MORGAN, 1998).
J existem algumas tentativas de se utilizar os conceitos da complexidade para o
estudo das organizaes (STACEY, 1991, 1996, 2000 e 2001; AXLELROD, 1984;
PRIESMEYER, 1992, AXELROD e COHEN, 1999; WHEATLEY e KELLNER-
ROGERS, 1995; WOOD, 2000; MOLLONA, 2000; PASCALE, MILLEMANN e
GIOJA, 2000). Ainda so, porm, escassas se colocadas no contexto da produo
bibliogrfica sobre organizaes. Este trabalho, alm de tentar contribuir para esta
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discusso, pretende verificar o que estes conceitos produzem quando confrontados com
uma realidade empresarial brasileira especfica.
Trabalhos voltados para a aplicao dos conceitos da Complexidade nas cincias
sociais (KIEL e ELLIOTT, 1997; KOHLER e GUMERMAN, 2000; MATHEWS,
WHITE e LONG, 1999; HOUSTON, 1999), inclusive na economia (GOODWIN, 1992;
COLANDER, 2000 (a) e 2000(b); GLEISER, 2002), finanas (MANDELBROT, 1997;
MANTEGNA e STANLEY, 2000), psicologia (BLACKERBY, 1998) e simulaes de
organizaes e sociedades (GAYLORD e D'ANDRIA, 1998; GILBERT e TROITZSCH,
1999; PRIETULA, CARLEY e GASSER, 1998; AXLEROD, 1997), tambm so de
grande valia para apoiar a migrao destas idias para o estudo das organizaes. Como
se pode perceber pela bibliografia, a produo recente. O SANTA FE INSTITUTE
(EUA) tambm uma importante fonte de referncias e artigos relacionados.
importante ressaltar que apesar do ainda limitado desenvolvimento dos
conceitos da Teoria da Complexidade de forma direcionada para a administrao, h uma
profunda relao desta abordagem com a teoria de sistemas, dinmica de sistemas e a
ciberntica. Autores que se dedicaram a estas reas, como Bertalanffy, Forrester, Wiener
e Beer, j tinham identificado a natureza no-linear, recursiva e de mtua causalidade dos
sistemas que envolvem a organizao e sua gesto e sabiam que havia uma nova lgica
para ser descoberta. O conhecimento que faltava poca foi construdo posteriormente
por pesquisadores de diversas reas graas tambm ao desenvolvimento das condies
tcnicas necessrias, em especial de processamento de dados. A ligao da complexidade
com a administrao, se construda sobre a base da teoria de sistemas, dinmica de
sistemas e da ciberntica, tem um quadro conceitual robusto para se apoiar. Parte deste
trabalho dedicado, portanto, amarrao da Complexidade com estas teorias e
ferramentas de anlise.
Comportamento dos agentes do sistema
As organizaes, sob o ponto de vista da Complexidade, so um fenmeno que
emerge da ao e interao dos agentes, isto , das pessoas que as formam. Pessoas,
porm, so agentes que no tm comportamento homogneo e que, alm disso, agem sob
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a influncia do prprio ambiente que esto criando. Esta situao de mtua causalidade -
agentes sobre o sistema e o sistema sobre os agentes - provoca fenmenos caractersticos
que esto no centro do foco da Complexidade.
Neste contexto, este trabalho procura, portanto, formas de explicar o
comportamento destes agentes dentro do ambiente organizacional. A resposta parece estar
nas abordagens da Economia das Instituies (ou de Empresas) e na Anlise de Deciso.
Os autores ligados Economia das Instituies (COASE, 1937; HAYEK, 1945;
SIMON, 1961, 1997, 2000; MILGROM e ROBERTS, 1992) vem as instituies como
um fenmeno social que emerge do inter-relacionamento dos agentes, exatamente como foi
dito acima. Atravs das idias e teorias dos autores que se dedicaram a entender o
comportamento humano no contexto dos negcios e da vida econmica (MARCH, 1988;
CYERT e MARCH, 1992; PLOUS, 1993, BECKER, 1990 e 1993; CLEMEN, 1996)
foram criados modelos que prevem agentes que decidem e atuam dentro dos sistemas
organizacionais seguindo determinadas regras bsicas. importante frisar, porm, que a
abordagem da Complexidade exige uma interpretao especfica destes modelos. Esta
interpretao vai na prpria direo que indicou um dos principais autores destas
abordagens:
"...apesar de ser correto dizer que o comportamento organizacional est orientado
na direo do objetivo organizacional, esta no toda a histria; pois o prprio objetivo
organizacional muda em resposta influncia daqueles para quem o atingimento daquele
objetivo garante valores pessoais" (SIMON, 1997)
O fenmeno a que se refere o autor estudado pela Complexidade sob o nome de
"emergence": o objetivo organizacional, assim como o comportamento organizacional e o
comportamento dos agentes, emergem do processo de interao dos agentes entre si e
com a organizao. No seriam frutos de um "human design" (FERGUSON, 1767)
definido a priori.
Alm disso, como se ver adiante, este fenmeno, ocorrendo dentro de limites
impostos pelo ambiente e pela condio cognitiva humana (STACEY, 2000;
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MATURANA e VARELA, 1995), pode desembocar no processo de auto-organizao e
evoluo descrito tambm pela Teoria da Complexidade.
Mas, com todo este instrumental terico disponvel, qual o motivo da demora em
se explorar as possibilidades oferecidas pela abordagem da complexidade na
administrao? interessante observar que as tentativas de utilizao dos avanos de
diferentes reas da cincia na administrao de empresas ocorrem com uma certa
defasagem. Pode-se imaginar diversos motivos: o tempo naturalmente necessrio para a
comprovao, a consolidao e a divulgao de novas teorias; as dificuldades de
entendimento dos administradores de conceitos novos ligados a reas no dominadas por
eles e a prpria necessidade de se verificar a existncia de paralelos, na atividade
administrativa, com os fenmenos estudados e explicados por estas novas descobertas. A
resistncia daqueles comprometidos com modelos consolidados tambm deve ser
considerada. Enfim, trata-se das dificuldades naturais para a adoo de um novo
paradigma (KUHN, 1998).
Porm, medida que as abordagens anteriores comeam a se mostrar insuficientes
para enfrentar a realidade, natural e necessrio que se procurem alternativas ou
aperfeioamentos no conjunto de conhecimentos e tcnicas em uso. Espera-se, ao fim
deste trabalho, ter contribudo para a avaliao do potencial da Teoria da Complexidade
para atender esta necessidade.
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1.2 PERGUNTA DA PESQUISA
A pergunta da pesquisa pode ser assim colocada:
Como determinadas caractersticas de sistemas organizacionais dinmicos
no-lineares, consideradas desejveis pela Teoria da Complexidade, se
relacionam com a eficcia destas organizaes?
Para a realizao desta pesquisa, foram escolhidos os Sistemas de Gesto da
Qualidade que, em funo de suas caractersticas, favorecem o estudo de determinados
aspectos dos sistemas organizacionais.
Para responder pergunta acima, necessrio responder tambm outras questes
que podemos chamar de intermedirias:
??Quais so as caractersticas dos sistemas dinmicos consideradas eficazes pela
Teoria da Complexidade?
??De que forma medir a eficcia dos Sistemas de Gesto da Qualidade?
??Como controlar a possvel influncia de fatores ambientais nos resultados desta
pesquisa?
Por sua vez, para responder a estas questes intermedirias necessrio incluir
nos objetivos da pesquisa a construo de uma estrutura terica que apie a incorporao
dos conceitos da Complexidade teoria e pratica administrativa, em especial quela
relacionada com o processo organizacional. Esta tarefa prvia descrita com mais detalhes
na seo seguinte.
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1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA
Esta pesquisa tem por objetivo entender como determinadas caractersticas de
sistemas organizacionais dinmicos no-lineares consideradas desejveis pela Teoria da
Complexidade, se relacionam com a eficcia das organizaes que as possuem e
desenvolvem.
importante ressaltar que a principal dificuldade a ser superada a construo de
uma argumentao coerente, suportada pela bibliografia, sobre as possibilidades e
condies para a aplicao destas novas idias no mundo econmico e empresarial. A
definio das variveis para a pesquisa de campo depende de um trabalho prvio neste
sentido.
Em funo deste contexto, portanto, que parte significativa deste trabalho
dedicada a desenvolver uma reviso bibliogrfica, sobre todo o referencial terico
utilizado, suficiente para construir uma ligao dos conceitos da Teoria da Complexidade
com a estrutura e com a dinmica das organizaes. uma tarefa extensa e importante
pois muitos dos conceitos que sero discutidos, por sua origem nas cincias naturais,
podem representar um desafio intelectual significativo para o administrador. Apesar de
consolidada em diversas reas da cincia, a Complexidade ainda foi pouco explorada nas
cincias sociais. O que se observa que Complexidade e Caos representam os mais
recentes esforos dos cientistas sociais para incorporar teorias e mtodos originrios das
cincias naturais (ELLIOTT e KIEL, 1997). Por este motivo, a reviso bibliogrfica ser
uma atividade que dever ir alm da simples relao de autores e idias. Ser necessrio
oferecer uma interpretao sob a tica das cincias sociais, em especial da administrao,
explorando a ainda escassa produo cientfica nesta rea.
A figura 1 abaixo procura descrever os elementos bsicos da estrutura terica a
ser construda neste processo de reviso bibliogrfica, interpretao e incorporao dos
conceitos da Complexidade na teoria e prtica administrativa para sua posterior
confrontao com a realidade dos sistemas de garantia da qualidade.
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Est
rutu
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Figura 1 - Elementos bsicos da estrutura terica
Na seo seguinte h um resumo da bibliografia organizada de acordo com os
elementos descritos na figura acima. O objetivo esclarecer o significado de cada
elemento da estrutura atravs do referencial terico e dos principais autores citados.
Feito isto, o objetivo seguinte a realizao de uma pesquisa de campo. Os focos
da pesquisa sero os Sistemas da Gesto da Qualidade de empresas mdias, certificadas
ISO 9000 e QS 9000, do setor industrial mecnico, no Estado de So Paulo. A
metodologia bsica ser o estudo de mltiplos casos.
Este trabalho, se bem sucedido, contribuir para o exame de uma nova alternativa
para se estudar os sistemas organizacionais. Poder, tambm, sugerir aos pesquisadores
Casos: Sistemas de Gesto da Qualidade
Mundo Econmico- Empresarial
Cincias Naturais Teoria da Complexidade
Con
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de administrao inmeras possibilidades de trabalho, inclusive de crtica aos resultados
desta pesquisa.
2. REVISO DA BIBLIOGRAFIA
2.1 VISO GERAL
2.1.1 PORQUE ESTUDAR A TEORIA DA COMPLEXIDADE DIRECIONADA
S ORGANIZAES
As diversas reas da cincia avanam, em muitos casos, procurando novos
insights em outras reas do conhecimento. Os exemplos deste processo so inmeros. No
campo da administrao, podemos citar as diversas metforas baseadas em imagens de
processos estudados por outras cincias que influenciaram o desenvolvimento das teorias
de organizao: organizao como mquina, como organismo vivo, como crebro, como
cultura, etc. (MORGAN, 1998).
Nas cincias naturais um novo paradigma esteve se consolidando ao longo do
sculo XX. Em 1925, Heisenberg, seguido por Schrdinger, Dirac, Feynman e outros,
elaborou a primeira verso da teoria quntica (HERBERT, 1985). Desde ento a Teoria
Quntica evoluiu e se consolidou como a principal e melhor interpretao da realidade
fsica. Como conseqncia, a viso de que no existe realidade independente do
observador tem impregnado toda a filosofia da cincia desde ento. Esta viso de mundo
tem profundas implicaes filosficas e conseqentemente tem o potencial de influenciar
todas as cincias, inclusive as cincias sociais.
Mesmo assim, antes da Teoria da Complexidade, havia um problema na relao
de mtua causalidade entre observador e coisa observada que intrigava os cientistas. Alis,
a mtua causalidade, presente em diversos experimentos sempre provocou dificuldades:
Sempre me aborrece o fato de que, de acordo com as leis tal como as
entendemos hoje, seja necessrio um nmero infinito de operaes lgicas de uma mquina
computadora para verificar o que acontece numa regio do espao, por menor que seja, e
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por uma regio de tempo, por menor que seja. Como possvel que tudo aquilo esteja
ocorrendo nesse pequeno espao? Porque seria necessrio um volume infinito de lgica
para determinar o que um pequeno fragmento de espao/tempo vai fazer? (FEYNMAN,
1967).
Este tipo de dificuldade no exclusividade da fsica. A administrao, procura,
com freqncia, nos diversos campos da cincia, algumas respostas para problemas da
mesma natureza. Desde seus primrdios, a administrao tomou emprestadas idias,
tcnicas e conceitos das cincias naturais e sociais para construir suas solues. A natureza
multidisciplinar da administrao de empresas talvez causa e conseqncia deste fato.
A cincia da Complexidade envolve um conjunto de conceitos que teve sua origem
nas chamadas hard sciences. A utilizao de seus conceitos em outros campos da cincia
j comeou como se pode observar acompanhando a literatura recente a respeito. Como
um historiador de cincia escreveu:
O Caos [outro nome popular para a Teoria da Complexidade] rompe as
fronteiras que separam as disciplinas cientficas. Por ser uma cincia da natureza global dos
sistemas, reuniu pensadores de campos que estavam muito separados (GLEICK, 1989).
A referncia inicial abordagem sistmica (1.1) teve dupla inteno. Em primeiro
lugar, o trabalho dos pesquisadores neste campo um exemplo claro de contribuio de
diversas reas da cincia para a teoria administrativa, em especial para o estudo da
organizao que refora, portanto, a possibilidade de se buscar abordagens inovadoras, e
viveis, em reas aparentemente estranhas administrao (BERTALANFFY, 1998).
Alm disso, graas ao conceito de feedback desenvolvido pela Ciberntica (WIENER,
1967, ESPEJO e SCHWANINGER, 1993), o uso da teoria de sistemas para o
entendimento da organizao foi ampliado na direo dos sistemas dinmicos no-lineares.
Boa parte dos eventos criados e vividos pelas organizaes envolve processos
no-lineares (FORRESTER, 1999 (b)). Os mecanismos de feedback presentes no
conseguem, nestes casos, manter estveis as relaes entre as variveis envolvidas. Esta
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11
no-linearidade fruto de ciclos de mtua causalidade, ou melhor, ciclos nos quais
"variveis mutuamente dependentes" interagem (BERTALANFFY, 1998). As regras das
relaes entre as variveis mudam em funo das mudanas nas prprias variveis, em
especial quando estas se aproximam de seus limites:
"Nossos sistemas sociais so altamente no-lineares e na maior parte do tempo
esto operando contra limitaes de superemprego, desemprego politicamente inaceitvel,
restries de moeda, presses para superar inflao ou recesso, ou inadequao de bens
de capital. Parece que tais no-linearidades, acopladas com as tendncias instveis
causadas por amplificaes e retardos de tempo, criam os modos de comportamento
caractersticos que ns vemos nos sistemas econmicos de livre-empresa."
(FORRESTER, 1999 (a))
Desta forma, a teoria de sistemas e a ciberntica avanaram na mesma direo da
Complexidade. Esta evoluo foi estimulada pela constatao de que sistemas
perfeitamente lineares, isto , no sujeitos aos efeitos da mtua causalidade sobre os
mecanismos de feedback, so raros na natureza e nos sistemas humanos. Entretanto, como
os sistemas naturais e humanos em geral conseguem manter uma certa estabilidade,
concluiu-se pela possibilidade ou necessidade da existncia de uma lgica subjacente
ou imanente aos sistemas dinmicos no-lineares (BERTALANFFY, 1998).
Estas concluses datam da dcada de 60: a confirmao de que estavam
basicamente corretas viria alguns anos depois. A explicao dos fenmenos relatados
tambm.
2.1.2 COMO ESTUDAR A TEORIA DA COMPLEXIDADE DIRECIONADA
S ORGANIZAES
Para elaborar uma reviso bibliogrfica que integre teorias e conceitos de reas to
diversas, recomendvel definir o relacionamento entre os elementos bsicos da estrutura
terica que servir de guia para esta reviso bibliogrfica (figura 2). Alm disso, foi includa
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12
uma tabela relacionando o referencial terico com a bibliografia principal utilizada (tabela
1). Espera-se, assim, deixar clara a origem deste referencial, seu relacionamento - entre os
referenciais e com o objetivo do trabalho - e o seu grau de consolidao acadmica.
Figura 2 - Relacionamento entre os elementos bsicos da estrutura terica.
A figura 2 tem por finalidade explicitar o relacionamento entre as teorias. Procura-
se mostrar tambm, a linha de raciocnio que guiou a reviso bibliogrfica. Em primeiro
lugar, a Teoria de Sistemas o elo comum entre todos os componentes da estrutura
terica diretamente ligados a ela. Em segundo lugar, a Teoria da Complexidade influencia e
impe ajustes em todos os componentes da estrutura terica ligados a ela chegando,
Teoria da Complexidade
Hard Sciences
Teoria de Sistemas, Ciberntica, Dinmica de
Sistemas
Economia de Empresas e
Anlise de Deciso
Influncia / Ajuste
Fundamentos Tericos
Teorias, Conceitos, Mtodos e Tcnicas da Administrao direcionadas para as Organizaes
Metodologia de Pesquisa
Estudo de Casos: Sistemas de Garantia
da Qualidade
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13
atravs deles, a influenciar o conjunto de teorias, conceitos, mtodos e tcnicas da
administrao. Estas influncias e ajustes podem ser descritos sucintamente com segue.
A Teoria da Complexidade deriva diretamente das cincias naturais alm de ter
utilizado diversos fundamentos da Teoria de Sistemas para ser construda. Ao mesmo
tempo, a Complexidade influencia Teoria de Sistemas oferecendo possibilidades de
evoluo antes inexistentes.
A Economia de Empresas e a Anlise de Deciso embutem uma viso da empresa
e das pessoas como sistema e agentes, respectivamente. A influncia da Complexidade
nestas disciplinas ainda restrita mas diversos conceitos da Complexidade esto
embutidos em suas anlises e concluses.
A relao das teorias, conceitos, mtodos e tcnicas da administrao com a
Teoria de Sistemas e com a Economia de Empresas e Analise de Deciso evidente e
disseminada na literatura de administrao.
Segue, finalmente, que a metodologia de pesquisa deve ser adequada ao
referencial terico utilizado e tem uma relao de influncia mtua com os estudos de caso
utilizados.
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Referencial Terico Bibliografia Principal Complexidade:
1. Dependncia Sensitiva s Condies Iniciais
2. Caos 3. Atratores estranhos 4. Padres fractais 5. Estabilidade dinmica 6. Eficincia e Eficcia 7. Complexidade um fenmeno
emergente
ALLIGOOD, Kathleen, SAUER, Tim, YORKE, James A. Chaos - an introduction to dynamical systems. New York: Springer-Verlag, 1996. BUCHANAN, Mark. O padro invisvel. Folha de So Paulo, So Paulo: 28 de janeiro de 2001 CAPRA, Fritjof. The web of life: a new scientific understanding of living systems. New York: Anchor, 1997. FIEDLER-FERRARA, Nelson, PRADO, Carmen P. Cintra. Caos: uma introduo. So Paulo: Edgard Blcher, 1995. GELL-MANN, Murray. O quark e o Jaguar: aventuras no simples e no complexo. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. GLEICK, James. Caos, a criao de uma nova cincia. 9 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999. KAUFFMAN, Stuart. At Home in the Universe. Londres: Penguin, 1996. MATURANA, Humberto, VARELA, Francisco. A rvore do Conhecimento. Campinas: Psy, 1995 MERRY, Ury. Coping with uncertainty. Londres: Praeger, 1995. PRIGOGINE, Ilya, STENGERS, Isabelle. Order out of Chaos. Bantam, 1984. PENROSE, Roger. The emperor's new mind: concerning computers, minds, and the laws of physics. Oxford: Oxford Univ. Press, 1989
Teoria de Sistemas, Ciberntica e Dinmica de Sistemas:
1. Organizao como Sistema 2. Ciberntica, Auto-Regulao 3. System Dynamics 4. No-Linearidade
KHALIL, Hassan K. Nonlinear systems. Upper Saddle River, New Jersey, EUA: Prentice-Hall, 1996 LUENBERGER, David G. Introduction to dynamic systems. New York: John Wiley, 1979. BERTALANFFY, Ludwig von. General System Theory. New York: George Braziller, 1998. WIENER, Norbert. Cybernetics: or control and communication in the animal and the machine. 2 ed. Cambridge, MA: MIT Press, 1967. BEER, Stafford. The Heart of Enterprise. New York: Willey, 1979 FORRESTER, Jay W. Industrial dynamics. Waltham, MA, EUA: Pegasus Com., 1999 (a). FORRESTER, Jay W. Principles of systems. Waltham, MA, EUA: Pegasus Com., 1999 (b).
Quadro 1 - Bibliografia bsica do referencial terico
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15
Referencial Terico Bibliografia Principal Economia de Empresas & Anlise de Deciso:
1. Organizao como fenmeno social.
2. Racionalidade Limitada 3. Organizaes como fenmeno
emergente 4. Organizational slack 5. Satisficing 6. Processo de deciso dos
agentes 7. Dinmica das Regras
BECKER, Garry S. The economic approach to human behavior. Chicago: The Univ. of Chicago Press, 1990. COASE, Ronald. The Nature of The Firm. Economica, 1937. CYERT, Richard M., MARCH, James G. A behavioral theory of the firm. 2 ed. Cambridge: Blackwell Publishers, 1992. HAYEK, F. A. The use of knowledge in society. EUA: The American Economic Review, volume XXXV, n 4, 1945. MARCH, J. G. Bounded rationality, ambiguity, and the engineering of choice. in BELL, D. E. et al. Decision making - descriptive, normative, and prescriptive interactions. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1988. MILGROM, Paul, ROBERTS, John. Economics, organizations, and management. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 1992. PUTTERMAN, Louis, KROSZNER, Randall S. The Economic Nature of the Firm. 2 ed. Cambridge Univ. Press, 1997. SIMON, Herbert A. Scienza economica e comportamento umano. Torino: Edizioni di Comunit, 2000. SIMON, Herbert A. Administrative behavior: a study of decision-making process in administrative organizations. New York: The Free Press, 1997. SIMON, Herbert A. Models of man, social and rational (2 ed.). EUA: John Wiley, 1961.
Exemplos de Aplicao da Teoria da Complexidade em Cincias Sociais:
1. Psicologia: modelos psicolgicos 2. Macroeconomia: anlise dos
ciclos econmicos. 3. Econophisics: mercados
financeiros no tm comportamento aleatrio, mas sim complexo.
4. Fractais e "Scaling" em finanas: compreenso das variaes dos mercados financeiro com base no conceito de escalabilidade.
5. Anlise da dinmica dos sistemas empresariais: caso Eniricherche.
6. Anlise da dinmica de grupos sociais.
7. Retorno de Aes
BLACKERBY, Rae Fortunato. Application of chaos theory to psychological models. Austin, EUA: Performance Strategies Public., 1998 GOODWIN, Richard M. Chaotic economic dynamics. Oxford, UK: Oxford Univ. Press, 1992. KOHLER, Timothy A., GUMERMAN, George J. Dynamics in human and primate societies: agent-based modeling of social and spatial processes. Santa Fe Institute studies in the sciences of complexity. New York: Oxford Univ. Press, 2000. MANTEGNA, Rosario N., STANLEY H. E. An introduction to econophisics: correlations and complexity in finance. Cambridge, UK: Cambridge Univ. Press, 2000. MANDELBROT, Benoit B. Fractals and scaling in finance: discontinuity, concentration, risk . New York: Springer-Verlag, 1997. MOLLONA, Edoardo. Analisi dinamica dei sistemi aziendali. Milano, IT: EGEA-Univ. Bocconi, 2000. SCHEINKMAN, Jos A., LEBARON, Blake. Non linear Dynamics and Stock Returns. The Journal of Business, vol. 62, N 3. Chicago: Univ. of Chicago Press, julho de 1989
Quadro 1 - Bibliografia bsica do referencial terico
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Referencial Terico Bibliografia Principal Complexidade e Administrao:
1. Integrao x Desintegrao (ver tambm diviso x coordenao).
2. Forma de compreender, mas no prever.
3. Redundncia para sobrevi ver. 4. "Loose coupling" (ver tambm
"organizational slack"). 5. Agentes no so idnticos. 6. Indivduos e grupos so diferentes
aspectos do mesmo fenmeno. 7. Administradores so equalizados
aos agentes do sistema.
AXELROD, Robert e COHEN, Michael. Harnessing Complexity: organizational implications of a scientific frontier. New York: The Free Press, 1999. MOLLONA, Edoardo. Analisi dinamica dei sistemi aziendali. Milano, IT: EGEA-Univ. Bocconi, 2000. STACEY, Ralph D. The Chaos Frontier: creative strategic control for business. Oxford: Butterworth-Heinemann, 1991. STACEY, Ralph D. Complexity and Creativity in Organizations. San Francisco: Berret-Koehler, 1996. STACEY, Ralph D. Strategic management and organizational dynamics: the challenge of complexity. 3 ed. Harlow, Essex, Inglaterra: Pearson Education, 2000. STACEY, Ralph D. Complex responsive processes in organizations: learning and knowledge creation. New York: Routledge, 2001 WHEATLEY, Margaret J., KELLNER-ROGERS, Myron. A Simpler Way. San Francisco: Berret-Koehler, 1996
Quadro 1 - Bibliografia bsica do referencial terico
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17
2.2 TEORIA DA COMPLEXIDADE
Antes de se prosseguir, conveniente analisar com mais cuidado o sentido
das palavras complexidade e caos. O significado literal da palavra complexidade "que
abrange ou encerra muitos elementos ou partes" ou grupo ou conjunto de coisas, fatos ou
circunstncias que tm qualquer ligao ou nexo entre si". Caos, por sua vez, seria o vazio
obscuro e ilimitado que precede e propicia a gerao do mundo; abismo" ou "grande
confuso ou desordem" (AURLIO, 2000). Neste trabalho, porm, complexidade e caos
so utilizados com um significado mais amplo. O prprio dicionrio consultado j traz uma
referncia a este significado mais amplo para caos, mesmo que citado como restrito
fsica: "comportamento praticamente imprevisvel exibido em sistemas regidos por leis
deterministas, e que se deve ao fato de as equaes no-lineares que regem a evoluo
desses sistemas serem extremamente sensveis a variaes, em suas condies iniciais;
assim, uma pequena alterao no valor de um parmetro pode gerar grandes mudanas no
estado do sistema, medida que este tem uma evoluo temporal" (AURLIO, 2000).
provavelmente por esta forte ligao com a fsica que parte da bibliografia deste estudo
(FIEDLER-FERRARA e PRADO, 1995, ALLIGOOD, SAUER e YORKE, 1996,
WRESZINSKI, 1997, NUSSE e YORKE, 1997) faz parte das referncias do curso
"Caos em sistemas dissipativos" (2000) do CPG do Instituto de Fsica da USP. Na
realidade, porm, Caos e Complexidade j so disciplinas consolidadas tambm em
diversas outras reas como se ver nas sees seguintes.
Determinadas manifestaes da natureza, da economia e da sociedade foram
exploradas nos ltimos 30 anos para se tentar entender sua essncia diante das
dificuldades encontradas, nesta tarefa, pela abordagem tradicional de causa-efeito. As
dificuldades eram atribudas impossibilidade de se isolar os experimentos de rudos
externos ao sistema e que distorciam os resultados. Entretanto, descobriu-se que, em
determinados sistemas dinmicos, a incerteza e caos so gerados internamente, pelo
prprio sistema, devido sua no-linearidade, e no exclusivamente por fatores externos.
Alm disso, descobriu-se que a complexidade e o caos podem surgir de regras
relativamente simples aplicadas continuamente de forma recursiva. Assim, a resposta para
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18
muitos problemas no est mais na busca de mais informaes para tentar encontrar uma
relao de causa-efeito que permita fazer previses e controlar os sistemas. A soluo est
em entender qual(is) a(s) regra(s) bsica(s) que rege(m) o comportamento do sistema, que
tipo de feedback existe, de que forma este feedback atua no sistema e o tipo e durao
dos ciclos de retro-alimentao. Comprovou-se que, em determinadas condies, muito
comuns na natureza, o determinismo clssico no se sustenta, pois impossvel determinar
relaes de causa-efeito aps um certo nmero de ciclos do sistema (ALLIGOOD,
SAUER e YORKE, 1996).
A motivao para explorar esta nova abordagem surgiu exatamente da frustrao
com outras abordagens preditivas ou normativas que, com freqncia, falham. A razo
destas falhas normalmente atribuda s restries de informao sobre o sistema, em
especial a respeito das influncias externas que ocorrem em um universo muito vasto. O
que a Complexidade prope uma nova viso a este respeito que pode alterar as
prioridades daqueles interessados em melhorar o desempenho das organizaes.
A teoria de sistemas mostrou que a noo newtoniana de causa-efeito no era
adequada para tarefa de entender a mudana nas organizaes (EVERED, 1980). O
problema foi no ter proposto, poca, uma outra noo para substitu-la. Esta
substituio, entretanto, aconteceu posteriormente em quase todas as reas da cincia. A
Teoria da Complexidade trouxe como soluo um novo determinismo, o caos
determinstico:
"O caos determinstico essencialmente devido dependncia sensitiva s
condies iniciais. Esta dependncia, quando existe, resulta das no-linearidades
presentes no sistema, as quais amplificam exponencialmente pequenas diferenas nas
condies iniciais. Assim sendo, leis de evoluo determinsticas podem levar a
comportamentos caticos, inclusive na ausncia de rudo ou flutuaes externas" [grifos
dos autores]. (FIEDLER-FERRARA e PRADO, 1994)
As implicaes deste novo determinismo so extensas. Como j foi dito, mesmo
reas da cincia que pareciam consolidadas, como a mecnica clssica, foram afetadas.
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19
Vises de que a complexidade dos sistemas devida exclusivamente grande quantidade
de causas e de variveis interdependentes caram por terra. Mesmo modelos simples de
sistemas, se no-lineares, podem apresentar um comportamento extremamente complexo e
catico. Exemplos so abundantes na matemtica (NUSSE e YORKE, 1997; GELL-
MANN, 1996), fsica/qumica (FIEDLER-FERRARA, 1995), biologia e conscincia
(MATURANA e VARELA, 1995), ecologia e meteorologia (GLEICK, 1999).
importante ressaltar que o foco deste estudo ser um tipo especfico de sistema
dinmico no-linear que potencialmente possui caractersticas similares s das
organizaes. A primeira caracterstica especfica a adaptabilidade, isto , a capacidade
de aprender com a experincia e alterar seu comportamento com base nesta experincia.
A segunda caracterstica especfica que seja um sistema aberto, mais especificamente,
uma estrutura dissipativa, isto , que absorve e dissipa energia e matria do ambiente
(PRIGOGINE e STEGERS, 1984). Estas duas caractersticas so necessrias para que o
sistema possa ser autnomo e para que potencialmente possa se desenvolver de acordo
com os conceitos aqui abordados.
A partir deste ponto, o termo sistema dinmico no-linear, quando no
especificado de forma diferente, deve ser entendido como a descrio acima, isto ,
sistema estruturalmente dissipativo, dinmico, no-linear e adaptativo.
Com o intuito de esclarecer estes conceitos, foi desenvolvida uma simulao
simples de um sistema dinmico no-linear baseada em um desafio enfrentado
freqentemente pelos administradores. Devido necessidade de simplificao, o modelo
no chega a desenvolver todas as caractersticas que se pretende explorar - por exemplo,
aprendizagem e evoluo - mas servir como exemplo para melhor ilustrar certos
conceitos pouco intuitivos.
2.2.1 SIMULANDO UM SISTEMA DINMICO NO-LINEAR
Um exemplo rotineiro de variveis mutuamente dependentes interagindo de forma
no-linear na vida de uma organizao o relacionamento entre:
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20
a) participao dos funcionrios nos lucros;
b) produtividade
c) lucros.
Como muitos administradores j puderam comprovar, o que parece, primeira
vista, um sistema simples e infalvel de comprometimento dos funcionrios, enfrenta,
freqentemente, dificuldades de implementao.
O sistema aparenta ser realmente simples: medida que o resultados crescem,
cresce tambm o volume de recursos distribudo aos funcionrios (figura 3). Em uma
condio de feedback linear, ignorando-se o efeito de fatores externos, esta situao
levaria a um crescimento contnuo dos lucros: mais lucros levam a uma maior motivao
que por sua vez leva a mais lucros e assim por diante, at um eventual limite tcnico.
Figura 3 - Diagrama de Causa Efeito (DCE) de um sistema de participao nos lucros.
Infelizmente, esta relao, por se tratar de uma relao de mtua causalidade, no
linear. Mais de um fator, inclusive, poderia ser responsabilizado por esta no-linearidade.
Neste ponto da discusso, porm, o objetivo entender da forma mais clara possvel a
no-linearidade presente. Definindo um dos fatores e montando um modelo simples,
possvel enxergar toda a complexidade envolvida. Antes, porm, cabe discutir a situao
de acordo com o quadro conceitual de uma das disciplinas mais utilizadas pelo
administrador para avaliar eficincia e desempenho: a microeconomia.
Produtividade
Lucros
Percentual a ser Distribudo
Valor dos Lucros Distribudos
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21
No exemplo citado acima, aparentemente, est em ao a Lei dos Rendimentos
Decrescentes: medida que o uso de um fator de produo - input - aumenta (com os
outros inputs constantes), ser eventualmente alcanado um ponto no qual os resultantes
aumentos de produo - outputs - diminuem (PINDYCK E RUBINFELD, 1998). Se
considerarmos o input como sendo a dedicao dos funcionrios, se chegar a um ponto
em que, medida que crescem os resultados, cresce tambm o esforo para alcan-los.
Quanto maior o resultado obtido - e conseqentemente maior a distribuio de lucros -
mais difcil o avano seguinte, a partir de um certo ponto. Pode-se prever que, em um
determinado ponto, o esforo por resultados elevado demais se comparado com a
retribuio. Assim, o esforo do grupo se estabiliza em um patamar de equilbrio, onde se
encontram a curva de utilidade do grupo de funcionrios e uma hipottica curva de
lucros/dedicao da firma. A soluo do problema aparentemente simples.
Considerando-se, porm, que existe uma mtua causalidade entre dedicao do
pessoal e lucros, o problema assume outra dimenso. Uma equao de diferena logstica
uma das formas mais simples para incluir esta mtua causalidade em uma nica equao
incluindo o fator tempo:
Lt = a b Lt-1 (Lm - Lt-1)
Na equao acima, (Lt) representa o lucro no perodo (t), (Lm) representa o lucro
mximo possvel do negcio. (a) representa relao entre lucro do perodo (t 1) e o lucro
distribudo no perodo (t), ou seja, representa o efeito da distribuio de lucros sobre a
motivao das pessoas e sua conseqente influncia sobre o resultado do perodo seguinte.
(b) representa o percentual do lucro a ser distribudo entre os empregados.
Esta equao tem a importante qualidade de representar a no-linearidade causada
pela mtua causalidade contida na relao entre lucro distribudo e produtividade. A no-
linearidade fica caracterizada pelo efeito do crescimento do lucro na frmula: sempre que
(Lt-1) cresce impacta positivamente (Lt) graas ao efeito da multiplicao por (a) e (b);
por outro lado impacta negativamente em (Lm - Lt-1). A mtua causalidade ocorre pela
aplicao sucessiva da equao utilizando os resultados anteriores para realimenta-la: o
-
22
lucro distribudo do ms anterior (a Lt-1) influencia o valor do lucro do ms atual que por
sua vez influencia o valor distribudo no ms seguinte e assim sucessivamente. Este
processo de realimentao tambm pode ser chamado de recursividade.
A equao tem claramente limitaes. Pode-se argumentar, por exemplo, que (a)
no constante para valores diferentes de lucro distribudo. Teria-se, neste caso, mais uma
no-linearidade. Poderia-se incluir, tambm, outras variveis que provavelmente
influenciam o resultado. A inteno, porm, demonstrar que, mesmo uma nica situao
de mtua causalidade pode criar uma situao de incerteza, independente de outros
fatores.
relativamente simples verificar para, por exemplo, uma srie de 24 perodos
(meses, trimestres, anos) qual o comportamento dos lucros. interessante observar que
para certos valores de (a) e (b) temos comportamentos completamente diferentes que para
outros. Mesmo variando somente o valor de (b) nos deparamos com resultados
surpreendentes. A tabela 1 uma simulao da aplicao deste algoritmo em 24 ciclos
para alguns valores de (b).
-
23
Tabela 1 - Simulao de 24 ciclos do sistema de participao nos lucros
Como se pode observar, as seqncias de valores de lucro apresentam um
comportamento ciclo a ciclo muito diferente. Algumas evoluem rapidamente na direo de
uma estabilidade em um valor nico. Outras tambm evoluem nesta direo, mas
lentamente. H colunas que parecem se estabilizar em torno de dois valores que se
alternam. H tambm lucros que tm um comportamento aparentemente imprevisvel,
alguns ficando dentro de certos limites, outros que parecem explorar todas a Equipamentos
S.A. possvel de alternativas disponveis. Finalmente, acima de um certo percentual de
participao os lucros crescem explosivamente para depois se estabilizarem em zero. Alm
disso, em determinados intervalos, pequenas alteraes nos parmetro (a) e (b) podem
provocar grandes diferenas de resultado de forma imprevisvel. Este comportamento das
equaes no-lineares em funo de determinados parmetros, considerado antes uma
curiosidade matemtica, tem sido compreendido e explicado pela Complexidade.
(Lt)= ? Lucro (.000 Reais) Tabela 1(a)= 20 Proporo entre lucros do perodo e lucros distribudos(b)= ? Percentual do lucro do perodo anterior distribudo
(Lm)= 1,00 Lucro Max. (.000 Reais)(L1)= 0,30 Lucro perodo 1 (.000 Reais)(a) 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20(b) 6% 8% 10% 12% 14% 15% 16% 17% 18% 19% 20% 21%
Perodo1 300 300 300 300 300 300 300 300 300 300 300 3002 252 336 420 504 588 630 672 714 756 798 840 8823 226 357 487 600 678 699 705 694 664 613 538 4374 210 367 500 576 611 631 665 722 803 902 994 10005 199 372 500 586 666 699 713 683 569 336 22 06 191 374 500 582 623 632 655 736 883 848 88 07 186 374 500 584 657 698 723 660 373 489 321 08 181 375 500 583 631 632 641 763 842 950 872 09 178 375 500 583 652 697 737 616 480 182 448 0
10 176 375 500 583 635 633 621 805 899 566 989 011 174 375 500 583 649 697 753 535 328 934 43 012 172 375 500 583 638 634 595 846 794 236 166 013 171 375 500 583 647 696 771 443 589 684 554 014 170 375 500 583 640 634 565 839 871 821 988 015 170 375 500 583 645 696 787 459 404 558 46 016 169 375 500 583 641 635 537 844 867 937 177 017 168 375 500 583 644 695 796 447 416 224 583 018 168 375 500 583 642 635 520 840 875 661 973 019 168 375 500 583 644 695 799 456 394 852 106 020 168 375 500 583 642 636 515 843 860 480 379 021 167 375 500 583 644 695 799 449 434 948 942 022 167 375 500 583 642 636 513 841 884 186 219 023 167 375 500 583 643 694 799 454 369 575 685 024 167 375 500 583 643 637 513 843 838 929 863 0
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24
Este exemplo no pretende esgotar o assunto, mas apenas introduzir as
peculiaridades dos fenmenos explicados pela Complexidade. O efeito contido na
equao logstica, utilizada acima, chamado tambm de "crowding" - por derivar da
anlise do efeito do crescimento populacional sobre as condies de reproduo e
sobrevivncia de uma espcie - tambm representa o efeito da disputa por recursos
escassos que caracteriza grande parte da vida das organizaes. Comea a transparecer
neste exemplo que a no-linearidade afeta as organizaes em funo dos limites a que ela
est sujeita: limites de tempo, de capacidade, de recursos, de informao. Reconhecer
estes limites e o entender o comportamento da organizao quando se encontra prxima a
eles uma das contribuies dos conceitos abordados neste trabalho.
importante notar que h livros texto voltados ao estudo de sistemas dinmicos,
inclusive no-lineares, que no abordam os fenmenos descritos pela Complexidade
(LUENBERGER, 1979; KHALIL, 1996). Estes trabalhos se limitam a analisar o
comportamento de sistemas que alcanam um comportamento descrito como de equilbrio,
oscilao peridica ou oscilao quase peridica (KHALIL, 1996). A abordagem de
comportamentos complexos e caticos feita em trabalhos especficos (FIEDLER-
FERRARA e PRADO, 1995, ALLIGOOD, SAUER e YORKE, 1996, WRESZINSKI,
1997, NUSSE e YORKE, 1997). Conceitos como dependncia sensitiva s condies
iniciais, atratores estranhos, caos determinstico e dimenses fractais s so abordados na
literatura desta linha.
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25
2.2.2 ASPECTOS ESSENCIAIS DA COMPLEXIDADE
??Dependncia Sensitiva s Condies Iniciais
Entre os conceitos da Complexidade importantes para o estudo das organizaes,
a convivncia com a incerteza e a compreenso de sua natureza de uma forma inovadora e
racional um dos mais interessantes. A incerteza inerente aos sistemas dinmicos no-
lineares e ela no eliminada, e nem necessariamente diminuda, com um maior controle
sobre os parmetros do sistema. Este comportamento imprevisvel dos sistemas dinmicos
no-lineares tem sua origem na dependncia sensitiva do sistema s suas condies iniciais
(FIEDLER-FERRARA e PRADO, 1994): pequenas variaes - muitas vezes impossveis
de medir - nos parmetros do sistema podem ter conseqncias desproporcionais sobre a
evoluo do sistema.
Nos acostumamos a imaginar relaes de causa-efeito proporcionais: pequenas
causas, pequenos efeitos; grandes causas, grandes efeitos. Quando ocorrem efeitos
desproporcionais, costuma-se atribu-los a fatores externos ao sistema. O que a
Complexidade demonstrou que esta relao desproporcional , na verdade, intrnseca e
causada pela recursividade dos sistemas dinmicos no-lineares. A recursividade a
reaplicao, no sistema, das mesmas regras ao longo do tempo. O mecanismo de
feedback (baseado na mtua causalidade) dos sistemas no-lineares amplifica o efeito de
pequenas alteraes.
importante notar, porm, que estas caractersticas dos sistemas dinmicos no-
lineares so especialmente crticas aps um certo nmero de ciclos. medida que nos
afastamos do incio do sistema, maior a incerteza; tanto no que concerne o conhecimento
de sua histria, como a previso de seu futuro. A cada ciclo, pequenas diferenas iniciais
tm uma influncia cada vez maior no resultado. Em sistemas que se caracterizam por
interaes cada vez mais numerosas e freqentes, a questo dos ciclos adquire uma
dimenso mais crtica.
Alm disso, quando o sistema se aproxima dos seus limites, a relao entre as
variveis se altera sensivelmente, amplificando a incerteza e gerando o comportamento
catico, exposto na prxima seo.
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26
Uma forma para entender a natureza desta incerteza intrnseca explorar o
comportamento de equaes no-lineares como a equao logstica utilizada no exemplo
de participao nos resultados. Publicaes e softwares dedicados matemtica
experimental (DEVANEY, 1990; NUSSE e YORKE, 1997) so caminhos para
aprofundar o conhecimento deste fenmeno.
Uma das principais barreiras para a verificao dos conceitos da Complexidade
para o estudo das organizaes a idia de que a incerteza e a instabilidade tm origem no
grande nmero de variveis que as afetam. Os efeitos da no-linearidade so
constantemente encobertos pelas influncias do ambiente externo na qual est inserida a
organizao. tentador explicar estes efeitos como sendo provocados pela interao com
um ambiente amplo e complicado demais para ser entendido completamente e, portanto,
para ser controlado ou para permitir previses. Uma das principais inovaes da
Complexidade mostrar que a incerteza, o Caos e determinados tipos de estabilidade so
caractersticas intrnsecas dos sistemas dinmicos no-lineares: mesmo que o sistema
estivesse isolado de influncias externas - ou se estas influncias fossem completamente
previsveis e controlveis - os efeitos da no-linearidade se manifestariam.
??Caos
Como j foi comentado, Caos, na viso da Complexidade, se refere ao
comportamento de sistemas dinmicos resultante da dependncia sensitiva s condies
iniciais (FIEDLER-FERRARA e PRADO, 1995). Assim, ao contrrio do que se poderia
concluir intuitivamente, o comportamento catico no est relacionado com as influncias
de fatores externos. O comportamento catico tem origem interna ao prprio sistema.
Portanto, na abordagem da Complexidade, o Caos representa um conceito
diferente daquele que comumente associado a esta palavra. Boa parte da confuso e das
crticas Complexidade surgiu da interpretao equivocada do significado de caos. Muitos
autores pretenderam utilizar conceitos de caos e complexidade para explicar o ambiente
complicado dos negcios e os efeitos das influncias do meio externo sobre os sistemas
organizacionais.
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27
Deve-se observar, porm, que o fato de haver muitas variveis no ambiente de
negcios e de ser impossvel conhecer e controlar todas elas, no est relacionado com
Caos e Complexidade. Esta viso pressupe que, se houvesse recursos suficientes para
conhecer e controlar estas variveis, seria possvel prever o comportamento e dirigir com
preciso os sistemas organizacionais. uma tpica viso determinstico mecanicista. O
problema que ela adequada a sistemas complicados, que coisa diferente de sistemas
complexos.
importante notar, tambm, que comportamento catico no o mesmo que
comportamento aleatrio. Comportamento aleatrio no est sujeito a nenhum tipo de
determinismo. Confundir comportamento estocstico com comportamento catico outro
erro conceitual comum que se faz quando se fala de Caos.
"Deve-se enfatizar que o comportamento catico observado resulta da prpria
dinmica do sistema (determinstica), no sendo produzido por perturbaes de natureza
estocstica" (FIEDLER-FERRARA e PRADO, 1995)
O comportamento catico possui um determinismo subjacente que chamado
apropriadamente de determinismo catico. O grande problema deste determinismo,
quando comparado com o determinismo mecanicista, que o primeiro no permite as
previses precisas que o segundo pretende oferecer. O determinismo catico oferece
outras formas para a anlise e compreenso dos sistemas onde est presente. Estas formas
so os conceitos de atratores estranhos e padres fractais recursivos, que sero
explorados adiante.
Para as dimenses e aplicaes para as quais tem sido usado, o conceito de
determinismo mecanicista trouxe indiscutveis progressos. O argumento da Complexidade,
porm, que o determinismo catico o nico que explica adequadamente diversos
fenmenos que sempre desafiaram a capacidade de anlise do quadro conceitual
determinstico mecanicista.
No se pode esquecer, contudo, que nem todos os sistemas dinmicos no-
lineares apresentam comportamento catico. Em funo de suas regras e parmetros, estes
sistemas podem evoluir para trs situaes:
o Estabilidade em torno de um atrator definitivo;
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28
o Alternncia de forma peridica entre dois ou mais atratores;
o Simplesmente morrer por falta de viabilidade.
O interesse deste estudo, porm, est voltado para as situaes onde os sistemas
sobrevivem e evoluem, isto , se mantm viveis e possuem atratores que mudam de lugar.
Estas duas condies ocorrem, dentro do enfoque da Complexidade, apenas quando os
sistemas dinmicos no-lineares se encontram operando prximos a seus limites e,
conseqentemente, sujeitos influncia da dependncia sensitiva s condies iniciais.
Neste caso, como j foi exposto, predomina o determinismo catico. Neste ponto onde
pode ocorrer a transio de fase, isto , uma mudana no estado do sistema
(KAUFFMAN, 1995; ALLIGOOD, SAUER,YORKE, 1996) que significa tambm uma
mudana de atrator. Somente operando constantemente neste espao de transio de fase
que os sistemas conseguiriam sobreviver e, ao mesmo tempo, garantir a gerao de
alternativas para evoluir. neste ponto, portanto, que os sistemas dinmicos no-lineares
podem mudar de atrator, se tiverem autonomia para tal.
A questo da autonomia outro elemento importante a ser considerado para a
compreenso das possibilidades de evoluo dos sistemas. Os conceitos de Caos, de
atrator estranho e de sua possibilidade de evoluo s podem ser aplicados a sistemas
dissipativos, isto , que recebem e devolvem energia ao meio externo. Explorar novas
alternativas depende desta troca de energia. Os sistemas organizacionais, foco deste
estudo, se encaixam perfeitamente nesta definio.
Caos, portanto, um dos conceitos bsicos para explicar o equilbrio dinmico
dos sistemas dinmicos no-lineares dissipativos, sua sobrevivncia e sua evoluo. Deve
ser entendido, porm, em conjunto com os outros elementos bsicos da Complexidade.
??Atratores Estranhos
Apesar de imprevisvel, o comportamento de sistemas dinmicos no-lineares
pode, em determinadas condies, possuir um atrator. Atrator "um conjunto invariante
para o qual rbitas prximas convergem depois de um tempo suficientemente longo"
(FIEDLER-FERRARA e PRADO, 1994), isto , valores para os quais tendem os valores
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resultantes de um sistema dinmico no-linear aps um certo nmero de ciclos. O valor do
atrator nunca alcanado, pois este depende sensitivamente das condies iniciais do
sistema. Isto significa que, quer por imprecises inerentes ao determinismo catico
(necessariamente), quer por rudo experimental, o valor exato do atrator no calculvel e
nem previsvel com preciso absoluta. Em sistemas que evoluem em Caos determinstico,
pode-se provar que os atratores tm dimenses fractais (FIEDLER-FERRARA e
PRADO, 1994). Por esta razo, estes atratores so chamados de Atratores Estranhos.
O conceito de Atrator Estranho cria a condio para se compreender melhor o
conceito de equilbrio dinmico e suas implicaes para a evoluo dos sistemas dinmicos
no-lineares. Ele mostra como possvel, em um mesmo sistema, ter estabilidade suficiente
para que existncia do sistema seja possvel e, ao mesmo tempo, preservar a possibilidade
endgena de adaptao e mudana.
Utilizando novamente o exemplo de distribuio de lucros (item 2.2), pode-se
perceber naquela simulao que, em determinados valores de (b), a cada ciclo (ms), os
lucros oscilam em torno de um ou mais valores, dos quais se aproximam sempre mais, mas
sem nunca chegarem a um deles. Pela tabela apresentada no exemplo, tem-se a impresso
de que os valores se estabilizam, em alguns casos, em um valor definido. Na verdade trata-
se de uma iluso provocada por arredondamento. Escolhendo algumas das colunas, e
aumentando-se o nmero de casas decimais, pode-se visualizar o que est por trs da
aparente estabilidade:
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Tabela 2 - Simulao de 24 ciclos do sistema de participao nos lucros ressaltando a
existncia de estabilidade dinmica em torno de atratores.
interessante observar que em nenhum caso chega-se a um valor definitivo.
Mesmo com (b)s de 8% e 12%, que aparentemente estariam chegando a valores
definitivos, basta aumentar a preciso que se descobre a natureza de Atrator Estranho dos
valores dos lucros. Pode-se perceber tambm que a variao no valor dos lucros de um
ciclo para o outro diminui constantemente. Tomando como exemplo a coluna de (b) de
12% e calculando as diferenas entre os perodos temos o resultado mostrado na tabela 3.
Na terceira coluna da mesma tabela tambm podemos perceber a relao de auto-
semelhana (ou fractal) tendendo a 2,5 entre as diferenas encontradas entre os ciclos.
(Lt)= ? Lucro (.000 Reais) Tabela 2(a)= 20 Proporo entre lucros do perodo e lucros distribudos(b)= ? Percentual do lucro do perodo anterior distribudo
(Lm)= 1,00 Lucro Max. (.000 Reais)(L1)= 0,30 Lucro perodo 1 (.000 Reais)
(a) 20 20 20 20 20 20 20 20(b) 6% 8% 12% 16% 17% 18% 19% 20%
Valor de a x b= 1,200 1,600 2,400 3,200 3,400 3,600 3,800 4,000 Perodo
1 300,00000 300,00000 300,00000 300,00000 300,00000 300,00000 300,00000 300,000002 252,00000 336,00000 504,00000 672,00000 714,00000 756,00000 798,00000 840,000003 226,19520 356,96640 599,96160 705,33120 694,29360 664,07040 612,54480 537,600004 210,03712 367,26622 576,01843 665,08511 721,64999 803,09125 901,86794 994,344965 199,10583 371,81079 586,13088 712,79010 682,96236 569,28849 336,30821 22,492246 191,35524 373,70804 582,19553 655,10520 736,18424 882,71678 848,17899 87,945367 185,68609 374,48055 583,78535 723,01561 660,33782 372,70032 489,33129 320,843918 181,44812 374,79179 300,00000 640,84493 762,59206 841,66125 949,56748 871,612389 178,22964 374,91665 504,00000 736,52066 615,55439 479,76332 181,97851 447,61695
10 175,75660 374,96665 599,96160 620,98553 804,60042 898,52572 565,67687 989,0240711 173,83946 374,98666 576,01843 753,16001 534,54319 328,23811 933,60889 43,4218512 172,34317 374,99466 586,13088 594,91203 845,94301 793,79227 235,53667 166,1455813 171,16920 374,99786 10,00000 771,17346 443,09967 589,26996 684,22476 554,1649214 170,24436 374,99915 23,76000 564,68786 838,99200 871,31115 821,03271 988,2646515 169,51347 374,99966 55,66911 786,60954 459,28705 403,66091 558,36440 46,3905416 168,93438 374,99986 126,16814 537,13591 844,36435 866,58761 937,05567 176,9538217 168,47467 374,99995 264,59938 795,58696 446,80487 416,20869 224,13290 582,5646618 168,10914 374,99998 467,00772 520,41072 840,37894 874,72446 660,80991 972,7323119 167,81815 374,99999 597,38762 798,66689 456,08339 394,49368 851,73265 106,0966720 167,58626 375,00000 577,23756 514,55389 843,44253 859,92630 479,87973 379,3606721 167,40133 375,00000 585,68246 799,32219 448,96058 433,63101 948,46166 941,7846122 167,25375 375,00000 582,38044 513,29993 841,14292 884,14256 185,75211 219,3054523 167,13592 374,999999776 583,71231229 799,43396 454,31312 368,76416 574,74341 684,8422824 167,04180 374,999999910 583,18139705 513,08577 842,90321 837,99776 928,77100 863,33333
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(a) 20 Tabela 3(b) 12%
Valor de a x b= 2,400 t-(t+1) [t-(t +1)] /[ (t +1)-(t+2)]Perodo
1 300,000002 504,00000 -204,0000000 2,12585033 599,96160 -95,9616000 -4,00789014 576,01843 23,9431715 -2,36769295 586,13088 -10,1124480 -2,56964826 582,19553 3,9353434 -2,47534937 583,78535 -1,5898133 -2,51032938 583,15204 0,6333087 -2,49594589 583,40577 -0,2537349 -2,5016339
10 583,30434 0,1014277 -2,499348411 583,34493 -0,0405817 -2,500261012 583,32870 0,0162310 -2,499895713 583,33519 -0,0064927 -2,500041714 583,33259 0,0025970 -2,499983315 583,33363 -0,0010388 -2,500006716 583,33321 0,0004155 -2,499997317 583,33338 -0,0001662 -2,500001118 583,33331 0,0000665 -2,499999619 583,33334 -0,0000266 -2,500000220 583,33333 0,0000106 -2,500000021 583,33333 -0,0000043 -2,500000022 583,33333 0,0000017 -2,499999723 583,33333353 -0,0000007 -2,500000624 583,33333326 0,0000003
Tabela 3 - Simulao de 24 ciclos do sistema de participao nos lucros mostrando a
dimenso fractal do atrator dos lucros com (b) em 12%.
No exemplo escolhido h somente um Atrator Estranho, algo por volta de 583,33.
Mas h tambm casos com dois ou mais Atratores Estranhos. De qualquer forma, os
valores de lucros tm caractersticas, ciclo a ciclo, que podem ser descritas da seguinte
maneira:
o Nunca se repetem;
o Convergem para um (ou mais) valor (es) ao (s) qual (is) nunca chegam;
o As diferenas entre os valores so sempre menores;
o As propores entre estas diferenas possuem dimenses fractais.
Apesar das dificuldades de compreenso do que est por trs deste fenmeno, os
Atratores Estranhos indicam, porm, uma condio de equilbrio procurada pelo sistema.
A procura desta condio garantida pela recursividade dos mecanismos de feedback dos
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sistemas. Os valores resultantes do sistema podem ser encontrados em uma rea ao redor
do Atrator Estranho, dentro de determinados limites. O conceito de Atrator Estranho serve
para entender a direo natural do sistema e sua busca por um determinado tipo de
equilbrio. Identificar Atratores Estranhos em um sistema dinmico no-linear permitiria
interpretar as suas oscilaes como uma descrio dos caminhos possveis que o sistema
percorrer ao longo de sua histria.
O conceito de Atrator Estranho, para as organizaes, revela o processo que
estaria por trs da busca de um equilbrio nunca alcanado plenamente e da existncia de
mais de um ponto de equilbrio deste tipo. O conceito de Atrator Estranho tambm a
base do conceito de Estabilidade Dinmica que se discute mais frente.
??Padres Fractais
Padres fractais de evoluo so encontrados em fenmenos fsicos, qumicos
(FIEDLER-FERRARA e PRADO, 1994; BUCHANAN, 2001) e biolgicos
(KAUFFMAN, 1997); em ciclos econmicos, dados demogrficos, formao de cidades
(GLEICK, 1999; COLANDER, 2000), preos de commodities (STACEY, 1991) e
mercados financeiros (MANDELBROT, 1997; MANTEGNA e STANLEY, 2000).
Estes fenmenos so resultado de sistemas dinmicos no-lineares.
Fractal definido como forma geomtrica, de aspecto irregular ou fragmentado,
que pode ser subdividida indefinidamente em partes, as quais, de certo modo, so cpias
reduzidas do todo (nuvens, montanhas, flocos de neve, razes e galhos de rvore so
objetos que podem ser representados por fractais) (AURLIO, 2000). O conceito de
fractal no , porm, restrito a padres geomtricos. Dimenses fractais de
comportamento so encontradas em sistemas dinmicos no-lineares de diversos os tipos.
Os fractais mostram que se pode alcanar formas e comportamentos complexos mesmo
partindo-se de regras simples aplicadas de forma recursiva.
Acima de tudo, fractal significa auto-semelhante. A Auto-semelhana a simetria
atravs das escalas. Significa recorrncia, um padro dentro de outro padro (GLEICK,
1989).
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33
"Auto-semelhana significa que padres se formam em vrios nveis e se repetem.
Esta repetio no precisa ser suave e contnua; ela pode ser , e usualmente , discreta.
Estudando esta repetio, podemos entender coisas. Isto significa que a simplicidade de
sistemas complexos para ser encontrada no estudo de processos interativos, no no
sistema. Assim, como toda a cincia, a cincia da Complexidade procura por simplicidade,
mas procura por esta simplicidade nos processos de interao, no na estrutura do
sistema. Colocado de outra forma: simplicidade para ser encontrada nas funes
geradoras subjacentes, no na organizao complexa da realidade" (BROCK, 2000)
Existe uma "relao de escala" entre os nveis de estruturas fractais, isto , na
relao entre a dimenso do padro de um nvel superior sobre o imediatamente inferior.
Esta relao constante entre todos os nveis de uma estrutura fractal. Conhecendo-se
esta relao, possvel compreender melhor as possibilidades de evoluo de uma
estrutura fractal. Vrias Leis de Escala j foram calculadas para fenmenos com
distribuio do tamanho de cidades (GELL-MANN, 1996) e mercados financeiros
(MANDELBROT, 1997; MANTEGNA e STANLEY, 2000). Para fenmenos que tm
comportamento que pode ser descrito por uma equao logstica descobriu-se que sua Lei
de Escala obedece a uma constante que, surpreendentemente, foi empiricamente
demonstrada como sendo universal na natureza em vrios experimentos (FIEDLER-
FERRARA e PRADO, 1994). Esta universalidade citada como uma das principais
evidncias da validade da Complexidade como abordagem para entender a realidade.
Entendendo a lgica dos fractais possvel entender melhor os sistemas atravs de
seus componentes recursivos (padres dentro de padres) e, portanto, seu
comportamento ao longo do tempo. Procurar modelar um problema no-linear atravs de
uma maior quantidade de informaes, ou de uma maior preciso dos dados, como
tentar aumentar a preciso de um mapa at chegar a reproduzir em todos os detalhes -
cada gro de areia, pessoa, planta, animal - a regio que se quer representar. Chegar a um
mapa como esse, alm de impossvel, no faz sentido. Tentar mapear completamente um
determinado sistema que envolve uma organizao, por mais restrito que seja, tambm
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34
impossvel e no faz sentido.
A Complexidade, atravs da utilizao do conceito das dimenses fractais para a
compreenso da realidade, permite uma abordagem vivel de fenmenos que, de outra
forma, seriam completamente intratveis. O processo de anlise de sistemas, uma vez
tendo identificado o problema como envolvendo interaes no-lineares contnuas ao
longo do tempo, tm no conceito de fractais um referencial para a elaborao de modelos
que equilibrem o reducionismo e o holismo.
Os padres recursivos que formam o indivduo consciente (MATURANA e
VARELA, 1995; DAMASIO, 2000) poderiam ser vistos como uma representao em
dimenso fractal dos padres de formao dos sistemas formados por estes indivduos. As
caractersticas dos sistemas estariam todas representadas, pelo menos de forma
aproximada, em suas partes. A compreenso do funcionamento do sistema de menor
dimenso, e, portanto, menos complicado, possibilitaria uma razovel compreenso dos
sistemas maiores de que faz parte.
No exemplo da distribuio de lucros, uma dimenso fractal o comportamento
de cada indivduo. Este representa, em menor dimenso, uma cpia aproximada do
comportamento de seu setor que, por sua vez, pode ser uma representao aproximada
do comportamento da unidade de negcios a que pertence, e assim por diante.
A tradicional representao de uma organizao, isto , o organograma, pode
conter dimenses fractais. Uma organizao pode ser representada por suas unidades de
negcios, que por sua vez possuem seus setores, que por sua vez possuem seus
departamentos, e assim por diante, at o indivduo. Qualquer nvel que se observar no
organograma abaixo (figura 4), auto-semelhante ao seu nvel anterior ou posterior.
O paralelo com outros exemplos de fractais quase bvio. A auto-semelhana
entre as parte da organizao semelhante encontrada em dois exemplos tradicionais de
fractal: o tapete de Sierpinski e a esponja de Menger (figura 5). O "tapete" de
Sierpinski tem permetro maior que zero mas no cobre rea alguma. A esponja de
Menger tem uma superfcie infinita e volume zero.
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35
Figura 4 - Auto-semelhana entre os as partes da estrutura organizacional.
Figura 5 - Exemplos de estruturas fractais: "Tapete "de Sierpinski e "Esponja" de Menguer
(extrado de GLEICK, 1989).
Unidade de Negcios 1 Unidade de Negcios 2
Unidade de Negcios3 Unidade de Negcios 4
Head Quarters
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O objetivo destas figuras no simplesmente mostrar monstruosidades
matemticas ou geomtricas. A idia transmitir o conceito de dimenses fractais, da
simetria de escalas, da ocorrncia de um padro dentro de outro padro. Em qualquer
dimenso que se observe, encontra-se o mesmo padro: formam-se objetos complexos
repetindo-se recursivamente padres simples.
Para o estudo de sistemas dinmicos, a noo de dimenso fractal importante
para se compreender a origem basicamente simples da Complexidade. Como j foi dito,
partindo-se de padres simples aplicados de forma recursiva, criam-se sistemas
complexos. Um passo importante para a compreenso e estruturao de sistemas eficazes
seria, portanto, a identificao dos padres que, quando aplicados recursivamente,
gerassem os resultados observados de forma dinamicamente estvel e auto-organizada.
??Estabilidade Dinmica
Sistemas dinmicos no-lineares, apesar da dependncia sensitiva s condies
iniciais, possuem uma extraordinria estabilidade no que se refere absoro de influncias
externas, ou rudos. Sistemas deste tipo, se mostram bastante estveis. So necessrios
rudos substanciais, aplicados por diversos ciclos, para modificar a posio dos atratores
ou para inviabilizar o sistema.
Em exemplo desta estabilidade pode ser obtido inserindo-se, na simulao do
sistema de participao nos resultados, valores aleatrios e verificar o comportamento da
seqncia (tabela 4). Utilizou-se a mesma coluna de (b) em 12% para facilitar a
comparao. Em dois perodos, meses 8 e 13, foram inseridos valores menores que os
calculados pela planilha, simulando algum tipo de crise de mercado ou acidente de
produo. Pode-se notar que o sistema retorna s proximidades do atrator original com
uma certa rapidez. Esta caracterstica tem sua origem na interao contnua de padres
recursivos relativamente simples que levam o sistema a sua condio original de equilbrio
dinmico em volta de um atrator.
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37
Tabela 4 - Simulao de 24 ciclos do sistema de participao nos lucros mostrando o
retorno do sistema para seu atrator mesmo depois de perturbado significativamente nos
ciclos 8 e 13.
As implicaes da estabilidade dinmica dos sistemas complexos para as
organizaes so claras. Da mesma forma que a incerteza caracterstica intrnseca do
sistema - e no exclusivamente importada do ambiente - o sistema tambm possui uma
razovel capacidade de absorver instabilidades ou rudos de origem externa. Fica desta
forma reforada a necessidade de se compreender a dinmica dos sistemas antes de atuar
sobre eles, em especial antes de dedicar recursos para proteger o sistema dos rudos
externos. Incertezas e rudos externos, dentro de determinados limites, no afetam os
Atratores do sistema e, portanto, sua evoluo. Apenas podem retard-la.
(a) 20 Tabela 4(b) 12%
Valor de a x b= 2,400 t-(t+1) [t-(t+1)] /[ (t+1)-(t+2)]Perodo
1 300,000002 504,00000 -204,0000000 2,12585033 599,96160 -95,9616000 -4,00789014 576,01843 23,9431715 -2,36769295 586,13088 -10,1124480 -2,56964826 582,19553 3,9353434 -2,47534937 583,78535 -1,5898133 -0,00560228 300,00000 283,7853464 -1,39110469 504,00000 -204,0000000 2,1258503
10 599,96160 -95,9616000 -4,007890111 576,01843 23,9431715 -2,367692912 586,13088 -10,1124480 -0,017552313 10,00000 576,1308765 -41,869976514 23,76000 -13,7600000 0,431224815 55,66911 -31,9091098 0,452617716 126,16814 -70,4990342 0,509271117 264,59938 -138,4312402 0,683920618 467,00772 -202,4083360 1,552450419 597,38762 -130,3799026 -6,470447220 577,23756 20,1500605 -2,386062921 585,68246 -8,4448993 -2,557492122 582,38044 3,3020237 -2,479230523 583,71231229 -1,3318744 -2,508638524 583,18139705 0,5309152
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??Eficcia e Eficincia
Sistemas Dinmicos No-Lineares sobrevivem e evoluem graas tambm
gerao interna de novas configuraes de sistema que so continuamente testadas frente
ao ambiente em que o sistema se encontra.
A gerao destas alternativas ocorre naturalmente com conseqncia da
explorao dos limites a que a organizao obrigada pelas presses internas frente ao
ambiente restritivo. Como se viu, medida que o sistema se aproxima dos limites, o Caos
Determinstico a caracterstica predominante gerando novos comportamentos e
configuraes do sistema medida que a no-linearidade se manifesta com toda a
intensidade.
As alternativas que funcionam so adotadas e assumem a forma de novos
atratores: situaes de estabilidade dinmica sujeitos a novas mudanas medida que o
processo continua.
Este processo, como se pode intuir, no eficiente, no sentido em que a criao
de alternativas catica e, portanto, no direcionada por algum tipo de planejamento
visando otimizar a utilizao de recursos. O mecanismo de desenvolvimento de alternativas
s temporariamente contido pelos limites impostos pelo ambiente. Temporariamente,
pois estes limites podem ser alterados na medida que sistema e ambiente possuem uma
relao de mtua causalidade e, portanto, o sistema pode provocar alteraes no ambiente
e, assim, alterar os limites em que pode atuar.
Por outro lado, este processo eficaz na medida em que, para sobreviver, o
sistema no precisa encontrar a melhor alternativa possvel, mas sim, aquela que funciona.
Este um importante conceito que ajuda, inclusive, a explicar porque, no mundo
econmico, h uma diversidade to grande de organizaes que convivem, sobrevivem e
prosperam. Ao contrrio do que se tornou aceito por muitos, o processo que garante a
evoluo das organizaes, assim como o dos seres vivos, no o da sobrevivncia do
mais forte ou do mais adaptado. O processo que garante a evoluo o da sobrevivncia
do que forte o suficiente, do que suficientemente adaptado. Dito de outra forma:
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"Em resumo: no h a sobrevivncia do mais capaz, h a sobrevivncia de quem
capaz. Trata-se de condies necessrias que podem ser satisfeitas de muitas maneiras, e
no de otimizao de algum critrio alheio prpria sobrevivncia." (MATURANA e
VARELA, 1995)
Encontrar a melhor alternativa possvel , inclusive, dentro da abordagem da
Complexidade, impossvel em funo da incerteza provocada pela Dependncia Sensitiva
s Condies Iniciais. Entretanto, o mesmo motivo que impossibilita a busca da melhor
alternativa o mesmo que viabiliza a criao ilimitada de alternativas a serem testadas e,
eventualmente, adotadas.
Se analisado sob uma tica de eficincia o processo descrito acima claramente
redundante, no sentido em que o sistema consome recursos e energia para desenvolver
atividades aparentemente suprfluas, que poderiam ser otimizadas. Sendo claramente
ineficiente, no seria o ideal para os sistemas, em especial para as organizaes
empresariais.
A procura por eficincia a todo o custo, porm, pode ser uma opo perigosa.
Um sistema que procura eliminar todas a redundncias e direcionar ou restringir de alguma
forma o processo de gerao de alternativas pode seguir o caminho da especializao. A
especializao, apesar de no curto prazo poder gerar o sistema potencialmente mais forte,
pode criar tambm um sistema que no consegue se adaptar a uma mudana no ambiente.
Eliminando processo e partes redundantes, o sistema pode no ter como gerar alternativas
diferentes das poucas que j possui em si. Um sistema nesta situao no mais
adaptativo, est confinado a um atrator e no tem mais os recursos internos para mudar.
??Complexidade um fenmeno emergente
O conceito de emergncia - de emergir - est ligado idia de um todo maior que
a soma de suas partes. A Complexidade emerge em sistemas onde ocorre a interao de
agentes que formam padres de organizao mais complexos que os padres de
organizao dos prprios agentes. o Complexo emergindo a partir do simples
espontaneamente. No como conseqncia de um plano ou projeto existente a priori e
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executado por algo ou algum, mas como conseqncia do processo de interao dos
agentes do sistema dentro de determinados limites e de acordo com determinadas regras.
Estas regras e limites so definidos pelas capacidades dos agentes confrontadas com eles
mesmos e com o ambiente. No so, porm, imutveis. Um sistema dinmico no-linear,
adaptativo e de estrutura dissipativa, cria regras alternativas e com elas explora as
fronteiras do sistema com o ambiente e, desta forma, evolui. A criao de novas regras
conseqncia da incerteza e do caos determinstico, frutos da no-linearidade, que
naturalmente tendem a impedir que o sistema estacione em torno de uma determinada
condio.
Desde que tenha de onde tirar energia ou matria, este tipo de sistema tende a
evoluir em direo a estados de maior complexidade e ordem. A Complexidade explica
como inmeros