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CADERNOS ESPINOSANOS

Estudos sobre o século XVII

XVSão Paulo – 2006

ISSN 1413-6651

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Cadernos Espinosanos / Estudos sobre o século XVII São Paulo: Departamento de Filosofia da FFLCH-USP,

1996-2006.Periodicidadesemestral. ISSN: 1413-6651.

Ficha Catalográfica

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Editora Responsável Institucional

Marilena de Souza Chaui

Editora Responsável

Tessa Moura Lacerda

Comissão Editorial

Eduardo Baioni, Henrique Xavier, Luís César Oliva.

Conselho Editorial

Atilano Domínguez (Univ. de Castilla-La Mancha), Bento Prado Júnior (UFSCar/ USP), Diego Tatián (Univ. de Córdoba), Diogo PiresAurélio(Univ. Nova de Lisboa),Franklin Leopoldo e Silva (USP), Jacqueline Lagrée (Univ. de Rennes), Maria dasGraças de Souza (USP), Olgária Chain Féres Matos (USP), Paolo Cristofolini(Scuola Normale Superiore de Pisa) e Pierre-François Moreau (École NormaleSupérieure de Lyon).

Publicação do Grupo de Estudos Espinosanos e de Estudos sobre o Século XVII

CADERNOS ESPINOSANOSESTUDOS SOBRE O SÉCULO XVIIN. XV, JUL-DEZ DE 2006 – ISSN 1413-6651

Endereço para correspondência:

Profa. Marilena de Souza ChauiA/C Grupo de Estudos Espinosanos

Departamento de Filosofia – USPAv. Prof. Luciano Gualberto, 31505508-900 – São Paulo-SP – BrasilTelefone: 0 xx 11 3091-3761 – Fax: 0 xx 11 3031-2431e-mail:[email protected]

Universidade de São Paulo

Reitora: Suely VilelaVice-Reitor: Franco Maria Lajolo

FFLCH - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Diretor: Gabriel CohnVice-Diretora: Sandra Margarida Nitrini

Departamento de Filosofia

Chefe: Moacyr NovaesVice-Chefe: Caetano Ernesto PlastinoCoordenador do Programa de Pós-Graduação: Marco Antônio deÁvila Zingano

Capa: Camila MesquitaEditoração eletrônica: Pablo Enrique Abraham ZuninoTiragem: 1000 exemplares

AComissãoEditorialreserva-seo direito de aceitar, recusar ou reapresentar o originalao autorcom sugestõesde mudanças.

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O Grupo de Estudos Espinosanos do Departamento de Filosofiada Universidade de São Paulo, em 2004, completou 10 anos. Ao longo

deste período, diversas atividades foram desenvolvidas e procurou-sefazer o registro delas para, como diz Espinosa, tentar contornar asforças do “tempo voraz que tudo abole da memória dos homens”. OsCadernos Espinosanos se inspiram nesse propósito.

Desde o número X, dedicado ao Professor Lívio Teixeira, osCadernos estão dedicados também a Estudos sobre o século XVII ,seu subtítulo. O que, na verdade, expressa algo que já acontecia naprática, pois textos acerca de vários outros filósofos do período sempreestiveram presentes a cada edição.

O objetivo destes Cadernos continua sendo publicar

semestralmente trabalhos sobre filósofos seiscentistas, constituindoum canal de expressão dos estudantes e pesquisadores destee de outrosdepartamentos de Filosofia do país.

Porque destinados a auxiliar bibliograficamente aos queestudam o Seiscentos, tanto para os trabalhos de aproveitamento decursos, quanto para a elaboração de outros projetos de pesquisa, estesCadernos também publicarão, regularmente, ensaios de autoresbrasileiros e traduções de textos estrangeiros, contribuindo com oacervo sobre o assunto.

Esperamos que esta iniciativa estimule os estudos sobre os

filósofosdaquele período a que estapublicação é inteiramente dedicadae permitacriar ou ampliara comunicaçãoentreos que estão envolvidoscom a pesquisa desses temas, incentivando, inclusive, outrosdepartamentos de Filosofia a colaborar conosco no desenvolvimentodeste trabalho.

Franklin Leopoldo e Silva

AAAAAPRESENTPRESENTPRESENTPRESENTPRESENTAÇÃOAÇÃOAÇÃOAÇÃOAÇÃOAAAAAPRESENTPRESENTPRESENTPRESENTPRESENTAÇÃOAÇÃOAÇÃOAÇÃOAÇÃO

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SSSSSUMÁRIOUMÁRIOUMÁRIOUMÁRIOUMÁRIOSSSSSUMÁRIOUMÁRIOUMÁRIOUMÁRIOUMÁRIO

1. A ÚLTIMA METAFÍSICA DE LEIBNIZ E A QUESTÃO DO IDEALISMO

Michel Fichant 09

2. UNIVERSALIDADE E SIMBOLIZAÇÃO EM LEIBNIZ

Franklin Leopoldo e Silva 41

3. BONDADE DIVINA E CONTINGÊNCIA EM LEIBNIZ

Luís César Oliva 59

4. LEIBNIZ: EXPRESSÃO E CARACTERÍSTICA UNIVERSAL

Tessa Moura Lacerda 87  

5. A FILOSOFIA ESPINOSANA PARA ALÉM DO CORPO-MÁQUINA: O PARALELISMO

EM QUESTÃO

Ericka Marie Itokazu 111

6. DESCARTES E A “REFLEXÃO ESPESSA”: UMA LEITURA MERLEAU-PONTIANA

DO DUALISMO CARTESIANO

Silvana de Souza Ramos 139

7. NOTÍCIAS 153

8. CONTENTS 157 

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MICHEL FICHANT

A última metafísica de Leibniz

e a questão do idealismo*

MICHEL FICHANT**

Résumé:

La question de la nature et du sens d’un “idéalisme leibnizien”

se trouve, depuis plus d’une vingtaine d’années, au centre d’un granddébat dans les études leibniziennes, principalement anglo-saxonnes.La conception la plus conséquente et la plus radicale d’un tel idéalismea été exposée par Robert Merrihew Adams (Leibniz, Determinist,

Theist, Idealist , 1994): “Le principe le plus fondamental de lamétaphysique de Leibniz est que ‘il n’y a rien d’autre dans les chosesque lessubstances simples et,en elles, lesperceptions et lesappétitions’.Cela signifie que les corps, qui ne sont pas des substances simples,peuvent seulement être construits à partir des substances simples etde leurs propriétés de perception et d’appétition” (p. 217).

Ce débat en rencontre un autre, qui porte sur la reconnaissancede périodes dans la formation de la métaphysique leibnizienne et sur lepointdevuequipermetd’enrendrecomptedelafaçonlaplusadéquate:expression constante d’un « Système de Leibniz » invariant dans sesthèses et sa structure, ou plutôt recherche ouverte où l’inventionconceptuellenese referme jamaissur une formule systématique unique?En effet, ceux-là même qui ont voulu reconnaître une période des“années moyennes” (Daniel Garber), où Leibniz n’aurait pas adhéré àl’idéalisme, ont généralement concédé que la dernière métaphysique,celle qui se déploie proprement selon la thèse monadologique, estbien caractérisée finalement par cette adhésion.

* Versão de uma conferência proferida na Universidade de São Paulo, em 16 deoutubro de 2006. Agradeço imensamente Tessa Lacerda por sua tradução para oportuguês.** Professor da Sorbonne (Paris 4).

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

Je me propose de développer les arguments suivants :1. Du point de vue génétique, la thèse monadologique répond

bien originellement à la requête d’un fondement de la réalité des corps.2. Les développements de la métaphysique leibnizienne de la

dernière période (après 1700) ne donnent pas congé à la recherche decaractérisation d’une vraie “substance corporelle”.

3. C’est la spécificité de ce qu’il appelle l’ “Organisme” quiretient Leibniz de laisser le dernier mot à un idéalisme tel que celui qui

lui est attribué. Si idéalisme il y a, il faut l’entendre en un autre sens.

Resumo:

A questão da natureza e do sentido de um “idealismoleibniziano” encontra-se, já há vinte anos, no centro de um grandedebate nos estudos leibnizianos, principalmente anglo-saxões. Aconcepção mais conseqüente e mais radicaldesse idealismo foi expostapor Robert Merrihew Adams (Leibniz, Determinist, Theist, Idealist,

1994): “o princípio mais fundamental da metafísica de Leibniz é quenão há nada mais nas coisas que substâncias simples e, nelas, aspercepções e as apetições” (p. 217).

Esse debate encontra um outro sobre o reconhecimento deperíodos na formação da metafísica leibniziana e sobre o ponto devistaque permite darconta desses períodos da maneira mais adequada:expressão constante de um “Sistema de Leibniz” invariável em suasteses e sua estrutura, ou, antes, pesquisa aberta na qual a invençãoconceitual não se fecha nunca em uma fórmula sistemáticaúnica? Comefeito, mesmo aqueles que quiseram reconhecer um período de “anosintermediários” (Daniel Garber), durante o qual Leibniz não teriaaderido ao idealismo, geralmente concederam que a última metafísica,aquela que se desenvolve propriamente segundo a tese monadológica,

está, finalmente, bem caracterizada por essa adesão.Proponho-me desenvolver os seguintes argumentos:1. Do ponto de vista genético, a tese monadológica responde

originariamenteà exigência de um fundamento da realidadedos corpos.2. Os desenvolvimentos da metafísica leibniziana do último

período (depois de 1700) não dispensam a caracterização de umaverdadeira “substância corporal”.

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MICHEL FICHANT

3. É a especificidade do que chama de “Organismo” que impedeLeibniz de deixar a última palavra a um idealismo tal como o que se

atribui a ele. Se há idealismo, é preciso entendê-lo em outro sentido.

* * *

Uma experiência ora bastante longa convenceu-me da estreitacomplementaridade que associa as maiores apostas interpretativas,

feitas pelos grandes pensadores da história da filosofia, ao tratamento

técnico o mais rigoroso dos problemas postos pela constituição dos

textos, sua recepção, sua edição.

Os estudos leibnizianos oferecem, hoje ainda, um caso exemplar

dessa complementaridade. Estes são caracterizados pelo fato maior

de que não existe ainda uma edição das “Obras completas de Leibniz”.

O corpus dos escritos de Leibniz está imerso em uma massa de mais

de dois metros cúbicos de papéis, conservados, a maior parte, na

Biblioteca regional de Hannover, sob a forma de minutas de cartas,

notas de leitura, esboços mais ou menos elaborados, que vão desde

uma folha de papel de alguns centímetros recoberta por uma reflexão

prematura até conjuntos acabados, várias vezes recopiados, relidos e

rearranjados, prontos para umapublicação que, o mais freqüentemente,

não aconteceu. Sabe-se que, de seu incessante trabalho de escrita,

Leibniz só tornou acessível em vida porsuas publicações pouquíssimos

vestígios, na maior parte das vezes sob a forma de artigos nos jornaiscientíficos. Daí sua advertência: “Quem só me conhece pelo que

publiquei, não me conhece” 1 . Mas Leibniz providenciou para que

pudesse ser um dia mais bem conhecido que pelos seus

contemporâneos, já que quis também conservar toda essa quantidade

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de papéis. Desde a sua morte, em 14 de novembro de 1716, a história

de Leibniz — a história de seu pensamento em todos os domínios

com os quais se ocupou e, logo, também de sua concentração em

metafísica —, é a história de todas as explorações e escavações feitas

nesse legado, do qual os arqueólogos apresentaram edições diversas,

de extensão, ambição e rigor variáveis, que constituem a base acessível

dos escritos de Leibniz em nossas bibliotecas.

Essa base, da qual naturalmente emergem as contribuiçõesmaiores dasgrandes coleções reunidas por Foucher de Careil, Gerhardt,

Couturat, Grua, mas também outras contribuições que se limitaram a

exumar materiais textuais mais restritos, é por natureza divergente,

uma vez que as intenções, os critérios de escolha e os preceitos de

estabelecimento dos textos estão eles mesmos sujeitos a todo tipo de

variação. Não há, portanto, para Leibniz nada de equivalente ao que

nos oferecem Adam et Tannery para Descartes, Gebhardt para

Espinosa, a Akademie Ausgabe para Kant, Colli-Montinari paraNietzsche, Robinet para Malebranche. Mas a essa variedade da

qualidade editorial se acrescenta o fato quantitativo de que ainda hoje

a integralidade do corpus ainda não foi completada pela reunião dessas

múltiplas publicações.

Como se sabe, há mais de um século, por ocasião do Congresso

Internacional de Filosofia que aconteceu em Parisem 1900, foi tomada

a decisão, pelos mais eminentes historiadores alemães e franceses da

época, de trabalhar numa edição verdadeiramente e definitivamenteintegralde todas as cartas e escritos de Leibniz, sob a dupla patronagem

do Instituto de França e daAcademia de Berlim. Depois que a guerra

de 1914 rompeu a cooperação para fazer dessa edição uma tarefa

exclusivamente alemã, ela prosseguiu em meioàs dificuldades geradas

pelos sobressaltos e tragédias da história daAlemanha, até a queda do

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MICHEL FICHANT

muro de Berlim. Desde esse último acontecimento, a reunificação do

país permitiu o estabelecimento de uma prática racional e coordenada

para o prosseguimento do trabalho.

A história da edição, por suas vagas sucessivas de amplitude

desigual, teve um efeito determinante na percepção que cada época

pôde ter da filosofia de Leibniz (mas também de sua matemática ou de

sua dinâmica ou de suas idéias religiosas), e, portanto, nas

interpretações que eram concebíveis em função do que poderia serchamado a abertura e a profundidadedo campo devisão assim definido,

sobre um plano de fundo ainda virtual. Os exemplos são numerosos.

Citar-se-á o da publicação do segundo volume dos Philosophische

Schriften de Gerhardt, que contém a correspondência com De Volder,

na qual a definição da substância pela lei de uma série teve um efeito

determinante sobre a interpretação neo-kantiana de Natorp e de

Cassirer 2 . Há também exemplos inversos, quando uma hipótese de

interpretação orientou a seleção de textos até então inéditos: é porqueCouturat tinha uma idéia precisa do que era chamado em seu tempo

de álgebra da lógica, depois logística, que pôde encontrar interesse e

sentido em manuscritos que outros tinham percorrido sem nada

compreender3 .

Poder-se-ia pensar que o efeito de uma publicação integral

seria o de colocar um fim nos deslocamentos históricos desse tipo de

circularidade que une estado da edição e interpretação. Esse será talvez

o caso quando a edição estiver acabada, mas na medida em que ela éainda uma obra em curso, o trabalho de edição produz também, à sua

maneira, efeitos sobre o sentido, pelo próprio fato de suas escolhas

metodológicas. Estas foram principalmente duas: 1/ um princípio de

divisão em séries disjuntivas,que era uma condição para poder avançar

no estabelecimento dos textos e de sua publicação. Correspondências

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e outros escritos de natureza diferente foram separados; para cada

grupo, uma divisão temática foi adotada, de maneira que temos séries

distintas de volumes que reúnem: I. A Correspondência geral, política

e pessoal, II. A Correspondência filosófica, III. A Correspondência

matemática e científica, IV. Os Escritos políticos, VI. Os Escritos

filosóficos, VII. Os Escritos matemáticos, VIII. Obras científicas4 . 2/ 

A escolha metodológica mais importante foi a de publicar todas as

peças de cada Série segundo a ordem cronológica de redação melhordeterminada ou mais provável e justificada pelas mais seguras razões

de datação. Essa escolha procedia de uma suposição da qual a inteira

força só pôde ser constatada pelos efeitos, quando a edição já estava

bastante avançada, notadamente na série dos Escritos filosóficos: é

que a prática de escritura incoativa e fragmentária de Leibniz implica

que os textos adquiram seu sentido uns em relação aos outros em sua

sucessão diacrônica, mais que em uma copresença idealmente

sincrônica. Eles são menos os elementos coordenados de um sistemaque os momentos de uma experiência de escritura pensante sempre

recomeçada (que poderia ser comparada talvez com o que revelam as

notas e os manuscritos de Husserl). Essa segunda escolha foi reforçada

e radicalizada pela decisão, tomada quando do reinício do trabalho

editorial depois da segunda guerra mundial, de apresentar, a partir de

então, sistematicamente todos os textos, quaisquer que fossem a

amplitude, a forma e o tema, reproduzindo o conjunto das variantes

genéticas do ou dos manuscritos de um mesmo opus: palavras oupassagens rasuradas, substituições,acréscimos, são postos sob os olhos

do leitor e lhe fornecem, em princípio, a possibilidade de reconstituir

os estados da escritura desde o primeiro esboço até o estado no qual

Leibniz considerou seu texto como acabado, a menos que ele tenha

abandonado o prosseguimento do texto. Assim, foi generalizada a

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intenção cuja fecundidade tinha sido provada, em se tratando de textos

essenciais, pela admirável edição de Lestienne do Discurso de

metafísica (1907), depois pelas edições de Clara Strack (1917) e em

seguida de André Robinet (1954) da Monadologia e dos Princípios

da Natureza e da Graça.

Eis, aqui, pois, onde estamos hoje: a Série II, Correspondência

filosófica, comporta apenas um volume editado, que foi um dos

primeiros a ser publicado (1926); eleacabou de ser inteiramente refeitopara se adequar às normas da edição atual. Ele compreende as cartas

que se distribuem de 1663 a 16855 . A Série VI, Escritos filosóficos,

colocando à parte o sexto volume, centrado nos Novos ensaios sobre

o entendimento humano, publicado antecipadamente (1962), consta

de quatro volumes publicados. O último publicado (1999) reúne, em

um conjunto impressionante de 3000 páginas de textos e 500 páginas

de índices e tabelas diversas, todos os textos da primeira maturidade

de Leibniz, a que se ordena filosoficamente em torno do Discurso demetafísica, de 1677 a junho de 1690 (retorno a Hannover depois da

viagem à Itália) 6 .

* * *

Essa referência ao estado da edição permite precisar a

dificuldade que comporta a referência a uma “última metafísica” deLeibniz. Com efeito, nota-se que essa “última metafísica” tem seu

começo para além do que avançou a edição integral dos Escritos

filosóficos até seu estado atual. Enquanto conhece-se hoje tão bem

quanto é possível, através de um denso conjunto de textos, a gênese

das concepções que tomam corpo anteriormente e logo depois do

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ponto de equilíbrio do Discurso de metafísica, o período posterior a

1690 só nos é acessível através das edições existentes, as quais nos

apresentam uma restituição forçadamente fragmentária, descontínua,

que não permite, portanto, um controle precisamente ponderado das

proposições interpretativas. E é esse justamente o caso da proposição

a respeito do idealismo atribuído a essa última metafísica.

Conhece-se há muito tempo uma “primeira filosofia de

Leibniz”, estudada na admirável tese latina de Arthur Hannequin(1895)7 , que cobre o período que se completa no momento da chegada

de Leibniz a Paris em 1672, logo depois da publicação das duas

Theoriae motus de 1671. A filosofia do chamado “jovem Leibniz”

pôde ser estudada recentemente em numerosas publicações e

colóquios, com uma grande precisão, tornada agora possível com o

avanço da edição integral. Como conseqüência, estendeu-se esse

período de juventude até o fim dos anos parisienses, em 1676, quando

Leibniz tinha trinta anos.Algumas vezes, incluiu-se mesmo o primeirotempo de instalação em Hannover nesse período. Como quer que seja,

reconhece-se em vista de declarações autobiográficas concordantes

de Leibniz que a maturidade de seu pensamento, satisfeito a respeito

de questões fundamentais, estabelece-se definitivamente no curso dos

primeiros anos da década de 80. O Discurso de metafísica é a primeira

síntese dessa maturidade, na ordem de questões metafísico-teológicas

que é a sua, aí juntando-se, na vertente da lógica, o grande estudo

inacabado das Generales Inquisitiones de Analysi notionum et veritatum 8 .

Por muito tempo agiu-se como se, a partir daí, tudo estivesse

posto, e como se estivesse constituído de uma vez por todas, sob a

forma de um invariável “Sistema”, um conjunto de conceitos

fundamentais, de teses principiais e de argumentos, o qual, em seguida,

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bastaria que Leibniz haurisse segundo os pontos de vista preparados

por intenções particulares ou circunstâncias exteriores, fazendo

somente com que se variasse a expressão, como espectadores girando

em torno da mesma cidade da qual têm perspectivas de visão variadas

que se reúnem na unidade de seu geometral. Com efeito, a preocupação

constante de coerência ao dar inteligibilidade a um universo ordenado,

que de fato sempre foi a preocupação de Leibniz, poderia, até certo

ponto, legitimar essa representação. Entretanto, por todo tipo derazões, algumas das quais, ligadas ao trabalho editorial, já foram

evocadas, e que em geral dizem respeito à mudança das práticas do

ofício de historiador da filosofia, que dão agora um lugar maior à

materialidade do fato textual, esse modo de ver, que poderia ser

qualificado de idealista à sua maneira, foi, senão abandonado, em todo

caso fortemente ameaçado por uma atenção maior dedicada às

transformações múltiplas que o pensamento de Leibniz não deixa de

fabricar em seu período de maturidade.A transformação maior, que permite estabelecer nesse período

uma divisão identificável, é aquela que encontra sua completude na

coordenação de todos os componentes do que chamo a tese

monadológica. A tese monadológica propriamente dita, ausente do

Discurso de metafísica e da primeira fase da Correspondência com

Arnauld, começa a despontar nas discussões da segunda fase que dizem

respeito ao sentido das formas substanciais e, portanto, ao estatuto de

substancialidade dos corpos

9

. Presente sob uma forma ainda pouconítida na primeira parte do Sistema novo da natureza e da comunicação

das substâncias, publicado em 1695 (no qual os leitores

contemporâneos não a viram, para se concentrar na discussão da

correspondência entre a alma e o corpo apresentada na segunda parte

do artigo), ela é afirmada a partir do momento em que o recurso à

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própria palavra mônada, em 1696, condensa todo um trabalho de

análise e de elaboração conceitual anterior. Reduzida à sua formulação

elementar, a tese monadológica consiste na afirmação de que existem

substânciassimples, chamadas unidades verdadeiras, ou mônadas, uma

vez que existem “coisas” compostas, pois “sem o simples, não haveria

compostos” ou, ainda, porque “as multiplicidades supõem as

unidades”10 . A partir daí, toda a complexidade associada à tese, e da

qual seu enunciado simplificado não dá conta, está ligada à ordenaçãodas soluções que serão dadas às questões da natureza dessas

substâncias simples, da natureza das coisas compostas, da relação entre

essas duas ordens, na medida em que essas questões envolvem, para

Leibniz, o conjunto da metafísica tal como ele a entende.

* * *

É desse ponto de vista que a questão do sentido e da natureza

de um idealismo leibniziano está, há mais de vinte anos agora, no

centro de um grande debate nos estudos leibnizianos, principalmente

de língua inglesa. Uma certa indeterminação de vocabulário faz com

que esse idealismo seja chamado às vezes também “fenomenalismo”

(dir-se-ia antes em francês “phénoménisme” [“fenomenismo”]).

Esse debate é característico da orientação tomada doravante

pela maior parte dos trabalhos, numerosos e, em geral, de excelentequalidade, consagrados à filosofia de Leibniz na área anglo-saxã. A

ênfase colocada prioritariamente durante muito tempo nas

interpretações que privilegiavam a lógica e a filosofia da linguagem

foisuplantada porum interesse, antes de tudo, pela metafísicaenquanto

tal. Os argumentos lógicos e o tratamento analítico de problemas não

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MICHEL FICHANT

desapareceram, mas aparecem apenas como meios de elucidação e de

justificação entre outros, e não são mais considerados como

inteiramente determinantes do sentido da metafísica de Leibniz, como

era o caso enquanto dominava o modelo de abordagem que se apoiava

nos grandes precedentes de Bertrand Russell e de Louis Couturat.

Em sua abertura, o debate em torno do fenomenismo e do

idealismo atribuídos a Leibniz levou a maior parte dos participantes,

mas não todos, a admitir um recorte segundo o qual, durante umperíodo chamado de “anos intermediários”, que abrangeria as duas

décadas de 1680 e 1690, Leibniz teria defendido uma concepção

aristotélicada substância corporal, como composta de matéria e forma,

ele teria sido inclinado a isso pela preocupação prioritária de dar à

física fundamentos conceituais sólidos11 .

Pôde-se conceder ou contestar a validade da interpretação

assim proposta dos anos intermediários, mesmo admitindo, em todo

caso, que a esses anos seguia-se um último período, o de uma últimametafísica que abandonaria as escolhas realistas precedentemente

justificadas pela prioridade atribuída à questão dos fundamentos da

física. Seja como conseqüênciado Sistema Novo (1695) e da introdução

consecutiva da palavra “mônada” como designação da substância em

sentido primeiro, seja a partir dos primeiros anos 1700, com a

formulação definitivamente completada tese monadológica (a transição

tendo sido operada na correspondência com De Volder), Leibniz teria

abandonado essa concepção em proveito da restrição da noção desubstância às mônadas, concebidas como almas ou sujeitos análogos

às almas, recusando qualquer realidade substancial aos corpos,

remetidos ao plano de fenômenos.

A expressão mais conseqüente e mais acabada de um idealismo

leibniziano desse tipo foi exposta por Robert Merrihew Adams,

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principalmente na terceira parte de sua grande obra Leibniz.

Determinist, Theist, Idealist , Oxford University Press, 199412 .

R. M. Adams cita uma passagem bem conhecida da carta de

30 de junho de 1704 a De Volder, da qual dou aqui a restituição

completa:

E inclusive, para considerar a questão com atenção,

é preciso dizer que não há nada nas coisas além das

substâncias simples e, nelas, a percepção e a apetição; amatéria e o movimento, porém, não são substâncias ou

coisas, mas fenômenos dos que percebem e sua realidade

reside na harmonia dos que percebem consigo mesmos

(em tempos diferentes) e com os outros que percebem. 13

R. M. Adams explora esse texto em termos que são, a meu

ver, hiperbólicos: “O princípio mais fundamental da metafísica de

Leibniz é que ‘não há nada nas coisas além de substâncias simples e,

nelas, as percepções e as apetições’ (GP II, 270). Isso implica que os

corpos, que não são substâncias simples, só podem ser construídos a

partir de substâncias simples e de suas propriedades de percepção e

apetição” (op. cit., p. 217).

É sempre arriscado isolar de seu contexto um enunciado

leibniziano para reconhecernele um princípio, e mais ainda um princípio

declarado mais fundamental que os outros. Quando formula essa

proposição, Leibniz evitou atribuir a ela uma tal caracterização. Esse

seria antes para ele o lugar que o princípio de razão ocupa – masdeixemos isso de lado. Eu observaria, antes de voltar a isso, quanto à

estrutura e ao léxico do argumento apresentado aqui:

1/ que Leibniz fala, para aí reconhecer os “fenômenos dos que

percebem”, da matéria e do movimento, mas não, como lhe atribui a

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paráfrase de Adams, de corpos. Para que essa paráfrase fosse uma

tradução conceitual correta, seria preciso que Leibniz considerasse

que matéria e movimento são os constituintes suficientes da natureza

do corpo, o que não é o caso.

2/ que Leibniz não apresenta a redução fenomênica da matéria

e do movimento (e não dos corpos enquanto tais) como uma

conseqüência extraída do princípio de que as únicas substâncias são

as substâncias simples, mas antes como uma proposição que écomplementar a esse princípio e independente dele, e que deve,

portanto, ter recebido alhures sua justificação.

As posições tomadas e presentes no debate partem, em geral,

da dificuldade que haveria em conciliar duas teses de Leibniz: essa

mencionada agora, segundo a qual os corpos seriam apenas fenômenos

das mônadas, estes compreendidos como o que aparece às mônadas

como a sujeitos que percebem, e aquela segundo a qual os corpos são

“agregados de mônadas”ou, como Leibniz sublinha serpreferível dizer,“resultantes das mônadas”. A versão mais radical da primeira tese

consiste em reduzir toda a realidade do fenômeno apenas à realidade

objetiva, no sentido escolástico-cartesiano, isto é, em um outro

vocabulário, ao que seria identificado como conteúdo representacional

da percepção de uma mônada qualquer. Atribui-se a Leibniz, assim,

uma forma de idealismo próxima à de Berkeley. A questão é

evidentemente, então, construir uma interpretação coerente dos textos,

de resto mais numerosos, quefazem doscorposagregados(resultantes)de mônadas. Se se parte antes dessa segunda tese, tratar-se-á então de

compreender como um agregado de mônadas de algum modo se

fenomenaliza: concebe-se nesse caso que haja nos corpos uma realidade

outra que a da mônada que percebe, a saber, a realidade de uma

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infinidade de outras mônadas que são os ingredientes ou os requisitos

desse corpo14 . Qualquer precaução que se tome, não se pode fazer

outra coisa que propor variantes da teoria da deformação perceptiva,

segundo a qual a apreensão de multiplicidades por um espírito finito

embaralha a distinção de seus elementos na representação confusa de

um corpo contínuo e de suas propriedades sensíveis (missperception

thesis)15 .

* * *

Há, entretanto, boas razões para pensar que a última metafísica

deLeibniz não se reduz a essa caracterização unilateral de um idealismo

que negaria qualquer possibilidade de legitimar, no contexto da tese

monadológica, um conceito de substância corporal propriamente dita.

Consideraremos aqui as três seguintes razões:1/ Do ponto de vista genético, a tese monadológica provém

originariamente da busca de um fundamento para a realidade dos

corpos.

Um ponto foi suficientemente estabelecido em 1986 por André

Robinet16 : quando o conceito de mônada encontra definitivamente

sua denominação em 1696, é para assumir o posto da operação já

tentada na época anterior através da reabilitação das formas

substanciais. O Discurso de metafísica apresentava uma duplaconcepção da substância: de um lado a substância individual definida

por sua noção completa (segundo o que deu lugar à chamada teoria

lógica da substância), exemplificada principalmente pelos sujeitos de

ação ou “personagens” da história do mundo (Alexandre, César, Pedro,

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Judas, etc.); de outro, a forma substancial, exigida para se conceber

em que os corpos podem comportar uma realidade além da

simplesmente fenomênica. Tratando-se dessa segunda versão, André

Robinet também estabeleceu de forma indiscutível que, lido através

de todos os estratos de escritura de seus estados genéticos, o texto do

Discurso de metafísica é atravessado por uma tensão (uma

“disjunção”) entre duas interpretações: de um lado, se os corpos são

substâncias, e uma vez que a extensão, contrariamente ao que sustentaDescartes, não basta para constituir uma substância, então é preciso

recorrer às formas substanciais reabilitadas pela noção de força para

dar conta da identidade persistente da realidade corporal; mas, de um

outro lado, a fórmula permanece condicional e pode dar-se que os

corpos não sejam substâncias, mas somente fenômenos verdadeiros

como o arco-íris. Que seja dito entre parênteses, essa tensão ou

disjunção deveria ser suficiente para estabelecer que a possibilidade

do idealismo já estava inscrita no princípio mesmo dos anos ditosmédios e para, assim, colocar em dúvida a univocidade da adesão de

Leibniz durante esse período a um realismo aristotélico da substância

composta de matéria e forma.

Tentei, de minha parte, mostrar que é a discussão com Arnauld

que levou Leibniz pouco a pouco às fórmulas que balizam o campo da

tese monadológica, totalmente ausente do Discurso de metafísica17 .

Pois, contrariamente ao que uma longa tradição de aproximações

conceituais permitiu sustentar, a substância individual do Discursonão é a mônada. Nem do lado da substância individual, nem do lado

da forma substancial intervém o argumento que coloca em jogo as

multiplicidades e as unidades, os compostos e os simples.

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Uma primeira fase da correspondência com Arnauld apóia-se

exclusivamente na doutrina da noção completade substância individual.

É somente uma vez que esse debate se encerra que se abre uma nova

discussão, apoiada simultaneamente na solução proposta ao problema

da união da alma e do corpo, que ainda não é chamada de harmonia

preestabelecida, e na questão da substancialidade dos corpos. O

desenvolvimento das respostas suscitadas pelas interrogações de

Arnauld sobre o sentido da reabilitação das formas substanciais, nessesegundo período da correspondência, permitiu produzir pouco a pouco

as condições da formulação da tese monadológica. A carta de 30 de

abril de 1687 marca, desse ponto de vista, o momento decisivo no

qual Leibniz termina por reconhecer como sua a caracterização da

substância que Arnauld tinha desvelado nos textos em que ela era

tacitamente assumida, sem ser ainda expressamente formulada: “A

substância exige uma verdadeira unidade” (GP II, 96), ou ainda,

“ … não concebo nenhuma realidade sem uma verdadeira unidade”(97). Uma vez que a completude da noção cede o passo à unidade do

ser, a tese monadológica pode ser enunciada pela primeira vez, muito

antes do recurso à denominação mesma de “mônada”. Deixando de

lado as definições escolásticas, é preciso agora “considerar as coisas

de bem mais alto”, no nível da relação entre o uno e o múltiplo, que

uma série de formulações vai munir de suas variações:

Todo ser por agregação supõe seres dotados de

uma verdadeira unidade, porque só tem realidade a partirda realidade dos seres de que é composto […] Se há

agregados de substâncias, é preciso também que haja

verdadeiras substâncias de que os agregados são feitos

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[…] Não há multiplicidade sem verdadeiras unidades […]

O plural supõe o singular (GP II, 96-97).

Faltam ainda, evidentemente, etapas a cumprir, mas as

condições conceituais que exigem, por assim dizer, por si mesmas o

recurso à velha palavra grega que quer dizer unidade já estão reunidas.

Se, então, a tese monadológica e, com ela, a constituição definitiva do

próprio conceito de mônada intervêm diretamente na continuidade da

discussão sobre as formas substanciais, é exatamente porque ela deve

responder à mesma questão: a de saber em que consiste a

substancialidade dos corpos, se eles são substâncias ou, pelo menos,

se comportam em si alguma coisade substancial. É preciso acrescentar,

enfim, que, no momento em que a análise dá essa volta, ela assume

uma interpretação que se aproxima mais do sentido da versão idealista.

Pois, se é preciso reconhecer unicamente por substâncias os “Seres

completos, dotados de uma verdadeira unidade [...], todo o resto sendo

apenas fenômenos, abstrações ou relações!”, segue que os compostos,

possuindo uma unidade apenas acidental, não são propriamente

substâncias. Sem dúvida conceder-se-á

que há graus de unidade acidental, que uma

sociedade regrada tem mais unidade que uma turba

confusa, e que um corpo organizado ou uma máquina tem

mais unidade que uma sociedade, isto é, é mais adequado

concebê-los como uma única coisa, porque há mais

relações entre os ingredientes; mas, enfim, todas essasunidades recebem seu acabamento dos pensamentos e

aparências, como as cores e outros fenômenos, que não

deixam de ser chamados de reais. […] pode-se, portanto,

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dizer desses compostos e coisas semelhantes o que

Demócrito falava tão acertadamente deles, a saber, esse

opinione, lege, nómôi. E Platão tem a mesma opinião a

respeito de tudo o que é puramente material (GP II, 101).

Notemos que aqui o corpo organizado, colocado no mesmo

plano que a máquina, não se diferencia senão por um grau das outras

formas de multiplicidade. Veremos na seqüência a importância desse

ponto.

2/ O desenvolvimento da metafísica leibniziana do último

período, mesmo situando seu início depois de 1700, não dispensa a

exigência de uma caracterização de uma verdadeira “substância

corporal”.

Coloquemo-nos agora bem perto do fim, no momento em

que Leibniz chega à expressão final de sua última metafísica. As

primeiras linhas do texto sem título, ao qual seu tradutor alemão deu

um em 1720, o universalmente conhecido Monadologia, e as dos

Princípios da Natureza e da Graça restituem o conteúdo essencial

dessa metafísica sob a forma mais lapidar: a mônada é uma substância

simples que entra nos compostos, e é preciso que haja mônadas, uma

vez que há compostos e que as multiplicidades supõem sempre as

unidades de que são feitas ou das quais tiram sua realidade derivada.

Assim formulada, a tese pode sem dúvida sustentar uma

interpretação idealista e fenomenista. De um lado haveria as mônadas,

substâncias simples, sem partes, cuja natureza é perceber e passar deuma percepção a outra e a percepção é inexplicável por razões

mecânicas. De outro lado, haveria apenas agregados, que não possuem

nunca unidade intrínseca, e cuja unidade nominal é sempre relativa à

percepção, isto é, ao mesmo tempo à seqüência coerente de percepções

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de uma mônada e ao acordo das percepções das mônadas entre si. O

texto da Monadologia, lido estritamente, pode encorajar essa maneira

de ver: a substância figura nele apenas como substância “simples”,

portanto como mônada, e jamais como “substância composta”; o termo

“composto(s)” é empregado sempre como um neutro, para designar

alguma coisa que, precisamente, não chega ao nível ontológico da

substância.

É verdade que Wolff, sobre o qual se afirma, comoconseqüência de um trabalho de A. Lamarra, ser o autor da tradução

latina da Monadologia publicada em 172118 , não se incomodou por

forçar o texto para o sentido de sua própria interpretação da física do

simples e do composto, traduzindo “les composés” [“os compostos”]

por“substantiae compositae”, ao passo que ele devia se contentar em

designar sem adição como os “composita”. Mas isso talvez se dê

porque ele tinha também sob os olhos uma cópia do texto

contemporâneo àquele, os Princípios da Natureza e da Graça, quesugeria essa infidelidade literal, uma vez que dessa vez encontramos

as expressões “substância composta”, e mesmo “substância viva”,

assim introduzidas:

1. A substância é […] simples ou composta. A

substância simples é aquela que não possui partes. A

composta é a reunião de substâncias simples ou mônadas

[…] 3. […] cada substância simples ou Mônada distinta,

que constitui o centro de uma substância composta (como,por exemplo, um animal) e o princípio de sua Unicidade,

está rodeada por uma Massa composta de uma infinidade

de outras Mônadas, que constituem o corpo próprio desta

Mônada central, a qual representa, segundo as afecções

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desse corpo, como em uma espécie de centro, as coisas

que estão fora dela. […] 4. Cada Mônada, com seu corpo

particular, constitui uma substância viva.

Em que sentido a massa que rodeia a “mônada distinta” pode

ser dita “composta de uma infinidade de outras Mônadas”, uma vez

que se admita o uso do conceito de “substância composta”? No curso

dos anos precedentes, e ao longo de todo o período que se diz ser

dominado pela tese idealista, em que se nega aos corpos a realidade

substancial, há, todavia, numerosas provas da busca constantemente

empreendida de uma caracterização, no quadro monadológico, de uma

verdadeira “substância corporal” ou “substância composta”. Deixo

de lado aqui o emprego central de “substância composta” na

correspondência com Des Bosses, que está associada à elaboração

particular do Vinculum substantiale. Mas a noção de substância

composta permanece, entretanto, independente dessa doutrina, e em

textos como o dos Princípios da Natureza e da Graça pode ser

considerada como o equivalente da doutrina da substância corporal.

Sem entrar no detalhe das provas textuais, lembrarei, entre outras

menções possíveis, um fragmento muito interessante, recentemente

publicado, para o qual proporei de bom grado a data de 1709: “A

substância composta é a Mônada considerada com seu corpo orgânico,

como um homem, um carneiro”. Ou ainda uma carta de 1711, na qual

Leibniz define a substância corporal como a que “consiste em uma

substância simples ou mônada (isto é, uma alma ou alguma coisaanáloga à alma) e no corpo orgânico que está unido a ela” 19 .

Donde resulta que uma cláusula inteiramente especial é

requerida para que haja propriamente substância corporal: para isso,

é preciso que, do lado do que constitui o componente físico dessa

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substância, seja preenchida uma condição especial, é preciso que se

trate de um corpo orgânico. O que é, então, para Leibniz, um corpo

que corresponde a essa característica?

3/ O Organismo é aquilo cuja consideração impede Leibniz

de deixar a última palavra a um idealismo tal como o que lhe atribuem

as variantes da interpretação anglo-saxã.

Tentei em um artigo recente20 circunscrever o momento

decisivo no qual Leibniz apodera-se da caracterização do corpoorgânico que lhe é própria: ela se enuncia no conceito e na denominação

de “maquina da natureza”, e é precisamente em 1695, no Sistema

novo, que Leibniz elabora pela primeira vez esse conceito.

Imediatamente, ele introduz uma diferença que desta vez não é mais

gradual, mas essencial, entre as máquinas da natureza e as outras

máquinas como em geral e a fortiori todas as outras formas de

multiplicidade material; em um texto escrito em 1702, ele associa

diretamente o conceito de “máquina da natureza” à publicação doSistema novo, evocando “a grande diferença […] que há entre as

máquinas da natureza e a arte, explicada quando foi publicado o sistema

novo no Journal des savants”21 . A grande diferença é que as máquinas

artificiais originadas de nossa engenhosidade comportam apenas um

número finito de órgãos, que, separados, não são eles mesmos

máquinas, enquanto “uma máquina natural permanece máquina ainda

nas suas menores partes, e mais ainda, ela permanece sempre essa

mesma máquina que ela foi, transformando-se apenas pelas diferentesdobras que recebe, e tanto extensa como condensada, quando se crê

que ela se perdeu”22 . No § 64 da Monadologia, isso dará:

[…] uma Máquina, construída segundo a arte

humana, não é Máquina em cada uma de suas partes. Por

exemplo, o dente de uma roda de latão tem partes ou

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fragmentos que não são mais para nós algo artificial e não

têm mais nada que identifique a Máquina para o uso da

qual está destinada a roda. Mas as Máquinas da Natureza,

isto é, os corpos vivos, são Máquinas inclusive em suas

menores partes até o infinito.

A partir de 1704, Leibniz usará o termo de sua invenção,

“Organismo”, para significar não, como em nosso uso corrente, tal

ser determinado, que designamos como um organismo, e que nos

permite falar noplural em organismosvivos, mas o modode ser, sempre

no singular, segundo o qual o corpo orgânico é constituído pelo

envolvimento infinito de órgãos, no qual os elementos da máquina

são sempre também máquinas, isto é, composições funcionais de

instrumentos ordenados a um fim.

É precisamente esse modo de ser que permite a um corpo

determinado adquirir um regime de substancialidade, constituindo o

que Leibniz chama também de um “animal”; só correspondem a

substâncias corporais os animais cujo corpo orgânico – máquina da

natureza – é atualizado ou realizado por uma alma ou, melhor, pela

enteléquia primitivada substância simples que é suamônada dominante

ou principal.

Só conto como substâncias corporais as máquinas

da natureza que possuem almas ou algo de análogo; de

outra maneira não haverá verdadeira unidade (A Jaquelot,

22 de março de 1703, GP III, 457).

Na declaração citada, na qual Robert Adams vê a fórmula do

que será “o princípio mais fundamental de (sua) metafísica”, Leibniz,

como já observei, atribui apenas à matéria e ao movimento não serem

substâncias ou coisas, mas fenômenos da percepção. Não são, pois,

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os corpos que são ditos assim, uma vez que Leibniz, precisamente,

jamais reduziu a realidade dos corpos ao movimento e à matéria. Em

uma carta de 1699 a Thomas Burnett, na qual é exposta uma

aproximação muito precisa da realidadeda substância corporalsegundo

sua fundação monadológica, Leibniz opera rigorosamente a distinção,

nos corpos, “entre a substância corporal e a matéria”, e “distingue a

matéria primeira da segunda”. Com essa distinção é introduzida uma

noção tradicional cuja significação dada por Leibniz precisa seranalisada: o que é a “matéria segunda”?

A matéria segunda é um agregado ou composto

de várias substâncias corporais, como um rebanho é

composto de vários animais. Mas cadaanimal e cadaplanta

também é uma substância corporal, tendo em si o princípio

de unidade, que faz com que seja uma verdadeira

substância e não um agregado. E esse princípio de unidade

é o que se chama Alma ou então alguma coisa que temanalogia com a alma. Mas além do princípio de unidade, a

substância corporal tem sua massa ou matéria segunda,

que é ainda um agregado de outras substâncias corporais

menores, e isso vai ao infinito (GP III, 260).

Trata-se exatamente, portanto, de estabelecer ao mesmo tempo

a realidade de uma verdadeira “substância corporal” e, por outro lado,

sua irredutibilidade à matéria (e a fortiori, à extensão à qual Descartes

identificavaerroneamentea matéria).O conceito essencialqueintervémaqui é o de matéria segunda: é por ela que o corpo se apresenta, por

um dos aspectos de sua constituição, como um agregado, do qual a

composição numérica do rebanho (de ovelhas) fornece um modelo

intuitivo. Mas o próprio animal (a ovelha), que é um componente do

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agregado do rebanho, é outra coisa diferente do simples agregado do

rebanho, precisamente porque ele tem uma verdadeira unidade de

composição. Leibniz diz isso pelo menos uma vez de maneira

perfeitamente explícita: “Há, com efeito, uma grande diferença entre

um animal e um rebanho”23 .

Segundo um modelo cuja proveniência aristotélica é patente,

Leibniz constitui o animal deuma Enteléquia, que “é oualmaoualguma

coisaanáloga à alma, e sempre realiza naturalmente o corpo orgânico”,e desse próprio corpo, que, “considerado separadamente, isto é, pondo-

se à parte ou retirada a alma, não é uma substância única, mas um

agregado de várias, designando uma máquina da natureza”24 .

Pode-se, pois, distinguir-se agregado de agregado: um

amontoado de pedras ou um rebanho, por exemplo, não constituem

propriamente uma matéria segunda, uma vez que não são enformados

por uma enteléquia ou por alguma coisa análoga a uma alma. Dizer

um rebanho enunciaapenasumaunidade nominal e mental, inteiramenterelacionada à unicidade do nome que exprime a reunião de vários

elementos distintos sob uma só concepção ou percepção. Tais

agregados não são evidentemente substâncias corporais, e não se

concebe que eles possam ser. E o mesmo vale para as pedras que

compõem o amontoado, que tampouco são substâncias corporais. Mas

em relação à ovelha do rebanho, a análise toma um outro caminho: o

corpo dos animais constitui uma matéria segunda enformada pela alma

do animal

25

. Ora, a matéria segunda que entra em uma substânciacorporal se caracteriza como um agregado cujos componentes são

também substâncias corporais. Dito de outra maneira, a matéria

segunda não é diretamente um agregado de substâncias ou de mônadas,

mas um agregado composto de outras substâncias corporais cuja

implicação ao infinito funda a composição do corpo orgânico enquanto

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É por isso que haverá também, inversamente, corpos orgânicos

em toda parte, mesmo onde permanecem imperceptíveis a nossos

sentidos. Há como que uma lei de reciprocidade que exigea correlação

constantemente e universalmente mantida entre cada mônadae o corpo,

do qual Leibniz diz de maneira feliz, antecipando um uso futuro, que

o corpo é “próprio” a ela, e sem o qual, se ela fosse separada, ela seria

“um desertor da ordem universal”28 . A cada mônada seu corpo próprio

significa, então, tantas substâncias simples, quantas substâncias

corporais. Este é, no fim das contas, o princípio de adesão de Leibniz

a uma visão pan-animalculista da natureza “por onde se vê que há um

Mundo de criaturas, de viventes, deAnimais, de Enteléquias, deAlmas

na menor parte da matéria” e onde “cada porção da matéria pode ser

concebida como um jardim cheio de plantas e como um Lago cheio de

peixes. Mas cada ramo da planta, cada membro do animal, cada gota

de seus humores é também um jardim ou um lago” (Monadologia, §§

66 e 67). Essa visão, que Leibniz sustentava muito seriamente e queera confirmada pelas pesquisas empíricas de seu tempo, não é

compatível com a redução idealista.

* * *

Há, entretanto, uma outra maneira de ser idealista diferente da

de Berkeley, a quem Leibniz tomava, alhures, por “ser desse gênerode homens que querem se dar a conhecer por seus paradoxos”29 . Em

uma Anotação célebre da Ciência da Lógica, Hegel define assim o

idealismo: “A proposição que o finito é ideal constitui o Idealismo. O

Idealismo, segundo a filosofia, não consiste em nada mais que não

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reconhecer o finito como um verdadeiro Ente. Toda filosofia é

essencialmente Idealismo ou, pelo menos, o Idealismoem seuprincípio,

e a questão é, então, somente, até que ponto esse princípio é

efetivamente acabado”. Algumas páginas adiante, em uma outra

Observação, ele nota ainda: “O ser representante de Leibniz, a Mônada,

é uma coisa essencialmente ideal”30 .

Em linguagem leibniziana, isso seria: o que o pensamento põe

como elementos últimos da realidade, as mônadas, são efetivamenteelementos inteligíveis. É de fato um idealismo, se se entende ainda, à

maneira platônica, uma ontologia segundo a qual os constituintes

últimos do ser são elementos ideais. Mas Leibniz quis também mostrar

como esses elementos reúnem-se em um Ente verdadeiro, desde que

compõem-se como a mediação infinita da qual a estrutura recursiva

das máquinas da natureza expõe a figura sensível. Isso certamente

não é um idealismo que reduziria indiferentemente a realidade dos

corpos unicamente ao conteúdo objetivo das representações sensíveis.O que havia em Leibniz de fidelidade constante ao aristotelismo o

dissuadiu de dar a última palavra a um idealismo filosófico que não

teria sabido dar conta, com e na realidade orgânica, da concretude

sensível do inteligível. É assim quesua filosofia cumpre,efetivamente,

o princípio do Idealismo, a ponto de Hegel poder dizer ainda que ela

“é a contradição completamente desenvolvida”31 .

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MICHEL FICHANT

8 Originalmente publicados por Couturat, Opuscules et fragments

inédits, op. cit., p. 356-399. Excelente edição com tradução alemã e

comentários por Franz Schupp, Allgemeine Untersuchungen über die

Analyse der Begriffe und Wahrheiten, Felix MeinerVerlag, Hamburg,

1982.

9 Para mais detalhes, cf. meu ensaio “L’invention métaphysique”, in

Introduction à Leibniz. Discours de métaphysique suivi de

Monadologie, et autres textes. Edição estabelecida, apresentada e

anotada por Michel Fichant, Gallimard, Paris, 2004.

10 Cf. respectivamente, Princípios da natureza e da graça, art. 1, “É

preciso que em toda parte haja substâncias simples porque sem as

simples não haveria compostos”, e “não há multiplicidades sem

verdadeiras Unidades”, carta à Princesa Sophie, 31 de octobre de 1705,

in Die philosophischen Schriften, ed. Gerhardt (citado doravante GP),

VII, p. 558, fórmula já literalmente presente na carta a Arnauld de 30

de abril de 1687, GP, II, p. 97.

11 O artigo de referência aqui é o de Daniel Garber : “Leibniz and the

Foundations of Physics : The Middle Years”, em The Natural

Philosophy of Leibniz, ed. by K. Okruhlik and J.R. Brown, Reidel,

Dordrecht, 1985.

12 Esse capítulo retoma e estende consideravelmente o artigo mais

antigo do mesmo autor “Phenomenalism and Corporeal Substance in

Leibniz”, Midwest Studies in Philosophy, 8 (1983),13 GP, II, p. 270.

14 Essa interpretação foi exposta por Donald Rutherford em uma série

de artigos: “Phenomenalism and the Reality of Body in Leibniz’s Later

Philosophy”, Studia Leibnitiana, 22 (1990); “Leibniz Analysis of 

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

Multitude and Phenomena into Unities and Reality”, Journal of the

History of Philosophy, 28 (1990); “Leibniz and the Problem of Monadic

Aggregation”, Archiv für Geschichte der Philosophie, 76 (1994).

15 Sustentada, por exemplo, por Nicholas Jolley, “Leibniz and

Phenomenalism”, Studia Leibnitiana, 18 (1986).

16 Architectonique disjonctive, automates systémiques et idéalité 

transcendantale selon G. W. Leibniz, Paris, Vrin, 1986.17 “L’invention métaphysique”, op. cit., p. 81-95.

18 Cf. Antonio Lamarra, Roberto Palaia, Pietro Pimpinella. Le prime

traduzioni della “ Monadologie” di Leibniz (1720-1721). Introduzione

storico-critica, sinossi di testi, concordanze contrastive, Firenze,

Olschki, 2001.

19 Respectivamente: “Substantia composita est Monas sumta cum suo

corpore organico, ut homo, ovis” (Texto inédito publicado por Enrico

Passini em sua obra Corpo et funzione cognitivi in Leibniz, Franco

Angeli, Milano, 1996, p. 208); “Substantiam corpoream voco, quae in

substantia simplice seu monade (id est anima vel Animae analogo) et

unito ei corpore organico consistit”, a Bierling, 12 de agosto de 1711

(GP VII, p. 501).

20 “Leibniz et les machines de la nature”», Studia Leibnitiana, 35/1

(2003) [publicado em 2005]. Uma versão preliminar desse artigo foi

publicada em português: “Leibniz e as máquinas da natureza”, Dois

Pontos, Revista dos Departamentos de Filosofia da Universidade

Federal do Paraná e da Universidade Federal de São Carlos, vol. 2,

num. 1, 2005.

21 Adição à Explicação do Sistema novo …, GP IV, p. 575.

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MICHEL FICHANT

22 Sistema novo da natureza e da comunicação das substâncias, GP

IV, p. 482.

23 “Multum enim interest inter animal et gregem”, em um opúsculo de

1702, GP IV, p. 395.

24 Ibid., p. 395-396.

25 “Assim, não digo na verdade que um pedaço de pedra seja em si

mesmo uma substância corporal animada ou dotada de um princípiode unidade e de vida; mas antes que há em toda parte tais substâncias

equenãohánenhumpedaçodamatérianoqualnãohajaouanimalou

planta, ou qualquer outro corpo orgânico vivo, embora só conheçamos

plantas e animais. De sorte que uma massa de matéria não é

propriamente o que chamo de uma substância corporal, mas um

amontoado ou um resultado (aggregatum) de uma infinidade dessas

substâncias, como um rebanho de carneiros ou um monte de larvas”,

Eclaircissement sur les Natures Plastiques et les Principes de Vie et de Mouvement (GP VI, 550).

26 “Accurate autem loquendo materia non componitur ex unitatibus

constitutivis, sed ex iis resultat”, carta a De Volder de 30 de junho de

1704 (GP II, p. 268).

27 A vida consiste para Leibniz em “percepção e apetite”,

Animadversiones circa assertiones aliquas Theoriae medicae verae

Clar. Stahlii, § VIII (Dutens II-2, p. 137).

28 “Os corpos orgânicos não estão nunca sem almas, e […] as almas

não estão nunca separadas de qualquer corpo orgânico […] Não

admito, portanto, que haja almas inteiramente separadas, nem que

haja Espíritos criados inteiramente destacados de algum corpo […] as

criaturas que ultrapassassem ou estivessem livres da matéria estariam

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destacadas, ao mesmo tempo, da ligação universal, e seriam como

desertores da ordem geral”, Considérations sur les Principes de Vie

et sur les Natures plastiques, 1705 (GP VI, p. 545-546).

29 “Qui in Hybernia corporumrealitatem impugnat, videtur necrationes

afferre idoneas, nec mentem suam satis explicare. Suspicor esse ex eo

hominum genere, qui per Paradoxa cognosci volunt”, carta a Des

Bosses de 15 de março de 1715 (GP II, p. 492). Tradução francesa de

Christiane Frémont em L’être et la relation. Lettres de Leibniz à Des

Bosses, Paris, Vrin, 1981, p. 237.

30 A Ciência da Lógica, Doutrina do Ser , Primeira seção,

respectivamente do cap. 2, c, Anotação 2, depois do cap. 3 A, b,

Anotação.

31 Encyclopédie des sciences philosophiques, I La Science de la

Logique, § 194. Trad. Bernard Bourgeois, Paris, Vrin, 1979, p. 435.

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

of the impossibility of a simultaneous and articulate vision of all of theelements of a compound and, thus, we are lead in the direction of adeterminable universality. The fundaments, procedures and risks in-

volved therein constitute the subject of this text.

* * *

“A mathesis universalis é a ciência da quantidade em geral, ou

da razão que calcula (de ratione aestimandi) que assinala os limites

dentro dos quais algo possa ocorrer. E porque toda criatura tem limites,

então pode-se dizer que, tal como a metafísica é a ciência geral das

coisas (scientia rerum generalis), assim a mathesis universalis é a

ciência geral das criaturas (scientiam creaturarum generalem).”1 A

diferença que se pode estabelecer entre Leibniz e Descartes a partir de

um texto como este serve para nos introduzir na compreensão da

concepção leibniziana de universalidade. Para Descartes, a Mathesis

Universalis, ao revelar os fundamentos metódicos da Matemática,

desvenda os arcanos da razão. O teor de racionalidade que se pode

esperar de qualquer conhecimento possível está de antemão ilustrado

na evidência matemática, que deve a partir daí ser entendida como

modelo universal. Descartes distingue claramente a Matemática da

Mathesis Universalis: tal distinção, entretanto, não deixa de carregar

uma ambigüidade, posto que esta instância mais profunda da

matemática nos permitirá atingir, ao fim e ao cabo, o carátermatematizante de todo conhecimento. Poderíamos dizer, portanto,

que, embora Descartes ambicione chegar a um nível de evidência

metódica mais profundo e mais abrangente do que a aritmética e a

geometria, esta camada fundamental estaria ainda no domínio de uma

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FRANKLIN LEOPOLDO E SILVA

Matemática, desde que a consideremos nas suas possibilidades mais

fundamentais de racionalidade. Afinal a ciência geral da Ordem e da

Medida não se constitui como um gênero diferente da Matemática,

vista na sua maior generalidade possível. Assim, o caráter

demonstrativo do conhecimento estará definitivamente comprometido

com um modelo de evidência que, estabelecido a partir de uma ciência

determinada, assegura, sem superar a configuração desta ciência, a

universalidade da certeza.Leibniz julga poder apontar as limitações nesta visão cartesiana

dos fundamentos e do alcance da evidência, e isto a partir de uma

identificação da definição de Mathesis como ciência da Ordem e da

Medida à ciência da quantidade. Essa identificação entre o sentido

geral da Matemática e a quantidade atua como um operador crítico

frente ao processo cartesiano de constituição dos fundamentos da

evidência, indicando a restrição do modelo. Desta forma fica

questionada a legitimidade da passagem da evidência matemática àuniversalidade da evidência. O que a crítica de Leibniz atinge, na

verdade, é a afirmação, implícita na concepção cartesiana, da

identificação entre evidência e evidência matemática. EmboraDescartes

nunca tenha dito que a noção de Mathesis Universalis implicava uma

simples extensão da evidência matemática para o domínio de todo o

conhecimento, a universalidade da Ordem e da Medida como critérios

fundamentais de inteligibilidade aparece, para Leibniz, como a

sobreposição, indevida, da Matemática ao conhecimento racional. AMathesis Universalis, como ciência da quantidade, não tem o alcance

geral que Descartes reivindicara. Ela não pode ser considerada

verdadeiramente como uma ciência geral, mas sim como “ciência da

quantidade em geral”. Ora, poderíamos dizer que o geometrismo

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

A “razão” de outras proposições contingentes encontra-se na

compreensão metafísicada estruturado universo.Através destas razões

todas as verdades, mesmo as contingentes, sãoremetidas à necessidade

e à universalidade.

Esta última observação nos remete à questão da vigência, em

Leibniz, do pressuposto cartesiano da unidade da razão. Não só este

pressuposto é conservado, como também se pode dizer que a teoria

leibniziana da verdade o leva até as últimas conseqüências. “Verdadeiraé uma afirmação cujo predicado está incluído no sujeito, e assim, em

toda proposição afirmativa, necessária ou contingente, universal ou

singular, a noção do predicado de algum modo está contida na noção

do sujeito; de maneira que quem compreendesse perfeitamente ambas

as noções do modo como Deus as compreende veria assim claramente

que o predicado está incluído no sujeito.”5 O caráter analítico da

verdade implica a absoluta necessidade regendo qualquer relação entre

sujeito e predicado, de tal forma que a verdade da proposição repousaem última análise na identidade fundamental entre os dois termos.

Como isso se aplica a toda proposição, “necessária ou contingente,

universal ou singular”, o conhecimento repousa num fundamento

universal que garante a relação analítica dos termos da proposição.

Existe, portanto uma instância de inteligibilidade fundamental que

justifica o projeto de racionalismo integral como característica do

pensamento de Leibniz: tal instância deve ser concebida como anterior

a todo e qualquer conteúdo proposicional, seja ele de caráter físico oumetafísico. Só pode, neste sentido, ser uma instância formal, aquém

mesmo da distinção da evidência matemática, caso exemplar de

demonstrabilidade e de ligação analítica. Esta instância, para Leibniz,

é a Lógica.

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

deve, no limite, vinculá-lo, por mediação de várias regras e leis

subalternas, às leis universalíssimas que em última instância explicam

o lugar de cada indivíduo na totalidade, e nos fariam ver também que

ele a expressa necessariamente. A plena racionalidade levaria a

compreender a individualidade, na sua singularidade própria, como

expressão sempre adequada do universal. Por isto podemos dizer que

o motivo pelo qual não podemos conhecer nem o indivíduo nem o

universal pleno é, no limite, o mesmo.As relações estabelecidas entrecontingência e necessidade no §13 do Discurso de Metafísica não

deixam dúvida quanto à possibilidade, existente de direito, ao menos,

de compreender o contingente como necessário ex hypothesi como

um grau menor de necessidade se comparado à necessidade absoluta,

aquela que deriva diretamente do princípio de contradição. Embora a

primeira dependa de umaescolha de Deus, existencialmente explicitada

por meio de um decreto, o que permite que pensemos escolhas diversas

como possíveis e não contraditórias com as efetivamente decretadas,aindaassimaregradeperfeiçãoquenosimpededeconceberummundo

mais perfeito nos leva a atribuir necessidade aos decretos, e por esta

via às realidades livremente decretadas por Deus. É preciso lembrar

que o Deus leibniziano se caracteriza pela absoluta consistência entre

todos os seus predicados, o que não permite que estabeleçamos nele o

primado da vontade, como seria o caso do Deus cartesiano, nem

mesmo, creio que se possa dizer, qualquer diferença, em termos de

efetividade de ação, entreos predicados lógicos e os predicados ligadosà perfeição moral. Por isto, à integridade da estrutura lógica do mundo

criado corresponde a sua máxima perfeição, embora esta derive da

liberdade divina e não do Princípio de contradição unicamente. Como

em Deus o saber e o poder não podem ser concebidos por meio de

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FRANKLIN LEOPOLDO E SILVA

qualquer relação de subordinação, a universalidade racional recobre

tanto o aspecto lógico quanto o aspecto moral da ação criadora. Daí 

a possibilidade de reconduzir a contingência à necessidade e a

particularidade individual à universalidade das leis fundamentais.

Permanece, no entanto, a impossibilidade de fato de que isto

ocorra no plano do intelecto humano. É preciso desde logo afastar

uma possível objeção ou falso problema. Esta impossibilidade não

configura uma oposição entre o intelecto humano e o intelecto divino.Para Leibniz, a relação entre o humano e o divino no plano da

racionalidade é de participação. Mesmo não aceitando o pressuposto

ontológico da Teoria da Reminiscência em Platão (pré-existência da

alma) Leibniz adota os resultados desta teoria, que nele passa a ter

uma base ontológica na concepção do inatismo radical conjugada com

a idéia de virtualidade. A partir disto temos condições de pensar o

intelecto humano como participante do divino, de forma tal que a

homogeneidade fundamental não impeça a diferençaradical, concebidana fronteira entre qualidade e quantidade, posto que se trata de uma

relação entre finito e infinito.Assim, não devemos entender que Deus

tem simplesmente um conhecimento mais completo do que o nosso,

mas que o seu conhecimento é de outra qualidade – qualidade esta

que deriva da possibilidade da visão simultânea de todas as relações e

assim também da simultaneidade das razões e dos seus efeitos, sejam

estes necessários ou contingentes. Desta forma Leibniz, no

cumprimento de seu projeto de racionalidade integral, concebe aunidade da Razão de modo a incluir a razão humana no mesmo âmbito

formal da razão infinita de Deus.

No entanto, como já dissemos, esta homogeneidade

fundamental nãoimpedeas limitações do intelecto humano, que Leibniz

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FRANKLIN LEOPOLDO E SILVA

mesmos problemas que aparecem no plano das verdades de fato. Mas

isto nos mostra também a relevância do símbolo para o conhecimento:

é precisamente porque podemos estabelecer significadosunívocos para

os símbolos matemáticos que esta ciência é verdadeiramente

demonstrativa. A certeza da matemática provém de uma eficiência

simbólica — se assim se pode dizer — que as palavras não possuem.

O caráter analítico das significações matemáticas está sempre presente

em todas as operações simbólicas. Eis a razão pela qual nem sequer secoloca o problema da universalidade nas demonstrações desta ciência.

O princípio de contradição é fundamento direto.

A relevância do conhecimento simbólico não modifica a sua

condição epistemológica, inferior à dos conhecimentos claros e

distintos. Por isto dissemos antes que se trata de superar

operatoriamente a dificuldade de conhecer claramente os compostos.

O ideal seria a visão clara, distinta e simultânea de todos os elementos

do composto, o que seria o conhecimento intuitivo, termo que temem Leibniz uma acepção diferente da cartesiana, já que reúne as

virtudes do conhecimento analítico e do conhecimento direto, que

para Leibniz só é possível como identidade formal. Como a forma

intuitiva está fora do alcance do intelecto humano no caso dos

compostos — a menos que cada composto fosse sempre inteiramente

analisado, o que não é factível — Leibniz procura resgatar a

legitimidade do conhecimento simbólico, mesmo porque ele está

presente necessariamente com muita freqüência em nossa atividadeintelectual. Por isto mesmo é que cumpre estabelecer com rigor os

requisitos que deveriam tornar o conhecimento simbólico

absolutamente seguro, eliminando assim o risco, mencionado

anteriormente, da substituição da explicação analítica dos termos pela

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FRANKLIN LEOPOLDO E SILVA

de comunicação do pensamento, de juízos e de invenção dotados de

total demonstrabilidade. Desta forma a expressão permitiria uma

ponderação (o “peso” da sabedoria bíblica) que poderia ser efetuada

simultaneamente aos enunciados, de forma que o acordo acerca de

possíveis controvérsias se faria por meio do cálculo, isto é, por meio

de uma operação que utilizaria símbolos unívocos e regras

explicitamente estabelecidas. Trata-se, portanto do instrumento

privilegiado, talvez o único perfeitamente adequado, da razão

calculadora.

Vê-se porque um tal instrumento permitiria superar os riscos

do conhecimento simbólico. Não haveria qualquer elemento lexical

que não correspondesse à transparência analítica requisitada pelo

conhecimento simbólico. Neste caso, a universalidade da certeza,

derivada da evidência de todos os termos utilizados na cadeia

demonstrativa, estaria assegurada de antemão, pela própria índole dos

termos empregados. Nenhuma obscuridade subsistiria numa tal notaçãode idéias. E a expressão da realidade ficaria garantida pelo pressuposto

leibniziano da identidade entre lógica e ontologia no plano das relações.

Como o conhecimento é cálculo de relações, todos os campos do

saber poderiam contar com a mesma evidência matemática, não por

terem sido “matematizados”, mas por corresponderem às formas

fundamentais do cálculo demonstrativo. Em todos os setores do saber

a universalidade lógica estaria então imediatamente presente.

Trata-se de um instrumento, mas pode-se ver o quanto ele énecessário para a realização do ideal leibniziano de um racionalismo

integral. Não é por outra razão que um tal instrumento está revestido

das características metafísicas e teológicas com que ele se apresenta

na exposição leibniziana. Apesar de todos os problemas que a

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

Característica Universal apresenta — apontados por vários

comentadores — o projeto se inscreve perfeitamente na concepção

rigorosamente formalista da universalidade da verdade. A

universalidade deve ser atingida, como diz Leibniz, “para além das

palavras”.

Notas

1 Leibniz, G., Mathesis Universalis, in Gerhardt, Matematische

Schriften, VII, p.53, apud Cardoso, A., Leibniz Segundo a

expressão, Lisboa: Colibri, 1992, p.32.2 Leibniz, G., Verdades necessárias y contingentes, in Escritos

Filosóficos, org. Ezequiel de Olaso, Buenos Aires: Charcas, 1982,

p.338ss (o título foi dado pelo organizador do volume).3 Idem, ibidem, p.331.4 Idem, ibidem, p.331.5 Idem, ibidem, p.328.6 Idem, ibidem, p.332.7 Leibniz, G., Meditaciones sobre el conocimiento, la verdad y las

ideas, in Escritos Filosoficos, ob. cit., pp.271 ss.8 Idem, ibidem, p.272-273.9

Idem, ibidem, p.273.10 Idem, ibidem, p.273.11 Leibniz, G., Historia y Elogio de la Lengua ou Característica

Universal, in Escritos Filosóficos, ob. cit., p.165.12 Idem, ibidem, p.166.

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LUÍS CÉSAR OLIVA

Bondade Divina e Contingência em Leibniz

LUÍS CÉSAR OLIVA*

* Professor do Departamento de Filosofia da FFLCH-USP.

Resumo: Em sua correspondência comArnauld, Leibniz mostra comoo recurso à vontade divina é fundamental para garantir o espaço da

contingência no interior de uma metafísica que não permite aindeterminação. No entanto, ainda resta perguntarse a bondade divina,uma das perfeições incluídas na noção de Deus, não torna necessárioaquilo que Leibniz chamara de contingente. Porisso faremos um exameda concepção leibniziana de vontade divina, sobretudoa distinção entrevontade antecedente e vontade conseqüente, visando determinar atéque ponto a bondade divina (entendida como vontade perfeitíssima)implica ou não um necessitarismo universal.

Palavras-chave: Leibniz, contingência, bondade divina, vontadeantecedente, vontade conseqüente.

Abstract: In his correspondence with Arnauld, Leibniz shows us howthe appeal to the divine will is fundamental to guarantee a space tocontingency in a metaphysics that does not allow indetermination.Nevertheless, we must still ask if divine goodness, one of the perfec-tions included in the notion of God, does not render necessary whatLeibniz had called contingent. This is why we will examine Leibniz’snotion of divine will, especially the distinction between antecedentand consequent will, intending to determine in which measure divinegoodness (understood as the most perfect will) implies or not a uni-

versal necessitarism.Key-words: Leibniz, contingency, divine goodness, antecedent will,consequent will.

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LUÍS CÉSAR OLIVA

A contingência do mundo melhor

Apesar de as duas possibilidades não serem excludentes e

Leibniz oscilar bastante em opúsculos diversos,Adams inclina-se para

a segunda e toma por base textual sobretudo o seguinte trecho: Ora,

não reconheço como necessária nenhuma proposição que não pode

ser demonstrada por uma redução àquilo cujo contrário implica

contradição. É o mesmo argumento: “Deus quer necessariamente aobra mais digna de sua sabedoria”. Digo que ele quer, mas não

necessariamente, já que , embora esta obra seja a mais digna, isto

não é uma verdade necessária. É verdade que esta proposição “Deus

quer a obra mais digna dele” é necessária. Mas não é verdade que

ele a queira necessariamente. Pois esta proposição “esta obra é a

mais digna” não é uma verdade necessária, é uma verdade

indemonstrável, contingente, de fato.3

Se não é demonstrável que este mundo é o melhor, então écontingente que ele seja o melhor, de modo que, ainda que fosse

necessário que Deus quisesse o melhor (hipótese que Leibniz concebe

no mesmo texto), Deus não o quereria necessariamente. Em outras

palavras, poderíamos atribuir a Leibniz a seguinte formulação: é

necessário que Deus queira contingentemente o melhor. Esta

ambigüidade que dá verdadeiros nós na cabeça do leitor se deve à

maneira como Leibniz aplica o adjetivo necessário . Ele o aplica à

totalidade da proposição (“Deus quer o melhor”), mas não ao conteúdodo predicado (“o melhor”). Como esta armadilha é possível? Graças à

indemonstrabilidade de que este mundo é o melhor. Tal operação

requereria uma análise infinita, não só dos elementos deste mundo,

mas de todos os infinitos mundos possíveis com os quais o melhor é

comparado. E isso nossa finitude não permite realizar.

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Talvez não. Se prosseguirmos no texto de Leibniz acima citado,

encontraremos o seguinte: nas contingentes o progresso da análise

vai ao infinito, de razão em razão, de modo que não se obtém jamais

uma demonstração acabada; todavia a razão da verdade subsiste

sempre, embora ela seja perfeitamente compreendida apenas por 

Deus, único que penetra a série infinita em um só ato do espírito.6 

Sem percebê-lo, Leibniz oferece uma objeção poderosa a sua própria

argumentação. É bem verdade que a demonstração do contingente éigualmente interminável para nós ou para Deus, mas isto se dá por

causa do caráter sucessivo, temporalmente desdobrado, do processo

de análise. Mas Deus não conhece desta maneira: Apenas Deus vê,

não, bem entendido, o fim da resolução, que não existe, mas pelo

menos a ligação dos termos, quer dizer, o envolvimento do predicado

no sujeito, pois ele vê tudo o que está na série.7  O caráter intuitivo do

conhecimento divino homogeneízaos dois campos queLeibniz buscava

tornar heterogêneos com o apoio da análise infinita. Os limites são doprocedimento, seja ele executado por um ser finito ou infinito, mas só

nós estamos condenados a tal procedimento. Deus percebe que este

mundo é o melhor tão imediatamente quanto nós percebemos A=A.

Sendo assim, este critério valioso, que nos permite mapear o campo

da contingência no mundo criado, bem como no interior dos outros

mundos possíveis, é inócuo para Deus no avaliar a possibilidade da

criação. Ou, como diz Ribeiro de Moura: a contingência,

mundanamente aclimatada pelo recurso à análise infinita, na verdadecarece de sustentação metafísica.8

E o que poderia dar tal sustentação? Algo que garantisse a

Deus alternativas reais. No caso em questão, a possibilidade

metafisicamente garantida de que outros mundos fossem o melhor.

Mas quais são as alternativas para algo que se define exatamente por

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mas nada fala da bondade, correspondente a nossa vontade limitada.

Esta terceira perfeição divina é explicitamente apresentada em textos

posteriores, como a Monadologia. Vejamos: 48: há em Deus a

Potência, origem de tudo; depois o Conhecimento, contendo a

particularidade das idéias; por fim a Vontade, que provoca as

mudanças ou produções segundo o princípio do melhor. É isto que

corresponde ao que constitui, nas Mônadas criadas, o sujeito ou a

base, a faculdade perceptiva e a faculdade apetitiva. Em Deus, noentanto, estes atributos são absolutamente infinitos ou perfeitos, e,

nas mônadas criadas ou nas enteléquias, não passam de imitações

proporcionais à perfeição nelas contida.13 Ou na Teodicéia: Muitos

creram que havia aí uma relação secreta à santíssima Trindade; que

a potência se liga ao Pai, ou seja, à fonte da divindade; a sabedoria

ao Verbo eterno, que é chamado logos pelo mais sublime dos

evangelistas; e a vontade ou amor ao Espírito santo. Quase todas as

expressões ou comparações tomadas da natureza da substânciainteligente para aí tendem.14 Tanto do ponto de vista da revelação

cristã, que aproximaria os atributos divinos da Santíssima Trindade,

quanto da analogia com as faculdades humanas, a bondade se faria

necessária entre as perfeições divinas. É difícil explicar tal ausência,

no início do Discurso, por um deslize. Leibniz tem suas razões para

trazer a bondade divina apenas nos parágrafos seguintes. Em outras

palavras, se Leibniz esboça uma prova a priori da existência de Deus

a partir das perfeições divinas, não quer contudo que a bondade divinaseja demonstrada a priori. Ele deduz diretamente da onipotência e

onisciência divinas o fato de que Deus age da maneira mais perfeita e

praticamente joga para a criação divina a responsabilidade de fundar a

prova (a posteriori) de que Deus é sumamente bom.

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Assim, afasto-me muito da opinião dos que sustentam que

não há quaisquer regras de bondade e de perfeição na natureza das

coisas ou nas idéias que Deus tem delas, e que as obras divinas são

boas apenas pela razão formal que Deus as fez.15 As obras divinas

devem ser intrinsecamente boas e não boas apenas porque foram feitas

por Deus. A bondade própria do mundo se deixa provar pela própria

revelação bíblica, em que se diz que Deus contemplou o mundo criado

e viu que era bom, o que seria desnecessário se as coisas fossem boassó porque Deus as fez. Além do mais, diz Leibniz, Isto é tanto mais

verdadeiro quanto é pela consideração das obras que se pode

descobrir o operário. Portanto, é preciso que estas obras tragam em

si o caráter de Deus. Confesso que a opinião contrária me parece

extremamente perigosa e bastante semelhante à dos últimos

inovadores, cuja opinião é a beleza do universo e a bondade atribuída

por nós às obras de Deus não passarem de quimeras dos homens que

concebem Deus à sua maneira.16 

Se tivéssemos tido no primeiroparágrafo a versão completa da prova ontológica, como no opúsculo

O Ser perfeitíssimo existe17 , o caminho natural seria passar da suprema

bondade, como perfeição divina, à bondade do mundo que resulta de

uma ação perfeita. No entanto, não é isso que ocorre. E o que chama

Leibniz de opinião perigosa dos inovadores? Não apenas que o mundo

não é bom em si, mas que é pela consideração do operário que se

podem descobrir as obras. Por esta via, teríamos que a perfeição do

operário só permite a existência de uma obra perfeita, sem outrapossibilidade, o que tornaria o mundo uma criação necessária.

Havendo mostrado no artigo 2 que as regras de bondade e

perfeição não são fruto de uma vontade arbitrária, Leibniz deve mostrar

noartigo3do Discurso que Deus agiu, segundo estas regras, da melhor

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maneira. Como vimos, não fará isso colocando a contradição de uma

ação imperfeita com um Deus sumamente bom por sua própria essência.

Também nãopode simplesmentededuzir suatese a partir da onipotência

e da onisciência divinas como sugerira no artigo 1. Por isso lançará

mão de outra noção: a glória de deus. Esta pode ser compreendida em

dois sentidos (parágrafo 109 da Teodicéia): ou é a satisfação de Deus

com o conhecimento de suas próprias perfeições, e entãoDeus a possui

sempre, ou é o conhecimento dessas perfeições por outros seresinteligentes, e então está vinculada à criação. Para haver glória, neste

segundo sentido, Deus deve ser necessariamente louvável por tudo

que faz. Quando Leibniz disse no fim do artigo 1 quanto mais

estivermos esclarecidos e informados sobre as obras de Deus, tanto

mais dispostos estaremos a achá-las excelentes e inteiramente

satisfatórias em tudo o que possamos desejar 18 , o autor referia-se à

glorificação de deus. Ora, por que louvar Deus se ele não fez o melhor

possível? Afinal, diz Leibniz, assim como um mal menor tem caráterde bem, um bem menor tem caráter de mal. Esta imperfeição atingirá

qualquer ação de Deus, por melhor que seja, se esta não chegar à ação

ótima. Só há um ótimo, ao passo que as imperfeições desdobram-se

infinitamente. Não há nenhum grau de imperfeição que não tenha

infinitos graus de imperfeição acima ou abaixo; o que colocaria Deus

numa situação sempre “inglória” se não escolhesse o melhor possível.

Só o melhor merece a glória, do contrário ela não teria razão de ser e

o princípio de razão suficiente seria novamente infringido, bem comoas Escrituras.

No Discurso, ao que parece, é por visar a glória que Deus

escolhe o melhor. No limite, poderíamos dizer que Deus não é

considerado bom porque isto está necessariamente inscrito na sua

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essência, e sim porque obedece seu intelecto, de modo a ser digno de

glória. Mas tal desvio é inútil se não for mostrado que esta obediência

é contingente. Daí a importância, mesmo na Teodicéia, em que a

estratégia é diferente, de deixar claro que o desejo de glória não é

necessário. Não é verdade que Deus ame sua glória necessariamente,

se por isto se entende que ele é levado necessariamente a

proporcionar-se sua glória por meio das criaturas. Pois se assim fosse,

ele se proporcionaria esta glória sempre e em toda parte. O decretode criar é livre.19

O percurso do Discurso parece sorrateiramente tornar

contingente a bondade divina. Mas outros textos põem sérias

dificuldades para este caminho: 67 – Ademais, se Deus não tivesse

escolhido a melhor série do universo (na qual está incluído o pecado),

teria admitido algo pior que todo o pecado das criaturas, pois teria

cerceado suas próprias perfeições e, como conseqüência, também as

alheias; com efeito, a perfeição divina não deve deixar de escolher omais perfeito, já que o menos bom tem algo de mau. E suprimir-se-ia

Deus, suprimir-se-iam todas as coisas, se Deus fosse afetado de

impotência, ou seu entendimento se equivocasse ou sua vontade

falhasse.20 Bertrand Russell também destacou o problema: As boas

ações de Deus são, por conseguinte, contingentes, e verdadeiras

somente dentro do mundo real. Elas são a origem da qual deriva

toda explicação dos fatos contingentes por intermédio da razão

suficiente. Elas próprias, contudo, têm sua razão suficiente nabondade de Deus, que se deve supor metafisicamente necessária.

Leibniz não consegue explicar por que, um vez que as coisas se passam

assim, as boas ações de Deus não são também necessárias. Mas se

elas fossem necessárias, a série total de suas conseqüências também

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o seria e sua filosofia cairia assim no espinosismo.21 As colocações

de Russell pautaram amplamente a tradição anglo-americana de

comentário, sobretudo por causa da nota de rodapé apresentada neste

trecho pelo inglês para justificar que a bondade divina seja necessária:

Em parte alguma, pelo que sei, Leibniz afirma claramente que a

bondade de Deus é necessária, mas esta conclusão parece decorrer 

de sua filosofia. Porque a bondade divina é uma verdade eterna que,

ao contrário de seus atos, não se refere somente ao mundo real.Dificilmente podemos imaginar que, em outros mundos possíveis,

Deus não tivesse sido bom, ou que seja meramente contingente o fato

de ser bom. Mas se fizéssemos esta suposição, apenas adiaríamos a

dificuldade, uma vez que em seguida precisaríamos de uma razão

suficiente para a bondade de Deus. Se essa razão fosse necessária, a

bondade divina seria também necessária; se contingente, ela própria

exigiria uma razão suficiente, a respeito da qual se repetiria a mesma

dificuldade.22

É a esta nota, mais até do que aos argumentos leibnizianos,

que vários intérpretes tentaram responder. Curley comenta: Esteéum

dilema bem real. Se algo segue de Deus ser um ser soberanamente

perfeito, deveria ser sua bondade. E ainda assim penso ser claro que

Leibniz sustentaria que em alguns mundos possíveis Deus não teria

sido bom – p. ex., em um no qual os inocentes fossem torturados

eternamente no inferno e os vis recompensados no céu.

Se a bondade de Deus é contingente, isto de fato conduz àregressão ao infinito a que Russell se refere. Mas em pelo menos um

lugar Leibniz parece não apenas aceitar esta regressão, mas insistir 

nela: “Se alguém me pergunta por que Deus decidiu criar Adão,

digo que é porque decidiu fazer o mais perfeito. Se me perguntam

agora por que ele decidiu fazer o mais perfeito, ou por que ele escolhe

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Por outro lado, é preciso destacar que esta determinação da

vontade por razões não significa uma identificação pura e simples de

entendimento e vontade, nem uma determinação absolutamente

necessária da segunda pelo primeiro. A separação dos dois é

explicitamente defendida por Leibniz: E quanto ao paralelo entre a

relação do entendimento ao verdadeiro e da vontade ao bem, é preciso

saber que uma percepção clara e distinta de uma verdade contém

nela atualmente a afirmação desta verdade; assim o entendimento é por ela necessitado. Mas no caso de uma percepção que se tenha do

bem, o esforço de agir segundo o juízo, que penso constituir a essência

da vontade, dela se distingue.28 Mesmo que fôssemos perfeitos e só

tivéssemos conhecimentos distintos, não haveria confusão entre

vontade e intelecto porque a volição não é um juízo, e sim uma

tendência determinada por um juízo. A percepção clara e distinta não

se distingue da afirmação da verdade, logo o próprio princípio de

identidade garante o nexoabsolutamente necessário entre entendimentoe juízo. No caso da vontade, o esforço de agir, mesmo decorrendo do

juízo ou percepção distinta, não se identifica com ele. Daí que Leibniz

possa concluir, no fim do parágrafo, que a ligação entre juízo e vontade

não é tão necessária quanto se poderia pensar.

Além disso, e à diferença de Deus, não somos perfeitos, não

temos apenas conhecimentos distintos, nem seguimos sempre o juízo

do entendimento. Mesmo a possibilidade, aventada por Leibniz, de

suspendermos a ação desviando a atenção para motivos diversos dosque mais nos inclinam no momento não garante um predomínio

absoluto do entendimento: não obrigo a vontade a seguir sempre o

juízo do entendimento porque distingo este juízo dos motivos que

vêm das percepções e inclinações insensíveis. Mas considero que a

vontade segue sempre a representaçãomais vantajosa, seja ela distinta

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ou confusa, do bem e do mal, a qual resulta das razões, paixões e

inclinações, ainda que ela possa também achar motivos para

suspender seu juízo. Mas é sempre por motivos que ela age.29

Por isso o domínio do voluntário, em Leibniz, vai além do

consciente, de modo que não se constitui apenas de volições, a saber,

tendências que resultam da apercepção do bem e do mal envolvidos

em um objeto, mas também de outras apetições: Há ainda esforços

que resultam das percepções insensíveis, de que não nos apercebemos,os quais prefiro chamar apetições ao invés de volições (embora haja

também apetições aperceptíveis), pois apenas chamamos ações

voluntárias aquelas de que podemos nos aperceber e sobre as quais

nossa reflexão pode recair quando seguem da consideração do bem

e do mal.30 Tais apetições, sendo este o termo mais geral para o

princípio de espontaneidade contido em toda mônada, não são elas

mesmas voluntárias, já que inconscientes, mas podem, somadas entre

si ou associadas a volições, compor um esforço voluntário quando ainclinação resultante é apercebida. Várias percepções e inclinações

concorrem para a volição perfeita, que é o resultado do seu conflito.

Há algumas imperceptíveis isoladamente, cuja soma faz uma

inquietude que nos impulsiona sem que vejamos a razão; há várias

reunidas que levam a um certo objeto, ou que dele se afastam, e

então é desejo ou temor, acompanhado também de uma inquietude,

mas que nem sempre chega ao prazer ou desprazer. Enfim, há impulsos

acompanhados efetivamente de prazer e de dor, e todas estaspercepções são ou sensações novas ou imaginações remanescentes

de alguma sensação passada (acompanhadas ou não de lembrança)

que, renovando os atrativos que estas mesmas imagens tinham nas

sensações precedentes, renovam também os impulsos antigos na

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proporção da vivacidade da imaginação. E de todos estes impulsos

resulta enfim o esforço prevalente, que faz a vontade plena.31

Assim, pode-se ver que toda a complexa hierarquia perceptiva

da doutrina leibniziana do conhecimento, indo do conhecimento

puramente obscuro até o adequado, também corresponde a uma

igualmente complexa rede afetiva, composta de inclinações, desejos,

prazeres, inquietude, etc., determinando a vontade; com a diferença

de que a separação vontade-entendimento permite que às vezes aquantidade e a recorrência de inclinações provenientes de pequenas

percepções obscurasas torne tãoou mais efetivas que aquelas oriundas

do conhecimento distinto.

Vejamos agora como tudo isso pode aplicar-se a Deus. Como

dissemos, a bondade divina é a vontade perfeita. E como se dá esta

perfeição? A potência vai ao ser, a sabedoria ou entendimento, ao

verdadeiro, e a vontade, ao bem. E esta causa inteligente [Deus]

deve ser infinita de todas as maneiras e absolutamente perfeita empotência, em sabedoria e em bondade, já que ela vai a tudo o que é 

possível.32 Este salto para a perfeição que difere as qualidades divinas

das nossas é caracterizado pela idéia de que em Deus elas se estendem

a todo o possível. Livres da nossafinitude, as perfeições divinas podem

aplicar-se a todos os objetos próprios a elas. No caso da bondade, a

vontade se dirige a todo bem possível. Esta vontade é chamada

antecedente quando é destacada e visa cada bem à parte enquanto

bem. Neste sentido, pode-se dizer que Deus tende a todo bem enquantobem, ad perfectionem simpliciter simplicem, para falar como a

escolástica, e isto por uma vontade antecedente. Ele tem uma séria

inclinação a santificar e salvar todos os homens, a excluir o pecado

e a impedir a danação. Pode-se mesmo dizer que esta vontade é eficaz

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dissemos, todos são bens e inexiste combate entre eles enquanto está

ausente a perspectiva de criação. Não há muito sentido, portanto, em

falar de contingência, já que não há exclusão de possíveis, sendo todos

igualmente queridos pela bondade divina. Ao contrário, quando a

existência entra em jogo, e só então, a vontade conseqüente seleciona

o melhor, sem contudo tornar impossível aquilo que foi excluído. Daí 

não ser descabido pensar que as vontades antecedentes sejam vistas

como necessárias, mantendo a necessidade da bondade divina, e avontade conseqüente, ou seja, o decreto divino, como contingente,

garantindo a contingência da criação. É necessário a Deus ser bom,

porém não lhe é necessário ser criador, pois Deus poderia permanecer

satisfeito apenas com a contemplação de suas próprias perfeições.

Deus não carece de nada que implique criação, não precisa da

glorificação dos seres criados, que em nada aumenta Sua infinita

perfeição.

Por que então decide criar? O princípio de razão suficientenos impõe esta pergunta ou uma versão dela: Assentado este princípio,

a primeira pergunta que temos direito de formular será: por que há

algo em vez de nada? Pois o nada é mais simples e mais fácil que

algo.37  Todavia a pergunta não tem resposta. O primeiro decreto livre

atesta a opção divina pelo ser, pela criação, mas não revela as razões

disso. Talvez os seres criados representem maior variedade, mas quem

negará que o nada é imbatível quanto à simplicidade?

Dado o Deus perfeitíssimo, é necessário que seja bom e queirao melhor; dado o decreto de fazer, toda a criação segue com igual

necessidade. Entretanto, como o decreto em si mesmo não é

metafisicamente necessário, seu vínculo necessário com a criação não

basta para torná-la metafisicamente necessária, mas apenas

hipoteticamente. E mais ainda, a contingência do decreto, decorrente

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do fato de não haver razões necessitantes para a criação, derrama-se

também sobre o objeto do verbo fazer, ou seja, o melhor. Se o decreto

não brota necessária e diretamente da essência divina, por que exigir

que o melhor criado brotenecessária e diretamente da bondade divina?

Ele decorre apenas do decreto. Mantém-se assim a possibilidade de

outros mundos piores, necessariamente ligados a decretos possíveis

também piores. É verdade que eles são incompatíveis com o Deus

perfeitíssimo, masjá vimos que confrontá-los comas causas produtorasnão é a maneira adequada de trataras puras possibilidades (pelo menos

na medida em que não há razões para a criação). Como o próprio

primeiro decreto não é necessário, não podemos excluir as outras

alternativas. Elas só são excluídas por necessidade hipotética, dado o

decreto.

Esta parece a resposta que vai mais longe nos porquês da

contingência e é isso que nos fez privilegiá-la. Mas no fundo ela sofre

de uma fragilidade similar à das outras. Qual é, afinal, sua base? É aausência de resposta à pergunta metafísica. Sem o decreto criador,

Deus continuaria querendo o melhor, que neste caso se reduziria ao

Seu próprio ser, o qual abarca todos os possíveis no intelecto, sem as

exclusões decorrentes da existência. Devido a nossa limitação

cognitiva, não podemos ver por que o ser é melhor que o nada. Mas o

fato é que deve haver uma razão para isso, sejamos ou não capazes de

apreendê-la, do contrário a validade do princípio de razão não será

irrestrita, contrariando a letra de Leibniz. Por outro lado, se há umarazão para isso, ela certamente estará em Deus e estabelecerá um

vínculo necessário entre a essência divina (que inclui a bondade) e o

decreto de fazer o bem, o que tornaria toda a criação absolutamente

necessária. Leibniz também não pode aceitar esta opção. Ou seja, a

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questão da contingência em Leibniz, aqui tratada do ponto de vista da

bondade divina, parece mesmo condenada ao paradoxo, o qual tem

na irresolução da pergunta metafísica apenas a sua mais primitiva

manifestação.

Notas

1 Carta de Leibniz a Arnauld de 4 de julho de 1686 , in Leibniz, G.W.

Discours de Metaphysique et correspondance avec Arnauld . Paris,

Vrin, 1993, pág. 115.2 Adams, R. M. Leibniz´s Theories of Contingency in Woolhouse, R.

S. (ed.) Gottfried Wilhelm Leibniz: Critical Assessments. Londres e

Nova York, Routledge, 1994, vol I, pág. 141.3

Leibniz, G. W. Textes Inédits, editados por Gaston Grua, Paris, PUF,1948, pág. 493.4 Leibniz, G.W. Sobre a Contingência in Recherches Générales sur 

l’Analyse des Notions et des Vérités, 24 thèses métaphysiques et autres

textes logiques et métaphysiques. Introd. et notes par J.-B. Rauzy.

Paris: PUF, 1998, pág. 326.5 Ribeiro de Moura, C.A. Contingência e Infinito in Racionalidade e

Crise: estudos sobre História da Filosofia Moderna e Contemporânea.

São Paulo-Curitiba, Discurso-Ed. UFPR, 2001, pág. 81.6 Leibniz, G. W. Recherches..., pág. 327.7 Leibniz, G. W. Sur la liberté in Recherches..., pág. 333.8 Ribeiro de Moura, C.A. Leibniz, a liberdade e os Possíveis,inVários

autores, O filósofo e sua história. Campinas, CLE, 2003, pág. 283.

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9 Além disso, outra conseqüência perigosa para o pensamento

leibniziano segue da desconsideração de que o melhor é único: se o

melhor não for único, recairemos no meio da escala de perfeição dos

mundos, o que impossibilitaria uma escolha divina fundamentada;

caminho este que o princípio de razão não comporta. Neste espírito, o

próprio texto da Teodicéia parece nos indicar que é necessário que

este mundo seja o melhor: E como nas matemáticas, quando não há

maximum nem minimum, nada enfim de distinto, tudo é feitoigualmente; ou, quando isto não é possível, não se faz nada; pode-se

dizer o mesmo em matéria de perfeita sabedoria, que não é menos

regrada que as matemáticas, que se não há melhor (optimum) entre

todos os mundospossíveis, Deus não teria produzidonenhum. Leibniz,

G.W. Essais de Théodicée. Paris, Garnier-Flammarion, 1969, par. 8,

pág. 108.10 Leibniz, G. W. Em torno da liberdade e da necessidade. In Escritos

en torno a la libertad, el azar y el destino. Madrid, Tecnos, 1990,pág. 7.11 Leibniz, G. W. Essais de Théodicée, par. 230, pág. 256.12 Id., par. 282, pág. 285.13 Leibniz, G. W. Monadologia in Discurso de Metafísica e outros

textos. São Paulo, Martins Fontes, 2004, pág. 139.14 Leibniz, G.W. Essais de Théodicée, par. 150, pág. 201.15 Leibniz, G. W. Discurso de Metafísica, 2, pág. 4.16

Id. Ibid.17 Leibniz, G. W. El Ser perfectísimo existe in Escritos Filosóficos.

Ed. de E. Olaso; notas de E. Olaso y R. Torretti; trad. de R. Torretti,

T. Zwanck, E. Olaso. Buenos Aires: Editorial Charcas, 1982, pág.

148.18 Leibniz, G.W. Discurso de Metafísica, par.1, pág. 3.

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LUÍS CÉSAR OLIVA

19 Leibniz, G.W. Essais de Théodicée, par. 230, pág. 256.20 Leibniz, G.W. Defesa da Causa de Deus, par. 67, in Escritos

Filosoficos, pág. 545.21 Russell, B. Russell, B. A Filosofia de Leibniz (uma exposição

crítica). São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1968, pág. 40.22 Id. Ibid.23 Curley, E. The Root of Contingency. In Woolhoouse, R. op. cit. ,

pág. 204.24 Leibniz, G. W. Essais de Théodicée, par. 22, pág. 117.25 Leibniz, G. W. Exame da física de Descartes in Escritos Filosóficos,

pág. 437.26 Leibniz, G. W. Nouveaux Essais sur l´entendement humain. Paris,

Garnier-Flammarion, 1966 II, I, 2, pág.92.27 Leibniz, G. W. Notas sobre o livro Da origem do mal publicado há

pouco na Inglaterra. In Essais de Théodicée, pág. 409.28

Leibniz, G. W. Essais de Théodicée, par. 311, pág. 302.29 Leibniz, G. W. Notas sobre o livro..., pág. 399.30 Leibniz, G.W. Nouveaux Essais..., II,XXI, 5, pág. 146.31 Id., II, XXI, 39, pág. 16432 Leibniz, G. W. Essais de Théodicée, par. 7, pág. 108.33 Id., par. 22, pág. 117.34 Leibniz, G.W. Em torno da liberdade e da necessidade in Escritos

en torno a la libertad ..., pág. 8.35

Leibniz, G. W. Essais de Théodicée, par. 235, pág. 258.36 Id., par. 237, pág. 259.37 Leibniz, G.W. Princípios da Natureza e da Graça fundados em

razão, par. 7 in Escritos Filosóficos, pág.601.

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

Bibliografia

Leibniz,G.W. Discours de Metaphysique et correspondance avec

Arnauld . Paris:Vrin, 1993.

Discurso de Metafísica e outros textos. São Paulo: Martins

Fontes, 2004.

Escritos en torno a la libertad, el azar y el destino. Madrid:

Tecnos, 1990.Escritos Filosóficos. Ed. de E. Olaso; notas de E. Olaso y R.

Torretti; trad. de R. Torretti, T. Zwanck, E. Olaso. Buenos Aires:

Editorial Charcas, 1982.

Essais de Théodicée. Paris: Garnier-Flammarion, 1969.

Nouveaux Essais sur l´entendement humain. Paris, Garnier-

Flammarion, 1966

Recherches Générales sur l’Analyse des Notions et des Vérités,

24 thèses métaphysiques et autres textes logiques et métaphysiques. Introd. et notes par J.-B. Rauzy. Paris: PUF,

1998.

Textes Inédits, editados por Gaston Grua, Paris: PUF, 1948.

Adams, R. M. Leibniz´s Theories of Contingency in Woolhouse, R.

S. (ed.) Gottfried Wilhelm Leibniz: Critical Assessments. 2 vol.

Londres e Nova York: Routledge, 1994.

Russell, B. A Filosofia de Leibniz (uma exposição crítica). São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 1968.

Ribeiro de Moura, C.A. Racionalidade e Crise: estudos sobre História

da Filosofia Moderna e Contemporânea. São Paulo-Curitiba:

Discurso-Ed. UFPR, 2001.

Vários autores, O filósofo e sua história. Campinas: CLE, 2003.

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TESSA MOURA LACERDA

Leibniz:

Expressão e Característica Universal*

TESSA MOURA LACERDA**

* Este texto foi originalmente apresentado no XII Encontro daAssociação Nacionalde Pós-Graduação em Filosofia, ANPOF, realizado em Salvador, em outubro de2006 e é parte de uma pesquisa financiada pela Fapesp.** Pós-doutoranda em Filosofia no Departamento de Filosofia da FFLCH-USP.

Resumo:

A crítica de Leibniz à prova a priori da existência de Deus,

retomada de Anselmo por Descartes, resume-se à observação de que,antes de admitir a existência de um ser perfeitíssimo, é preciso provara possibilidade da noção de um tal ser; e, para isso, é preciso mostrara compatibilidade entre as perfeições divinas. A prova é correta, masincompleta.

Leibniz jamaiscompletou essa prova, com exceção de um textoescrito em 1676, porque, para isso, precisaria lançar mão de suaCaracterística universal, cujos elementos seriam os pensamentossimples que exprimiriam as formas simples ou perfeições divinas.

O projeto de criação de uma língua formal ou Característica

universal, embora tenha permanecido inacabado, jamais foiabandonadopor Leibniz. Todavia, ao delinear o projeto, Leibniz esclarece que aCaracterística explicaria com exatidão as verdades necessárias, masnão as verdades contingentes (as quais poderiam ser admitidas comalta probabilidade, mas não com exatidão).

Ora, se fosse possível provar a compatibilidade entre asperfeições divinas, seria também necessário explicar como aincompatibilidade entre os mundos possíveis se origina dessacompatibilidade primordial; seria preciso explicar como o contingentenasce do interior do necessário.

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TESSA MOURA LACERDA

Em uma carta de 1678, à rainha Elisabeth, discorrendo sobre a

prova cartesiana da existência de Deus, Leibniz afirma:

“... no momento me basta observar que o que é o

fundamento de minha característica é também da

demonstração da existência de Deus. Porque os

pensamentos simples são os elementos da característica

e as formas simples são a fonte das coisas. Ora, sustento

que todas as formas simples são compatíveis entre si. É uma proposição de que não poderia dar a demonstração

sem explicar longamente os fundamentos de minha

característica. Mas, estando acordada, segue-se que a

natureza de Deus, que envolve todas as formas simples

tomadas absolutamente, é possível. Provamos acima que

Deus é, uma vez que seja possível. Logo existe. O que era

a demonstrar.”1

Para completar a prova imperfeita da existência de Deus dada

por Descartes, Leibniz pretendia lançar mão de sua Característica,

ainda um projeto. Menos de uma década separam esta carta e as

“Meditações sobre o conhecimento, a verdade e as idéias”, texto em

que Leibniz desconfia da possibilidade humana de chegar ao

conhecimento dos primeiros possíveis ou atributo absolutos de Deus.

Reflete Leibniz, “certamente não me atreveria a determinar agora se

é possível levar a cabo em algum momento uma análise perfeita das

noções ou se é possível reduzir os pensamentos aos primeiros possíveise noções não suscetíveis de decomposição ou (o que é o mesmo) aos

próprios atributos absolutos de Deus”2 . Anos antes, provavelmente

em 1676, o filósofo ensaiaraem um pequeno opúsculo intitulado Quod 

Ens Perfectissimum existit , estabelecer essa prova com argumentos

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

in forma. Mas, de acordo com a carta a Elisabeth, sabemos agora que

a Característica seria o instrumento de aperfeiçoamento da prova, seria

pela Característica que o filósofo demonstraria, através do

conhecimentodasformas simples, a compatibilidadeentre elas (e, logo,

a possibilidade da noção de ser perfeitíssimo) que, sema Característica,

parece se reduzir a uma prova apenas “formal” — no mal sentido da

palavra.

Qual é a crítica que Leibniz faz à prova cartesiana da existênciade Deus?

A prova ontológica da existência de Deus, que Descartes

retoma de Anselmo, “é muito bela e engenhosa na verdade, mas há

um vazio a ser preenchido”3 , afirma Leibniz. A prova não é um

paralogismo, como sugeriu São Tomás, e não é semrazão queAnselmo

se felicita por ter encontrado um meio de provar a existência de Deus

por sua própria noção, sem ter que recorrer aos efeitos, mas é uma

prova imperfeita, incompleta. Eis como Leibniz a resume: Deus é omaior ou, na linguagem de Descartes, o mais perfeito dos seres — o

que, para Leibniz, significa dizer que Deus é um ser que envolve todos

os graus de ser, tem uma grandeza ou perfeição suprema. Ora, existir

é mais que não existir, ou seja, a existência acrescenta um grau à

grandeza ou perfeição, ou, segundo Descartes, a existência é uma

perfeição; portanto, segundo a definição ou a noção de Deus, Ele

existe, senão careceria desse grau de perfeição ou dessa perfeição que

é a existência. O problema dessa prova está na suposição tácita de queessa noção de Deus, como ser totalmente perfeito, é possível. Por

isso, a partir dessa prova podemos apenas ter uma conclusão moral e

uma suposição de que, se Deus é possível, então necessariamente Ele

existe, o que é um privilégio da noção de Deus. E como podemos

presumir a possibilidade de qualquer ser até que se prove o contrário,

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TESSA MOURA LACERDA

a prova cartesiana nos leva a uma conclusão moral de importância

para a vida prática — devemos agir conforme a suposição de que

Deus existe —, mas não fornece uma certeza matemática.

A argumentação dessa prova pressupõe que tudo o que se pode

predicar de uma noção deve ser atribuído à coisa definida. Antes de

atribuir a existência a Deus, porém, é preciso provar que a noção de

um ser que possui todas as perfeições e, portanto, dessa essência se

segue a existência, é possível. Com efeito, não basta considerar queDeus tem uma grandeza ou uma perfeição suprema, isto é, que envolve

todososgrausdeperfeiçãoouéomaiordetodososseres,poistambém

podemos pensar em um número de todos os números, ou em um

movimento mais veloz que qualquer outro, e, no entanto, essas são

noções contraditórias — Leibniz recorre freqüentemente a esse

exemplo para mostrar a insuficiência da prova cartesiana: supondo-se

que uma roda gira com o movimento mais veloz, o que impede que se

prolongue o raio dessa roda e que, então, o ponto que tinha omovimento mais veloz caia alguns graus em relação àquele que agora

está no extremo da roda? Eis por que também a prova cartesiana da

existência de Deus pela idéia que temos dele é criticada por Leibniz.

Segundo Descartes, há em nós a idéia de Deus porque pensamos nele

e não o faríamos se não tivéssemos a idéia de Deus; se essa idéia é a

idéia de um ser infinito e é verdadeira não poderia ser causada por

qualquer coisa menor que um ser infinito, portanto Deus é sua causa

e, logo, Ele existe. Naturalmente está em jogo a teoria de conhecimentodesses filósofos. Enquanto Descartes considera que não podemos

pensar em nada de que não tenhamos uma idéia, e nem mesmo falar

de algo sem essa condição4 , Leibniz afirma que a idéia é uma noção

possível: não temos a idéia do movimento mais veloz, porque se trata

de uma noção contraditória, e no entanto falamos e pensamos nele,

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

“freqüentemente pensamos apenas confusamente naquilo de que

falamos, e não temos consciência da idéia que existe em nossa mente

a menos que entendamos a coisa e a decomponhamos em seus

elementos de maneira suficiente”5 . Daí a exigência de que se mostre

a possibilidade de uma essência que envolva existência ou da noção

de um ser que possui todas as perfeições em grau supremo. É claro

que a noção de Deus não é como todas as demais, porque dela

necessariamente se segue a existência, se for possível, enquantoqualquer outra noção de que provemos a possibilidade não

necessariamente existe, tem uma existência possível. Mas não por isso

podemos nos privar de demonstrar a possibilidade da noção de Deus.

Se pensarmos a crítica do ponto de vista da teoria do

conhecimento podemos dizer, em resumo, que, para Leibniz, Descartes

se contenta com uma definição nominal de Deus, na medida em que

não mostra a possibilidade dessa noção e não chega, pois, a uma

definição real. Descartes deixaria o interlocutor no meio do caminho,sem mostrar como ele pode dar os passos da premissa à conclusão do

argumento, “não basta que Descartes tenha invocado a experiência

e alegado o que sentia clara e distintamente nele mesmo, pois põe

um fim à demonstração sem acabá-la, a menos que mostre por que

meio outros podem chegar a uma experiência desse gênero”6 . Este é

o problema da experiência: sempre que se recorre à experiência no

curso de uma demonstração, afirma Leibniz, deve-se indicaraos outros

a maneira de fazer essa experiência se não quisermos convencê-lospela autoridade. Mas para um filósofo preocupado com a forma lógica,

como Leibniz, o melhor mesmo é fornecer os argumentos in forma:

“Toda demonstração rigorosa que não omite nada que seja necessário

à força do raciocínio é desse tipo (...), uma vez que a forma ou a

disposição de todo esse raciocínio é causa da evidência”7. Diante

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TESSA MOURA LACERDA

dessa afirmação podemos supor que é possível estabelecer as prova

da existência de Deus com argumentos in forma e chegar, assim, a

uma definição real da noção do ser perfeitíssimo. Não deixa de ser

curioso que Leibniz se aplique em tantos textos a mostrar a insuficiência

do argumento cartesiano sem, no entanto, preencher explicitamente o

vazio que vê nessa argumentação. Talvez isso se explique ainda pela

teoria do conhecimento. Uma definição real, diz o filósofo8 , deve

provar a possibilidade do definido de maneira a priori, ou seja, quandodecompomos a noção em seus requisitos ou em outras noções de

possibilidade conhecida; se a análise foi levada a cabo e não surgiu

nenhuma contradição, então a noção é absolutamente possível. Eis o

papel da Característica no aperfeiçoamento da prova: os pensamentos

simples ou os números característicos exprimiriam os requisitos da

noção de Deus, ou seja, as formas simples que exprimem a essência

divina e são a fonte de tudo o que existe. As formas simples são os

elementos das coisas, os pensamentos simples, os elementos daCaracterística.Nossas idéias convêm comas idéiasde Deus nas mesmas

relações. Nossas idéias exprimem as idéias de Deus. Isso significa

que, se determinarmos o alfabeto dos pensamentos humanos, ou seja,

se forjarmos signos característicos que exprimam os termos simples

de nossos pensamentos, então, analogicamente poderemos, pelarelação

entre esses termos, conhecer de que maneira as formas simples,

positivas e absolutas, que exprimem a essência divina, se relacionam

dando origem a uma variedade de idéias.Mas qual é exatamente o projeto da Característica universal?

Em um dos esboços desse projeto 9 , Leibniz define sua

Característica universal estabelecendo uma distância entre seu projeto

e o misticismo de uma língua adâmica e da crença de que os números

escondem grandes mistérios. A Característica seria a atribuição a todas

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as formas simples, explicaríamos não só o real, mas também o possível?

Conheceríamos inteiramente a contingência e os possíveis

contingentes? O ser seria transparente, límpido? Nada haveria de

obscuro para nosso entendimento?

Se fosse esse o projeto que fracassou, podemos perguntar em

que medida houve efetivamente um fracasso. Porque, até que ponto

Leibniz acreditava que o entendimento humano pudesse, mesmo com

as limitações impostas pela nossa forma de conhecer, ou seja, pornosso entendimento simbólico e incapaz de intuição, se igualar ao

entendimento divino? Não se tratava de um projeto destinado por

princípio ao fracasso? Era esse mesmo o projeto da Característica

universal? Leibniz o abandonou?

Textualmente Leibniz jamais afirmou que, por meio da arte

característica, o entendimento humano se igualaria ao entendimento

divino. Com efeito, ao elencar as vantagens que a Característica traria

para o conhecimento humano, Leibniz apresenta basicamente duasaquisiçõesdecorrentes da construção dessa línguauniversal. Aprimeira

é acabar com as disputas entre os filósofos e a quem perguntasse “ o

que faz vossa razão mais correta que a minha, que critério de verdade

vós possuís?”, responder simplesmente “Calculemos!”12 . Mas a

segunda é empregar a Característica para tudo o que depende de

conjecturas — as pesquisas dehistória civil e natural, a arte de examinar

os corpos naturais ou as pessoas sábias, o direito, a medicina, o

governo, etc. Nesse caso teríamos a escolhade, partindo de conjecturas,determinar demonstrativamente o “grau de probabilidade” a partir dos

dados, ou, estabelecer uma “aproximação ao infinito”, e poderíamos,

então, “colocar na balança” prós e contras de cada decisão para escolher

“como o perfeito campeão nos jogos que misturam razão e sorte”13.

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Dois anos antesde sua morte, em 10 de janeiro de 1714, Leibniz

escreve a Rémond:

“Se eu tivesse sido menos disperso, ou se fosse

mais jovem ou assistido por pessoas jovens e bem

dispostas, teria esperanças de apresentar um tipo de

Espécime Geral, na qual todas as verdades de razão

seriam reduzidas a uma maneira de cálculo. Isso poderia

ser ao mesmo tempo uma espécie de língua ou escriturauniversal, mas infinitamente diferente de todas aquelas

que foram projetadas até hoje, pois os caracteres e as

próprias palavras dirigiriam a razão, e os erros (com

exceção dos erros de fato) seriam apenas erros de cálculo.

Seria muito difícil formar ou inventar esta Língua ou

Característica, mas muito fácil aprendê-la sem qualquer 

Dicionário. Ela serviria também para estimar os graus

de verossimilhança (quando não tivéssemos dadossuficientes para chegar a verdades certas) e para ver o

que é preciso para completar [as verdades]. E essa

estimativa seria das mais importantes para o uso da vida

e para as deliberações da prática, nas quais, estimando

as probabilidades, erramos o cálculo na maioria delas.”14

De acordo com essa carta podemos afirmar que, embora

Leibniz tenha de fatoabandonado o projetoda Característica universal,

esse abandono se deu não por razões teóricas, mas por impedimentoscontingentes. O que a missiva deixa claro também é que Leibniz não

pretendia reduzir as verdades contingentes ou verdades de fato a

verdades de razão, mas apenas oferecer um meio de determinar com a

máxima probabilidade possível verdades sobre as quais jamais

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

dessa essência, todas exprimem o mesmo e, juntas, constituem a própria

essência de Deus. Ora, os indivíduos ou as essências individuais

resultam da relação entre essas formas simples, compatíveis entre si,

mas as essências individuais distinguem-se umas das outras por uma

distinção real. E as essências individuais possíveis não são todas

compatíveis entre si, dão origem a universos incompossíveis uns em

relação aos outros. Como explicar que a contradição nasça daquela

compatibilidade original de perfeições? E é preciso explicar isso paradar a razão da contingência. Ou, afirmar que se trata de algo

incompreensível e, então, silenciar sobre a maneira de mostrar a

compatibilidade das formas simples, para não ser levado a afirmar

com Deleuze15 que, para Leibniz, em algum lugar do entendimento

divino, o Um se combina ao zero, ou o ser ao nada, para dar origem à

variedade de mundos possíveis. Leibniz escolhe o silêncio:

“Quando Locke declara não compreender como

a variedade das idéias é compatível com a simplicidadede Deus, parece-me que não deve deduzir daí uma objeção

contra o padre Malebranche; pois não há sistema que

possa fazer compreender uma tal coisa. Nós não podemos

compreender o incomensurável e mil outras coisas, cuja

verdade não deixa de nos ser conhecida, e temos o direito

de empregá-las para dar a razão de outras, que dependem

delas. Algo de próximo tem lugar em todas as substâncias

simples, em que há uma variedade de afecções na unidadeda substância.”16

Não podemos explicar como a variedade nasce da simplicidade

divina, como formas simples, absolutas e afirmativas, que são

compatíveis entre si, dão origem à incompatibilidade de mundos

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visão analítica de todos os elementose conexões existentes na realidade

e de que dependem a determinação necessária do indivíduo e sua

inserção na totalidade; tampouco é capaz de conhecer as leis

universalíssimas que dão a razão de ser do mundo, pois para isso

precisaria ter uma visão da estrutura analítica da realidade. Mas se o

homem não pode conhecer nem a singularidade do particular, nem o

universal, nada se furta à onisciência divina, e o racionalismo integral

da realidade permanece intacto.Se for assim, a Característica universal poderia ser considerada

uma espécie de “paliativo”, diante da impossibilidade de um

conhecimento humano enciclopédico,ou seja, a arte característica teria

lugar de um conhecimento adequado, embora seja a expressão

simbólica de verdades. Mas se a Característica é um “paliativo” é

porque jamais se pretendeu que o entendimento humano se igualasse

ao entendimento divino, ou seja, jamais se pretendeu que os homens

chegassem a conhecimentos plenamente adequados, a não ser quandorestritos a verdades de razão ou verdades matemáticas. O contingente

continuaria com sua sombra, qualquer que fosse o ângulo da

iluminação, a obscuridade jamais deixaria de ter lugar para o

conhecimento humano.

Lebniz sempre desconfiou do conhecimentointuitivo. Se jamais

negou definitivamente a possibilidade de um conhecimento adequado,

não acreditava que esse conhecimento poderia se dar por intuição.

Conhecemos, raciocinamos, descobrimos, provamos por símbolos, emsuma, o pensamento opera com símbolos. Não pensamos

expressamente, ou explicitamente,em todas as marcasque caracterizam

uma noção. Nem poderíamos. Cada pensamento envolve o infinito, as

idéias simples “são simples apenas em aparência, são acompanhadas

de circunstâncias que têm ligação com elas, ainda que essa ligação

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não seja entendida por nós, e essas circunstâncias oferecem alguma

coisa explicável e suscetível de análise”18 . Uma idéia verdadeiramente

adequada pressupõea multiplicidade infinita de substâncias e a intuição

da totalidade desse múltiplo que se exprime em toda idéia. Talvez por

isso, sem jamais abandonar a idéia de uma Característica universal,

Leibniz abandona o projeto de um alfabeto dos pensamentos humanos

acreditando que os nomes primitivos, a partir dos quais se daria a

combinatória para a expressão e a descoberta de verdades, podem serpostulados para a comodidade do cálculo, sem que sejam pensados

como termos últimos, atômicos “Não existe átomo (...). Segue daí 

que em cada partícula do universo está contido um mundo de infinitas

criaturas (...). Não há nenhuma figura determinada nas coisas, porque

nenhuma figura pode satisfazer às infinitas impressões”19 .

Por outro lado, a Característica universal, como instrumento

de comunicação universal — que remete à preocupação de Leibniz

com a questão irênica —, não é jamais pensada como uma línguauniversal isenta de ambigüidade ou uma língua filosóficaque elimine a

confusio linguarum da linguagem natural celebrada como um fato

positivo por quem, como afirma Umberto Eco, “ficara sempre

fascinado pela riqueza e pluralidade das línguas naturais, a cujas

gerações e filiações dedicara tantas pesquisas”20 . Admitindo a

impossibilidade de fato de descoberta da língua adâmica e o absurdo

da hipótese de voltar a praticá-la, Leibniz pensa a Característica como

a criação de uma linguagem científica, um instrumento de descobertada verdade, não como um substituto formal, artificial, da primitiva

língua dos homens.

ÉprecisolevaremcontaduascoisasemrelaçãoàCaracterística

universal. Em primeiro lugar, o que fundamenta a idéia de uma

linguagem científica como essa são os pensamentos cegos, isto é,

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erguido sobre o fundamento dos pensamentos cegos, Leibniz jamais

pretendeu que o conhecimentohumano alcançasse a clareza da intuição

— cartesiana ou espinosana. Jamais pensou que fosse humanamente

possível esclarecer a obscuridade, iluminar com clareza meridiana o

fundo obscuro subjacente em cada pensamento distinto. Por melhor

elaborados quefossem os caracteres dessa linguagem universal, seriam

ainda e sempre caracteres, símbolos, expressivos, mas símbolos.

Todavia, e em segundo lugar, como mostra Lebrun, quandoLeibniz pensa uma homogeneidade de direito entre os sentidos e o

entendimento — pelo que é criticado por não preservar a diferença de

natureza do sensível em relação ao inteligível, relegando aquele à

função de deformar as representações do entendimento — “é porque

nenhum signo, no limite, é signo de instituição; ou melhor, é porque

desaparece a fronteira entre signos naturais e signos de instituição,

substitutos que mostram e substitutos que dissimulam a razão de sua

relação com a coisa.”23

É por isso que o símbolo para Leibniz nãopode nunca ser totalmente equívoco, porque, na medida em que

exprime uma coisa, uma idéia, um símbolo não traduz a coisa, nem

substitui a idéia, ele é a coisa ou a idéia sob uma determinada

perspectiva. O símbolo não é um índice, sugere Lebrun, mas um perfil

da coisa: Leibniz não distingue a apresentação da coisa de uma

indicação dela por substituição e, por isso, todo conhecimento pode

ser pensado como representação, ou apresentação, porque estar

representado não é mais pensado a partir da metáfora da visão. Serexprimido não é nunca ser expresso ou explícito, não é jamais ser uma

cópia de um original. Se o símbolo oculta algo da coisa ou da idéia

não se trata de uma relação visível, de uma semelhança em sentido

visual, mas da lei correspondência, que exprime a coisa ou a idéia,

que a apresenta, mas de maneira analógica. Há um jogo entre o que o

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símbolo apresenta e o que esconde, ou melhor, envolve, implica, de

maneira não explícita. É isso que caracteriza a expressão leibniziana.

O que um símbolo “oculta” é precisamente a lei de correspondência, a

harmonia que mantém a analogia entre o que exprime e o exprimido;

mas é assim que ele é a expressão de alguma coisa. O símbolo é a

coisa sob determinada perspectiva. Não há como anular a sombra que

permanece sob o que é distintamente percebido, mas isso não é uma

carência do símbolo, é constitutivo dele; mais que isso, se não hácomo anular as diferenças ontológicas de pontos de vista, ainda menos

poderíamos pretender anulá-las formalmente, e essa é a riqueza do

mundo leibniziano, é isso que faz a variedade do mundo. Leibniz não

rejeita o adequado, de alguma maneira a adequação permanece como

um ideal possível e o termo “adequado” nunca deixou de fazer parte

da classificação leibniziana dos tipos de conhecimento, mas é Leibniz

quemdiz:“não sei se os homens podem oferecer um exemplo perfeito

deste [conhecimento adequado], embora a noção dos números seaproxime bastante dele”24 . Imaginar que podemos emergir do fundo

obscuro e, desprezando a perspectiva inerente a cada indivíduo, chegar

a uma expressão plenamente unívoca, seria o mesmo que pensar os

homens como deuses, ou espíritos sem corpos, seria desprezar a

singularidade de cada ser individual. Mas a sabedoria, diz Leibniz,

está em variar: “Multiplicar unicamente a mesma coisa, por mais

nobre queela seja, seria supérfluo, seria uma pobreza: ter mil Virgílios

bem encadernados na biblioteca, cantar sempre as árias da Óperade Cadmus e de Hermione, quebrar todas as porcelanas para não ter 

senão xícaras de ouro, ter botões somente de diamante, comer apenas

perdiz, beber somente vinho da Hungria ou de Shiras; isso poderia

ser chamado de razão?” 25

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TESSA MOURA LACERDA

A filosofia expressiva de Leibniz, porque inclui na concepção

de expressãoa analogia e a harmonia, é uma filosofiasimbólica, Leibniz

jamais separa a expressão dos signos e das variações que eles trazem

— em cada expressão, o distinto e o confuso variam. Mas o símbolo

para Leibniz não é mistificador, como para Espinosa. E o obscuro é

precisamente o que faz a riqueza de um universo em que cada ponto

de vista é como um mundo inteiro, e o mundo é multiplicado por cada

uma das várias perspectivas individuais, por cada expressão singulardo todo.

Se a gênese da teoria da expressão leibniziana está em suas

reflexões sobre a Característica universal, como sugere Lamarra26 ,

então o que poderia ser visto como um fracasso (o fato do projeto da

Característica ter permanecido inacabado) é na verdade a origem de

uma complexa rede explicativa capaz de dar conta dos principais temas

da filosofia de Leibniz. A teoria da expressão, definida pela primeira

vez em 1678, no opúsculo Oqueéidéia, permite articular as reflexõesde Leibniz sobre as matemáticas, a teologia, a ontologia e a

epistemologia. E, certamente, o silêncio de Leibniz sobre a prova da

existência de Deus a partir do fim da década de 70 diz muito sobre a

maneira como o filósofo vai conceber a expressão e sobre o papel que

vai reservar, no interior da idéia de expressão, ao obscuro, ao confuso,

ao invisível.

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Notas

1 Leibniz – “Carta a Elisabeth, 1678”, in Die philosophischen Schriften.

Ed. C. I. Gerhardt, 7 vols., Berlin, Halle: 1949-63; reimpressão

Hildesheim, 1962 (doravante citado PS, seguido do volume e da

página) – IV, p.296.2 Leibniz – “Meditações sobre o conhecimento, a verdade e as idéias”,

PS, IV, p.425.Tradução argentina in Escritos Filosoficos, Edição de Ezequiel de

Olaso, Buenos Aires, Charcas, 1982. – p.275.3 Leibniz – Novos Ensaios, IV, x, §7. Paris: GF- Flammarion, 1990

(citado NE, seguido de livro e artigo) – p.345.4 Cf. Descartes – A Mersenne. Oeuvres de Descartes. Publiées par C.

Adams e P. Tannery. 11 volumes. Paris: Vrin, 1971 – III, p.393.5 Leibniz – “Observações sobre parte geral dos Princípios de

Descartes”, §18. PS, IV, p. 360.Tradução argentina in Escritos Filosoficos, Buenos Aires: Editorial

Charcas, 1982 – p.422.6 Leibniz – Quod Ens Perfectissimum existit . Sämtliche Schriften und 

Briefe, herausgegebenvon der deutschenAkademiederWissenschaften

zu Berlin, VI, iii, p.578-579.

Tradução francesa in Recherches générales su l’analyse des notions

et des vérités. Introduction et notes par J.-B. Rauzy. Paris: PUF, 1998.

– p. 28.7 Leibniz – “Carta a Elisabeth, 1978”, PS, IV, p.295.8 Leibniz – “Meditações sobre o conhecimento, a verdade e as idéias”,

PS, IV, p.425.

Tradução argentina in Escritos Filosoficos, Edição de Ezequiel de

Olaso, Ed. cit. – p.275.

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9 Sem título, PS, VII – p.184-189 (tradução francesa in Recherches

générales sur l’analyse des notions et des vérités. Paris: PUF, 1998 –

p.63-70).10 “eu ignorava que os geômetras, quando colocam as proposições

segundo a ordem que permite demonstrá-las umas a partir das outras,

fazem exatamente o que eu desejava.” PS, VII – p.185 (tradução

francesa in Recherches générales sur l’analyse des notions et des

vérités. Ed. cit. – p.65).11 “Assiduamente dedicado a essa tarefa, era inevitável que eu

chegasse a estaconsideraçãoadmirável, a saber, quese pode elaborar 

um alfabeto dos pensamentos humanos e que a combinação das letras

desse alfabeto, juntamente com a análise das palavras feitas com

elas, permitiriam encontrar e discernir todas as coisas.” PS, VII –

p.185 (tradução francesa in Recherches générales sur l’analyse des

notions et des vérités. Ed. cit. – p.66).12

PS, VII – p.200 (tradução francesa in Recherches générales sur l’analyse des notions et des vérités. Ed. cit. – p.163). Cf. também PS,

VII – p.188 (tradução francesa in Recherches générales sur l’analyse

des notions et des vérités. Ed. cit. – p.69).13 PS, VII – p.201 (tradução francesa in Recherches générales sur 

l’analyse des notions et des vérités. Ed. cit. – p.163).14 PS, VII, Einleitung.15 Deleuze, G. – Spinoza et le probleme de l’expression. Paris: Minuit,

1968 – p.306.16 [Zu Lockes Urteil über Malebranche], PS, VI – p.576.17 Cf. Leopoldo e Silva, F. – “Universalidade e simbolização em

Leibniz”, publicado neste número dos Cadernos espinosanos –p.49.18 Leibniz – NE, III, iv, §16. Ed. cit. – p.232-233.

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19 Leibniz – Opuscules et fragments inédits (ed. par L. Couturat).

Paris: Alcan, 1903 – pp. 518-23.20 Eco, U. – A busca da língua perfeita. Bauru: Edusc, 2001 – p.327.21 Leibniz citado por Eco, U. – A busca da língua perfeita. Ed. cit. –

p. 338.22 Leibniz citado por Eco, U. – A busca da língua perfeita. Ed. cit. –

p. 338.

23 Lebrun, G. – “A noção de ‘semelhança’ de Descartes a Leibniz” inDascal, M. (org.) – Conhecimento, linguagem, ideologia. São Paulo:

Perspectiva, 1989 – p.53-54.24 Leibniz – PS, IV, p.423.25 Leibniz – Teodicéia, II, §124. Paris: Flammarion, 1969 – p.181.26 Lamarra, A. – “Sur l’origine de la theorie de l’expression dans la

philosophie de Leibniz” in Recherches sur le XVIIe siècle,número5–

p. 78-83.

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ERICKA MARIE ITOKAZU

A filosofia espinosana para além do corpo-

máquina: o paralelismo em questão*

ERICKA MARIE ITOKAZU**

* A redação deste artigo muito se deve à contribuição feita por outros pesquisadoresno XII Encontro daANPOF, realizadoem Salvador Bahia em 2006.A compreensãodo que seria o mecanicismo em Espinosa tornou-se fundamental, o que nos levou

a discuti-lo oportunamente no III Congresso Spinoza realizado na UnivesidadNacional de Córdoba, e que resultou na publicação do resumo da comunicaçãocomo “Spinoza y el mecanicismo en el siglo XVII: ¿una herencia cartesiana?”Desde então, as articulações internas sobre o mecanicismo foram sopesadas ereelaboradas, alguns argumentos acrescidos,e a recusa à interpretação doparalelismo em Espinosa acabou recebendo a ênfase e destaque queora procuramosanalisar neste artigo.** Doutoranda em História da Filosofia pelo Departamento de Filosofia da USP.

Resumo: Pretendemos analisar alguns trechos da Ética para buscarcompreender uma célebre indagação espinosana: o que pode um corpo?

Tradicionalmente, é a mente que governa o corpo. Tudo o que surgecomo criação ou inovação segue-se de uma ação da mente sobre ocorpo. Não sendo este mais do que o lugar das relações necessárias,mecânicas ou, ainda pior, o lugar dos pecados, a liberdade não viriasenão da sujeição do corpo pela mente. Esta não seria ativa senão namedida em que aquele fosse passivo. Com Espinosa, esse tradicionalponto de vista é inteiramente invertido e é esta inversão que acaba pordar sentido à questão “o que pode um corpo?” Com Espinosa, corpoe mente deverão ser ativos juntos ou passivos juntos. O corpo ocupaum lugar proeminente. Será ele também capaz de criação. Será ele um

dos fulcros da liberdade. Eis o trabalho que procuramos empreenderneste artigo. E, se muito já se escreveu sobre como, no século XVII,o corpo deixa de ser o lugar das doenças e pecados para tornar-se olugar das relações necessárias e mecânicas, a inovação espinosanaestá justamente em ir para além do corpo-máquina. Contudo, o alcancedesta empreita está estreitamente vinculado a certa tradição de

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comentadores que defendem o paralelismo na relação corpo e mente.A reflexão acerca do paralelismo faz-se portanto necessária paracompreender como o sentido desta indagação espinosana suscita odesvelamento de todo um horizonte que se abre, finalmente, para ocorpo e a liberdade.

Palavras-chave: corpo, corpo-máquina, mecanicismo, relação corpo/ mente, singularidade.

Abstract: We intend to analyze some passages from Ethics in orderto understand a renowned Spinozian quote: what’s a body capable of?Traditionally, the mind has dominion over the body. Everything whichbecomes real through creation or innovation comes from an action of the mind over the body. The body being nothing more than the field of necessary and mechanical relations, or worse, the place of sins, free-dom would come by the subjection of the body by the mind. The mindcould not be active unless the body were passive. For Spinoza, thistraditional point of view is completely inverted, and, based on thisinversion, we can figure out the meaning of the quote: “what’s a bodycapable of?” According to Spinoza, body and mind must be active orpassive together. The body has a prominent role. It’s also capable of creating. It is one of the fulcrums of freedom as well. That is what weintend to discuss in the present article. And, if much has been writtenon how, in the XVII century, the body ceases to be the place of sick-ness and of sins to become the place of necessary and mechanicalrelations, the innovation in Spinoza consists precisely in going beyondthe body-machine concept. However, the reach of this undertaking isclosely linked to a certain tradition of commentators who defend par-allelism in the relation between body and mind. The reflection upon

parallelism is, therefore, necessary for the understanding of how themeaning of the Spinozan quote brings forth the unfolding of a wholenew horizon, which lays open, at long last, for both body and free-dom.

Key-words: body, body-machine, mechanicism, body/mind relation,

singularity.

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ERICKA MARIE ITOKAZU

I – A geometrização do movimento e o mecanicismo

Os céus e a Terra. Infinita parece ser a distância que os separa.

E a incomensurabilidade de tal distância não se encontra em nenhuma

grandeza.OqueseparaoscéuseaTerranãoépassíveldesermedido.

Pelo contrário. O Cosmo, na sua concepção clássica e medieval, era

uma unidade fechada de um Todo. Um todo finito, qualitativamente

determinado em esferas concêntricas de realidades distintas cuja

estrutura espacial revelava uma hierarquia de valor e perfeição: a

incorruptibilidade e luminosidade dos céus, a opacidade surda da

corrupção presente nos movimentos percebidos na Terra. A distância

que separa o que contemplamos nos céus do que percebemos na Terra

é incomensurável porque não há medida comum entre desiguais, entre

heterogêneos que, como tais, são legislados por leis distintas.

Um Cosmo finito e hierárquico. Eis o lugar abandonado com a

revolução científica do século XVII. Isento de diferenças, ageometrização do espaço tornou o campo da extensão homogêneo e

uniforme para todo domínio da matéria, seja a de corpos celestes ou

terrestres, abrindo-lhes um campo isonômico de uma natureza que

até então nenhum homem percebera e jamais concebera: Du monde

clos à l’univers infini, nos dirá Alexandre Koyré. E se este universo

infinito está escrito em caracteres matemáticos, é porque nele não há

hierarquias, nem há lugar para as diferenças qualitativas. Contudo, se

abandonamos um Cosmo todo ele organizado e ordenado, como nãonos sentirmos abandonados neste universo homogêneo e infinito?

Como não nos perdermos em seus tantos labirintos indiferenciáveis,

um universo cujo centro está em toda parte, e no qual navegamos

num mar infinito sem quaisquer referências?

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

Enveredar pelos meandros da infinitude exigia uma tomada de

atitude, uma nova postura frente a uma nova natureza. Exatamente

por este motivo,Alexandre Koyré afirma que esta revolução científica

realiza uma conversão: da scientia contemplativa para scientia activa,

da teoria para a práxis. Deixamos de ser espectadores para tornarmo-

nos senhores e mestres da natureza. Ler este grande livro

continuamente aberto, navegar por este universo infinito, exige

portanto a construção de instrumentos intelectuais sem os quaisvagaríamos errantes sem bússola a nos nortear na terra, sem astrolábio

a nos guiar no mar. Eis como configuram-se dois projetos inovadores

característicos do seiscentos: a geometrização do movimento e o

mecanicismo.

“o abandono da concepção clássica e medieval

do Cosmo (...) e sua substituição pela do Universo, isto

é, de um conjunto aberto e indefinidamente extenso do

Ser, unido pela identidade das leis fundamentais que ogoverna, determina a fusão da física celeste com a física

terrestre, e permite a esta última utilizar e aplicar a seus

problemas os métodos matemáticos hipotético-dedutivos

desenvolvidos pela primeira; implica também a

impossibilidade de estabelecer e de elaborar uma física

terrestre ou, pelo menos, uma mecânica terrestre, sem

desenvolver simultaneamente uma mecânica celeste”1

Mecanicismo e geometrização do movimento não são projetosidênticos: que Galileu tenha aberto a senda para a geometrização do

movimento, tão fortemente defendida por Descartes em seu grande

sonho pela reductione scientiae ad geometriam, a identificação da

extensão à matéria na filosofia cartesiana muito o distancia da física-

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ERICKA MARIE ITOKAZU

matemática galileana2 . Que o atomista Gassendi seja considerado

mecanicista tanto quanto Descartes, que justamente recusava a

existência dos átomos e para quem o vazio não tinha lugar; que a

física de Pascal seja defendida como mecanicista que, por sua vez,

admite o vazio... Como coadunar tantas dessemelhanças sob nomes

tais como “mecanicismo” ou “geometrização do movimento”?

O que há de comum na ousada empreita? Uma nova postura

que colapsou a tradição escolástico-aristotélica e sua autoridade noconhecimento dos domínio da matéria. O mecanicismo, mais que um

sistema filosófico preciso, é um conjunto de novas atitudes no estudo

da natureza, uma recusa a toda finalidade e a toda diferença qualitativa,

e o seu desafio será, portanto, o de explicá-la de um ponto de vista

quantitativo, restringindo a explicação dos fenômenos corporais

somente à relação entre corpos. Sem apelo a nada que seja externo ao

domínio da matéria, o mecanicismo acaba, finalmente, por conferir

certa autonomia ao conhecimento na esfera dos corpos. Não é poracaso que a geometrização do movimento ergueu-se como o seu mais

excelente instrumento, porquanto torna possível “reconstruir os

fenômenos do movimento no interior do domínio de uma

inteligibilidade geométrica de tal sorte que os fenômenos, submetidos

à razão geométrica, sejam objetos passíveis de serem deduzidos sob o

modelo dos Elementos de Euclides.”3

Nesta revolução científica, segundo Koyré, encontramos o

nascedouro da física moderna que tem na lei da inércia a sua leifundamental (seja implicitamente articulada, como na mecânica de

Galileu, seja explicitamente enunciada, como no caso da de Descartes)

que permite avançar e seguir adiante na formulação de uma mecânica

celeste em perfeita concordância com uma mecânica terrestre. E

Descartes parece ser o primeiro a perceber o alcance destes

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CADERNOS ESPINOSANOS XV - 2006

instrumentos intelectuais. O completo domínio e autonomia do

conhecimento dos corpos deve abarcar, além dos céus e da Terra, um

corpo de outro gênero: o corpo humano. Tanto o mecanicismo quanto

a geometrização do movimento parecem poder tornar cognoscível a

dinâmica e a estrutura do corpo humano sob as mesmas leis pelas

quais se explicam quaisquer outros fenômenos da natureza4 .

II – O corpo humano em Espinosa e Descartes: o mecanicismo

em questão

Distanciando-se da perspectiva qualitativa e do finalismo, o

corpo humano, outrora visto como antro inóspito de moléstias e

pestilências, mestre dos vícios e prisão da alma, porque compartilha

da mesma natureza de qualquer outro corpo físico, pode agora tornar-

se objeto do conhecimento a ser iluminado pela racionalidade

geométrica, assim como explicado pela dinâmica própria aos corpospelo seu mecanicismo. Não é por outro motivo que René Guénon5

associa a autonomia dos estudos dos corpos onde a reina a quantidade

como parte do mesmo movimento moderno de desligamento da esfera

profana do sagrado.

Charles Ramond reconhece no projeto seiscentista a cuidadosa

construção mecanicista do corpo humano que afasta o finalismo,

extingue as almas vegetativa e sensitiva, porém, pergunta ele, a que

preço? A crítica de Charles Ramond vai mesmo nesta direção: apóster mostrado “tão claramente quanto possível a separação, no homem,

de domínios distintos do corpo e do pensamento, os filósofos do XVII

[no qual estão incluídos Descartes, Espinosa, Pascal e Leibniz] só

puderam encontrar sua união, no homem, bastante obscura – todo

progresso no conhecimento do corpo humano parecendo dever ser

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ERICKA MARIE ITOKAZU

pago por um recuo no conhecimento do corpo humano6 . É nesta toada

que segue Chantal Jaquet ao analisar o emblemático homem-máquina

cartesiano, tal qual fora apresentado no Tratado do Homem:

Desejo quese considere que estas funções seguem,

naturalmente nesta máquina, somente da disposição de

seus órgãos, nem mais nem menos que os movimentos de

um relógio ou de outro autômato que se movimenta pelo

contrapeso de suas rodas; de tal maneira que não é 

necessário, neste caso, conceber nesta máquina nenhuma

outra alma vegetativa, nem sensitiva, nem outro princípio

de movimento e de vida senão seu sangue e seus espíritos

agitados pelo calor do fogo que arde continuamente em

seu coração, e que não é de modo algum de outra natureza

que todos os fogos que são nos corpos inanimados7

Criticando o mecanicismo cartesiano, Jaquet denuncia a

redução do corpo humano à máquina que, negando-lhe toda

especificidade, torna impossível à primeira vista distinguir o corpo

de um homem do de um autômato. O animal-máquina é submetido

ao princípio de inércia como os outros corpos inanimados, de sorte

que ele não possui leis próprias. “Em suma”, conclui Chantal acerca

do mecanicismo, “Descartes e seus herdeiros explicam a vida

suprimindo-a”8.

Sem dúvida nenhuma, Espinosa é herdeiro de Descartes em

diversos aspectos, contudo, em que medida e atéaonde segue a herançacartesiana para compreender o corpo humano? Diferentemente da

maioria dos comentadores que iniciam a análise comparativa entre

Espinosa e Descartes tendo por base o Tratado do Homem cartesiano

emdiálogocomaparteIIdaÉtica espinosana, Martial Guéroult parece

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Guéroult pergunta-se sobre esta definição espinosana e suas

derivações na parte que se consagrou como sua “pequena física”:

“Quais idéias científicas inspiram a teoria espinosana dos corpos

compostos? O que entender por esta proporção de movimento e

repouso entre as partes que compõem o corpo? (...) Para responder

esta questão é necessário referirmo-nos às pesquisas dos

contemporâneosacerca da dinâmica dos sólidos, especialmente àquelas

que concernem ao problema dos centros de oscilação, bastante célebrena segunda metade do XVII”10.

As considerações acerca das descobertas de Huygens,

acompanhadas de perto por Espinosa, levam Guéroult a concluir que

o modelo é o centro de oscilação em pêndulos compostos tal como

fora calculado por Huygens, e que torna possível não somente pensar

um movimento composto por vários outros movimentos simultâneos

com variações de grandeza e massa, mas também, a partir de todas

estas variantes calcular e extrair uma proporção constante. ConcluiGuéroult: “Considerando não a quantidade imutável de movimento,

mas a proporção imutável de movimento e repouso imposta às suas

partes, o conjunto do universo é comparável a um gigantesco pêndulo,

cujo ritmo eterno é absolutamente invariável pelo fato de que ele não

pode sersubmetido a nenhuma ação perturbadora que venha de fora.”11

Tal conclusão parece, à primeira vista, bastante razoável para

compreender, num recorte bastante preciso, a parte final da pequena

física espinosana:Concebemos um Indivíduo que não é composto

senão de corpos que se distinguem entre si apenas pelo

movimento e repouso. (...) Se, além disso, concebermos

um terceiro gênero de Indivíduos, compostos de Indivíduos

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deste segundo gênero, da mesma maneira descobriremos

que podem ser afetados de muitas outras maneiras, sem

nenhuma mutação de sua forma. E se continuarmos assim

ao infinito, conceberemos facilmente que a natureza

inteira é um Indivíduo, cujas partes, isto é, todos os

corpos, variam de infinitas maneiras, sem nenhuma

mutação do Indivíduo inteiro.12

Qual a diferença entre as concepções de corpo em Espinosa e

Descartes? Diferença técnica, afirma-nos Guéroult: “porque Espinosa

substitui o modelo mecânicodo turbilhão pelo do pêndulo”, e diferença

de espírito: “porque ampliando sem limites o campo das idéias claras

e distintas, e eliminando de fato a união substancial da mente e do

corpo, Espinosa dá conta da estrutura do corpo humano pelo

mecanicismo somente, o queDescartes reservavaà explicação de todos

os outros corpos”15 . O corpo humano, tal qual definido por Espinosa

como um indivíduo composto por outros indivíduos compostos, e

que juntamente a outros, forma indivíduos de segundo e terceiro

gênero, compondo assim sucessivamente ao infinito,parece finalmente

poder ser inserido na mesma malha mecanicista dos outros corpos.

Eis que se atingiria a tão desejada autonomia à totalidade do domínio

da extensão. E se o projeto seiscentista gabava-se por construir uma

mecânica celeste e umamecânica terrestresobas mesmasleis, Espinosa

parece ir além, inserindo, nesta mesma cadeia explicativa, também

uma mecânica humana. E a passagem do âmbito macroscópico aomicroscópico de corpos, sejam eles animados ou não, fora possível de

ser deduzida pela noção de “proporção” de movimento e repouso:

para todas as mecânicas, seu fundamento é construído por uma

racionalidade puramente geométrica.

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O mecanicismo em Espinosa, poderia reforçar a sua extrema

fidelidade ao legado cartesiano? Teria ele finalmente concretizado o

sonho de reductione scientiae ad geometriam, justamente onde

Descartes falhara? Expliquemo-nos: se o fundamento da identidade

do corpo cartesiano depende da manutenção da quantidade de

movimento determinada por certo turbilhão, assim como da

manutenção da massa deste corpona persistênciade um mesmo volume

soba diversidade cambiantede suas figuras, como explicar a identidadedo homemdesdeinfânciaà vida adulta? Para responder a este problema,

Descartes tem que lançar mão da alma ou espírito que ao informar o

corpo humano garante-lhe a identidade e a unidade. O modelo

mecanicista do corpo humano em Descartes é, portanto, “válido apenas

para o corpo humano, por não se tratar de uma substância material,

mas de uma substância composta de matéria e espírito”14.

A geometria cartesiana e o modelo dos turbilhões não parecem

portanto ter sido capazes de explicar a identidade do homem, deixandoo corpo humano escapar ao modelo geométrico defendido nos

Princípios da Filosofia, contudo, a resposta espinosana, encontrada

na manutenção da proporção de movimento e repouso, parece levar

adiante e mais coerentemente o projeto mecanicista em conformidade

com a geometrização do movimento, tal é o que a análise de Guéroult

nos leva a concluir dado que, afirma ele, “não há nada no corpo humano

que não seja da jurisdição das idéias claras e distintas, e o mecanicismo,

liberado dos limites onde Descartes o encerrou, põe fim ao escândaloda união substancial”. “Espinosa destrói o privilégio do corpo humano

submetendo-o à norma comum de todos os corpos” 15.

Teria este rigor mecanicista de Espinosa e a denúcia ao

escândalo da união substancial, “hipótese mais oculta que todas as

qualidades ocultas”, tornado-o vítima da crítica de Chantal Jaquet

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direcionada aos “herdeiros de Descartes”? Teria Espinosa retirado a

vida do corpo humano e com ela toda a sua especificidade, ou ainda,

pagando o altíssimo preço, teria Espinosa incorrido na paradoxal

conclusão de Charles Ramond: impulsionar o progresso do

conhecimento do corpo humano às custas do recuo do conhecimento

do corpo humano?

III – O corpo em Espinosa: o paralelismo em questão.

Que Espinosa tenha sido rigorosamente mecanicista na dedução

do corpo humano, porquanto este é unicamente explicado pela relação

entre os corpos, disso não temos dúvida. Que tenha se inspirado nas

descobertas de Huygens, também consideramos inquestionável. Porém,

perguntamos, o mecanicismo espinosano estaria restrito às conclusões

de Guéroult? E, em segundo lugar, tais conclusões não restrigem o

mecanismo do corpo humano a uma atividade cega, autorregulada einexpressiva? A identidade dos corpos mantida por um equilíbrio

dinâmico, tal parece ser o máximo a ser extraído do modelo do pêndulo

composto. Tornando o corpo ausente de quaisquer especificidades de

corpo humano, finalmente, perguntamos se tais questões nãodependem

de um prejuízo anterior sobre o qual este mecanicismo fora concebido,

a saber, o paralelismo entre os atributos Extensão e Pensamento.

De certo modo, o termo “paralelismo” nos auxilia a não

misturar aquilo que nos é interditado mesclar, a Extensão e oPensamento, permitindo criar uma imagem explicativa na qual a ordem

e a conexão de ambos os atributos são como desdobramentos que

seguem paralelamente, e que como tais não se entrecruzam, embora

mantenham seus pontos, num e noutro, sempre correspondentes.

Determinadas afecções do corpo portanto corresponderiam a

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determinados afetos da mente, sem nenhum apelo à união substancial,

e mais ainda, sem incorrer no governo da mente sobre o corpo,

culminando por finalmente extinguir o império da vontade ou a

misteriosa ação da glândula pineal na ação recíproca entre corpo e

mente.

De certo modo, porque correspondentes, o atributo

Pensamento tornaria inteligível a ordem do atributo Extensão, ou seja,

em nome da racionalidade, estaríamos ao fim e ao cabo subordinandoos fenômenos de um atributo à inteligibilidade do outro. Em geral,

porque o paralelismo é uma boa imagem para seus estudos, os

comentadores de Espinosa acomodam-se com este termo leibniziano,

chegando Charles Ramond a declarar: “Espinosa proíbe pensar uma

tal união [corpo e mente], ou mesmo uma tal interação: eis porque o

termo paralelismo convém tão bem à sua filosofia, ainda que não

faça parte de seu vocabulário.”16 De certo modo, como dissemos, o

paralelismo nos auxilia a imaginar que nem a mente determina umcorpo a agir, nem o corpo determina a mente a padecer ou pensar,

porém, nós agora perguntamos, a que custo?

Linhas que correm paralelamente e que somente se

encontrariam num hipotético ponto localizado no infinito (em Deus,

substância infinitamente infinita), contudo, paranós, seusmodos finitos,

construiriam uma imagem clandestina: a de que corpo e mente seriam

duas coisas quase absolutamente separadas, tal a impossível interação,

tamanha a incompreensível união. Uma vez apartados, nosso corpo emente parecem ter de carregar consigo o fardo de jamais poderem se

reencontrar. Não estaria este “paralelismo” travestindo o dualismo

substancial cartesiano em nova roupagem, quando, de fato, o esforço

de Espinosa encontra-se em nos fazer compreender que “mente e corpo

são uma só e mesma coisa, ora concebido sob atributo do Pensamento,

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ora sob o atributo da Extensão”? Afirma-nos Espinosa: “a ordem e a

conexão das idéias é a mesma (idem est )queaordemeaconexãodas

coisas”. Por que tomar este “idem est ” como uma correlação entre

paralelos, quando precisamente toda a argumentação é para reforçar

que são um só e o mesmo? “Uma só e mesma conexão de causas”17,

acrescenta Espinosa. Por que não aceitar que a ordem e conexão dos

atributos possam ser a mesma, e que isso não fere a diferença real

entre ambos? Por que não poderíamos compreender este “idem est ”como uma simultaneidade entre os atributosquecertamente nãopodem

ser reduzidos um ao outro?

O custo parece consistir nisso: ao apartá-los indelevelmente

em duas dimensões, e não havendo nenhum apelo a qualquer ação

recíproca entre corpo e mente, só nos resta seguir forjando uma outra

ficção e, desesperadamente, procurar tecer liames que reatem tais

pontos paralelos correspondentes de coisas para as quais se decretou

nunca mais poderem se encontrar. E dissemos desesperadamenteporque há no paralelismo o risco de incorrermos num custo ainda

maior:assim separadosos atributos, a ordem da Extensão é abandonada

à si mesma, não restando ao domínio da matéria senão o de ser

explicada por uma prototípica causalidade, a necessidade bruta e cega.

E muito precisaremos tentar escapar da armadilha e não abandonar o

corpo humano a esta ordem e funcionamento inexoráveis, em que

vitorioso retornaria o mecanicismo para o qual, sem nenhuma

possibilidade de refúgio numa mente legisladora, o homem seria aindamais máquina do que o animal-máquina cartesiano.

Apresentados alguns dos problemas do paralelismo, cumpre-

nos então primeiramente reivindicar a recusa de sua utilização como

instrumento interpretativo da filosofia espinosana, o que nos convida

a nos debruçar mais acuradamente sobre este âmbito da Extensão

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espinosana no qual está inserido corpo humano. Numa breve carta de

Espinosa, poderemos encontrar uma centelha de luz para as nossas

inquietações:

a partir da extensão tal como a concebe Descartes,

a saber, como uma massa em repouso, não só é difícil,

como dizeis, senão totalmente impossível demonstrar a

existência dos corpos. Pois a matéria em repouso

permanecerá, ao que lhe respeita, em seu repouso e não

se colocará em movimento, a não ser por uma causa

externa mais poderosa. Por este motivo, não duvidei em

dizer há tempos que os princípios cartesianos sobre as

coisas naturais são inúteis, para não dizer absurdos.18

Outras heranças à parte, Espinosa justamente recusa os

princípios sobre os quais se fundam uma física e uma medicina

cartesianas. Ora, a diferença entre Descartes e Espinosa não depende

unicamente da diversidade de modelos físicos (o pêndulo ou o

turbilhão) que inspiraram os filósofos. Muito mais profunda e

intrincada, a diferença está na definição mesma da Extensão. O que é

então conceber uma extensão confundida com a matéria inerte que, a

despeito de ser uma substância, tem como princípio primeiro do

movimento uma causa externa e transcendente? Esta concepção não

é demasiadamente diversa da Extensãode Espinosa,um atributoinfinito

da única substância e cujo princípio de movimento não lhe é externo,

pelo contrário, sendo ele mesmo a coincidência da causalidade eficientecom a imanente?

Outra questão parece ter escapado a Guéroult: analisamos a

importância da “quantidade de movimento” na física cartesiana em

contraposição à tese de Espinosa concernente à “proporção de

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movimento e repouso”, destacando-lhes a importância dos termos

“quantidade” e “proporção” como indicadores das diferenças entre os

autores. Contudo, o que significa colocar na definição do indivíduo

não somente o movimento, mas também o repouso? Se destes dois

termos é possível extrair uma proporção comum que mui precisamente

determina a identidade de algo existente, isto não significaria que,

diferentemente do que pensara Descartes, movimento e repouso não

são opostos que se anulam? Como compreender que o Movimento eo Repouso não são “estados” da Extensão, mas que são ambos um

mesmo modo infinito da Substância? Aliás, como afirmar algo sobre

movimento ou repouso de substância única, para a qual não há nada

externo que possa servir de fora como referência para determinar seja

o movimento, seja o repouso? Ao percorrer a obra espinosana, pouco

alento encontramos para as nossas inquietações, como o próprio autor

indica em uma de suas últimas cartas:

a matéria é mal definida por Descartes por meio

da Extensão, e que, pelo contrário, deve ser explicada

necessariamente por meio de um atributo que expresse

uma essência eterna e infinita. Talvez um dia, se tiver 

vida suficiente, trate mais claramente destas coisas

convosco já que até o momento não tive a oportunidade

de ordenar nada a respeito19

OtempodevidanãopermitiuaEspinosanosdeixarumaFísica.

E, ainda que por ora nossas interrogações fiquem sem respostas, pelo

menos indicam a ruptura com a herança cartesiana, que não se localiza

no tronco da árvore do saber (a Física), porquanto a crítica dirige-se

ao seu fundamento, às suas mais profundas raízes: a metafísica. Tal

ruptura permite avançar na compreensão do corpo humano para além

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do corpo máquina, numa leitura despida dos prejuízos do paralelismo.

E Espinosa não se perguntará mais sobre “o que é o corpo”. Num

célebre trecho da Ética III a questão será: o que pode um corpo?

IV – Para além do corpo-máquina

Acreditamos que Guéroult, ao explicitar o rigoroso

mecanicismo espinosano deixou à margem duas questões principaispresentes na parte II da Ética e que gostaríamos de retomar muito

brevemente. Ao deduzir o corpo e o indivíduo, na parte conhecida

por muitos como sua “pequena física”, percebemos que não se trata

somentedeexplicarcomosedáa proporção de movimento e repouso,

mas de compreender o corpo constituído por uma complexidade

intercorporal marcadamente relacional. O corpo humano é um

indivíduo composto, um complexo de relações internas e externas

com outros tantos corpos complexos. Ele é portanto definido poruma intra-corporeidade na relação estabelecida entre os corpos

complexos que o compõem, mas também por uma extra-corporeidade,

isto é, a definição de um corpo próprio depende de sua relação com

os outros corpos.

Há porém, um segundo ponto: desta definição de indivíduo

Espinosa acresce sucessivamente composições de indivíduos de

segundo, terceiro gênero e assim até o infinito, sendo a Natureza inteira

um só indivíduo. Por esta dedução Espinosa garante não somente arelação intercorpórea entre modos finitos, mas também a relação entre

a parte finita e o todo da Natureza. Ora, o que marca então a

individualidade? Espinosa não fala em individualidades, mas em

indivíduos que se compõem ao infinito, sendo os corpos compostos

diferenciados entre si pela proporção de movimento e repouso. Qual

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suas relações coma exterioridade. Distanciando-seda lógicada finitude

imposta pela causalidade transitiva, é possívelnisso percebera presença

da causalidade eficiente e imanente que orquestra a Natureza inteira

na potência do corpo quando nele todas as partes são como

instrumentos que em uníssono constituem a causa completa de um

efeito. O corpo é agente porque é corpo singular.

Dada a unicidade substancial, de fato, nãoseria preciso iluminar

os desdobramentos da Extensão por “modelos físicos”, nem torná-losinteligíveis porque correlacionados ao atributo Pensamento: a

causalidade eficiente imanente presente em ambos os atributos e o

princípio espinosano de causa sive ratio por si só já garantem total

inteligibilidade a quaisquer dos infinitosatributos. Espinosa nãoprecisa

defender um mecanicismo associado à geometrização do movimento,

porquanto sua ontologia é geométrica. Contudo, na ausência de uma

Física espinosana, e dados os infortúnios e riscos nas leituras acerca

da extensão em Espinosa, não poderíamos abdicar do termo“mecanicismo”? Desta feita, não conseguiríamos ao menos afastar a

imagem do corpo humano como um autômato pêndulo autorregulável

e seguir por um caminho muito mais profícuo, ou seja, como uma

expressão singular da Natureza que se autoproduz geometricamente?

Por esta senda, muitas outras se abririam. E nosso filósofo

permanece ao lado a nos acompanhar por este caminho: o que deduz

Espinosa imediatamente após a pequena física?A aptidão ao múltiplo

simultâneo no corpo e na mente. O que significa este “e”? A aptidãoda mente, idéia do corpo singular existente em ato, não é deduzida de

um corpo destacado do mundo, porque sua própria definição depende

de um complexo de relações internas e externas por ele estabelecidas.

A mente portanto não é a forma, nem o princípio de unidade do corpo,

pelo contrário, ela é tão complexa quanto o corpo, e sua superioridade

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enquanto considerada apenas corpórea, e o que não pode

fazer senão determinado pela Mente. Pois até aqui

ninguém conheceu a estrutura do Corpo tão

acuradamente que pudesse explicar todas as suas funções,

para não mencionar o fato de que nos Animais são

observadas muitas coisas que de longe superam a

sagacidade humana, e que os sonâmbulos fazem no sono

muitíssimas coisas que não ousariam na vigília; o quemostra suficientemente que o próprio Corpo, só pelas

leis de sua natureza, pode fazer muitas coisas que deixam

sua Mente admirada.20

Espinosa inverte a perspectiva da análise propondo numa

filosofia racionalista um posicionamento sobre certa supremacia da

mente e lança, para a sua época e para o futuro, um desafio: “ninguém,

até o presente, determinou o que o corpo pode”. Em geral, o escólio

é analisado como consolidação da crítica ao preconceito cartesiano

de que o corpo está sob o domínio da mente e da vontade, porém,

seria esta a força do argumento deste escólio? E são mesmo os

defensores do paralelismo que, ao restringir a análise deste escólio à

denúncia da vontade, constrangem-se em explicar quais afetos

corresponderiam às afecções de um corpo sonâmbulo. Afinal, com o

quê responderíamos ao desafio proposto, tendo como instrumentos o

mecanicismo e o paralelismo? Eis porque acreditamos que este escólio

não se apresenta somente como mais uma crítica à ação segundo avontade, afinal, já não foram poucas as críticas feitas ao seu império

em inúmeras passagens e para o qual é dedicado todo o final da parte

II da Ética. Qual então a novidade argumentativa? Afirma-nos

Espinosa: é-nos tão desconhecida a estrutura do corpo, que ultrapassa

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de longe a sagacidade humana, e, desta feita, quase nada se sabe sobre

o quê esta estrutura é capaz de produzir. O desafio funda-se portanto

sobre a potência do corpo.

Uma outra pergunta poderia nos advir ainda aqui: já que se

trata da potência do corpo humano, por que motivo Espinosa não

introduziu este escólio após à demonstração da sua pequena física?

Ao que respondemos: na parte II encontramos a definição da coisa

singular, ponto que já destacamos a importância, porém, é somente naparte III que Espinosa introduz duas noções capitais: as de causa

adequada/inadequada e de atividade/passividade.Ora,énasrelações

com o universo do qual o corpo é uma parte que ele constrói para si

um universo de imagens, e é nestas relações que ele participa também

de uma trama de causas e efeitos originadas neste corpo agente. É

nesta dinâmica que a potência do corpo aumenta ou diminui nas

muitíssimas relações queestabelece consigo mesmo e com a alteridade,

e, simultaneamente, aumentando ou diminuindo a potência da mente.O corpo não é, portanto, um projeto mecânico para a manutenção de

sua proporção de movimento e repouso, tal qual o pêndulo composto,

pelo qual suas relações se estabeleceriam neste solo em que a

“quantidade é rainha”.As interações corporais aumentam ou diminuem

a potência, o reino da quantidade acaba finalmente por revelar uma

dinâmica qualitativa. Afinal, como entenderíamos o aumento ou

diminuição de sua aptidão corporal e mental como passagem para

uma maior ou menor perfeição e realidade?Lembremo-nos que corpo e mente são uma só e mesma coisa,

ora sob o atributo pensamento, ora sob o atributo extensão, e se não

se reduzem ou se identificam um ao outro, são ainda ativos juntos ou

passivos juntos. Seja enquanto causa adequada, seja enquanto causa

inadequada, produzem conjuntamente um efeito que não devemos

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traduzir por uma ação e uma idéia correspondente, mas uma ação-

idéia nascida e produzida na ricaexperiência vivida pela complexidade

relacional simultânea experenciada pelo corpo e pela mente. “Se a

mente não tivesse aptidão para excogitar, o corpo seria inerte”, mas

também “se o corpo fosse inerte, a mente seria simultaneamente inepta

para pensar”21. Além de denunciar o império da vontade, Espinosa

está, em primeiro lugar, defendendo a potência do corpo que “apenas

pelas leis da Natureza considerada como corporal” é capaz de“construir edifícios, pinturas, edificar um templo”, o que surpreende a

sagacidade humana. Porém, e em segundo lugar, é destacando os

grandes feitos do corpo agente, somente enquanto considerada a sua

potência,que Espinosa parece mesmo repelir que se possadar qualquer

superioridade de um âmbito racional despido de um corpo imerso no

mundo e em suas construções, em nós ou fora de nós.

Para explicitar o que pretendemos apontar, gostaríamos de

tomar de empréstimo as palavras de outro pensador contemporâneo,e perguntarse não haveria, no escólio analisado, o repúdio ao “monstro

no qual se desenvolveu até o absurdo a faculdade que temos de extrair

pensamentos de nossos atos em vez de identificar nossos atos com

nossos pensamentos”22 ?

O corpo em Espinosa é portanto, juntamente com a mente,

parte que expressa a potência da Natureza inteira. Ora, não poderíamos

reconhecer que é pelas complexas relações com os outros homens,

com o mundo e as coisas que desvelamos na potência própria do corpoa produção de feitos surpreendentes, não somente por sua beleza e

engenhosidade, mas porque tais feitos seriam a recriação das formas

mesmas de relação com este mesmo mundo, estes mesmos homens,

estas mesmascoisas? Nãopoderíamos reconhecer nisto que a expressão

é, inseparavelmente, mental e corpórea? Se assim fosse, Espinosa não

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devolveria somente a vida ao corpo, mas permitiria abrir para ele a

potência de recriação do próprio mundo a partir do qual ele mesmo se

constituiu.

Notas

1 Koyré, A. Estudos de História do Pensamento Científico, Rio deJaneiro: Forense Universitária, 1991, p. 182. Os grifos são de Koyré

(1a. edição francesa pela Éditions Gallimard, 1973)

2 Christiane Vilain faz uma interessante análise sobre as divergentes

concepções da geometrização do movimento no século XVII, tendo

como ponto de partida a comparação das definições de espaço,

extensão e movimento em Galileu e Descartes. Vilain, C. “Espaces

et Mondes au XVIIe siècle” in épistémologiques – philosophie,

sciences, histoire, (Cosmologie et philosophie – hommage àJacques Merleau-Ponty), vol. I (1-2), janvier-juin 2000, Paris- São

Paulo: Université Paris 7/Denis Diderot - Discurso Editorial.

3 Blay, M. “Infini, géometrie et mouvement au XVIIe siècle” in

épistémologiques – philosophie, sciences, histoire. Cosmologie et 

philosophie – hommage à Jacques Merleau-Ponty, vol. I (1-2),

janvier-juin 2000, Université Paris 7/Discurso Editorial, Paris/São

Paulo, p. 163

4 Cf. Ramond, C. Spinoza et la pensée moderne. Constitutions de

l’objectivité, Paris: Éditions Harmattan, 1998,p. 112 e segs.

5 Cf. Guénon, R. Le Règne de la Quantité et les signes des temps,

Paris: Gallimard, 1945

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6 Ramond, C. Spinoza et la pensée moderne, Paris: L’Harmattan,

1998, p. 113. Os grifos são de Charles Ramond.

7 Traité de l’homme, A.T. VI, p. 202. Para este trecho, utilizamos a

tradução feita por Jordino Marques, em Descartes e sua concepção

de homem, São Paulo: Ed. Loyola, 1993.

8 Jaquet, C. Le corps, Paris: PUF, 2001, p. 102.

9 EII P13, grifos nossos. Para todos os trechos citados da Ética, atradução utilizada foi realizada pelo Grupo de Estudos Espinosanos,

ainda não publicada.

10 Guéroult, M. Spinoza. II-L’âme, Paris: Aubier, 1974, p. 171.

11 Guéroult, M. Spinoza. II-L’âme, Paris: Aubier, 1974, p. 175.

12 E2 P13 L7 e S.

13 Guéroult, M. Spinoza. II-L’âme, Paris: Aubier, 1974, p. 178.

14 Guéroult, M. Spinoza. II-L’âme, Paris: Aubier, 1974, p. 182

15 Martial, G. Spinoza. II-L’âme, Paris: Aubier, 1974, p. 185

16 Ramond, C. Spinoza et la pensée moderne, Paris: L’Harmattan,

1998, p. 123.

17 EII P7 S

18 Ep.81, escrita a Tschirnhaus em 05 de maio 1676, p. 409

19

Ep. 83, escrita a Tschirnhaus em 15 de julho de 1676. p. 41220 EIII P2 S

21 EIII P2 S

22 A expressão é de Antonin Artaud em sua obra O teatro e seu

duplo.

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4. GUÉNON, R.: Le Règne de la Quantité et les signes des temps,

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ERICKA MARIE ITOKAZU

11. VILAIN, C.: “Espaces et Mondes au XVIIe siècle” in

épistémologiques – philosophie, sciences, histoire, (Cosmologie et 

philosophie – hommage à Jacques Merleau-Ponty), vol. I (1-2),

janvier-juin 2000, Paris- São Paulo: Université Paris 7/Denis Diderot

- Discurso Editorial.

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SILVANA DE SOUZA RAMOS

Descartes e a “reflexão espessa”:

Uma leitura merleau-pontiana do

dualismo cartesiano

SILVANA DE SOUZA RAMOS*

* Doutoranda do Departamento de Filosofia da FFLCH – USP.

Resumo: O artigo investiga os impasses do dualismo cartesiano apartir das reflexões de Merleau-Ponty acerca do papel do corpo naexperiência.

Palavras-chave: Descartes, Merleau-Ponty, corpo, consciência,experiência.

Abstract: The article investigates the impasses of cartesian dualismregarding Merleau-Ponty’s reflections on the role of the body in theexperience.

Key-words: Descartes, Merleau-Ponty, body, conscience, experience.

* * *

Em sua biografia intelectual de Descartes, Stephen Gaukroger

narra ironicamente uma anedota que circulou a partir do século XVIII

a respeito do filósofo (Gaukroger, 1999, p. 21):

Dizemque,nofimdavida,elesefaziaacompanhar

em suas viagens por uma boneca mecânica em tamanho

natural, a qual... ele mesmo havia construído, “para mostrarque os animais são apenas máquinas e não têm alma”.

Descartes e a boneca seriam inseparáveis, e há quem diga

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que dormia com ela a seu lado, guardada num baú. Um

dia, durante uma travessia do mar da Holanda no começo

da década de 1640, enquanto Descartes dormia, conta-se

que o capitão do navio, desconfiado do conteúdo do baú,

entrou furtivamente na cabine e o abriu. Horrorizado,

descobriu a monstruosidade mecânica, retirou-a do baú,

arrastou-a pelo convés e, finalmente, conseguiu atirá-la

na água. Não nos informam se ela terá lutado para sedefender.

A anedota testemunha uma das interpretações do dualismo

cartesiano, cujo expoente máximo é o materialismo do philosophe

iluminista La Mettrie. Segundo o autor, Descartes admitia

secretamente o materialismo ao supor que a vida do corpo pode ser

explicada unicamente por mecanismos naturais, independentemente

da intervenção da alma. Tal interpretação visava estender a idéia

cartesiana de que os animais não passam de autômatos, afirmando

que ela poderia ser aplicada aos humanos de modo a produzir uma

visão materialista da mente. Ora, no contexto do século XVIII, quando

lutava-se contra o materialismo, Descartes era alvo de críticas

sarcásticas, como a que transparece na anedota acima. Resta saber se

uma leitura atenta às preocupações e aos impasses enfrentados pelo

filósofo permite sustentar uma interpretação diversa. Neste sentido,

longe de reduzir a visão de Descartes ao materialismo, cabe mostrar

que os estudos cartesianos sobre o corpo e a consciência colocam emxeque e até mesmo ultrapassam o dualismo. Quer dizer, o filósofo não

argumenta no sentido de privilegiar o corpo reduzindo a mente a uma

espécie de produção da matéria extensa.Ao contrário, as reflexões de

Merleau-Ponty — um dos maiores interlocutores contemporâneos de

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SILVANA DE SOUZA RAMOS

Descartes — podem mostrar que para Descartes o corpo humano é

mais do que um objeto na medida em que sua unidade se dá através da

união com a alma, sem que esta encerre sua expressividade.

Ora, isto permite questionar uma outra leitura recorrente de

Descartes. Trata-se da interpretação segundo a qual a subjetividade

cartesiana estaria reduzida ao isolamento do cogito, a tal ponto que

não se poderia explicar como a alma se comunica com o corpo. É

certo que Merleau-Ponty admitiu esta posição em vários momentos, edirigiu a Descartes severas críticas em relação à impossibilidade de se

pensar, a partir do dualismo substancial, uma subjetividade encarnada.

Entretanto, como pretendemos mostrar adiante, os impasses do

pensamento cartesianonão deixaram de inquietarMerleau-Ponty. Neste

sentido, o filósofo procurou apontar, no interior do próprio pensamento

cartesiano, uma solução para os problemas que Descartes vislumbrara

ao tentar explicar a experiência de sermos simultaneamente corpo e

pensamento.* * *

Como mostra Marilena Chaui, nas investigações merleau-

pontianas d’O Visível e o invisível, o privilégio do corpo é uma ruptura

com a tradição metafísica que lhe dera a função de suporte da

consciência, o que permitia, ao mesmo tempo, denegá-lo e dar-lhe o

estatuto de objeto da ciência. Entretanto, “Merleau-Ponty redescobre

no empreendimento filosófico passado linhas de pensamento sobre ocorpo que não ‘cabiam’ no discurso solene da metafísica, levando uma

vida clandestina nos poros do discurso explícito” (Chaui, 2002, p. 141,

nota). Neste sentido, as notas de trabalho d’O visível e o invisível

mostram seu interesse pelo Descartes anterior e posterior ao cogito,

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ou seja, pelo Descartes que se vê diante dos impasses do logos do

mundo sensível que insistem em extrapolar o dualismo substancial

para dar cidadania filosófica à reflexão espessa que Merleau-Ponty

chamou de carne. Nestes termos, numa nota de trabalho d’O Visível e

o Invisível, o filósofo afirma (Merleau-Ponty, 2000, p. 214):

A idéia cartesiana do corpo humano enquanto

humano não encerrado, aberto enquanto governado pelo

pensamento, é, talvez, a mais profunda idéia da união da

alma com o corpo. É a alma intervindo num corpo que

não pertence ao em si (se fosse em si, seria fechado como

um corpo animal), que só pode ser corpo e vivente —

humano concluindo-se numa “visão de si” que é o

pensamento.

Ora, pode soar um tanto estranho este elogio a Descartes no

terreno mesmo em que por tantas vezes Merleau-Ponty o acusou de

impossibilitar-nos de compreender o corpo e de conseqüentemente

explicar o fenômeno que nos insere no mundo e na experiência. Estaria

Merleau-Ponty renegando o que defendera na Fenomenologia da

Percepção? Lá, o filósofo argumentava contra o mecanicismo: “Só

posso compreender a função do corpo vivo realizando-a eu mesmo e

na medida em que sou um corpo que se levanta em direção ao mundo”

(Merleau-Ponty, 1999, p. 114). Em outros termos, porque sou sujeito

encarnado, por meio do corpo me abro ao mundo, me reconheço nele

e o reconheço a partir de minha encarnação. Quer dizer, é a partir desua própria espessura que o sujeito adentra a espessura do mundo. O

sujeito não é, portanto, um cogito que se distingue substancialmente

do corpo, e, enquanto sujeito cognoscente, sobrevoa o mundo. Ora,

mas o dualismo cartesiano não nos condena exatamente a este passeio

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aéreo do pensamento e, neste sentido, não é completamente alheio à

espessura corpórea do sujeito? Como explicar então o inesperado

elogio de Merleau-Ponty a Descartes n’O visível e o invisível?

Vejamos o problema mais de perto. É significativo que em “As

relações entre a alma e o corpo”, último capítulo de sua primeira obra,

A estrutura do comportamento, e no último ensaio publicado em vida,

O olho e o espírito, Merleau-Ponty marque incisivamente a ruptura

de sua filosofia com a epistemologia e a mecânica de Descartes. Aolongo de suas demais obras, é constante a retomada crítica do que

denomina a “herança cartesiana”, ou o racionalismo intelectualista (o

predomínio da consciência sobre o corpo), cuja contrapartida é o

empirismo (o predomínio das coisas sobre a consciência), ambos

rejeitados por ele. Sendo assim, na Fenomenologia da percepção,

onde se lê que somente por uma visão “pré-objetiva do mundo” pode-

se distinguir o ser no mundo “de toda modalidade da res extensa,

assim como de toda cogitatio” (Idem, 2000, p. 77), o resultado dainvestigação fenomenológica dá ao corpo o estatuto de veículo do ser

no mundo, o que abre uma perspectiva para a compreensão da

subjetividade para além do dualismo cartesiano. Posteriormente, n’O

visível e o invisível, a reflexão sobre o corpo se adensa de modo a

corroborar no esboço de uma ontologia: “É preciso pensar a carne,

não a partir das substâncias, corpo e espírito, mas (...) como elemento,

emblema concreto de uma maneira de ser em geral” (Merleau-Ponty,

2000, p. 62). Através destas indicações, notamos o alcance anti-cartesiano da unificação merleau-pontiana do sujeito na experiência

corpórea.A reconciliação com Descartes parece impossível. Mas será

que a crítica ao dualismo esgota o pensamento de Descartes? Não

haveria um impensado recalcado em sua filosofia? Dito de outro modo,

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as seguintes questões: afinal, qual a diferença, no contexto cartesiano,

entre um corpo humano e um corpo animal? Essa questão se liga a

uma outra: por que os homens que vejo atrás da janela não são

marionetesmovidas pormolas, ou seja, não são autômatosdesprovidos

de alma?

Comecemos pela primeira questão. O corpo animal, afirma

Merleau-Ponty acerca de Descartes, é um puro em si. Quer dizer, ele

participa apenas do mundo dos objetos, ou seja, da extensão. Enquantotal, o mecanicismo dá conta de decifrar os operadores de seu corpo.

Desprovido de linguagem e de pensamento, o corpo animal é fechado,

quer dizer, seus comportamentos são regidos pelo paradigma da

máquina: reduzido ao corpo, ele é uma figura do autômato, é como

um artefato, e assim se dispõe ao nosso conhecimento. Carente de

pensamento, o animal não pode reverter seu olhar em direção a uma

visão de si. Seu fechamento é sua incapacidade de ver-se.

De fato, no universo cartesiano, o mecanicismo deve serinterpretado como critério capaz de explicar com clareza e distinção

os fenômenos do mundo natural. Segundo Koyré, Descartes não

pergunta pelo modo de ação que a natureza segue, mas pelo que ela

deve seguir, já que o filósofo parte de leis determinadas segundo as

quais o substrato da realidade pode ser explicado pelo espaço e pelo

movimento. Quando Descartes investiga a constituição dos corpos,

animais ou humanos, não há diferença essencial entre as máquinas,

obra dos artesãos, e os corpos vivos. Isto significa que o filósofosubmete os conhecimentos fisiológicos ao esquema mecanicista, já

que a fisiologia é uma parte da física.

De acordo com a fisiologia cartesiana, a máquina corporal é

explicada pela mudança de figura no interior da matéria extensa. Por

esta razão, a noção de espíritos animais é privilegiada dentro da

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fisiologiamecanicista.Os espíritos animaiseramelementos do vitalismo

anterior a Descartes. Introduzidos no mecanicismo cartesiano, eles

são esvaziados de seus atributos tradicionais, que os tornavam seres

misteriosos em meio a uma natureza indeterminada, e assumem, com

exceção do pensamento, todas as funções anteriormente imputadas às

partes da alma. É por isso que os espíritos animais atuam de forma

decisiva na explicação do movimento corporal. A física cartesiana não

admite o vazio. Esta regra, quando aplicada à fisiologia, faz com queos possíveis espaços sejam por assim dizer ocupados pelos espíritos

animais, espécie de matéria sutil dotada de grande agilidade. Assim,

as funções do corpo podem ser compreendidas sem que se necessite

apelar para a alma. O corpo é um autômato que se movimenta por

conta própria, como um relógio ou um moinho (Descartes in Marques,

1993, p. 200):

que se movimenta pelo contrapeso de suas molas,

de modo que não é necessário, neste caso, conceber nestamáquina uma alma vegetativa ou sensitiva, nem outro

princípio de movimento e de vida, senão seu sangue e

seus espíritos agitados pelo calor do fogo que queima

continuamente em seu coração e que não é de natureza

diversa dos outros fogos que estão nos corpos inanimados.

Entretanto, um corpo humano não pode ser apenas isso. Um

animal, sim.Aunidade da máquina corpórea animal residenela própria,

daí que o modelo do autômato baste para explicá-la. Mas a unidadedo corpo humano se dá por sua integração à alma. Que isto quer

dizer?

Chegamos, assim, à segunda questão. O corpo humano não é

também uma máquina, espécie de marionete movida por molas? Não

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funciona como um autômato ou um animal na medida em que seus

movimentos nãodependem dos comandos anímicos,e seguemsomente

as leis da extensão? Sim, todavia, um corpo humano vivente só existe

na medida em que está unido a uma alma. E é nisto que reside a sua

abertura, segundo Merleau-Ponty. É isto que o faz um para si, uma

visão de si. Visão de si, quer dizer, consciência que é ao mesmo tempo

abertura? Estranho paradoxo. O voltar-se para si é experiência de

abertura para o mundo. O que isto significa? Certamente, essa visão

de si não pode ser reflexividade acabada, coincidência consigo,

fechamento sobre si. Então, essa visão de si não pode ser o cogito,

não é nele portanto que encontraremos o impensado de Descartes.

Retomemos o problema: o corpo é, pela união com a alma, visão de si

que se abre para o mundo. Toda a questão se resume pois em explicar

que relação há entre a alma e o corpo. Estamos diante de um velho

problema: o que acontece quando Descartes é obrigado a superar o

dualismo?A questão célebre sobre a possibilidade da unidade e da

interação entre o corpo e a alma foi colocada a Descartes pela princesa

Elisabeth, numa carta de 16 de maio de 1643. A cisão do homem em

duas substâncias realmente distintas, a extensão e o pensamento,

parecia inviabilizar a interação entre o corpo e o espírito.

Conseqüentemente, Descartes encontrava dificuldades para explicar

a experiência imediata que nos dá a certeza de nossa unidade (o que é

um homem vivo?), o que implicava dificuldades para explicarfenômenos ulteriores como os que se referem às paixões. Descartes é

constrangido pela pergunta: o que afinal é um corpo unido a uma

alma? Sabia que não bastava restringir a certeza da união à experiência

imediata da mistura de movimentos anímicos e corporais pois explicá-

la exigia superar o dualismo e adentrar o terreno confuso da

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imaginação, da percepção e das paixões. O fato é que Descartes

investigou o problema e as formulações presentes no tratado sobre As

paixões da alma dão o testemunho de seu esforço para responder às

inquietações da princesa. Nele, o filósofo define a paixão como uma

realidade psicofísica. Sendo assim, o conceito de paixão pode nos

ajudar a encontrar um caminho para explicar os impasses do dualismo.

Descartes não despreza, lamenta ou ri das paixões humanas;

ao contrário, quer compreendê-las. Vale dizer, o filósofo anseiaencontrar as “primeiras causas” das paixões e mostrar como o espírito

pode ter um “império absoluto” sobre elas. O estudo das paixões da

alma deve seguir um método rigoroso: Descartes as estuda como um

“físico”. Nos Princípios da filosofia ofilósofoanunciaqueafísicaéa

ciência da natureza inteira por determinar os verdadeiros princípios

das coisas materiais. Ela comporta três aspectos: “o exame geral da

maneira pela qual o universo é composto, o estudo particular da terra

e de todos os corpos, e, enfim, a conhecimento da natureza das plantas,dos animais e dos homens” (Jaquet, 2004, p. 31). A física pode obter

um conhecimento das paixões na medida em que elas são paixões na

alma mas não provém dela: elas têm uma causa física que é o corpo.

Deixando de lado a discussão sobre as paixões, como a admiração,

por exemplo, que nascem na própria alma, podemos dizer que, no

sentido estrito do termo, a paixão tem por causa, em Descartes, uma

ação docorpo. “No sentido mais preciso e mais determinado, as paixões

da alma são causadas pelo movimento dos espíritos animais (...) quese deslocam muito rapidamente e prosseguem mecanicamente sua

agitação em circuito fechado” (Idem, p. 35). Esta formulação aparece

mais claramente no artigo 27 d’As paixões da alma, quando Descartes

afirma que “podemos defini-las por percepções, ou sentimentos, ou

emoções da alma, que referimos particularmente a ela, e que são

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causadas, mantidas e fortalecidas por algum movimento dos espíritos”

(Descartes, 2005, p. 47).

Neste contexto, que poder a alma pode ter sobre as paixões?

Ora, a alma, porque dotada de livre arbítrio e de vontade infinita,

possui um poder absoluto e direto sobre suas ações, e um poder indireto

sobre suas paixões. Sendo assim, pela vontade e pelo hábito, ela pode

adquirir um poder de governar o corpo para dissipar ou controlar os

movimentos passionais que nascem no corpo pela agitação dosespíritos. Noutros termos, o império sobre as paixões é um império

da alma sobre o corpo: por intermédio de seu posicionamento na

glândula pineal,a alma pode reverter os processos passionais. Sabemos

que o objetivo da medicina cartesiana é o de combater a doença de

modo a prolongar a vida. A realização deste empreendimento se

reduziria ao estudo mecânico do corpo se a união não implicasse o

poder das paixões para molestá-lo. A medicina cartesiana terá então

de irmanar-se à moral já que o bem estar do corpo não depende apenasdele. Sendo assim, a insuficiência da explicação mecanicista exige

considerar o homem do ponto de vista da encarnação, o que leva

Descartes a misturar o homem às coisas, o que pode ser explicitado se

nos ativermos a uma passagem do artigo 52 d’As paixões da alma

(Descartes, 2005, p. 68):

(...) os objetos que movem os sentidos não excitam

em nós paixões diversasna medidade todasas diversidades

que existem neles, mas somente na medida das diversasmaneiras como eles podem prejudicar ou beneficiar, ou

em geral nos ser importantes.

Apenas sua união com uma alma confere ao corpo humano

uma verdadeira unidade, capaz de perpetuar-se no tempo, mesmo

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quando ele não conserva mais qualquer parte da matéria que o

constituía inicialmente. Paralelamente, julgar que é um bem a

conservação do corpo, ou o que contribui para ela, só tem sentido

para a alma. Portanto, é unicamente através de sua união com uma

alma que o corpo adquire uma integridade que é importante conservar,

e que aquilo que o ameaça constitui um mal. Neste sentido, para

associar um determinado movimento dos espíritos animais a uma

determinada paixão, é preciso partir da união entre a alma e o corpo,do interesse que temos em conservá-lo como um todo e

conseqüentemente do fato de que o que é um bem para ele deve ser

também um bem para nós. Portanto, apenas a experiência, sensível e

anímica simultaneamente, impossível de se reconstruir a priori, está

apta a superar a dualidade entre alma e corpo e a concretizar, para

nós, a união, a integridade e a felicidade de ambos.

Voltemos então ao problema da visão de si colocado por

Merleau-Ponty. Vimos que o centro da crítica de Merleau-Ponty aDescartes é a insuficiência da explicação dualista: o cogito não dá

conta de meu ser no mundo, já que ele é reflexão acabada (que garante

a objetividade do mundo através da representação) e isolamento do

sujeito no cogito. A união com o corpo complexifica a investigação:

insere o homem no mundo e o sujeita à promiscuidade com os objetos

exteriores. Daí a necessidade de se colocar, a partir do próprio

Descartes, a possibilidade de se compreender o sujeito através da

encarnação. Desse modo, contrariando diversas interpretações dopensamento cartesiano, o pensamento é visão de si, mas não somente

no modo do cogito ou da intuição; ele é também reflexividade

inacabada apenas compreensível pela interação com o corpo, já que a

encarnação do sujeito subverte o dualismo e faz da visão de si uma

abertura para o mundo e para a experiência.

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SILVANA DE SOUZA RAMOS

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NNNNNOTÍCIASOTÍCIASOTÍCIASOTÍCIASOTÍCIASNNNNNOTÍCIASOTÍCIASOTÍCIASOTÍCIASOTÍCIAS

EVENTOS

XII Encontro Nacional de Filosofia da ANPOF 

Realizado em Salvador, de 23 a 26 de outubro de 2006.

Tercer Coloquio Internacional Spinoza

Realizado no Complejo Vaquerías, Valle Hermoso, Córdoba,

Argentina, nos dias 2,3 e 4 de Novembro de 2006. Organizado pelo

Centro de Investigaciones de la Facultad de Filosofía y Humanidades de

la Universidad Nacional de Córdoba.

Chantal Jacquet 

A professora da Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne)

apresentou, a convite do Grupo de Estudos Espinosanos e do GT

Pensamento do Século XVII, uma conferência: Bacon e o problema do

conhecimento, nodia 21de novembrode 2006; e umciclo deseminários:

As relações entrecorpoe mente em Espinosa e suas implicações atuais,

entre 14 e 22 de novembro de 2006.

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IIIIINSTRUÇÕESNSTRUÇÕESNSTRUÇÕESNSTRUÇÕESNSTRUÇÕES PPPPPARAARAARAARAARA OSOSOSOSOSAAAAAUTORESUTORESUTORESUTORESUTORES

IIIIINSTRUÇÕESNSTRUÇÕESNSTRUÇÕESNSTRUÇÕESNSTRUÇÕES PPPPPARAARAARAARAARA OSOSOSOSOSAAAAAUTORESUTORESUTORESUTORESUTORES

• Os textos devem ser inéditos e ter de preferência até 40 laudas

(30 linhas de 70 toques).

• O arquivo, que deve ser enviado por e-mail ou por correio, deve

conter o nome do autor, a instituição a que está vinculado, o

endereço eletrônico ou o telefone.

• Os artigos devem vir acompanhados de umresumoe um abstract 

de 80 a 150 palavras cada um, cinco palavras-chave e keywords.

• As notas de rodapé devem ser digitadas no final do artigo,

utilizando-se o recurso automático de criação de notas de rodapédos programas de edição.

• As citações devem ser feitas no correr do texto de acordo com as

normas técnicas daABNT; podendo-se incluir, a critério do autor,

as referências estabelecidas de textos clássicos, por exemplo, para

a Ética de Espinosa (EI, P2), oupara os Novos ensaios de Leibniz

(II, xxi, §25).

• As referências bibliográficas devem serlistadas no final do texto,

em ordem alfabética e obedecendo a data de publicação.

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CCCCCONTENTSONTENTSONTENTSONTENTSONTENTSCCCCCONTENTSONTENTSONTENTSONTENTSONTENTS

1. THE FINAL METAPHYSICS OF LEIBNIZ AND THE QUESTION OF THE

IDEALISM

Michel Fichant 09

2. UNIVERSALITY AND SYMBOLIZATION IN LEIBNIZ

Franklin Leopoldo e Silva 41

3. DIVINE GOODNESS AND CONTINGENCY ON LEIBNIZ

Luís César Oliva 59

4. LEIBNIZ: EXPRESSION AND UNIVERSAL CHARACTERISTIC

Tessa Moura Lacerda 87  

5. SPINOZA’S PHILOSOPHY BEYOND THE BODY-MACHINE: THE PARALLELISM

IN QUESTION

Ericka Marie Itokazu 111

6. DESCARTES AND THE “DENSE REFLECTION ”: A MERLEAU-PONTYAN READING

OF CARTESIAN DUALISM.

Silvana de Souza Ramos 139

7. NEWS 153

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