monografia amanda matemática 2006

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO LICENCIATURA EM CIÊNCIAS COM HABILITAÇÃO EM MATEMÁTICA OS SABERES MATEMÁTICOS DOS TRABALHADORES RURAIS DO DISTRITO DE QUICÉ AMANDA MANUELA FREITAS DE OLIVEIRA SENHOR DO BONFIM 2006

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Matemática 2006

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Page 1: Monografia Amanda Matemática 2006

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS COM HABILITAÇÃO EM

MATEMÁTICA

OS SABERES MATEMÁTICOS DOS TRABALHADORES

RURAIS DO DISTRITO DE QUICÉ

AMANDA MANUELA FREITAS DE OLIVEIRA

SENHOR DO BONFIM

2006

Page 2: Monografia Amanda Matemática 2006

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

OS SABERES MATEMÁTICOS DOS TRABALHADORES

RURAIS DO DISTRITO DE QUICÉ

AMANDA MANUELA FREITAS DE OLIVEIRA

Monografia apresentada ao

Departamento de Educação Campus –

VII da Universidade do Estado da Bahia

– UNEB – como parte das exigências da

disciplina Monografia.

Orientadora Maria Celeste Souza de Castro

Senhor do Bonfim

2006

Page 3: Monografia Amanda Matemática 2006

FICHA CATALOGRÁFICA

Oliveira, Amanda Manuela Freitas de, Os saberes matemáticos dos trabalhadores rurais do distrito de Quicé/ Amanda Manuela Freitas de Oliveira; orientação de Maria Celeste Souza de Castro. Senhor do Bonfim: Universidade do Estado da Bahia, 2006. Monografia do Curso de Licenciatura em ciências com habilitação em matemática, ministrado pela Universidade do Estado da Bahia.

Page 4: Monografia Amanda Matemática 2006

A Deus, aos meus pais por serem pessoas muito especiais, a

meu esposo Jairo e meu filho Pierre Giovane por serem um

pedacinho de mim, e minha irmã Maralyse.

Page 5: Monografia Amanda Matemática 2006

Agradecimentos

A Instituição Campus VII, por ter o curso de matemática.

A professora Maria Celeste Souza de Castro, pelo apoio e colaboração na realização

deste trabalho.

A meu esposo Jairo Verlon pelo apoio constante, carinho, amor e incentivo nessa

conquista tão sonhada.

A meu pai Amândio por sempre disponibilizar seu tempo para me levar nas viagens que

fiz, para coletar dados para realizar esses trabalho, e minha mãe Marinalva (Flor) por

sempre contribuir com suas informações, e dando o incentivo que precisei.

Aos meus avôs paternos Neném e Xandú, que foi através da experiências deles no

campo, que surgiu a idéia desse título, e informações importantes para desenvolver

este trabalho.

Page 6: Monografia Amanda Matemática 2006

"Sempre me pareceu estranho que todos aqueles que estudam seriamente esta ciência acabam tomados de uma espécie de paixão pela mesma. Em verdade, o que proporciona o máximo de prazer não é o conhecimento e sim a aprendizagem, não é a posse mas a aquisição, não é a presença mas o ato de atingir a meta."

Carl Friedrich Gauss

Page 7: Monografia Amanda Matemática 2006

RESUMO

O presente estudo visa retratar, primeiramente, a cultura matemática do

cotidiano, levantando alguns pontos como a alfabetização matemática e um pouco da

história da matemática ao longo do tempo. O estudo foi realizado com trabalhadores

rurais do Distrito de Quicé, tendo como objetivo de estudo, identificar os saberes

matemáticos destes trabalhadores na área das medidas, desenvolver um levantamento

da cultura matemática da população local, observar as formas de medidas utilizadas por

eles, fazendo um paralelo com a etnomatemática. Realizando um percurso pela história

da matemática, desde os primitivos até os dias de hoje, seus conceitos – chaves, como

matemática, álgebra, geometria, etnomatemática e saberes matemáticos, dando ênfase

a realidade a qual estamos inseridos, buscando alternativas para compreender a

diologicidade entre os saberes culturais do povo do Distrito de Quicé e a matemática.

Apresento a abordagem metodológica que subsidiou o estudo do tema. Na análise e

interpretação dos dados fez-se um confronto com os capítulos anteriores, retratando

todos os objetivos apresentados. Concluindo, apresento considerações próprias sobre o

estudo enfatizando a relação dos trabalhadores rurais com a necessidade de uma

alfabetização matemática.

Page 8: Monografia Amanda Matemática 2006

SUMÁRIO

RESUMO...........................................................................................................................v INTRODUÇÃO................................................................................................................08 CAPÍTULO 1 – PROBLEMATIZAÇÃO...........................................................................10

1.1 A cultura matemática do cotidiano...................................................................10 1.2 Um pouco de História: o desenvolvimento do pensamento matemático ao

longo do tempo................................................................................................12 CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................18

2.1 Matemática: algumas definições.....................................................................18 2.2 Etnomatemática e saberes culturais: imbricamento........................................25

CAPÍTULO 3 – METODOLOGIA....................................................................................30 CAPÍTULO 4 – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS........................................33

4.1 O contexto.......................................................................................................33 4.2 Os sujeitos.......................................................................................................33 4.3 Os saberes matemáticos dos trabalhadores rurais de Quicé – a cultura

matemática do cotidiano..................................................................................34 4.4 A relação com a escola...................................................................................42

CONCLUSÃO.................................................................................................................45 REFRERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................48

Page 9: Monografia Amanda Matemática 2006

INTRODUÇÃO

A matemática vive em constante mudanças, está ocorrendo uma reformulação

na maneira de se educar, buscando o aprendizado partindo da realidade do aluno e a

convivência social onde ele se encontra. São diretrizes que norteiam a prática daqueles

que se preocupam com a qualidade do ensino nesta área do conhecimento.

Dentre abordagens metodológicas destacadas temos a etnomatemática que

resgata os saberes culturais de um povo.

Partindo da necessidade de repensar o ensino de matemática e buscando

caminhos para atender às novas exigências educacionais. Fez-se um estudo sobre os

saberes matemáticos dos trabalhadores rurais.

Assim, no capítulo 1 o tema é problematizado trazendo reflexões sobre a

importância da valorização dos saberes diários com os objetivos pretendidos, fazendo

uma viagem pela cultura matemática do cotidiano e também um pouco da história da

matemática.

No capítulo 2 fala-se sobre algumas definições na matemática, priorizando a

álgebra e a geometria, também constatam-se alguns aprofundamentos nas etapas da

história da matemática. Outro ponto salientado é a importância da etnomatemática

interligado com os saberes culturais.

No 3° capítulo discorremos sobre a metodologia utilizada nesta proposta de

trabalho, relatando como foi a coleta de dados para a continuidade desta pesquisa e

que meios foram utilizados para almejar resultados.

Page 10: Monografia Amanda Matemática 2006

No capítulo 4 fazemos uma análise dos dados coletados, em paralelo com os

capítulos anteriores, buscando subsídios teóricos que forneçam base científica para o

estudo.

Para finalizar tem-se um contexto onde revidenciou o resgate do tema, o

interesse em realizar esse trabalho, alguns caminhos que a etnomatemática pode ser

utilizada como abordagem metodológica e por último apresento proposta para

realização de um estudo posterior .

Page 11: Monografia Amanda Matemática 2006

CAPÍTULO 1

1.1 A cultura matemática do cotidiano

A matemática está presente no nosso cotidiano, tudo que fazemos depende dela.

A educação matemática se preocupa, principalmente, em buscar novas formas de

proporcionar aos alunos um bom aprendizado, através de história, informática,

etnomatemática e até mesmo a partir do cotidiano do aluno conhecendo a sua forma de

pensar, sabendo o que atrai sua atenção principalmente fora da escola.

Por isso e outros motivos o mundo está em plena transformação e precisamos

nos adequar a elas, pois as necessidades tecnológicas surgem. E o homem com seus

conhecimentos tenta acompanhar essa tecnologia, para isso, se faz necessário romper

os desafios apresentados por uma sociedade dentro de sua cultura valorizando de uma

forma ou de outra as ferramentas matemáticas para resolver os problemas que

aparecem constantemente, sabendo que o respeito com a cultura é de suma

preocupação para que ela não seja perdida e se torne mais uma lenda.

O conhecimento cultural na matemática é tão belo que quando nos deparamos

com pessoas aparentemente inibidas de utilizar a linguagem e a simbologia matemática

no contexto, chegamos a descobrir que estas possuem saberes matemáticos ricos,

porém não sistematizados e nem reconhecidos pela comunidade científica.

Quando Machado apud Orey e Rosa (1994) aborda a relação entre matemática e

a língua materna, ele está apontando para o fato de que o ser humano vive imerso

numa cultura que tem vários aspectos de interação. Observa - se que usa elementos

Page 12: Monografia Amanda Matemática 2006

constituintes dos dois principais sistemas de representação da realidade, o alfabeto e

os números que são aprendidos conjuntamente pelas pessoas em geral, mesmo antes

de chegarem às escolas, sem distinções rígidas de fronteiras entre estas duas

disciplinas.

Esta constatação de Machado apud Orey e Rosa leva-nos a concluir que

podemos interagir a cultura própria com a cultura matemática sem perder nenhuma das

identidades.

Quando a história da matemática foi contada teve uma necessidade de mostrar

que o conhecimento matemático não foi nem é construído só por matemáticos mais

principalmente por culturas de diversos grupos sociais.

Diferentes saberes se completam, numa relação mútua. Porém sabemos que

todos os indivíduos necessitam ser alfabetizados, tanto na leitura e escrita como na

matemática, mas a realidade em especial do Brasil é bem definida porque as diferenças

sociais são grandes e o ensino não está acessível a todos. Uma grande maioria não

pode desfrutar do processo educacional e fica limitada apenas a sua cultura, e esta

cultura, estes saberes são desconsiderados e marginalizados.

A alfabetização matemática é necessária, pois estabelece vínculos estreitos entre a educação matemática e a cultura destes grupos sociais, possibilitando que eles tenham dignidade e garantindo o direito do exercício pleno da cidadania. (OREY e ROSA, 2004 .).

É uma visão da matemática como ciência do cotidiano.

Temos consciência que todos os indivíduos devem ter acesso aos

conhecimentos e instrumentos matemáticos para que possam ser compreendidos,

Page 13: Monografia Amanda Matemática 2006

valorizados e respeitados diante do mundo que os cercam, no entanto, deve ser

considerado e lembrado que a cultura e a tradição dessa sociedade seja sempre

reconhecida.

Fatos comprovados mostram que sabedoria, cálculos feitos por eles na maioria

das vezes nós não conhecemos e marginalizamos achando que são apenas pessoas

matutas¹ e analfabetas, sem propósito e determinação para resolver os problemas que

ao longo da vida surgem. Sendo relevante ressaltar que o “saber matemático” é uma

construção social dividida de opiniões.

Conhecer a matemática dos trabalhadores rurais é necessária para que se tenha

conhecimento da cultura e da tradição desses grupos. Os métodos populares que

estes grupos sociais marginalizados possuem para realizar cálculos matemáticos

devem ser discutidos, refletidos, analisados e comparados aos métodos matemáticos

“oficiais e tradicionais”, pois não podem ser levados em consideração, nem como

estudos oficiais se não tiverem um embasamento teórico, porque todos os

conhecimentos adquiridos precisam ser baseados em dados científicos.

Esta constatação nos leva a questionamentos sobre os saberes culturais que

estão ao nosso redor: Quais os saberes matemáticos dos trabalhadores rurais?

Nesse contexto a matemática é resgatada enquanto ciência presente no

cotidiano de trabalhadores rurais e nos leva a compreender suas práticas matemáticas.

_____________

¹ Que vive na roça, tímida, desconfiada, sujeito ignorante e ingênuo. (AURELIO, p. 1105 )

Page 14: Monografia Amanda Matemática 2006

1. 2. Um pouco de História: o desenvolvimento do pensamento matemático

ao longo do tempo

Ao longo da História das diversas culturas, a matemática está presente como

marco inicial, dando a sua contribuição, quando o homem sentiu a necessidade de

contar e desenvolver suas atividades diárias permanecendo assim até hoje nos mais

variados cálculos.

Para expressar a evolução da matemática, é preciso fazer uma viagem no tempo

e buscar o início de tudo com os homens primitivos onde gestos importantes parecem

tão insignificantes, mais que teve ótimas contribuições.

Eles utilizavam os dedos para contar, e não sendo suficiente, buscavam auxílio

nas pedras, as quais eram representadas em forma de conjunto formando grupos de

cinco.

Essa relação de conjunto, os homens primitivos associaram ao fato de que as

mãos e os pés tinham cinco dedos cada, e para registrar as contas eles utilizavam

bastões de madeira ou ossos. Diante desta atitude nos leva a perceber que o homem

diferencia-se dos outros animais por ter uma linguagem onde desenvolve o pensamento

matemático abstrato.

Para compreender a História da Matemática e a evolução do conhecimento

matemático é preciso saber alguns fatos importantes que aconteceram no Egito, onde

os povos tinham a necessidade de realizar medidas nas terras após as inundações

anuais que ocorriam no vale do rio Nilo e no crescente fértil dos rios Tigre e Eufrates,

para saber os locais mais adequados à plantação.

Page 15: Monografia Amanda Matemática 2006

É importante salientar que a descoberta mais antiga em relação aos números foi

encontrada no Egito com a Pedra de Rosetta², que teve papel fundamental para decifrar

os hieróglifos e também os papiros onde o mais conhecido é o de Ahmes³ que

resistiram ao tempo, então por essas evidências vimos que os egípcios saíram na frente

porque eles eram precisos no contar e medir.

Segundo o historiador grego Heródoto citado por Boyer (1974), o apagamento

das demarcações pelas inundações do Nilo tornou necessários os mensuradores, ou

seja, os “estiradores de corda”.

Não era apenas o Egito que se desenvolvia, a Mesopotâmia também tinha uma

civilização que construía casas e templos decorados com cerâmicas e mosaicos

artísticos em desenhos geométricos e suas escritas eram atestadas em várias tabletas

de barro datada a cerca de cinco mil anos atrás.

Boyer (1974 p.19) nos diz que: “O sistema decimal, comum à maioria das

civilizações tanto antigas quanto modernas, tinham sido submerso da Mesopotâmia sob

uma notação que dava a base sessenta como fundamental”. A qual influenciou na

metrologia e até hoje é usada nas unidades de tempo e medida.

_____________

²Um bloco de granito, gravado em 196 a.C. , descoberta em 1799 pela expedição de Napoleão, era uma peça achada em Rosetta, antigo porto de Alexandria, continha uma mensagem em três escritas: grega, demótica (escrita cursiva, simplificada, usada em cartas, registros e documentos) e hieroglífica ( escrita antiga dos egípcios de natureza pictográfica que significa inscrição sagrada, isto é a representação de objetos e acontecimentos).

³Texto matemático na forma de manual prático que contém 85 problemas em escrita hierática (escrita cursiva, usada pelos sacerdotes em textos sagrados, gravada em papiro, madeira ou couro) pelo escriba Almes de um trabalho mais antigo.

Page 16: Monografia Amanda Matemática 2006

Indo, especificamente para a unidade de medida, retornamos a cerca de quatro

mil anos, onde os homens primitivos, inicialmente, além de contar, usavam o corpo para

servir de medidas como: pé, jarda, polegada, palma, braçada e passo, sendo que

algumas medidas são utilizadas até hoje.

Têm-se registros de que no Antigo Testamento da Bíblia, em Gênesis, a arca de

Noé foi feita em côvados que era uma medida – padrão da região onde ele morava, que

equivale a três palmos. É bom salientar que essas medidas caso fossem utilizadas,

baseada na parte do corpo de cada pessoa, teria muita variação. Então para que os

povos tivessem uma maior precisão nas suas medidas, era necessário se basear pelas

medidas do corpo do rei e tinha que ser respeitado por todos.

Já para os egípcios, também há cerca de quatro mil anos atrás, tinha como

padrão de medida de comprimento o cúbito que era uma medida entre a distância do

cotovelo à parte do dedo médio assim como em qualquer outra medida essa também

não era certa, pois havia variação no tamanho das pessoas. Para que essa medida

fosse verdadeira precisava ter o padrão para todos. Então diante dessas preocupações

os egípcios criaram uma medida padrão para que não ocorresse diferença nos

resultados, com isso utilizaram medições em barras de pedra de comprimentos iguais,

surgindo assim o cúbito padrão.

Mais tarde a barra de pedra foi substituída por barras de madeira para facilitar o

transporte da mesma, porém esta se desgastava com o manuseio e para solucionar o

novo impasse, foi gravado o comprimento equivalente a um cúbito padrão nas paredes

dos principais templos e as pessoas sempre iam medir suas barras para saber se

estavam exatas.

No século XV e XVI os padrões usados na Inglaterra eram a polegada, o pé, a

jarda e a milha. Já na França houve muitos avanços nas unidades de medidas. A

Page 17: Monografia Amanda Matemática 2006

Toesa que era uma medida linear foi padronizada em uma barra de ferro com

dois pinos nas extremidades e chumbada na parede de fora do Grand Chatelet4 perto

de Paris. Assim todos poderiam conferir seus instrumentos, mas com o tempo esse

instrumento teve que ser refeito porque se desgastou por diversos fatores. É bom

salientar que uma toesa mede seis pés.

Diante desse problema de desgaste, a toesa teve que ser refeita algumas vezes

e por isso foi pensado e criado para facilitar a vida de todos a unidade natural que

poderia ser encontrada na natureza, podendo ser copiada e formando um padrão de

medida para todos, havendo apenas uma exigência que essa unidade deveria ter

submúltiplos segundo o sistema decimal, que já tinha sido criado na Índia.

Depois de muitas discussões e tentativas surgiu a unidade padrão que seria uma

unidade usada por todos, o chamado “metro” que inclusive é utilizado até hoje por todos

nós, teve muita importância para padronizar as medidas e deu uma grande contribuição

no melhoramento do estudo da matemática e suas aplicações nas medidas de

comprimento.

Diante da história do desenvolvimento da matemática vimos que sempre o

homem procurou satisfazer as necessidades sociais que iam surgindo e ainda hoje

essa história se repete, pois estamos sempre buscando a socialização para entender o

sentido do conhecimento matemático.

_____________

4 Uma antiga prisão de Paris em que ocorreu um massacre sangrento, foi demolida ente 1802 e 1810. E deu lugar ao atual teatro Chatelet em Paris.

Page 18: Monografia Amanda Matemática 2006

O estudo da História da matemática nos oferece uma oportunidade única de entender a existência de diferentes culturas matemáticas e, portanto, nos oferece a chance de apreciar melhor os aspectos sociológicos da educação matemática, tão importante no dia-a-dia da sala de aula. (OREY e ROSA, 2004.).

Diante dessa exposição de idéias pretende-se nesse trabalho fazer um

levantamento dos saberes matemáticos utilizados pelos trabalhadores rurais em

específico do distrito de Quicé que não fizeram o ensino básico, porque dentro do

contexto destes ruralistas tem saberes matemática ricos, presentes na matemática

desde o tempo dos primitivos.

Tendo como objetivo de estudo a intenção de identificar os saberes matemáticos

dos trabalhadores rurais de Quicé na área das medidas, desenvolver um levantamento

da cultura matemática que a população local tem.

Observar as formas de medidas utilizadas pelos trabalhadores rurais, buscando

enfatizar os conhecimentos culturais, com várias etapas da matemática fazendo um

paralelo com a etnomatemática que justamente trata da diversidade cultural de cada

povo e que D' Ambrosio (1993) define: A Etnomatemática é a arte ou técnica (techné),

de explicar, de entender, de se desempenhar na realidade (matema), dentro de um

contexto cultural próprio (etno). E assim fazer um reconhecimento da cultura dos

trabalhadores rurais.

Tendo como base todo esse histórico, tem-se como pergunta diretriz: Quais são

os saberes matemáticos utilizados pelos trabalhadores rurais que não fizeram o ensino

básico do distrito de Quicé e como esses saberes estão associados aos saberes

científicos da matemática?

Dentro desse contexto o trabalho tem uma pertinência social voltada para a

valorização dos saberes matemáticos dos trabalhadores rurais que é um resgate de

Page 19: Monografia Amanda Matemática 2006

saberes que mostra a estes trabalhadores que seus conhecimentos têm significado,

contribuindo assim para o aumento de sua auto-estima.

No âmbito científico serão apresentados dados sobre as formas de medidas

utilizadas pelos trabalhadores rurais, constituindo, assim, um material para posteriores

estudos e definição de propostas educacionais que valorizem os saberes culturais

daqueles povos.

Page 20: Monografia Amanda Matemática 2006

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para desenvolver este estudo serão apresentados três conceitos que poderão

contribuir com o entendimento da pesquisa: matemática, etnomatemática e saberes

matemáticos, utilizando os autores: Courant (2000), Lungarzo (1990), D’ Ambrosio

(1990), Knijnik (1996), Eves (2004).

2.1 Matemática: algumas definições

Segundo alguns autores é complicado definir o que é matemática, pois é algo de

uma natureza muito ampla e abstrata, mas Courant tenta desvendar essa ciência,

apresentando uma definição que envolve elementos subjetivos.

A matemática, como expressão de mente humana, reflete a vontade ativa, a razão contemplativa, e o desejo da perfeição estética. Seus elementos básicos são a lógica e a intuição, a análise e a construção, a generalidade e a individualidade. (COURANT 2000. )

Os elementos que constituem esta ciência apontam para a importância na vida

cotidiana, pois para qualquer atividade estamos utilizando e desenvolvendo a

matemática seja no aspecto objetivo ou subjetivo das relações cotidianas.

Courant fala da matemática como algo pronto, aprendido e que deve sempre ser

aperfeiçoado. Já D'Ambrosio não utiliza a matemática dessa forma. O teórico evidencia

a cultura individual de uma sociedade, constatadas em suas obras referentes a

etnomatemática que valoriza as raízes culturais de uma sociedade.

Page 21: Monografia Amanda Matemática 2006

As raízes culturais que compõem a sociedade são as mais variadas. O que chamamos matemática é uma forma cultural muito diferente que tem suas origens num modo de trabalhar quantidades, medidas, formas e operações, características de um modo de pensar... . (D’ AMBROSIO 1990 p.17)

Para compreender melhor a definição: a matemática do ponto de vista histórico

foi dividida em duas: a aritmética e a geometria e que Eves (2004) explica porque essa

divisão ocorreu:

... a ênfase inicial da matemática ocorreu na aritmética e na mensuração prática. Uma arte especial começou a tomar corpo para o cultivo, aplicação e ensino dessa ciência prática. Nesse contexto, todavia, desenvolvem-se tendências no sentido da abstração e, até certo ponto, passou-se então a estudar a ciência por si mesma. Foi dessa maneira que a álgebra evolveu ao fim da aritmética e a geometria teórica originou-se da mensuração. (EVES 2004, p.57)

Lungarzo (1990 p.17) nos revela que: “a aritmética é a parte da matemática que

estuda os números”.

A Enciclopédia Barsa também define a aritmética: “Parte da matemática que

estuda os sistemas de numeração, as operações elementares, a divisibilidade

numérica, os números primos e compostos, alguns aspectos da teoria da medida e os

métodos de cálculo e computação numérica”.

Todos nós sentimos a necessidade de contar e se organizar. Dentro desse

contexto surge outra pergunta o que é contar? E mais uma vez Lungarzo (1990 p.18)

explica: “contar é fazer corresponder aos elementos de um conjunto certas entidades

que chamamos “números”: um, dois, três etc”.

Page 22: Monografia Amanda Matemática 2006

Na aritmética os hábitos de contar são atos abstratos porque não descrevem

nenhum objeto específico. Temos que admitir que estamos cercados por números.

Sempre temos a necessidade de quantificar, em qualquer ato que realizamos estamos

até de maneira inconsciente utilizando os números.

Retornando a parte histórica da matemática, onde foi dividida em aritmética e

geometria. Lungarzo (1990 p.31) neste segundo momento explica a geometria: “que

para entender os nossos raciocínios nos apoiamos em figuras, desenhos”.

Enciclopédia Barsa também define geometria: “Parte da matemática que estuda

as propriedades relativas a pontos, retas, planos e superfícies. Conforme o método

aplicado a seu estudo, divide-se em plana, projetiva, descritiva, analítica e diferencial”.

Diante desse percurso para resgatar o conceito de matemática. Fizemos um

estudo do Antigo Egito até os dias de hoje e como breve resumo o quadro apresentado

por Lunganzo (1990) nos faz entender de uma maneira mais rápida todas as mudanças

qualitativas na história da matemática.

Tabela 01

Grandes mudanças qualitativas na história da matemática

Etapas Época Tipo de matemática

Geometria

egípcia

Antigo

Egito

A geometria como técnica de medição da terra.

Matemática

como

“ciência”

Grécia

Clássica

Geometria de Euclides e aritmética pitagórica

Page 23: Monografia Amanda Matemática 2006

Uso de

símbolos e

maior

abstração

Século

XII, XV,

em diante

Álgebra árabe. Teorias algébricas de franceses e italianos.

Resolução de equações.

Síntese de

álgebra e

geometria

Século

XVII

Geometria cartesiana.

Cálculo Século

XVII

Leibniz

Newton

Cálculo que permite operar com funções (cálculo diferencial

e integral). Aplicação posterior à física matemática. Sínteses

cada vez mais aprimoradas.

Fundamentos

e métodos

Século

XIX

Preocupação pela fundamentação teórica da geometria e

aritmética. O conceito de números. Definições precisas.

Matemática

estruturada

Século

XX

A matemática introduz estruturas abstratas que abrangem

simultaneamente muitas classes de objetos (números,

figuras, funções). Matemática “moderna”.

Fonte: Livro : O que é matemática, Autor Carlos Lungarzo, editora brasileira, São Paulo, 1990

Baseado na tabela a matemática passou por fases importantes que serão

abordadas: Primeiro foi no Antigo Egito que a sociedade local utilizou a geometria de

maneira prática, para fazer medidas e repartições exatas nas terras.

Eves relata esse momento:

Assim, pode-se dizer que a matemática primitiva originou-se em certas áreas do Oriente Antigo primordialmente como uma ciência prática para assistir a atividades ligadas à agricultura e à engenharia. Essas atividades requeriam o cálculo de um calendário utilizável, o desenvolvimento de um sistema de pesos e medidas para ser empregado na colheita. ( EVES 2004, p.57)

Page 24: Monografia Amanda Matemática 2006

Já na Grécia Clássica quando a matemática é tratada como ciência, ocorre uma

aprimoração nos assuntos como linhas, ângulos, figuras geométricas, teoremas como o

de Pitágoras¹, as grandezas irracionais entre outras descobertas que nos auxiliam muito

hoje e que ficou conhecida como “o berço da matemática demonstrativa”.

Por causa da necessidade de uma matemática demonstrativa o homem

começou a ter inquietações, necessitou de vários questionamentos, entre eles Eves

(2004, p.94), cita alguns: [...] “numa atmosfera de racionalismo crescente, o homem

começou a indagar como e por quê?. Pela primeira vez na matemática, como em outros

campos, o homem começou a formular questões fundamentais”.

Saindo dos povos primitivos e indo a Idade Média e o Renascimento, a

matemática passa por avanços importantes. Para Eves (2004, p.291): “O século XII

tornou-se, na história da matemática, um século de tradutores”. Traduções essas dos

Elementos de Euclides², e das tábuas astronômicas.

Surgem também entidades matemáticas como equações, e os primeiros

registros dos símbolos + e - apenas utilizados para indicar excesso e deficiência e não

com o significado que temos hoje.

_____________

¹ Filosofo e matemático grego. Fundador de uma comunidade religiosa, filosófica e política, exerceu grande influência sobre o pensamento antigo. Autor do teorema que leva o seu nome. (BARSA, p.439)

² Matemático grego, considerado o pai da geometria. Ensinou em Alexandria e aí fundou uma escola, ao tempo em que Ptolomeu I reinava sobre o Egito. (BARSA, p. 206)

Page 25: Monografia Amanda Matemática 2006

A atividade matemática no século XV centrou-se grandemente nas cidades italianas e nas cidades de Nuremberg, Viena e Praga na Europa Central e girou em torno da aritmética, da álgebra e da trigonometria. Assim, a matemática floresceu principalmente nas cidades mercantis em desenvolvimento, sob a influência do comércio, da navegação, da astronomia e da agrimensura. (EVES 2004, p.296)

No século XVII a matemática sai do mundo fechado dos objetos e parte para o

dinamismo ao surgir as funções que tira a limitação indo para a “variação”. Também

surge o cálculo, apoiado pela geometria analítica, com um destaque importante para

Leibniz³ que usou pela primeira vez o símbolo de integral, um S alongado, derivado da

primeira letra da palavra latina summa (soma).

Já Newton4, também criou sua própria matemática, Eves (2004, p.436) fala sobre

as descobertas de Newton: “primeiro descobrindo o teorema do binômio generalizado,

depois inventando o método dos fluxos, como ele chamava o atual cálculo diferencial”.

Dando uma abertura total para que hoje possamos utilizar desses campos,

desempenhando várias atividades indispensáveis no nosso dia-a-dia.

O século XIX foi importante para a geometria e a aritmética, pois surgiu novos

questionamentos, já que para alguns estudiosos a geometria sempre estava

relacionada a geometria euclidiana, e por isso não se fazia um estudo desvinculado dos

seus moldes tradicionais, mas ocorreu a libertação da mesma e por isso pode chegar a

uma conclusão de que apenas uma geometria não era possível e assim surgiu

caminhos para outros sistemas geométricos serem criados.

_____________

³ Filósofo e matemático alemão, criador do cálculo infinitesimal e do sistema filosófico das mônadas. (BARSA, p. 324).

4Matemático e físico inglês, um dos mais célebres sábios de todos os tempos, Sistematizou as leis da mecânica e foi autor da primeira teoria a respeito da gravitação universal. (BARSA, p. 394).

Page 26: Monografia Amanda Matemática 2006

A álgebra era considerada simplesmente como a aritmética simbólica. Ou seja

não se trabalhava apenas com números específicos, como se faz em aritmética, na

álgebra usavam letras que representavam os números.

Para Eves (2004, p.546): “PeacocK5 [...] procurou dar à álgebra um tratamento

lógico equiparável ao dos Elementos de Euclides”.

Para ter uma explicação melhor do que é geometria e aritmética foi necessário

passar por várias barreiras até alcançar a libertação e Eves relata essa libertação:

A geometria, como vimos permaneceu acorrentada à sua versão euclidiana até que Lobachevsky6 e Bolyai7, em 1829 e 1832, libertaram-na de suas amarras, criando uma geometria igualmente consistente em que abriram mão de um dos postulados de Euclides. Com esse trabalho destruiu-se a antiga convicção de que só poderia haver uma única geometria, abrindo-se o caminho para a criação de muitas outras. (EVES 2004, p.548)

_____________

5 Um ex-aluno e professor da Universidade de Cambridge. Foi um dos primeiros a estudar seriamente os princípios fundamentais da álgebra.

6 Matemático russo, criador do primeiro sistema geométrico não-euclidiano. (BARSA, p. 334)

7 Matemático húngaro, estudou o postulado das paralelas de Euclides, considerando-o dispensável, e denominou verdades absolutas as proposições independentes desse postulado, sugerindo o nome de geometria absoluta para o sistema não-euclidiano assim criado. (BARSA, p. 78)

Page 27: Monografia Amanda Matemática 2006

Para a álgebra pode-se contar uma história semelhante. Parecia inconcebível, no início do século XIX, que pudesse haver uma álgebra diferente da álgebra comum da aritmética. [...] Era essa a impressão sobre a álgebra quando, em 1843, William Rowan Hamilton8 foi forçado, por considerações físicas, a inventar uma álgebra em que a lei comutativa da multiplicação não valia. O passo decisivo, por parte de Hamilton, de abandonar a lei comutativa não foi fácil de dar; só foi dado depois de vários anos de cogitações em torno de um mesmo problema particular. (EVES 2004, p.548)

O século XX passou por várias etapas importantes, e junto a matemática

também teve evoluções notáveis como a teoria dos conjuntos e a álgebra abstrata. Um

fato que deve ser salientado foi a revolução computacional que afetou muito os ramos

da matemática.

Eves fala muito bem sobre a matemática moderna:

Duas das características principais da matemática do século XX, a ênfase na abstração e a preocupação crescente com a análise das estruturas e modelos subjacentes, chamaram a atenção, em meados do século, dos interessados em ensino da matemática. (EVES 2004, p.690)

Deve ser lembrado que a matemática moderna inicia com a introdução elementar

à teoria dos conjuntos e continua com a utilização de notações e idéias.

É importante lembrar que matemática está interligada na etnomatemática uma

não pode ser explicada sem a outra e segundo D’ Ambrosio (1990 p.17): “ao falar de

matemática associada a formas culturais distintas, chegamos ao conceito de

etnomatemática”.

_____________

8 Matemático e físico irlandês. Enunciou o princípio de Hamilton, segundo o qual todo fenômeno físico ocorre de forma a que a transferência de energia seja mínima. (BARSA, p. 262)

Page 28: Monografia Amanda Matemática 2006

2.2 Etnomatemática e saberes culturais: um imbricamento.

Na atualidade não é possível dissociar Matemática do socio-cultural em que

estamos inseridos, assim a etnomatemática surge com uma abordagem conceitual, que

resgata esta origem.

Sem dúvida uma abordagem aberta à educação matemática, com atividades orientadas, motivadas e induzidas a partir do meio, e, consequentemente, refletindo conhecimentos anteriores. Isso nos leva ao que chamamos de etnomatemática e que restabelece a matemática como uma prática natural e espontânea. (D’ AMBROSIO 1990, p.31)

A etnomatemática é um tema muito discutido atualmente e sempre se refere a

cultura de diversos grupos e D’ Ambrosio (1990 p.6) coloca isso muito bem quando diz:

“Somos assim levados a identificar técnicas ou mesmo habilidades e práticas utilizadas

por distintos grupos culturais na sua busca de explicar, de conhecer, de entender o

mundo que os cerca”.

Na matemática é muito visada a questão quantitativa, ou seja o que se aprende

em uma escola, seguindo um livro didático.

Segundo D’ Ambrosio (1990, p.17): “muito mais do que simplesmente uma

associação a etnias, etno se refere a grupos culturais identificáveis [...], --- e inclui

memória cultural, códigos, símbolos, mitos e até maneiras especificas de raciocinar e

inferir”.

Alguns conceitos serão salientados para ter uma melhor compreensão do que é

etnomatemática:

Page 29: Monografia Amanda Matemática 2006

D’ Ambrosio (1990, p.7) explica que etnomatemática é: “um programa que visa

explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimento em

diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e entre os três

processos”.

Segundo Knijnik (1996, p.77) “... A etnomatemática trata do estudo de diferentes

tipos de matemática que emergem de distintos grupos culturais e que é impossível para

alguém reconhecer e descrever qualquer objeto sem que use próprios referenciais”.

Ao longo da história vários estudiosos, professores e pessoas inconformadas

com a educação, tentam mudar os conceitos já definidos sobre matemática.

Para encontrar explicações, formas de lidar e conviver com a realidade natural e

sociocultural da população, vários estudos e pesquisas são realizados procurando

solucionar problemas e melhorar a vida dessa sociedade.

D’ Ambrosio (2005 p.47) se preocupa e expressa essa preocupação quando diz:

“eu vejo a etnomatemática como um caminho para uma educação, capaz de preparar

gerações futuras para construir uma civilização mais feliz”.

Pois estamos valorizando a cultura própria deles, e isso é explicado ao

definirmos etnomatemática.

Indivíduos e povos têm, ao longo de suas existências e ao longo da história, criado e desenvolvido instrumentos de reflexão, de observação, instrumentos materiais e intelectuais [que chama ticas] para explicar, entender, conhecer, aprender para saber e fazer [que chamo matema] como resposta a necessidades de sobrevivência e de transcendência em diferentes ambientes naturais, sociais e culturais [que chamo etnos]. ( D’ AMBROSIO 2005 p.60)

Page 30: Monografia Amanda Matemática 2006

Cultura é o conjunto de conhecimentos compartilhados e comportamentos

compatibilizados (Dי Ambrosio 2005, p.32).

Para etnomatemática a cultura é a chave da matemática.

Na etnomatemática a prevalência dos saberes próprios de cada grupo social

enriquece cada vez mais as raízes de cada povo. Para entender o que é saber cultural

é necessário definir cultura e Knijnik (p.91) apud Raymond Williams (1992) e Clifford

Geeertz (1978) define muito bem:

“Para o primeiro deles cultura é “ ′um sistema de significações’ bem definido

não só essencial, mas como essencialmente envolvido em todas as formas de atividade

social”.

Para Geertz: São sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria de símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos;...

Para uma cultura permanecer viva na história é necessário ter uma linguagem e

comunicação entre os povos.

E os saberes culturais permanecerão vivos até os dias de hoje conservando

todas as descobertas feitas pôr cada grupo social.

Dי Ambrosio ( 2005, p. 54) relata isso ao dizer: “A cultura se manifesta no

complexo de saberes/fazeres, na comunicação, nos valores acordados por um grupo,

uma comunidade ou um povo. Cultura é o que você permitir a vida em sociedade”.

Page 31: Monografia Amanda Matemática 2006

Quando uma sociedade cultural se encontra é feita uma interação e troca de

conhecimentos realizando assim comportamento intercultural. Respeitando a

particularidade de cada indivíduo.

“Dessa forma Orey e Rosa afirma que o conhecimento que não se encaixa com

uma determinada cultura tende a extinguir-se porque torna-se frágil em sua aplicação”.

Todos os seres humanos vivem em culturas e as matemáticas são produtos

destas culturas.

Para podermos entender a matemática de um grupo social precisamos aprender

primeiro os saberes culturais deste povo, pois a matemática está interligada nesse

saber, e usa dentro da realidade de cada sociedade.

E esse entendimento de cultura gera muitos conflitos, Dי Ambrosio relata sobre

essa intercultura ao dizer:

O encontro intercultural gera conflitos que só poderão ser resolvidos a partir de uma ética que resulta do indivíduo conhecer-se e conhecer a sua cultura e respeitar a cultura do outro. O respeito virá do conhecimento. De outra maneira, o comportamento revelará arrogância, superioridade e prepotência, o que resulta, inevitavelmente, em confronto e violência. ( Dי AMBROSIO 2005, p. 45)

Por isso devemos respeitar o outro e sua cultura para podermos sempre

compartilharmos de novas descobertas, e conservar os saberes matemáticos já

adquiridos e conquistados pelas diversas sociedades.

Page 32: Monografia Amanda Matemática 2006

3 METODOLOGIA

Para o estudo do tema proposto utilizada como linha de pesquisa a

Etnomatemática com uma abordagem qualitativa por esta ser mais adequada para o

estudo de fenômenos sociais, onde o foco da investigação está centrado na

compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas ações.

Segundo Lüdke e André (1986, p.11 ): “a pesquisa qualitativa supõe o contato

direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo

investigada, via de regra através do trabalho intensivo de campo”.

Na busca de uma melhor reflexão na pesquisa optou-se no primeiro momento

pela pesquisa bibliográfica porque esta propicia um novo olhar sobre o tema estudado e

dá embasamento teórico possibilitando uma compreensão mais detalhada e valorização

do trabalho.

Realizou-se também um estudo sobre a etnomatemática e sua influência direta

numa determinada sociedade e sua cultura matemática.

Essa cultura foi estudada, baseada numa pesquisa qualitativa que tem no seu

interior a pesquisa etnográfica que justamente utiliza a cultura como princípio para

estudo. E Triviños (1992, p.121) define: “[...] o que se entende por etnografia não é

tarefa fácil. Em forma muito ampla podemos dizer que ela “é o estudo da cultura””.

Nesse trabalho os estudos tiveram como grupo específico: o dos trabalhadores

rurais de Quicé, que tem uma cultura própria como lidar com gado, tirar leite, trabalhar

na lavoura com plantio do milho, feijão, cuidando de animais como galinha e porco, a

qual foi observada e estudada. D’ Ambrosio (2005, p,27) resume numa frase simples a

Page 33: Monografia Amanda Matemática 2006

importância dos estudos que ressaltam os saberes culturais quando diz que:

“etnomatemática é um programa de pesquisa em história e filosofia da matemática, com

óbvias implicações pedagógicas”.

Tendo em vista este pressuposto é que foi realizada uma pesquisa de campo,

em que trabalhadores rurais foram entrevistados buscando identificar e compreender

seus saberes.

A pesquisa foi realizada no próprio Distrito de Quicé, que fica situado entre os

municípios de Senhor do Bonfim e Itiúba.

Para a entrevistar os trabalhadores foram escolhidos aleatoriamente entre

mulheres e homens, apenas com uma amostragem de 7 pessoas por ser considerado

um número bom para obter respostas aos levantamentos questionados e todos homens

porque naquela localidade ainda mantém um costume antigo de que nas famílias, as

mulheres cuidam da casa e dos filhos e os homens é que trabalham na roça para dar o

sustento da família.

Foi utilizada a entrevista semi-estruturada, e recurso de áudio que iam surgindo

diante das respostas dos lavradores, com questões abertas fazendo com que o tema

fosse investigado, como também realização de observações livres com o grupo que

está sendo estudado para procurar respostas ao problema levantado.

Pois para Lüdke e André (1986, p.34 ): “[...] a entrevista semi-estruturada, que se

desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo

que o entrevistado faça as necessárias adaptações”.

Um outro aspecto relevante em relação a observação, é salientado dando mais

ênfase à pesquisa.

Page 34: Monografia Amanda Matemática 2006

tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. Usada como o principal método de investigação a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. (LÜDKE E ANDRÉ 1986, p. 26)

Assim as observações compreenderam o olhar sobre o grupo que estava sendo

estudado, para fazer um levantamento dos saberes matemáticos existentes naquela

localidade.

Cabe salientar que foram realizadas entrevistas gravadas e filmadas, focalizando

as falas, as atividades desenvolvidas e as reações dos entrevistados, para poder

buscar uma melhor reflexão sobre os objetivos propostos.

Page 35: Monografia Amanda Matemática 2006

4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS

Neste capítulo os dados serão apresentados e interpretados concomitamente

objetivando apreender todos os significados durante o encontro.

4.1 O contexto

O trabalho de entrevista foi feito no Distrito de Quicé localizado a 24 Km de

Senhor do Bonfim e 18 Km de Itiúba, pertencendo ao município de Senhor do Bonfim,

tendo referência a Igreja de Santo Antônio que fica no centro do Distrito com

coordenadas geográficas de 10° 32' 29,3” de latitude sul e 40° 01' 42,59” de longitude

oeste, com vegetação caatinga e uma população de 1.559 homens e 1.479 mulheres

de acordo com dados da Projeção Universal Transversal de Mercator (UTM).

O Distrito apresenta uma condição sócio – econômica voltada para a agricultura

no plantio e cultivo de milho, feijão, mandioca, mamona entre outros produtos e

pecuária ao criar bois, bodes, galinhas e porcos, para o abate, e ao retirar leite de

vacas para vender ao município de Senhor do Bonfim ou até mesmo para o próprio

Distrito, pois naquela localidade já existe um processo de beneficiamento de leite com

uma fábrica de queijo mussarela. Não havendo outro meio de renda que favoreça a

localidade.

4.2 Os Sujeitos

A pesquisa foi realizada com trabalhadores rurais do Distrito de Quicé, que na

sua lida diária trabalham no roçado, e cuidam de animais, sendo total prioridade a

agricultura e a pecuária, atividades estas que movimentam todo o distrito e de onde os

Page 36: Monografia Amanda Matemática 2006

trabalhadores rurais tiram suas rendas e sustento, sendo entrevistados sete pessoas,

todos relatados que freqüentaram a escola, mas não concluíram.

Nos seus relatos atribuem terem muitas dificuldades na aprendizagem, e

precisarem trabalhar desde cedo para ajudar no sustento da família. Por esses motivos

podemos considerá-los como alfabetizados funcionais por escrever apenas o nome.

Apresentam também atividades básicas “como contar”. O ato de contar é

considerado como algo intrínseco ao ser humano.

Já no que se refere a experiência com o trabalho realizado na roça, constatou-se

que todos começaram desde pequeno, sempre aprendendo com os pais para hoje

poderem desenvolver as atividades utilizando os saberes culturais herdados e

aplicados à prática com exatidão.

4.3 Os saberes matemáticos dos trabalhadores rurais de Quicé – a cultura

matemática do cotidiano

Buscando respostas para a pergunta: Quais os saberes matemáticos dos

trabalhadores rurais? Que norteou este estudo realizando visitas ao campo e

entrevistas com os trabalhadores da localidade.

Observando o desenvolvimento das atividades. O lidar com o gado , o plantio, a

forma como eles organizam o seu modo de vida.

O trabalho na roça é realizado, no cultivo de alguns produtos como milho, feijão,

mandioca, entre outros, num ambiente rural. Este método é milenar, transmitido por

culturas e passado de geração a geração.

Page 37: Monografia Amanda Matemática 2006

Quando fizemos um resgate na história da matemática verificamos que o ato de

contar, a relação de conjuntos, medidas de tempo, capacidade, comprimento são

noções matemáticas que foram realizadas pelos primitivos, há muito tempo atrás.

Utilizando a compreensão de D' Ambrosio sobre a riqueza presente do cotidiano

foi observado que esse grupo de pessoas, embora num trabalho simples aplicam

conhecimentos agrícolas como plantar, cultivar e colher, geográficos ( a maneira em

que os lavradores se posicionam e localizam- se em relação ao sol e sua sombra, e

as épocas do ano propicia para plantar cada produto) e matemáticos ( a relação de

lucro e prejuízo, utilização das quatro operações), apesar de não terem noções

cientificas da matemática, mais raízes culturais fortíssimas, onde desenvolvem suas

práticas diárias.

Observando tudo isso ficamos impressionados com a sabedoria dessas pessoas,

permitindo uma confirmação de que eles possuem saberes gerais e que serão

colocados em evidência os saberes matemáticos.

Os saberes matemáticos identificados ao realizar a entrevista foram: unidades de

medidas, tempo, capacidade, lucro e prejuízo, as quatro operações matemáticas, e

formas geométricas. Destacando que eles não tem como um conhecimento

matemático, mas realizam essas atividades dentro de suas habilidades e experiências

da vida. Estes saberes serão resgatados a seguir, englobando em áreas relacionadas

ao conhecimento matemático: geometria, aritmética e álgebra.

Assim, podemos interpretar partindo dos saberes que eles apresentaram

referentes aos conhecimentos geométricos

Page 38: Monografia Amanda Matemática 2006

Ao realizar a entrevista, foi abordada a maneira como esses lavradores medem a

terra, recurso esse utilizado desde os tempos primitivos, onde o homem media as terras

com barras de pedra, substituída por madeira e mais tarde pela de ferro assuntos estes

relacionados as unidades de medidas e constatados na história da matemática, e que

vem sendo utilizados pelo grupo de lavradores do distrito de Quicé nos dias atuais.

Na narrativa do lavrador A temos .

L . A: “Aí agente usa uma corda, um arame, mede com braça, 15

braças, aí é como mede¹”.

Ainda mais detalhado e com outras informações temos o relato do lavrador B.

L. B: “Ah! eu vou na corrente, para medir a área eu meço a

corrente, chamo os lados e depois tiro a conta”.

L. B: “Posso. De acordo com a área que eu vou medir, se eu for

medir, vamos dizer aqui (chão). O quilômetro. Aqui um quilômetro,

aqui um quilômetro, aqui é outro e aqui outro. Aí se forma 225

tarefas. Eu baseio assim, se eu for medir uma tarefa de 30, eu

meço 30 braças, 30, 30 ,30, se forma uma tarefa. Na nossa

linguagem aqui. Tem lugar que chama alqueire, mais nós aqui

conhece como tarefa”.

Para uma melhor compreensão da fala do lavrador B, apresenta-se um

esquema, onde através deste busca-se elucidar o modo que os trabalhadores rurais de

Quicé medem suas terras.

____________

1 Os discursos foram transcritos literalmente respeitando suas falas e modos de se expressar.

Page 39: Monografia Amanda Matemática 2006

Para medir a terra os primitivos usavam uma vara equivalente a 10 palmos, que

em média mede 22 cm cada, tornando-a em uma braça equivalente a 2, 20 m.

Eles usavam a braça para medir áreas grandes chamadas de tarefa. Para medir

uma tarefa nós utilizamos 30 braças quadradas que é igual a 900 quadros, o mesmo

que 1 tarefa.

Para se calcular uma área, soma – se as duas larguras e as duas alturas e divide

por 2.

Em seguida multiplica os resultados dos lados e o resultado obtido divide por 900

quadros, obtendo a tarefa.

Como exemplo ilustrativo temos:

30

30 30

30 soma das alturas soma dos lados

30 + 30 = 60 30 + 30 = 60

divide o resultado a cima por 2 divide o resultado a cima por 2

60 : 2 = 30 60 : 2 = 30

multiplica os resultados obtidos nas duas operações

30 x 30 = 900

Page 40: Monografia Amanda Matemática 2006

divide o resultado por 900 quadros

900 : 900 = 1 (que corresponde a 1 tarefa²).

L. B: “Bom, de acordo o dono queira, eu não importo, tenho lá na

fazenda corrente de 10 metros, e tenho corrente de 5 metros”.

Podemos perceber que estes lavradores utilizam o corpo como referência. Este

saber cultural é referendado pelo desenvolvimento da matemática ao longo do tempo

quando o entrevistado G diz:

E . G: “É com a vara de medir, a vara mede 2, 20 e agente faz um

quadrado e depois é só cubar para saber o que dá.

As unidades de medidas utilizadas pelos homens primitivos – o bastão são re-

enventados em contextos espaciais diferenciados, o que reforça a interpretação de

Lungarzo referida na tabela 1, ao falar de maneira clara que no Antigo Egito a

sociedade usava várias técnicas nas medições de terras , para ser empregado na

colheita.

Outro ponto enfatizado na entrevista foi a utilização do corpo como referência, no

qual realizou-se um estudo no qual Boyer explica que os primitivos usavam o corpo

como referência para medir o palmo, a polegada , jarda entre outros e até mesmo se

basear em relação ao tempo e localização geográfica, tudo descrito na introdução do

sistema decimal.

____________

² 1 tarefa são 30 braças quadradas e 1 braça mede 2,20m linear, sendo que 1 hectare é igual a 2,3 tarefa

Page 41: Monografia Amanda Matemática 2006

Tem-se evidências que cerca de 4 mil anos utilizavam o corpo para servir de

medidas como: pé, jarda, polegada, palma, braçada e passos. E sobre essas medidas

vários entrevistados demonstraram esses saberes matemáticos que ultrapassaram

décadas e décadas, sempre passando de geração a geração e sendo um fato presente

na cultura desses povos.

Alguns momentos comprovam e descrevem claramente tudo isso, através do

entrevistado A.

E. A: “Agente mede as passadas, meio metro, mais de meio metro,

aí depende do legume”.

E . A: “Só as passadas assim, estica a perna é assim que agente se

baseia”.

Os saberes do ponto de vista algébrico e aritmético

Uma conquista importante foi a nossa localização geográfica em relação ao

tempo, onde estamos situados, que horas são? A narrativa do lavrador D define este

momento como algo sensorial que está relacionado ao espaço – tempo. O sol orienta o

lavrador, fazendo com que ele se situe no ambiente em que esteja.

E . D: “Olho para o céu sei que hora é 10 horas, sei que horas é 11,

sei que hora é 1 e também olho pela sombra, na sombra eu sei

para que lado é norte, é o sul, nascente, poente, conheço tudo pelo

sol, pela sombra”.

Esta relação sol – sombra, em matemática é estudada pela trigonometria, uma

extensão da geometria que usando um triângulo retângulo, feitos a partir do homem

Page 42: Monografia Amanda Matemática 2006

com a projeção de sua sombra, podemos calcular de forma exata qualquer medida que

desejar.

Ainda um outro ponto foi encontrado na entrevista relacionada as medidas,

dessa vez nas medidas de capacidade. Identificamos a presença do prato³ , um

instrumento que antigamente recebia o nome de celamim, usado como medida padrão

para volumes de seco, ressaltando que as medidas apresentadas sofrem alteração ao

longo do tempo, por serem adaptadas à necessidade de cada pessoas.

Figura 1: Celamim (prato), medida padrão para volume de secos de D. Sebastião. 1575.

Fonte: museu de metrologia, São Paulo.

A narrativa do lavrador J esclarece bem o significado do material citado.

L .J: “É em prato, só agente colocar 16 prato, as vezes passa, as

vezes falta, mais é na base do prato”.

___________

3 uma forma de medida para saber quantos quilos apresenta o feijão, milho entre outros produtos sem utilizar a balança. Esse instrumento é um quadrado, feito de madeira com medidas de 15 de altura por 30 de largura.

Page 43: Monografia Amanda Matemática 2006

L .J: “É uma tábua, agente faz ele e pega 5 litros, aí 5 litros agente

enche 16 vezes e coloca no saco”.

Esta forma de peso está relacionada com conhecimentos de geometria, pois

envolve altura, largura, perímetro, e área.

Os conhecimentos financeiros são abordados por eles numa relação de lucro e

prejuízo, porém eles não fazem esses processos diariamente, e nem através de contas

sistematizadas com uma linguagem específica. A forma como eles calculam são

baseados nos saberes culturais da localidade e nas necessidades que aparecem no

cotidiano.

O cálculo que esses homens realizam diz respeito a relação débito/dívidas,

despesas com mercado, roupa, bebida, ferramentas de trabalho, crédito/saldo a quantia

arrecadada na venda de animais, ovos, leite, grãos e sobra /resta (o dinheiro que fica

para atender outras necessidades).

Comprovando o texto o lavrador A relata:

E: Cria bicho?

A: Galinha

E: Tira alguma renda das galinhas

A: Quando vendo um ovinho velho

E: Tem algum lucro?

A: Dá nada quando tem muito ovo ninguém quer, quando tem pouco, agente faz

um dinheirinho.

Page 44: Monografia Amanda Matemática 2006

Verifica-se que as circunstâncias matemáticas diferem muito na vida e na escola.

Na escola este conteúdo é abordado ao introduzir o conceito de números

inteiros.

Mais um relato do entrevistado F confirma essa fala.

E: Tira leite?

F: Tiro.

E: Para vender?

F: As vezes vendo, as vezes não

E: Por quanto o senhor vende o leite?

F: 0,50 centavos, eu vendo em casa

E: Acha que tem lucro com esse leite?

F: Tenho, se não fosse o leite não tinha nada.

E: Como o senhor sabe que está tendo lucro, ou prejuízo ao tirar leite e vender?

F: Acredito que agente sabe porque tá sobrevivendo com o dinheiro do leite,

compra tudo, compra alimentos, compra alguma coisa que precisa.

Toda análise feita dessas culturas nos permite perceber que os saberes

matemáticos realizados pelos lavradores precisam de poucas regras matemáticas para

realizarem seus trabalhos na roça, mas podem desenvolver uma concepção algébrica e

geométrica que permite resolver qualquer operação corriqueira do seu cotidiano.

Page 45: Monografia Amanda Matemática 2006

4.4 A relação com a escola

Diante das circunstâncias constatamos que esses lavradores não estabelecem

nenhum vínculo entre matemática do dia-a-dia e matemática da escola. Ou até mesmo,

eles não relacionam seus saberes culturais com matemática, como exemplo podemos

citar a fala do lavrador C:

E: Tem algum assunto de matemática que o senhor utiliza na sua lida diária?

C: O trabalho da roça é diferente, do da escola.

E: O que o senhor vê na matemática da escola, não vê nada em relação a roça?

C: Por enquanto não.

Os lavradores vêem o ambiente escolar como um mundo distante do que eles

vivem, não podendo para eles ter nenhuma relação entre as duas que possam ajudar

em algum serviço na roça.

Eles não conseguem fazer um paralelo entre os dois ambientes, e ver que

ambos tem situações que leva os lavradores a trocar experiências que vivênciam nos

dois locais e que estão interligados. Como ilustração temos a narrativa de um ruralista

J.

E: Já freqüentou a escola?

J: Freqüento

E: Atualmente está freqüentando?

J: Sim

Page 46: Monografia Amanda Matemática 2006

E: Por quanto tempo?

J: 6 anos, nós começou a estudar pequeno, aí parei e agora depois de uns trinta

e poucos anos tornei continuar

E: Lembra o que foi estudado nas suas aulas de matemática?

J: Ah! lembro não, (silêncio) logo naquele tempo mais para trás era uma coisa e

agora hoje é outra.

E: Teve algum assunto que você vê na matemática que utiliza no seu trabalho,

no lidar com a terra ou é totalmente diferente?

J: O trabalho da roça é diferente, daqui da escola

E: O que você estuda na matemática da escola, não vê nada em relação a roça?

J: Por enquanto não.

A visão deste grupo sobre a escola e seus conhecimentos é resultante de uma

prática pedagógica sem sentido onde os saberes matemáticos e culturais não foram

explorados.

Segundo D' Ambrosio a etnomatemática é um programa que interliga a

matemática escolar com uma prática natural e própria de cada sociedade. E os

lavradores não fazem essa relação entre matemática escolar e saberes culturais.

É importante que os lavradores tenham além dos seus saberes matemáticos,

conhecimento matemático da escola, para que acompanhe o desenvolvimento social.

Devemos enfatizar que esta escola precisa interligar saberes culturais da

população local com assuntos de matemática , para que estes ruralistas preservem

Page 47: Monografia Amanda Matemática 2006

suas culturas, e tenham uma alfabetização matemática, permitindo que eles tenham

dignidade, sejam respeitados e tenham direito do exercício pleno da cidadania.

Page 48: Monografia Amanda Matemática 2006

CONCLUSÃO

A matemática nasceu numa época, num local, em uma circunstância que

interfere no modo de ser e agir dos diversos povos que a utilizam de várias formas.

A maneira com que procurou resgatar as fases da matemática foi para explicar, e

buscar respostas para o problema questionado, que direcionava aos trabalhadores

rurais do Distrito de Quicé, que com suas experiências e suas histórias tiveram fatores

determinantes no comportamento. Comportamento esse construído no seu próprio

cotidiano.

O qual levou a um total interesse para desvendar algumas culturas interligadas

com a matemática, já que temos contato direto com essa população, várias

manifestações chamavam atenção mesmo antes de ter conhecimento da área, e que

depois de ter um aprofundamento no assunto, pudemos perceber que naquele local

existe um saber matemático muito rico, podendo ser uma fonte de estudo.

Pudemos notar que a interligação escola e sociedade se deve muito à forma

como os educadores trabalham em cada ambiente em que estão inseridos.

Notou-se pelas entrevistas dos lavradores que os professores não trabalham

com a matemática local valorizando o aluno, sempre traz aulas prontas. E a

etnomatemática visa muito o raciocínio, o que o indivíduo sabe e pensa, pois todos nós

temos algo a ensinar.

A noção de quantidade, medidas, formas, operações e tempo encaixam-se nos

saberes do cotidiano dos ruralistas, tendo a ver diretamente com os saberes

matemáticos científicos que enfatizamos, mesmo a grande maioria relatando que

Page 49: Monografia Amanda Matemática 2006

matemática não tem nada a ver com o trabalho que desenvolvem. Não sabem eles que

a cultura interna é riquíssima.

Neste encontro entre uma aluna do Curso de Licenciatura em Ciências com

habilitação em Matemática e lavradores houve um sentimento de satisfação por

perceber que ao fazer as perguntas, conseguiu-se respostas convincentes para o

problema que foi levantado, atingindo as expectativas, estando todas interligadas com o

contexto abordado. Isto foi vivenciado quando obtivemos respostas concisas.

Por isso como educadores matemáticos não podemos ficar parados no tempo,

sempre repassando conteúdos programados, temos que nos adequar à realidade de

cada sociedade, pois podemos oferecer aos nossos alunos instrumentos

comunicativos, situações reais, respeitando as raízes culturais de cada sociedade,

praticando uma dinâmica cultural, muito preservada por D' Ambrosio ao fazer grandes

relatos e estudos sobre etnomatemática, que comprovam todos esses dados

abordados, conseguindo respostas convincentes as reflexões feitas.

Faz-se necessário perceber que a etnomatemática é essencial para se chegar a

uma organização da sociedade, ela consegue compreender o saber cultural como um

acréscimo na vida da população, sendo essencial para ter uma análise crítica do mundo

em que vivemos, pois estamos vivendo em profunda transição, mais do que em

qualquer outro período da história.

Dessa forma, identificar os saberes dos trabalhadores rurais do distrito de Quicé

é um ponto inicial para compreender uma realidade e poder atuar de forma direta.

Diante desse trabalho realizado nessa localidade, verifica-se que este objeto de

estudo fornece pistas a estudos posteriores. Mesmo obtendo as respostas para questão

inicial deste trabalho percebe-se que os saberes matemáticos destes trabalhadores são

fortes, porém frágeis diante dos saberes geométricos, algébricos e aritméticos que

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foram discutidos ao longo do trabalho, pois necessitam de uma alfabetização

matemática para que possam ser mais valorizados e respeitados dentro de uma

sociedade.

Podemos ainda fazer um estudo mais detalhado, no beneficiamento do leite, já

que no local está tendo uma boa aceitação, muitos ruralistas estão se voltando para

esse produto, por acharem ter maior rentabilidade. E justamente essa questão pode ser

conferida, fazendo um levantamento nessa área.

Outro ponto importante é a questão da apicultura, muitos lavradores já

desenvolvem trabalhos nessa área, que também podem nos levar a um estudo.

É imprescindível lembrar que a própria continuidade no aprofundamento dos

saberes matemáticos locais, é algo de grande interesse, só que num ponto mais

específico: como a cubagem de terra, um contexto interessante, já que vem de um

histórico antigo e presente até hoje, salientado durante todo o decurso do trabalho,

possibilitando grandes descobertas e pesquisas para sermos contribuintes na

permanência de uma cultura matemática.

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